Chicos - 69 de 13.07.2022
Chicos é uma publicação literária que circula apenas pelos meios digitais. Envie-nos seu e-mail e teremos prazer de te enviar gratuitamente nossas edições. A linha editorial é fundamentalmente voltada para a literatura dos cataguasenses, mas aberta ao seu entorno e ao mundo. Procura manter, em cada um dos seus números, uma diversidade temática.
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A linha editorial é fundamentalmente voltada para a literatura dos cataguasenses, mas aberta ao seu entorno e ao mundo. Procura manter, em cada um dos seus números, uma diversidade temática.
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Nº 69
13 de julho de 2022
Literatura e ideias em
Cataguases – MG
Um dedo de prosa
Esta é a nossa edição 69
Chicos é uma publicação que circula apenas pelos meios
digitais. Envie-nos seu e-mail e teremos prazer de te
enviar gratuitamente nossas edições ou visite-nos nos
links listados no canto inferior desta página.
A linha editorial é fundamentalmente voltada para a
literatura dos cataguasenses, mas aberta ao seu entorno
e ao mundo. Procura manter, em cada um dos seus números,
uma diversidade temática.
Neste número de início do inverno, com o Covid 19
ainda presente em nosso cotidiano, prosseguimos. No
Capa: Foto - Vicente Costa
Arte - Rodrigo Mogiz, nasceu em Belo Horizonte
- MG, onde mora. Técnica - Bordado
sobre tecidos.
Premiado no I Salão Cataguases-Usiminas de
Artes Visuais – 2004
Editores:
Emerson Teixeira Cardoso
José Antonio Pereira
Colaboradores:
Gabriel Franco
Vicente Costa
José Vecchi de Carvalho
centenário da Semana 22, homenageamos uma grande
poeta que aos 22 anos, em 1915, publicava seu primeiro
livro de poemas. Gilka Machado é a Poeta da primeira
página.
Desejamos uma boa leitura para todos!
E até o início da primavera.
Os Cataletras
Fale conosco: cataletras.chicos@gmail.com
Visite-nos em:
https://independent.academia.edu/ChicosCataletras
https://www.yumpu.com/pt/chicos_cataletras
01
Chicos
ÍNDICE
03 Poeta da primeira página - Gilka Machado
19 Mulheres & Letras Emerson Teixeira Cardoso
21 Essas mulheres perdidas Eunice Odio
23 Passarinho + 3 poemas Marcelo Benini
28 Repolho de primavera Ruriko Mizuno
30 As últimas palavras Paschoal Motta
32 A casa + 1 poema Amosse Mucavele
35 Ipê Florido Flausina Márcia
37 Em vão Leonardo Campos
38 Expresso 2222 Helen Massote
39 Cena Ronaldo Cagiano
40 Adiós a um tempo Arturo Herrera
41 A Árvore do Esquecimento Fernando Abritta
51 A última mentira José Antonio Pereira
54 Os saudosos e esquecidos Ronaldo Brito
56 Jerusa José Vecchi de Carvalho
59 Um lugar qualquer Antônio Jaime Soares
61 Conversa de estátuas - Drummond... Wander Lourenço
64 Ciranda de afetos com Lygia Fagundes Telles Jeová Santana
67 O dia em que fui peixe tem a potência do sonho Gloria Vianna
68 As aventuras do conselheiro Aires em Brasília Vera Lúcia de Oliveira
71 Entre a luz e as trevas Krishnamurti Góes dos Anjos
74 Solha & Os Ronaldos W. J. Solha
76 Lendo os clássicos Luiz Ruffato
78 Clips
02
Chicos
Poeta da primeira página: Gilka Machado
"Sonhei em ser útil à humanidade. Não consegui, mas fiz versos. Estou
convicta de que a poesia é tão indispensável à existência como a
água, o ar, a luz, a crença, o pão e o amor".
Gilka da Costa de Mello Machado nasceu
no Rio de Janeiro (RJ) no dia 12 de março de
1893. Casou-se com o poeta Rodolfo de Melo
Machado em 1910. Teve dois filhos: Hélio e
Eros. O marido, Rodolfo, faleceu em 1923. Viúva
aos 30 anos, lutou muito para sobreviver e
educar os filhos, sem atender às soluções que a
repugnavam. Em 1965, ano do cinquentenário
de sua estreia, inseriu na antologia Velha Poesia,
inúmeros poemas inéditos que falavam de seus
desenganos e na proximidade da morte.
Seu interesse pela poesia começou na infância,
mas sempre precisou conciliar a vida difícil
com a atividade literária. Já casada e com filhos,
trabalhou como diarista na Estrada de Ferro
Central do Brasil, recebendo um magro salário.
Estreou nas letras vencendo um concurso
literário do jornal A Imprensa, dirigido por José
do Patrocínio Filho. Na ocasião, houve manifestação
extremamente negativa, qualificando seu
trabalho como imoral. Alguns críticos, os mais
novos, reconheceram a importância da sua proposta,
que pretendia a libertação dos sentidos e
dos instintos. A obra de Gilka Machado pertence
ao Simbolismo, e dela adota as imagens mais
recorrentes. Contudo, Gilka buscou a ruptura
com seus contemporâneos, não só pela ênfase
na temática do erotismo, mas também pela referência
a aspectos sociais que oprimem a mulher.
Utilizou-se, quase sempre, de elementos simbólicos
com os quais introduz a sua mensagem: a
flor, os gatos, a noite, o vento. Seu objetivo é
discutir o desejo feminino; executa o seu propósito
empregando recursos de linguagem que invocam
sensações.
Além de talentosa poeta, Gilka também
era uma mulher do seu tempo, que participou
dos movimentos em defesa dos direitos das mulheres.
Fez parte do grupo da professora Leolinda
Daltro que fundou em dezembro de 1910 o
Partido Republicano Feminino, do qual foi segunda
secretária.
Seu primeiro livro de poesia, Cristais Partidos,
foi publicado em 1915. Em 1916 foi publicado
A Revelação dos Perfumes. Em 1917 publicou
Estados de Alma e, em seguida, em 1918,
Poesias, 1915/1917, Mulher Nua, em 1922, O
Grande Amor, Meu Glorioso Pecado, em 1928,
e Carne e Alma, em 1931. Em 1932, foi publicada
em Cochabamba, Bolívia, a antologia Sonetos
y Poemas de Gilka Machado, com prefácio
Antonio Capdeville. No ano seguinte, a escritora
foi eleita "a maior poetisa do Brasil", por concurso
da revista O Malho, do Rio de Janeiro. Sublimação
foi publicada em 1938, Meu Rosto em
1947, Velha Poesia em 1968 e em 1978 a partir
de uma seleção pessoal dos livros: Cristais Partidos,
Estados de Alma, Mulher Nua, Meu Gloriosos
Pecado e Velha Poesia, publicou Gilka Machado
– Poesias Completas.
Recebeu o Prêmio Machado de Assis, concedido
pela Academia Brasileira de Letras, em
1979. Faleceu no Rio de Janeiro, a 17 de dezembro
de 1980.
"Se é intensiva a experiência de Gilka Machado,
como poetisa e mulher reivindicadora, há
outras barreiras a vencer entre a militância
poética e a militância doméstica. Havia uma distância,
na sua época, entre o campo da sacralidade
da arte e certos aspectos da vida rotineira,
03
Chicos
que o simbolismo intensifica, o modernismo desenvolve
e autoras mais contemporâneas, como
Adélia Prado, consumam. Gilka Machado, a viúva
do poeta Rodolfo Machado, a mulher dona
de pensão que cozinhava para tantos poetas de
sua época, como Tasso da Silveira e Andrade
Muricy, por exemplo, enquanto fazia poesia, esta
ainda habita os porões do cenário poético. Já
fizera emergir dos porões, no entanto, um dos
'monstros' proibidos: o modo de representação
da ansiedade erótica que delineia um projeto
novo ou um novo jeito de querer ser mais mulher;
e que justifica, penso eu, o considerar a
poesia de Gilka Machado como precursora na
luta pelos direitos de acesso à representação do
prazer erótico na poesia feminina brasileira."
Gotlib, Nádia Battella [1982]. Com dona
Gilka Machado, Eros pede a palavra: poesia erótica
feminina brasileira nos inícios do século XX.
Polímica: Revista de Crítica e Criação. p.46-47.
‘toda nua, completamente exposta à volúpia do
vento’”.
“Gilka foi a primeira mulher nua da poesia
brasileira”, escreveu Carlos Drummond de Andrade,
na sua coluna do dia 18 de dezembro de
1980, no “Jornal do Brasil”, dedicada à memória
da poeta, que havia morrido naquela semana.
“As mulheres que gozam hoje de plena liberdade
literária para cantar as expansões do instinto
e as propriedades eróticas do corpo deviam ser
gratas a essa antecessora, viúva pobre que ganhava
a vida com esforço e gostava de estar
Gilka Machado – Desenho em lápis
de cera de Amaury Menezes (neto)
Fontes:
Gilka Machado Poesias Completas / Léo Christiano
Editorial Ltda/1991
Gilka Machado Poesias Completas / Selo Demônio
Negro/2017
Gilka da Costa de Melo Machado - BNDigital
https://bndigital.bn.gov.br
Resgate de memória: Quem foi Gilka Machado?
- Adriana Caló em http://obviousmag.org/
04
Chicos
Ser mulher
Gilka Machado
Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada
para os gozos da vida; a liberdade e o amor;
tentar da glória a etérea e altívola escalada,
na eterna aspiração de um sonho superior...
Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
para poder, com ela, o infinito transpor;
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um senhor...
Ser mulher, calcular todo o infinito curto
para a larga expansão do desejado surto,
no ascenso espiritual aos perfeitos ideais...
Ser mulher, e, oh! atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!
Em Cristais partidos (1915).
05
Chicos
Olhos verdes
Há na vibrante côr dos teus olhos, criatura,
a virential frescura
dos verdes e viçosos vegetais;
teus olhos são, na cor e na espessura,
florestas virginais,
onde das ilusões o álacre bando
passa, de quando em quando,
cantando...
Olhos de expressões graves e fidalgas,
postos na introversão dos íntimos cismares.
Olhos que lembram solitárias algas,
pompeando à superfície esmaecida dos mares.
Olhos onde do olhar alheio mal escondes
a tua alma asteroide, a tua alma singular,
pois, coma através das frondes
coam-se pelo espaço as filandras do luar,
tua alma os olhos te ablui, inunda,
transvaza e o rosto te ilumina e banha
de uma luz albugínea, luz estranha,
luz que do luar suponho oriunda.
Há nos teus olhos a verdura intensa
das águas mortas, das estagnações,
e quem os vê, depressa, pensa
ver tenros tinhorões...
06
Chicos
Olhos de cujo olhar os gonfalões desfraldas,
e deixas a rolar por todo o ambiente,
como uma chuva undante, uma chuva esplendente,
uma deliquescência de esmeraldas.
Quando entreabro do sonho os fenestrais postigos
e aos teus olhos amigos,
para melhor os ver, envio o olhar,
tuas pupilas julgo orvalhados pascigos
onde, sempre a pastar,
vive, das ilusões próprias só das criancinhas,
o armento de ovelhinhas.
Olhos que lembram folhas pendidas,
folhas do vento na asa levadas,
postas em tristes, hiemais jazidas
de alvacentas estradas.
Olhos macios,
cujos olhares suponho rios
a desaguarem nos olhos meus;
olhos de tal misticismo feitos
que, olhos hereges ficam sujeitos,
só por fitá-los, a crer em Deus.
Divinos olhos, cujas pupilas,
langues, tranquilas,
são duas malvas,
malvas escuras,
abertas sempre sobre as brancuras
das córneas alvas...
07
Chicos
Olhos com os quais meus olhos maravilhas
de luz,
olhos que são abandonadas ilhas
do oceano à flux...
Ilhas distantes,
aparecidas em alto mar,
onde os meus olhos – dois navegantes,
andam buscando sempre aportar.
Olhos serenos, olhos de criança,
de olhar queixoso como onda mansa,
como onda calma,
que lasso, leve, langue se lança
na praia solitária da minha alma.
Olhos solenes e cismadores,
verdes como os oceanos, como as franças,
olhos – embalsamadas esperanças
postas sobre o brancor de estáticos andores.
Olhos tristonhos,
por onde vejo, em procissão e em coro,
desfilarem verdes sonhos,
sob os arcos triunfais dos supercílios de ouro.
Em Cristais partidos (1915).
08
Chicos
Particularidades
Muitas vezes, a sós, eu me analiso e estudo,
os meus gostos crimino e busco, em vão torcê-los;
é incrível a paixão que me absorve por tudo
quanto é sedoso, suave ao tato: a coma... Os pelos
Amo as noites de luar porque são de veludo,
delicio-me quando, acaso, sinto, pelos
meus frágeis membros, sobre o meu corpo desnudo
em carícias sutis, rolarem-me os cabelos.
Pela fria estação, que aos mais seres eriça,
andam-me pelo corpo espasmos repetidos,
às luvas de camurça, às boas, à pelica...
O meu tato se estende a todos os sentidos;
sou toda languidez, sonolência, preguiça,
se me quedo a fitar tapetes estendidos.
Tudo quanto é macio os meus ímpetos doma.
E flexuosa me torna e me torna felina.
Amo do pessegueiro a pubescente poma,
Porque afagos de velo oferece e propina.
O intrínseco sabor lhe ignoro; se ela assoma,
No rubor da sazão, sonho-a doce, divina!
Gozo-a pela maciez cariciante, de coma,
E o meu senso em mantê-la incólume se obstina...
09
Chicos
Olhos com os quais meus olhos maravilhas
Toco-a, palpo-a, acarinho o seu carnal contorno,
Saboreio-a num beijo, evitando um ressabio,
Como num lento olhar te osculo o lábio morno.
E que prazer o meu! Que prazer insensato!
- Pela vista comer-te o pêssego do lábio,
e o pêssego comer apenas pelo tato.
Em Estados de Alma (1917).
10
Chicos
Página esquecida
Traço estas linhas preguiçosamente;
os olhos cerro de quando em vez,
para não ver, para te ver, talvez...
Sinto que vive, por esta hora umente,
qualquer coisa animal na minha tez...
Tenho flexões de gata e de serpente.
Estás dentro da minha conjectura,
e se há tão longo tempo me não vês,
vejo-te bem, por esta noite escura;
vejo-te sim! dirás: “Uma ilusão!”
dirás: “Uma doidice!!”;
Vejo-te sempre! E os olhos cerro, e, então,
minhas pálpebras têm toda a ternura
de dois lábios que um beijo reunisse:
Meus olhos beijam-te a visão.
No vestido que trago
há um macio debrum, debrum de arminho;
este vestido, em qualquer parte,
faz-me sentir-te, faz-me gozar-te
roçando-me a garganta, de mansinho,
de um modo quase etéreo, muito vago.
Acham-me todas diversa, estranha,
sempre que este vestido me acompanha.
Assim feito, enfeixando numa boa,
este vestido (devo t’o dizer)
me enlanguece, me acarinha, me atordoa
e me sufoca de prazer.
11
Chicos
Traço estas letras serpentinamente,
as suas curvas te descreverão
as indolências que meu corpo sente.
Além, no vácuo do ar, na amplitude da noite.
arrepiando a mudez dormideira do ambiente,
o Inverno passa, tremulamente,
procurando o calor de uma alma onde se acoite...
Se eu lhe pudesse abrir meu coração!
Escrevo-te e quisera te esquecer;
escrevo-te consciente da loucura
de te querer.
Vem do solo, vem do ar, vem de todos os lados,
um frio que me cerca, me procura,
emprestando ao calor da ânsia que me tortura
arrepios elétricos, gelados,
Escrevo-te emaciada de meiguice,
na funda excitação de uma enorme saudade,
sentindo toda a lírica velhice
do Inverno se espasmar na minha mocidade.
Em Mulher Nua (1922).
12
Chicos
Felina
(À minha gata)
Minha animada bola de veludo,
minha serpente de frouxel, estranha,
com que interesse as volições te estudo!
Com que amor minha vista te acompanha!
Tens muito de mulher, nesse teu mudo,
lírico ideal que a vida te emaranha,
pois meu ser interior vejo desnudo
se te investigo a mansuetude e a sanha.
Expões, a um tempo langorosa e arisca,
sutilezas à mão que te acarinha,
garras à mão que a te magoar se arrisca.
Guardas, ó tato corporificado!
A alta ternura e a cólera daninha do
meu amor que exige ser amado!
