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Sapeca - 31

Misto de sapo e perereca Nº 31 – Setembro/202l – Editor: Tonico Soares

Misto de sapo e perereca
Nº 31 – Setembro/202l – Editor: Tonico Soares

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Sapeca

Misto de sapo e perereca

Nº 31 – Setembro/202l – Editor: Tonico Soares

e-mail: ajaimesoares@hotmail.com

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MUSA DESTA EDIÇÃO

Miroslava Stern, a azarada. Nasceu em Praga, como nosso amigo Daniel

Fachini, em 1925 e, cedo, a família se mudou para Los Angeles, fugindo do nazismo.

Ela tomou aulas de interpretação que foram úteis ao se mudar em seguida

para o México, onde iniciou carreira de atriz de cinema. Logo, chamou a atenção

de Hollywood, atuando no filme Aventuras de Casanova. Em 1945, ficou casada

por poucas semanas com o ator e cantor Jesus Obregon, casamento anulado ao

descobrir que ele era gay. De volta ao México, continuou atuando nas produções

locais e, em 1951, Hollywood lhe deu outra chance, o principal papel feminino

em Touros bravos, com Anthony Quinn. Na época, foi capa da famosa revista

Life, mas o filme só foi lançado após sua morte, por overdose, em 1955. Ela

viveu um tórrido romance com o toureiro Luis Miguel Dominguín, porém este a

deixou para se casar com a italiana Lucia Bosè. Além disso, Miroslava havia

perdido para a própria Bosè o papel em Assim é a Aurora, o próximo filme de

Buñuel (com quem filmara o intrigante e surrealista Ensaio de um crime).


Os Beatles em Varginha, sul de Minas. Foto enviada por

meu sobrinho Lúcio Couto, em 20/09/2021.

Navegante e jeitoso

Eu sou aquele boizinho que nasceu no mês de maio,

o mulato que me tocava era só pra dá trabaio.

Uma das cantigas preferidas de minha mãe

Navegante e jeitoso era o nome da junta de bois lá de casa, substituída por

um cavalo que fazia o mesmo serviço, pela metade do custo. Puxava carroça,

charrete e fazia girar a almanjarra do engenho. Nas horas vagas, levava marmanjos

no lombo aos arraiais de Sereno, Glória, Cataguarino, quando não mais longe.

Lembrando isso, me toco que carro de bois (um boi só não puxa carro) ficou sendo

a imagem do Brasil rural, já a dos Estados Unidos são aquelas diligências com

muitos cavalos, dos filmes de faroeste, John Wayne no lugar de Mazzaropi.

Saí menino de lá e não me afeiçoei à bicharada, às pessoas, sim, e um dos

meus maiores prazeres é encontrar conterrâneos, de preferência, contemporâneos,

feito Zé Geraldo, dia desses. Nosso primeiro papo demorado e foi aquele desfile

de lembranças de mais de sessenta anos, pautado por muita maledicência, algo

como uma Pasárgada na qual só quem viveu pode entender. E fiquei sabendo de

uma história ótima envolvendo um “coronelzinho” de pouca estatura, também

famoso por estar de cacho com uma morenona alta e forte, em cujos braços veio

a falecer. Seu marido, já bem idoso, não era do tipo que se incomodava.

Tinha outra senhora também mais alta do que o esposo, ao qual ela chamava

Pedrim, e um dia foi cantada pelo coroné, que lhe ofereceu dinheiro. Resposta:

“Vou perguntá ao Pedrim se pode”. Não pôde, tendo o paquera dito para

ela guardar o dindim, junto com o segredo, para evitar encrenca, já que a faca de

ponta de Pedrim poderia ser mais afiada que a do outro. Por fim, Zé Geraldo

concluiu que os tempos não mudaram tanto, quanto à liberação dos costumes.

Sim, e não sabe ele que um de seus tios era chifrado por um dos meus irmãos.


