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Jornal da ABI Especial - A Cronologia dos Quadrinhos 2

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Apuarema. Um momento difícil, no qual<br />

a diversão quase se tornou um martírio.<br />

“Essa história foi horrível, e muito mal<br />

desenha<strong>da</strong> por mim. Não me enquadrava<br />

no estilo dele. Suava frio, madruga<strong>da</strong><br />

adentro, desenhando. Queria fazer a<br />

minha história, entende? Se eu via uma<br />

motocicleta que me chamava atenção,<br />

ela entrava na história; colocava o Judoka<br />

an<strong>da</strong>ndo de motocicleta. Ou seja, eu<br />

fazia a história à medi<strong>da</strong> que desenhava,<br />

não a fazia antes. Nem tinha tempo<br />

pra isso... E assim seguia até o final. Eram<br />

29 páginas, acho. Fazia uma página, fazia<br />

outra... Seguia criando e <strong>dos</strong>ando<br />

tudo até chegar ao final.”<br />

Como explicar que, com apenas cinco<br />

edições de O Judoka – que também<br />

ganhou formas e cores pelas mãos de<br />

Eduardo Baron, Mário Lima, Cláudio de<br />

Almei<strong>da</strong> – FHAF (como assina Floriano<br />

Hermeto de Almei<strong>da</strong> Filho) tenha garantido<br />

o seu nome entre os grandes desenhistas<br />

brasileiros? “Sinceramente?<br />

Não sei”, responde Floriano, ciente de<br />

que há alguns palpites no ar.<br />

O processo peculiar de sua<br />

criação, no qual desenho e<br />

história nasciam juntos, pode<br />

ser uma explicação. “Para<br />

mim, a história era um meio<br />

de desenhar. Certa vez, fiz<br />

uma história com águas-vivas,<br />

que eu havia visto em<br />

fotos. Achei que ficariam bonitas<br />

no desenho. Pronto, fui<br />

lá e coloquei o herói na<strong>da</strong>ndo<br />

perto delas.”<br />

Nas mãos de Floriano Hermeto<br />

O Judoka teve ganhos<br />

reais em termos de ação e<br />

aventura. Na prática foram<br />

derruba<strong>da</strong>s algumas fronteiras<br />

que limitavam a ação do<br />

personagem, que passou a viver<br />

aventuras mesclando perigos<br />

internacionais, espionagem<br />

e mistério. “Era uma<br />

proposta que não deve ser<br />

confundi<strong>da</strong> com a pasteurização<br />

que hoje é o principal<br />

algoz <strong>da</strong> manifestação artística”,<br />

diz Floriano.<br />

Sem estilo, decadência<br />

“A história em quadrinhos americana<br />

está numa decadência terrível. Aliás, as<br />

hqs estão em decadência no mundo todo.<br />

Elas são bem desenha<strong>da</strong>s, mas são pasteuriza<strong>da</strong>s.<br />

