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Robert B. Chisholm Jr. - Introdução aos Profetas

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ROBERT B. CHISHOLM JR.

Isaías, Jeremias, Lamentações, Ezequiel, Daniel e os Profetas Menores


Introdução aos Profetas, de Robert B. Chisholm © 2018 Editora Cultura Cristã. Publicado originalmente

com o título Handbook on the Prophets Copyright @ 2002 by Robert B. Chisholm, Jr. por Baker

Academic, uma divisão da Baker Publishing Group, Grand Rapids, Michigan, 49516, USA. Todos os

direitos são reservados.

Ia edição 2018 - 3.000 exemplares

Conselho Editorial

Antônio Coine

Cláudio Marra (Presidente)

Heber Carlos de Campos Jr.

Marcos André Marques

Mauro Fernando Meister

Misael Batista do Nascimento

Tarcízio José de Freitas Carvalho

Produção Editorial

Tradução

Fernando Santos Kerr

Revisão

Vagner Barbosa

Carolina Curassá Rosa

Wilton Lima

Editoração e capa

OM Designers Gráficos

C524i Chisholm Jr., Robert B.

Introdução aos profetas / Robert B. Chisholm Jr.; traduzido

por Fernando Kerr, 2018

576 p

Tradução Handbook on the prophets

ISBN 978-85-7622-649-9

1. Estudo bíblico 2. Manual bíblico I. Título

CDU 2-277

A posição doutrinária da Igreja Presbiteriana do Brasil é expressa em seus “símbolos de fé”, que apresentam o modo

Reform ado e Presbiteriano de com preender a Escritura. São esses símbolos a Confissão de Fé de Westminster e seus

catecismos, o Maior e o Breve. Com o Editora oficial de um a denom inação confessional, cuidamos para que as obras

publicadas espelhem sempre essa posição. Existe a possibilidade, porém , de autores, às vezes, mencionarem ou mesmo

defenderem aspectos que refletem a sua própria opinião, sem que o fato de sua publicação por esta Editora represente

endosso integral, pela denom inação e pela Editora, de todos os pontos de vista apresentados. A posição da denom inação

sobre pontos específicos porventura em debate poderá ser encontrada nos mencionados símbolos de fé.

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êDITO Rfl CUlTURfl CRISTA

Rua Miguel Teles Júnior, 394 - CEP 01540-040 - São Paulo - SP

Fones: 0800-0141963 / (11) 3207-7099 - Fax (11) 3209-1255

www.editoraculturacrista.com.br - cep@cep.org.br

Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas

Editor: Cláudio Antônio Batista Marra


Com amor e admiração

à minha esposa, Debra,

que pode ser comparada com os

profetas de outrora em sua devoção

a Deus e à sua Palavra.


Sumário

Prefácio 9

Abreviaturas 11

isaías 15

Jeremias e Lamentações 171

O profeta das lágrimas (Jeremias) 171

Choro por Sião (Lamentações) 239

Ezequiel 259

Daniel 327

Profetas Menores 377

A restauração de uma esposa rebelde (Oseias) 378

O dia do Senhor está próxim o! (Joel) 413

Um leão a rugir (Amós) 422

A vingança é minha (Obadias) 451

Um profeta desobediente aprende uma lição (Jonas) 454

O castigo do pecado e o cu m p rim e n to de promessas 466

(Miqueias)