A dita senhora teve uma filha casada com gente importante no setor da

bandidagem e o coroné matou o irmão (seu filho confirmou) para herdar sozinho.

Fatos que desmentem aquele papo de “infância querida que os anos não trazem

mais”. Havia muita maldade, entre elas, as condições miseráveis dos lavradores, a

bem dizer, escravizados. Getúlio Vargas criou leis trabalhistas, mas não as estendeu

ao campo e aquele regime “feudal” prevaleceu até que os próprios lavradores

se transferiram para a periferia das cidades, de cuja violência não preciso falar.

Falemos de animais. Cobra era o perigo mais frequente e até eu, pelos oito,

nove anos, matei duas. Pequenas, que as grandes eu não encarava. A caça era

praticada abertamente e um dia vi meu primeiro e único tamanduá, assassinado.

Lontra, capivara, já não havia, jacaré, alguns. Gavião que aparecia, levava chumbo,

porque comia pintinhos; gambá, porque comia (ou bebia) ovos. Tatu era muito

apreciado à mesa, não lá em casa, pois, praticamente, só comíamos bicho que

criávamos, fora peixes. Macaco, apareceu um numa árvore, e tome pedradas. Então

passou uma caminhonete e o ajudante o pegou pelo rabo, para levar vivo,

sendo mordido na canela e o motorista acabou com a farra, dando um tiro. Gasolina

na ferida evitou efeitos colaterais até o moço poder se tratar, em Cataguases.

O lavrador Orosimbo, ali presente, teve mesa farta em casa, aquele dia.

P. S.: nesses encontros, a gente sempre se esquece de um detalhe, o que os

franceses chamam “esprit d´escalier”, aquilo de que só nos lembramos já descendo

a escada e não adianta mais. Pois bem, só depois que Zé Geraldo se foi me

ocorreu perguntar por Maura, sua prima que que só vi uma vez e ficou sendo minha

primeira paixão. Uns irresistíveis lábios “de coral”, como cantava o bolero,

tão raros que, iguais, só vi de novo na boca de uma uruguaia, no Rio.

Pegar jacaré no muque

Disse acima que não me afeiçoei à bicharada, no sentido em que um menino

personagem de conto de Guimarães Rosa diz que não existe nada mais bonito

do que boi. Conheci meninos assim e um deles deitava a cadeira no chão, que

virou seu carro e, com um porrete, tocava bois invisíveis. Também, no sentido

caseiro, não adquiri o afeto doentio de castrar bicho ou prender na gaiola – a propósito,

eu soube há pouco que cachorro cotó não atravessa pinguela. Admiro todos,

desde que vivendo do jeito que escolherem. Sobre os selvagens, fico vidrado

vendo vídeos sobre a luta dos carnívoros por comida e sutilezas como driblar o

adversário “fingindo-se”, por exemplo, de folha ou casca de árvore.

Por falar nisso, na Inglaterra tem umas borboletas brancas que dormem

presas aos troncos de árvores da mesma cor. Veio a poluição industrial e as cascas

das árvores ganharam um tom cinza escuro, mesmo tom que as borboletas

adotaram, para sobreviver. Hoje, que lá a poluição está sob controle, não sei se

voltaram ao branco original. “Conheço bem” a Amazônia, o Pantanal, os chapadões,

África, Ásia, até reservas europeias em que deixam os cavalos voltarem a

ser selvagens. Me amarrei, entre outros, num lance em que um crocodilo abocanha

a pata traseira de um búfalo e tenta por todos os meios puxá-lo para dentro

do rio. Quase consegue, aí chegam dois hipopótamos, ancestrais inimigos da crocodilagem,

e o amedrontam, fazendo-o soltar a presa, que sai mancando.


Também há pouco, vi um sobre captura de um jacaré de quatro metros,

para exames veterinários, no zoológico de Sorocaba-SP. Atiravam laços feitos

com cabo de aço, que o bicho cortava com os dentes e só na quinta tentativa conseguiram.

