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NOREVISTA JULHO 2020

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presidente da associação de<br />

jovens agricultores micaelenses


S U M Á R I O<br />

<strong>JULHO</strong><br />

05<br />

22<br />

ENTREVISTA<br />

À MESA COM CÉSAR PACHECO<br />

REPORTAGEM<br />

DESIGUALDADES SOCIOLINGUÍSTICAS<br />

NO CONTEXTO DA COVID-19<br />

59<br />

24<br />

66<br />

CRÓNICA<br />

JOÃO CASTRO<br />

DESTAQUE<br />

FRASES DO MÊS<br />

26<br />

REPORTAGEM<br />

O FUTURO DO TURISMO RURAL NA<br />

ILHA DO PICO<br />

68<br />

CRÓNICA<br />

ORDEM DOS ENGENHEIROS<br />

31<br />

CRÓNICA<br />

RICARDO SILVA<br />

72<br />

CRÓNICA<br />

ANTÓNIO VENTURA<br />

Desigualdades sociais no<br />

MAIS AMBIENTE,<br />

Entrevista à<br />

tempo de pandemia 12<br />

MAIS AÇORES<br />

deputada Catarina<br />

33 56<br />

Chamacame Furtado


E D I T O R I A L<br />

RECONHECER PARA<br />

MELHORAR<br />

Desde o início do surto<br />

de COVID-19 que todos<br />

os partidos políticos<br />

têm apregoado o justo<br />

reconhecimento daqueles que<br />

estiveram na linha da frente<br />

no combate à pandemia.<br />

Quem também não pertencia<br />

ao espectro político não<br />

deixou de fazer esse<br />

agradecimento. Bateram-se<br />

palmas durante vários dias<br />

seguidos nas varandas das<br />

nossas casas e apartamentos,<br />

fizemos cartazes, criámos,<br />

inclusive, músicas dedicadas<br />

a esses profissionais de saúde<br />

que tanto fizeram e ainda hoje<br />

fazem.<br />

Esse profundo agradecimento,<br />

elogio e reconhecimento<br />

ninguém pode tirar. Nunca<br />

ousaríamos colocar em causa<br />

o trabalho destes “soldados”,<br />

mas bem sabemos que o<br />

reconhecimento não se faz<br />

apenas por palavras nem<br />

gestos politicamente corretos.<br />

Os profissionais de saúde<br />

trabalharam mais do que<br />

12h seguidas durante esta<br />

pandemia, muitos deles não<br />

tiveram sequer a possibilidade<br />

de chegar ao fim de um longo<br />

dia de trabalho e passá-lo<br />

com a sua família. Quantos<br />

foram aqueles que estiveram<br />

longe, durante mais de duas<br />

semanas, para que nada<br />

acontecesse àqueles que mais<br />

prezam?<br />

A Assembleia da República<br />

aprovou recentemente, no<br />

Orçamento Suplementar,<br />

prémios para os profissionais<br />

do Serviço Nacional de<br />

Saúde (SNS). A proposta<br />

do PSD prevê que o prémio<br />

seja “pago uma única vez,<br />

correspondente ao valor<br />

equivalente a 50% da<br />

remuneração base mensal do<br />

trabalhador”.<br />

A nível regional, o PCP tinha<br />

apresentado na última reunião<br />

plenária a atribuição de um<br />

subsídio de risco não só aos<br />

profissionais de saúde, mas<br />

também a todos o que tenham<br />

estado diretamente expostos<br />

no combate à pandemia. A<br />

proposta foi chumbada pelo<br />

PS/A.<br />

Todos os profissionais de<br />

saúde merecem esse prémio,<br />

ele não deve ser um diploma<br />

exclusivo da República. Não<br />

se trata de considerar que<br />

um prémio monetário possa<br />

resolver todos os problemas<br />

que esses profissionais<br />

enfrentam. Trata-se sim de<br />

dar mais àqueles que deram<br />

mais de si quando foi preciso.<br />

Aos que não disseram que<br />

não, não ficaram em casa.<br />

Aos muitos que ficaram<br />

contagiados. A esses, sim,<br />

o reconhecimento deverá<br />

começar por esse prémio e<br />

nunca deverá acabar por aí.<br />

CLAUDIA CARVALHO<br />

DIRETORA ADJUNTA<br />

FICHA TÉCNICA:<br />

ISSN 2183-4768<br />

PROPRIETÁRIO ASSOCIAÇÃO AGENDA DE NOVIDADES<br />

NIF 510570356<br />

SEDE DE REDAÇÃO RUA DA MISERICÓRDIA, 42, 2º ANDAR,<br />

9500-093 PONTA DELGADA<br />

SEDE DO EDITOR RUA DA MISERICÓRDIA, 42, 2º ANDAR,<br />

9500-093 PONTA DELGADA<br />

DIRETOR/EDITOR RUI MANUEL ÁVILA DE SIMAS CP3325A<br />

DIRETORA ADJUNTA CLÁUDIA CARVALHO TPE-288A<br />

REDAÇÃO CHEFE REDAÇÃO RUI SANTOS TPE-288 A,<br />

CLÁUDIA CARVALHO TPE-288 A, SARA BORGES, ANA SOFIA<br />

MASSA, ANA SOFIA CORDEIRO<br />

REVISÃO ANA SOFIA MASSA<br />

PAGINAÇÃO MÁRIO CORRÊA<br />

CAPTAÇÃO E EDIÇÃO DE IMAGEM RODRIGO RAPOSO E<br />

MIGUEL CÂMARA<br />

DEPARTAMENTO DE MARKETING, COMUNICAÇÃO E IMAGEM<br />

CILA SIMAS E RAQUEL AMARAL<br />

PUBLICIDADE TERESA BENEVIDES E RAQUEL AMARAL<br />

MULTIMÉDIA RODRIGO RAPOSO<br />

INFORMÁTICA JOÃO BOTELHO<br />

RELAÇÕES PÚBLICAS CILA SIMAS<br />

Nº REGISTO ERC 126 641<br />

COLABORADORES ANTÓNIO VENTURA, JOÃO CASTRO,<br />

RICARDO SILVA<br />

CONTACTOS MARKETING@AGENDADENOVIDADES.COM<br />

ESTATUTO EDITORIAL:<br />

A NO É UMA REVISTA DE ÂMBITO REGIONAL (NÃO FICANDO<br />

EXCLUÍDOS OS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA E<br />

COMUNIDADES PORTUGUESAS ESPALHADAS PELO MUNDO).<br />

A NO DISPONIBILIZA INFORMAÇÃO INDEPENDENTE E<br />

PLURALISTA RELACIONADA COM A POLÍTICA, CULTURA<br />

E SOCIEDADE NUM CONTEXTO REGIONAL, NACIONAL E<br />

INTERNACIONAL.<br />

A NO É UMA REVISTA AUTÓNOMA, SEM QUALQUER<br />

DEPENDÊNCIA DE NATUREZA POLÍTICA, IDEOLÓGICA E<br />

ECONÓMICA, ORIENTADA POR CRITÉRIOS DE RIGOR, ISENÇÃO,<br />

TRANSPARÊNCIA E HONESTIDADE.<br />

A NO É PRODUZIDA POR UMA EQUIPA QUE SE COMPROMETE<br />

A RESPEITAR OS DIREITOS E DEVERES PREVISTOS NA<br />

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; NA LEI DE<br />

IMPRENSA E NO CÓDIGO DEONTOLÓGICO DOS JORNALISTAS.<br />

A NO VISA COMBATER A ILITERACIA, INCENTIVAR O GOSTO<br />

PELA LEITURA E PELA ESCRITA, MAS ACIMA DE TUDO,<br />

PROMOVER A CIDADANIA E O CONHECIMENTO.<br />

A NO REGE-SE PELO CUMPRIMENTO RIGOROSO DAS NORMAS<br />

ÉTICAS E DEONTOLÓGICAS DO JORNALISMO E PELOS<br />

PRINCÍPIOS DE INDEPENDÊNCIA E PLURALISMO.<br />

04 NOJUL20


César Pacheco<br />

NOJUL20 05


E N T R E V I S T A<br />

ENTREVISTA<br />

EM VÍDEO NA<br />

VERSÃO DIGITAL<br />

06 NOJUL20


E N T R E V I S T A<br />

Sejam bem-vindos ao À Mesa Com. Nós voltámos<br />

à Associação Agrícola de São Miguel depois de<br />

tempos em connamento. Voltámos ao nosso<br />

tema da NOrevista, o À Mesa Com, que hoje tem<br />

como convidado César Pacheco, Presidente da<br />

Associação de Jovens Agricultores Micaelenses<br />

(AJAM).<br />

César, o que é a AJAM? Qual é que é o objetivo<br />

fundamental desta associação?<br />

O objetivo é defender os interesses dos jovens<br />

agricultores. Como o próprio nome indica, somos<br />

jovens, temos de defender os interesses, quer na<br />

sua instalação quer no desenvolvimento da sua<br />

atividade e é para isso que nós estamos todos os<br />

dias a trabalhar para dar este apoio aos jovens<br />

agricultores e também não só, também a apoiar<br />

toda a lavoura ou produção agropecuária de São<br />

Miguel.<br />

Quando alguém decide tornar-se agricultor,<br />

normalmente recorre a vocês? Como é que eu sei<br />

o que é necessário para me tornar numa jovem<br />

agricultora?<br />

Nós temos os nossos serviços técnicos e o jovem<br />

primeiro tem de saber o que é que quer, qual<br />

é o tipo de agricultura que quer envergar: a<br />

agropecuária, a leiteira ou de carne; ou, então, pode<br />

ir também para a horticultura ou outra vertente.<br />

A partir daí, nós damos um apoio com os nossos<br />

técnicos, a forma como se podem candidatar,<br />

o que é que será necessário, mesmo a nível de<br />

contabilidade, que também é muito importante,<br />

temos também o nosso gabinete de contabilidade,<br />

podemos dar apoio a nível dessas áreas.<br />

Por exemplo na contabilidade, vocês prestam esse<br />

serviço e apoio ao jovem, que se está a tornar<br />

agricultor ou mesmo que já tem alguns anos, de<br />

fazer a sua contabilidade?<br />

Sim, exatamente, temos o gabinete de<br />

contabilidade e a partir de lá tenta-se saber quais<br />

são as maiores vantagens a tirar daí. Nós temos<br />

um grande problema principalmente na produção<br />

leiteira com o pagamento à segurança social,<br />

porque desde 2011 mudaram as regras. Para ter<br />

uma noção, antigamente um produtor pagava<br />

apenas 33 euros e pouco por segurança social e,<br />

atualmente, as contas não são feitas assim, são<br />

muito diferentes e um jovem agricultor pode pagar,<br />

700, 800 ou 900 euros por mês para a segurança<br />

social. As regras mudaram. Portanto, no início da<br />

sua atividade, é muito importante que o agricultor<br />

que se vai instalar, perceba qual o melhor modelo<br />

para se poder instalar. Se é como produtor a nível<br />

individual, será numa sociedade unipessoal ou<br />

sociedade por cotas. Assim, é a melhor forma<br />

de ter o aproveitamento dos seus rendimentos<br />

e também de se salvaguardar a sua situação na<br />

segurança social.<br />

Vocês estão instalados nas Arribanas, portanto, é<br />

lá que os jovens agricultores se devem dirigir. Que<br />

outros tipos de apoios é que vocês fornecem? Há lá<br />

explorações também?<br />

A nível da associação nós temos um apoio<br />

técnico. Depois, quem é nosso associado pode<br />

usufruir de alguns serviços que nós temos como<br />

é o caso da inseminação articial, assistência<br />

médico-veterinária e pode também usufruir da<br />

contabilidade e do apoio jurídico. Nós, com a<br />

cedência do centro de vinicultura e com os campos<br />

de Santana, a AJAM acabou por explorar esses<br />

campos para que as receitas dessa exploração<br />

venham também ajudar nas despesas correntes do<br />

funcionamento da associação.<br />

O César já vai no segundo mandato. O que é que o<br />

levou a concorrer a este desao?<br />

O meu início na AJAM vem já desde há muitos<br />

anos. Em 2003, z lá uma formação, um curso de<br />

inseminação articial, o meu pai já era associado<br />

e nós éramos uma exploração familiar com três<br />

lhos e nós cámos sempre a fazer os serviços<br />

médico-veterinários e de inseminação articial<br />

que depois passou a ser feita por mim e pelo meu<br />

irmão, mas sempre com material adquirido à<br />

AJAM. Em 2010, com a saída do Doutor Virgílio<br />

Oliveira e a casa como precisa de rejuvenescimento<br />

porque, pronto, só jovens é que podem gerir a<br />

casa e ser os corpos sociais e os dirigentes, o Hélio<br />

convidou-me para fazer parte dos corpos sociais<br />

e eu claro que aceitei, eu fui o primeiro secretário<br />

do primeiro mandato e no segundo mandato do<br />

Hélio fui Presidente da Assembleia Geral. O Hélio<br />

podia ter feito mais alguns mandatos, inclusive ele<br />

ainda é mais jovem do que eu, mas por motivos<br />

pessoais e atendendo a que não tinha condições<br />

NOJUL20 07


E N T R E V I S T A<br />

para continuar ele queria ingressar outra prossão,<br />

ele então falou comigo no sentido de achar que eu<br />

tinha o perl para ser presidente da AJAM. Eu na<br />

altura era autarca, presidia à Junta de Freguesia do<br />

Cabouco e à Casa de Povo e pronto z um exame,<br />

depois de consultar a minha família, e decidi<br />

experimentar e aceitar este desao e foi assim que<br />

começou.<br />

Isto de ser jovem agricultor tem que se lhe diga.<br />

Vocês são jovens até aos 40 anos e vem aí uma<br />

norma, que já me disse, que a juventude vai até aos<br />

45. Portanto, isto tem aqui uns outros contornos<br />

benécos.<br />

Sim, faz sentido, porque também nós trabalhamos<br />

até mais tarde, porque a reforma normal é aos 66,<br />

mas quem é agricultor normalmente nunca se<br />

reforma àquela data. Essas normas também vêm<br />

na questão de depois serem apoiados e hoje em<br />

dia a atividade do jovem agricultor começa mais<br />

tarde, porque antigamente era tudo mais precoce,<br />

em tudo, na vida das pessoas. Antigamente, as<br />

pessoas casavam-se aos 18 anos e hoje já se casam<br />

aos 30 e alguns ainda estão por casar. Portanto,<br />

na agricultura também é igual. Antigamente, as<br />

pessoas começavam mais cedo a agricultura e<br />

começavam a sua atividade mais cedo. Hoje, é mais<br />

tarde e, portanto, faz todo o sentido que assim seja,<br />

mais por depois poderem usufruir dos apoios ao<br />

jovem agricultor.<br />

César, vamos entrar aqui num ponto mais<br />

melindroso. O valor do leite, nós sabemos que<br />

Portugal está na cauda da Europa com valores<br />

pagos ao produtor, porque estes valores tão<br />

descabidos, tão baixos, qual é o problema destes<br />

valores que se atingem?<br />

Nesse assunto ninguém é dono da verdade e<br />

ninguém sabe. O primeiro ponto que eu acho<br />

que é existe também esse preço assim devido<br />

também a alguma inoperacionalidade das<br />

indústrias e dos distribuidores que estão associados<br />

a essas indústrias, valorizar mais o produto<br />

e conseguirem aumentar o valor do produto.<br />

Depois, numa questão do consumidor, também,<br />

que procura no mercado sempre um preço mais<br />

baixo e existe também uma política da parte da<br />

grande distribuição e dos hipermercados e dos<br />

supermercados de usarem os lacticínios como isco<br />

para outras compras e também tentam sempre<br />

nivelar os preços por baixo. Portugal não é por<br />

norma um país de produção leiteira, não está<br />

enraizado nisto. Acho que o problema do leite em<br />

Portugal é a nível nacional e acho que a nível do<br />

Governo nacional, não do Governo dos Açores<br />

porque acho que estamos até apoiados e sempre um<br />

apoio do Governo Regional, isso não acontece. É<br />

natural que entre produto muito barato e de baixo<br />

valor que vem competir com o nosso produto que<br />

depois faz com que os nossos preços tenham de<br />

baixar muito. Enquanto isto for assim vai ser muito<br />

difícil nós termos um valor mais acrescido no preço<br />

do leite. Há que dar a volta a isto. Um produtor<br />

de leite não tem mãos nisso. Nós não vendemos<br />

leite, nós produzimos leite e cada vez estamos a<br />

produzir leite mais caro, com mais custos e temos<br />

que arranjar, para ter mais rendimento, formas de<br />

aumentar a nossa eciência. Ao longo dos últimos<br />

anos, o que se fez na produção leiteira em São<br />

Miguel e nos Açores é excecional. Nós passámos de<br />

leite albada para tanques de refrigeração recolhida<br />

na exploração, mas não é todos. Queremos que<br />

um dia possamos ser todos assim, mas já 50% do<br />

leite que se recolhe em São Miguel já é tudo de<br />

tanques de refrigeração nas explorações. Há um<br />

desenvolvimento espetacular nessa área, agora<br />

é que não está a ser devidamente valorizada. Já<br />

vínhamos antes da pandemia com diculdades,<br />

o preço já era baixo, durante a pandemia baixa o<br />

preço do leite e após a pandemia nós já sabemos o<br />

que é que irá acontecer.<br />

Porque é que existe uma discrepância entre o valor<br />

pago de leite na ilha Terceira e o valor aqui em São<br />

Miguel?<br />

Nós aqui em São Miguel temos a sorte de ter a<br />

Unileite que é a fábrica da lavoura e tenta sempre<br />

puxar o preço do leite para cima. Há uns 10 anos<br />

que já não há negociações pelo preço do leite. A<br />

AJAM tentou, ainda no meu primeiro mandato,<br />

conseguimos reunir as indústrias, a cooperativa<br />

da Unileite e o Governo à mesma mesa para<br />

discutir o preço do leite, mas sem sucesso e a<br />

partir daí nós percebemos que não faz sentido<br />

08 NOJUL20


E N T R E V I S T A<br />

há desemprego, não recorrem à associação para<br />

saber se há trabalho?<br />

Não. Nós trabalhamos no meio rural e as pessoas<br />

que trabalham nestes meios estão identicadas.<br />

Pessoas que trabalham noutras áreas, que estão<br />

habituadas a estar em casa sábados e domingos, sair<br />

às 17h… Se formos pensar, tenho que entrar às 5h<br />

ou às 7h da manhã, conforme, e que às 17h é que<br />

vão começar a tratar da segunda ordenha. Trabalhar<br />

sete dias, que agora já começa a não ser assim, mas<br />

depois é difícil… Se o trabalho tem de ser feito por<br />

duas pessoas, durante a semana não se consegue<br />

dispensar ninguém, embora se pague aquela mão de<br />

obra, que começa depois a ser dispendioso, porque<br />

não é só pagar ao funcionário, tem que pagar<br />

também os encargos, a segurança social e o IRS e<br />

isso começa a ser assim um bocadinho desgastante,<br />

são despesas acrescidas.<br />

escrava.<br />

É um bocado. Principalmente na produção leiteira<br />

estamos sujeitos todos os dias, faça chuva, faça sol,<br />

venha pandemia COVID-19 ou não venha, temos<br />

que ordenhar as vacas e isso é fundamental. Mesmo<br />

se nós zermos as contas. Nós trabalharmos<br />

faseado, uma parte da manhã e outra à tarde, nós<br />

trabalhamos sempre as 8h diárias, nos 7 dias e<br />

acaba por ser muitas horas. Se não for por gosto, as<br />

pessoas não cam nesta vida.<br />

A vida de agricultor não é nada fácil. Não existe<br />

nem sábados, nem domingos, é uma vida um pouco


R E P O R T A G E M<br />

SOFIA CORDEIRO<br />

No âmbito das conferências digitais intituladas<br />

“Um olhar sociológico sobre a crise COVID-19",<br />

que contam com a participação breve de vários<br />

sociólogos sobre os mais variados temas, a sua<br />

18ª edição teve como orador António Firmino<br />

da Costa, que se debruçou sobre o tema das<br />

