Jornal da ABI Especial - A Cronologia dos Quadrinhos 2
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
FOTOS: ARQUIVO PESSOAL<br />
Os Superamigos<br />
Amizades e negócios quase sempre an<strong>da</strong>m<br />
juntos: com Osamu Tezuka (no alto),<br />
conversas para reunir num crossover a Turma<br />
<strong>da</strong> Mônica e Astro Boy; com Pelé, a criação do<br />
Pelezinho; com Kim Basinger, um projeto de<br />
um parque de diversões e de personagens<br />
infantis que acabou não se concretizando.<br />
Abaixo, o abraço fraterno a Will Eisner.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – FOI O JAYME CORTEZ<br />
QUE PUBLICOU SUA PRIMEIRA REVISTA EM<br />
QUADRINHOS, NÃO?<br />
Mauricio de Sousa – O dia em que eu<br />
conheci o Cortez... ele me encheu de<br />
palavrões! (risos) Eu fui lá na Editora<br />
para vender uma história de terror para<br />
eles e eu já estava publicando as tirinhas<br />
do Bidu na Folha de S. Paulo. Mas a on<strong>da</strong><br />
era história de terror. O pessoal<br />
ganhava dinheiro com<br />
histórias de terror e as tiras<br />
de jornal <strong>da</strong>vam uma merrequinha.<br />
Aí eu pensei:<br />
“Puxa, preciso ganhar dinheiro!”.<br />
Então, fiz umas<br />
páginas de terror... uma<br />
porcaria porque eu não tinha<br />
jeito para aquilo! E levei<br />
pra ele... Aí ele olhou o<br />
material e falou:<br />
“Tu não és aquele gajo que<br />
faz aquelas historinhas do<br />
cachorrinho lá no jornal?”<br />
“Sou...”<br />
“Então porque me trazes<br />
essa mer<strong>da</strong>? (risos) Trazes<br />
aquilo que tu estás acostumado<br />
a desenhar!<br />
“Mas...”<br />
“Mas na<strong>da</strong>!”<br />
Ai ele falou mais um<br />
monte de palavrões e eu<br />
voltei e fiz umas páginas<br />
com histórias em quadrinhos<br />
do Bidu e do Franjinha,<br />
levei e publicamos as primeiras<br />
revistas em quadrinhos<br />
do Bidu. Como eu não<br />
tinha equipe, não tinha<br />
na<strong>da</strong>, era repórter e tinha<br />
que trabalhar de madruga<strong>da</strong><br />
para fazer as histórias,<br />
agüentei fazer uns cinco números<br />
só... tive que parar. Trabalhava,<br />
ganhava pouco, a Editora pagava um<br />
salário-mínimo para fazer uma revista<br />
inteirinha! Então não agüentei mais...<br />
mas foram as minhas primeiras revistas.<br />
Uma boa experiência graças ao Cortez.<br />
Só dez anos depois que tive condições<br />
de manter uma revista e foi quando<br />
lancei a Mônica. Quando Cortez ficou<br />
disponível no mercado, eu o chamei<br />
para ser Diretor de Arte do nosso estúdio.<br />
Ele trabalhou lá durante muitos<br />
anos. Acompanhou, por exemplo, o planejamento<br />
e a produção do primeiro desenho<br />
animado nosso, <strong>da</strong> Turma <strong>da</strong> Mônica,<br />
produzido pelo Daniel Messias, que<br />
passou na Globo e que tinha aquela<br />
música de Natal que todo mundo canta<br />
até hoje... ele é que, praticamente, coproduziu.<br />
E agora nós vamos refazer<br />
esse desenho e lançar de novo na Globo,<br />
depois de 40 anos. Então, o Cortez<br />
faz parte <strong>da</strong> história de nosso estúdio;<br />
orientou muita gente, orientou o pessoal<br />
do desenho animado que está comigo até<br />
agora. Ele foi fun<strong>da</strong>mental na construção,<br />
na elaboração de nosso estúdio.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – VOCÊ LANÇOU A REVIS-<br />
TA MÔNICA E SUA TURMA EM 1970 E UM<br />
ANO DEPOIS GANHOU O TROFÉU YELLOW KID,<br />
EM LUCCA, NA ITÁLIA. COMO VOCÊ RECEBEU<br />
Em 1963, Mauricio participou ativamente<br />
<strong>da</strong> criação do suplemento infantil Folhinha<br />
de S.Paulo, e dois anos depois lançou pela<br />
FTD alguns livros infantis com personagens<br />
como Astronauta e Piteco (acima).<br />
A NOTÍCIA DE SUA PREMIAÇÃO? AFINAL O YE-<br />
LLOW KID É CONSIDERADO O OSCAR DOS<br />
QUADRINHOS.<br />
Mauricio de Sousa - Eu já estava lá. Era<br />
a terceira ou quarta vez que eu ia a Lucca<br />
apresentar os trabalhos, estava mostrando,<br />
fazendo a minha festa lá. Aí falaram<br />
pra mim: “Você precisa ir lá” e ninguém<br />
