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Alguma vez imaginou que chegaria anos
90 anos?
- Não, nunca pensei. Aliás, eu não sou muito
de pensar nessas coisas, porque acho que
não vale a pena. Acho que o importante é a
minha cabeça estar ajuizada, o resto…
Fisicamente, está fantástica…
- Sim, felizmente, pelo menos por enquanto.
Estas coisas acontecem de repente, de
certamente o que vai acabar por me acontecer.
Mas por enquanto não tenho de me queixar.
Com 90 anos movimento-me com muita
facilidade.
É disso que tem mais receio? Que o físico
deixe de estar tão apto quanto a sua cabeça?
- Se conseguisse manter as duas coisas, seria
ótimo, mas se tiver de perder alguma delas,
que seja o corpo e não a cabeça.
Tem saudades do que já viveu ou não é saudosista?
- Não sou nada saudosista, e ainda bem.
Não vale a pena ter saudades daquilo que
já passou. Se assim fosse, andava a chorar
pelos cantos em vez de estar a desfrutar com
serenidade desta fase da minha vida. Vivo o
momento, e ainda bem que tenho essa capacidade.
Se monetariamente não precisasse de trabalhar,
já estaria reformada?
- Talvez não. Neste momento tenho uma ajuda
muito generosa, e que agradeço da parte
da TVI, e isso, com a minha reforma, já dá para
estar mais tranquila. Mas se a TVI não encontrar
algum papel que me sirva fico com muita
pena, e estou preparada caso precise de mim
para alguma novela.
Os atores são muito observadores de tudo
o que os rodeia. Continua a ser assim?
- Observar tudo é o que me dá vida. Sempre
fui assim, mas nunca tanto como agora. Para
mim, continua a ser um fascínio observar as
pessoas e poder estar com elas.
A idade não esmorece a dedicação e o amor
que tem pela sua profissão?
- Não. Acho que na verdade representar ainda
é a única coisa que me motiva. Já são muitos
anos. Mas também gosto muito do trabalho
que as mulheres fazem em casa, de cozinhar,
lavar a louça…
Ainda hoje faz tudo isso?
- Faço e gosto muito. O trabalho de casa dá-
-me muito prazer.
Ainda é, por exemplo, capaz de organizar
um almoço para toda a família?
- Se for preciso, faço, e é sempre muito agradável.
Agora vivo só com a minha neta Lídia
(também atriz) e o que faço já é pouco.
Hoje em dia é a sua neta Lídia que lhe ´bate
o ponto´. Quando é que percebeu que a sua
memória já não estava assim tão fresca?
- Aos 83 anos ainda não precisava, mas foi
nessa altura que fiz a minha última peça de
teatro e a partir daí a minha memória começou
a fraquejar. Deixou de ser tão exercitada.
E encarou isso com leveza?
- O que é que eu podia fazer?! Há uma coisa
que detesto e que não está na minha natureza,
que é lamentar-me. Acho que isso não conduz
nada. Ninguém me ouve a lamentar.
A sua voz está bastante melhor… (Eunice foi
operada à tiroide há cinco anos para remoção
de um nódulo na garganta).
- Graças a Deus. E tem dias em que está até
melhor do que hoje. Não tenho feito nada,
mas fiz fisioterapia durante muito tempo.
Como é que encara a velhice?
- Como qualquer coisa que tem de ser. Estou
sempre em auto-observação, mas não sei até
quando. A natureza o dirá e Deus também.
As memórias que guarda são mais pessoais
ou profissionais?
- São mais pessoais, mas as profissionais são
muito compensadoras, embora nada disso
me tenha subido à cabeça. Tive sempre, e ainda
hoje tenho, a preocupação de fazer melhor.
Sou muito crítica e preocupo-me muito com o
que faço. Gosto muito de ver representar bem.
Passados tantos anos, porque é que ainda é
crítica do seu trabalho?
- Nunca repousei sobre isso, nunca me sentei,
e ainda bem! Quero sempre dar o meu
melhor. O público merece o melhor.
Considera-se uma mulher feliz?
- Sim. Sou feliz. Tenho uma vida com muitos
amigos, com os meus filhos, os meus netos,
os meus bisnetos, que já são quatro. Detesto a
infelicidade. Não gosto nada de lamentações
e das pessoas que choram muito e são sempre
infelizes. Deus me perdoe, mas não tenho
paciência para isso.
Parece uma mulher muito afetuosa, muito
doce…
- Não sou tanto assim. Não sou muito beijoqueira
e só faço festas de fugida. Não sou muito
lamecha. É a minha maneira de ser, sempre
fui assim. A minha mãe era mais meiga, o meu
pai não tanto, mas eram muito bons pais os
dois. E eu saio aos dois. s
saber ABRIL 2019
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