desigualdades sociais em tempo de pandemia.<br />

A rubrica centra-se na atual pandemia da<br />

COVID-19, especialmente nas sociedades que<br />

atravessam uma crise profunda e singular. O<br />

período de quarentena representa um esforço<br />

monumental por parte dos indivíduos e<br />

respetivas famílias. O isolamento não só quebrou<br />

a regularidade dos laços e das ligações sociais<br />

em copresença e proximidade física, como está<br />

a gerar um conjunto de processos disruptivos<br />

decorrentes do connamento prolongado. Não há<br />

sociedade decente que se baseie no desligamento<br />

e na interrupção das relações sociais, assim como<br />

no aprofundamento drástico das vulnerabilidades<br />

socioeconómicas.<br />

Quando questionado sobre como analisaria os<br />

impactos sociais que a crise, provocada pela<br />

pandemia, poderá ter no mundo e em Portugal,<br />

o orador respondeu que “quando há poucos<br />

meses a pandemia COVID-19 se disseminou no<br />

planeta, encontrou a cidade humana mundial<br />

com o panorama das desigualdades sociais muito<br />

acentuadas, desigualdades sociais múltiplas,<br />

económicas, educativas, de género, étnico-<br />

12 NOJUL20


R E P O R T A G E M<br />

raciais, desigualdades no trabalho, nas liberdades,<br />

nos direitos, de cidadania e outras. Além de<br />

múltiplas, essas desigualdades interligam-se entre<br />

si, de formas complexas, por vezes paradoxais e<br />

produzem várias injustiças sociais e diferentes<br />

tipos de discriminações. No conjunto, não são<br />

congruentes com padrões de civilização aceitáveis<br />

nos tempos atuais. Conhecemos já bastante acerca<br />

dessas desigualdades atuais contemporâneas:<br />

desigualdades dentro dos países e desigualdades<br />

no contexto global. Porém, só a partir da crise<br />

nanceira de 2008 e das políticas de austeridade<br />

que lhe seguiram com um enorme agravamento<br />

de problemas económicos, sociais e políticos daí<br />

correntes só a partir daí começou a criar-se na<br />

esfera pública mundial uma perceção alargada<br />

de que anal as desigualdades sociais atuais são<br />

muito elevadas e que algumas dimensões decisivas<br />

têm estado a agravar-se de forma intensa que é o<br />

caso das desigualdades de rendimentos e ainda<br />

mais o caso das desigualdades de riqueza, há cerca<br />

de quatro décadas que estas desigualdades de<br />

rendimento e de riqueza têm vindo a acentuar-se<br />

na generalidade dos países, afunilando de forma<br />

desproporcionada os rendimentos e a riqueza num<br />

topo de ‘hiper-ricos e poderosos’ ”.<br />

O professor dá também outros exemplos como<br />

“desigualdades de rendimentos e de riqueza que<br />

estão igualmente a aumentar outras desigualdades<br />

no mundo atual, no entanto, também é verdade<br />

que outras desigualdades têm vindo a diminuir,<br />

por exemplo, o forte crescimento económico<br />

da China nas últimas décadas conduziu a uma<br />

certa redução das desigualdades de rendimento<br />

médio da população entre a China e os países<br />

ocidentais. No entanto, as desigualdades internas<br />

do rendimento da população da China passarão<br />

a aumentar signicativamente. Outro exemplo, as<br />

desigualdades educativas a nível global evidenciam<br />

também tendências ambivalentes, por um lado o<br />

alargamento dos sistemas educativos em grande<br />

parte do mundo tem reduzido as desigualdades<br />

na educação as quais ainda a meio século<br />

estabeleciam uma força enorme entre uma fração<br />

ínma da sociedade com escolaridade nível médio<br />

ou superior e da grande maioria da população que<br />

tinha apenas escolaridade elementar”.<br />

“No último meio século, a situação alterou-se<br />

bastante a este respeito como é sabido, reduzindo<br />

signicativamente as desigualdades educativas,<br />

a entrada forte da população feminina na escola<br />

e os resultados educativos obtidos por elas é a<br />

componente decisiva para esta diminuição nas<br />

desigualdades da educação. Por outro lado, no<br />

entanto, nesta nova situação surgiram também<br />

novas dinâmicas educativas inigualitárias. No caso<br />

NOJUL20 13


R E P O R T A G E M<br />

demonstrativo, são as novas exclusões sociais e<br />

educativas aqueles que por razões variadas vão<br />

cando para trás. Outro caso demonstrativo<br />

é a nova clivagem meritocrática que se vai<br />

estabelecendo entre os segmentos sociais com<br />

graus educativos superiores e os outros segmentos<br />

sociais. Com vantagens e oportunidades muito<br />

desiguais e muito contrastantes nas atividades<br />

prossionais, nas garantias de emprego e a<br />

capacidade de acompanhar as transformações<br />

tecnológicas, nos problemas culturais, nas redes<br />

de interconhecimento, na regularização do status<br />

e no reconhecimento social. Nos Estados Unidos<br />

da América, esta nova clivagem meritocrática<br />

soma-se com outra clivagem entre os 1% com<br />

concentração hiper-acentuada de riqueza e poder<br />

face aos outros 99% da população em geral. A<br />

conuência dessas duas desigualdades tornou-se<br />

exclusiva nos Estados Unidos no plano político,<br />

cultural, no plano ambiental, no plano das relações<br />

internacionais e também no plano da saúde<br />

pública e agora em situação dramática com a nova<br />

pandemia”.<br />

No que toca aos impactos que a pandemia trouxe<br />

para as desigualdades sociais contemporâneas,<br />

António Firmino da Costa armou que “para já,<br />

no imediato, as evidências apontam, infelizmente,<br />

para o agravamento das desigualdades sociais<br />

no mundo e, em geral, em cada país. Primeira<br />

constatação, os mais desfavorecidos e vulneráveis<br />

estão a car ainda mais desfavorecidos e mais<br />

vulneráveis. Na América Latina, África e Ásia<br />

14 NOJUL20


R E P O R T A G E M<br />

com grande parte das populações em rendimentos<br />

muito baixos e níveis reduzidos de atividade,<br />

atividade prossional informal ou com pouco<br />

enquadramento legal, condições de habitação<br />

precárias, sistemas de proteção social muito<br />

limitados e sistemas de saúde também muito<br />

limitados, aí as situações de desigualdade têm se<br />

vindo a agravar em muitas paragens e em muitas<br />

outras estão em risco eminente. As notícias<br />

mediáticas têm vindo a mostrar casos de grande<br />

vulnerabilidade e por vezes de grande dramatismo,<br />

por exemplo na Índia ou no Brasil”.<br />

Distingue-se também as desigualdades sociais<br />

nos países desenvolvidos e em desenvolvimento,<br />

no “mundo mais desfavorecido nem sequer há<br />

notícias, sobre elas pouco se fala do que lá se<br />

passa. Nos países mais desenvolvidos, de maior<br />

desenvolvimento humano, onde Portugal se inclui,<br />

os impactos do COVID-19, no agravamento<br />

das desigualdades sociais, tem estado também a<br />

vericar-se de maneira muito evidente e muito<br />

preocupante em diversas categorias sociais,<br />

vericando-se situações de desigualdade acrescida.<br />

Desde logo, a categoria social dos trabalhadores<br />

de baixas remunerações e de baixas qualicações,<br />

muitos deles com situações contratuais precárias<br />

ou mesmo na economia informal, eram à partida<br />

os mais mal situados na escala das desigualdades<br />

sociais e estão agora a ser dos mais atingidos<br />

quer pelos impactos diretos da crise pandémica<br />

em termos de propagação da infeção, quer<br />

pelos impactos económicos que decorreram das<br />

respostas imediatas de contenção à pandemia,<br />

indispensáveis do ponto de vista da saúde pública,<br />

mas com consequências económicas muito<br />

negativas e que provavelmente se irão prolongar<br />

por bastante tempo. São trabalhadores manuais<br />

e trabalhadores dos serviços pessoais, operários<br />

industriais, trabalhadores dos transportes,<br />

da construção civil, da manutenção urbana,<br />

dos serviços pessoais, em geral, com baixas<br />

remunerações muitas vezes com situações<br />

NOJUL20 15


R E P O R T A G E M<br />

de emprego precário. Em geral, os mais<br />

vulneráveis são imigrantes de grupos étnicos<br />

minoritários e pessoas muitas vezes alvo<br />

de estigmatização racista. Aliás, de forma<br />

paradoxal, muitos são afetados fortemente por<br />

desemprego, subemprego, trabalho temporário<br />

e precariedade, risco de pobreza, muitos eles no<br />

prosseguimento das atividades que asseguram o<br />

funcionamento de estruturas de abastecimento<br />

e de cuidados sem recurso ao teletrabalho<br />

por razões inerentes às atividades por eles<br />

realizadas. Começa a ser usada a respeito deles<br />

a categoria de trabalhador essencial e têm sido<br />

os mais expostos à infeção e à doença, tendo<br />

ao mesmo tempo baixas remunerações e baixas<br />

garantias contratuais no emprego”.<br />

Os “jovens adultos” são outra da categorial<br />

social essencial dos “segmentos mais afetados<br />

pelos impactos da pandemia em termos<br />

de agravamento das desigualdades sociais.<br />

Antes da pandemia já era assim, mas agora as<br />

circunstâncias deles agravaram-se: diculdades<br />

agravadas quanto ao emprego; quanto ao<br />

rendimento; quanto ao prosseguimento de<br />

estudos superiores; quanto à autonomia<br />

pessoal em todo o mundo são os jovens adultos<br />

que são alvo de subemprego, desemprego e<br />

precariedade laboral. Alguns caram sem<br />

rendimento, muitas vezes colocados em<br />

situações muito difíceis ainda mais quando têm<br />

crianças nos seus agregados familiares”.<br />

Os “trabalhadores independentes” foram<br />

também dos mais afetados pelo agravamento<br />

das desigualdades com o connamento de<br />

pessoas e atividades, “muitos caram sem<br />

a atividade prossional e rendimentos de<br />

qualquer origem, parte deles caram colocados<br />

em situação de pobreza instantânea”.<br />

Os idosos, outra categorial social afetada, “têm<br />

sido também dos mais diretamente atingidos<br />

pela doença, pela sua maior vulnerabilidade à<br />

infeção e pela sua maior vulnerabilidade às suas<br />

consequências mais gravosas”. “Porém, não só<br />

pelos riscos de saúde acrescido, mas também<br />

pelas condições de existência social, muitos<br />

deles com situações económicas de baixo<br />

rendimento e situações sociais fracas e frágeis”.<br />

As crianças e jovens em atividade escolar “têm tido<br />

diculdades em prosseguir quer as aprendizagens<br />

escolares, quer a socialização inter-pares, ambas<br />

fundamentais nos percursos sociais de crescimento.<br />

Estão em desigualdade educativa face às gerações<br />

anteriores e o afastamento físico e relacional das<br />

escolas alarga ainda mais as desigualdades entre<br />

eles consoante os recursos educativos e económicos<br />

desiguais nas respetivas famílias, as desigualdades de<br />

oportunidade entre eles agravaram-se ainda mais”.<br />

Por m, as mulheres, “em especial as que trabalham<br />

em atividades de baixas qualicações e de baixos<br />

rendimentos, também particularmente afetadas<br />

pela crise pandémica em termos de agravamento<br />

das desigualdades sociais, quer pela suspensão ou<br />

encerramento de atividades económicas em que<br />

estão, por exemplo, hotelaria e restauração, serviços<br />

16 NOJUL20


R E P O R T A G E M<br />

pessoais, quer pelo prosseguimento de atividades<br />

prossionais de esforço e risco agravado sem<br />

recurso a teletrabalho, nomeadamente, em serviços<br />

de saúde, lares de idosos, apoios domésticos, entre<br />

outros e ainda pelo trabalho familiar ainda mais<br />

sobrecarregado nestas situações de connamento”.<br />

“Para além deste balanço rápido de situações de<br />

desigualdades agravadas pela pandemia e pelas suas<br />

consequências imediatas, julgo que se podem já<br />

colocar questões de fundo para o futuro próximo<br />

vários tópicos relevantes evidentemente, mas<br />

gostaria de assinalar apenas três com implicações<br />

para a redução das desigualdades sociais no mundo<br />

atual e também em Portugal, evidentemente. Três<br />

questões que nos interpelam para o futuro próximo:<br />

as desigualdades e o Estado social, as desigualdades<br />

e a transformação digital e as desigualdades e a<br />

ciência”.<br />

“Os sistemas públicos de saúde, educação e de<br />

proteção social têm sido fundamentais na contenção<br />

de desigualdades sociais ainda maiores. Apesar<br />

disso, nas últimas décadas, tem sido objeto político<br />

de restrição ou mesmo de tentativas de quase<br />

aniquilação. No entanto, qual seria o impacto social<br />

da pandemia em Portugal se não houvesse um<br />

serviço nacional de saúde, de carácter basicamente<br />

universal, se nem todas as pessoas infetadas<br />

pudessem ser tratadas, independentemente dos<br />

seus recursos económicos e da sua condição social?<br />

Como seria se não houvesse um sistema público<br />

de proteção social? Se não houvesse pensões de<br />

reforma e velhice, subsídios de desemprego e<br />

doença e vários outros instrumentos de proteção<br />

social? Como seria se não houvesse sistema público<br />

em educação? Ou as soluções parciais, provisórias<br />

encontradas no imediato da pandemia e, sobretudo,<br />

com a manutenção do desconnamento no<br />

enquadramento da grande maioria da proteção<br />

escolar, ensino básico, secundário e superior?”.<br />

O orador arma que “todos estes sistemas públicos<br />

do estado social têm muitas lacunas e deciências.<br />

Em certos períodos das décadas anteriores foram<br />

alvo de restrições e amputações. A própria ideia<br />

do estado social dos seus sistemas públicos sociais<br />

ou quase universais foi alvo de tentativas de<br />

descredibilização”.<br />

O professor adianta que “esta gravíssima crise de<br />

NOJUL20 17


R E P O R T A G E M<br />

saúde pública e a crise económica e social associada<br />

demonstram a evidência que as instituições<br />

do estado social são indispensáveis para uma<br />

existência civilizada em sociedade no mundo atual<br />

e, em particular, é fundamental para a contenção<br />

das desigualdades sociais em agravamento e<br />

desejavelmente para as reduzir”. E “para que o<br />

estado social mantenha as suas funções e contribua<br />

decisivamente para a redução das desigualdades<br />

sociais há duas prioridades que se tornaram<br />

evidentes com a crise atual: o reforço dos sistemas<br />

públicos e a acentuação do seu carácter universal.<br />

Segunda questão, que “desigualdades e<br />

transformação digital?”. Com a crise de saúde<br />

pública, o processo de transformação digital<br />

da sociedade teve um impulso enorme de boa<br />

parte das transformações imediatas encontradas<br />

perante a crise pandémica tendo desenvolvido em<br />

instrumentos digitais nas universidades de maneira<br />

praticamente instantânea, o ensino tornou-se<br />

provisoriamente ensino à distância com o apoio em<br />

quatro formas digitais, vários setores económicos e<br />

administrativos foram rapidamente reorganizados<br />

com recurso maciço ao teletrabalho, o comércio<br />

eletrónico aumentou signicativamente nas relações<br />

de família, amizade e socialidade. Tem surgido<br />

uma variedade de iniciativas comunicacionais,<br />

criativas, lúdicas e de experimentação nos estilos<br />

de vida. Na saúde, está a aumentar rapidamente a<br />

utilização de novas tecnologias digitais por médicos<br />

e outros prossionais da saúde e com a pandemia<br />

COVID-19 surgiram as aplicações controversas de<br />

monitorização da infeção e da doença estão também<br />

a surgir cada vez mais instrumentos de base digital<br />

para a monitorização da mobilidade das pessoas e na<br />

monitorização de vários dos seus atos quotidianos.<br />

É aqui justamente que as questões se complicam,<br />

nomeadamente quanto às desigualdades sociais.<br />

Com efeito, tornam-se cada vez mais evidentes<br />

as ambivalências da transformação digital, estes<br />

dispositivos digitais e a sua utilização generalizada<br />

trazem sem dúvida enormes potencialidades para<br />

diversos domínios, mas trazem também enormes<br />

ameaças para os modos de existência humana em<br />

sociedade, nomeadamente novos agravamentos e<br />

novos tipos de desigualdades sociais”.<br />

António Firmino da Costa revela que “não se<br />

18 NOJUL20


R E P O R T A G E M<br />

trata apenas de um vago horizonte futuro. É<br />

algo que está já bem presente, mas que agora<br />

a resposta à pandemia recolocou num novo<br />

patamar”. “Na parte de concentração de riqueza<br />

no mundo extremamente residual constituise<br />

agora uma nova concentração de dados em<br />

meia dúzia de megaempresas digitais em alguns<br />

estados hiperpoderosos. É uma assimetria<br />

gritante com múltiplas implicações inigualitárias<br />

muito preocupantes, já gerou algumas respostas<br />

institucionais a mais conhecida proteção de dados<br />

da União Europeia tem méritos, mas também é<br />

muito limitada face à magnitude do problema.<br />

Uma das maiores lacunas precisamente é a de não<br />

contemplar respostas a algumas das desigualdades<br />

sociais mais preocupantes implicadas na nova<br />

