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Revista Curinga Edição 10

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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Mas terminado o período do regime, onde estão nossos<br />

heróis ou anti-heróis do passado recente? Nossos<br />

heróis estão entre nós, mais precisamente, acima, começando<br />

pela própria presidenta Dilma Roussef, alcunhada<br />

de guerrilheira (nomeação que hoje muitos direcionam<br />

a quem sofreu tortura física e psicológica, ou que<br />

tenha sido membro da luta armada). Outro nome é o de<br />

Franklin Martins, ministro chefe da secretária de comunicação<br />

social da república de 2003 a 20<strong>10</strong>, e Fernando<br />

Gabeira, deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro<br />

durante 4 mandatos consecutivos, idealizadores do fatídico<br />

sequestro do embaixador norte americano Charles<br />

Burke Elbrick, no ano 1969. O sequestro culminou na<br />

troca do embaixador por 13 presos políticos, que foram<br />

“agraciados” como asilo político em países predeterminados<br />

na famosa carta entregue aos militares.<br />

Após o sequestro, em represália, os militares enrijeceram<br />

ainda mais a prática repressionista. Ao tecer<br />

uma visão crítica do episódio, Gabeira afirmou ao jornal<br />

O Estado de S. Paulo, em setembro de 2009, em tom de<br />

arrependimento: “Queríamos, com a soltura dos presos,<br />

recompor um pouco os grupos de<br />

esquerda que estavam quase esfacelados<br />

e ditadura se aproveitou<br />

do sequestro para aumentar a repressão,<br />

principalmente sobre os<br />

grupos pacíficos, que pretendiam<br />

combater o regime de outra forma.<br />

Na verdade, pode ter significado<br />

o início do fim da oposição<br />

armada ou não.”<br />

Entre os 13 anistiados estava também o ex-deputado<br />

e ex-ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República<br />

no governo primeiro governo do presidente Luís<br />

Inácio Lula da Silva de 2002 a 2005, José Dirceu. Militante<br />

do movimento estudantil durante o regime, sendo<br />

ícone de uma juventude que batalhou pelo processo de<br />

redemocratização do país, Dirceu tornou-se um dos principais<br />

políticos da década de 1990 até o início dos anos<br />

2000. No ano de 2012, foi condenado a <strong>10</strong> anos e dois meses<br />

de prisão, pelos crimes de corrupção ativa, formação<br />

de quadrilha, entre outros, relacionados ao episódio que<br />

ficou conhecido como “Mensalão do PT”.<br />

Dirceu, pode-se dizer, trouxe o “Crepúsculo do ídolos”<br />

de Niethszche à tona. Atualizou o quadro de anti-heróis<br />

brasileiros com certa mágoa. Outros, como ele, foram<br />

símbolo de uma juventude ativa, militante e disposta a<br />

mudar o quadro político do país, sem medo da tortura ou,<br />

na pior das hipóteses, da morte. Era a honrosa “Juventude<br />

Transviada” do Brasil. Hoje, ela é história.<br />

Eu luto contra quem?<br />

Conformismo e despolitização tornaram-se comuns<br />

como adjetivos à juventude brasileira. Comumente, tecem-se<br />

tal afirmação ao se comparar a juventude atual<br />

A ditadura se aproveitou<br />

do sequestro para aumentar a repressão,<br />

principalmente sobre os grupos<br />

pacíficos.<br />

a juventude da década de 1970, qual enfrentava corajosamente<br />

o regime. No entanto, a juventude de 1970 estava<br />

sob as égides de um governo ditatorial e repressor<br />

dos direitos individuais. Tinha-se ali o descontentamento<br />

tênue atuando como força motora aos jovens para que<br />

conduzissem seu descontentamento até as ruas, onde por<br />

passeatas e protesto exerceriam uma participação política<br />

de suma importância. E a Juventude de hoje, lutará<br />

contra quem?<br />

Os tempos mudaram. Há liberdade de expressão, direito<br />

individuais e de ir e vir, possibilidade de ascensão<br />

econômica e acesso à informação (ainda que parcialmente).<br />

De fato, é arriscado estabelecer uma frágil comparação<br />

entre as duas gerações. Mas isto também não quer<br />

dizer que a juventude contemporânea está isenta do pecado.<br />

Há ausência de grandes causas desmobiliza os movimentos<br />

sociais.<br />

Em maio de 2013 o jogo pareceu mudar. Atípico até<br />

então, os jovens saem as ruas para protestar inicialmente<br />

contra o aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus.<br />

Com o passar dos dias, o movimento ganhou espaço<br />

e se alastrou por todo o país, não<br />

só obstante ao aumento das passagens<br />

mas a diversas outras demandas,<br />

numa espécie de coro dos<br />

descontentes. Mas o coro esbarrou<br />

num Estado não preparado para o<br />

dia que os jovens sairiam as ruas.<br />

E sem preparo, conflito e a violência<br />

aconteceram. Quando o quadrinista<br />

Alan Moore parafraseia a<br />

anarquista Emma Goldman e diz: “Não há revolução sem<br />

dança”, é fato. E dança com a polícia militar (eco vivo<br />

da ditadura) é violência. A violência que deslegitimou<br />

precocemente a perspectiva de uma revolução, cessada<br />

após um discurso da presidente Dilma, atendendo parcialmente<br />

as reivindicações dos protestantes.<br />

Segundo Zygmunt Baumman, sociólogo austríaco, a<br />

“revolução” daquele momento viria a tornar-se efêmera,<br />

cessando aos poucos. Grupos isolados continuaram com<br />

protestos e mobilizações, mas perderam o apoio da massa<br />

(com exceção das redes sociais, onde a maioria dos usuários<br />

são “revolucionários”). Aos poucos, como resultado,<br />

notou-se que os problemas existentes no cenário nacional<br />

não incomodam tanto aos jovens. Estaríamos diante<br />

de uma juventude que se contenta com o “pouco” que<br />

tem, ou que não se mobiliza pelo coletivo?<br />

Para a pesquisadora Marta Maia, que militou no “Diretas<br />

Já”, “atualmente temos outros valores colocados<br />

na arena social. Parece-me que a emoção e os direitos<br />

individuais (tão represados em momentos anteriores)<br />

criam mais demandas do que as formas tradicionais de<br />

reivindicações mais institucionalizadas. De todo modo,<br />

os movimentos podem criar novos valores e práticas. Só a<br />

história poderá nos mostrar como essa potência irá transbordar,<br />

por intermédio das causas coletivas ou pela radicalização<br />

do individualismo auto-centrado.”<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>10</strong><br />

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