A queda de Nínive (Naum) 478

Um panorama do futuro (Habacuque) 484

0 juízo que purifica (Sofonias) 496

O am anhecer de uma nova era (Ageu) 503

A restauração de Sião e de seus líderes (Zacarias) 509

A purificação de uma com unidade (Malaquias) 532

índice de assuntos 567


Prefácio

A literatura profética da Bíblia hebraica apresenta grandes obstáculos de

interpretação. Sua poesia, embora repleta de imagens vividas que prendem

a imaginação e as emoções, também desafia a compreensão do leitor por

sua economia de expressões, pelas mudanças rápidas de humor e, às vezes,

algumas alusões cifradas. O leitor da literatura profética rapidamente

percebe que esses livros foram escritos em pontos específicos no tempo,

com os quais o leitor moderno parece ter pouca intimidade. Porém, esses

livros são mais do que simplesmente documentos antigos escritos para

pessoas que já morreram há tempos. Eles contêm a verdadeira palavra

do Deus eterno, cuja mensagem transcende o tempo e o espaço. Como os

profetas antigos, também adoramos a Deus, e, pelo mistério da inspiração,

suas palavras podem nos dar uma visão do caráter de Deus e nos desafiar a

amá-lo mais e a servi-lo com devoção maior.

Por causa dos desafios interpretativos e de sua importância, a literatura

profética requer estudo cuidadoso. Acadêmicos têm produzido extensos

comentários técnicos sobre cada livro profético, em um esforço para fazer

justiça a esses livros e para oferecer obras de referência permanentes para

acadêmicos profissionais. Essas obras abordam questões de interpretação

com grande profundidade, tentando não deixar pedra sobre pedra. Este livro

não é desse gênero de comentário técnico. Este volume dá uma visão geral

da mensagem dos profetas por meio de um comentário fluente que analisa

a estrutura, os temas e a mensagem dos profetas. De fato, deve-se ver a

floresta e as árvores individualmente, pois as partes individuais não farão

sentido sem uma ideia do todo. Entretanto, por necessidade, eu, às vezes,

abordo questões de interpretação especialmente importantes em maior

profundidade e tento sintetizar e interagir com outras opiniões acadêmicas


110 | Introdução aos profetas

expressas na literatura e nos comentários técnicos. Muito dessa discussão

aparece nas notas de rodapé. Para aqueles que desejam ir mais fundo em

trabalhos acadêmicos sobre a literatura profética, apresentamos bibliografia

ao final de cada capítulo. Em sua maioria, as bibliografias estão limitadas a

obras em inglês que foram concluídas desde 1990.

O público-alvo deste livro não é o acadêmico profissional nem mesmo

o estudante avançado, embora esperemos que eles achem o livro útil. Ele

é mais direcionado aos estudantes de graduação que fazem pesquisa sobre

os profetas, alunos de cursos introdutórios de seminários, pastores e leigos

envolvidos em um estudo sério da Bíblia. Meu desejo é que este livro seja

proveitoso no estudo desta parte desafiadora e excitante da Palavra de Deus.

Robert B. Chisholm Jr.