Um corpo a corpo de vida ou morte, agravado pelo fato de o paciente

estar há dias sem comer para possibilitar o exame das vísceras. Um galho atravessado

no focinho e cinco homens montados nele o mantiveram imóvel.

A endoscopia revelou gastrite, por isso o réptil passava mais tempo na

água: a pressão do corpo contra a terra causava dores internas. Foi medicado em

questão de minutos, já que não poderia ser sedado, como fazem, por exemplo,

com as onças. Documentário científico mais parecido com filme de aventura,

inclusive recheado de palavrões, sempre que o paciente leva a melhor. No árduo

processo de dominá-lo, todos os “puta que pariu”, “porra” e “caralho” a que o

chefe da equipe teve direito. De braços, peito e costas tatuados feito leão de chácara,

tudo perfeitamente aceitável, nos tempos pós-modernos.

Sujeito grosseirão, mas entendia do riscado e antecipou para a turma todos

os detalhes da operação, sem esquecer as falhas mais comuns na empreitada.

Graças a ele, saiu tudo a contento e o bicho voltou à normalidade, podendo até

ficar mais afeiçoado à espécie humana, que o livrou daquele sofrimento. Será?

Homem engolido por baleia

Michael Packard estava mergulhando em Cape Cod, Massachusetts, USA,

para pescar lagostas e foi engolido por uma baleia Jubarte. O mergulhador sobreviveu

e contou à CNN americana como tudo aconteceu. O pesadelo durou aproximadamente

30 segundos e ele conseguiu respirar durante esse tempo graças ao

seu tanque de oxigênio. Então, para sair, Michael se balançou e mostrou que não

estava nada confortável ali dentro, até que finalmente foi cuspido na água, resgatado

pelo barco de seus colegas e levado ao hospital, onde recebeu alta. Pensei

logo em Jonas dentro da baleia, episódio estudado por judeus, cristãos e árabes,

associado também a Jasão, o de Medeia, da lenda grega. O dito cujo, contudo,

passou três dias lá dentro, sem tanque de oxigênio. Acredite se quiser.

Ruanda não dá moleza

Paul Kagame, presidente de Ruanda, considerado ditador, fez uma coisa

certa: fechou mais de seis mil igrejas e mesquitas em seu país, passando a exigir

graduação em teologia para a maioria dos líderes religiosos pararem de faturar,

pregando uma doutrina da qual eles mesmos não têm noção sequer aproximada.


Axolotle (Ambystoma mexicanum), salamandra que não se desenvolve na fase de

larva. Conserva por toda a vida brânquias externas, típica do estado larval. Simplificando:

peixe com plumas e patas que lhe permitirão, quando a lagoa secar, caminhar

pela terra, podendo criar asas e voar ou equilibrar-se nas patas posteriores, qui nem

nós, macacos que andam de pé, como eles e muitos outros devem pensar da gente.

Fábio Leite mandou dizer que passa bem, sendo atualmente

membro da diretoria de uma empresa multinacional, no Japão.

Um conto e tanto

Fico contente quando leio algo como um texto ainda sem título de Ronaldo

Brito Roque, sobre como se tornar um canalha, no caso, enfocando um coautor

de novelas de TV. Achei a melhor literatura produzida dentro de Ktá, neste

século, incluindo peças de teatro. Conto de umas setenta páginas, como se escrevia

antigamente. Para mim, o que define conto não é o tamanho, mas a forma

de enquadrar determinada situação, poucos personagens e um gran finale, sugerindo

que a história pode continuar em outras narrativas. Mas, tecnicamente, se

enquadra na categoria noveleta, conforme normas estabelecidas, vide abaixo:

Flash Fiction – 100 a 2.000 palavras Conto – 2.000 a 7.500 palavras Noveleta – 7.500 a 17.500

palavras Novela – 17.500 a 40.000 palavras Romance – Acima de 40.000 palavras

Ronaldo pouco aparece, mas é do ramo, tendo seu Romance barato republicado

por editora do Rio, sinal de que agradou. E vem se aperfeiçoando, como

na noveleta em questão, que também deve sair em livro por alguma editora.