concentração de dados”. Outro exemplo, “a<br />

impregnação dos algoritmos por preconceitos<br />

e critérios discriminatórios nuns casos por<br />

inadvertência outros casos intencionalmente,<br />

mas há vários estudos a este respeito e até já<br />

houve casos em que algumas megaempresas<br />

digitais alteraram alguns algoritmos no sentido<br />

de evitar certos enviesamentos preconceituosos<br />

e discriminatórios, mas casos destes, pelo menos<br />

para já, são apenas uma gota de água”. Por último,<br />

“os sistemas de crédito social implementados<br />

na China, em que as pessoas são monitorizadas<br />

nas suas atividades diárias por meios digitais,<br />

onde se localizam, para onde se deslocam, com<br />

quem contactam, com quem fazem compras,<br />

que atividades fazem ou não fazem, sendo-lhes<br />

atribuídos pontos positivos e pontos negativos<br />

e em consequência sendo-lhe ajustada em<br />

permanência o ranking da sua reputação pessoal<br />

perante as autoridades e perante as outras pessoas<br />

e em consequência também o seu acesso ou não a<br />

recursos, emprego, casas, escolas, viagens, etc”.<br />

“Em suma, uma estraticação social gerida por<br />

meios digitais, dirigida por hierarquias político-<br />

NOJUL20 19


R E P O R T A G E M<br />

administrativas, com efeitos socialmente<br />

inigualitários generalizados. Estes exemplos de<br />

concentração de dados digitais, a impregnação<br />

de algoritmos por preconceitos discriminatórios,<br />

os sistemas de crédito social ilustram o que tem<br />

sido designado como a sociedade vigilância.<br />

Acontece que, como sempre aconteceu, as<br />

transformações tecnológicas, as chamadas<br />

novas tecnologias disruptivas, podem ser<br />

desenhadas e aplicadas de diversas maneiras e<br />

com consequências sociais alternativas. Tudo<br />

está a acontecer rapidamente e a crise pandémica<br />

é também um momento de encruzilhadas.<br />

As tecnologias digitais, nomeadamente as<br />

envolvidas na resposta à crise sanitária,<br />

económica e social estão a ser tecnicamente<br />

desenhadas e socialmente utilizadas com o<br />

agravamento de novas desigualdades? Ou<br />

poderão ser tecnicamente desenhadas e<br />

socialmente utilizadas para a redução das<br />

desigualdades sociais, incorporando nos seus<br />

protocolos e aplicações critérios de respeito pelas<br />

liberdades democráticas, pelos diretos humanos<br />

e pelo sentido de justiça social?”<br />

A terceira questão designa-se pelas<br />

desigualdades e pela ciência, ao que o orador<br />

sublinha que “as possibilidades de enfrentar<br />

no imediato a pandemia do COVID-19 e<br />

as expectativas de obtenção de soluções<br />

para a doença no médio prazo têm sido em<br />

grande parte depositadas na opinião pública,<br />

na ciência e nos cientistas, nos médicos,<br />

biólogos e outros especialistas. Nos últimos<br />

meses, cientistas, universidades, centros de<br />

investigação, laboratórios, ensaios clínicos,<br />

projetos de pesquisa, conhecimentos cientícos,<br />

necessidades de mais conhecimento cientíco,<br />

controvérsias cientícas, tudo isto passou a<br />

fazer parte da conversação pública, em certa<br />

medida nas atuais circunstâncias a cultura<br />

cientíca dos cidadãos parece ter dado um<br />

passo mais avançado. É certo que a esfera<br />

pública atravessa também por fake news, teorias<br />

obscurantistas, mensagens de desinformação e<br />

opiniões anticientícas veiculadas por bolhas<br />

nas redes sociais e por políticos autoritários,<br />

pelo Trump ou pelo Bolsonaro. No entanto,<br />

os vários inquéritos feitos a vários países do<br />

mundo mostram que a maioria das pessoas<br />

está a atribuir grande utilidade, credibilidade e<br />

conança à ciência e aos cientistas, no sentido em<br />

que as políticas públicas e ações quotidianas dos<br />

cidadãos sejam mais informadas pelo conhecimento<br />

cientíco em que a opinião pública atribui<br />

credibilidade à ciência e aos cientistas. Então as<br />

possibilidades são também maiores das desigualdades<br />

sociais serem conhecidas e enfrentadas de maneira<br />

mais esclarecida. Neste sentido, o contributo das<br />

ciências sociais é particularmente relevante para<br />

o conhecimento das desigualdades e para agir de<br />

maneira informada na contenção e desagravamento<br />

das desigualdades sociais perante esta situação<br />

extraordinária de pandemia”.<br />

20 NOJUL20


R E P O R T A G E M<br />

ANA MASSA<br />

No âmbito de uma breve exposição online, Ana<br />

Raquel Matias, socióloga e professora auxiliar<br />

convidada no departamento de sociologia<br />

do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa,<br />

debruçou-se sobre o tema das desigualdades<br />

sociolinguísticas em tempos da crise COVID-19.<br />

Quando questionada sobre de que forma pode<br />

a desigualdade linguística gerar desigualdades<br />

sociais, Ana Matias armou que, de facto, a “nossa<br />

sociedade tem observado uma crescente presença<br />

de população estrangeira, de diversas partes do<br />

mundo e a diversidade de origens tem aumentado,<br />

o que implica que cada vez mais temos indivíduos<br />

que são falantes de diferentes línguas, de diferentes<br />

partes do mundo, além das línguas nacionais dos<br />

seus países, também as línguas regionais e locais<br />

que têm bastante importância em alguns países<br />

e que têm uma disseminação que ultrapassa<br />

fronteiras”.<br />

Esta diversidade vem, portanto, na forma de jovens<br />

estudantes, de trabalhadores que constituem<br />

família e “trazem toda esta riqueza que é uma<br />

22 NOJUL20


R E P O R T A G E M<br />

riqueza no sentido em que nos permite aceder a<br />

diferentes culturas, entender melhor diferentes<br />

culturas através dessas línguas e até aceder a<br />

diferentes formas de conhecimento e de produção<br />

de conhecimento”, estabelecendo-se assim uma<br />

valiosa oportunidade de aprendizagem. Todavia,<br />

Raquel Matias alerta para o facto de que o estatuto<br />

social que estas populações estrangeiras assumem<br />

na sociedade portuguesa não acarretam o mesmo<br />

peso, reconhecimento e valorização do que as suas<br />

línguas maternas, na medida em que “há línguas<br />

sobre as quais se aufere maior valor em termos<br />

económicos e a nível da economia e da política<br />

internacional como o inglês e o francês e o alemão,<br />

mas há outras línguas que não são valorizadas<br />

da mesma forma pela nossa sociedade e isso tem<br />

implicações na disponibilização de informação”,<br />

que podemos encontrar a vários níveis, no acesso<br />

ao trabalho, no acesso à habitação e no acesso à<br />

saúde, a principal “questão que nos preocupa aqui e<br />

nas escolhas das várias línguas em que poderemos<br />

aceder a essa informação, ou seja, os cidadãos não<br />

estarão de todo no mesmo pé de igualdade para<br />

aceder a essa informação se as suas línguas não<br />

estiverem disponibilizadas”.<br />

No entanto, Raquel Matias arma que a política<br />

de ensino de língua portuguesa para a população<br />

estrangeira, residente em Portugal, “tem sido uma<br />

das prioridades desde há 20 anos para cá, com<br />

políticas nacionais para adultos e para crianças<br />

e jovens que frequentam o sistema de ensino”,<br />

embora se tenha vericado que não tem sido<br />

acessível de igual forma a todas as populações,<br />

sendo que as mais vulneráveis em termos de<br />

precariedade no mercado de trabalho, necessidades<br />

de regularização e exercícios dos seus direitos e<br />

também de baixos níveis de escolaridade “nem<br />

sempre têm sido aquelas que mais fácil acesso<br />

têm tido aos programas de ensino de língua<br />

portuguesa, o que lhes pode dicultar o exercício<br />

dos seus direitos e a criação de uma autonomia<br />

nanceira face a situações possíveis de maior<br />

precariedade e de exploração”. Com o COVID-19,<br />

arma a socióloga, se as situações de desigualdade<br />

se acentuaram em termos gerais, as desigualdades a<br />

este nível também se acentuaram.<br />

Dentro do contexto da pandemia COVID-19,<br />

Raquel Matias alude a vários estudos que<br />

NOJUL20 23


R E P O R T A G E M<br />

demonstraram que as traduções<br />

que têm sido feitos pelas<br />

entidades governamentais ao<br />

nível da saúde pública e da<br />

informação médica certicada<br />

“revelam pouca sensibilidade<br />

às reais necessidades das<br />

populações que não falam<br />

as normas ociais dos países<br />

onde se encontram”. A real<br />

diversidade linguística das<br />

populações faz com que<br />

os mais desfavorecidos no<br />

acesso à informação sejam<br />

as minorias, os indígenas, os<br />

imigrantes, os refugiados,<br />

os requerentes de asilo e até<br />

as pessoas com deciência<br />

em que a informação ocial<br />

revela “pouca ecácia<br />

comunicacional”, arma. Por<br />

outro lado, também se observa,<br />

infelizmente, um crescente<br />

uso da linguagem racista e<br />

discriminatória quando se trata<br />

de fazer a discussão no espaço<br />

público, ou seja, nos media<br />

ou nas redes sociais sobre<br />

populações mais vulneráveis e<br />

sobre a necessidade de medidas<br />

especícas a essas populações<br />

de acordo com características<br />

ditas étnico-raciais-culturaisreligiosas.<br />

A socióloga arma<br />

que se tem vindo a observar<br />

uma “propagação dessa<br />

linguagem que afeta exatamente<br />

essas populações que têm tido<br />

mais diculdade no acesso à<br />

informação”.<br />

Uma questão importante e<br />

positiva que estes estudos<br />

revelam “é que quando existe<br />

uma maior coordenação entre<br />

as entidades governamentais<br />

nas decisões de cima para<br />

baixo com a participação<br />

efetiva e uma discussão<br />

de maior horizontalidade<br />

com a sociedade civil e<br />

com as associações que<br />

estão no terreno a trabalhar<br />

com as populações mais<br />

desfavorecidas, as medidas<br />

que se implementam, a forma<br />

de acesso e divulgação de<br />

informação mostra-se muito<br />

mais ecaz”. Por conseguinte,<br />

deverá valorizar-se uma<br />

“horizontalidade” na tomada<br />

de decisão e na abordagem da<br />

mesma.<br />

Quando questionada sobre<br />

24 NOJUL20


R E P O R T A G E M<br />

que políticas serão necessárias<br />

implementar no decurso desta<br />

crise de modo a mitigar as<br />

desigualdades sociolinguísticas<br />

e as precedentes desigualdades<br />

sociais, Raquel Matias<br />

respondeu que, em termos<br />

de impacto, “sabemos que as<br />

populações mais vulneráveis,<br />

sejam estrangeiros ou nacionais,<br />

estão na primeira linha da<br />

frente no embate da crise<br />

económica que foi gerada<br />

pela pandemia COVID-19”.<br />

Populações estas que estão em<br />

situações laborais extremamente<br />

frágeis e instáveis que são<br />

“as principais atingidas”. No<br />

entanto, quando se é estrangeiro<br />

e se tem relações contratuais<br />

“mais descartáveis”, estes<br />

também se encontram primeira<br />

linha da frente “não só para<br />

perder imediatamente os seus<br />

postos de trabalho e os seus<br />

recursos económicos, mas como<br />

também estarem sujeitos a<br />

níveis de exploração que podem<br />

voltar a regredir a contextos<br />

que já não imaginávamos ser<br />

possíveis”.<br />

Raquel Matias acredita que<br />

há de facto uma preocupação<br />

signicativa por parte<br />

de algumas entidades<br />

governamentais relativamente<br />

a esta “possibilidade de<br />

exploração laboral mais<br />

acentuada e mais grave devido<br />

aos níveis de crescimento de<br />

pobreza que se tem observado<br />

que algumas populações estão<br />

mais sujeitas e a população<br />

estrangeira é uma população<br />

particularmente alvo destes<br />

níveis de exploração”.<br />

Deste modo, é importante<br />

denir como prioritário o<br />

acompanhamento adequado<br />

destas populações e “não como<br />

uma questão secundária”, uma<br />

vez que “somos todos parte da<br />

mesma comunidade e o bem de<br />

uns será com certeza o bem de<br />

outros”, conclui.<br />

NOJUL20 25


R E P O R T A G E M<br />

O Futuro do<br />

Turismo Rural<br />

na Ilha do Pico<br />

SARA BORGES<br />

Na presente conjuntura e, após a travessia da<br />

primeira vaga causada pela pandemia Covid-19,<br />

surge o momento de se retomar a uma nova<br />

normalidade, na qual os diversos setores das<br />

atividades económicas necessitam restruturar o<br />

seu modo de funcionamento, adequando-se às<br />

medidas de prevenção e contenção deste vírus.<br />

É neste sentido que a Associação Portuguesa de<br />

Turismo em Espaços Rurais e Naturais (APTERN)<br />

promoveu, no dia 18 de junho, um Webinar<br />

dedicado à Capital do Turismo Rural na Região<br />

Açoriana, o Município de São Roque do Pico,<br />

intitulado de “O Futuro do Turismo Rural na Ilha<br />

do Pico”.<br />

Recorde-se que desde de 2013, São Roque do<br />

Pico detém a marca “Capital de Turismo Rural”,<br />

que tem servido de suporte a todas as atividades<br />

turísticas, permitindo dar a conhecer o melhor<br />

que o concelho tem a nível do alojamento rural,<br />

gastronomia, paisagens e locais para momentos de<br />

descontração e lazer.<br />

Deste modo, este seminário online contou<br />

com a participação de Daniel Assunção, em<br />

representação da Câmara Municipal de São Roque<br />

do Pico; Benedita Simas, do empreendimento<br />

turístico Lava Homes & Restaurante Magma;<br />

Manuel Costa Júnior, Diretor do Museu do Pico;<br />

Miguel Chu, proprietário da empresa de animação<br />

turística marítima-Aqua Açores; Filipe Ferreira,<br />

proprietário da empresa de animação turística<br />

terrestre-Terra Alta e Jorge Santos, presidente da<br />

APTERN. O Webinar teve como intuito perceber<br />

26 NOJUL20


R E P O R T A G E M<br />

como os diversos empresários e também os agentes<br />

municipais e governamentais desta ilha se estão a<br />

adaptar a esta nova realidade e quais as estratégias<br />

que pretendem por em prática para salvaguardar, o<br />

máximo possível, os seus empreendimentos.<br />

Neste sentido, Daniel Assunção refere que o<br />

turismo, após o m das quarentenas, na ilha do<br />

Pico, recomeçou muito devagar e timidamente,<br />

através do turismo interno. Contudo, espera que<br />

com a retoma das ligações inter-ilhas, no dia 22<br />

de junho, traduza-se em mais um universo com<br />

potenciais visitantes, salientando que são muitos<br />

açorianos que não conhecem as nove ilhas dos<br />

Açores, sendo assim defende que o programa<br />

governamental “Viver os Açores” representa uma<br />

“oportunidade de luxo” para se conhecer as ilhas<br />

e refere ser uma “iniciativa sensacional para esta<br />

altura”.<br />

Em relação às expetativas para este ano, arma<br />

que a “época alta sensacional” que todos estavam<br />

à espera não vai acontecer, no entanto, defende<br />

que tem de haver uma forma de compensar esta<br />

situação e ainda ter algum retorno desta época,<br />

pois acredita que a ilha do Pico terá turistas<br />

esse ano. Neste sentido, relembra o discurso do<br />

Presidente do Governo Regional dos Açores, Vasco<br />

Cordeiro, rearmando que é muito importante<br />

a segurança e conança, e destaca os diversos<br />

artigos lançados nos quais predominam a mesma<br />

mensagem, de que os Açores são as zonas mais<br />

seguras do mundo para se passar férias neste<br />

momento, sendo este um fator fulcral para a<br />

retoma do setor do turismo.<br />

Por outro lado, temos os empresários de<br />

empreendimentos turísticos na Ilha do Pico,<br />

que relatam um período de três meses em que<br />

houve uma paragem total da sua atividade, e<br />

consequentemente, da sua faturação, havendo<br />

assim a urgência em elaborar estratégias que<br />

permitissem de algum modo minimizar os<br />

prejuízos.<br />

Neste sentido, Benedita Simas, dona do<br />

empreendimento turístico Lava Homes &<br />

Restaurante Magma, procedeu a uma estratégia<br />

de promoção interna do seu alojamento local,<br />

reduzindo os valores para 50% para os habitantes<br />

picarotos e releva que, para sua surpresa, registou<br />

um aumento de reservas no mês de maio. Assim,<br />

apesar de a faturação não ser a mesma, Benedita<br />

arma que a intenção para o resto deste ano<br />

“é que seja de menor prejuízo possível e neste<br />

aspeto esta ocupação tem nos conseguido alguma<br />

NOJUL20 27


R E P O R T A G E M<br />

percentagem de faturação e que, colmatada com<br />

os apoios que houve, como o layoff ”, referindo<br />

que o apoio do Governo Regional tem sido<br />

“extraordinário” neste contexto.<br />

No que se refere ao selo “Clean & Safe”,<br />

iniciativa do Governo Regional, refere que o seu<br />

empreendimento aderiu rapidamente a este selo,<br />

contudo admite que “grande parte das medidas<br />

incorporadas neste selo já eram adotadas, sendo<br />

apenas novidade a necessidade de se instalar<br />

doseadores de gel em diversos sítios e a desinfeção<br />

aprofundada de determinadas superfícies”.<br />