Abreviaturas

AB

A USS

BA

BASOR

BDB

Bib

BRev

BSac

BT

BTB

CBOTS

CBQ

CTA

ETL

ExpT

FOTL

GKC

HALOT

HAR

Anchor Bible

Andrews University Seminary Studies

Biblical Archaeologist

Bulletin o f the American Schools o f Oriental Research

Brown, F.; S. R. Driver; e C. A. Briggs. A Hebrew andEnglish

Lexicon o f the Old Testament. Oxford, 1907

Biblica

Bible Review

Bibliotheca Sacra

The Bible Translator

Biblical Theology Bulletin

Coniectanea Biblica: Old Testament Series

Catholic Biblical Quarterly

Corpus des tablettes en cunéiformes alphabétiques découvertes

àRas Shamra-Ugarit de 1929 a 1939. Org. A. Herdner. Mission

de Ras Shamra 10. Paris, 1963

Ephemerides theologicae lovanienses

Expository Times

Forms of the Old Testament Literature

Gesenius ’Hebrew Grammar. E. Kautzsch (org.). A. E. Cowley

(trad.). 2 ed. Oxford, 1910

Koehler, L.; W. Baumgartner; J. J. Stamm. The Hebrew and

Aramaic Lexicon ofthe Old Testament. Trad. M. E. J. Richardson

(org.). 4 vols. Leiden, 1994-1999

Hebrew Annual Review


] 12 I Introdução aos profetas

HSM

HTR

HUCA

ICC

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JANES

JAOS

JBL

JETS

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SBLMS

SBLSP

SJT

SJOT

TBT

TDOT

TJ

Harvard Semitic Monographs

Harvard Theological Review

Hebrew Union College Annual

International Criticai Commentary

Interpretation

Journal o f the Ancient Near Eastern Society o f Columbia

University

Journal o f the American Oriental Society

Journal o f Biblical Literature

Journal o f the Evangelical Theological Society

Journal o f Jewish Studies

Journal o f Northwest Semitic Languages

The JPS Bible Commentary

Journal for the Study o f the New Testament

Journal for the Study o f the New Testament Supplements

Journal for the Study o f the Old Testament

Journal for the Study o f the Old Testament Supplements

Journal o f Semitic Studies

Journal o f Theological Studies

King James Version

New American Commentary

New American Standard Bible

New Century Bible

New English Translation

Nederduitse gereformeerde teologiese tydskrif

New International Commentary on the Old Testament

New International Version

Old Testament Essays

Old Testament Library

Oudtestamentische Studiên

Revue Biblique

Society of Biblical Literature Dissertation Series

Society of Biblical Literature Monograph Series

Society o f Biblical Literature Seminar Papers

Scottish Journal o f Theology

Scandinavian Journal o f the Old Testament

The Bible Today

Theological Dictionary o f the Old Testament. G. J. Botterweck;

H. Ringgren (orgs.). J. T. Willis; G. W. Bromiley; D. E. Green

(trads.). 8 vols. Grand Rapids, 1974-

Trinity Journal


A breviaturas j 13 1

TOTC

TynB

UF

VT

VTSup

WBC

WTJ

ZAW

Tyndale Old Testament Commentaries

Tyndale Bulletin

Ugarit-Forschungen

Vetus Testamentum

Vetus Testamentum Supplements

Word Biblical Commentary

Westminster Theological Journal

Zeitsehrift fu r die alttestamentliche Wissenschaft


Isaías

introdução

A carreira profética de Isaías se estendeu por pelo menos quatro décadas.

Deus o comissionou como profeta em 740 a.C., ano da morte do rei

Uzias (Is 6.1). Seu ministério continuou pelos reinados de Jotão e Acaz

e durou até o reinado do rei Ezequias, que governou Judá de 715 a 686

a.C. (Is 1.1).

Essa foi uma época agitada. O poderoso império assírio estava se expandindo

para oeste e engolindo reinos menores, como Israel e Judá. Por volta

de 722 a.C., os assírios tinham conquistado Israel, levado seu povo para o

exílio e transformado seu território em uma província assíria. O reino de

Judá também tinha se tomado vassalo da Assíria. Quando Judá veio a se

rebelar, os assírios invadiram o país (701 a.C.) e conquistaram a região em

tomo de Jerusalém. Foi somente pela intervenção milagrosa de Deus, em

resposta à oração do rei Ezequias, que a cidade se salvou (Is 36-37). Isaías

viveu tudo isso, profetizando esses acontecimentos e intimando o povo de

Deus a se arrepender.

O livro que contém as profecias de Isaías tem duas unidades literárias

principais. A primeira (caps. 1-39) reflete principalmente as preocupações

e realidades sociopolíticas da época de Isaías. O livro inicia com

uma profecia de 701 a.C., perto do final da carreira de Isaías. No fim da

invasão assíria, Isaías orientou Judá ao arrependimento, alertando que a

permanência no pecado acarretaria juízo ainda mais severo. O capítulo 39

narra um episódio desse mesmo período em que Isaías alerta que os babilônios

terminariam levando o povo de Judá para o exílio. Os capítulos 1 a 39


116 { Introdução aos profetas

podem ser subdivididos em quatro seções: do capítulo 1 ao 12, do 13 ao

27, do 28 ao 35 e do 36 ao 39.