Padre pede putas a Portugal

Quando menino, eu ouvia uma música que dizia algo assim: “Pedro Álvares

Cabral foi chegando e encostando numa índia guarani”. O fato é que aqueles

homens vieram sem suas mulheres e, ao chegar, depararam-se com todas aquelas

evas (uvas) nuas em pelo e sem pudores. Resistir, quem há de?

Antes de prosseguir, minha opinião é de que cada um dá o que tem, do

jeito que lhe convém e a imagem da puta vítima do sistema capitalista é um estereótipo,

a maioria gosta do seu métier e também se mete por dinheiro nos países

socialistas. Tive colegas de trabalho que, com carteira assinada, à noite, faturavam

um “por fora”, até com gringos, em bares da orla marítima do Rio. Uma delas

o fazia por complexo de “bela da tarde”, mas aí é assunto pro doutor Freud

resolver. Conheci também alpinistas sociais usando a beleza para subir na vida.

Prossigamos, pois: os mexicanos se consideram filhos da Malinche, a índia

que deu para Hernan Cortés, o invasor espanhol. Nossas brasileiras, pelas

mesmas vias, e vamos ficar em São Paulo. Embora o Brasil tenha brotado na Bahia,

é da pauliceia, então já bem desvairada, que nos chegaram os primeiros registros,

não abundantes, como sempre, mas suficientes para se ter uma ideia.

Segundo o historiador Edison Veiga, o começo da prostituição branca em

São Paulo foi por obra e graça do jesuíta Manoel da Nóbrega, fundador da cidade.

Antes de fundá-la, com Anchieta, escreveu carta a Portugal em que pedia que

o reino enviasse órfãs para o Brasil, ou mesmo mulheres “que fossem erradas”,

pois “todas achariam maridos, por ser a terra larga e grossa”. E vieram órfãs, ladras,

prostitutas e assassinas que, somadas aos degredados, formaram um grosso

caldo cultural. Havia necessidade de multiplicar a raça branca, para que esta prevalecesse.

Se por meios pouco recomendáveis, os fins os justificavam.

Outro historiador, Paulo Rezzutti, explica: “Nóbrega entendeu que aqui se

cometia um grande pecado, homens brancos tomando as índias por esposas, indistintamente,

quantas quisessem e, a seu pedido, foram enviadas para o Brasil as

erradas e as erradíssimas”. E começaram os problemas já em 1570, porque as

“rameiras” faziam trottoir perto dos chafarizes (fontes que abasteciam de água a

população, vi um funcionando em Cataguarino) e as mulheres ditas direitas não

deveriam se aproximar desses locais, podendo até pagar multa, se o fizessem.

Pula para 1641, quando a Câmara votou pela expulsão daquelas profissionais

da Vila de Piratininga, como se chamava São Paulo. Duas que deram mau

exemplo foram Mariana Lopes e Joelma Pereira, que, apesar de casadas, “recebiam

homens em casa sem a presença de seus maridos”. Um século depois, num

recenseamento, a profissão aparecia nas Listas Nominativas como “de casinha”

(como hoje existe a “do lar”), local onde se embriagava, jogava e, claro, trepava.

No início do século 19, a prostituição era tão corriqueira que até mesmo

gente culta e pesquisadores estrangeiros se espantavam com o que viam. O naturalista

francês Augustin de Saint-Hílare chegou a escrever que, por causa das putas,

a vida noturna de São Paulo era mais agitada do que a diurna. E ali existiam

“rameiras” de “todas as cores”. O principal antro de prostituição era a rua das

Casinhas, hoje (ironia do destino) praça Manoel da Nóbrega.


