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Revista Curinga Edição 21

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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aConsultar um dicionário pode ser algo doloroso<br />

e incômodo quando se é mulher. Um dos dicionários<br />

mais usados no Brasil, o Aurélio, traz um disparate<br />

entre os significados das palavras homem e<br />

mulher. Em sua versão eletrônica atual, a palavra<br />

homem significa “1. Qualquer indivíduo pertencente<br />

à espécie animal que apresenta o maior grau<br />

de complexidade na escala evolutiva; o ser humano.<br />

2. A espécie humana; a humanidade. Já a palavra<br />

mulher traz o resultado semântico de “1. O ser<br />

humano do sexo feminino. 2. Esse mesmo ser humano<br />

considerado como parcela da humanidade”.<br />

Resumindo os exemplos que vimos, as relações que<br />

se estabelecem nas definições acima, são de silêncio<br />

e invisibilidade do gênero feminino. A mulher<br />

que é representada pelo dicionário, está sujeita à<br />

subordinação, dependência e deve dedicar-se à procriação<br />

de sua família.<br />

Sabe-se que não é uma língua que naturaliza a<br />

superioridade do gênero masculino. É a sociedade<br />

que define como, quando e onde ela será empregada.<br />

Na verdade, a língua oferece possibilidades suficientes<br />

para que possamos escolher como iremos falar<br />

e escrever de forma inclusiva para ambos gêneros.<br />

Seja de forma oral, verbal, escrito ou gestual, a<br />

linguagem deveria ser próxima de uma neutralidade<br />

e modelo que represente tanto mulheres quanto<br />

homens, evitando, assim, uma aplicação excludente.<br />

Entretanto, o que escrevemos, falamos e reproduzimos<br />

em nossa língua, impõe o masculino como<br />

norma padrão, referindo o feminino de formas<br />

masculinizadas, contribuindo para o apagamento<br />

social e cultural da mulher.<br />

Para Simone de Beauvoir, importante teórica do<br />

movimento feminista, falar é assumir poder, logo,<br />

é afirmar-se diante de uma sociedade e situação.<br />

Assim, as mulheres devem se afirmar, revogando os<br />

instrumentos e estudos teóricos que as silenciam.<br />

No entanto, se ajustar às teorias e suas ferramentas<br />

não seria o bastante. É o que afirma a filósofa feminista<br />

americana, Andrea Ney, em seu livro Teorias<br />

Feministas e as Filosofias do Homem (1995). Para<br />

Andrea, ensinar as mulheres a utilizarem da neutralidade<br />

presente nas línguas que descendem do<br />

latim, é ensiná-las a serem vistas e ouvidas, mesmo<br />

que isso signifique subverter toda uma estrutura já<br />

padronizada para o uso da língua.<br />

O silêncio que ninguém enxerga<br />

Na Língua Portuguesa, o que vemos é que na<br />

flexão dos substantivos no singular para o plural,<br />

prevalece o masculino. “Quando a gente pensa em<br />

‘ser humano genérico’ no Brasil, a gente pensa no<br />

modelo masculino. Isso já começa com o idioma.<br />

No português, quando há 10 mulheres e um homem,<br />

você fala em ‘eles’ no plural. Quando você<br />

pensa em genérico não deveria ser normal pensar<br />

no homem, mas sim pensar nos dois”, disse a jornalista<br />

Nana Queiroz em entrevista para o Coletivo<br />

Nísia Floresta. Para a mestranda em Políticas Pública<br />

e Direitos Humanos da Universidade Federal<br />

do Rio de Janeiro (UFRJ), Laura Ralola, a linguagem<br />

tem como papel principal, produzir e apresentar<br />

significados entre membros de um grupo. “Em<br />

teoria, entendo que o que escrevemos ou reproduzimos<br />

deve estar o mais próximo da neutralidade.<br />

Me questiono qual neutralidade é essa, pois é uma<br />

questão que a análise do discurso já quebrou. Não<br />

existe discurso neutro, a linguagem não é neutra. O<br />

contexto histórico, os conflitos e consensos, podem<br />

deslocar discurso, e é na perspectiva da resistência<br />

que temos que trabalhar para evitar a discriminação<br />

presente na linguagem”, disse Ralola.<br />

Assim como as pessoas, a linguagem está em<br />

constante mudança. É preciso que a sociedade<br />

busque afirmar essa evolução, valorizando os direitos<br />

da mulher de existir e de estar presente.<br />

Desnudar-se do cotidiano e da naturalização da<br />

língua é entendermos que se há mulheres e homens,<br />

precisamos representar na fala ou escrita,<br />

que há mulheres e homens - ou simplesmente<br />

pessoas, que é o que somos. As mulheres não são<br />

“eles”, são elas, e juntos, somos nós.<br />

Tente não usar<br />

Há 2.000 anos o homem<br />

vivia da caça.<br />

O trabalho do homem<br />

melhora sua vida<br />

É benéfico para o homem.<br />

Os passageiros só precisam<br />

de mais linhas de ônibus.<br />

Dê preferência<br />

Há 2.000 anos se vivia da<br />

caça.<br />

O trabalho da humanidade<br />

melhora a vida.<br />

É benéfico para a sociedade.<br />

As pessoas só precisam de<br />

mais linhas de ônibus.

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