Para os outros empresários do setor turístico,<br />

nomeadamente na área da animação, como<br />

Miguel Chu, proprietário da empresa de animação<br />

turística marítima - Aqua Açores e Filipe<br />

Ferreira, proprietário da empresa de animação<br />

turística terrestre - Terra Alta, não tem grandes<br />

expectativas, nem provisões denidas em relação<br />

aos próximos meses, segundo eles tudo vai<br />

depender das ligações áreas, dos uxos de turistas<br />

que vão chegar à ilha e do comportamento dos<br />

Governos dos outros países. Segundo Miguel<br />

Chu, “o problema com as quarentenas não é<br />

só cá como também em outros países”, relata o<br />

caso da Alemanha, no qual está a ter problemas<br />

porque este país ainda não desbloqueou a suas<br />

quarentenas, dicultando a entrada de clientes na<br />

região. Assim, informa que no ano passado teve 9<br />

mil clientes e que este ano prevê que tenha cerca de<br />

2 mil clientes.<br />

Em relação aos preços das suas atividades<br />

turísticas, ambos os empreendedores referem<br />

não ter realizado nenhuma alteração, nem tem<br />

a intenção de o fazer no futuro, porque todos os<br />

novos procedimentos a serem adotados tem um<br />

custo acrescido, inviabilizando assim a redução dos<br />

preços. E salientam que as pessoas que neste ano<br />

irão visitar o Pico são pessoas com conança no<br />

destino que escolheram e com pessoas com posse<br />

28 NOJUL20


R E P O R T A G E M<br />

monetária suciente para os preços já previamente<br />

estabelecidos.<br />

Desta forma, Miguel Chu realça as diculdades<br />

das empresas relacionadas com o setor do turismo<br />

em sobreviver até ao nal do ano, salientando os<br />

diversos encargos que as empresas possuem, desde<br />

de empregados, a contas da eletricidade e impostos<br />

ao Estado. Sendo assim, a sua incerteza incide no<br />

facto do que vai acontecer no futuro “e se o vírus<br />

voltar a entrar na região? O que irá o governo<br />

decidir, irá fechar o território novamente?”.<br />

Para este empreendedor a crise que se adivinha<br />

vai trazer novas oportunidades, assim, refere<br />

aos apoios monetários que União Europeia vai<br />

direcionar para os diversos países, e que segundo<br />

Miguel Chu vai exigir às empresas uma especial<br />

atenção para que possam usufruir destes apoios.<br />

No entanto, destaca que um dos seus maiores<br />

receios incide na incapacidade de manter toda a<br />

força laboral que detém no presente momento,<br />

sendo que considera os seus trabalhadores<br />

como parte integrante do seu sucesso e que<br />

são as próprias empresas que formam os seus<br />

empregados.<br />

Em relação à parte cultural, em especíco<br />

aos museus e as consequências da pandemia,<br />

salientamos o comunicado da UNESCO, no dia<br />

internacional dos museus, no qual mencionava<br />

que, com esta conjuntura, cerca de 13% dos<br />

museus a nível mundial iria ter tendência a fechar.<br />

Assim, importa perceber quais as medidas tomadas<br />

pelo Museu do Pico.<br />

Nota-se que o Museu do Pico, que se insere na<br />

categoria de Museu Regional, reúne as extensões<br />

do Museu dos Baleeiros, na vila das Lajes, do<br />

Museu da Indústria Baleeira, na vila de São Roque<br />

e do Museu do Vinho, na vila da Madalena. Os<br />

três núcleos museológicos assumem-se como<br />

instrumentos capazes de propiciar a valorização do<br />

património cultural da ilha do Pico e de colaborar<br />

NOJUL20 29


R E P O R T A G E M<br />

na construção da sua identidade, fazendo<br />

o levantamento, a preservação, o estudo e<br />

a divulgação das suas memórias coletivas,<br />

associadas aos históricos ciclos regionais da<br />

baleação e da vitivinicultura.<br />

Segundo Manuel Costa Júnior, Diretor do<br />

Museu do Pico, os museus públicos, como<br />

é o caso do Museu do Pico, encontram-se<br />

mais protegidos do que os privados no que<br />

diz respeito aos impactos da pandemia. No<br />

entanto, informa que no ano transato esta<br />

instituição cultural teve cerca de 66 mil<br />

visantes, assim o diretor defende que foram<br />

“atingindo números muito interessantes<br />

para um museu pequeno” e preparavam-se<br />

para ultrapassar largamente esse número em<br />

situações normais.<br />

O diretor do museu defende que os três<br />

núcleos museológicos “sempre romperam<br />

com o status quo regional, porque desde<br />

dos anos 80 sempre registaram uxos<br />

maiores de visitantes. Sendo assim, ao<br />

longo de 30 anos, nós fomos dos museus<br />

que mais pessoas receberam e que mais<br />

receita criaram para a Direção Regional da<br />

Cultura”. E defende que podiam criar muito<br />

mais se tivesse políticas mais assertivas,<br />

mais competitivas e mais estratégicas do<br />

ponto de vista comercial.<br />

De acordo com Manuel Costa Júnior, o<br />

Museu do Pico tem tantos visitantes porque<br />

“o visitante vai à natureza, mas precisa ir ao<br />

museu encontrar-se com a matriz cultural<br />

que o ajuda a compreender a paisagem<br />

natural. Aqui no Pico, a paisagem cultural<br />

está intrinsecamente ligada à paisagem<br />

natural”, sendo esta uma realidade que o<br />

destaca dos outros museus dos Açores.<br />

Para o historiador, o Pico tem uma<br />

notoriedade que já está conquistada, essa<br />

reputação esse prestígio que o Pico adquiriu<br />

na última década permitiu colocá-lo numa<br />

espécie de vanguarda para as diculdades<br />

que se avizinham. Assim, a notoriedade de<br />

ser uma ilha de beleza única e a notoriedade<br />

de ser uma ilha sem covid-19 fazem do Pico<br />

uma ilha com grandes possibilidades para<br />

a sua reabilitação económica. De um modo<br />

geral, os membros integrantes deste webinar<br />

30 NOJUL20


R E P O R T A G E M<br />

compartilham da mesma noção, sendo que Miguel<br />

Chu acrescenta que não precisam do selo, porque<br />

eles já são o selo, “nós só temos um produto para<br />

vender, que é a natureza. O Pico, na minha opinião,<br />

só tem natureza para vender”, assim, vericámos<br />

que umas das estratégias para a retoma do setor do<br />

turismo incide na divulgação da natureza do Pico,<br />

este volta a ser um trunfo, mas com mais possança,<br />

tendo em conta a preferência por espaços abertos.<br />

Neste sentido, temos o representante da Câmara<br />

Municipal de São Roque do Pico, Daniel Assunção,<br />

que reforça a marca “Capital do Turismo Rural”,<br />

como motto e a bandeira de promoção, estando<br />

sempre associado ao ecoturismo, porque segundo<br />

o próprio, “este é o nosso verdadeiro turismo”.<br />

Assim, deixa uma última nota, informando que<br />

o Município está a preparar para outubro, caso<br />

seja possível, a realização da 1º edição da Feira<br />

Capital do Turismo Rural, desde que estejam<br />

reunidas as condições sanitárias necessárias.<br />

Sendo esta iniciativa mais uma maneira de chamar<br />

mais gente para o Pico, assim seria realizado uma<br />

feira com a duração de três dias em outubro, na<br />

qual a programação incidiria em grande parte na<br />

vertente cultural da ilha. Assim, explica que “é<br />

uma feira turística, de promoção e de amostras<br />

culturais, portanto nós pretendemos fazê-la com<br />

os municípios do triângulo, que são os nossos<br />

parceiros por excelência, o triângulo é o nosso<br />

melhor produto, e também contaria com a<br />

presença de 1 outra ilha da região e um município<br />

do continente”.<br />

Em tempo de pandemia e de retração da atividade<br />

turística, o representante da Câmara Municipal<br />

de São Roque do Pico, no seminário, reforçou<br />

a importância do ecoturismo para a promoção<br />

da marca “Capital do Turismo Rural do Pico” e<br />

mostrou conança no futuro.<br />

NOJUL20 31


R E P O R T A G E M<br />

Em notas nais, salientamos que os diversos<br />

empresários admitem um verão incerto, neste<br />

sentido Benedita Simas admitiu que “dicilmente<br />

este será um ano de turismo brilhante”, mas tem<br />

“fé” que ainda seja possível colmatar prejuízos<br />

numa altura em que o arquipélago dos Açores<br />

está classicado como uma zona “Clean & Safe”.<br />

E destacando que o turismo interno pode ser<br />

“determinante” para atenuar os prejuízos. Para<br />

Filipe Ferreira, o futuro da animação turística<br />

permanece uma “incógnita”, sendo difícil fazer<br />

previsões sobre o que irá acontecer em termos<br />

de atividade ao longo do verão, numa altura em<br />

que “timidamente” começam a surgir algumas<br />

marcações depois de muitos cancelamentos.<br />

Seguidamente, Miguel Chu admitiu que o setor<br />

ligado ao turismo está com diculdades de liquidez<br />

e receia que seja possível manter a totalidade<br />

da estrutura da empresa, caso o atual cenário<br />

de cancelamento de reservas não se altere nos<br />

próximos meses. Por último, o diretor do Museu<br />

do Pico apelou ao Governo Regional para que<br />

faça uma gestão da situação de pandemia “muito<br />

cautelosa, prudente, sensata e com algumas doses<br />

de coragem para se tentar reabilitar a economia”.<br />

Em suma, percebemos que os participantes desde<br />

webinar demonstram conança no potencial<br />

turístico da ilha do Pico, sendo a sua natureza<br />

o ponto forte, e louvando o programa “Viver os<br />

Açores” criado pelo Governo Regional, admitindo<br />

que pode ser a tábua de salvação para as empresas<br />

de turismo.<br />

32 NOJUL20


R E P O R T A G E M<br />

RUI SANTOS<br />

Para celebrar o Dia Mundial do Ambiente,<br />

comemorado a 05 de junho, foi realizada a<br />

videoconferência denominada de “Mais ambiente,<br />

mais Açores” que contou com os oradores<br />

Paulo Barcelos, Presidente da Associação Os<br />

Montanheiros, Rui Coutinho, Vice-presidente<br />

do Núcleo dos Açores da Quercus, Diogo<br />

Caetano, Presidente da Associação Ecológica<br />

Amigos dos Açores e Hernâni Jorge, Diretor<br />

Regional do Ambiente. Cada um dos oradores<br />

expôs um tema diferente relacionado com o<br />

ambiente: Biodiversidade, Alterações Climáticas,<br />

Qualidade Ambiental, e Questões do Território,<br />

respetivamente.<br />

O Dia mundial do Ambiente este ano foi<br />

dedicado à biodiversidade. A comemoração a<br />

nível internacional deste dia seria realizada na<br />

Colômbia, mas, por motivos da pandemia, acabou<br />

por realizar-se apenas online.<br />

Para Paulo Barcelos, Presidente da Associação Os<br />

Montanheiros, a escolha da Colômbia como local<br />

para celebração desse dia, a nível internacional,<br />

“não está alheio às catástrofes que aconteceram no<br />

ano passado a nível de incêndios, aquilo que foi o<br />

drama da amazónia, aquilo que foi os problemas<br />

na Austrália, na Califórnia, e depois até casos<br />

estranhíssimos como foi os incêndios na Sibéria,<br />

o que mostra que de alguma maneira as coisas<br />

estão a mudar e não estão a mudar para melhor,<br />

e a nossa ação está, a uma dimensão global,<br />

a prejudicar aquilo que é a biodiversidade e a<br />

sustentabilidade de vida neste planeta”.<br />

O mesmo considerou que a Biodiversidade<br />

mudou em termos de conceito, pois “antes era tido<br />

como a diversidade de vida num determinado<br />

ecossistema e essa vida era denida com base no<br />

NOJUL20 33


R E P O R T A G E M<br />

número de espécies, na espécie, hoje em dia, a<br />

biodiversidade vai para além da espécie”, porque<br />

passou-se a entender como biodiversidade “coisas<br />

que antes não eram metidas em conta como a raça,<br />

as variedades, as cultivares, as estirpes. Por outro<br />

lado, noutro extremo, para além da variabilidade<br />

de espécies também já entra na biodiversidade<br />

a própria estrutura dos ecossistemas ou das<br />

comunidades. A presença da mesma espécie em<br />

números diferentes pode tornar os ecossistemas<br />

diferentes, com outro tipo de funcionalidade”,<br />

explicou.<br />

O Presidente da Associação Os Montanheiros<br />

considerou “duas questões fundamentais” quando<br />

se fala em biodiversidade, “a primeira tem a ver<br />

com o facto de que o homem só respeita e só dá<br />

valor àquilo de que tira proveito”, sendo a questão<br />

“qual é o valor da biodiversidade para o homem?”.<br />

Segundo uma pesquisa que o Paulo realizou,<br />

reparou que “em primeiro lugar é dado muito<br />

valor quando a biodiversidade funciona como<br />

uma fonte de recursos, onde o homem vai buscar<br />

alimentos, matérias primas, transforma esse valor<br />

em dinheiro”. Por outro lado, valoriza-a também<br />

quando “vai buscar prazer”, exemplicando com<br />

o caso do turismo de natureza e reservas naturais,<br />

onde é possível, por exemplo “passear e fazer<br />

picnics”.<br />

Para outras pessoas, Paulo Barcelos diz que a<br />

biodiversidade tem uma função “ecológica e<br />

reguladora, ou seja, a Amazónia existe, eu não<br />

preciso de nada do que lá está, eventualmente, não<br />

de forma direta, mas satisfaz-me saber que existe lá<br />

uma oresta que é o pulmão do mundo e que está<br />

a ltrar, está a recuar o clima e que, indiretamente,<br />

eu se calhar vou beneciar com isso. Portanto<br />

nessa função reguladora e ecológica, eu não entro<br />

naqueles habitats, mas sei que eles estão a ser<br />

benécos de alguma maneira. Há também esta<br />

forma de valorizar”, armou.<br />

Há também o valor-potencial da biodiversidade:<br />

“pode não nos interessar nada do que está lá, mas<br />

de repente não sabemos se numa savana africana<br />

existe um réptil que não nos diz nada, mas aquele<br />

réptil pode ter, por exemplo, anticorpos para o<br />

coronavírus e dali fazer-se uma vacina”. Neste tipo<br />

de valor-potencial da natureza, as pessoas atribuem<br />

valor, porque “poderá lá estar alguma coisa que<br />

venha no futuro revelar-se como um valor imenso<br />

para nós”.<br />

Existe também a ética em relação à biodiversidade,<br />

“por exemplo nos Açores algumas pessoas não<br />

conseguem identicar um cagarro, mas se alguém<br />

lhes diz que 85% da população de cagarros nidica<br />

nos Açores e na Madeira, a pessoa, mesmo sem<br />

saber bem de que espécie é que se trata, eticamente<br />

sente-se bem em que a Região faça alguma coisa<br />

em prol desse valor”.<br />

Quanto à moral, a mesma “leva-nos a valorizar a<br />

biodiversidade do ponto de vista que temos que<br />

ser responsáveis em deixar para as gerações futuras<br />

aquilo que recebemos das gerações anteriores”.<br />

Existe ainda a vertente religiosa na biodiversidade,<br />

em que “todas as criaturas foram criadas por Deus<br />

e devem coabitar e coexistir”.<br />

A segunda questão que Paulo Barcelos considerou<br />

34 NOJUL20


R E P O R T A G E M<br />

fundamental na biodiversidade são as ameaças: “o que<br />

está a causar maior ameaça à biodiversidade e o que<br />

se pode fazer quanto a isso?”.<br />

“O nosso Planeta teve quatro ou cinco ciclos que<br />

em cada um ia aumentando (o número de espécies),<br />

obviamente vinha uma extinção em massa e levava<br />

quase tudo”, explicou o Presidente da Associação os<br />

Montanheiros, considerando que essas “foram alturas<br />

graves da vida da existência da Terra, em que a vida<br />

quase que desaparece e isso nunca nos preocupou,<br />

porque nós não estávamos lá e agora estamos,<br />

estamos cá e como somos muito egocentristas temos<br />

essa questão de que a nossa vida é mais importante do<br />

que qualquer outra na Terra”.<br />

Estas extinções em massa tinham uma particularidade<br />

de serem todas elas “devidas a catástrofes naturais”.<br />

Segundo Paulo Barcelos alguns cientistas sugerem<br />

que a Terra está a passar por uma nova extinção em<br />

massa, “mas desta vez a culpa é nossa, o homem<br />

é que tem vindo a induzir progressivamente essa<br />

extinção de espécies. Somos particularmente bons<br />

em extinguir espécies mais do que a descobri-las”,<br />

constatou.<br />

“De uma forma muito geral, as grandes ameaças em<br />

termos diretos têm sido a destruição e a fragmentação<br />

dos habitats, a atividade humana como a construção,<br />

a ocupação de espaços naturais, as arroteias, a<br />

poluição, a sobre-exploração”.<br />

“Esse problema de saúde pública (Covid-19) se calhar<br />

agora vai car na ordem do dia por essa ligação à vida<br />

selvagem que devia ser deixada em paz”, acrescentou.<br />

Considerando a biodiversidade a nível regional,<br />

Paulo Barcelos mostrou-se satisfeito por viver nos<br />

Açores, “porque realmente temos problemas, mas o<br />

nosso principal problema é potencial que é o facto<br />

de termos ilhas pequeninas e a pequenez territorial<br />

torna sempre os habitats mais sensíveis e as<br />

populações não têm para onde se expandir”,<br />

constatando que, hoje em dia, “a proliferação<br />

de espécies invasoras é que tem sido uma<br />

questão importante e que tem sido combatida<br />

através do Governo Regional, mas não é fácil,<br />

porque consome muitos recursos nanceiros<br />

e humanos e o resultado nunca é os 100%<br />

como gostaríamos. É uma luta difícil essa<br />

contra a ora exótica e as espécies invasoras”. À<br />

