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Alessandro Magno, graduado em História pela
Ufop, é morador de Ouro Preto, e, segundo ele, o
tombamento patrimonial do município supervalorizou
uma arquitetura de herança portuguesa enquanto a
herança de afrodescendentes ficou em segundo plano.
O centro se manteve preservado dentro de uma visão
eurocêntrica, enquanto a paisagem de outras áreas se
modificou com a chegada de famílias que venderam seus
casarões por não conseguirem mantê-los.
No cenário atual, muitos moradores da cidade
reclamam que os altos preços dos aluguéis de imóveis
e dos produtos do mercado não os atendem, que os
eventos culturais são excludentes e que o turismo
tem, de certa forma, causado danos à identidade
local e ao patrimônio. “Em Mariana e Ouro Preto é
comum a pichação “é da humanidade mas não é da
comunidade”. Tudo isso é muito simbólico, não só
sobre o turismo mas sobre os usos que são feitos do
patrimônio cultural, da sua transformação em objeto
de consumo”, afirma a professora Luana.
Então, podemos dizer que a gentrificação reflete na
cidade nos dias de hoje? Para o Secretário Municipal
Felipe, não. Para ele, “o problema não é de gentrificação.
Aqui o morador consegue vir no centro histórico,
consegue pagar um preço acessível no comércio, não são
excluídos desse processo”. Para Luana, mesmo que Ouro
Preto tenha vivido experiências diferentes do Pelourinho,
“é inegável que há um aburguesamento do acesso à
moradia, à oferta de restaurantes e outros serviços, é
evidente que a vida no centro histórico de Ouro Preto é
mais cara que nos bairros periféricos, por exemplo”.
Rodney Maiah, de 32 anos, é museólogo, trabalha há
cinco anos com turismo na cidade, e diz que somente
uma parte dos moradores frequentam os eventos que
acontecem no município enquanto outros não têm acesso
às festividades, nem ao menos sabem que, na maioria das
vezes, se trata de eventos gratuitos. “Os ouropretanos têm
acesso liberado aos museus em certos dias da semana,
não pagam como os turistas para visitar as igrejas, porém
muitos desconhecem esses benefícios”, afirma Maiah.
Alessandro ressalta que, durante os finais de semana,
o rigor na visitação de alguns espaços aumenta, por
consequência da maior movimentação de turistas, com
isso “o morador nunca sabe se vai ser reconhecido, se
precisa levar um comprovante de residência, ou se precisa
ter algum cadastro” para conseguir a entrada. Por conta
disso, muitos ouropretanos não se sentem confortáveis
em visitar os espaços que parecem ter sido elitizados.
Para o museólogo, um dos fatores que causam esse
contraste é a falta de divulgação: “as informações que
são disponibilizadas nas redes sociais e outros veículos
de comunicação não chegam para todas as pessoas da
mesma forma, e os mais afetados são os moradores dos
bairros mais afastados da região central do município”.
Rodney morou no bairro Saramenha de Ouro Preto
(localizado a pouco mais de 3 km do centro), há quatro
anos mudou-se para o centro da cidade e tem notado uma
diferença na forma como os moradores das duas áreas
consomem esses espaços urbanos, os eventos e os bens
culturais ali inserido. Por ter vivido as duas realidades ele
afirma que grande parte dos eventos e atividades oficiais
voltados para a cultura se concentra no centro.
Investir nessa divulgação é dever dos órgãos
públicos. De alguma forma, as informações precisam
chegar aos bairros periféricos, assim como chegam aos
turistas e aos moradores do centro histórico. O Secretário
de Turismo, não concorda que o problema seja a falta
de comunicação e sim um problema de inclusão social,
que acontece tanto em Ouro Preto, como em outras
cidades. “Os ouropretanos sabem dos eventos, sabem
onde acontece, mas não se sentem parte, isso é uma
coisa muito séria e necessita de educação patrimonial,
eles tem muito orgulho daqui, mas ainda se sentem à
margem de muita coisa”, afirma Felipe, que completa:
“precisamos trabalhar essa válvula melhor”.
A Secretaria de Turismo (Setur) de Ouro Preto criou
em 2015 o Departamento de Turismo Pedagógico para
trabalhar as questões de pertencimento, inclusão social
e a preservação patrimonial. Mais a frente, em 2017,
as Secretarias de Turismo e Educação desenvolveram
um Programa de Educação para apresentar a história
de Ouro Preto às crianças e levá-las aos monumentos.
Felipe acredita que “qualquer mudança começa pela
educação, que é a base”.
EDIÇÃO 27 | CURINGA 63