Uma das sirigaitas mais famosas atendia pela alcunha de Ritinha Sorocabana

(Rita Maria Clementina de Oliveira), que fez muito sucesso a partir de

1827, quando foi criada a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, enchendo

a cidade de jovens ricos de todo o Brasil. Rita foi amante de Luiz Barbosa

da Silva, mais tarde presidente da Província do Rio Grande do Norte, e do

poeta Fagundes Varela. Acabou dona de um bordel de luxo na rua Boa Vista.

Outros graúdos também se locupletavam, como o capitão-general e, por

sete anos, governador estadual, Martim Lopes Lobo de Saldanha, que se aliviava

numa fazenda de propriedade dos beneditinos, em São Bernardo do Campo. Ele

alegava que ia ao local para supervisionar obras na estrada velha de Santos, mas

o que o atraía eram as bacanais cheias de meretrizes, promovidas pelos monges.

Deve ser por isso que as obras públicas nunca acabam, no Brasil.

A cultura do café (e a consequente modernização da cidade) também incrementou

o desenvolvimento da profissão. Entre os bordéis de luxo mais famosos

no fim do século 19 e começo do seguinte, destacava-se o Hotel dos Estrangeiros,

na rua Líbero Badaró, onde hoje funciona um edifício comercial. E hoje,

vários são os pontos de prostituição famosos na cidade. Do célebre edifício Itatiaia,

onde centenas de mulheres trabalham em um prédio só dedicado ao sexo, ao

Casarão, na rua Augusta, a profissão se disseminou e está por toda São Paulo.

O repórter carioca Cassiano Martines Bovo, na preparação de um livro

sobre o tema prostituição, não só vasculhou o famoso prédio-puteiro, em São

Paulo, como também experimentou na carne um dos produtos em oferta. Ou seja,

uma jovenzinha de seus 22 anos, depois de percorrer corredores apinhados de

colegas dela, dos 18 aos 50, ao gosto do cliente. Trepadinha de 15 minutos, sem

preliminares, mas não se arrependeu. A moça era simpática, além de ter algum

estudo, e até prometeu comprar e ler o livro, quando ele o publicasse.

Do Casarão da rua Augusta, apurei que é uma boate, propriedade de uma

senhora que emprega até sobrinhas do interior, que ganham para dançar e completam

os ganhos fazendo o que o leitor já sabe. Pelos depoimentos colhidos,

ficamos sabendo que as garotas odeiam homens casados que vão lá para reclamar

das esposas, também pais que levam os filhos gays, pagando boa quantia para

que elas os façam agir como homens. Não forçam a barra e, se eles não se animam,

elas dizem que correu tudo bem e embolsam a grana do velho.

Célebre também foi a “boca do lixo”, área de prostituição de rua no entorno

da Estação da Luz, onde abundavam produtoras de filmes pornô, depois virou

cracolânda, esta devidamente reprimida e expulsa para outros bairros. Fui freguês

do pedaço, não em busca de prazer, mas porque lá ficava a filial paulista da Embrafilme,

na qual eu trabalhava, no Rio. Nunca vi puta por lá. Nem crack.

A padroeira

Domitila de Castro Canto e Melo, marquesa de Santos, de uma tradicional

família paulista, ficou famosa como a amante preferida de Dom Pedro I, mulherengo

incorrigível, chegando a se disfarçar para frequentar “casas de tolerância”.

Casou-se por procuração com a culta princesa austríaca Maria Leopoldina que,

ao chegar ao Brasil e conhecer seu esposo, caiu de amores por ele. A recíproca


não foi de todo verdadeira, sendo ela traída sem muitos segredos. E depois que

morreu, ele mandou um emissário contratar uma substituta nas cortes da Europa,

que sabiam de suas peripécias e só a nobre alemã Amélia topou, com a condição

de que se livrasse de Domitila. E esta voltou para sua terra, como se sabe, comprando

um casarão no beco do Pinto, hoje Museu da Cidade de São Paulo.