exceção disso, “o resto conseguimos controlar,<br />

conseguimos controlar o número de turistas que<br />

entram em zonas naturais, a monotorização já<br />

é bastante razoável, a UAç conseguiu colocar os<br />

Açores numa das regiões com maior registo de<br />

biodiversidade por área (cerca de 1000 registos<br />

por cada km²)”, destacando os sites sobre a<br />

biodiversidade dos Açores como portal da<br />

biodiversidade da UAç e o SIARAM da Direção<br />

Regional do Ambiente.<br />

Concluindo, Paulo Barcelos armou que é<br />

necessário “apostar na educação ambiental para<br />

salvaguardar o futuro”.<br />

NOJUL20 35


R E P O R T A G E M<br />

Rui Coutinho, Vice-presidente do Núcleo dos<br />

Açores da Quercus, que debateu o tema das<br />

Alterações Climáticas, disse que, atendendo à<br />

dimensão e localização do arquipélago, “nós<br />

estamos um pouco expostos a estas alterações”,<br />

lembrando dois aspetos “relevantes”, a água doce<br />

que consumimos é a água das chuvas que vai<br />

alimentar os aquíferos “e que nós pretendemos que<br />

ela seja assegurada ao longo do ano em particular<br />

nas alturas em que as temperaturas são mais<br />

elevadas, em que a sua necessidade é maior” e<br />

que para que tenhamos uma boa recarga aquífera<br />

“é bom que haja uma distribuição relativamente<br />

homogénea, sobretudo nos meses de maior<br />

precipitação, para que essa água se possa inltrar e<br />

alimentar os aquíferos”.<br />

“Uma das coisas que poderá começar a acontecer<br />

com as alterações climáticas é ocorrer fenómenos<br />

mais estranhos, ou seja, nós podemos ter períodos<br />

mais concentrados de chuvas muito intensas que<br />

vão provocar uma erosão muito signicativa e que<br />

vão ter muito maior escorrência do que capacidade<br />

de se inltrar e alimentar os aquíferos. Essa erosão<br />

muito intensa vai afetar os ecossistemas de altitude<br />

onde nós temos uma biodiversidade signicativa,<br />

vamos ter movimentos de vertente, vai haver<br />

uma data de espécies que se podem perder e isto<br />

é um efeito colateral destas pequenas alterações<br />

climáticas que nos transcendem”, alertou.<br />

Rui Coutinho considerou a acidicação dos<br />

oceanos como outro problema. Segundo o mesmo,<br />

o teor de CO2 na atmosfera “tem vindo a aumentar<br />

de uma forma paulatina”, lembrando que, há uns<br />

anos atrás, “tínhamos como limite os 380ppm<br />

(partes por milhão) e neste momento já vamos<br />

nos 415, signica que já passámos esta barreira<br />

de uma forma signicativa”. Uma boa parte deste<br />

CO2 “é absorvido pelos oceanos e esta absorção<br />

por parte destas massas de água contribui para a<br />

sua acidicação”, afetando o ecossistema “de uma<br />

forma muito signicativa, inclusivamente, já há<br />

experiências feitas por exemplo com o toplâncton<br />

que é afetado por essa ação”, para além disso,<br />

“muitos moluscos, muitos bivalves têm carapaças<br />

e conchas de calcite que também poderão vir a ser<br />

afetadas”, portanto, “toda a cadeia alimentar ao<br />

nível dos oceanos pode vir a ser afetada”.<br />

“Por outro lado, o aumento da temperatura<br />

também contribui para a fusão de massas de gelo<br />

que pode contribuir para o aumento do nível<br />

36 NOJUL20


R E P O R T A G E M<br />

médio das águas dos oceanos, e isto signica<br />

uma erosão costeira muitíssimo mais intensa,<br />

porque à medida que o nível sobe, mesmo alguns<br />

centímetros, todo o ecossistema é afetado. Este<br />

aspeto nos transcende, mas vivendo em ilhas nós<br />

sabemos exatamente o quão expostos estamos à<br />

ação do oceano. Relativamente aos ecossistemas<br />

costeiros, é evidente que as zonas rochosas terão<br />

um comportamento e uma resiliência maior do<br />

que zonas em que as costas sejam mais facilmente<br />

erodíveis”.<br />

Das emissões de dióxido de carbono a nível<br />

internacional, “cerca de 25% é para eletricidade e<br />

aquecimento”, sendo a maior parte, seguida pela<br />

Agricultura e Florestas e atividades associadas com<br />

24%, depois indústria com 21% e os transportes<br />

com 14%. “Se nós vamos aumentar a temperatura<br />

do ar a nível global isto signica que vamos ter<br />

épocas de mais calor, portanto, a qualidade de<br />

vida e o conforto ambiental que nós temos vai ser<br />

reduzido. É de admitir que seja necessário utilizar<br />

mais sistemas de produção de refrigeração de<br />

ar frio para nos criar conforto. Estamos, com as<br />

alterações climáticas, a contribuir para um maior<br />

consumo de energia para mantermos um certo<br />

conforto ambiental”, armou o Vice-presidente do<br />

Núcleo dos Açores da Quercus.<br />

“Está tudo ligado e as coisas acabam por afetar-se<br />

de uma maneira muito particular de uma forma<br />

conjuntural”, acrescentou.<br />

Segundo um modelo de simulação de aumentos de<br />

temperatura “prevê-se que os Açores possam vir<br />

NOJUL20 37


R E P O R T A G E M<br />

a ser afetados sobretudo ao nível da temperatura<br />

das noites, com temperaturas superiores a 21 graus<br />

o que, com alguns teores de humidade, signica<br />

algum desconforto”.<br />

Relativamente à precipitação atmosférica, “o que<br />

sabemos atualmente dos Açores é que dados<br />

referentes aos últimos 20 anos apontam para<br />

uma diminuição de cerca de 1% na precipitação<br />

atmosférica. Não é signicativo, mas a grande<br />

questão é como referi se houver uma mudança no<br />

regime das chuvas na nossa Região”, alertou.<br />

Diogo Caetano, Presidente da Associação Ecológica<br />

Amigos dos Açores, disse que a qualidade<br />

ambiental “deriva de parâmetros que denimos,<br />

seja por convenções nacionais ou internacionais”,<br />

sendo que na qualidade ambiental há “uma parte<br />

que é orgânica e resultante das condições naturais”,<br />

de alguma forma também “existem linhas de<br />

corte que são denidas pelo próprio homem.<br />

Sempre que estejamos abaixo de uma determinada<br />

linha de corte estaremos dentro da legalidade e,<br />

por outro lado, é também ajustável, são valores<br />

dinâmicos” que “vamos atualizando e melhorando<br />

sempre, numa perspetiva primeiramente humana<br />

e depois numa segunda perspetiva mais ecológica”.<br />

Determinados valores que aceitaríamos há alguns<br />

anos para determinados tipos de descritores<br />

ambientais, “hoje em dia podem já não ser<br />

aceitáveis”, como por exemplo no atual sistema de<br />

reciclagem são valorizados mais tipos de resíduos<br />

do que há 15 anos.<br />

“Por detrás de um problema ecológico teremos<br />

sempre um problema social”, lembrou Diogo<br />

Caetano, referindo ainda que “haverá sempre<br />

uma ação forte da parte do Homem e raramente<br />

podemos ter problemas onde o Homem não seja<br />

uma peça chave”, considerando que “o maior<br />

problema é a sobrepopulação e a ameaça desta<br />

escala de subida de sobrepopulação que se vai<br />

manter nos próximos anos e leva a problemas<br />

drásticos em termos alimentares, de poluição com<br />

impacto alargado”.<br />

“Neste contexto, todo o sistema ambiental, sendo a<br />

nossa dinâmica quase sempre antropocêntrica, (vai<br />

ser dinâmico) onde o grande agente da variação<br />

dessa dinâmica é precisamente o homem, quer<br />

da parte da regulação da qualidade ambiental,<br />

38 NOJUL20


R E P O R T A G E M<br />

quer também nas questões dos impactos, dos<br />

danos, do consumo dos recursos, sendo que<br />

muito dicilmente conseguiremos obter uma<br />

autorregeneração ecológica mais rápida do que<br />

aquela que é a nossa ação sobre o ambiente e<br />

sobre o território”, alertando que mais difícil<br />

será obter um equilíbrio com a sobrepopulação<br />

que continuará a crescer, salvo aconteça algo de<br />

extraordinário que seria “uma catástrofe humana”.<br />

Lembrando o surgimento do Covid-19, através<br />

do contacto entre duas espécies animais, Diogo<br />

Caetano criticou o sistema Chinês, porque<br />

“também o permitiu, porque está consagrada a<br />

comercialização daqueles mercados vivos com<br />

espécies selvagens que não deveriam estar naquele<br />

mercado”.<br />

“No fundo, nós estamos num mundo globalizado,<br />

por muito que achamos que façamos pouca<br />

diferença, se todos achassem isso, numa perspetiva<br />

de cidadania, um chinês ou indiano (que são<br />

as maiores populações do mundo) pode dizer<br />

também que é um ser humano e que tem a<br />

mesma legitimidade e pode dizer que tem tantos<br />

NOJUL20 39


R E P O R T A G E M<br />

direitos de cidadania como qualquer outro ser<br />

humano. Isso não nos desculpabiliza por estamos<br />

num local onde temos menos porções o termos<br />

comportamentos ou não adequados quando<br />

achamos sempre que o nosso efeito não contará<br />

para uma escala global”, lembrando, “facilmente<br />

e em pouco tempo”, a disseminação da atual<br />

pandemia que “quase paralisou uma parte<br />

signicativa do mundo”.<br />

Para o Presidente da Associação Ecológica<br />

Amigos dos Açores o mundo está “extremamente<br />

globalizado” e baseado “num sistema de capital<br />

que nos faz ter uma intenção de crescimento quase<br />

exponencial”, contudo “nós já sabemos que não<br />

é possível, mas ainda continuamos cegamente<br />

acreditando que vamos viver num sistema<br />

exponencial”, mesmo que já estejamos a ver<br />

“que a população não o permite, todos os outros<br />

problemas económicos e ambientais estão ligados<br />

e também não o vão permitir”, apesar de o mesmo<br />

reconhecer algumas medidas de contenção.<br />

Já Hernâni Jorge, Diretor Regional do Ambiente,<br />

apresentou as questões do território. O orador<br />

começou por dizer que “pela natureza insular<br />

e pela origem vulcânica das nossas ilhas, os<br />

Açores ainda hoje permanecem sujeitos à ação da<br />

natureza, com efeitos diretos sobre populações,<br />

a generalidade do território e também à nossa<br />

paisagem”.<br />

“Apesar de tudo, chegamos ao século XXI<br />

ostentando um património natural relevante e que<br />

oferece paisagens únicas”, armou.<br />

No que diz respeito às questões do território e<br />

às políticas de ordenamento, as mesmas foram<br />

“praticamente inexistentes até ao nal do século<br />

XX”, lembrando que a primeira versão do Plano<br />

Regional de Ordenamento do Território “data de<br />

1998 e terão marcado aquilo que considerou “o<br />

início de uma nova fase na abordagem às questões<br />

do planeamento e do ordenamento do território na<br />

Região”.<br />

Nesta altura, em 1998, “existiam apenas três<br />

Planos de Diretores Municipais (PDM) em vigor<br />

na Região Autónoma dos Açores (RAA), um no<br />

Corvo, aprovado em 1994, e dois na ilha de São<br />

Miguel, o da Lagoa, de 1996, e Vila Franca do<br />

Campo, aprovado em 1997”.<br />

“Foi na transição para o Século XXI que se deu um<br />

grande salto. Os Açores logo na altura criaram uma<br />

gura nova original no contexto nacional, foram os<br />

Planos de Ordenamento das Bacias Hidrográcas<br />

das Lagoas, com a natureza do Plano Especial de<br />

Ordenamento do Território que foram encarados<br />

e que se mostraram na prática como instrumentos<br />

40 NOJUL20


R E P O R T A G E M<br />

fundamentais na atuação contra as causas da<br />

eutrozação das nossas lagoas”, sublinhou.<br />

Hoje, o Diretor Regional do Ambiente diz que<br />

“temos o Arquipélago coberto de um conjunto<br />

vasto de instrumentos de gestão do território<br />

que cobrem todo o território terrestre e a<br />

generalidade dos recursos e valores que reclamam<br />

essa salvaguarda dos instrumentos de gestão de<br />

territorial”, com oito planos setoriais: “o Plano<br />

Regional da Água, da Rede Natura 2000, da<br />

Prevenção e Gestão de Resíduos, do Ordenamento<br />

Turístico dos Açores, para as Atividades<br />

Extrativas, de Gestão de Riscos de Inundações, da<br />

Gestão da Região Hidrográca, e o mais recente o<br />

Plano Regional para as Alterações Climáticas”.<br />

Para além disso, “todos os 19 municípios dos<br />

Açores têm PDM’s em vigor, alguns deles<br />

complementados com planos de organização e<br />

com planos de pormenor”.<br />

Existem também “16 Planos Especiais do<br />

Ordenamento do Território, 10 Planos de<br />

Ordenamento de Orla Costeira (POC), uma vez<br />

que São Miguel tem dois planos desta natureza,<br />

um para a costa norte e outro para a costa sul, e<br />

mais um para cada uma das outras oito ilha dos<br />

Açores”.<br />

Há 5 planos de Ordenamento de Bacias<br />

Hidrográcas de lagoas, três em São Miguel,<br />

um para as Furnas, outro para as Sete Cidades,<br />

“os primeiros aprovados em 2005 e revistos<br />

recentemente, um terceiro para as outras lagoas<br />

de São Miguel, e ainda um plano para as Flores<br />

e outro para a ilha do Pico, e um Plano de<br />

Ordenamento de Paisagens Protegidas para a<br />

cultura da vinha no Pico”.<br />

“Muitos destes instrumentos de gestão do<br />

território são já instrumentos de segunda ou<br />

terceira geração e alguns deles estão neste<br />

momento em fase de revisão e/ou alteração”,<br />

revelou.<br />

Outra das componentes “relevantes” em termos<br />

da política de ordenamento do território “tem a<br />

ver com o aumento da resiliência dos territórios<br />

naturais”, salientando não só os instrumentos de<br />

monitorização das zonas de risco e também o<br />

facto de o Programa Regional para as Alterações<br />

Climáticas “ter vindo a obrigar à elaboração<br />

de cartograa de base para riscos naturais com<br />

o objetivo de obrigar os Planos Municipais de<br />

Ordenamento de Território e os planos especiais<br />

à sua consideração e à realização de cartograa<br />

de pormenor de riscos sempre que visem afastar<br />

o riscos que estão identicados nesta cartograa<br />

de base”.<br />

No nal de 2018 foram aprovados um conjunto<br />

de objetivos de qualidade e orientações para a<br />

gestão da paisagem dos Açores, que segundo<br />

NOJUL20 41


R E P O R T A G E M<br />

o Diretor Regional dão cumprimento a uma<br />

orientação da convenção europeia da paisagem.<br />

“O Governo aprovou há pouco tempo uma<br />

proposta de Decreto Legislativo Regional que visa<br />

implementar na Região um sistema generalizado<br />

de cadastro predial, o Sistema de Recolha e<br />

Gestão de Informação Cadastral dos Açores, algo<br />

absolutamente fundamental para o enquadramento<br />

das políticas do território”.<br />

“Impensável que Portugal anda há 200 anos a<br />

tentar ter um sistema generalizado de cadastro<br />

e ainda não o tenha e para o caso particular dos<br />

Açores, dispomos de informação cadastral ável<br />

e generalizada que é crítico para uma adequada<br />

gestão do território e para um planeamento<br />

adequado”, armou.<br />

Hernâni Jorge considerou que o planeamento<br />

e o ordenamento do território “constitui um<br />

fator absolutamente decisivo para o nosso<br />

desenvolvimento, para a coesão territorial e para a<br />

sustentabilidade da nossa Região”.<br />

“Nós temos neste momento em curso, no que<br />

diz respeito à administração direta da autoridade<br />

regional, processos de revisão de Planos Especiais<br />

de Ordenamento da Orla Costeira e a existência<br />

de uma política de ornamento do território<br />

consistente que permite antecipar e calcular aquilo<br />

que é possível prever em termos de impactos das<br />

alterações climáticas”, concluiu.<br />

42 NOJUL20


C R Ó N I C A<br />

Por Ricardo Silva<br />

“Mau Tempo no Canal”, de Vitorino Nemésio<br />

A revista digital Estante, do grupo Fnac convidou, em forma<br />

de desao, nada pequeno, diga-se, em 2016, um júri de cinco<br />

elementos, composto pela jornalista Clara ferreira Alves, o<br />

crítico Pedro Mexia, o professor Carlos Reis, o editor Manuel<br />

Alberto Valente e a jornalista Isabel Lucas, para eleger os<br />

12 melhores livros portugueses dos últimos 100 anos. Os<br />

critérios eram simples e passavam pelo facto dos livros terem<br />

sido publicados a partir de 1 de janeiro de 2016, as obras em<br />

causa serem de cção e podiam estar incluídas edições de<br />

autor. O desao não deve ter sido fácil, mas lá chegaram eles<br />

à lista pretendida onde se inclui Mau Tempo no Canal, do<br />

nosso Vitorino Nemésio. Rero esta escolha como intróito<br />

para dar a dimensão da importância da obra escolhida para a<br />

coluna deste mês. Dela David Mourão Ferreira, como grande<br />

amigo e crítico da obra de Nemésio, descreve-a como “a obra<br />

romanesca mais complexa, mais variada, mais densa e mais<br />

subtil em toda a nossa história literária”. É uma forte armação<br />

que aquele escritor e crítico literário também teve o cuidado de<br />

sustentar. Uma coisa é certa: quando partirmos para a leitura<br />

do Mau Tempo no Canal devemos fazê-lo imbuídos do gosto<br />

de sabermos que não é uma obra de fácil leitura e que exigirá<br />

de nós empenho na compreensão do mundo que nos apresenta.<br />

Aliás, terá sido mesmo esta resistência a uma leitura rápida<br />

ou linear que terá envolvido a obra num longo silêncio da boa<br />

divulgação exigida.<br />