Em Mulher Nua (1922)
13
Chicos
Impressões do gesto
(A uma bailadeira)
A tua dança indefinida,
que me retém extática, surpresa,
guarda em si resumida
a harmonia orquestral da natureza,
a euritmia da Vida.
Danças...
Teus lentos
movimentos
lembram-me o despertar preguiçoso das franças
à carícia dos ventos.
................................
Danças...
Teu corpo tem
todas as nuanças
da onda que vai e vem...
Danças... E um movimento ininterrupto e insano
põe no teu ser divinamente humano
palpitações de oceano.
...................................
Danças... Nas atitudes que ora assumes,
a tua forma delicada, esguia,
sobe espirala, rodopia,
e se estira... E desliza...
Fica entre o olfato e o olhar
a minha sensação que se torna imprecisa,
pois ou teu corpo ora se vaporiza
14
Chicos
ou com certeza todos os perfumes
nele se vieram corporificar.
...............................
Danças... Ligeira como te aprumas,
como te elevas das coisas rasas,
teu ser enfeixa nivosas plumas,
teu frágil ser é uma saudade de asas.
Danças e cuido que estejas voando,
pois toda em voos te transfiguras,
teus membros lembram aves em bando
no anseio das alturas.
.............................
Danças... Teus gestos são carícias mansas,
a tua dança é um tateio vago,
é o próprio tato dedilhando
as melodias do afago...
Danças, e fico, a quando e quando,
presa de gozo singular;
e sonho que me estás acariciando,
e sinto em todo o corpo o teu gesto passar.
...................
Danças... Teu ser é a imagem da Harmonia,
acorda nele, para meus sentidos,
a alma de todos os ruídos.
Danças... E enquanto meu olhar te espia,
ouvem os meus ouvidos
uma nova, uma estranha sinfonia...
Ora encolhendo, ora alongando os braços,
da tua própria carnação arrancas
15
Chicos
maviosidade brancas
musicando o silêncio dos espaços.
...........................
Danças, E toda te espreguiças,
e vais ficando parada...
Não se movem teus membros, mas, em cada
linha, tens atitudes movediças;
teu corpo é a dança marmorizada;
quando o quedas assim, por um momento,
observa nele meu olhar atento
das curvas o bailado.
.............................
Danças, os membros novamente agitas,
todo teu ser parece-me tomado
por convulsões de dores infinitas...
E desse trágico crescendo
de gestos que enchem o silêncio de ais,
vais
smorzando, descendo,
como que por encanto,
presa de um místico quebranto...
Danças e cuido estar em ti me vendo.
Os teus meneios
são
cheios
de meus anseios;
a tua dança é a exteriorização
de tudo quanto sinto:
minha imaginação
e meu instinto
16
Chicos
movem-se nela alternadamente;
minha volúpia, vejo-a torça, no ar,
quando teu corpo lânguido, indolente,
sensibiliza a quietação do ambiente,
ora a crescer, ora a minguar
numa flexuosidade de serpente
a se enroscar
e a se desenroscar.
Em tua dança agitada ou calma,
de adejos cheia e cheia de elastérios,
materializa-se minha alma,
pois nos teus membros leves, quase etéreos,
eu contemplo os meus gestos interiores,
meus prazeres, meus tédios, minhas dores!
Não dances mais, que importa, ó bailadeira linda!
A tua dança para mim é infinda,
vejo-me nela, tenho-a dentro de mim,
constantemente assim!
Nos meus gestos retidos vive presa
como na tua dança extraordinária,
toda a expressão múltipla e vária
da Natureza.
No mais alto prazer, no mais fundo pesar,
ativa esteja, esteja embora langue,
tenho-te na loucura de meu sangue
para o Bem, para o Mal, a bailar, a bailar!...
Em Mulher Nua (1922)
17
Chicos
O retrato fiel
Não creias nos meus retratos,
nenhum deles me revela,
ai, não me julgues assim!
Minha cara verdadeira
fugiu às penas do corpo
ficou isenta da vida.
Toda minha faceirice
e minha vaidade toda
estão na sonora face;
Naquela que não foi vista
e que paira, levitando,
em meio a um mundo de cegos.
Os meus retratos são vários
e neles não terás nunca
o meu rosto de poesia.
Não olhes os meus retratos,
nem me suponhas em mim.
Em Velha Poesia (1922)
18
Mulheres & Letras
Chicos
* Emerson Teixeira Cardoso
Quando o assunto é mulher não falta ao
ensaísta Guilhermino Cesar um afago: as mulheres
gaúchas, segundo ele, participaram ativamente
do processo econômico naquela região, e
por isso caminharam precocemente para o magistério,
a imprensa, o livro, enfim, para as ocupações
liberais.
Isto, principalmente levando-se em conta
que a escravaria, por lá não medrou como ocorreu
nas regiões onde dela lançou mão o senhor
de engenho. Nem ao açoriano, nem aos colonos
italianos ou alemães foram outorgados esses direitos,
já que a legislação imperial não permitia
o trabalho servil nos lotes da colônia, daí formando
por ali, uma sociedade menos marcada
pelo aviltamento do trabalho atribuído ao negro.
"A mulher era mais parceira do marido do
que o seu aí Jesus cercado de mucamas, tafularias
e babados" como se expressou no seu
"Notícias do Norte", o famoso historiador
O mesmo se pode dizer no que concerne
ao fazer literário: a primeira pessoa a publicar
uma obra em versos na província foi a ceguinha
do Rio Grande, Delfina Benigno da Cunha. Seus
poemas, Poesias oferecidas às senhoras riograndense
apareceram em l834.
Maria José Barreto, publicando na revista
Guanabara, surgiu também no cenário literário
do Sul, como exemplo de mulher determinada.
Militou na política e na literatura da época, cuja
característica principal foi a exasperação romântica
e a ideologia. Outra, que como a primeira,
foi adversária dos Farrapos que experimentou o
sabor de sua pena.
"de faca na bota", segundo a expressão de
Guilhermino Cesar, fundou um jornal:"Belona
irada” contra os sectarismos de Momo que não
era bem o que se poderia chamar de jornal. Seria
antes um Pasquim com o intuito de desancar
aqueles que aderiam a folia grossa. Achando
pouco, fundou outro, "Idade de Ouro", um dos
primeiros de nossa imprensa.
Dentre as poetisas esquecidas de nossa literatura,
só uma havia publicado em livro: Maria
Clemência da Silveira Sampaio. Mas de acordo
com fontes fidedignas a gauchinha dos "Versos
heroicos", dedicados a d. Pedro I, publicado na
imprensa régia, revelava mais senso prático que
talento poético. Mas sobravam lhe conhecimentos
dos assuntos de comércio, transportes e lavoura
do Rio Grande.
Como verificamos, a literatura feminina do
Brasil nos seus primórdios estava estritamente
ligada à vida política e à vida econômica.
Em l925, antes de Manuel Bandeira escrever
os seus versos a Baco, a Momo e a Vênus na
abertura do seu "Carnaval", uma mulher o antecipou
em despudor do estro. Era Gilka Machado
que com 22 anos publicou o seu livro de estreia,
"Cristais partidos".
Nele ela estampou versos assim: "Uma brisa
sutil, úmida, fria, lassa / erra de quando em
quando. É uma noite de bodas/ Esta noite.../ Há
por tudo um sensual arrepio. / Sinto pêlos no
vento... é a volúpia que passa / Flexuosa, a se
roçar por sobre as coisas todas/ tal como uma
gata errando em seu eterno cio".
Com todas essas cousas, pêlos e cios, como
ela mesmo dizia teriam sido esses versos escritos
anos antes, nos seus treze. Segundo Ruy
19
Chicos
Castro em "Metrópole a Beira Mar”, aos catorze
anos, ela inscrevera-se num concurso promovido
por um jornal da época com três poemas. Um
em seu nome e dois usando pseudônimos. Ganhou
o primeiro prêmio com seu nome e com os
pseudônimos, os demais.
Um leitor, acreditem, era Mario de Andrade
ainda muito jovem, escreveu: " E ainda diz
está senhora que lhe foi a mãe, a melhor das
amigas; inimiga, e das piores, deve ter sido, pois
não lhe ensinou, sequer moral."
Era a primeira vez que a libido aparecia na
literatura?
Claro que não, mas na expressão de uma
mulher, sim.
Desconfio que teria antecipado Freud e
seus estudos sobre o inconsciente e o papel do
desejo no comportamento humano, quando escreveu
versos assim: " E sintamos então, imóveis
lado a lado / essa náusea esse tédio, esse
aniquilamento que vem sempre depois de um
desejo saciado."
Enfrentou a ira dos moralistas como Ruy
Barbosa, que a acusou de grafar “coisas plebeias,"
no entanto, a maior parte desses ataques
vinham de revistas religiosas, nem sempre assinados,
mas a crítica literária a incensou, ganhando
elogios de Emílio Moura, José Veríssimo e
até dos mais exigentes como Agripino Grieco.
Flores, noites, perfumes, eram elementos
comuns em seus versos." Há no Rio a tristeza, a
cólera, e o prazer / Em seu constante curso ele
nos manifesta todas as vibrações vitais do humano
ser / e julgo o quando o vejo espreguiçando a
sesta / um sátiro com o corpo encurvado a lamber
/ o ventre virginal e verde da floresta.”
Dizia dela Pedro Nava nas suas memórias
encaixadas em quatro volumes rasgados elogios
tendo a visto na Garnier nos seus 23 anos em
flor com suas roupas, seus veludos, seus talcos,
como se penetrassem a carne, só os olhos brilhando
como estrelas, toda ela sorrindo numa
doçura de pistache.
Conta-se que seus livros eram editados às
próprias custas pois todas as editoras da época
os recusavam.
Com tudo isso fora um fenômeno literário.
Os jovens não se satisfaziam em ler os seus livros,
iam também aos recitais para vê-la declamar
de viva voz os seus poemas como nos diz
Ruy Castro.
Em l933 foi eleita a maior poetisa brasileira
do século numa consulta popular.
Não era de admirar: sua avó paterna era
cantora lírica e professora de italiano que fora
casada com um violinista clássico português.
Este professor de música dos netos de D. Pedro
ll. Seus avós, amigos de Olavo Bilac, Chiquinha
Gonzaga e Alberto Nepomuceno.
Gilda ao se casar teve uma filha Eros Volusia,
inventora da dança brasileira.
Quer mais? É pouco?
* Emerson Teixeira Cardoso
Nasceu em Cataguases MG, é autor de Símiles (2001) poesia, coautor de A casa
da Rua Alferes e outras crônicas (2006). Traduziu O retorno do nativo de Thomas
Hardy. Sempre ativo em publicações literárias. Iniciou-se em Estilete (1967),
mimeografado, editor/fundador do Delirium Tremens (1983) e Trem Azul
(1997).
20
Chicos
Essas mulheres perdidas
*Eunice Odio
A Nicolás Guillhén, enorme poeta e grande amigo.
Essa mulher que vimos
colada à luz,
a apropriar-se dos faróis,
de olhos caídos nos passeios,
Senhora rígida e solitária,
E há de morrer
um dia destes.
Disse-me em segredo
aquele senhor que se alimenta de luminosos
e esfumados diminutivos
pelas salas da fluoroscopia.
Já a tinha visto uma vez;
a esquivar-se
entre vozes e corpos
masculinos,
Senhora rígida e solitária na penumbra,
limpa de claras presenças,
21
Chicos
perdendo-se nos braços fundos
dos prostíbulos,
sedutora de matizes duvidosas,
enlutado de trevos
o corpo um inteiro gomo
de ângulos noturnos,
marchando atrás das vozes violentas e ásperas
entre ervas doutrinárias
e displicentes caçadas,
e agora há de morrer,
em declínio,
tenaz na sua morte,
aquático o passo
interrompido e pesado,
Senhora rígida e solitária.
Limpa de claras presenças.
Em: Os elementos terrestres e outros poemas (2020)
Edição portuguesa - Tradução de Luiza Nilo Nunes
* Eunice Odio
Eunice Odio, pseudônimo de Catalina Mariel nasceu em San José, Costa Rica em
18.10.1919 e faleceu na cidade do México em 23.03.1974. Poeta costarriquenha cuja
obra se situa na transição entre o realismo e a vanguarda, sobretudo na corrente
surrealista. Publicou entre outros: Los elementos terrestres (1948), Zona en território
del alba (1953), O trânsito de fogo (1957), El rastro de las mariposas (1970), Territorio
del Alba y Otros Poemas (1974).
22
Chicos
Passarinho
*Marcelo Benini
Só sei fazer poemas com passarinho
Todas as palavras cabem em passarinho
Dor, por exemplo, é uma palavra que
A gente não pensa em passarinho
Mas dor é passarinho
Na palavra gaiola
Saudade é uma palavra passarinho
Que procura terras distantes
Deus é passarinho no mamão
Amor é a palavra passarinho disfarçada
De passarinho.
23
Chicos
Terra sem males
Todas as palavras rudes
Formam as montanhas que foi um dia
Minas Gerais
Toda máquina renasce
No contingente ser das máquinas
Todo o embaraço humano
Ignorado pelos gatos
Todo vazio entre átomos
Tudo que se rompeu
Fios, barragens, amores
Tratados
Restos de construções gramaticais
Anais das instituições
A promessa de vir e não vir
Vidas em corpos arrestados
Presos a esse imenso vazio
Que desmatamos
As cidades são pastos cinzas
Sem onças
24
Chicos
Apanha-se a vida no chão
Até que haja o consenso de que todo pasto
É cinza
Fica mesmo é um mato
Um imenso
De precários rebocos.
25
Chicos
O pintor zombeteiro
Revisitemos as obras do pintor
Zombeteiro
A amante na parede
Ando afastado dos sorrisos
Árvores onde as araras pastam
Fava-de-anta, caliandra e curiango
No instante em que a luz acaba
Ciência, religião e farmácias
Em outubro já quase não somos
Nus e narizes
Moças de beleza vasta
Mulher sem bruma
O sussurro da carne no nada
A tristeza que faz ninho
No olhar dos homens
Ri-se de nós o pintor zombeteiro
Sem nos darmos conta.
.
26
Chicos
Flores de Kafka
As cores sequestradas
Mistificadas em jardins
Ciano, magenta, amarelo e preto
Adesivos, banners, catálogos, prospectos
Brindes, camisetas, painéis
Uniformes anunciam a impossibilidade
De não estar mais dentro daquelas cores
De viver além do azul ou do vermelho
De fugir da identidade
De jogar o corpo fora da escala.
Em Poemas do Núcleo Rural (2022)
* Marcelo Benini
Marcelo Benini nasceu em Cataguases MG, Vive em uma área rural próxima a Brasília DF.
Publicou O Capim Sobre o Coleiro (poesia/2010/edição do autor); O Homem Interdito
(crônica/2012/Intermeios); Fazenda de Cacos (poesia/2014/Intermeios); Currais Concretos
(poesia/2018/Intermeios); Poemas do Núcleo Rural (poesia/2022/Penalux).
27
Chicos
Repolho de primavera
*Ruriko Mizuno
Embora parte por parte
dispersaram-se para o ar,
ao subir a longa escadaria,
tecida com fibras de ervas,
você pode ver o interior do repolho
através da rachadura do céu.
Se for na primavera,
na parte inferior do estábulo verde,
cavalos
eles incubam como mariposas.
Capacetes transparentes
arranhar insistentemente
o interior da casca de ovo,
e tentáculos em forma de penas
eles se estendem para o céu.
(O dia do repolho é interminável...)
Vire o sol triguenho.
Sobre o coração espesso
senta-se um homem pequeno.
Você vê algum objeto em suas mãos fechado com distração...
Será uma trombeta?
Ou um chicote?
28
Chicos
Enquanto o homem está de plantão por cem anos,
o repolho ainda está amadurecendo lentamente.
Com a orelha afiada,
você ouve sem parar o som com o qual as folhas estão embrulhadas
em algum lugar no cofre celestial,
e o coração do repolho
permanece na escuridão da nebulosa.
* Ruriko Mizuno
Ruriko Mizuno nasceu em Tóquio, 1932 e mora em Yokohama no Japão. Estudou
literatura francesa na Universidade de Tóquio. Traduziu para o japonês Décimas,
autobiografia poética de Violeta Parra. Publicou entre outros, os livros A enciclopédia
ilustrada dos animais (1977), O cavalo de Rapunzel (1987), Irmã mais nova de
olhos castanhos (1999).
29
Chicos
As últimas palavras
*Paschoal Motta
Dedicado a Bruno Pereira, indigenista, assassinado e ao jornalista inglês, Dom Phillips,
também morto. Ambos defendiam a integridade dos índios e da floresta, divulgando
os crimes cometidos no Vale do Rio Javari, na Amazônia Legal.
