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Revista Curinga Edição 21

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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...para quem?<br />

Transitar sem empecilhos, conversar, escrever.<br />

Essas são algumas ações que muitos cidadãos fazem<br />

todos os dias, mas que as pessoas com deficiência<br />

enfrentam grandes dificuldades para realizar.<br />

Em 2010, segundo o último Censo Demográfico<br />

do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística<br />

(IBGE), no Brasil, havia 45 milhões de pessoas que<br />

declararam ter algum tipo de deficiência, ou seja,<br />

23,9% da população brasileira.<br />

A lei nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência<br />

(Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015), no<br />

artigo 53, diz que “a acessibilidade é direito que<br />

garante à pessoa com deficiência ou com mobilidade<br />

reduzida viver de forma independente e exercer<br />

seus direitos de cidadania e de participação social”,<br />

porém isso ainda é bastante negligenciado.<br />

Numa tentativa de promovê-la, aliando-se com<br />

as tecnologias assistivas, surgiram vários aplicativos<br />

para celular, mesas gráficas, tradutor de libras,<br />

audiobooks, entre outras ferramentas, que<br />

tentam deixar o mundo mais inclusivo. O universo<br />

da tecnologia assistiva, segundo a Associação<br />

Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos<br />

Médicos e Odontológicos (Abimo), já movimenta<br />

cerca de US$1,35 bilhões por ano, porém,<br />

o acesso a elas ainda é restrito.<br />

Estela Saleh, especialista em políticas públicas,<br />

afirma que apesar de contribuir para uma<br />

maior acessibilidade, as tecnologias assistivas, por<br />

si só, não rompem com o preconceito, a exclusão<br />

e a falta de espaço que as pessoas com deficiência<br />

tem dentro da sociedade. “Essas tecnologias<br />

promovem possibilidades? Não tenho dúvidas<br />

que sim, mas não rompem com o que é estrutural.<br />

Temos dificuldade de falar em acessibilidade<br />

em uma sociedade de exclusão”, defende.<br />

Inclusão ou exclusão?<br />

Adriana Machado Laje, 44 anos, mãe de Raquel<br />

Machado Menezes, 26, e com deficiência auditiva,<br />

conta que, apesar de achar que a tecnologia<br />

possui seus prós, o grande problema é que as<br />

pessoas mais afetadas são as mais pobres. Natural<br />

da cidade histórica de Mariana, Minas Gerais, a<br />

mãe diz que “é preciso ter internet para você ter<br />

acesso aos aplicativos. Penso na questão das pessoas<br />

com deficiência que são empobrecidas. Como<br />

elas terão acesso a isso, sendo que só a internet<br />

custa em torno de 50 reais por mês?”<br />

Além da questão econômica ser um problema,<br />

há também dificuldades comunicacionais. Adriana<br />

evidencia que crianças com deficiência auditiva não<br />

aprendem Libras e se comunicam através de gestos.<br />

É praticamente uma linguagem à parte e que só conhece<br />

quem convive com a pessoa. Isso acontece<br />

porque a maior parte das pessoas com deficiência<br />

auditiva são “medicadas”. Isso significa o aprendizado<br />

da língua oral através de processos que vão de<br />

encontro a realidade das pessoas com deficiência,<br />

como a implantação do aparelho auditivo. Também<br />

pela maior parte das pessoas com deficiência auditiva<br />

nascerem em famílias ouvintes.<br />

Para Adriana, a Libras deveria ser ensinada nas<br />

escolas como linguagem obrigatória, da mesma forma<br />

como acontece com o Inglês. Nesse ponto, “a<br />

tecnologia ajudaria muito”, afirma.<br />

Christian Catão, jornalista e mestrando em<br />

Educação na Universidade Federal de Minas Gerais<br />

(UFMG), enxerga as novas tecnologias como uma<br />

potencial ajuda para o desenvolvimento da aprendizagem<br />

da população. “Os dispositivos móveis<br />

podem ajudar a manter e melhorar as competências<br />

na alfabetização. Ao contrário do que muitos<br />

pensam, as pessoas estão lendo mais agora. Basta<br />

pensar no ‘Growing Communities of Readers’, um<br />

projeto da organização de fins não-lucrativos, focado<br />

no desenvolvimento de jovens leitores na África<br />

do Sul. O conteúdo é disponibilizado pelos celulares<br />

dos estudantes, como uma biblioteca no celular.”<br />

Porém, ele entende que as tecnologias não funcionam<br />

sozinhas e são necessárias ações paralelas<br />

para que não se tornem excludentes. “A desigualdade<br />

social no campo das comunicações não se<br />

expressa somente no acesso ao bem material, mas<br />

também na capacidade do usuário de retirar, a partir<br />

de sua capacitação intelectual ou profissional, o<br />

máximo proveito das potencialidades oferecidas por<br />

cada instrumento de comunicação e informação.”<br />

Catão lembra que as taxas mais altas de exclusão se<br />

encontram nos setores de baixa renda.<br />

Adriana levanta a questão da necessidade da<br />

mudança de alguns aplicativos. Por que, ao invés de<br />

nós aprendermos Libras para que seja possível nos<br />

comunicar com as pessoas com deficiência auditiva,<br />

dependemos de aplicativos que façam essa tradução?<br />

Ao invés da acessibilidade se originar para<br />

quem precisa, ela é criada para facilitar a comunicação<br />

das pessoas que não possuem deficiência.<br />

Ela conta que sua filha tem alguns aplicativos<br />

instalados em seu celular, mas diz que grande parte<br />

deles não é eficaz por ela não ter aprendido Libras.<br />

“Quando Raquel era criança, não existia nenhum<br />

professor de Libras na cidade de Mariana.” Como<br />

lembra, “isso dificultou ainda mais o aprendizado<br />

das pessoas com deficiência auditiva. Ao final, fica<br />

a dúvida: para quem esses aplicativos são desenvolvidos<br />

e até que ponto são inclusivos?

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