Mau Tempo no Canal demorou cinco anos na sua escrita (1939-<br />

1944) e tem como enredo principal os amores ou o Amor<br />

de Margarida Clark Dumo e João Garcia. Contudo, Vitorino<br />

Nemésio (1901-1976) serve-se deste pano de fundo para pintar<br />

um fresco sobre a sociedade açoriana de inícios do séc. XX, com<br />

raízes num tempo mais fundo, mostrando a sua estraticação,<br />

conservadorismo, diculdades e o sentimento único de ser<br />

ilhéu.<br />

Se calhar já tarde cheguei à sua leitura, mas, talvez, tenha sido o<br />

44 NOJUL20


C R Ó N I C A<br />

tempo suciente para melhor o saborear. Há livros<br />

que vivem na nossa mente como intenção de leitura<br />

durante anos e mesmo dezenas de anos e razões<br />

existem para que sejam ou não lidos! A obra prima<br />

ccional de Nemésio foi uma dessas! A fama que<br />

a precedia avisava-me para uma cuidada leitura e<br />

foi nesta senda que me coloquei. Contudo, vários<br />

aspetos, desde cedo, me cativaram nesta obra já com<br />

os seus 76 anos. O primeiro que sobressai é a sua<br />

profunda açorianidade. Os Açores envolvem-na no<br />

ambiente, nas personagens, nos espaços, na época<br />

e no mundo social e económico que retrata. Tudo<br />

o que possa dizer sobre o Mau Tempo no Canal<br />

outros com mais saber e propriedade, já o zeram<br />

melhor. Não deixo de ressalvar, no entanto, que esta<br />

coluna vive do sentimento da leitura e não tanto da<br />

crítica literária pura.<br />

Espantei-me com o poder descritivo de Vitorino<br />

Nemésio. Em qualquer página vem uma nota<br />

que caracteriza o ambiente natural – o ciclone,<br />

o mar, a brisa, as nuvens, a terra -as árvores, as<br />

plantas, o cultivo – os usos, os costumes, as festas<br />

(Espírito Santo) e as manifestações culturais, as<br />

pessoas e as suas sionomias, o mobiliário, os<br />

barcos, os objetos de pesca, etc. tudo é alvo de<br />

uma nota, de uma explicação, de um vocábulo,<br />

que de inicio nos arrasta e nos diculta, mas que<br />

depois nos enleia e nos envolve na atmosfera<br />

cultural, espacial e temporal. Na minha ótica é esta<br />

capacidade fotográca que dá à obra uma dimensão<br />

etnográca, de povo que vive num espaço com as<br />

suas peculiaridades. Os capítulos relacionados com<br />

os baleeiros, para além do retrato social do homem<br />

do Pico, são disso exemplo. No baleeiro Vitorino<br />

Nemésio quis personicar a coragem, a dimensão<br />

épica da luta do picoense contra o monstro marinho<br />

que vencido pela intrepidez de umas tantas canoas,<br />

lhe ajuda no sustento e lhe permite viver no mar e<br />

em terra. Aliás, é no mar, como espaço amplo de<br />

liberdade, que o picoense reforça um sustento que a<br />

terra diculta pela dureza da sua origem lávica.<br />

Deslumbrei-me com o ambiente social plasmado<br />

na Horta dos anos 20 do século XX. O retrato<br />

de uma aristocracia decadente representado na<br />

família Dulmo, conservadora na família do barão<br />

da Urzelina (S. Jorge), de uma alta burguesia<br />

representada nos Clark, de linhagem inglesa,<br />

ligada pelos contatos comerciais entre Londres e<br />

a Horta, de uma burguesia local, ascendente, viva<br />

nos Garcias, que na sua ávida teia de manobras<br />

administrativas deseja fazer – o que a História fez! –<br />

a captura dos bens dos antigos senhores e tornar-se<br />

sólida e respeitável! O povo, a camada popular, tão<br />

bem xada na gura do Manuel Bana, dos baleeiros<br />

e da pobre Cândia Furoa. Povo sofredor, explorado<br />

por senhores e patrões, que na dureza da sua vida<br />

encontrou muito tempo para a resignação e pouco<br />

para a revolta. O povo açoriano teve sempre os<br />

seus verdugos internos e externos. Por exemplo,<br />

a Lisboa longínqua sempre encontrou forma de<br />

estar presente neste domínio que só a Autonomia<br />

Administrativa de 1976 estancou.<br />

Mau Tempo no Canal é por isso mais do que um<br />

romance, é um Universo Insular – o dos Açores<br />

– que Nemésio quis evidenciar em narrativa que<br />

não voltaria a repetir, pelo menos da mesma<br />

dimensão e esforço. Foi, e embora vencendo o<br />

prémio nacional Ricardo Malheiros, logo no ano<br />

da sua publicação (1944), um epílogo de Vitorino<br />

Nemésio. Felizmente a sua obra continuou por<br />

outros rumos como o da poesia lírica, o da crónica,<br />

e o dos ensaios com base em investigação histórica e<br />

literária aturada.<br />

Procuramos suscitar o interesse pela leitura de uma<br />

obra prima da Literatura Portuguesa honrando a<br />

memória de um dos maiores escritores açorianos:<br />

Vitorino Nemésio. Foi um pequeno, mas sentido<br />

contributo!<br />

A leitura vale a pena!<br />

NOJUL20 45


C R Ó N I C A<br />

AÇORES - OÁSIS DO<br />

JOÃO F. CASTRO<br />

PROFESSOR MESTRADO EM GESTÃO PORTUÁRIA<br />

joaocastro@sapo.pt<br />

ATLÂNTICO NORTE<br />

A Náutica de Recreio encontra nos Açores<br />

um local privilegiado para recuperar energias,<br />

reabastecer, substituir tripulações, reparar estragos<br />

ou tratar de anamentos ou, simplesmente, para<br />

admirar as ilhas ou registar memórias. Obviamente<br />

falamos de navegação oceânica de longo curso, no<br />

Atlântico Norte, na sua maioria com partida das<br />

Caraíbas em direção à Europa,<br />

Os tempos que atravessamos, decorrente da<br />

pandemia COVID 19, colocam diculdades<br />

acrescidas, também aos ‘nautas’, face às<br />

circunstâncias de de uma viagem desta natureza.<br />

Os países e as regiões multiplicam-se em medidas (<br />

e anti medidas) no sentido de conter a propagação<br />

do vírus. Regras que se alteram sucessiva e<br />

consecutivamente.<br />

É praticamente impossível estar devidamente<br />

preparado, quando se viaja durante dias<br />

ou semanas, sem contato com os meios de<br />

comunicação social, inevitavelmente com<br />

diculdades acrescidas, quando os pressupostos,<br />

que basearem os preparativos da partida, se<br />

alteram ao longo do percurso ou, aquando da<br />

chegada. Esta é uma evidência para a náutica de<br />

recreio de longo curso. Com constrangimentos<br />

(e soluções) encontrados, no sentido de<br />

compatibilizar as regras que limitam contatos<br />

pessoais, decorrentes do connamento, com<br />

as necessidades, de embarcações e tripulações,<br />

que procuram Portos de abrigo, ao longo da<br />

sua viagem. O acesso a necessidades básicas<br />

transforma-se num obstáculo, relativamente às<br />

46 NOJUL20


C R Ó N I C A<br />

embarcações e às suas tripulações. Perguntas<br />

essenciais, para a salvaguarda da vida no mar,<br />

como: onde reabastecer? Como descansar? Como<br />

reparar algum estrago? Onde encontrar abrigo?<br />

Onde atracar e por quanto tempo? Como aceder a<br />

cuidados de saúde? Como tratar de formalidades?,<br />

etc, etc.<br />

Importa ter em conta que, falamos de uma<br />

viagem na ordem das 3.000 milhas náuticas, da<br />

Caraíbas, até Lisboa, com uma duração na ordem<br />

dos 25 dias. Um teste às capacidades de qualquer<br />

navegador, tendo como um dos maiores desaos<br />

‘escapar’ à época dos furacões no atlântico, como o<br />

“Dorian” em 2019 e o “Irma” em 2017.<br />

Num cenário em que os países fecharam fronteiras,<br />

recusando a entrada nos seus portos. Mesmo<br />

embarcações que se encontravam ancoradas, em<br />

segurança, com a pandemia, foram consideradas<br />

estrangeiras em águas territoriais de outros países.<br />

Tiveram indicação para regressarem aos seus<br />

países de origem o que, sem o devido planeamento<br />

e preparação, constitui uma situação de perigo para<br />

os seus tripulantes. Estimam-se, para os meses de<br />

junho e julho mais de 500 embarcações, a fazer a<br />

travessia do atlântico, em direção à Europa. Todas<br />

procuram navegar para os seus países ou encontrar<br />

um porto de abrigo onde possam descansar e<br />

permanecer.<br />

Um pouco por todo o mundo, surgiram histórias<br />

bizarras, de veleiros que partiram dos locais onde<br />

se encontravam, sem local de destino, previamente<br />

denido, para onde se dirigir, colocando-se e<br />

NOJUL20 47


C R Ó N I C A<br />

aos seus passageiros em risco, com provisões<br />

reduzidas, com pouco combustível ou água, ou<br />

mesmo sem a tripulação de que necessitavam.<br />

Mais ainda, vários países, na Europa, fecharam<br />

fronteiras, recusando a entrada de cidadãos de<br />

outros países para proteger os seus sistemas de<br />

saúde.<br />

Os Açores surgiram como um farol no atlântico,<br />

a cerca de 1000 milhas da costa portuguesa,<br />

sobretudo em caso de alguma diculdade ou<br />

imprevisto para todos os que viajam de Oeste para<br />

Este. A possibilidade dos velejadores poderem<br />

ancorar nos Açores, com acesso a provisões,<br />

combustível e água foi determinante, para muitos<br />

que decidiram fazer a “travessia”.<br />

Mensagens como a recebida pela Marina da Horta,<br />

pela embarcação Ophelia V, no passado dia 28 de<br />

maio, são um sinal da importância da intervenção<br />

sobre esta matéria<br />

“..In the current period we are living, uncertainty<br />

is a heavy toll to pay by most people crossing the<br />

oceans. For all those searching for a safe haven ins<br />

the vast Atlantic, Horta’s harbour has been an oásis<br />

– cross that, better than an oásis: as instead of the<br />

desert sand there´is salt water and instead of fresh<br />

water there’s gin. Hmmm…delicious gin!…”<br />

( No período em que vivemos actualmente, a<br />

incerteza é uma constante para a grande maioria<br />

dos navegadores que atravessam os oceanos. Para<br />

todos aqueles que procuram um porto seguro no<br />

vasto Atlântico, o porto da Horta tem sido um<br />

Oásis – aliás melhor que um oásis: em vez da areia<br />

do deserto, há água salgada e, em vez de água doce,<br />

há gin. Hmmm…delicioso gin!<br />

48 NOJUL20


AVALIAÇÃO DOS RESÍDUOS<br />

DE PESTICIDAS EM<br />

“AZEITONAS DE MESA” DA<br />

ILHA TERCEIRA, AÇORES<br />

www.iroa.pt<br />

facebook.com/iroaazores<br />

INTRODUÇÃO<br />

Eng. ª Agrónoma Carla Menezes<br />

A oliveira (Olea europaea L.)<br />

pertence à família das Oleáceas<br />

e ao género Olea, é a única<br />

espécie desta família que<br />

possui um fruto comestível<br />

(Figueiredo, 2003). A oliveira<br />

está sujeita ao ataque de<br />

diversos inimigos que, pelos<br />

prejuízos que causam, obrigam,<br />

por vezes, ao emprego de<br />

meios de luta, na maioria<br />

utilizando pesticidas ou seja<br />

os químicos, que constituem,<br />

nalguns casos, a única forma<br />

prática de controlar os prejuízos<br />

resultantes da ação dos<br />

inimigos da cultura. Apesar das<br />

suas vantagens, a luta química<br />

apresenta também graves<br />

inconvenientes, entre os quais<br />

se destacam, o desenvolvimento<br />

de novas pragas e a ocorrência<br />

de resíduos na produção com<br />

consequente perda de qualidade<br />

do produto. Atendendo a<br />

obrigatoriedade prevista na Lei<br />

nº 16/2013 de 11 de abril, que<br />

preconiza a adoção da proteção<br />

integrada a partir de 1 de<br />

Janeiro de 2014, os agricultores<br />

terão que optar cada vez mais<br />

pela proteção integrada nas<br />

suas culturas, diminuindo<br />

a aplicação generalizada de<br />

inseticidas no combate à<br />

mosca-da-azeitona (Bento et al.,<br />

1999; Cunha, 2007).<br />

Em Portugal, o consumo de<br />

pesticidas em 2003 atingiu<br />

as 17 mil toneladas (Vieira,<br />

2005). Atendendo a estes<br />

números não será pois de<br />

estranhar a presença de<br />

resíduos nos produtos desta<br />

cultura nomeadamente no<br />

azeite e nas azeitonas de mesa,<br />

produtos muito utilizados,<br />

na dieta Mediterrânica pelas<br />

suas excelentes propriedades<br />

nutricionais e biológicas. Daí<br />

ser importante existir um<br />

controlo rigoroso dos resíduos<br />

nos produtos resultantes desta<br />

cultura e nos seus diversos<br />

subprodutos. (Cunha, 2007).<br />

Contudo, este trabalho de<br />

monitorização de resíduos<br />

de pesticidas nos alimentos<br />

continua a ser uma tarefa<br />

incessante e a requerer<br />

um constante esforço de<br />

desenvolvimento e aplicação<br />

de metodologias analíticas<br />

apropriadas (Cunha, 2007).<br />

Por este facto, o presente<br />

estudo teve como principais<br />

objetivos: registar os diferentes<br />

tratamentos realizados pelos<br />

produtores da Ilha Terceira,<br />

no combate da mosca-daazeitona;<br />

avaliar a presença<br />

e a concentração de resíduos<br />

de pesticidas nas azeitonas<br />

aquando da sua colheita e<br />

depois da salmoura; e avaliar<br />

a interferência da salmoura<br />

na presença de resíduos nas<br />

azeitonas para consumo<br />

em fresco, usando duas<br />

concentrações diferentes de sal.<br />

NOJUL20 49


n o | w w w . n o r e v i s t a . p t<br />

MATERIAL E MÉTODOS<br />

Tratamentos tossanitários realizados na limitação<br />

populacional dos adultos da mosca-da-azeitona<br />

Foram facultadas a todos os produtores chas<br />

de campo para registarem todas as aplicações<br />

de inseticidas efetuadas, onde constou o nome<br />

comercial do produto aplicado, substância ativa,<br />

volume aplicado e data de aplicação. Isto com o<br />

intuito de perceber quais os tratamentos efetuados<br />

pelos produtores e principalmente os em que foi<br />

utilizada como substância ativa, o dimetoado.<br />

Análise de resíduos – determinação de dimetoato<br />

em amostras de azeitonas de mesa<br />

A análise de resíduos teve por base a recolha<br />

das amostras de 4 olivais (olival 1, 2, 3 e 7) na<br />

zona de produção do Porto Martins, nos meses<br />

de setembro de 2011 e fevereiro de 2012. Com<br />

a determinação da concentração do dimetoato<br />

nestas amostras, pretendeu-se avaliar da presença<br />

e a concentração de resíduos deste inseticida<br />

nas azeitonas de mesa aquando da sua colheita<br />

e depois da salmoura, testando para isso duas<br />

concentrações de sal.<br />

Para a determinação de resíduos antes da<br />

salmoura, na altura da colheita, foi recolhida uma<br />

amostra de azeitonas de 1 kg, de cada um dos<br />

quatro olivais (Quadro 1).<br />

As amostras recolhidas foram representativas de<br />

todo o olival. Após a colheita as amostras foram<br />

conservadas em câmara de frio à temperatura<br />

de –20º C, até serem enviadas, em caixa térmica,<br />

para o Laboratório do Grupo de Reação e Análises<br />

Químicas, do Instituto Superior de Engenharia do<br />

Porto para análise.<br />

Para a determinação de resíduos depois da<br />

salmoura, na segunda semana de fevereiro de<br />

2012, foram recolhidas 2 amostras de azeitonas<br />

de 1 kg cada, do olival 1, para cada uma das duas<br />

concentrações de sal diferentes (5 e 10%). Estas<br />

foram recolhidas para recipientes de polietileno<br />

de onde posteriormente se procedeu à sua análise<br />

(Quadro 1).<br />

Os resíduos de dimetoato foram determinados<br />

usando um método de extração por QuEChERS<br />

(método quick, easy, cheap, effective, rugged and<br />

safe) (Figura 1). A amostra de azeitonas obtida foi<br />

submetida a uma análise por cromatograa líquida<br />

de alta eciência (HPLC) com deteção por matriz<br />

de díodos (DAD), a uma temperatura 25 oC, numa<br />

coluna de fase reversa Luna (C18, 5 μm, 4,60×150<br />

mm, Phenomenex). A fase móvel consistiu numa<br />

mistura de água e acetonitrilo (gradient grade,<br />

Sigma-Aldrich) a um caudal de 0,8 mL/min. O<br />

programa de gradiente usado consta do Quadro 2.<br />

O comprimento de onda usado na quanticação<br />

do analito foi 210 nm. As análises foram realizadas<br />

num sistema Waters composto por um HPLC 2795<br />

Alliance HT equipado com um injetor automático<br />

(20,0 µL) e um detetor 2996 Photodiode Array<br />

Detector. Este método baseia-se em trabalhos<br />

já existentes utilizando esta técnica (Figura 1)<br />

(Anastassiades et al., 2003; Cunha et al., 2007; Diéz<br />

et al., 2006; Lehotay, 2005; Lehotay & Mastovská,<br />

2005; Plácido et al., 2012; Romero-González et al.,<br />

2008)<br />

50 NOJUL20


n o | w w w . n o r e v i s t a . p t<br />

RESULTADOS<br />

Tratamentos tossanitários realizados na limitação<br />

populacional dos adultos da mosca-da-azeitona<br />

Ao analisar os tratamentos realizados na limitação<br />

populacional dos adultos da mosca-da-azeitona,<br />

como se pode observar no Quadro 3, os produtores<br />

ainda utilizam calendários de tratamentos rígidos<br />

com numerosas aplicações de inseticidas. Outros<br />

autores já evidenciaram também este elevado<br />

número de tratamentos realizados nas parcelas<br />

produtoras de azeitonas do Porto Martins, ilha<br />

Terceira (Figueiredo, 2003; Figueiredo et al., 2003;<br />

Lopes et al.,2010; Meneses, 2012).<br />

No caso do dimetoato, só é permitido no máximo<br />

duas aplicações, por ciclo cultural, respeitando<br />

o intervalo de segurança de 42 dias, podendo<br />

este intervalo ser reduzido para 21 dias, quando<br />

a aplicação for feita na concentração máxima de<br />

75ml de produto/100L de água e não efetuando<br />