A segunda unidade literária principal do livro (caps. 40-66) antecipa o

exílio e aborda as preocupações quanto aos futuros exilados na Babilônia.

Tenta convencer os exilados de que seu Deus está vivo e passa bem, apesar

das aparências. Ele deseja e é capaz de libertá-los do exílio e guiá-los

para uma nova era de luz na história da nação. O grande soberano persa

Ciro, que conquistou a Babilônia em 539 a.C. e decretou que os exilados da

Judeia podiam retomar ao seu lar, chega a ser mencionado nominalmente

(Is 44.28^15.1). Pode-se dividir os capítulos 40-66 em duas seções, do

capítulo 40 ao 55 e do 56 ao 66.

Em razão do evidente cenário de exílio dos capítulos 40-66, a maioria

dos acadêmicos nega a autoria desses capítulos a Isaías e os atribui, alternativamente,

a um indivíduo anônimo (chamado de “segundo Isaías” ou

“Dêutero-Isaías”) que teria vivido durante o exílio. Alguns sugerem que um

terceiro indivíduo (chamado “terceiro Isaías” ou “Trito-Isaías”), que teria

vivido no período pós-exílio, teria escrito os capítulos 56-66.

Enquanto, por um lado, assume-se, nos capítulos 40-66, que o exílio já

aconteceu e que Jerusalém está em ruínas, isso não exclui a possibilidade

de autoria da seção pelo próprio Isaías. Um dos principais temas da unidade

é que o Deus soberano de Israel controla a história. Ele pode decretar

e anunciar eventos muito antes de eles acontecerem. Tendo avisado que

viria o exílio, esse mesmo Deus, falando por seu profeta, aborda a futura

geração de exilados antecipadamente e fala de forma muito específica sobre

suas circunstâncias. Uma mensagem única assim, originada décadas antes

da situação abordada, era destinada a desafiar os desmotivados exilados a

olhar para o futuro com esperança e expectativa.

A abordagem retórica de Isaías nos capítulos 40-66 pode ser comparada

à de um avô idoso que escreve uma carta para sua neta bebê e a

sela com as palavras: “Para ser aberta no dia do seu casamento.” O avô

sabe que pode não viver o bastante para ver o casamento de sua neta,

mas entende os desafios que ela vai enfrentar como esposa e mãe. Ele se

projeta no futuro e fala à sua neta como se, de fato, estivesse presente

em seu casamento. Pode-se imaginar o profundo impacto retórico que

uma carta dessas teria sobre a neta, na medida em que ela reconhece a

previsão e o conhecimento contidos nela e percebe quanto seu avô se

preocupava com ela. Quando o povo de Deus, exilado, vivendo mais

de 150 anos depois de Isaías, ouviu essa mensagem que ele lhe deixou,

deveria ter percebido que Deus tinha previsto essas circunstâncias e que

se preocupava com ele o suficiente para encorajá-lo com uma mensagem

de esperança renovada.


Isaías 117 j

Um arco-íris depois da tempestade (Is 1-12)

Os capítulos 1-12 mesclam anúncios de juízo com descrições de um

tempo futuro em que ajustiça e a paz encheriam o mundo.1Apesar de as

acusações contra o rebelde povo de Deus e as imagens do iminente juízo

dominarem os capítulos iniciais, o profeta prevê dias melhores além da

fumaça do juízo (2.2-4; 4.2-6). Esse fino raio de esperança, então, irrompe

em uma luz brilhante (9.1-7) que dissipa a escuridão e domina os capítulos

finais (caps. 11-12).

Obediência, não sacrifício (1.1-20)

Em 701 a.C., o exército assírio, comandado por Senaqueribe, invadiu

Judá, devorou suas plantações e deixou suas cidades em ruínas.2 Ele cercou

Jerusalém e ameaçou reduzir Judá a uma província assíria, como tinha feito

com o reino do norte (Israel), 20 anos antes. Em resposta à prece de Ezequias,

o Senhor, milagrosamente, libertou a cidade, forçando Senaqueribe a

fugir de volta para casa com o “rabo entre as pernas” (Is 36-37).