falava por quê. “Vai bem vestido,<br />
vai de gravata”. Na festa me chamaram<br />
e aí fui receber o prêmio... Custei a entender<br />
o significado e o peso <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de...<br />
Eles tinham, então, um motivo:<br />
uma revista numa grande editora,<br />
a coroação de um trabalho de dez anos<br />
de histórias em quadrinhos, uma publicação<br />
nova que representava uma saí<strong>da</strong><br />
para os quadrinhos brasileiros.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – VOCÊ PARTICIPOU TAM-<br />
BÉM DA ELABORAÇÃO DO ESTADINHO?<br />
Mauricio de Sousa – Sim. Na déca<strong>da</strong><br />
de 80, o Octávio Frias Filho remodelou<br />
o jornal e decidiu apostar em histórias<br />
mais volta<strong>da</strong>s para adultos. Nisso, o Estadão<br />
me chamou e criamos o Estadinho,<br />
que no começo era praticamente igual<br />
à Folhinha. Aos poucos, o caderno foi<br />
mu<strong>da</strong>ndo seu perfil. Mas você falou<br />
sobre a valorização <strong>dos</strong> desenhistas<br />
nacionais. Em comemoração aos 50<br />
anos de quadrinhos, lançamos dois<br />
livros em que 100 artistas brasileiros<br />
foram convi<strong>da</strong><strong>dos</strong> para desenhar<br />
a turma <strong>da</strong> Mônica, com<br />
seu traço, seu estilo e sua história.<br />
Ca<strong>da</strong> um fez à sua maneira.<br />
Esse pessoal não está sendo usado<br />
pelos jornais, mas por multinacionais<br />
como a Marvel, a DC ou fazem<br />
sucesso no Japão. A imprensa brasileira<br />
está virando as costas para esse<br />
pessoal aqui... renegando grandes talentos<br />
brasileiros.<br />
JORNAL DA <strong>ABI</strong> – QUANDO VOCÊ LANÇOU<br />
SUAS HISTÓRIAS, ELAS FIZERAM SUCESSO NÃO<br />
APENAS PORQUE ERAM BRASILEIRAS, MAS<br />
TAMBÉM POR CAUSA DO SEU TRAÇO SINGULAR<br />
E DOS ROTEIROS BEM CRIATIVOS. IMAGINAVA<br />
FAZER TANTO SUCESSO?<br />
Mauricio de Sousa – O sucesso foi uma<br />
soma de muitas coisas. Você até pode<br />
errar na <strong>dos</strong>e, mas teve o negócio do texto,<br />
do ritmo, de a história ser linear, de<br />
falarmos a mesma língua – quer dizer,<br />
a língua <strong>da</strong> criança<strong>da</strong>, a língua <strong>da</strong> casa.<br />
Mas acredito que sucesso não se planeja.<br />
Você prepara uma carreira, monta uma<br />
estrutura, mas não sabe se vai ou não<br />
<strong>da</strong>r certo. O que fazemos aqui é procurar<br />
o melhor. O artista sempre está insatisfeito,<br />
quer o melhor, procura coisas<br />
que ain<strong>da</strong> não fez. Estamos sempre<br />
inventando novos personagens, criando<br />
novas revistas. Mas tudo o que temos<br />
hoje já começou a ser planejado<br />
quando comecei a desenhar. Já pensava<br />
em fazer histórias para os jornais,<br />
desenhar as tirinhas, depois em formato<br />
tablóide, revistas, desenhos anima<strong>dos</strong>,<br />
parques temáticos. Mas eu não inventei<br />
isso. Era uma tendência. Olhei e<br />
percebi que os norte-americanos já começavam<br />
a fazer isso. Adequamos para<br />
fazer no Brasil. Nossos quadrinhos não<br />
foram influencia<strong>dos</strong> pela Disney. Nos<br />
anos 40 e 50, eles tinham bons desenhistas,<br />
mas eu achava suas histórias fracas.<br />
Havia outros bons modelos. Histórias<br />
clássicas do Li’l Abner, o Ferdinando do<br />
Al Capp; o Spirit, do Will Eisner; Brucutu,<br />
de Vincent Hamlin, e outras me<br />
mostraram que não precisávamos ficar<br />
no básico. Podíamos fazer quadrinhos<br />
mais elabora<strong>dos</strong>, sofistica<strong>dos</strong>. Não acho<br />
que inventei na<strong>da</strong>. Apenas recriamos em<br />
um contexto diferente. Outro personagem<br />
de que gosto muito é o Asterix. Ele<br />
tem a quali<strong>da</strong>de de ser o detonador para<br />
o processo de leituras mais sofistica<strong>da</strong>s.<br />
A criança pode ler outras histórias, mas<br />
quando encontra as do Asterix começa<br />
a buscar algo mais cabeça.<br />
Zé Vampir e Penadinho<br />
eram desenha<strong>dos</strong><br />
assim em 1965.<br />
<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />
23