Canto seu nome e nossa breve história
com as últimas palavras rabiscadas
nas folhas puídas deste caderno infantil:
Ninguém, além de nós, há de aqui decifrar
nossas canções de celebrar a primavera,
com sua graça de água nascente e limo.
Hei de harmonizar as notas dos seus sentidos
com as fomes repetidas e sedes ao redor,
tão esperançados éramos de rio, remanso e peixe.
Ainda cravarei, no perene bronze, seu nome
para a posteridade dos incrédulos,
com seu esplendor inteiro de luz, azul e verde.
Volto a rimar, no compasso dos cândidos risos,
com os ouros do arco-íris nas grimpas,
o tudo mais quando, de incautos, nem sabíamos.
30
Chicos
Em dias sobre dias, e agora neste inverno,
já distantes de sombras acumuladas,
vamos ensaiando tons com viços de juventude.
* Paschoal Motta
Nasceu em São Pedro dos Ferros (MG), mora em Belo Horizonte (MG). Jornalista, Crítico
de Literatura, professor universitário de Literatura Brasileira e Linguística, Teoria
da Literatura, Didática de Literatura Portuguesa. Editor do Suplemento Literário do
Minas Gerais.
31
Chicos
A casa
*Amosse Mucavele
Nomeei lugares/ onde se esparrama a ternura/ e estou só e comigo
Jorge Luís Borges
retomo a
infância
com a memória que habita
a casa que me devolveu à luz
na sala, ergo o corpo do coração
quando tudo arde
e quando tudo arde
prolongo a polifonia das estórias contadas
em noites onde jaz a saudade
meus avós tinham cabelos brancos
a derramarem em ruínas da minha presença
um rio interminável a luzir
no madrigal cântico dos pássaros
meus avós tinham os olhos de cor nutritiva
perenes nos sulcos do tempo
a soar no tabuleiro da alegria
distantes
acolhem-me nas manhãs rendidas
às pétalas da ausência
32
Chicos
na velha casa
a solidão traça uma rotina fúnebre
quando o desejo não sacia as lágrimas
a enxaqueca permanece em vigília
meus olhos assombrosos de tanto chorar
eternizam uma dor já sem nome
nas chaves que as tomo em mãos
ardentes cintila a lembrança
quando tudo se recompõem
no álbum de fotografias
33
Chicos
Maputo
A cidade é a cédula de um sono rastejante
com assinaturas das águas sob o papel
de plumas
a chorar de medo
das suas vozes sujas
do congestionamento
menstrual das luzes
Em Pedagogia da ausência (2020)
* Amosse Mucavele
Nasceu em Maputo, Moçambique, onde vive. Poeta e jornalista cultural, Com textos
publicados em diversos jornais do mundo lusófono, publicou os livros: A Arqueologia
da Palavra e a Anatomia da Língua – Antologia Poética, (2013), Geografia do Olhar:
Ensaio Fotográfico Sobre a Cidade (2016) e Pedagogia da Ausência (2020.).
34
Chicos
Ipê Florido
*Flausina Márcia
A graça de tudo está
cai ao gosto e ao gesto
de ser pétala em flor
com cheiro invisível
delicadeza de tronco
Ensinamento raiz
Arvora-se, cresce e
aparece, é luz e cor
é ponto de exclamação
altivez a bordar o céu
Linha rosa arraial
Mostra agulha no palheiro
descortina rios e mares
ainda que transbordados
Frio de festa na alma
35
Chicos
Na história do florescimento
é preciso aguentar o tranco
A desordem, nem se diga!
Diz o desejo que sabe de si.
Junho/2022
* Flausina Márcia
Nasceu em Cataguases (MG) e mora em Belo Horizonte (MG) onde trabalhou
na Secretaria de Cultura de Minas Gerais. Publicou, entre outros, Vagalume
(2002), Sua Casa Minha Cruz (2003) e Poemas Declives (2014).
36
Chicos
Em vão
*Leonardo Campos
Quando dei
a largada, já não
havia pegadas
Nenhuma disputa
em curso
Nenhuma linha
de chegada.
*Leonardo Campos
Leonardo de Paula Campos, nasceu em Cataguases MG, onde mora. É poeta e professor.
Além de participar várias publicações literárias. Publicou o livro Alma de brinquedo
(poesia) em 2010
37
Chicos
Expresso 2222
*Helen Massote
Em tempos imemoriais
fomos uma terra boa
de fartura e esperança
Em tempos presenciais
somos um país
de fome e desespero
Assim fomos descobertos
Assim continuamos
Há um caminho curto
entre o céu e
o inferno
Abrimos a porta errada
Somos um povo
que não precisa
mudar o destino
mas o tempo
presente
*Helen Massote
Nasceu em Belo Horizonte (MG) e mora no Rio de Janeiro (RJ). Redatora, poeta e
cronista trabalha no Portal Fiocruz.
38
Chicos
Cena
*Ronaldo Cagiano
Oblíquo,
um homem atravessa
a rua ao meio-dia
e seu corpo
é um baú de cansaços
onde labirintam mistérios
Enviesado,
não se importa
com metafísicas nem chocolates
e nenhuma tabacaria por perto
secreta o espanto
que o habita
Silêncio
ou vômito
apascentam
essa solidão ambulante
Em Cartografia do abismo
* Ronaldo Cagiano
Nasceu em Cataguases MG, mora atualmente em Portugal. Publicou, entre
outros, Dezembro indigesto (Contos, Prêmio Brasília de Produção Literária
2001), O sol nas feridas (Poesia, Finalista do Prêmio Portugal Telecom 2012),
Eles não moram mais aqui (Contos, Prêmio Jabuti 2016), Todos os desertos: e
depois? (2021), Horizonte de espantos (2022).
39
Chicos
Adiós a un tiempo
*Arturo Herrera
También he sentido este otro adiós,
el de “aquí nos conocemos todos”.
Camino entre rostros nuevos y últimos;
crecen los nombres de las calles.
Barrios que tocan la montaña,
casas que allanan la dura vegetación del horizonte,
quintas que son baldíos de cemento,
estériles baldíos de tres o cuatro pisos;
hombres en el recuerdo,
gente en el olvido.
El ayer, leve huella en fino polvo,
parece borrarse y borrarnos.
A pesar del viento,
hoy me madrugó una calandria,
la misma de una Catamarca que ya no habito.
* Arturo Herrera
Nasceu em Catamarca, Argentina, onde reside. Professor, pesquisador, poeta
e ensaísta, é autor entre outros dos livros: Obsesions -Tasco (1991), Borges:
reescritura y voces confluentes (2001), Dones de la vigilia (2005), Luis Franco
y la tradicion clássica (2015), Mariposa tinta (2016) e Cantos de Cipariso
(2021)
40
A Árvore do Esquecimento
Chicos
*Fernando Abritta
Talvez não entenda
a lenda silenciosa em mim
10 - Moleques servem à rainha
(Em mim, Luiz Ruffato)
No mar calmo, navio negreiro descansa da longa travessia. Tempestades e fortes ventos
desviaram sua rota (coisa dos Orixás, travessuras de Exu) e o colocaram nas águas do
porto de São Luiz, Maranhão. Destino original era Recife, Salvador e Rio de janeiro.
Dentro levava muitos escravizados e uma rainha esposa do poderoso rei Agonglô que
morreu deixando dois sucessores: Adandozan, o regente, para reinar até quando Guezo,
o rei bebê filho de Nã Agotimé, estivesse pronto. Do alto de seu trono Adandozan determinou
e entregou aos brancos negreiros mãe de rei infante para que nunca ninguém
mais a visse e nem lembrasse da ordem dada por Guezo. Fez Nã Agotimé rodar tronco
da árvore que rouba memórias, a árvore do esquecimento. Fez dela escrava de brancos
que a levaram para que sumisse no outro lado das águas em terras desconhecidas.
Levava porque agora a rainha Nã Agotimé, sua ama e dois moleques foram enviados
para serem vendidos no mercado da cidade para cobrir despesas da viagem.
Aqui estou cantando.
O vento me leva.
Estou seguindo os passos dos que morreram.
Foi-me permitido vir à montanha do poder.
Cheguei à Cordilheira do Céu.
O poder daqueles que morreram retorna a mim.
Do infinito me falaram.
41
Chicos
As pegadas dos que se foram estão aqui.
Canto selk’nam, Terra do Fogo,
recolhido por Martím Gusinde.
Vodum balança contas que lhe cobrem o rosto e assume a condução da história.
VODUM fala:
Em mim Oyá abre troncos de baobá,
nos galhos oferece folhas ao chá.
Em meu sangue Oyá, senhora da terra,
Naná Nanã Iansã,
em meu sangue fala.
Em mim mergulha Iemanjá
no sangue quente e nada,
velha dona do mar
e minha boca fala.
Em mim Xangô,
relâmpago e fogo,
seu machado bate coração
e pulsa som do tambor,
E ecoa e fala.
Oxum em mim escorre como água,
em minha língua molhada fala.
Fincada no chão da África,
Árvore do Esquecimento,
com todas as memórias roubadas,
guardou história de Nã Agotimé.
Enquanto seu filho Guezo
crescia, se fortalecia até que,
passados vinte anos, ele
derrubou Adandozan do trono.
42
Chicos
E outra vez a Árvore do Esquecimento
foi solicitada em seus serviços
de dissolver memórias.
Adandozan morto, governo findo,
Guezo fez seu trono girar
e girar muitas vezes
a Árvore do Esquecimento.
Negou a ele, ao trono de Adandozan,
espaço no altar dos antepassados,
lugar ao lado dos tronos todos
dos antigos reis de seu povo,
de forma que no círculo dos velhos
Adandozan não achasse lugar,
Adandozan espírito vagasse só,
sem pouso, sem assento, sem lugar.
Da mesma forma que foi feito
com sua mãe, Guezo entregou
ao branco negreiro o trono
do rei deposto, derrotado, destronado,
que navio negreiro o levasse e
fosse embora como oferta
ao jovem imperador brasileiro.
Em troca, voltassem com Nã Agotimé,
ao seu convívio trouxessem
de volta a rainha-mãe.
SENHOR PARDO se lamenta:
43
Chicos
De que me servem esses negros,
ser senhor, produtor, fazendeiro,
nessa terra sem conforto, diversão, lazer?
Meu queijo chega rançoso da França,
meu azeite de Espanha chega aguado,
meus chapéus ingleses amarrotados.
De que me vale o poder de chicotear,
estropiar, explorar esses escravos,
enquanto alimento esse rei português
e dele a mim chegam só deveres,
taxas, impostos, juros.
Como ser livre carregando essa corja real?
VODUM fala:
E não encontrando Nã Agotimé,
Guezo mandou embaixadores,
seu irmão de guerra e outros
vasculharem portos negreiros
de todas as Américas à procura
da rainha-mãe Nã Agotimé,
vendida como escrava
mais de vinte anos passados.
EXU, dançando desafiadoramente, retruca:
E não acharam Nã Agotimé.
Jamais nunca a encontraram.
Nunca mesmo jamais.
Mesmo com tambores soando
insones nas noites de São Luiz.
44
Chicos
EXU, dançando desafiadoramente, retruca:
E não acharam Nã Agotimé.
Jamais nunca a encontraram.
Nunca mesmo jamais.
Mesmo com tambores soando
insones nas noites de São Luiz.
Nunca mesmo jamais.
Mesmo com negras danças
no terreiro da Casa das Minas.
Nunca mesmo jamais.
Mesmo com os tabuleiros de
quitutes, doces, bolos, espalhando
cheiros, cor e sabor
nas ruas de São Luiz.
Nunca mesmo jamais.
Portugueses mudavam nomes
dos escravizados chegados da África.
Como encontrar uma negra, rainha que fosse
(e quantas outras rainhas vieram?),
como encontrar a rainha-mãe
em papéis e livros de chegada,
registros de entrada de cargas de negros
desembarcados em muitos portos
e outros em tantas praias,
se nem antigo nome restava.
SENHOR PARDO mostra sua revolta:
45
Chicos
De que me serve ser súdito
desse reino português,
se nem fazer meu comércio
com a costa negreira da África,
levar minha farinha de mandioca,
trazer meus negrinhos amarrados,
posso,
sem enfrentar navios piratas
me levando carga e barco?
O que é ser vassalo nesse reino?
Pagar impostos, taxas e, de cabeça baixa,
ao bispo, ao coronel, ao governador,
a todos esses que prometem segurança
que nem mesmo eles têm?
VODUM fala da pedra dos voduns trazida da mãe África:
As pedras do assentamento da casa,
lugar dos orixás, dos eguns, dos deuses,
“Cumé” onde plantamos essas pedras,
pedras do assentamento dos orixás
vieram escondidas no meio dos negros
trazidos da mãe África no barco negreiro,
tumbeiro, túmulo de tantos que não chegaram,
escondidas as pedras ficaram
abaixo do cimento do piso
donde branco nenhum suspeita estar.
SENHOR PARDO mostra sua revolta:
De que me ajuda ser súdito,
46
Chicos
se meus lucros ficam perdidos?
E agora,
de que me serve ser brasileiro,
ter imperador e princesas,
se a mim não permitem
nem vender meus negros?
Ator se desveste de Exu e começa a conversar com a plateia:
ATOR (ex-Exu) ─ Se Nã Agotimé voltou rainha para o Daomé, ninguém sabe. Se ficou
escrava em São Luiz até sua morte, também não. Se comprou sua liberdade como
vários escravos urbanos conseguiram fazer e viveu sua vida nalgum lugar do
Brasil, também ninguém pode dizer.
Os deuses da família real, de Agonglô, Adandozan, Guezo, são cultuados até hoje
na Casa das Minas de São Luiz. A origem dessa casa de santo se perde no tempo.
Não há registro de quem a tenha iniciado. E não por falta de estudos, nem por desinteresse
de cientistas, de estudiosos.
Sérgio Ferreti, um desses doutos, é quem diz:
“A Casa das Minas Jeje é muito conhecida e respeitada no Maranhão
e no Brasil, tem sido divulgada pela literatura específica, analisada em
teses, artigos e livros de diversos pesquisadores”.
O ator que representa o senhor pardo mostra-se revoltado:
ATOR (ex-senhor pardo) ─ Que isso? Não tem essa fala no texto. Vamos voltar ao
trabalho, gente. Olha o chicote, negrada!
Tenta reiniciar voltando ao texto, aos gritos:
De que me serve ser súdito?
O que é ser vassalo?
De que me serve ser brasileiro?
Que liberdade é essa que a mim
47
Chicos
só chegam taxas e impostos?
Se antes havia privilégios e deveres,
e a mim só chegavam os deveres,
agora inventaram uma nova palavra:
Direitos.
E que direitos tenho eu?
Trabalhar, trabalhar, trabalhar?
Ator se desveste de Vodum e entra na conversar com a plateia:
ATOR (ex-Vodum) ─ Ainda se encontram pessoas vivendo em situação de escravidão
entre nós, o que muito nos envergonha. Na África não se sabe até quando ele
perdurou. E comprar de volta um parente escravizado não era novidade naquelas sociedades.
Também, a nossa Nã Agotimé pode ter sido encontrada e comprada de
volta à sua família iorubá. Disso nenhum registro foi encontrado até hoje.
Os tambores da Casa das Minas ainda tocam os corações em São Luiz. Atravessaram
noites e chegaram à literatura com romance de Josué Montello. No ano de
2002, a história da rainha vendida como escrava inspirou enredo de escola de samba
do Rio de Janeiro com resultado muito questionado, um típico “samba do crioulo
doido”. Mas a rainha negra estava lá.
Mais importante, a Casa das Minas esteve esses anos todos dando conforto a tantos
desterrados, aproximando negros separados dos seus pela violência da escravidão
e depois a violência dos fluxos migratórios que construíram este país continente.
A Casa das Minas está lá com seus ritos dando sentido e força a muita gente para
enfrentar as dificuldades da vida.
O ator que representa o senhor pardo se sente perdido:
ATOR (ex-senhor pardo) ─ Ô! Não era a hora de falar de liberdade? Gente, o texto é
para discutir o que seja liberdade? Para o senhor empreendedor, para o pobre, o
trabalhador? Liberdade, gente, é o direito de ir e vir. O direito ao seu próprio corpo.
O direito a dispor de seu tempo da maneira que quiser.