No final dessa invasão, o Senhor confronta seu povo com sua rebelião e

dá um ultimato. O Senhor assume o papel de acusador, Judá (aqui chamado

de Israel) é o réu, e chamam-se os céus e a terra como testemunhas. Muito

tempo antes, no tempo de Moisés, céu e terra personificados testemunharam

o acordo da aliança de Israel com o Senhor, pelo qual a nação concordou

em cumprir a lei de Deus e se submeter ao juízo disciplinar de Deus se

violasse seus padrões (Dt 4.26; 30.19; 31.28; 32.1). Agora, o Senhor chama

essas testemunhas para embasarem sua acusação, depondo que Israel foi

infiel ao seu juramento.

A acusação do Senhor é direta e clara (v. 2b-3). Ele acusou Israel de

rebeldia e ingratidão. Como pai de Israel, o Senhor fez tudo que podia para

satisfazer as necessidades de seus filhos e para criá-los apropriadamente.

Seria esperado que esses filhos respondessem com gratidão, mas, ao contrário,

eles se rebelaram contra a autoridade de Deus. Até mesmo os animais

mais inferiores (o boi e o jumento) sabem reconhecer de onde vem seu

alimento, mas Israel se recusou a reconhecer o Senhor como a fonte de suas

muitas bênçãos.

O Senhor não tolera esse tipo de rebeldia. Isaías destaca que ele já

tinha enviado muitos dos castigos ameaçados na lista de maldições de

1Na forma canônica final do livro, a abertura em 1.1 surge para funcionar como introdução para toda

a obra de Isaías, incluindo os capítulos 40-66. Do início ao fim, o destino de Judá e de Jerusalém é o

foco do profeta.

2 Para ver o relato amplamente divulgado da invasão de Senaqueribe, veja James Pritchard, Ancient

Near Eastern Texts Relating to the Old Testament (Princeton: Princeton University Press, 1969), 287-88.


118 I Introdução aos profetas

Deuteronômio, levando Judá à beira da extinção (v. 4-9).3 Essa próxima

seção do discurso começa com o som da morte. A interjeição “ai” (a palavra

em hebraico é traduzida às vezes por “dor”) era um grito de luto ouvido em

funerais (lRs 13.30; Jr 22.18-19; Am 5.16). Quando o público de Isaías

ouviu essa palavra, deve ter formado imagens da morte em sua mente. Ao

prefaciar seus alertas com essa palavra, o profeta sugere que o funeral da

nação rebelde era iminente.

Isaías reiterou a razão dessa desgraça próxima com linguagem forte (v. 4).

Israel estava carregado com a culpa do pecado. Tinha rejeitado (reparem

“deixaram”, “blasfemaram”, “voltaram para trás”) o “Santo de Israel”.

O título “Santo de Israel” é uma das formas favoritas de Isaías se referir

a Deus. Mostra o Senhor como o rei soberano que governa seu povo da

aliança e exerce autoridade moral sobre ele (Is 6). O sentido básico da palavra

“santo” é “especial, único, apartado do que é comum”. A santidade do

Senhor é, primeira e principalmente, sua supremacia transcendente como

soberano do mundo. Ele é apartado do mundo que governa.4 Ao mesmo

tempo, sua santidade engloba sua autoridade moral, derivada de sua posição

real. Como rei, ele tem o direito de ordenar a seus súditos como devem

viver; na verdade, seu próprio caráter estabelece o padrão de conduta apropriado.