A marquesa chegou a ser esfaqueada pelo marido, com ciúmes do imperador,

caso tão sério que, por deferência especial, obteve divórcio, o que, por vias

legais, só 155 anos depois seria possível no Brasil. E teve que dividir Pedro I

também com sua irmã Benedita, a baronesa de Sorocaba, a qual mandou assassinar

num atentado malsucedido, ambas grávidas, não preciso dizer de quem. Uma

vez, foi ao teatro, barrada na porta sob suspeita de ser uma “desfrutável”. Avisado,

Dom Pedro mandou encerrar o espetáculo e abafou o escândalo.

Pedro I entre dois amores, se é que amou alguém na vida.

O affair com Domitila durou sete anos, entremeado de copiosa correspondência,

sendo que numa carta ela perguntou sobre a saúde do pênis imperial. Entenda

o leitor como quiser. De volta a Sampa, ela ajudou muita gente necessitada,

inclusive estudantes. Segundo a revista Aventuras na História, essa figura ímpar

do Primeiro Reinado ganhou notoriedade além do que se esperava, pois passou a

ser considerada uma espécie de santa e protetora das prostitutas. Leia abaixo.

“Domitila foi sepultada no cemitério da Consolação, em um túmulo onde

também estão os restos de seu irmão mais novo, Francisco, de sua filha com o

imperador, Maria Isabel, e de Felício, filho de seu primeiro casamento. As reformas

de sua lápide foram curiosamente bancadas pelo também famoso Mario

Zan, sanfoneiro e devoto da marquesa. Ele cuidou do jazigo durante muitos anos

e, ao morrer, foi sepultado em um túmulo fronteiro ao de Domitila. Aquele em

que ela jaz ainda recebe flores frescas de pessoas que a veneram como uma santa.

Entre as lendas, está a de que ela protege as prostitutas da cidade – e, por ter conseguido

se casar novamente e reestruturar sua vida após romper com o imperador,

Domitila virou inspiração para moças ansiosas por um bom parceiro”.


Freira renuncia a voto religioso para

trabalhar com prostitutas no Chile

Por mais de duas décadas, a rotina da freira Patricia Beltrán era ir a casas

noturnas de segunda a segunda. Quando as luzes de neon baixavam, a religiosa

ouvia os lamentos e aflições das meninas que trabalhavam como strippers e prostitutas

na cidade de Valparaíso, no Chile. E foi graças a essa experiência que nasceu

a Fundación Betania Acoge, entidade que acolhe profissionais do sexo que

pretendem se inserir no mercado de trabalho.

Patricia decidiu “entrar nessa vida” porque acreditava que seu dever era

ajudar os mais necessitados, independente de suas escolhas. Sua função, durante

as caminhadas nos prostíbulos, não era julgar ou converter ninguém: era apenas

ouvir e orar. Ela renunciou aos votos em 2010 após perceber que as regras impostas

por sua posição religiosa não a deixavam mais confortável como antes.

Fundada em 2012, a entidade dá assistência social e material para sustentar

economicamente mulheres que desejam outras oportunidades de vida. E os

resultados vêm sendo bons – tanto que recebeu alguns prêmios e reconhecimentos

nacionais: das 80 mulheres que estão ou passaram por lá, 30 conseguiram um

trabalho remunerado. Hoje em dia sua rotina é se desdobrar entre almoços e cafés

com empresários patrocinadores e grandes personalidades, como a presidenta

Michelle Bachelet. Já quando é noite, ainda volta aos prostíbulos.

