Opinião Eu devo dizer Voto e legitimação de poder As disputas partidárias são as características mais evidentes de um ano eleitoral. Todavia, as peculiaridades desse intervalo de tempo, que se repete a cada dois anos, projetam-se em uma mesma direção: o voto. Ainda que desse movimento surja uma ideia de síntese, esse exercício apresenta-se como cerne de discussões arraigadas à evolução política nacional e, no ano em que o movimento das “Diretas Já” completa três décadas, faz-se pertinente pensar na relação entre o votar e a configuração de poder daí advinda. Dos 53 termos iniciados com a letra “v” e disponibilizados no glossário do site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 51 são conceituações referentes a voto. Esse recorte compreende basicamente as modalidades de voto que se fizeram e as que ainda se fazem presentes na política brasileira desde 1532. Desse ano data a primeira eleição realizada em território nacional para a escolha do Conselho Municipal de São Vicente, vila fundada pelos portugueses na região do atual estado de São Paulo. Nesse pleito, a modalidade de votação adotada foi a indireta, caracterizada pela escolha de representantes pelo povo, os quais, em seguida, elegem os ocupantes dos cargos oficiais. A razão principal da adoção do voto obrigatório, em 1932, foi o temor de que uma participação diminuta pudesse tirar a legitimidade do processo Texto: Isadora Ribeiro Foto: Thiago Novais Arte: Maysa Alves Quatrocentos anos depois, em 1932, dois anos após assumir a presidência da República, Getúlio Vargas criou a Justiça Eleitoral, estabeleceu a votação secreta e obrigatória e deu às mulheres o direito do voto. Vale lembrar que nessa época as eleitoras casadas dependiam da autorização do marido e as solteiras ou viúvas deveriam ter renda própria. Essas condições só foram eliminadas há oito décadas, com a Constituição de 1934, que também estabeleceu 18 anos como idade mínima para votar e normatizou a votação “obrigatória” firmada pelo Código Eleitoral de dois anos antes. Entretanto, as mulheres só deixaram de ter o voto como opção facultativa em 1946. As ações de Vargas, contudo, não se restringiram a essas concessões. Em 1937, ele instituiu o Estado Novo, governando ditatorialmente até 1945. Nesse intervalo de oito anos, as eleições livres foram interrompidas, tal como viria a ocorrer 19 anos depois, com a tomada de poder pelos militares. O governo iniciado com o golpe de 1964 suspendeu as eleições diretas para os cargos de presidente, prefeito, senador e governador. Isso motivou manifestantes a irem às ruas em prol do direito de votar nos candidatos de sua própria escolha, movimento que ficou conhecido como “Diretas Já”. As reivindicações desse movimento, no entanto, só foram acatadas cinco anos depois, em 1989, quando a eleição presidencial pelo voto direto, após 25 anos de embargo, voltou a ser válida. A legitimação de um governo passa, em um sistema democrático, necessariamente pelo voto. Para Luzia Helena de Oliveira, professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL), “a razão principal da adoção do voto obrigatório, em 1932, foi o temor de que uma participação diminuta pudesse tirar a legitimidade do processo”. Nesse sentido, foi ilegítimo o governo militar instalado em 1964, pois além de destituir do poder o presidente eleito constitucionalmente, impediu que a população elegesse seus representantes para os cargos mais significativos do poder político nacional. A descrição do percurso histórico do voto no Brasil seria desnecessariamente extensa para mostrar o que os exemplos levantados já fazem: seja pensado enquanto direito, dever ou qualquer outra qualificação, o voto é determinante na configuração das relações de poder político de uma sociedade. A escolha dos próprios representantes, obrigatoriamente ou por opção, é, antes disso, uma manifestação individual com implicações coletivas. Isso, por mais clichê que se apresente, simboliza a necessidade de uma participação refletida do eleitorado. T CURINGA | EDIÇÃO <strong>10</strong>
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