ATOR (ex-Exu) ─ De alguma forma aquela rainha deixou sua marca. Até hoje seus
deuses, seus antepassados são reverenciados na Casa das Minas. Outros de sua nação
vieram e, amarrados pela cultura que trouxeram, construíram um espaço de onde
puderam se relacionar. Preservaram o que puderam de seu estilo de vida, de seus
48
Chicos
antepassados, de seus valores, danças, músicas. Somaram isso ao que encontraram
aqui e fizeram-se brasileiros.
ATOR (ex-senhor pardo) ─ Gente, a plateia não está entendendo nada. Somos profissionais.
Temos que respeitar o respeitável público. Vocês estão desistindo da história
da rainha escravizada.
ATOR (ex-Exu) canta:
O teu cabelo não nega, mulata,
porque és mulata na cor,
mas, como a cor não pega, mulata,
mulata, eu quero o teu amor.
ATOR (ex-Vodum) ─ Está perdendo tempo, meu nego. Esses aí da plateia estão nem
um pouco preocupados com o que surgiu depois disso. Se os escravizados construíram
o Brasil e fizeram isso carregando pedras debaixo de chicote, se, para aguentar
a dureza da vida, inventaram os terreiros de macumba para se reabastecer, beber
nas águas profundas de sua negritude, pouco importa a eles. Querem, como nós, é
viver e ser feliz. Então esse é o final? Um carnaval?
ATOR (ex-Exu) sacaneia:
O teu cabelo não nega, mulatO,
porque és mulatO na cor,
mas, como a cor não pega, mulatO,
mulatO, eu quero o teu amor.
ATOR (ex-Vodum) ─ Mas o carnaval ainda é o melhor produto desse caldeirão. Só
nele podemos coroar uma rainha negra e mostrar a todo mundo que temos rainhas
vindas da África. Isso, lado a lado com a nobreza branca, com a força indígena. Daí,
melhor se soltar, moreno.
ATOR (ex-senhor pardo) canta:
49
Chicos
Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós
e que a voz da igualdade
seja sempre a nossa voz.
Vodum, Exu e senhor pardo chamam a plateia para o carnaval, distribuindo máscaras:
Abre as asas sobre nós
ó senhora liberdade,
eu fui condenado
sem merecimento
por um sentimento,
por uma paixão
violenta emoção, pois
amar foi meu delito,
mas foi um sonho tão bonito.
Hoje estou no fim,
senhora liberdade
abre as asas sobre nós.
Não vou passar por inocente,
mas já sofri terrivelmente,
por caridade,
ó liberdade,
abre as asas sobre nós.
* Fernando Abritta
Nasceu na Serra da Onça, Cataguarino, distrito de Cataguases (MG). Mora em
Juiz de Fora (MG) Publicou, entre outros, umÁrvore, O Caso da Menina Que
Perdeu a Voz, e, em parceria com Joaquim branco, Uma Verde História, além
de um ebook, Relâmpago.
50
Chicos
A última mentira
*José Antonio Pereira
Bengala na mão, Pedro caminha, com a
dificuldade que a idade impõe, pela Rua Halfeld.
Após deixar a bagagem no hotel de sempre,
saiu à cata de uma farmácia. Chegou no
hotel e, sem muita conversa com o jovem da
recepção, deixou a bagagem por ali mesmo.
– Depois preencho a ficha de hospedagem
e escolho o quarto, primeiro, preciso ir à farmácia.
E saiu. Na rua, só pensa nos sedativos para
aliviar as dores da velhice, a viagem de ônibus
chacoalhara os ossos pelas tortuosas e esburacadas
estradas. Já na farmácia, atendido pela sorridente
vendedora, escapa o azedume:
– A velhice é foda! Todo dia tem uma dor
nova que veio de mala e cuia pra ficar.
E o sorriso jovial da moça o deixa mais
puto ainda. No caminho de volta, outra rotina,
entra na pastelaria Santa Rita, sua santa de devoção,
por isso tornara-se assíduo. Era de praxe
hospedar-se no mesmo hotel e em seguida um
café e um pastel na Santa Rita. Junto ao balcão,
pede um copo d’água, um pastel de queijo e um
café.
– A água é para tomar um comprimido –
justifica-se ao balconista, que prontamente lhe
serve a água.
– O pastel é de quê?
Aquilo o emputece e as dores no corpo
exasperam a voz:
– Você é surdo? Não presta atenção no
que a gente fala, dá é nisso. Traz qualquer um,
desde que tenha sido frito hoje e tenha menos
vento do que recheio.
Enquanto mastiga lentamente o pastel, que
é de queijo, sente o incômodo da dentadura nova.
Tudo é dor, pensa e engole o resto do pastel
já meio frio empurrado pelo café já quase frio
também. Na rua, caminha e cinicamente começa
a rir, imaginando o reencontro.
Coisa de uma hora retorna à recepção do
hotel, entabula uma conversa com o gerente,
um senhor moreno e baixo, com quem fala com
a intimidade de antigo frequentador do local.
– E a família, como vai?
– Todos vão bem, graças a Deus. Meu filho
tomou posse no quartel de bombeiros lá de
Muriaé...
– Meus parabéns!
– Obrigado, e a minha filha está fazendo
psicologia numa faculdade particular, o que acaba
apertando o bolso, mas vale a pena! E aí?
Vai passar alguns dias com a gente? O quarto
que você gosta, desocupou faz pouco. Já, já ele
vai estar pronto para você.
– Tranquilo. Enquanto espero, a gente bota
a prosa em dia. E o Nestor?
– O quê? Como? E ninguém me falou nada.
– Não ficou sabendo não?
– Não! O que houve com ele? Aposentou?
– O Nestor morreu faz pouco tempo.
– Ele foi encontrado morto num dos quartos
aqui do hotel.
51
Chicos
– Nestor era meu amigo – afirma, resignado,
Pedro.
– E eu não sei. Sempre te dando cobertura
nas visitas de mulheres que você garimpava na
Praça da Estação, apesar da proibição. Foi Mariinha
que o encontrou.
Mariinha era camareira no hotel, a mais
antiga, acabou tornando-se a responsável por
todo o serviço, da copa e cozinha aos quartos.
Certa manhã, chegando para o trabalho, estranhou
a ausência de Nestor na recepção. Ele trabalhava
no turno da noite, àquela hora sempre
estava por ali, cantarolando junto com o rádio
uma música caipira. Mariinha chama as faxineiras
e lhes distribui as tarefas do dia. Enquanto
ela ajuda Lúcia a cuidar do serviço de copa, alguns
hóspedes ainda tomam café. As conversas
dos hóspedes são as de sempre. Além de falarem
alto, são as mesmas histórias de viajantes,
vendedores e gente que vem à cidade a trabalho.
É impressionante como todos falam a mesma
coisa, só sabem contar vantagens. Como
sempre estão no hotel, acabam se achando íntimos
dos empregados. Vira e mexe, um mais
atrevido assedia uma das mulheres. E o gerente,
com sua conversa mole, acaba contornando a
situação e elas ficam putas com o final da conversa:
“O cliente sempre tem razão”.
A faxina, como sempre, começava pelo
térreo. Só mais tarde foram se dar conta da ausência
de uma chave na recepção e o registro de
hóspede. Bateram em vão na porta.
– Não há sinal de uma viva alma lá dentro!
– afirmou, fazendo mofa, uma das faxineiras.
– Vou chamar a Dona Mariinha!
Porta aberta por Mariinha, as mulheres
entram e imediatamente aprontam uma algazarra
estridente. Saem todas numa carreira só, horrorizadas
com a cena. Menos Mariinha, que de
olhos arregalados, incrédula, leva a mão a boca.
– Meu Deus! Não é possível.
Completamente nu, estirado sobre a cama
está Nestor.
Ela entra em choque, socorrida pela Dona
Lúcia, que nos bons tempos do hotel era chefe
de cozinha e tão velha de casa quanto Mariinha.
Esta lentamente se recompõe, sentada numa das
mesas do que outrora foi o restaurante e hoje ali
só se serve o café da manhã. Liberada pelo gerente,
vai para casa.
− E a Mariinha? – Pergunta Pedro.
− Ela está com as filhas dela lá no Rio. O
proprietário a liberou até sair a aposentadoria
que ela requereu no dia seguinte à morte do
Nestor. Pedro, ainda incrédulo, coça a cabeça e
suspira longamente. O gerente, num sorriso irônico:
− Meus sentimentos.
– Que conversa é essa?
− Pensa que não sei do seu caso com Mariinha?
− Você me respeita, sou casado, sou lá
homem de ter caso.
E o gerente se afasta às gargalhadas. Pedro
vai até a copa, senta-se numa das mesas e
pede um café. Lúcia vem servi-lo, e ele:
− Lúcia, me explica essa situação da Mariinha.
A mulher sentou, as mãos alisavam a toalha
da mesa enquanto olhava piedosamente Pedro
e foi direto ao ponto.
− A Mariinha tinha um caso com Nestor.
Naquela noite ela tinha estado com ele no mesmo
quarto que você sempre se hospedava. Foi
para casa e, no dia seguinte, quando voltou para
trabalhar, ver o Nestor morto e nu, foi um choque
para ela.
− Quem está em estado de choque sou eu.
Que absurdo, a Mariinha tendo um caso com o
Nestor. Ele era casado.
Pedro falava com a voz alterada pela mistura
de raiva e indignação.
− Era meu amigo e confidente. Como ele
fez um papelão desses comigo?
Lúcia, calmamente:
− Mariinha era viúva, não dependia de
ninguém, tinha o direito de sair com quem ela
quisesse e quando bem quisesse. Eu até te entendo,
já que ela era o real motivo de suas vindas
aqui. Eu sei da sua história com ela. Você e
52
Chicos
o Nestor traíam suas mulheres despudoramente
e se traíam também.
Pedro enterra a cabeça na mesa, está feito
menino que leva o primeiro tranco da vida. Lúcia
não deixa por menos.
− Eu tinha era inveja da Mariinha, mas o
estrupício do meu marido parece que nunca vai
me dar a alegria de uma viuvez. Às vezes dizia
para ela: “Mariinha?! Mariinha?! Isso vai dar
merda”, e ela respondia: “Pode até dar. Mas até
lá vou curtindo uma de Sônia Braga no filme
Dona Flor e seus dois maridos”. E escancarava o
riso.
Lúcia levanta e sai.
Algum tempo depois Pedro, lentamente e,
com dificuldade, se ergue, os olhos estão vermelhos
e a boca traz o sal da lágrima. Lava o
rosto no pequeno lavabo, passa pela recepção,
pega suas coisas e sai do hotel. Desce a Rua
Halfeld até a estação, para no ponto de ônibus.
Enquanto espera, tenta colocar prumo nas ideias,
já que a vida segue seu rumo ao sabor das
incertezas. Única certeza é que não reencontrará
Mariinha. Sabe, apenas, que terá a viagem inteira
para pensar no que contar para justificar a
volta no mesmo dia. Seria a última mentira?
Trecho da Rua Halfeld - Juiz de Fora MG © Wikimedia Commons
* José Antonio Pereira
Nasceu em Cataguases MG, é coautor de A casa da Rua Alferes e outras
crônicas (2006) e autor de Fantasias de Meia Pataca (2013).
53
Chicos
Os saudosos e esquecidos
*Ronaldo Brito
Não lembro quando começou essa sensação
de falta. Uma noite eu voltava para
casa e notei as ruas que sempre atravessei,
as pedras, o calçamento, as janelas de certas
casas, os telhados mais distantes, as estrelas
que começavam a brilhar sobre o céu ainda
claro do lusco-fusco. E tudo era quase igual
ao que foi antes, tudo era velho e conhecido,
mas algo tinha mudado, algo que eu não
conseguia precisar.
Andei sobre a velha ponte, como andei
desde criança, mas era como se não fosse a
ponte, meus pés não assentavam no mesmo
piso, não adivinhei o calor ressecante do
concreto nem o vento úmido que subia do
rio. Ou talvez eu os sentisse de outra maneira,
como que pálidos e remotos, vindo pela
memória, não pela pele, pelos poros e narinas
como a realidade. Então pisei as calçadas.
Os ladrilhos continuavam os mesmos e,
no entanto, eram mais escuros ou brilhantes,
mais lisos ou ásperos ou desbotados. Sei que
não pareciam os mesmos. A árvore, a calçada,
a rua, tudo era quase igual, mas que diferença
era essa que me escapava, que pairava
no ar, como que anterior aos sentidos e
ao entendimento?
Meus filhos falavam comigo e eu os
compreendia, mas era como se fosse em outra
língua, com outra tonalidade, as vozes
eram mais agudas ou graves, os olhos, mais
brilhantes ou foscos, mais distantes, mais
indecifráveis. Quando eu era jovem, caminhava
pela cidade e distinguia com precisão
as vozes dos alto-falantes. Agora ouço pessoas
como que gritando de longe, e olho para
os rostos em busca de lábios que se movem,
mas não vejo os lábios se moverem,
não vejo olhos que me fitem, não adivinho o
sentimento por trás dos óculos ou das sobrancelhas.
Não era aqui que tinha uma árvore
que diziam ser brasileira? Não era no
final dessa rua que tinha uma palmeira que
veio do México ou do Paquistão?
Os bares são agora dos chineses, não
encontro meus amigos, ninguém entende
aquele sinal para colocar na conta. Num
mundo tão diferente, como posso tomar um
cafezinho? Aguardo o pôr do sol para voltar
para casa, e ando cabisbaixo como um cão a
farejar o nada. Sinto pessoas ao meu lado,
como as que pareavam comigo há anos, mas
não ouso falar com elas. São talvez estrangeiros,
em busca de um mundo melhor, ou
moradores que se mudaram recentemente,
ou ainda turistas para quem a velha cidade
tenha o brilho hipnótico da novidade. Serão
eles que me dão esse incômodo sentimento
de que algo terá mudado? Talvez eles saibam
diferir as coisas, talvez enxerguem nitidamente
o novo calçamento, que trocaram
pelas pedras rústicas que pisei na juventude,
desavisado e afoito, rumo ao primeiro emprego
ou ao encontro do amor. Será que
54
Chicos
eles sabem, afinal, o que falta nas casas e
nos telhados, o que falta nas nuvens, para
que eu me sinta novamente na velha cidade,
andando entre os meus, proseando e lastimando
com os meus, bebendo e sonhando,
como beberam e sonharam meus pais e avós
antes de mim? Às vezes penso que sim, que
eles sabem e fingem não saber; e olham para
o lado quando passam por mim, e se riem
em segredo, quando estão sozinhos, e zombam
de mim quando estão em grupo, e que
sou, para eles, o motivo de muitas piadas, e
talvez uma pedra no caminho, um empecilho,
como que um cão ou um animal condenado
que eles anseiam por ver morto. Um
leve desespero, uma suave depressão me
ocorre nessas horas e penso que meu fim
seria afinal uma saída justa desse absurdo. E
já não faltaria mais nada nas ruas, na ponte,
nas casas...
Essa tortura se dissipou quando comecei
a ler. Não encontrei nos livros as velhas palavras
que eu esperava. Eles falam de tudo e
de nada. Mas falam também de homens como
eu, que andam por aí, ansiosos e desconfiados,
esquecidos de algum detalhe da
paisagem, saudosos de certas calçadas e
pontes, de vozes e risos, de palavras indubitáveis,
manjares que o universo lhes dava de
comer, de beber e de ver. Esses homens dos
livros são agora como que minha família,
são como aqueles que pareavam comigo nas
ruas, conversavam em praças e bares, e sabiam
o caminho de suas casas e o caminho do
serviço no dia seguinte. Alguns sabiam até
dos caprichos da amada, e adivinhavam que
presente levar para casa, para que os sussurros
da noite fossem doces e suaves como os
sabores variados de um longo banquete. E
na presença deles não sinto essa falta misteriosa
que tanto me inquieta, e nas palavras
deles não sinto essa estranha tonalidade que
me afeta os ouvidos, e sigo mansamente
embalado, como se sonhasse um sonho repetido,
como se soubesse, como eles, com
nítida certeza, o velho caminho de casa.
* Ronaldo Brito
Nasceu em Cataguases MG, cursou as faculdades de arquitetura e letras, sem concluir
nenhuma delas. Trabalha como tradutor e professor de inglês. Publicou, entre outros;
Meias palavras (2012) , A Menina do País das Ruivas (2014) e Sala Privê (2022).
55
Jerusa
Chicos
*José Vecchi de Carvalho
Lá vai ela, agora toda cheia de si. Arrasta
um perfume de loção pós-banho arrebatador.
Leva, também, uma multidão de olhares atrás do
seu passo insinuante, um requebro pra lá de tentador.