Você não identifica mais o estilo<br />

do desenhista. Antigamente, você<br />

via a história e, ain<strong>da</strong> sem ler, identificava<br />

personagem e autor.”<br />

E o que teria causado esse mal? Floriano<br />

tem lá suas suspeitas.<br />

“Quando tudo descambou pra superheróis<br />

e monstros, porra<strong>da</strong> pra lá, panca<strong>da</strong><br />

pra cá, começaram a faltar enredo<br />

e boas histórias. A Europa experimentou<br />

um boom, mas as revistas foram acabando.<br />

A Linus acabou, Correo del Piccolo, Pilote...<br />

Pego isso agora na internet, mas<br />

tudo do final <strong>dos</strong> anos 70, ou 80. As de<br />

hoje não têm graça. Se você lê uma história,<br />

leu to<strong>da</strong>s... Os brasileiros, coita<strong>dos</strong>,<br />

estão desenhando bem, mas você não<br />

sabe quem é brasileiro, quem é<br />

americano. Esse é outro problema:<br />

um cara faz uma cor, outra<br />

pessoa faz o desenho, um terceiro<br />

faz o lápis, outro a letra...<br />

Falta espaço para a produção<br />

mais autoral. Na minha<br />

época, eu fazia capa, lápis,<br />

tinta, legen<strong>da</strong>, título, história...<br />

Fazia tudo”, recor<strong>da</strong>.<br />

Do mesmo mal, acredita,<br />

padece outra de suas paixões:<br />

o cinema.<br />

“Antigamente, quando você<br />

ia atrás de um filme de determinado<br />

diretor, sabia o que<br />

estava indo assistir. Hoje, ca<strong>da</strong><br />

filme é de um diretor diferente,<br />

e eles são to<strong>dos</strong> iguais.<br />

É sempre aquela correria, com<br />

explosões e brigas, closes em<br />

cima de closes, empobrecimento<br />

<strong>da</strong> linguagem. Acho<br />

que há um guia básico de<br />

como filmar. É tudo massificado,<br />

e os caras são obriga<strong>dos</strong><br />

a fazer <strong>da</strong>quele jeito. Muitos<br />

<strong>dos</strong> filmes eu não consigo<br />

acompanhar”, critica.<br />

O próprio O Judoka, embalado<br />

pelo sucesso nas bancas,<br />

foi tema de filme, tendo<br />

como estrelas o modelo Pedro Aguinaga,<br />

então considerado o homem mais bonito<br />

do Brasil, no papel título, e Elisângela.<br />

Lançado em 1973, foi um fracasso<br />

nas bilheterias, pois sua produção mostrou-se<br />

muito amadora.<br />

Por falar em estilo próprio, Floriano<br />

é crítico de sua obra.<br />

“Eu não acredito que tenha desenvolvido<br />

um estilo próprio. Não tive tempo<br />

pra isso”, diz ele, que reconhece algumas<br />

To<strong>da</strong>s as capas de<br />

O Judoka desenha<strong>da</strong>s<br />

por Floriano Hermeto<br />

e Irma La Douce<br />

(direita), sua vilã<br />

preferi<strong>da</strong>. À<br />

esquer<strong>da</strong>, um<br />

desenho <strong>da</strong> esposa<br />

feito em 1976.<br />

influências. “Gostava<br />

muito do<br />

Steranko, copiei<br />

um personagem<br />

dele. E havia os<br />

espanhóis, né?<br />

Maravilhosos,<br />

como o Victor de<br />

la Fuente.”<br />

Apesar <strong>da</strong> magia<br />

<strong>dos</strong> quadrinhos, acredita ele, essa é<br />

uma arte fa<strong>da</strong><strong>da</strong> à extinção.<br />

“As histórias para adultos já acabaram.<br />

Os quadrinhos para crianças podem<br />

durar um pouco. Mas à medi<strong>da</strong> que<br />

forem se difundindo coisas mais interativas,<br />

anima<strong>da</strong>s, vai sobrar pouco espaço<br />

para os impressos”, acredita.<br />

“Um choque de felici<strong>da</strong>de”<br />

Edições que promovem experiências<br />

únicas, como a do garoto Floriano Hermeto,<br />

que na déca<strong>da</strong> de 40 corria às bancas<br />

atrás <strong>da</strong>s principais publicações do<br />

gênero, no bairro de São Cristóvão. Emoção<br />

que teria uma releitura anos mais<br />

tarde, no bairro de Ipanema, onde mora<br />

até hoje, aos 74 anos.<br />

“Minha maior sensação como desenhista<br />

foi ver a primeira revista que fiz<br />

nas mãos de um garoto. Me avisaram lá<br />

<strong>da</strong> Ebal: O Judoka vai sair tal dia. E lá fui<br />

eu pra banca <strong>da</strong> General Osório. Quando<br />

eu estava atravessando a rua em direção<br />

ao jornaleiro, veio um garoto com<br />

a revista aberta, lendo-a na rua. Isso foi<br />

um choque de felici<strong>da</strong>de, um impacto!<br />

Depois, até desenhei essa passagem<br />

numa história de O Judoka, com direito<br />

à Praça General Osório, jornaleiro e<br />

tudo mais....”<br />

Colaborou Francisco Ucha.<br />

<strong>Jornal</strong> <strong>da</strong> <strong>ABI</strong> 362 Janeiro de 2011<br />

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