Quinhentos metros de Rio

Por algum tempo, eu comprava cuecas de algodão numa lojinha ainda com

balcão de madeira, na rua Siqueira Campos, em Copacabana. Na mesma rua,

comprava calças numa loja em que o alfaiate fazia o milagre de apertar a dita

cuja do meu gosto até parecer que foi feita para o meu corpo (na faixa dos 60

quilos, que saudade). Por ali, num “barracão”, uma uisqueria onde se apresentava

ninguém menos que Nelson Cavaquinho. Nas proximidades, o Mercadinho Azul,

pequena galeria de lojas em que nunca comprei nada mas era um prazer circular

pelo pedaço, tão aconchegante. Não muito longe, a majestosa (para os padrões

cariocas) Galeria Menescal, lojas e mais lojas e eu só entrava numa delas, para

degustar iguarias árabes, especialmente esfiha, nada a ver com a servida pelos

bares de Cataguases (o quibe daqui, tudo bem). Subindo a rua, à direita, a Adega

Pérola, de bons vinhos e ótima comida. Para relaxar, uma sauna frequentada por

alguns jovens galãs globais. À esquerda, o primeiro shopping do Rio, construído

pelo pai de Fernando Collor, que abrigava o Teatro Tereza Rachel, onde vi a peça

Gota d’Água, de Paulo Pontes e Chico Buarque, com Bibi Ferreira estraçalhando

no papel de Medeia. Livrarias e lojas de discos, e também o lendário Teatro

Opinião: ali vi peças com Fernanda Montenegro e Marieta Severo, shows

com Cartola, o citado Nelson Cavaquinho, Clementina de Jesus, Caetano Veloso

e Gal Costa. Pois bem: de cueca a cantora baiana, num percurso de 500 metros,

um banquete de cultura que só cidade grande pode (ainda?) oferecer.


Ecos da Embrafilme

Levando um ofício assinado pelo chefe do setor de promoção e propaganda,

colega meu foi a uma delegacia pedir que garantissem a segurança prum desfile

promocional do filme Luz del Fuego, de David Neves, nas principais ruas do

Rio. De pé num Cadillac conversível, ao som de autofalante, ia Lucélia Santos,

não nua como na fita, mas vestida como vedete, enrolada por uma jiboia. Ao ler

o nome do chefe no ofício, o delegado perguntou: “Ué, o Fajardo parou de vender

peixe? ”. Meu colega não soube o que responder, depois indagou a seu pai, o

jornalista Maurício Azedo, o que era “vender peixe”. Alcaguetar, na gíria do temido

SNI (Serviço Nacional de Informações), órgão repressor da ditadura.

A gente bem que achava estranho aquele cara de pouca conversa, plantado

naquele setor, decerto, por ordens superiores, a deduzir pela fala do superintendente,

quando o apresentou: “Eu não vou pedir a vocês que aceitem Fajardo, como

fiz com o chefe anterior, ele agora é o novo chefe e ponto final”. Lá, ninguém

levava as coisas muito a sério, por exemplo, uns cheiravam cocaína à vontade e

nenhum funcionário tinha ligação com política, de forma que correu tudo bem.

Pode ser que ele estivesse no cargo para patrulhar os cineastas que iam lá com

frequência e soubemos que gravava telefonemas, aí é outra conversa. Ainda assim,

ninguém foi preso naquele período ou teve que prestar contas.

Depois de alguns anos, Fajardo arranjou emprego numa multinacional do

cinema e foi substituído por sua mulher, nissei, que ganhou o apelido de Madame

Kutuca o Ku com a Taquara. Nos divertíamos muito, como se vê, e numa festa

de Natal um gay mostrou o bumbum e uma jornalista prafrentex, a periquita.

Mais tarde, aquele gay levou uma porrada do superintendente no Festival de

Gramado, vi na TV, e foi demitido. De férias, quando voltei, soube que não cumpriu

ordens. Agressão física, porém, é caso de polícia, mas ficou por isso mesmo.

Do gênero “piada pronta”. Duas jovens, belas e xarás

atrizes japonesas, seus nomes: Mariko Okada e Mariko Kaga.


À esquerda, cena de A morte passou por perto (1955), de Stanley Kubrick; à

direita, 2001, uma odisseia no espaço (1968), do mesmo diretor. Curiosa a semelhança

entre os dois enquadramentos. Stan era perfeccionista ao extremo e seu

primeiro longa, Medo e Desejo (1953), sobre guerra imaginária em que soldados

caem de avião no território inimigo, um ótimo começo para qualquer cineasta.