Mas não foi tão simples e fácil. Custou a
sair da crise. Sofreu um baque muito grande,
uma decepção. Pudera. Quanta dedicação por
nada! Até me lembrei da minha demissão na
fábrica, doze anos de casa, nenhuma falta, nem
pensava em outro emprego e, de repente, RUA!
Jerusa, a vida toda, desde menina, catorze anos,
primeiro namorado. Nunca ligou pra mim. Vizinhos,
estudamos juntos desde criança. Não me
dava chance. E eu roía unhas ao vê-la.
Casou aos dezoito. Único homem. Vieram
os filhos, um menino e uma menina. Sua riqueza,
dizia. Sem ambição nem vaidade, coitada.
Um fetichezinho adormecido, talvez, pode ser,
porque ninguém passa a vida toda sem uma fantasia.
Ela cuidando de tudo, maior zelo. Jerusa
arrumava a casa e as crianças todo dia antes da
chegada do Orlando. A casa sempre brilhando,
cheiro bom, comida bem feita. Tinha o mesmo
jeito da avó e da mãe na cozinha, cantarolava
baixinho enquanto cozia. À tardinha, as crianças
de banho tomado, roupas simples, mas bem cuidadas,
calçados, unhas cortadas e limpas, cabelos
penteados. Era uma alegria, os meninos mostravam
os cadernos com o dever de casa feito,
depois brincavam, corriam, pulavam no sofá,
rolavam pelo chão até Orlando ir para o banho,
jantar e sentar diante das notícias que a televisão
mastiga e cospe.
Quatro anos de namoro, dez de casamento.
Uma vida tranquila, feliz, quem poderia imaginar?
Orlando foi embora, deixou Jerusa com
as crianças, o menino com nove e a menina com
sete. Assim, sem dar explicações, chegou em
casa tarde, fora do costume, só Jerusa acordada,
ele falou sem rodeios, puxou o ar, olhou para o
chão porque não teve coragem de encará-la, e
disparou o que ela menos esperava. Foi no quarto
das crianças, beijou cada uma sem acordá-las,
pegou algumas roupas e saiu. Jerusa não acreditava,
entrava na sua frente, agarrava-o pela camisa,
esmurrava-o no peito, mas ele se desvencilhava,
empurrava-a, decidido. Só podia ter bebido,
mas ele não era de beber, não tinha cheiro,
usou alguma droga, só pode estar doido, amanhã,
quando tudo passar, ele volta. Orlando saiu
de casa sem olhar para trás, e a esperança de
Jerusa não foi o bastante para conter suas lágrimas.
A noite passou arrastada, o ponteiro das
horas parecia emperrado. Um sono leve interrompido
a toda hora com sobressaltos e soluços.
No outro dia de manhã, uma sexta-feira,
os olhos vermelhos e inchados nublavam a visão
que tinha da casa, dos cômodos, do chão, da
56
Chicos
rua. Nem queria olhar a rua. Ver e ser vista daquele
jeito? Melhor manter tudo fechado. A cabeça
pesada doía em estado febril. O nariz entupido
aumentava ainda mais a sensação de cansaço,
desânimo e dor. Não arrumou as crianças
para a escola, “estão de folga hoje, papai viajou,
vamos ficar quietos em casa”. O coração de Jerusa
descompassado, ora acelerava, ora ia bem
devagar. Ligou para a escola onde leciona e avisou
que não iria, estava de cama.
Adélia, uma colega dessas mais chegadas,
preocupada com a ausência da amiga no trabalho,
foi visitá-la no sábado e isso ajudou Jerusa a
enfrentar algumas horas do dia. Mas quando ficou
sozinha novamente, perdeu-se em devaneios,
sentiu o aperto indecoroso da solidão. Por
algum tempo ficou assim, Jerusa era vista pelos
cantos da escola, calada, evitando o contato com
as pessoas. Apenas Adélia se aproximava e tentava
erguê-la daquele fosso. Com muita dificuldade,
ela se distraía e enfrentava o resto do dia
de trabalho. No mais, encolhia-se diante dos cochichos,
dos olhares curiosos e até mesmo da
consternação. Algumas pessoas olhavam com
pena e isso a incomodava tanto quanto a tristeza
que sentia.
Ofereci apoio. Ela, cheia de pudor, baixou
os olhos e se afastou. Mas o tempo é remédio
pra tudo na vida e traz na sua composição as
circunstâncias, reagentes que colocam o corpo
no prumo. E Jerusa pôde contar com a família,
os amigos como Adélia, o dia a dia corrido, as
crianças e a escola, que foram pouco a pouco
secando suas lágrimas, consertando as coisas
que precisavam funcionar, arrumando seus cabelos
desgrenhados desde a noite em que Orlando
foi embora. Saía de casa só para o trabalho, para
levar e buscar os meninos na escola, fazer compras
e mais essas coisas imprescindíveis. Jerusa
acostumara-se à reclusão desde muito. E nessa
travessia da borrasca, quando melhorava um
pouco, tinha uma recaída, principalmente, nos
fins de semana em que Orlando ia pegar as crianças,
ela alimentava a esperança de sua volta, e
ele virava as costas e saía sem demonstrar nenhum
arrependimento, nenhuma hesitação. Jerusa
fechava portas e janelas, desligava a televisão,
apagava as luzes, mergulhava no travesseiro,
chorava até cair no sono e acordar malhumorada.
Num desses dias, pegou um porta-retratos
e atirou ao chão, a moldura e o vidro se espatifaram,
ela rasgou a foto dos dois juntos, cabelos,
olhos, sorrisos, tudo estraçalhado em pedacinhos.
Uma lembrança a menos, pensou. Depois,
como sempre fazia nos momentos difíceis, ligou
para Adélia, que acorreu imediatamente. Grande
amiga essa moça, ficamos amigos também, eu e
ela. Viu que eu estava ali, meio dois de paus, e
até me levou a ser mais insistente. Com sua ajuda,
Jerusa foi a cada dia se livrando de lembranças
e coisas sem utilidade, uma roupa esquecida
no armário, revistas de esporte, um cortador de
unhas, o chaveiro com a marca de um carro, um
barbeador elétrico. As coisas que não tinham
como jogar fora iam ficando para trás ou eram
soterradas por cinema, barzinho, festas e mais
amigos que Adélia ia apresentando. Aos poucos,
57
Chicos
a casa voltou a brilhar com a limpeza e com
o sol. As janelas abertas e a música denunciavam
pedacinhos de alegria espalhados na
sala, na cozinha, nos quartos.
Orlando até estranhou o dia em que
chegou para pegar as crianças e ela nem deu
as caras. Cantava alto dentro de casa e por lá
ficou cantarolando o refrão de uma música
alegre. Nem parecia mais com a mãe e com
a avó que cantavam baixinho. Depois ligou:
era pra ele deixar os meninos mais tarde no
domingo. Não estaria em casa na hora combinada.
Ele ficou intrigado, incomodado, tentou
se aproximar para saber o que estava
acontecendo, telefonou, passou por lá no
meio da semana com a desculpa de ver as
crianças, mas ela não deu chance. A danadinha,
faceira, agora era só mistério. Suportou
comentários de toda sorte, cantadas inoportunas,
mas se recuperou e está bem feliz.
Não se abala mais e nem se encolhe diante
de cochichos e olhares maldosos. Cabeça erguida
e sorriso no rosto, segue toda dona de
si. Até andei me lembrando de quando arranjei
um novo emprego anos atrás. Foi uma
luta, demorou muito, mas valeu a pena. Es-
* José Vecchi de Carvalho
tou lá até hoje, é certo que tenho uns probleminhas
vez por outra, mas é bem melhor
que o anterior. Jerusa também suturou os
rasgos da ingratidão, deixou de lado o fardo
que lhe pesava os ombros, e foi cedendo espaço
à minha constante presença.
Orlando, agora, anda de bronca comigo,
tem me evitado e, quando nos encontramos
por acaso, me olha com cara feia, parece
rosnar qualquer coisa que não entendo,
nem quero. Nunca tive afeição nenhuma por
ele, e agora, então...
E lá vem ela toda cheia de si. Arrasta
um perfume de loção pós-banho arrebatador.
E também uma multidão de olhares atrás do
seu passo insinuante, um requebro pra lá de
tentador. E eu? Bem, eu fico enciumado ao
vê-la atrair tantos olhares. Me encolho acabrunhado,
até ela me abraçar e fazer carícias
e declarações que nunca ouvira antes de ninguém.
Aí a coisa muda, esqueço o mundo lá
fora, chego a pensar que estou sonhando,
que não mereço tanta felicidade e vou deixando
as coisas seguirem ao jeito e ao gosto
de Jerusa.
Nasceu em Cataguases, após morar por muito tempo em Viçosa vive
hoje em Paula Candido todas cidades mineiras. Coautor de A casa da
Rua Alferes e outras crônicas (2006), e autor de Duas Cruzes (contos
2018), Contradança (contos 2020) e Cada gota de silêncio (contos 2021)
58
Um lugar qualquer
Chicos
* Antônio Jaime Soares
Ruído de motor e buzina avisa que vem
vindo automóvel (a reboque, cachorros latindo),
que passa direto e um cheiro, misto de poeira e
gasolina, se espalha no ar. Coisa rara, pois é
mais comum na estrada Cataguases-Miraí, a uns
cem metros, mais movimentada, onde também
passa ônibus e o caminhão de leite. No rádio,
Ângela Maria solta a voz, drama, não tragédia,
isso é com Vicente Celestino:
Choramos sempre juntos os nossos dissabores,
vivemos lamentando essa ausência de amores.
Acompanhada pelo coro monocórdico dos
alunos, na escola ao lado: “a, b, c... d, e, f, g...”
– usando o método decoreba. O mesmo com a
tabuada. Costume também em Portugal, segundo
o filme Aniki Bobó, de Manoel de Oliveira,
1942.
O gato rosna suplicante, um adulto adverte:
“Comeu lagartixa, veneno, foge dele”. Mais
uma proibição. E lá vem a Judite com as filhas
menores, em prantos, à caça de uma das maiores,
que não amanheceu em casa. O de costume,
menos quando uma fujona era de família grãfina
(cristal, prata e porcelana no serviço de mesa)
e o amante pôs casa para ela em Cataguases,
perto de onde ele mora com a mãe de seus filhos.
Um escândalo. As pobrezinhas voltam com
o amado e logo são esquecidas. Terão vida igual
a uma das mais velhas da Judite, filhos e mais
filhos, ou à outra, que deixou seus dois com o
marido e amigou com um homem da cidade.
Um dos paridos pela Judite é o Zé galinha, sabese
lá o porquê do apelido.
À missa, só vão os proprietários de terras,
por ser em dia de semana e a ralé não pode faltar
ao trabalho. Já as festas da igreja acontecem
aos domingos, animadas pela banda do Escolástico,
de Miraí (Isabel, com a alegria de sempre),
e muitos também não podem comparecer, por
falta de roupa e sapato. Feliz a moça que arranja
emprego de operária e vira arrimo de família e
esta vai atrás, dizendo que é melhor passar fome
na cidade. América, uma delas, foi parar direto
na zona.
Jove, que sofria de lepra, voltou do tratamento
gorda e aparentemente sarada, lembre-se
que gente gorda é sinônimo de saúde, em terra
de subnutridos. Fracos, descalços, é comum
morrerem tuberculosos, enterrados em Sereno,
quatro homens se revezando no transporte do
caixão, seis quilômetros ou mais. A passo de
peão, quase galope. Caixão às vezes fabricado
pelo marceneiro Edson Soares.
As moças de família classe média têm mais
juízo e às vezes esperam anos até o noivo poder
sustentar uma casa. No que esperam, ficam
bordando o enxoval, cantam no coro da igreja,
59
Chicos
leem romances, fotonovelas e sabem de cor todas
as músicas da temporada. Nenhuma pode
andar “de bonde” com outro rapaz, ou seja, lado
a lado. Quando casam, ganham do pai uma
máquina de costura, para não dependerem totalmente
do marido. Algumas, não encontrando
pretendentes até os vinte anos, passam a ser
chamadas de coroas e intensificam o fervor religioso.
Zezé e Osmar, da Dorcelina, conhecida
como dona Dôrce, trazem na carroça um barril
de mel para embarcar no trem e ficam de vigia,
posto que, certa vez, os moleques deram um
jeito de enfiar um talo de mamona e se fartaram.
O sítio dela é pequeno, mas produz cereais,
frutas, hortaliças, muitos criadouros de abelhas
que, com a venda do mel, somada à de linguiça,
aves e ovos, dão para o gasto.
Perto dela mora uma gente não muito simpática,
basta dizer que a caçula de um vizinho se
aproximou da casa e comeu algumas pitangas.
Súbito, uma das moças chegou com um machado
e pôs abaixo a pitangueira. Com o tempo,
amansou, foi até afilhada da mãe da caçula, a
quem um dia visitou e desabafou: “Tô disgostosa
da vida, madrinha, vô bebê veneno”. Estava
ficando “coroa”. Uma prima sua, cujo pai matou
o irmão para ser o único herdeiro, tomou soda
cáustica, não morreu, mas sofreu o diabo. Seu
estômago rejeitava até água, uma tristeza só.
Outros espetavam caroço de milho num
anzol para fisgar alguma galinha do vizinho de
bobeira do outro lado da cerca. Estes só saíram
da propriedade do pai da menina por despejo, o
pessoal da pitangueira, na “paz”.
Agora, no rádio, uma quase tragédia,
na garganta de Gardel:
...pero estas penas hondas de amor y desengano,
como las hierbas malas, son duras de arrancar.
Versão brasileira:
...mas estas penas minhas, de amor e desenganos,
como as ervas daninhas, são duras de arrancar.
Osmar é cego e outro Zé um dia lhe pediu
colo. Aproveitando a cegueira do pobre coitado,
deu uma boa mijada nele e pulou fora. Menino
do cu riscado, brincava de fazer sexo com a irmã,
ambos pelados, e a dividia com os amiguinhos,
no “esconderiz”, uma moita de capim alto.
O pai, ferroviário, foi transferido para Piraúba
e não se teve mais notícia. Os ferroviários,
por sinal, são os que bebem cerveja na venda, o
resto, só cachaça. Outro que se mudou foi o Zezim
mamador, entenda o leitor a razão do apelido,
e dele e sua família também não mais se
soube.
Chegam a noite e o trem. O vagão de passageiros,
com suas janelas iluminadas por dentro,
uma vaga lembrança de fita de cinema. Às
vezes, novidades, um ou outro passageiro com
histórias para contar na venda. Todos dormem
cedo, menos um – “essa ausência de amores”,
como cantou Ângela. E vem a angústia: casa às
escuras, estalo de madeira ressecada, pio de coruja,
cães acuando (longe, lenta agonia), quem
sabe, o Satanás (ele mesmo!) em pessoa. Rezar,
fechar os olhos, não adianta. Os pais deveriam
dormir com seus filhotes, como fazem os bichos.
P.S.: quando eu escrevia para jornal impresso,
as coisas da roça eram as preferidas dos
leitores, porém, o assunto se esgota aqui. Em
boa hora. Na foto acima, ruínas da parada do
trem. Onde? Não importa, o Brasil não se interessa
pelo seu passado.
* Antônio Jaime Soares
Nasceu em Cataguases MG, lá na Chave. Participou de um dos movimentos culturais
mais ativos dos anos 60 em Cataguases, o CAC. Depois de morar um
longo tempo no Rio de Janeiro, onde entre outras foi redator de publicidade.
Retornou a Cataguases direto para a Vila. Poeta e cronista publicou Pedra que
não quebra (2011)
60
Chicos
Conversa de estátuas – Drummond, Caymmi, Pessoa
e Clarice
*Wander Lourenço
Eram meados de maio do ano da graça
de 2022 e a imperiosa Copacabana transpirava
uma brisa à Jonny Alf, quando a estátua do
compositor Dorival Caymmi, que saudara a
“princesinha do mar” em antológica canção
praieira, se aproximara da escultura do poeta
Carlos Drummond de Andrade, para dois dedos
de prosa sobre as amenidades da vida e a arte
da sobrevivência nesta São Sebastião do Rio de
Janeiro.
–– Boa noite, meu velho e bom
Drummond. –– cumprimentara-o o mestre do
cancioneiro popular pátrio, baianamente, com a
sua voz arrastada e doce.
–– Quem me veio fazer companhia, neste
frio de outono em disfarces de inverno? –– indagara
o bardo mineiro.
–– Dorival Caymmi. –– respondeu-lhe o
menestrel soteropolitano, com o violão debaixo
do braço.
