Luís Carlos B<strong>ED</strong>RAN Sociólogo e cronista da Revista Comércio, Indústria e Agronegócio de Araraquara A antiga Vila Xavier Os limites de Araraquara-cidade sempre foram bem definidos pelos trilhos da estrada de ferro, onde corriam os trens da Companhia Paulista e os da Estrada de Ferro Araraquara, aqueles vindos de São Paulo e indo para os lados de Barretos e estes, que aqui nasciam, após baldeação, dirigiam-se para a chamada Alta Araraquarense. Assim como ocorre ainda hoje, a cidade era dividida: de um lado, o oeste, o início do centro de Araraquara; de outro, no sentido oposto, o bairro da Vila Xavier, atravessando a Av. São Paulo sob o pontilhão da Estação Ferroviária. Do lado de lá, o Centro, o São José, o Carmo e o São Geraldo, os tradicionais bairros e do outro, solitária, a Vila. E ela, a Vila, assim carinhosamente chamada pelos seus habitantes do leste, mas nem tanto pelos moradores dos outros bairros, seus rivais tradicionais, pois se notava na cidade um certo preconceito e uma certa prevenção, cujas diferenças eram muitas vezes definidas nas famosas brigas entre as gangues dos bairros e de todos contra ela. Também, pudera: sempre foi — e ainda é — o maior bairro da cidade e seus autóctones eram pejorativamente apelidados de ‘vilões’, por pura dor de cotovelo, ciumeira mesmo. Talvez porque o sol nasce na Vila, e que, sem ela não haveria a Morada do Sol... Começava na Estação e terminava na Praça e na Igreja do São Benedito, no leste e, indo mais além, para o nordeste, pelo chamado Estradão (de terra batida), chegando até ao Risca Faca, nome de meter medo, mas que, certamente, assim lhe foi apelidado, nem gratuitamente, nem por acaso. Daí para frente só mato. Era o bairro tipicamente operário, o das indústrias Nestlé, Anderson Clayton, Dianda Lopes e White Martins. O do então Grupo Escolar Antonio Lourenço Corrêa e, somente muito tempo depois, o do Ginásio Estadual Francisco Pedro Monteiro da Silva. De suas igrejas, a do Santo Antônio, depois a de Nossa Senhora Aparecida e a do São Benedito, onde se iniciava o chamado Caminho do Ouro. A Vila de suas tradicionais ruas e avenidas. A das avenidas São Paulo, que, depois do pontilhão da estrada de ferro mudou de santo e se transformou em Santo Antônio; a Dr. Leite de Morais, a Ipiranga, a 22 de Agosto, a Major Dario de Carvalho, a Antônio Lourenço Correa e a Padre Antônio Cesarino. As ruas Padre Luciano, Naym Jorge, Dr. Antônio Picarone, a do Tesouro (hoje Bento de Barros), a 13 de Maio, a Princesa Isabel, a Rui Barbosa, a Marechal Deodoro da Fonseca. A Vila Xavier terminava então na Rua Almirante Tamandaré. Eram esses os estreitos limites da antiga Vila Xavier, há mais de meio século. O marco inicial era o da Estação. Na Rua Padre Luciano ficava a Escola Industrial Ferroviária, de onde saíam os especialistas na área; na Naym Jorge, a Casa Meia Lua e a máquina de beneficiar arroz do Jydalla Jorge. Na esquina da Rua Padre Luciano com a Av. Dr. Leite de Morais, via-se a casa do Dr. Cariani, médico; subindo a avenida, a do comerciante Américo Stella, a da professora D. Maria Pimont. A residência do “Seu” Durvalino Monteiro, do Banco do Brasil, a do Constantino, do DER, a do Chico e sua oficina, a do italiano Ventura. A dos Serra, a dos Camacho, a dos Aranha e a dos Munhoz. E, mais para o meio, a de número 213, do Jorge Bedran, a nossa casa. E do outro lado da rua, a do Sr. Liberatto, torneiro-mecânico, a do Ciro Fenerich, ferroviário, a do Pucca, do Ari Montanari e a da D. Abadia. Mais para cima, só terreno baldio, um depósito de mourões utilizados na ferrovia. Em frente da praça, ainda de terra, da Igreja do Santo Antônio, onde se realizavam as concorridas quermesses, existia a casa dos Pallagi, a dos Borelli, a do Roberto Correia, do Dr. Célio de Morais; o bar do Jaci Casanova, a do Bento, motorista de táxi, com seu famoso Ford 49; a casa do Padre João, a do mecânico Arsênio, a do Sr. Bellardi, a dos Gaion, a dos Guaglianoni, na 22 de Agosto e a do Manoel Rodrigues, empreiteiro e líder político. Ainda mais para cima, pela Av. Santo Antônio, a Loja do Barulho, a casa dos Pestana, dos Alves Pinto, a farmácia do Lito (Delfini), a loja do João Vernier, a dos Guerra, dos Rodrigues, a sapataria do Badeco. O tradicional bar Ponto Chic, o snooker do Sr. João Squariz, a padaria dos Florio, a Indústria Têxtil Haddad e, já chegando na Praça do São Benedito, a casa dos Zaniollo. Da Vila de antigamente, pouco resta. Transformou-se, de bairro, numa cidade pujante e, seus limites - com tantos outros bairros, até extensos demais, além de inúmeros prédios populares, milhares de casas e dezenas de ruas e avenidas - estenderam-se a perder de vista. Seus moradores mais recentes, muito orgulhosos, chamamna agora de Cidade Alta, como se tivessem vergonha de denominá-la, carinhosamente, de apenas Vila. A Vila, que foi cantada em verso pelo seu eterno poeta, José Roberto Tellarolli, já não mais existe, não é mais aquela. Transformou-se, modernizouse, ampliou-se. Porém não perdeu totalmente sua identidade e sua personalidade, ainda profundamente arraigadas na memória de seus antigos moradores e de seus descendentes. |78
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