Ele é apartado de seus súditos também no sentido moral. Ele estabelece

o padrão, eles fracassam em segui-lo.5

Em sua condição quase fatal, Israel parecia um corpo humano severamente

espancado, ao qual foram negados cuidados médicos (v. 5-9). Um

exército estrangeiro (os assírios) tinha invadido a terra, queimado suas

casas e levado a produção de seus campos. Somente a preservação de Jerusalém

(aqui chamada de filha de Sião) evitou que Israel fosse aniquilado

como as duas cidades vizinhas, Sodoma e Gomorra, exemplos primordiais

do juízo devastador de Deus (Is 13.19; Jr 49.18; 50.40; Am 4.11; Sf 2.9). O

título divino “Senhor Todo-Poderoso” (tradicionalmente “Senhor dos Exércitos”)

é especialmente apropriado aqui, pois mostra o Senhor como um

poderoso rei guerreiro que lidera os exércitos para a batalha (1.9,24; 2.12).

Uma vez estabelecida a culpa de Israel e sua necessidade desesperada

de restauração, o Senhor estava pronto para indicar os pré-requisitos para

a reconciliação entre ele e seu povo. Mas antes de o Senhor falar, o profeta

chama os cidadãos de Jerusalém a juízo, dirigindo-se a eles como “príncipes

de Sodoma” e “povo de Gomorra” (v. 10). Esse chamamento sarcástico

reflete a perspectiva do Senhor e enfatiza como ele via a nação em pecado.

3 Compare a linguagem utilizada nesses versículos à de Deuteronômio 28.23,33,51-52,62.

4 Observe a ênfase na posição elevada de seu trono em Isaías 6.1 e como é chamado de “o rei” em

Isaías 6.5.

5 Em Isaías 6.5, o profeta lamenta não ser moralmente digno de estar na presença do rei.


Superficialmente, essa comparação pode parecer injusta, pois o povo era

muito religioso. Eles observavam as festas religiosas, traziam sacrifícios

em abundância ao templo e oravam a Deus (v. 11-15). Mas o Senhor estava

farto e ofendido por todo esse ritual religioso. Ele abominava os sacrifícios

do povo e o incenso e detestava suas reuniões no templo. Recusava-se a

ouvir suas orações, porque suas mãos estavam cheias do sangue de suas

vítimas humanas.

Essa alusão a crimes violentos apresenta a transição para o clímax do

discurso do Senhor. Os cidadãos de Jerusalém precisavam “lavar” seus

pecados (v. 16-17). Como? Transformando seu sistema socioeconômico.

Nessa época, uma burocracia militar real opressiva se desenvolveu em

Judá. A medida que essa burocracia se desenvolvia, comprava mais e

mais terras e gradativamente capitaneava a economia e o sistema legal.

Em diversos níveis administrativos, era convidativa a subornos e outras

práticas desonestas (Is 1.23). As pessoas comuns, fora dos centros administrativos,

por meio de impostos e confisco, conscrição, taxas de juros

excessivas e outras medidas opressivas, eram gradualmente privadas de

seus bens imóveis e, com isso, de seu meio de subsistência e seus direitos

de cidadãos.6 O Senhor exigia uma mudança radical. As autoridades ricas

tinham de desmontar a burocracia e restaurar os pobres em suas terras. Em

vez de acumular riqueza e explorar os fazendeiros vulneráveis, os ricos

tinham de promover a igualdade nos tribunais e no mercado.

O Senhor conclui seu discurso com um ultimato (v. 18-20). Deixou claro

que ainda havia perdão para aqueles manchados pelo pecado. Mas o futuro

da nação dependia de sua resposta ao apelo do Senhor por justiça social. Se

o povo obedecesse, experimentaria novamente a bênção divina, na forma

de paz e prosperidade agrícola. Mas, se continuasse rebelde, recairia sobre

ele o golpe final do juízo. Ironicamente, em vez de comerem o bem da terra

(v. 19) seriam “devorados” pela espada (v. 20).

A purificação de Sião (1.21-31)

Este discurso dá uma breve história de Sião. No passado, uma “cidade

fiel” e um centro de justiça, agora tomou-se “uma prostituta”, cheia de homicidas,

rebeldes, ladrões, autoridades desonestas e idólatras. Entretanto, pelo

juízo purificador de Deus, ela se tomaria “cidade de justiça, cidade fiel”.