–– Ah, meu nobre amigo Caymmi, perdoe
-me por não reconhecer-te, mas é que mais
uma vez um gatuno furtou-me os óculos de
bronze, acentuando-me a miopia crônica das
retinas já tão mais fatigadas... –– lamentou-se o
vate itabirano.
–– Por esta razão, nem por um decreto
legislativo ou do STF eu me desgrudo do meu
pinho de cordas, que, no mercado de fumaça
do crack, deve de estar valendo um dinheirão,
meu caro Poeta. –– dedilhou-o em dó menor.
–– No que fazes muito bem, Caymmi,
porque, diz que, com a pandemia; e, sobretudo,
com o descaso das autoridades fluminenses de
plantão, a população de rua quase que quadruplicou
em nossa querida Copacabana, que tu
cantaste com tamanha maestria. –– suspirou um
nostálgico Drummond, com as reminiscências
do tempo em que o bairro era considerado “um
bom lugar, pra passear à beira-mar”.
61
–– “Existem praias tão lindas, cheias de
luz / Nenhuma tem o encanto que tu possuis /
Tuas areias, teu céu tão lindo / Tuas sereias,
sempre sorrindo.” –– cantarolou o seresteiro
trovador.
–– As tuas canções remetem às saudades
que trago comigo dentro do peito dos versos do
Vinícius de Moraes e das crônicas do Rubem
Braga, que enalteciam as moças coloridas de
sol, com as suas modas, bossas e melindres. ––
ansiara-se Drummond de Andrade.
–– “Ai de ti, Copacabana!...” –– rememorou-se
o modinheiro Caymmi, ao constatar o
estado deplorável da outrora estupenda Copacabana,
a região mais charmosa da Zona Sul carioca.
O suspiroso Dorival Caymmi pediu licença
ao solícito Drummond para sentar-se a seu
lado, de modo que proseassem sobre o lastimável
desamparo do espaço urbano mais democrático
do Rio de Janeiro, com seus inúmeros botequins,
sotaques e etnias.
–– Por obséquio, sinta-se convidado, meu
ilustre vizinho Caymmi. –– ofertou-lhe o lugar
Carlos Drummond de Andrade, educadamente.
–– Tu sabes que o que mais tenho presenciado
por estas paragens praianas, para além
das cabrochas que me sussurram delírios ao pé
do ouvido, quando se assentam aptas ao instante
de fotografia, Drummond caríssimo? –– indagou-o,
o enigmático Dorival Caymmi, maliciosamente.
–– A metafísica da perene solidão dos
tempos, meu sublime Dorival? –– instigara-o o
áugure originário de Itabira do Mato Dentro.
–– A fotografia da solidão que se esvai
das almas perdidas em desalento, Poeta. –– sofismou-se
Caymmi.
–– A humanidade desvairou-se, consoante
diria o mestre Mário de Andrade sobre a sua
Paulicéia equidistante, como metáfora de um
Chicos
país a modernizar-se, de vento em popa... ––
conformou-se Drummond.
–– Tu sabes que ainda há pouco um sujeito
alucinado de sotaque lusitano, de sobretudo
negro de veludo e de chapéu de feltro, segredou-me
que são as lágrimas da poesia que adoçam
as marés da vida em cais de saudade... ––
confidenciou-lhe Dorival Caymmi.
–– E tu não o reconheceste, ó desavisado
menestrel? –– inquiriu-o.
–– Confesso que me fez recordar a estátua
de Fernando Pessoa do Chiado; entretanto, o
homem das mil vozes não me dera o tempo ao
diálogo prosaico, haja vista que se apressou a
desandar em direção ao Arpoador, creio que à
procura do Tom Jobim, com intuito dum fado
d’Alfama com vista ao Tejo ou duma bossa nova
ipanemense... –– rendeu-se, amuado.
–– A mim, nem se deu ao trabalho de visitar-me...
–– lastimara-se Carlos, o gauche.
–– Se dobrasse à esquerda, pura e simplesmente
tropeçaria distraído num astro de nomeada
Carlos Drummond de Andrade. –– consolou-o
Dorival Caymmi.
–– Caso o Pessoa houvesse te reconhecido,
era provável que compusessem um
samba lusitano ou fado baiano, quiçá. – obtemperou
Drummond de Andrade.
Neste ínterim, o espavorido Fernando Pessoa
se achegara para reclamar de que, ao se encontrar
com Antônio Carlos Jobim no Arpoador,
resolvera-se por telefonar ao Vinícius de
Moraes, a fim de que esticassem a boêmia noite
afora pelos bares de Ipanema, quando um ágil
meliante lhe furtara o telemóvel (Smartphone).
–– Pois que não me dera tempo sequer de
mencionar o sítio de encontro com o Poetinha
carioca... –– rezingara-se o inconformado lusoafricano.
A estátua de Drummond, com a placidez
que lhe era característica, ao observar o atônito
Fernando Pessoa inconsolado com a perda do
objeto de comunicação, solicitara-lhe que se
acalmasse pelo fato de que cordões de ouro,
relógios e telemóveis tinham vida curta em posse
dos proprietários nesta Copacabana contemporânea.
–– Pessoa, eis o poeta Carlos Drummond
de Andrade, muito possivelmente, o seu mais
inspirado discípulo e sucessor nas trincheiras
poéticas desta última flor do Lácio, a Língua
Portuguesa. –– apresentou-lhe Dorival Caymmi,
antevendo um inesquecível encontro literário.
–– Carlos Drummond de Andrade? –– surpreendera-se
diante da inusitada apresentação
poética.
–– Um vosso admirador. –– assentiu, humildemente.
Ao passo que tranquilizavam Fernando
Pessoa, o cantor Dorival Caymmi lembrou-se de
que, no outro lado da Praia de Copacabana,
mais especificamente no Leme, a estátua de
Clarice Lispector ficaria satisfeitíssima, caso deliberassem
por visitá-la para um trago de tabaco
ou drink de vodka com água de coco, enquanto
discorreriam sobre as atrocidades da guerra entre
a Rússia e a sua terra natal.
–– Mas os embusteiros do calçadão não
poderiam nos assaltar, a qualquer momento,
durante o percurso até a grande ficcionista ucraniana?
–– reagiu Pessoa, amedrontado com a
violência citadina.
–– Não se preocupa tu, ó residente do
Chiado de Lisboa, visto que já o foste vilipendiado
pela corja de saltimbancos, ao passo que
um raio não cairá jamais no mesmo lugar, meu
insigne Pessoa. –– acalmou-o Caymmi.
–– Por isto não seja, Dorival Caymmi querido,
porque os meus óculos já foram furtados
pela enésima ocasião em pleno calçadão do
Posto 6... –– replicou-lhe Carlos Drummond.
De comum acordo, os três menestréis decidiram
que se dirigiriam até o ponto da estátua
de Clarice Lispector, desde que caminhassem de
mãos dadas, de maneira que um protegesse o
outro das intempéries do itinerário costeiro até
o bucólico Leme de Clarice Lispector.
Lá chegando, os trovadores solitários se
depararam com a escritora preocupadíssima, a
pitar cigarro após cigarro, em companhia de seu
épico e fiel cão Ulisses.
–– A que devo a honra de tão conspícuas
visitações em tempos de epidemia e guerra,
companheiros? –– abismou-se Lispector.
–– Viemos em solidariedade à tua nobre
gente briosa e audaz, acossada pela pusilanimidade
de um tirano sanguinário, Clarice prezadíssima.
–– antecipara-se Carlos Drummond de
Andrade, acariciando o quadrúpede dócil.
A circunspecta Clarice Lispector mirou-os
62
Chicos
de soslaio; e, após tragar a fumaça do último
cigarro, revelou-lhes toda agonia e aflição pelo
sofrimento de seu povo aniquilado por um déspota
inconsequente, que apontava os mísseis e
canhões em direção à OTAN, mas bombardeava
com toda ênfase cabível num gesto inerme e
cobarde a irmã Ucrânia, como comprovação de
poder bélico contra os Estados Unidos da América,
sob a cumplicidade homicida da República
Democrática da China.
A síntese clariceana desvendou-se como
uma espécie de parábola metafísica entre Oriente
e Ocidente, quando, não obstante, a exemplo
de Caim (Rússia) e Abel (Ucrânia), assassinavase
o irmão consanguíneo, que se dissolvera mediante
o fruto do pecado original capitalista.
Diante da premissa, os andarilhos Drummond,
Caymmi e Pessoa se despediram, de modo
a prosseguir em retorno a Copacabana, de
mãos dadas (e pensas), diante da máquina do
mundo, debaixo de um silêncio atroz, até que o
curioso autor de Maracangalha lhe perguntou:
–– Mas, Pessoa, como tu vieste do Chiado?
–– A nado, pois. –– respondera-o lygiafagundestellesmente,
muito provavelmente prenunciando
a próxima estátua a ser inaugurada
na Praça da Sé de São Paulo.
* Wander Lourenço
Escritor, Especialista e Mestre em Literatura Brasileira (UFF), Doutor em Literatura
Comparada (UFF) e pesquisador do Pós-Doutorado em Estudos
Comparatistas da Universidade Clássica de Lisboa, cronista do Jornal do Brasil
(2010-15), diretor dos documentários Carlos Nejar, Dom Quixote dos Pampas;
Nélida Piñon, a dama de pétalas; e O Cravo e a lapela: cinebiografia de
Ricardo Cravo Albim, é autor do e-book Escrevinhaturas (Ed. Elefante-São
Paulo) e do romance histórico Terrae Brasilis (Ed, Chiado-Portugal).
63
Chicos
Ciranda de afetos com Lygia Fagundes Telles
*Jeová Santana
É sempre delicado escrever sobre quem
deixou de estar entre os esplendores e misérias,
inferno e maravilhas desse planeta cabuloso. O
fugidio território da memória é o lugar mais
apropriado para o cultivo e a manutenção das
imagens de quem atravessou, lembrando Drummond,
a “pobre/ área de luz de nossa geometria.”
Mas, deixando de lado esse impeditivo,
resolvi compartilhar essas poucas lembranças
sobre quatro breves encontros com a escritora
mais longeva de que se tem notícia entre nós,
seja pela idade na certidão cartorial, seja a que
ela divulgou vida afora, com cinco anos a menos.
O primeiro encontro teve traços picarescos
e líricos. No auge dos vinte e poucos anos, na
condição de estudante de Letras da UFS, vi o
anúncio de um congresso de literatura numa faculdade
particular, em Bonsucesso, no Rio de
Janeiro. Dividi a informação com o colega Elman,
e fomos buscar auxílio numa das próreitorias.
Satisfeito nosso pedido, vimo-nos na
rodoviária de Aracaju com o feliz adendo de ser
a primeira viagem para o Rio de todos os janeiros.
Tudo estaria nos trinques, não fosse um
pequeno detalhe: o colega, que ficou com as
passagens em mãos, simplesmente confundiu o
horário da partida. Voltar todo murcho para casa,
nem pensar! A solução: ir até Salvador. De lá
seria fácil encontrar passagens para o Rio. Ledo
engano! Havia, no meio do caminho das BRs,
a realização do primeiro Rock in Rio. A solução
vinda do guichê: comprar até Vitória, no Espírito
Santo. Chegamos ao solo carioca um dia depois
do início do congresso. A grana extra que levávamos
fora embora nessa saga. Felizmente, contamos
com a solidariedade dos organizadores.
64
Anunciaram aos participantes que “a delegação
de Sergipe passava por dificuldades”. Sob o
olhar nada amigável de alguns livreiros, passamos
a vender umas coisas que levamos da terrinha
tais como cartazes, postais, antologias etc.
Todos esses aperreios foram esquecidos
quando vi Lygia Fagundes Telles em cena. No
início, ela disse que lhe deram tal tema, mas que
iria fugir dele de vez em quando. Quando isso
acontecesse, “puxassem a manga de sua blusa”.
Na hora dos debates, lembrei-me que havia lido
uma frase sua na qual afirmara haver “três espécies
em extinção no Brasil: o índio, a árvore e
o escritor”. Perguntei-lhe, então, se ela mantinha
essa constatação. Respondeu que mudaria em
relação ao último. Quem estava sob a ameaça
era o leitor, pois todo mundo virara escritor.
Tinha receio de chegar em casa e encontrar a
empregada com centenas de páginas nas mãos:
“Dona Lygia, eis aqui as minhas memórias. Publique-as!”
Antes de lançar a pergunta, tive a coragem
de fazer um acróstico com seu nome. Só
me lembro dos dois primeiros versos: “Liberdade
para gerar a chama/ Yes à aventura do homem”.
O mediador, é claro, fez menção a essa
“proeza”. Houve o clima do “Quem é? Quem
é?”. Fiquei na moita e só me identifiquei quando
subi ao palco para falar com Lygia. Quando lhe
disse que era de Aracaju, informou que conhecia
a cidade. Que tirara há alguns anos, ao lado
de um grupo, umas fotos às margens de um rio
bonito. “Éramos todos jovens!”. Essa experiência
foi resultante de uma das muitas empreitadas
culturais da inesquecível Iara Vieira. O encontro
realizou-se, de sexta a domingo, na Biblioteca
Pública Epifânio Dória. Nessa primeira leva
estavam Nélida Piñon, Ignácio de Loyola Bran-
Chicos
dão, João Ubaldo Ribeiro, Pedro Bandeira, Pedro
Paulo de Sena Madureira e Antônio Torres.
Apresentei-lhe, então, meu exemplar de A disciplina
do amor. Ela escreveu: “Para o Jeová, com
o melhor abraço de Lygia Fagundes Telles – janeiro,
1985”.
Dois anos depois, recebi outro exemplar
deste mesmo livro. Enviara-lhe um Aperitivo
Poético, mais um projeto coletivo idealizado por
Iara Vieira. No autógrafo: “Para o poeta Jeová
Silva Santana, com o melhor abraço desta sua
autora Lygia Fagundes Telles - Primavera de
1987”. Além da dedicatória, fui brindado com
este terno bilhetinho:
O segundo encontro aconteceu em circunstâncias
mais calmas. Fazia mestrado, entre
1998 e 2000, na Unicamp, quando surgiu um
projeto, que tinha Haquira Osakabe entre os
selecionadores, para ler poemas autorais na Livraria
Cultura. Pouco depois de desfiar alguns
poemeus, vejo a elegância de Lygia adentrar no
recinto. Não fora lá por conta dos meus versos,
é claro, mas sim devido a uma outra programação
no mesmo espaço: o lançamento de um livro
do filho de Eric Nepomuceno. Antes disso,
fui brindado, em 1995, com mais um livro autografado,
As meninas: “Para o meu camarada de
letras (contista!) Jeová Santana, estas meninas e
este abraço afetuoso - Lygia Fagundes Telles -
junho de 1995.
Os dois últimos encontros aconteceram
nos anos 2000. Primeiro, quando fui ouvir Pedro
Paulo de Sena Madureira contar os altos e
baixos de seu itinerário como poeta e editor. Lá
pelas tantas, ele começou a tecer belíssimas metáforas
musicais para comparar os estilos de
Lygia e Nélida Piñon. Não me lembro se foi nesse
encontro que Lygia relatou essa cena cinematográfica:
chegava à noite ao prédio onde
morava, na rua Consolação, em São Paulo,
quando notou que uma moto a seguia. Apressou
o passo, só esperando a facada. Quando conseguiu
passar pelo portão ouviu: “Lygia Fagundes
Telles, eu te amo!”. Olhou para trás, ouviu o
acelerar do motor e viu um jovem com os fartos
cabelos ao vento.
Por fim, o mais prosaico de todos: na Balada
Literária criada por Marcelino Freire. Fui
assistir a uma das palestras. Vejo a chegada de
Lygia e Marcelino. Aproximo-me de ambos para
um fio de prosa. De repente, Lygia pega-me
pelo braço, começa a andar por entre o público
e diz: “Não enfrento mais fila”. No final da palestra,
fico sabendo que Antonio Candido, Davi
Arrigucci e Boris Schnaiderman fariam uma homenagem
a João Alexandre Barbosa, na Livraria
da Vila. Parou-se um táxi e lá fomos os três,
Lygia, Marcelino e o autor destas linhas, lépidos
e fagueiros no banco de trás. No início daquela
década, recebi seu último autógrafo em Invenção
e memória: “Para Jeová Santana, estes contos
e este abraço afetuoso, Lygia Fagundes Telles
- São Paulo, janeiro, 2001”.
