RCIA - ED. 148 - NOVEMBRO 2017
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Luís Carlos<br />
B<strong>ED</strong>RAN<br />
Sociólogo e cronista da Revista Comércio,<br />
Indústria e Agronegócio de Araraquara<br />
A antiga Vila Xavier<br />
Os limites de Araraquara-cidade<br />
sempre foram bem definidos pelos trilhos<br />
da estrada de ferro, onde corriam<br />
os trens da Companhia Paulista e os da<br />
Estrada de Ferro Araraquara, aqueles<br />
vindos de São Paulo e indo para os lados<br />
de Barretos e estes, que aqui nasciam,<br />
após baldeação, dirigiam-se para<br />
a chamada Alta Araraquarense.<br />
Assim como ocorre ainda hoje, a cidade<br />
era dividida: de um lado, o oeste,<br />
o início do centro de Araraquara; de<br />
outro, no sentido oposto, o bairro da<br />
Vila Xavier, atravessando a Av. São<br />
Paulo sob o pontilhão da Estação<br />
Ferroviária. Do lado de lá, o Centro, o<br />
São José, o Carmo e o São Geraldo, os<br />
tradicionais bairros e do outro, solitária,<br />
a Vila.<br />
E ela, a Vila, assim carinhosamente<br />
chamada pelos seus habitantes do<br />
leste, mas nem tanto pelos moradores<br />
dos outros bairros, seus rivais tradicionais,<br />
pois se notava na cidade um<br />
certo preconceito e uma certa prevenção,<br />
cujas diferenças eram muitas<br />
vezes definidas nas famosas brigas entre<br />
as gangues dos bairros e de todos<br />
contra ela. Também, pudera: sempre<br />
foi — e ainda é — o maior bairro da<br />
cidade e seus autóctones eram pejorativamente<br />
apelidados de ‘vilões’, por<br />
pura dor de cotovelo, ciumeira mesmo.<br />
Talvez porque o sol nasce na Vila,<br />
e que, sem ela não haveria a Morada<br />
do Sol...<br />
Começava na Estação e terminava<br />
na Praça e na Igreja do São Benedito,<br />
no leste e, indo mais além, para o<br />
nordeste, pelo chamado Estradão (de<br />
terra batida), chegando até ao Risca<br />
Faca, nome de meter medo, mas que,<br />
certamente, assim lhe foi apelidado,<br />
nem gratuitamente, nem por acaso.<br />
Daí para frente só mato.<br />
Era o bairro tipicamente operário,<br />
o das indústrias Nestlé, Anderson<br />
Clayton, Dianda Lopes e White Martins.<br />
O do então Grupo Escolar Antonio<br />
Lourenço Corrêa e, somente muito<br />
tempo depois, o do Ginásio Estadual<br />
Francisco Pedro Monteiro da Silva. De<br />
suas igrejas, a do Santo Antônio, depois<br />
a de Nossa Senhora Aparecida e<br />
a do São Benedito, onde se iniciava o<br />
chamado Caminho do Ouro.<br />
A Vila de suas tradicionais ruas e<br />
avenidas. A das avenidas São Paulo,<br />
que, depois do pontilhão da estrada<br />
de ferro mudou de santo e se transformou<br />
em Santo Antônio; a Dr. Leite<br />
de Morais, a Ipiranga, a 22 de Agosto,<br />
a Major Dario de Carvalho, a Antônio<br />
Lourenço Correa e a Padre Antônio<br />
Cesarino. As ruas Padre Luciano, Naym<br />
Jorge, Dr. Antônio Picarone, a do Tesouro<br />
(hoje Bento de Barros), a 13 de<br />
Maio, a Princesa Isabel, a Rui Barbosa,<br />
a Marechal Deodoro da Fonseca. A Vila<br />
Xavier terminava então na Rua Almirante<br />
Tamandaré.<br />
Eram esses os estreitos limites da<br />
antiga Vila Xavier, há mais de meio século.<br />
O marco inicial era o da Estação.<br />
Na Rua Padre Luciano ficava a Escola<br />
Industrial Ferroviária, de onde saíam<br />
os especialistas na área; na Naym<br />
Jorge, a Casa Meia Lua e a máquina de<br />
beneficiar arroz do Jydalla Jorge.<br />
Na esquina da Rua Padre Luciano<br />
com a Av. Dr. Leite de Morais, via-se a<br />
casa do Dr. Cariani, médico; subindo<br />
a avenida, a do comerciante Américo<br />
Stella, a da professora D. Maria Pimont.<br />
A residência do “Seu” Durvalino Monteiro,<br />
do Banco do Brasil, a do Constantino,<br />
do DER, a do Chico e sua oficina,<br />
a do italiano Ventura. A dos Serra, a<br />
dos Camacho, a dos Aranha e a dos<br />
Munhoz. E, mais para o meio, a de<br />
número 213, do Jorge Bedran, a nossa<br />
casa. E do outro lado da rua, a do Sr.<br />
Liberatto, torneiro-mecânico, a do Ciro<br />
Fenerich, ferroviário, a do Pucca, do Ari<br />
Montanari e a da D. Abadia. Mais para<br />
cima, só terreno baldio, um depósito<br />
de mourões utilizados na ferrovia.<br />
Em frente da praça, ainda de terra,<br />
da Igreja do Santo Antônio, onde se<br />
realizavam as concorridas quermesses,<br />
existia a casa dos Pallagi, a dos Borelli,<br />
a do Roberto Correia, do Dr. Célio de<br />
Morais; o bar do Jaci Casanova, a do<br />
Bento, motorista de táxi, com seu famoso<br />
Ford 49; a casa do Padre João, a<br />
do mecânico Arsênio, a do Sr. Bellardi,<br />
a dos Gaion, a dos Guaglianoni, na 22<br />
de Agosto e a do Manoel Rodrigues,<br />
empreiteiro e líder político.<br />
Ainda mais para cima, pela Av. Santo<br />
Antônio, a Loja do Barulho, a casa<br />
dos Pestana, dos Alves Pinto, a farmácia<br />
do Lito (Delfini), a loja do João<br />
Vernier, a dos Guerra, dos Rodrigues,<br />
a sapataria do Badeco. O tradicional<br />
bar Ponto Chic, o snooker do Sr. João<br />
Squariz, a padaria dos Florio, a Indústria<br />
Têxtil Haddad e, já chegando na<br />
Praça do São Benedito, a casa dos Zaniollo.<br />
Da Vila de antigamente, pouco<br />
resta. Transformou-se, de bairro, numa<br />
cidade pujante e, seus limites - com<br />
tantos outros bairros, até extensos demais,<br />
além de inúmeros prédios populares,<br />
milhares de casas e dezenas de<br />
ruas e avenidas - estenderam-se a<br />
perder de vista. Seus moradores mais<br />
recentes, muito orgulhosos, chamamna<br />
agora de Cidade Alta, como se<br />
tivessem vergonha de denominá-la,<br />
carinhosamente, de apenas Vila.<br />
A Vila, que foi cantada em verso<br />
pelo seu eterno poeta, José Roberto<br />
Tellarolli, já não mais existe, não é mais<br />
aquela. Transformou-se, modernizouse,<br />
ampliou-se. Porém não perdeu<br />
totalmente sua identidade e sua personalidade,<br />
ainda profundamente arraigadas<br />
na memória de seus antigos<br />
moradores e de seus descendentes.<br />
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