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REVISTA UNICAPHOTO, ED 11

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zer uma exposição de arte, é preciso pagar curadoria,<br />

a montagem, as obras, o transporte das<br />

obras, o buffet de abertura... Quantos artistas negros<br />

no Recife têm condições de fazer isso? Essa é<br />

uma questão que a gente tem que pensar. Artistas<br />

produzindo há; mas artistas com condições de<br />

circular essa produção é outra negociação. Porque,<br />

historicamente - até pela maneira como o<br />

mercado se conduziu no processo escravista - se<br />

esperava que os negros descendentes se virassem<br />

sem qualquer tipo de estrutura. Isso se refletia<br />

no tipo de trabalho que se dava a essas pessoas, o<br />

tipo de formação... Eu tenho tentado sistematizar<br />

um conhecimento e um debate sobre isso.<br />

“Viver da fotografia<br />

não é só fazer o<br />

clique.”<br />

Hoje, temos um campo artístico que, primeiro,<br />

não tem dinheiro, não apóia o trabalho desses artistas...<br />

Quantos museus abrem as portas para artistas<br />

negros; quantas exposições de artistas visuais<br />

negros – individuais ou coletivas – ou quantos<br />

artistas negros são convidados a expor; quantas<br />

obras desses artistas são compradas para compor<br />

o acervo? Nunca se olhou para isso. Na fotografia,<br />

menos ainda. Há fotógrafos negros brilhantes<br />

aqui em Pernambuco, mas eles estão todos<br />

nos jornais ou em coletivos periféricos, que são<br />

os meninos do Coletivo Força Tururu, do MAB<br />

no Coque, de Brasília Teimosa... E é uma moçada<br />

que está trabalhando em casamentos, batizados,<br />

ainda que tenham capacidade de produzir trabalhos<br />

autorais. E ainda que venham numa trajetória<br />

de afirmação de um discurso no mundo, não<br />

têm apoio financeiro.<br />

Em São Paulo, participei de uma exposição intitulada<br />

Agora somos todxs negrxs?, no Vídeo Brasil,<br />

que parte dessa questão levantada pelo Daniel<br />

Lima para levantar discussões. Realizei dois trabalhos:<br />

pintei a frase Que bocas alimentam fé em<br />

consumir corpos que levam fumo (foto), e outro<br />

baseado no caso dos cinco meninos assassinados<br />

na Costa Barros pelo mesmo batalhão que matou<br />

Marielle. Eu quis propor um trabalho forte para<br />

falar desses discursos que são feitos para matar,<br />

aniquilar, se não fisicamente, moralmente, socialmente,<br />

porque esses corpos estão aí levando<br />

fumo todo os dias, como aviõezinhos de tráficos<br />

de drogas ou na convivência. Porque eu me incluo<br />

também nesses corpos. A partir do momento em<br />

que eu tenho que sair da Várzea para o centro da<br />

cidade, pegando de quatro a oito ônibus por dia,<br />

carregando equipamento nas costas, e escolhendo<br />

o melhor trajeto para evitar ser assaltada, enfrentando<br />

processo de a polícia olhar sua mochila e<br />

perguntar: de quem é essa câmera? Porque isso é<br />

uma coisa que a galera não presta a atenção... Eu<br />

não posso comprar equipamento sem nota fiscal.<br />

Imagina: você é uma figura formada, pós-graduada,<br />

que falo inglês, tenho um currículo gigante,<br />

atuo há 20 anos e por quê? Para evitar situações<br />

como ocorreu no aeroporto de Belo Horizonte,<br />

onde eu tive que provar para o cara da Polícia<br />

Federal que eu não era uma mula de alguém que<br />

estava tentando transportar dólar dentro de equipamento<br />

fotográfico. Quando a gente entra nesse<br />

micro-debate é que a gente entende que essas diferenças<br />

são gritantes e que a moçada não aborda<br />

isso.<br />

U – A sua trajetória de trabalho e pesquisa se mistura<br />

e vai se forjando na experiência cotidiana.<br />

AL - O tempo inteiro as catracas vão fechando.<br />

E enquanto isso vai acontecendo, eu tenho que<br />

encontrar brechas, se não, eu vou seguir a mesma<br />

trajetória das minhas avós, das minhas bisavós:<br />

ser maltratada na cozinha dos outros. E isso<br />

não faz sentido para mim. Mas hoje eu também<br />

faço outro raciocínio. Ao mesmo tempo em que é<br />

importante quebrar com uma linha ancestral desse<br />

lugar de servidão, é preciso fazer isso de dois<br />

modos: tanto ocupando outros espaços quanto<br />

valorizando esses espaços que foram ocupados<br />

por nossas avós. Se for para assumir um lugar de<br />

intelectual a partir do parâmetro de dominar as<br />

ferramentas de quem dominou a gente, eu não estou<br />

a fim, não. E isso é para tudo. Hoje, para mim,<br />

é uma filosofia de vida desmanchar a construção<br />

da “política dos eleitos”. E com isso, dar oportunidade<br />

para fazer emergir outras narrativas que<br />

estão aí e permitir às pessoas respirar nesse lugar<br />

de existência. Dentro e fora da imagem. Meu trabalho<br />

está todo focado nessa construção.<br />

A QUEM<br />

VOCÊ<br />

CONFIA<br />

SUAS<br />

FOTOS?<br />

Rua da Moeda, 140 | 1 Andar<br />

Bairro do Recife | 3424-1310<br />

www.atelierdeimpressao.com.br<br />

<strong>UNICAPHOTO</strong><br />

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