É isso. Agora, é continuar lendo, relendo
e divulgando sua literatura, fruto de uma
“imaginação cintilante”, como bem a definiu
Antonio Candido. Seus romances densos ainda
têm lugar. O tenebroso tema da tortura, presente
em As meninas, lançado em 1973, infelizmente
ainda está aí, a receber louvações de neofascistas
que circulam, inclusive, nas chamadas Casa
65
Chicos
do Povo. Há vários contos memoráveis, que
tendem a nos acompanhar tempo afora. Na parte
que me cabe leio, desde sempre, para alunos
do ensino médio e da universidade, “O direito
de não amar”, enfeixado nas memórias de A
disciplina do amor. Nele estão os três pilares
que, segundo Lygia, marcam os caminhos das
relações amorosas: matar/morrer; desejar o pior
para o/a ex-companheiro(a); renunciar. Esta última
atitude passa ao largo de nossas práticas
psíquicas e sociais. Optar por ela seria mostra de
civilidade para eliminar a máquina de destruição
chamada feminicídio. Estamos longe disso,
é obvio. Ainda mais nesses tempos de adesões
a discursos truculentos e farsescos, inimigos da
palavra, da arte e da educação, naturalizados
como se se bebesse uma xícara no café da manhã,
ora vigentes no Brasil desde 2016. Assim,
este e outros textos de Lygia Fagundes Telles
serão nossa barca iluminada contra quaisquer
cirandas de pedra. Agora e sempre.
Lygia Fagundes Telles (Reprodução)
* Jeová Santana
Nasceu em Maruim SE, em 1961. É professor titular da Universidade Estadual de
Alagoas e autor de Dentro da casca (1993), A ossatura (2002), Inventário de ranhuras
(2006), Poemas passageiros (2011), A crítica cultural no ensaio e na crônica de
Genolino Amado (2014), O internato como modelo educacional segundo a literatura:
um estudo sob a perspectiva da teoria crítica (2015) e Solo de rangidos (2016).
Participou das coletâneas Chico Buarque, o romancista: ensaios (2021) e Sobressaltos:
antologia de poemas brasileiros contemporâneos (edição bilíngue, França, 2022).
66
Chicos
O dia em que fui peixe tem a potência do sonho
* Gloria Vianna
O dia em que fui peixe tem a potência do
sonho. O corpo do leitor vai sendo levado pela
força do desvio, da errância. Atravessamos a
fenda do tempo, experimentamos o instante da
imagem, a pulsação da vida, a infância. E, assim
como Breton afirmava em seu Manifesto
Surrealista que “o espírito que mergulha no Surrealismo
revive com exaltação a melhor parte de
sua infância,” podemos considerar que o mergulho
do leitor nessa poética aberta o reconduz ao
espaço do inesperado, do lampejo, do maravilhoso.
O besouro caído na sopa, que depois do
banho refrescante de guaraná expressa sua vontade
de beber o refrigerante no gargalo, desconcerta.
No poeta que acha a vida maçante e vai
plantar batatas, no macaco que quer água de
coco, na menina que fecha a caixa de lápis por
não querer saber da discussão entre o lápis verde
e o elefante, no gato atrevido, na Cassiopeia
e no sapo Ludovico, em todos a linguagem
aberta não teme a gafe nem o ruído, e por isso
espantam. A forma direta da expressão, tão peculiar
à fala das crianças prevalece e incita a disponibilidade
do espírito ao maravilhoso. Enquanto
leitores, nos vemos diante do nosso próprio
desconcerto. Desconcerto temido, em geral,
pelos adultos que se amedrontam com a magia
da linguagem e querido pelas crianças, que o
provocam cotidianamente na fala extraordinária
com que tocam as coisas.
“Todo poeta é ladrão(…)é falsário (…) é
meio safado(…)Tem poeta antissemita. Esses
não valem um vintém.” E não valem mesmo.
Todo mundo sabe. Pouca gente fala. Mas a poética
da provocação é pura potência. Não arreda
pé. Não se entrega ao ritmo comedido, à frase
polida, à praia artificial dos metros obtusos. Persegue
a harmonia dos ritmos dissolutos, a linguagem
crua, a suspensão lacunar, o caminho
aberto, a arritmia, o descompasso.
Não sei com que idade se deve ler esses
poemas. Mas sei que não se deve deixar de lêlos,
mesmo que já se tenha dificuldade em ser
peixe e em reaprender a voar.
* Gloria Vianna
Nasceu no Rio de Janeiro RJ, onde mora. Escritora e professora. Mestre em
Literatura Brasileira e Doutora em Literatura Comparada. É autora entre outros
do romance Luzia (2022 - Helvetia Éditions)
67
Chicos
As aventuras do conselheiro Aires em Brasília
*Vera Lúcia de Oliveira
“É por causa de gente como o senhor, sempre
disposto a acomodar, que as coisas não avançam,
Hugo falou.
O senhor é puramente livresco, disse Miguel,
no centro da mesa.
Um homem de papel, completou Hugo.
Isso não posso negar, respondi contrariado.”
(Pág. 145).
Quem respondeu contrariado foi o conselheiro
Aires, personagem-narrador que migrou
do romance Memorial de Aires (1908), de Machado
de Assis, para o recém-lançado Homem
de papel (2022), de João Almino, seu oitavo romance.
Ambos dispensam apresentação. Machado,
o clássico da literatura de todos os tempos;
Almino, o clássico moderno, autor do magnífico
Cidade livre (2010), entre outros excelentes romances
e ensaios de história e filosofia política.
Ambos imortais da Academia Brasileira de Letras.
Pois foi com o espírito da paráfrase, da
literatura fantástica, da graça cult que Almino
construiu esse romance pós-moderno, homenagem
ao “bruxo do Cosme Velho”. Ninguém poderia
fazê-lo melhor: diplomata de carreira, mergulhou
no personagem aposentado, pacifista
(mais por tédio à controvérsia) e bebeu suas palavras,
sua moderação e elegância. E, num poderoso
exercício de imaginação, trouxe-o para Brasília.
Diz ele:
Meu nome, não sei se terão adivinhado, é José
da Costa Marcondes Aires. Nasci no Rio de Janeiro
às seis da tarde em 17 de outubro de 1825 e acordei
em Brasília confundido por siglas. Mesmo sem ser
aristocrata, me infiltrei na aristocracia quando passei
em 1852 num concurso para a Secretaria de Estado
de Negócios Estrangeiros. Depois de hesitar se aceitaria
uma encarregatura de negócios junto à Gran
Colombia, onde havia estado um visconde conhecido
meu, fui enviado a Viena. (Pág. 31).
Assim se constrói a trama desse romance
encantador: uma diplomata “arretada” da nova
geração de nome Flor recebe um presente e não
se desgruda mais dele, o romance Memorial de
Aires. Personagem forte, inteligente, franca, mulher
de quase meia idade, que sabe o que quer
(menos quando tem de escolher o parceiro com
quem ficar). O livro que, segundo ela, a acompanharia
pelo resto da vida, era um guia para a
sua carreira. Casada, mãe de um filho, e com
relacionamento extraconjugal com um diplomata
superior hierarquicamente, Flor tem vida amorosa
complicada. Ela, Cássio, o marido, e o amante
Zeus formam o triângulo desamoroso da história.
68
Chicos
Almino “entra” no Memorial de Aires e
utiliza palavras e expressões do livro num diálogo
que mantém vivo o romance, tecendo a narrativa
com personagens equivalentes aos da história
original. Dentro do livro, na mão ou na
pasta de trabalho de Flor, o conselheiro aposentado
acompanha-a em passeios em Brasília e em
viagens, a exemplo da ida a Viena, onde queria
rever o túmulo da mulher e o de Beethoven, cuja
ópera Fidélio com a abertura “Leonora” tem
mais de um sentido na obra.
A narrativa desperta o interesse do leitor
cada vez mais pelo elemento fantástico que, curiosamente,
se desfaz pelo fato de as próprias
personagens tratarem o livro falante com naturalidade
(como na Metamorfose, de Kafka, em
que a família não se espanta em ver Gregor
Samsa transformado em inseto). Há também
ecos de Borges quando a fantasia e as pistas falsas,
como obras e sites inexistentes, deixam o
leitor desnorteado. Artimanhas do autor.
O conselheiro Aires, uma espécie de guru
da diplomacia para Flor, aparece inicialmente
como personagem machadiano em Esaú e Jacó,
romance de 1904, para, em seguida, ter um livro
só seu, de memórias, o Memorial de Aires, de
1908, ano da morte de Machado. Em Esaú e
Jacó, o autor focaliza o fato político da Proclamação
da República, em 1889. No Memorial, o
tempo histórico é 1888, ano da Abolição da Escravatura
no Brasil. E, no Homem de papel, Almino
concentra a ação neste selvagem 2022,
ano de eleições, destacando-se a de Presidente
da República, e faz um contraponto com as duas
obras citadas, no sentido de discutir com espírito
crítico a insana situação política do país,
no passado como no presente. Replica, portanto,
os personagens: os gêmeos briguentos Pedro e
Paulo, de Esaú e Jacó, em Miguel e Hugo
(trigêmeos com Flora) igualmente beligerantes e
irreconciliáveis, metáfora sutil para o Brasil de
hoje. Por sua vez, Flor lembra a indecisa Flora
quanto à escolha do parceiro, enquanto Leonor,
a professora argentina especialista no conselheiro-personagem,
guarda semelhança com Fidélia,
a jovem viúva que despertou todos os sentidos
(ocultados) do velho conselheiro Aires. Fidélia,
Leonor – tema da fidelidade conjugal em
Beethoven.
A ideia do autor é muito feliz, pois utiliza
um recurso cômico ao fazer o velho conselheiro
viajar ao futuro e ao passado, do qual, na verdade,
nunca saiu, com sua cultura e linguagem
polida, seu colete, fraque, botinas enceradas e
bigode retorcido. Todo ele démodé. Mas ninguém
em Brasília repara... Ele sai e volta ao livro
com desenvoltura, como um animalzinho de
estimação – e obediente – de Flor, que o guarda
com todo o cuidado. Mas as coisas mudam e ele
vai parar até num sebo. E em lugares piores.
Muito piores. É um personagem falante. Um
verdadeiro “audiobook”.
O melhor do livro é esse jogo, uma
espécie de “mise en abyme”, um romance dentro
do outro, o que é muito engenhoso e divertido.
Há também um “trompe-l’oeil” literário que
brinca com a própria narração, uma vez que os
personagens de Homem de papel dizem ao conselheiro
que ele não tem existência real, que é
um personagem de romance, um homem sem
carne – de papel -, quando na realidade esses
mesmos personagens são igualmente de papel
para o leitor. Sem contar a aparição do enigmático
editor M. de A. para aumentar o imbróglio.
Os personagens do Memorial dialogam
entre si, a exemplo de dona Cesárea, velha amiga
de língua afiada, que pede ao conselheiro
que volte ao passado. Os diálogos se alternam
entre passado e presente, num exercício de intertextualidade,
o que na narrativa significa futuro,
num jogo entre ficção e... ficção.
E o conselheiro, homem conservador, vai
se adaptando à nova vida, se soltando muito à
vontade, protagonizando mil e uma peripécias,
rebelando-se, o que preocupa Flor: “conselheiro,
imploro que as situações que o senhor anda criando
parem por aí. O senhor sabe o carinho e o
respeito que tenho pelo senhor.” (Pág. 117). Algumas
delas como fazer pagamentos com moedas
do século 19 que ainda trazia no bolso; fugir
sem pagar a conta; frequentar as redes sociais
com milhões de seguidores; ser guiado por um
cego pelas ruas de Brasília; visitar o palácio do
Itamaraty (de onde quase foi expulso); lidar com
fake news e participar de manifestação política
na Esplanada dos Ministérios. Esta, particularmente
hilariante, tem alguma coisa de O rinoce-
69
Chicos
ronte, de Ionesco, pelo absurdo da situação.
Assim como a sessão na Câmara dos Deputados,
cuja comicidade atinge o paroxismo com a discussão
acalorada sobre a questão de uma anta
ser candidata às próximas eleições. (Num país
que quase elegeu um macaco, o Tião, à prefeitura
do Rio de Janeiro, tudo é possível.). Almino
utiliza com muita graça o jargão de todas as categorias
sociais, bem como os mais variados registros
linguísticos como profundo conhecedor
da língua portuguesa que é, e não só da língua
de Machado de Assis, cujo representante no romance
é o conselheiro Aires, homem lido e relido,
leitor de Shelley, Dostoiévski, Platão. Sobrevivendo
a si mesmo, diz: “Vocês pensam, logo
existo”.
Assim, o embaixador João Almino com
sua prosa vigorosa mais uma vez declara o seu
amor a Brasília de JK, Lúcio Costa e Niemeyer,
que, agradecida, o abraça calorosamente; cidade
aberta ao novo e ao velho – que nela se encontram,
ou se cruzam, como os dois eixos que
formam o traçado da cidade. Assim também, o
velho diplomata, exumado, se encontra com o
novo Brasil, que, dividido, anseia por dias melhores.
Que hão de vir.
O escritor João Almino
Foto Pio Figueroa
* Vera Lúcia de Oliveira
Nasceu em Luziânia GO, mora em Brasília DF. É graduada em Língua Portuguesa e
respectivas literaturas pela Universidade de Brasília - UnB, onde também se especializou
em Literatura Brasileira e em Teoria Psicanalítica no UniCEUB. Tem se dedicado à
escrita de artigos, resenhas e ensaios publicados em jornais de Brasília, Rio de Janeiro,
Rio Grande do Norte e Ceará. É autora do livro O beijo da mãe e outros ensaios de
Literatura e Psicanálise.
70
Entre a luz e as trevas
Chicos
* Krishnamurti Góes dos Anjos
Aqueles que têm alguma familiaridade
com gêneros ficcionais sabem que o conto é gênero
caracterizado por ser uma narrativa literária
curta, tendo começo, meio e fim, narrados de
maneira breve, porém o suficiente para contar a
história completa. Possui elementos e estrutura
bem-marcados, sendo que o tipo de história pode
indicar o tipo de conto que estamos lendo. A
escritora Eltânia André, brinda os leitores com
sua última produção que leva o título de
“Corpos luminosos”, em edição a ser comercializada
pela editora Urutau.
Eltânia, é autora já de considerável currículo
literário. Em vários de seus textos pratica o
conto clássico, aquele no qual o início e o desfecho
têm importância fundamental. Aquela ficção
que reserva ao miolo (onde entra mais fortemente
o talento do contista), a arquitetura do ponto
de vista, o lugar, o tempo, o problema e até
mesmo personagens de apoio engendrados para
prender a atenção do leitor. Tudo nasce e se realiza,
de sua expressão e do universo que cria ou
recria. Essas as suas narrativas mais trabalhadas,
no que diz respeito à extensão textual. O conto
clássico com sua unidade básica da modulação e
desenvolvimento que refletem quadros íntimos
de personagens específicas e bem construídas.
Textos que passam aos leitores aquele singular
efeito único do qual nos falou Edgard Allan Poe.
Referimo-nos acima acerca da experiência
da autora. É o que se constata quando ela alterna
o conto tradicional, com aquilo que a crítica
ainda chama reticentemente de Miniconto, ou
microconto, ou nanoconto (como queiram). Espécie
de conto muito pequeno. Evidente que as
características do que chamamos de miniconto
são diferentes das de um "conto pequeno". Fiquemos,
à guisa de simplificação formal, com o
Miniconto. Mantendo-se os principais elementos
do conto (de tempo e espaço), e a estrutura de
começo, meio e fim, pode-se variar de uma frase
até uma página e deve produzir no leitor efeito
semelhante àquele proporcionado pelo conto
tradicional. Evidente também que a participação
do leitor é fundamental, pois este preencherá as
lacunas deixadas pelo autor, com sua vivência,
com seu repertório de leituras. A ideia é que no
mínimo possível de palavras, seja apresentado
todo um contexto e uma ação em torno do pouco
que é revelado. Isto porque, lógico está, que
o número reduzido de palavras, impõe uma expansão
de significados que podem ser imaginados.
Uma das principais características desse
tipo de texto talvez seja a ênfase na sugestão,
uma vez que sua concisão não permite descrições.
Cabe ao leitor, portanto, a tarefa de percorrer
os vazios do texto e preencher o não-dito,
71
Chicos
história lida. Outra característica, ligada à concisão,
talvez seja o final surpreendente. Desenvolvido
em poucas linhas, o miniconto acaba de
supetão, causando certo espanto no leitor e convocando
sua interpretação. Exemplo claro do
que afirmamos, é o texto “Nada é pra ontem”.
Senão vejamos:
“Dona Betânia anunciou, com lágrimas
nos olhos, a sua máquina de costura na OLX. A
Singer era como um membro da família, mas o
que ouviu do primogênito foi: nada foi feito para
durar, já dizia Bauman… ou Bill Gates, já nem
me lembro.”