Entanto, Kubrick não gostou do resultado, considerando-o uma obra imatura e

destruiu quase todas as cópias. Por sorte nossa, tem uma cópia inteiraça no Google.

Para mim, filme mediano, mas não de se jogar fora e o crítico Luiz Santiago

é da mesma opinião: “Obra da qual Kubrick se envergonhava sem razão. O filme

é bem dirigido e sua concepção visual é de fazer inveja a realizadores que tiveram

muito mais recursos e entregaram muito menos. Trata-se de filme de guerra

incomum, quase uma reflexão sobre a atitude, a alma e o dever do soldado nesses

tempos, um tipo de abordagem do ambiente bélico não muito comum no cinema,

mesmo nos dias de hoje”. Outra curiosidade: durante os preparativos de 2001,

Kubrick e sua esposa foram dormir preocupados em descobrir um jeito de mostrar

o extraterrestre do filme sem cair no ridículo. Então, tiveram a ideia do monólito,

que virou um dos ícones mais apreciados do cinema. Abaixo, foto de outro

perfeccionista, Robert Doisneau, que no Brasil poderia se chamar passaralho.


Eu e a Flip

Exercito-me em verso há 48 anos, portanto, sem pressa de “ser poeta”. Em

média, três trabalhos por ano. Quando moço, li num livro que perguntaram a um

escritor quando ele fazia poesia, e respondeu: “Quando a poesia quer”. Achei

uma tirada meio “lusitana”, hoje, concordo. Comigo, o poema é que se escreve,

faz suas exigências, fica dodói no trecho em que eu relaxo, isso leva tempo.

Uma reunião deles com elogios generosos de Francisco Marcelo Cabral e

um empurrãozinho de Luiz Ruffato não logrou ser aprovada pela Lei Ascânio

Lopes. Uma das razões é que o secretário de Cultura da época me disse claramente,

por duas vezes, que odeia livros, prefere performances. Não obstante,

dois textículos meus foram notados fora daqui: Entre pedras, segundo lugar numa

antologia da Editora Trevo, de São Paulo e Língua pétrea, sexto entre os poemas

premiados pela Flip (Festa Literária Internacional de Parati), neste 2021.

Ambos têm “pedra” no título, mera coincidência, explico, antes que me

atirem a própria. Sem motivo para foguetório (afinal, foram prêmios secundários),

me encorajaram a publicar uma edição “dubolso”, à maneira de Sebastião

Nunes, quando outro setembro vier. Até lá, vou burilando. Mesmo o que enviei à

Flip (os direitos dela cessam pós-evento) foi retocado, depois. Do jeito que está,

condiz mais com a minha intenção, pelo menos por enquanto. O certo é que, como

observou Paul Valéry, uma obra nunca é concluída, mas abandonada.

.

Língua pétrea

Em ângulo reto, meio-dia,

João Cabral de Melo Neto

ara área árida, imprópria

e estéril, pelas leis da lira.

I

Árida, no sentido obstáculo:

sem verdes mares, alencares

e seu linguajar de salões

que tolhe a função da fala;

nenhuma Olinda barroca,

mais vida vibra no mangue

e seus homens-caranguejos,

nas fezes que o barro podre;

ao mel da cana, suas lâminas,

da folhanavalha ao caule

em corte oblíquo, mais apto

no achegar-se à moenda.

II

Na Europa, o Mediterrâneo

que há é o litoral abrupto,

pasto de cabra, em terreno

“árido”, rude, de Espanha.

O toureiro hirto, só vértebra,

em perigo, a bailadora

e seu espichar-se em espiga,

seu empertigar-se, égua,

dão ideia de como opera

o autor: nada por acaso,

a esmo, tudo estudo, estado

de vigília, atenção plena.

Verso magro de ver-se o osso,

ofício de quem pensa, pinça

a palavra que mais coisas diz,

a que condiz, conduz ao topo.

12

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