mais de uma aplicação. Para além disto esta<br />

substância ativa apresenta características<br />

toxicológicas e ecotoxicológicas perigosas<br />

(DGADR, 2010; DGADR, 2012; Meneses, 2012).<br />

É de referir que no âmbito da monitorização<br />

dos produtores realizada neste estudo, houve<br />

produtores que realizaram até sete aplicações com<br />

produtos com esta substância ativa o que torna esta<br />

situação ilegal e potencialmente perigosa para o<br />

consumidor nal deste produto agrícola.<br />

Análise de resíduos<br />

Após a análise para a determinação de resíduos<br />

de dimetoato nas azeitonas, obtiveram-se os<br />

resultados apresentados no Quadro 4.<br />

Ao observar estes resultados obtidos a partir das<br />

amostras de azeitonas de mesa após a colheita,<br />

vericou-se que as amostras 1 e 4 apresentaram<br />

níveis de resíduos de 4,34 mg kg-1 e 3,58 mg kg-1,<br />

respectivamente.<br />

Estes resultados ultrapassam no dobro o limite<br />

máximo de resíduos permitidos para o dimetoato<br />

em azeitonas de mesa, que de acordo com o<br />

Regulamento (UE) n.º1097/2009 é de 2 mg/kg.<br />

Outros autores reportam resultados semelhantes<br />

em outras regiões produtivas (Amvrazi et al., 2008;<br />

Ferreira & Tainha, 1983; Ferrer et al., 2005; Lentza-<br />

Rizos, 1994).<br />

Os produtores do olival 1 e o do olival 3 realizaram<br />

mais aplicações com produtos à base de dimetoato<br />

do que as que são permitidas. O produtor do olival<br />

1 realizou três aplicações e o do olival 3 realizou<br />

cinco aplicações (Quadro 2). Este facto resultou<br />

num valor mais elevado de resíduos. Nestes dois<br />

olivais (1 e 3) os resultados obtidos em termos de<br />

resíduos (Quadro 4), poderá advir da utilização<br />

de um produto, também à base de dimetoato com<br />

uma concentração de substância ativa ligeiramente<br />

superior, o Danadim Progress (Quadro 2).<br />

O olival 7 (amostra 3) não apresentou qualquer<br />

tipo de resíduos, após a colheita, apesar de<br />

este produtor ter registado o maior número de<br />

tratamentos e inclusive ter realizado o último<br />

tratamento próximo da colheita (Quadro 4). Este<br />

produtor utilizou concentrações muito abaixo das<br />

recomendadas, o que decerto terá determinado os<br />

resultados obtidos.<br />

Após a salmoura (Quadro 4), as amostras 5 e 6 do<br />

NOJUL20 51


n o | w w w . n o r e v i s t a . p t<br />

olival 1, que registava à colheita valores elevados<br />

de resíduos de dimetoato, não apresentavam<br />

qualquer tipo de resíduos, vericando-se assim<br />

que a salmoura eliminou-os quer na concentração<br />

de 10% como na concentração de 5%. Resultados<br />

idênticos obtiveram Ferreira & Tainha (1983;<br />

1990), em estudos efetuados com azeitonas<br />

tratadas com inseticidas organofosforados, que<br />

vericaram que o dimetoato por ser um inseticida<br />

hidrossolúvel, foi eliminado na fase aquosa,<br />

durante o processo de tratamento.<br />

CONCLUSÕES<br />

Na análise de resíduos realizada neste estudo,<br />

vericou-se a existência de resíduos de dimetoato<br />

em duas amostras de azeitonas de mesa do Porto<br />

Martins colhidas antes da salmoura. Quando<br />

analisadas após a salmoura, o nível de resíduos<br />

anteriormente registado foi eliminado, para as<br />

duas concentrações de sal utilizadas (5% e 10%),<br />

vericando assim que os consumidores estão<br />

devidamente protegidos.<br />

É importante também referir que o produtor do<br />

olival 7, apesar de ter realizado o maior número<br />

de tratamentos com dimetoato (seis tratamentos),<br />

não foram detetados resíduos nas suas amostras.<br />

Isto, poderá ter resultado do facto de este produtor<br />

ter utilizado concentrações menores do que as<br />

recomendadas na realização dos seus tratamentos.<br />

Apesar do elevado número de tratamentos<br />

tossanitários realizados pelos produtores no<br />

combate à mosca-da-azeitona, na maioria das<br />

vezes, permitiram a diminuição dos prejuízos<br />

e, felizmente, no caso das azeitonas de mesa, os<br />

resíduos detectados à entrada para a salmoura<br />

foram eliminados no decorrer deste durante o<br />

processo para ambas as concentrações de sal<br />

testadas.<br />

É, no entanto, importante referir que o número de<br />

aplicações realizadas atualmente pelos produtores<br />

é ilegal, não cumprindo desta forma a limitação<br />

legalmente imposta para esta cultura.<br />

É também necessário um conhecimento mais<br />

rigoroso sobre a evolução populacional da praga e<br />

obrigar os produtores a cumprirem os intervalos<br />

de segurança, principalmente entre a última<br />

aplicação e a colheita e utilizar meios alternativos<br />

aos químicos na limitação populacional da moscada-azeitona,<br />

obrigando-os assim a enveredar<br />

pela adoção dos princípios da proteção integrada<br />

obrigatórios de acordo coma Lei nº16/2013 de 11<br />

de abril desde 1 de Janeiro de 2014.<br />

52 NOJUL20


n o | w w w . n o r e v i s t a . p t<br />

NOJUL20 53


n o | w w w . n o r e v i s t a . p t<br />

Legenda: n.d. – não detetado; n – número de determinações efetuadas; SD – desvio padrão; RSD – desvio<br />

padrão relativo.<br />

Observações: Amostras 1, 2, 3 e 4 - colhidas antes da salmoura, aquando da colheita da azeitona. Amostras<br />

5 (10% de sal) e 6 (5% de sal) colhidas após a salmoura.<br />

54 NOJUL20


n o | w w w . n o r e v i s t a . p t


Catarina Chamacame Furtado<br />

DEPUTADA PELO PSD/A NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DA REGIÃO<br />

AUTÓNOMA DOS AÇORES (ALRAA)<br />

CLÁUDIA CARVALHO<br />

RUI SANTOS<br />

O que a fez ingressar pela vida<br />

política? Quais eram as suas<br />

expectativas?<br />

Esta não é a primeira vez que sou<br />

questionada sobre a minha decisão de<br />

enveredar pela vida política e minha<br />

resposta mantém-se – foi por caso.<br />

Ser deputada não foi algo que tivesse<br />

planeado, convidaram-me e aceitei.<br />

Aceitei, pelo desao em si – o de<br />

utilizar os meus conhecimentos<br />

técnicos nas áreas em que havia<br />

trabalhado (Energia e Ambiente),<br />

para dar um contributo para o<br />

desenvolvimento da Região.<br />

Concordando, e infelizmente atestando<br />

em muitos casos da vida política,<br />

com o princípio da incompetência de<br />

Peter, que estabelece que num sistema<br />

hierárquico os funcionários tendem<br />

a ser promovidos até ao seu nível de<br />

incompetência, pese embora o desao<br />

tenha sido grande, não tenho por<br />

hábito “morder mais do que posso<br />

mastigar”, e aceitei o convite com o<br />

compromisso de impor, a mim própria,<br />

estar à altura da responsabilidade<br />

associada.<br />

Sempre fui muito ativa, dinâmica<br />

e persistente nos desaos a que me<br />

propus e este foi mais um.<br />

Já fui técnica da Agência Regional<br />

da Energia e Ambiente da Região<br />

Autónoma dos Açores, já fui<br />

Administradora-Delegada dessa<br />

Agência, já fui Diretora Regional da<br />

Energia, já fui técnica da Azorina<br />

- Sociedade De Gestão Ambiental<br />

e Conservação da Natureza, S.A,<br />

e já servi à mesa em restaurantes.<br />

Neste percurso todo, até enveredar<br />

na política como deputada, não tive<br />

“padrinhos”, e os cargos que tive, as<br />

funções que desempenhei, e as decisões<br />

que tomei, sempre foram técnicas<br />

e não políticas. Portanto, não sou<br />

uma carreirista política e o convite<br />

que me foi endereçado, acredito,<br />

resultou do reconhecimento da minha<br />

competência.<br />

Julgo, assim, que o meu exemplo, como<br />

o de alguns outros deputados, servirá,<br />

em certa instância, para demonstrar<br />

que para algumas pessoas estas decisões<br />

e estes cargos, nos seus percursos de<br />

vida, são, de facto, resultado do seu<br />

valor, da sua competência e da sua<br />

vontade de contribuir para o bem<br />

maior. Nem todos os deputados o são,<br />

porque conseguiram um “tacho” por via<br />

56 NOJUL20


E N T R E V I S T A<br />

diferente. Entendendo que os Açores tinham,<br />

e têm, condições para estar na linha da frente<br />

no que concerne a sustentabilidade energética,<br />

acusámos, por diversas vezes, e em diversas<br />

matérias especícas, a passividade administrativa<br />

e política do Governo Regional nesta área.<br />

Sobre eciência energética, defendendo que a<br />

administração pública tinha obrigação de dar<br />

o exemplo, o PSD/Açores apresentou em 27<br />

de outubro de 2017 um projeto de resolução<br />

que visava o cumprimento de legislação de<br />

2011, sobre essa temática. A iniciativa, que<br />

foi rejeitada apenas pelo Grupo Parlamentar<br />

do Partido Socialista, mesmo chumbada, foi<br />

consequente, tendo pressionado o Governo e<br />

o Partido Socialista a colocar as questões da<br />

eciência energética na sua agenda política. A<br />

reboque da nossa iniciativa o Governo Regional<br />

celebrou um protocolo “ECO.AP” com a Agência<br />

para a Energia em dezembro de 2017 e o Grupo<br />

Parlamentar do Partido Socialista apresentou,<br />

em fevereiro de 2019, um Projeto de Decreto<br />

Legislativo Regional para aprovar um Programa<br />

de Eciência Energética na Administração<br />

Pública.<br />

Em relação à mobilidade elétrica o PSD/Açores<br />

chamou, por várias vezes, a atenção para a<br />

necessidade de uma atuação concertada e efetiva<br />

sobre o assunto. Fê-lo, de forma muito rme,<br />

58 NOJUL20


"SER DEPUTADA NÃO FOI ALGO<br />

QUE TIVESSE PLANEADO,<br />

CONVIDARAM-ME E ACEITEI.<br />

ACEITEI, PELO DESAFIO EM SI<br />

– O DE UTILIZAR OS MEUS<br />

CONHECIMENTOS TÉCNICOS<br />

NAS ÁREAS EM QUE HAVIA<br />

TRABALHADO (ENERGIA E<br />

AMBIENTE), PARA DAR UM<br />

CONTRIBUTO PARA O<br />

DESENVOLVIMENTO<br />

DA REGIÃO".


E N T R E V I S T A<br />

e representativa.<br />

O PSD/Açores é um partido de poder, com<br />

responsabilidades históricas na construção dos<br />

Açores nos primeiros 20 anos da autonomia,<br />

mas que possui, no próprio ADN, uma natureza<br />

reformista, que considero muito importante, e que,<br />

obviamente, valorizo nesta representação.<br />

Numa altura em que temos um Partido Socialista<br />

que governa há demasiado tempo, e que se<br />

apresenta cansado e gasto; Numa altura em<br />

que temos um partido Socialista, que tenta,<br />

permanentemente, mascarar os problemas, seja<br />

na educação, na saúde, ou na pobreza, onde só<br />

após 20 anos reconheceu a sua existência e a<br />

necessidade de um Plano de Combate; Numa<br />

altura em que temos um Partido Socialista<br />

incapaz de reconhecer erros; Numa altura em que<br />

temos um Partido Socialista que tem falhado na<br />

alocação de recursos; E numa altura em temos<br />

um Partido Socialista que dissemina e amplia<br />

a sua rede de inuências e de poder político e<br />

partidário em todas as áreas da administração<br />

pública, condicionando e subjugando a sociedade<br />

civil e as cadeias hierárquicas mais baixas dentro<br />

da administração, por via da promoção dos mais<br />

permeáveis aos interesses político-partidários,<br />

geralmente mais incapazes, mas prontos para<br />

agir sem quaisquer convicções, vontade própria<br />

ou sentido do interesse público. Acredito, com<br />

convicção, que o PSD tem todas as condições para<br />

se assumir, com seriedade e responsabilidade,<br />

como uma verdadeira alternativa de governo.<br />

De forma é que o PSD/A contribuiu para<br />

minorar as consequências desta pandemia?<br />

O PSD/A teve uma postura sempre responsável<br />

nesta pandemia (que se mantêm), apoiando a<br />

generalidade das medidas sanitárias propostas<br />

ou implementadas pelo Governo Regional,<br />

mas apresentando medidas complementares e<br />

alternativas, antecipando muitas vezes medidas que<br />

posteriormente foram adotadas pelas autoridades<br />

regionais.<br />

Em matéria social e em matéria de saúde o PSD/A<br />

apresentou um conjunto muito signicativo de<br />

propostas.<br />

Propusemos a reserva de unidades hoteleiras<br />

NOJUL20 61


E N T R E V I S T A<br />

para “alojamento de emergência” de médicos<br />

e enfermeiros que combatiam a pandemia da<br />

COVID-19 nos hospitais da Região, à semelhança<br />

do que já sucedia para o connamento obrigatório<br />

dos passageiros que chegavam ao arquipélago.<br />

Propusemos, e vimos aprovada por unanimidade,<br />

uma proposta para a criação urgente de um Plano<br />

de Recuperação da assistência a doentes com outras<br />

patologias que não a COVID-19, dado que muitas<br />

cirurgias, consultas, exames complementares de<br />

diagnóstico e terapêuticas foram adiados devido à<br />

pandemia.<br />

Propusemos uma iniciativa legislativa para a<br />

realização de um inquérito serológico à população<br />

açoriana, com o objetivo de averiguar a extensão da<br />

Covid-19 e a presença de anticorpos contra o vírus<br />

SARS-CoV-2, proposta que a maioria socialista<br />

rejeitou e inviabilizou.<br />

Questionámos o Governo Regional sobre os<br />

critérios para a distribuição de máscaras sociais,<br />

nomeadamente o atraso da sua entrega em São<br />

Miguel, onde se registaram a maioria dos casos de<br />

infeção por COVID-19.<br />

Fomos o partido proponente da proposta que serviu<br />

de base e impulsionou a criação de incentivos<br />

à produção de material protetor, no âmbito do<br />

combate à pandemia mundial da Covid-19.<br />

Fomos os primeiros a propor que os passageiros<br />

vindos do continente fossem previamente testados<br />

à COVID-19 na origem, com os custos a serem<br />

assumidos pela Região.<br />

Focámos, e evidenciámos, a necessidade de criação<br />

de medidas extraordinárias de apoio às IPSS e<br />

Misericórdias, visando comparticipar os encargos<br />

excecionais a que obrigou a pandemia da Covid-19.<br />

Mais recentemente defendemos que a Região devia<br />

avançar, de forma “célere”, com uma candidatura<br />

ao Fundo de Solidariedade da União Europeia para<br />

cobrir os gastos com a pandemia, lembrando que<br />

aquele instrumento de ajuda passou a incluir as<br />

emergências de saúde pública.<br />

Em matéria económica, ainda que concordando<br />

com as principais medidas de apoio às empresas<br />

implementadas pelo Governo, partilhamos a opinião<br />

generalizada dos parceiros sociais de que essas<br />

medidas foram insucientes e poderiam e deveriam<br />

ter representando um maior esforço do orçamento<br />

regional. A execução das medidas e o seu impacto<br />

nanceiro, foram quase sempre inferiores aos<br />

respetivos anúncios “de dezenas de milhões”.<br />

Apresentámos na Assembleia Legislativa um<br />

conjunto de medidas de apoio aos trabalhadores e<br />

às empresas da Região, cujos rendimentos foram<br />

afetados na sequência da pandemia da Covid-19.<br />

Propusemos que o apoio ao ‘lay-off ’ fosse<br />

prolongado até ao primeiro trimestre de 2021,<br />

com o objetivo de “salvaguardar os postos de<br />

trabalho” das atividades económicas mais afetadas<br />

na sequência da pandemia da COVID-19.<br />

Propusemos a criação de um apoio extraordinário<br />

aos trabalhadores açorianos abrangidos pelo<br />

regime nacional de ‘layoff ’ simplicado.<br />

Defendemos a criação de uma compensação às<br />

empresas que tenham sofrido, devido à pandemia<br />

da Covid-19, uma redução da faturação mensal<br />

superior a 40%, a pagar nos meses de abril, maio e<br />

junho deste ano.<br />

Apresentámos uma proposta de revisão do<br />

Sistema de Incentivos para a Competitividade<br />

Empresarial (Competir +), “visando garantir o<br />

aumento, em 15%, das taxas de comparticipação<br />

62 NOJUL20


E N T R E V I S T A<br />

dos investimentos elegíveis a fundo perdido, de<br />

forma transversal a todos os subsistemas”.<br />

Alertámos para a necessidade de desburocratização<br />

e rapidez na concretização das medidas de apoio às<br />

empresas afetadas pelas repercussões económicas da<br />

pandemia da COVID-19, com o objetivo de evitar a<br />

perda de postos de trabalho.<br />

Vimos aprovada a nossa iniciativa que defendia<br />

um Plano Global urgente de retoma progressiva<br />

da atividade económica na Região, depois de<br />

garantidos que os riscos de surtos da Covid-9<br />

estão minimizados.<br />

Defendemos um reforço nas medidas de apoio<br />

ao Turismo na Região, como forma de combater<br />

os efeitos da pandemia mundial de Covid-19, no<br />

sector.<br />

Propusemos um apoio social excecional que<br />

cobrisse a totalidade da fatura dos beneciários<br />

da tarifa social de fornecimento de eletricidade,<br />

assim como uma comparticipação dos consumos<br />

elétricos para as famílias açorianas confrontadas<br />

com perdas de rendimento por via do surto de<br />

Covid-19”, proposta que serviu, em termos de<br />

pressupostos, de base ao apoio aprovado. E para o<br />

gás apresentámos, com carácter de urgência, um<br />

apoio excecional e transitório para as famílias que<br />

tiveram uma perda de 20% do seu rendimento,<br />

tendo sido a urgência chumbada pela maioria<br />

socialista, levando a proposta a descer à Comissão<br />

de Economia para exame.