Um conto como este ultrapassa em sua
síntese enunciativa, aquilo que José Saramago
escreveu: “O problema não é que as pessoas tenham
opiniões, isso é ótimo. O drama é que as
pessoas tenham opiniões sem saber do que falam”,
o que está se tornando muito, muito comum.
O primogênito em questão, além de não
saber patavinas do que é durar, e de que até as
coisas podem ter valoração afetiva, confunde
duas figuras radicalmente antagônicas. De um
lado Zygmunt Bauman e seu alerta de
‘modernidade líquida’ com as relações sociais,
econômicas e de produção cada vez mais fragilizadas,
fugazes e maleáveis, que dominam o
mundo hoje. De outro o milionário Bill Gates e
sua acumulação estúpida de capital pautada inclusive
na descartabilidade.
Não importa a forma. A autora sempre
oferece ao leitor momentos de deleites literários.
Seja explorando o teor anedótico expresso em
“Exoneração”, ou espectral em “Devir animal”.
Ora lemos um texto intimista e nutrido de silêncios
como percebemos em “O-dores” ou
“Templo de Ártemis”, ora em uma narração objetiva
e perversa como é “Vale das corujas”, ou
ainda, e finalmente, de conteúdo impressionista
como é “Mutantes”. O que fica sempre é o golpe
certeiro na consciência do leitor, aquele insight,
o imprescindível mergulho existencial a
nos mostrar que nas trevas do subconsciente ou
em situações de franca consciência, ainda somos
pequeninos seres em constante devir.
Atualmente há variadas tendências de
abordagem teórica do que entendemos como
ficção fantástica, histórias que possuem a capacidade
de enfeixar em suas tramas acontecimentos
insólitos. A construção da narrativa fantástica
pode assumir variadas formas, agregar diversificados
elementos e, dependendo da maneira como
é tecida a sua trama, os estudiosos delegam
a ela variáveis denominações. A autora envereda
por essa vertente com a mesma mão firme em
contos dessa natureza. E isto nos recorda que
Tzvetan Todorov foi, indubitavelmente, o teórico
balizador desta tendência, e isso se deve não ao
fato de tê-la inaugurado, mas de ter, em 1968,
com a clássica Introdução à literatura fantástica,
organizado os estudos anteriores, reunindo-os,
discutindo-os e, a partir deles, imprimido uma
perspectiva teórica que agrupou formas similares
de trabalho com o sobrenatural e apartou essas
formas de outras, com características dissonantes.
Para esse teórico, nós leitores, somos
transportados para o âmago do fantástico na si-
72
Chicos
tuação em que, pisando no solo de um mundo
que conhecemos, um mundo prosaico às nossas
vivências, sem anjos, demônios ou monstros,
vemo-nos diante de um acontecimento impossível
de esclarecer pelas leis desse mundo familiar.
E, então, temos duas opções pela frente: ou tal
acontecimento é fruto da nossa imaginação, uma
ilusão dos nossos sentidos, (ver especialmente o
conto “A encruzilhada”) ou o acontecimento
integra a nossa realidade. Ainda que esteja regida
por leis que ignoramos. É uma literatura, a
fantástica, que fratura a realidade e se ergue como
uma estética em que a incerteza é a base de
criação, literatura essa que existe desde os primórdios,
fruto do imaginário dos seres humanos.
É expressão que, como bem apontou José Paulo
Paes, abarca o campo poético e alegórico. Onde
poesia e alegoria ajudam a tecer, sobretudo a
polissemia literária. Se abre como uma fantasia
que projeta enigmas, os quais clamam não por
uma decifração, porém por decifrações
(iluminações). Evocar o que não existe no solo
em que pisamos, e também abrir-se como um
cristal a suscitar outras luminosidades ou trevas,
O conto de Eltânia em suas variadas tendências
estéticas e formais, bate em portas fechadas,
forceja abrir espaços à sugestão, sempre
a germinar nos meandros das entrelinhas. Ali ele
se completa, se transforma e se diversifica.
A prosa de ficção exige intensidade no
que revela de aprendizado humano, expressão
verbal do universo ficcional com peculiar visãode-mundo.
Quando isto se combina, bem dosado
por mãos hábeis como as da autora, temos
afinal a obra de destino duradouro. E some-se
um indefectível e encantado lirismo como aquele
que encontramos em todo o livro, particularmente
no pungente registro da memória de uma certa
garotinha do conto título. “Corpos luminosos”
traz uma epígrafe de Eugênia Sereno: “Só o
amor empresta ao homem como que uns fragmentos
de eternidade”, é o suprassumo da revisitação
da memória ante a formação humana
desde a mais tenra idade. Onde o amor familiar
se nos grava indelevelmente. Justo assim como
uma imensa cratera que um meteoro deixa marcada
ao se espatifar contra o solo de nossas vidas.
para enxergarmos o real de nossas existências.
* Krishnamurti Góes dos Anjos
Escritor, crítico e ensaísta, autor de vários livros, entre os quais: Il Crime
dei Caminho Novo — Romance Histórico, Gato de Telhado — Contos,
Um Novo Século — Contos, Embriagado Intelecto e outros contos, Doze
Contos & meio Poema e À flor da pele — Contos e O Touro do rebanho
— Romance histórico 1º lugar no Prêmio José de Alencar, da União Brasileira
de Escritores UBE/RJ (2014).
73
Solha & Os Ronaldos
Chicos
*W. J. Solha
Ronaldo Werneck e Ronaldo Cagiano nasceram
em Cataguases, Minas, em 43 e 61.
Marcados pelos mananciais que cortam
sua cidade, Ronaldo Werneck publicou
“Cataminas Pomba e outros rios” em 2012, Ronaldo
Cagiano lançou “Os Rios de Mim” em
2018.
Há muitos mineiros escritores – alguns
mais próximos de mim ( como os dois ). Entre
os que já se foram, o que mais influência exerceu
na região – tira-se pelos dois Ronaldos – foi
Guimarães Rosa – que herdou de James Joyce o
zelo por neologismos (tattarrattat, monoideal,
ringroundabout ). Guimarães criou expressões
74
famosas como nonada, circuntristeza e enxadachim.
Em Ronaldo Werneck se encontram coisas
como futurontem, relógio tiquetapeando o tempo,
marenoite. Cagiano parte pra outro sistema,
desdobrando as palavras. Gosta, por exemplo,
de f(l)ui, usado várias veze nesse livro, na identificação
permanente dele mesmo com os rios que
marcaram sua infância.
Mas há similares, como apre(e)nde, (d)
esgo(s)tos, des(a)tino. Bem, mas as semelhanças
ficam aí.
Werneck vive e descreve, sempre, uma
espécie de Moveable Feast – como o livro de
Hemingway ( Paris é uma festa ). Cagiano é triste:
“Há um mundo dentro das palavras
(máquina soturna)”
-
“Entre tantos desencontros,
desencantos,
descaminhos,
o bisturi de Freud
duelando com o criminoso silêncio de
Deus
responde às minhas dúvidas”
-
“Nas águas peregrinas
do obeso rio da minha infância
Chicos
Já Werneck diz, por exemplo, que “é verão
/ e são / comoção belas / as mulheres”.
Mas por que, pra Cagiano, a poesia estaria
em pânico?
Você encontra a resposta de mestre, dele,
As paredes:
necrotérios de sombras.
-
Os álbuns
de retratos
em quase todas as páginas de seu livro. Veja este
trecho:
“A ruminação das enfermidades,
a obstinação das guerras,
o fetiche do deus mercado,
a trânsfuga certeza das verdades,
o litígio das favelas,
os maxilares da violência,
a cegueira dos rebanhos,
a tara alucinógena dos evangélicos,
(canteiros de insetos mortos )
calados & escuros:
escondem esqueletos de lembranças,
são tão estrangeiros quanto eu.
-
O passado,
mural de ossos insculpido nas paredes
mortas,
atravessa-me com seu silêncio
& seus segredos”.
a vassalagem da globalização”.
Bem. Encerro com um poema curto, dele:
“Memorial do Anonimato”, porque acho que
pela unha se conhece o leão:
-“Os móveis da casa
em sua insuspeita alienação
estão mudos.
-
* W. J. Solha
Waldemar José Solha, nascido em Sorocaba e radicado em João Pessoa, é
pre-miado escritor, crítico, ensaísta, pintor, ator e autor teatral, publicou,
dentre outros, Relato de Prócula, História Universal da Angústia, Deus e
outros 40 problemas e Trigal com corvos.
75
Chicos
Lendo os Clássicos
50 contos e 3 novelas (2007)
*Luiz Ruffato
Esta coletânea reúne seis livros do Autor,
compreendendo parte de sua produção publicada
de 1973 a 2003, entre contos e novelas
(que, na minha opinião, são apenas contos
longos...). O que mais impressiona no Autor
não é a diversidade de assuntos - porque, na
verdade, ele é quase monotemático -, mas a
originalidade com que os trata. Na verdade, o
Autor inventa um quase gênero - "sempre
gostei de escrever minhas histórias como se
elas se passassem num palco. Ou mesmo um
teatro de marionetes" (p. 229) - que mistura,
com maestria, ficção e ensaio - um ensaio ficcional
ou uma ficção ensaística -, não à maneira
do argentino Jorge Luís Borges (1899-
1986), que se alimenta da própria ficção, mas
à sua própria maneira, "que poderia fazer de
uma reles aula uma obra de arte" (p. 308).
Outra coisa que chama a atenção é a excepcional
qualidade de seus textos - que se mantêm
em altíssimo nível, desde os primeiros trabalhos
até os últimos -, algo raro na carreira de
qualquer escritor, composta em geral por altos
e baixos. O leitor percebe que o Autor - essa
entidade abstrata, que se realiza ou se define
como voz identificável - já está maduro nos
contos de Notas de Manfredo Rangel, repórter,
de 1973. O que ele faz, ao longo dos outros
livros, é se depurar, não como alguns que
transformam estilo em maneira ou fórmula, e
passam a vida plagiando a si mesmos, mas
como alguém que consegue ampliar, a cada
livro, as suas descobertas. Por isso, não vou
destacar um conto ou outro, pois fazer isso
seria contraditar o que acabo de dizer - mas
vou apenas chamar a atenção para um detalhe,
que ilustra à perfeição o que quero iluminar.
O Autor toma um tema pouco explorado
na literatura brasileira, o futebol, e com ele
constrói duas obras-primas da narrativa curta:
76
Chicos
"No último minuto", do primeiro livro, já referido,
e "Na boca do túnel", de O concerto de João
Gilberto no Rio de Janeiro, de 1982. Apaixonado
por futebol, o Autor compreendeu as possibilidades
dramáticas do esporte, e ainda perpetrou
dois outros contos maravilhosos, "Páginas sem
glória", do livro homônimo, publicado em 2012,
e "O torcedor e a bailarina", de O homemmulher,
de 2014 - que não estão, claro, nesta
coletânea. O Autor é um desses clássicos que
permanecerão como leitura prazerosa e instigante
ao longo da História
50 contos e 3 novelas (2007)
Sérgio Sant'Anna (1941-2020) - BRASIL
São Paulo: Cia das Letras, 2007, 618 páginas
Avaliação: Muito bom
* Luiz Ruffato
Nasceu em Cataguases MG, reside em São Paulo SP. Entre tantas obras de sua autoria
destacam-se: Eles eram muitos cavalos, de 2001, ganhou o Troféu
APCA oferecido pela Associação Paulista de Críticos de Arte e o Prêmio Machado de
Assis da Fundação Biblioteca Nacional. Esse livro o tornou um escritor reconhecido
no país. Em 2011 concluiu o projeto Inferno Provisório, com a publicação do romance
Domingos Sem Deus, iniciado com Mamma, son tanto Felice em 2005, composto
por cinco livros sobre o operariado brasileiro.
77
Clips
Chicos
.
Poemas do Núcleo Rural
Marcelo Benini
ano de edição: 2022
Editora Penalux
https://www.editorapenalux.com.br/loja/poemas-do-nucleo
-rural
É de pássaros e de pedras, mais que de palavras,
a poesia de Marcelo Benini. E de rios, cuja presença
é recorrente em Poemas do Núcleo Rural,
sua mais recente obra. Rios que se entrecruzam
em um lugar imaginário: o Pomba, que banha
Cataguases, berço meio mágico do poeta e de
tantos artistas, e o Maranhão, rio riacho correndo
no fundo de sua chácara no cerrado, que vai
desaguar no Tocantins. [...] A presença divina
perpassa os versos, a presença de um deus que
não precisa de nome, pois está vivo nos reinos
animal, vegetal e mineral, falando por meio da
porosidade das pedras, do ruído das águas correndo,
do vento que move os galhos onde brincam
os saguis. Com a imaginação, acompanhei
o poeta e me vi adentrando no rio, o seu rio que
ele generosamente partilha conosco. Rodando a
bateia achei areia escura, sim, mas fiquei perplexa
ao perceber que os seixos são, na realidade,
diamantes cor-de-rosa, os mais caros do mundo.
Rosângela Vieira Rocha
Cerveja amarga
Rebeca Maia
ano de edição: 2022
Editora Ipêamarelo
https://editoraipeamarelo.com.br/produto/cervejaamarga/
Num bar, prestes assinar a papelada do divórcio,
esparramada no sofá da sala, recém acordada,
na cama, noutro bar, noutro país… Não importa
em que lugar estejam as narradoras das onze
histórias que compõem este “Cerveja amarga”,
livro de estreia da escritora Rebeca Maia. A sensação
é a mesma. Somos raptados para o mundo
interior feminino, num fluxo de pensamentos
que nos puxa às profundezas do cotidiano e para
os abismos das relações. E depois dessa viagem
“forçada” pelos encantos da linguagem, emergimos
com a suspeita de que muito já se falou sobre
amor e com a certeza de que é sempre possível
dizê-lo de um jeito novo.
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Chicos
Sala privê
Ronaldo Brito
ano de edição: 2022
Editora Labrador
https://loja.editoralabrador.com.br/sala-prive
Embora totalmente fictício, este livro vem a ser
uma boa imagem da realidade que está diante
dos nossos olhos. Os jovens estão aprendendo
a fazer contas cada vez mais cedo, e seus relacionamentos
estão se pautando mais pelas leis
comerciais que pelos sentimentos íntimos que
valorizávamos há menos de um par de décadas.
Nunca foi tão fácil usar o dinheiro para obter
prazer sexual, mas será que esse prazer se encaixa
com facilidade no prazer maior e necessário
que é a própria alegria de viver?
A obra convida a essa reflexão, narrando momentos
marcantes da vida de um escritor que
enfrenta distraidamente os problemas típicos
do seu tempo.
Arvore
Davi Fantuzzi
ano de edição: 2020
Editora: Edição do Autor
Dizem os primeiros versos de Ciência catingueira:
“os seres da natureza/ no Sertão são
altruístas/ sabem que vão morrer, mas/ nem
por isso são pessimistas/ quando chove, as
plantas/ tratam logo de florir”. O poema compõe
o livro de estreia do poeta Davi Fantuzzi,
intitulado Árvore. São quase 60 poesias dividindo
a publicação em quatro dimensões da
vida: Germinar, Crescer, Florir e Frutificar. “É
uma leitura que promove o encontro com o
que há de mais visceral e premente em nós,
(re)ligando-nos de forma telúrica com diferentes
dimensões do existir”,
Maria Lúcia de Figueirêdo.
O livro está à venda pelo email:
davi.fantuzzi@gmail.com
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Chicos
Invisíveis Olhos Violeta
Rosângela Vieira Rocha
ano de edição: 2022
Editora Ventania Editorial
Uma mulher de 70 anos tenta encontrar um
novo amor por meio de redes de relacionamento
enquanto vive um drama familiar. Bem humorado
e reflexivo, o novo romance de Rosângela
Vieira Rocha levanta as principais questões
que afetam a vida de mulheres de todas as
idades e - principalmente - da feminilidade madura.
Eu com certeza sou essa daí
Rosalia Sousa
ano de edição: 2022
Editora Flyve
www.editoraflyve.com
Muitas vezes, nos escondemos em fisionomias
sérias e olhares carrancudos. O trabalho, como
preocupações, como lutas diárias e constantes
para cumprir agendas e compromissos com filhos,
estudos entre outros, nos absorvem e abafamos
o nosso eu. ''Com certeza, eu sou esse
daí'' reflete o olhar interior, o essencial de nossa
alma. Com leveza deixamos ser tocados pelos
contos e encantos da essência humana
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