E N T R E V I S T A<br />

ligados ao turismo dá bem nota da sua pertinência.<br />

Nesta proposta de tarifa única para residentes,<br />

no âmbito da revisão das obrigações de serviço<br />

público do transporte aéreo inter-ilhas, aplicam-se<br />

os mesmos princípios das ligações entre a Região e<br />

o continente.<br />

Não tenho dúvidas, pois, que os açorianos não<br />

só concordam com a proposta, como anseiam<br />

pela sua concretização. Além de alavancar o<br />

desenvolvimento do sector turístico na Região,<br />

que bem precisa de um folego, promoverá a<br />

libertação da “sociedade do jugo do poder político<br />

subsidiador”, como armou o líder do Partido.<br />

Com esta proposta cada cidadão escolhe como, e o<br />

que quer, a um custo suportável, pouco restritivo,<br />

e que cumpre com o desígnio de um verdadeiro<br />

mercado regional.<br />

É, por todas estas razões, uma excelente proposta<br />

para os açorianos, para as empresas açorianas e<br />

para a economia regional.<br />

Quais os assuntos que, na sua opinião, mereciam<br />

maior atenção política durante estes três últimos<br />

meses?<br />

No contexto da situação epidemiológica que<br />

decorreu do novo Coronavírus e da doença Covid<br />

19, enfrentámos, e continuamos a enfrentar, não<br />

só uma crise de saúde pública, relacionada com o<br />

vírus, mas também uma crise económica.<br />

A apresentação da situação epidemiológica, dia a<br />

dia, a avaliação das suas consequências, em termos<br />

de saúde pública, e em termos económicos e<br />

sociais, as formas de combate à doença e ao vírus, e<br />

as formas de apoio económico e social a empresas<br />

e famílias, constituíram, sem sombra de dúvida, os<br />

assuntos com maior atenção política dos últimos<br />

três meses.<br />

NOJUL20 63


“Os Açores são nove ilhas e todos os<br />

Açorianos têm os mesmos direitos. É esse o<br />

legado que queremos, responsavelmente,<br />

deixar às futuras gerações”.<br />

Alonso Miguel, deputado do CDS-PP/A<br />

“FOI A SATA QUE FOI LONGE PARA TRAZER EQUIPAMENTOS<br />

PARA TRATAR ESTA DOENÇA E TAMBÉM MATERIAL PARA<br />

PROTEÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE, DOS BOMBEIROS<br />

E DAS FORÇAS DE SEGURANÇA. FOI A SATA QUE LEVOU E<br />

TROUXE MUITOS DOS NOSSOS DOENTES”.<br />

JOSÉ ÁVILA, DEPUTADO DO PS/A<br />

O PPM “condena, veementemente, a forma como, no<br />

contexto da atual crise, o Governo da República está<br />

a tratar os açorianos como portugueses de segunda,<br />

recusando-se a aplicar os mais básicos princípios de<br />

solidariedade nacional que se impõem nesta matéria”.<br />

Paulo Estêvão, deputado do PPM/A<br />

“A valorização dos profissionais de saúde já<br />

deveria ser feita antes da pandemia, durante<br />

a pandemia e atualmente temos de continuar<br />

a fazê-la. Ainda vivemos um período de alguma<br />

incerteza e não podemos adivinhar o futuro”.<br />

MÓNICA SEIDI, DEPUTADA DO PSD/A<br />

66 NOJUL20


C R Ó N I C A<br />

Enfermeiro Fernando Felgueiras<br />

Vogal do Conselho Diretivo da SRRAA da Ordem dos Enfermeiros<br />

Os enfermeiros estão na linha da frente no combate<br />

difícil contra esta pandemia que, por muito que<br />

gostássemos que estivesse terminada, veio para<br />

car. Fazem parte de um grupo de prossionais<br />

de saúde que, contra a natureza humana, não<br />

fugiram do campo de “batalha”. Permaneceram<br />

sempre nessa luta, voltaram e voltam um dia<br />

atrás do outro, arriscando as próprias vidas e,<br />

consequentemente, pondo em risco a saúde e as<br />

vidas dos seus familiares. Trabalharam muitas<br />

vezes sem os meios adequados, inventaram e<br />

reinventaram soluções, desdobrando-se em<br />

impossíveis contorcionismos com o intuito de<br />

minimizarem ao máximo a propagação da doença,<br />

atendendo ao mínimo equipamento de proteção<br />

que dispunham. Muitos, por sua iniciativa e<br />

com dinheiro do seu próprio bolso, compraram<br />

equipamentos de proteção individual de utilização<br />

única, pois a escassez dos mesmos foi real, apesar<br />

de os governantes da área da saúde, nacional<br />

e regional, armarem sempre que existiam<br />

equipamentos em quantidades sucientes.<br />

A nível da região, a SRRAA da Ordem dos<br />

Enfermeiros realizou um inquérito aos<br />

enfermeiros, que será divulgado a breve trecho.<br />

Uma das questões incluídas no mesmo refere-se<br />

aos equipamentos de proteção individual completo,<br />

questionando se estes estavam disponíveis quando<br />

necessários. A resposta não deixa dúvidas,<br />

49,87% respondeu que não tinham equipamentos<br />

disponíveis no inicio do surgimento de casos<br />

positivos de Covid19 na região. Referem que<br />

receberam indicações para a necessidade de<br />

reutilizar esses equipamentos de utilização única<br />

mais de que uma vez, o que vai totalmente contra<br />

todas as diretrizes de segurança de proteção. Estes<br />

equipamentos vêm com indicação do fabricante<br />

que somente devem ser utilizados uma única vez!<br />

Não sei qual a diculdade sentida pelos mentores<br />

dessas indicações em perceberem isso! Não é<br />

68 NOJUL20


C R Ó N I C A<br />

necessário ser perito em gestão para ter a noção<br />

que a primeira prioridade de qualquer gabinete de<br />

crise que se constitua, terá de ser sempre, sempre, a<br />

proteção dos seus “bens mais valiosos”. Sem querer<br />

desrespeitar qualquer outra área laboral nesta<br />

situação de pandemia os prossionais de saúde<br />

deveriam ser mais protegidos pelas entidades da<br />

saúde.<br />

Nos Açores, logo numa fase inicial, a SRRAA<br />

Ordem enfermeiros alertou e solicitou ocialmente<br />

ao Sr. Diretor Regional da Saúde, enfermeiro<br />

Tiago Lopes, para a necessidade e importância<br />

de testar pelo menos os enfermeiros que estavam<br />

diretamente a prestar cuidados no âmbito do<br />

Covid19, de forma a prevenir qualquer tipo<br />

de contágio mais alargado, pois prossionais<br />

contaminados no exercício das suas funções<br />

implicaria maior disseminação da doença. A<br />

resposta do Sr. Diretor Regional foi revelada na TV,<br />

referindo que não iriam ser testados enfermeiros<br />

indiscriminadamente, parecendo esquecer os casos<br />

assintomáticos. À posteriori, após um reforço de<br />

testes e outros equipamentos terem chegado à<br />

região, vindos da China e com direito a reportagem<br />

em direto na RTP Açores aquando da sua chegada,<br />

os testes nalmente começaram a ser efetuados aos<br />

prossionais de saúde da região.<br />

Fica a dúvida… não se realizaram testes aos<br />

enfermeiros porque não existia em quantidade<br />

suciente ou foi mesmo uma opção da Autoridade<br />

de Saúde? Se foi opção, no meu entender não foi a<br />

mais adequada. Se foi por falta de testes, deveriam<br />

ter assumido isso.<br />

Com alguma surpresa recentemente li umas<br />

declarações do Sr. Diretor Regional de Saúde,<br />

numa entrevista que concedeu a um grupo na<br />

plataforma Facebook, em que a dado momento<br />

da referida entrevista responde a uma pergunta<br />

sobre criticas das quais tinha sido alvo, em relação<br />

ao surto no HDES e lar do Nordeste, refere e<br />

passo a citar “Tivemos prossionais de saúde que<br />

foram exercer já com sinais e sintomas de infeção,<br />

NOJUL20 69


C R Ó N I C A<br />

não deveriam ter ido. Se o foram deviam de ter<br />

utilizado equipamento de proteção individual.<br />

Começou logo por aí.” Como prossional de saúde,<br />

neste caso enfermeiro, sinto-me incomodado<br />

com estas declarações. Posso interpretar que estas<br />

duas infelizes ocorrências do surto foram por<br />

irresponsabilidade dos prossionais de saúde e<br />

que foram eles os responsáveis pela disseminação<br />

da doença. Olhando pelo mesmo prisma, e num<br />

campo hipotético, posso também levantar a<br />

hipótese que esta situação ocorreu por inoperância<br />

da Autoridade de Saúde, ao não ter realizado os<br />

testes aos prossionais de saúde.<br />

Não posso ser hipócrita, nenhum país ou região<br />

do mundo estava preparada para esta pandemia.<br />

Reconheço o esforço efetuado pelo governo<br />

regional em adquirir esses mesmos equipamentos<br />

de proteção individual, mas não posso deixar de<br />

criticar algumas opções tomadas. Existiu uma<br />

corrida a nível global aos mercados internacionais<br />

para aquisição de equipamentos adequados para<br />

os serviços de saúde e sabemos as diculdades<br />

em assegurar alguns desses, no entanto, devia ter<br />

existido alguma antecipação na entrada a essa<br />

corrida uma vez que decorreram alguns meses<br />

antes da chegada da pandemia à região.<br />

Como podemos, infelizmente, observar esta<br />

pandemia está longe do m. Começamos a<br />

constatar, através comunicação social, que<br />

países onde se pensava que a situação estivesse<br />

controlada, começam a surgir novos casos e,<br />

inclusivamente já se fala em 2ª e 3ª vaga de<br />

Covid19. No que concerne à região acho que<br />

deveria ser aproveitada esta fase de acalmia<br />

para reetir sobre erros cometidos e traçar<br />

verdadeiramente um plano regional para o<br />

que poderá vir. Um plano elaborado pela parte<br />

governamental, mas com a participação de todos<br />

os representantes dos prossionais de saúde<br />

da região, pois só atuando em sintonia é que<br />

poderemos oferecer mais e melhores cuidados aos<br />

cidadãos dos Açores.<br />

Enquanto enfermeiro confesso estar saturado<br />

dos elogios e da elevação à categoria de herói na<br />

comunicação social, por parte dos governantes<br />

nacionais. É uma história contada demasiadas<br />

vezes, feita de palmadinhas nas costas e de umas<br />

quantas palavras de incentivo propagandísticas.<br />

Os enfermeiros não querem ser tratados como<br />

heróis, querem acima de tudo, respeito e condições<br />

70 NOJUL20


C R Ó N I C A<br />

para trabalhar em segurança em prol da sociedade.<br />

Um dos exemplos da falta de respeito pelos<br />

enfermeiros cou bem ilustrado no valor oferecido<br />

pelo governo nacional em que propuseram aos<br />

enfermeiros contratos de 4 meses a (6,42 euros<br />

hora) para trabalhar nas unidades de Saúde no<br />

contexto do Covid19. Este é o reconhecimento do<br />

“heroísmo” por parte dos governantes nacionais<br />

aos enfermeiros.<br />

Os enfermeiros Açorianos agradecem as palavras<br />

de incentivo que chegaram à SRRAA da Ordem<br />

dos enfermeiros, por parte da nossa população,<br />

de diversas personalidades da sociedade e de<br />

representantes políticos de vários quadrantes,<br />

incluindo o Sr. Presidente do Governo Regional,<br />

Dr. Vasco Cordeiro, Sra. Secretária da Saúde Dra.<br />

Teresa Luciano e do líder da oposição regional<br />

Dr. José Manuel Bolieiro. Com estas palavras de<br />

incentivo e reconhecimento da classe política<br />

regional, os enfermeiros dos Açores caram<br />

com a expectativa legitima, que neste momento<br />

estarão reunidas as condições para que esse<br />

reconhecimento a nível regional da classe politica<br />

passe das palavras aos atos e que sejam atendidas<br />

algumas revindicações mais que justas para a<br />

classe.<br />

A única certeza que tenho e posso garantir, é que<br />

os enfermeiros dos Açores estão e estarão sempre<br />

ao lado da população.<br />

NOJUL20 71


C R Ó N I C A<br />

António Ventura<br />

Deputado pelo PSD Açores<br />

na Assembleia da republica<br />

A Autonomia dos Açores deve ser um tema de<br />

constante preocupação Açoriana, principalmente na<br />

Assembleia da República. Deve merecer por parte de<br />

todos nós uma permanente reexão e atuação porque<br />

não se esgota nas competências, na solidariedade e nos<br />

instrumentos que temos.<br />

A Constituição de Abril acolheu a Autonomia, na<br />

vontade da armação da identidade e da dignidade<br />

do Povo Açoriano. Parar esta vontade é perder<br />

politicamente e é desrespeitar esta raiz democrática. Ou<br />

seja, esta autodeterminação política e nanceira dos<br />

Açorianos só pode evoluir e nunca regredir. Este é o<br />

princípio, o meio e o m de todo o debate.<br />

No entender do PSD, o tema tem de ter futuro e tem de<br />

estar sempre presente no futuro da Região, de acordo<br />

com a realidade dos Açorianos.<br />

Uma Autonomia desfasada da realidade não consegue<br />

ter benefícios práticos na vida das pessoas, mas pode<br />

ser uma resposta às diculdades dos Açorianos, se a<br />

consideramos como um processo inacabado e, como<br />

tal, deve ser dinâmica e progressiva. Para isso, tem de<br />

ser pensada e percebida por todos e, acima de tudo, tem<br />

de se constituir numa exigência de primeira ordem.<br />

O debate autonómico não pode abrandar, desde logo,<br />

sobre aspetos como o relacionamento autonómico<br />

com a República, a participação da Região nos acordos<br />

internacionais, o circulo eleitoral na diáspora, entre<br />

outros.<br />

Assim sendo, teremos de aproveitar uma próxima<br />

Revisão Constitucional para fazer valer um conjunto<br />

de reivindicações, algumas, inclusive, com anos de<br />

reclamação.<br />

Esteve em curso a 8.ª Revisão Constitucional, que se<br />

iniciou em 2010, todavia não foi concluída devido à<br />

dissolução da Assembleia em 19 de junho de 2011.<br />

A nossa Constituição – a primeira das leis – não<br />

pode ser um travão ao desenvolvimento da<br />

Autonomia. Importa, por isso, não perder de vista esta<br />

oportunidade legislativa para alterações a favor dos<br />

Açores.<br />

O PSD estará sempre a trabalhar para uma Autonomia<br />

fortalecida, pois esta melhora a qualidade democrática<br />

e o desempenho dos nossos órgãos de governo próprio.<br />

A par do desempenho do autogoverno exige-se a<br />

responsabilidade dos resultados e, aqui, falha quem<br />

governa os Açores. Estamos perante um modelo<br />

cansado, com resultados negativamente dramáticos a<br />

vários níveis sociais e económicos. Resultados que se<br />

manifestam no desemprego, na falência de empresas,<br />

no despovoamento e no envelhecimento da população.<br />

Uma nova Revisão Constitucional irá ocorrer,<br />

estejamos preparados para vincar as nossas pretensões.<br />

Neste sentido, o PSD tem vindo a promover o<br />

pensamento crítico e o debate com a sociedade e entre<br />

as forças partidárias.<br />

O PSD foi sempre o partido liderante das alterações<br />

constitucionais que transformaram Portugal num país<br />

mais democrático, mais moderno e mais desenvolvido.<br />

A título de exemplo foi com o PSD que se pôs m à<br />

tutela militar do sistema político, que se permitiu a<br />

desestatização da economia, que se abriu à iniciativa<br />

privada o acesso à televisão, à rádio e à imprensa, que<br />

o referendo teve consagração constitucional e que os<br />

emigrantes obtiveram direito de voto na eleição do<br />

Presidente da República.<br />

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