O profeta lamenta a condição moral e ética de Sião. Ele compara a cidade a

uma esposa infiel, à escória da prata, ao vinho misturado com água (v. 21-22).

Em tempos mais antigos, o líder promovia a justiça (lRs 3.7-12,16-28, 10.9;

6 Para um estudo do cenário socioeconômico da época, veja J. A. Dearman, Property Rights in the

Eighth-Century Prophets (Atlanta: Scholars Press, 1988).


20 | Introdução aos profetas

2Cr 19.5-10), mas, agora, só se importavam com ganhos financeiros e negligenciavam

os direitos dos membros mais vulneráveis da sociedade, como,

por exemplo, órfãos e viúvas (v. 23). Deus, aqui chamado de “Senhor Todo-

-Poderoso” (literalmente “o Senhor dos Exércitos”, um título que mostra o

Senhor como um guerreiro poderoso guiando suas forças na batalha), defenderia

a causa dos oprimidos pela busca de vingança contra os líderes de Jerusalém,

a quem considerava como inimigos (v. 24).

No entanto, as notícias não eram tão ruins. Esse juízo tinha uma meta

positiva. Ao desenvolver mais uma das metáforas usadas no versículo 22, o

Senhor explica que acabaria com as impurezas de Sião (v. 25). E, então, restituiria

seus líderes justos à cidade, que se tomaria novamente um centro de

justiça (v. 26-27). Voltando rapidamente à realidade do momento, o Senhor

destaca que aquela geração de pecadores seria consumida e excluída desse

futuro profetizado (v. 28).

Nesse ponto, Deus aborda outro problema importante em Sião (v.

29-31). Os líderes e o povo não eram culpados apenas pela injustiça social,

mas estavam também adorando deuses pagãos em seus jardins e quintais,

aparentemente como parte de alguma forma de culto à fertilidade. De forma

apropriada, o Senhor transformaria esses pecadores em árvores condenadas

à morte, cujas folhas caem, e em jardins secos. Seriam despojados da fertilidade

que buscavam.

Um centro de justiça (2.1-5)

Nos capítulos de 2—4, o profeta mantém o foco em Judá e em Jerusalém

(2.1), à medida que desenvolve mais plenamente os temas principais

do discurso anterior. No começo e no final desta seção (2.2-5; 4.2-6), o

profeta visualiza o dia em que uma Sião purificada seria um centro de

justiça e em que o Senhor iria restaurar sua presença protetora na cidade

(1.26-27). No entanto, entre esses dois polos, Isaías confronta o povo por

sua idolatria e injustiça e descreve o juízo iminente de Judá e seus efeitos

devastadores (2.6-4.1).

Indo além da situação do momento e do juízo por vir, Isaías profetiza

um tempo em que o monte do templo se tornaria o centro das atenções

do mundo (v. 2-4). As nações viriam a Jerusalém para aprender as leis do

Senhor e para submeter suas disputas a seu sábio e justo juízo. As guerras

parariam, pois as nações dedicariam sua energia a lutas mais pacíficas

e proveitosas.

Essa profecia representa tão somente a transformação da sociedade dos

homens. Temos a tendência de pensar na guerra como uma aberração ou

uma anormalidade. Deixamos de perceber quanto ela é fundamental para a

civilização. O historiador John Keegan declara: “As lições de História nos


Isaías 1211

lembram que os Estados em que vivemos, suas instituições e até suas leis

chegaram até nós por meio de conflitos, o mais das vezes, dos tipos mais

sanguinários”.7 Muitos soldados profissionais testemunham seus horrores.

Robert E. Lee disse: “É bom que a guerra seja tão terrível, senão passaríamos

a gostar dela”.8 William T. Sherman observou: “A guerra é, na melhor

das hipóteses, barbárie. Somente aqueles que nunca dispararam um tiro

nem ouviram os gritos e gemidos dos feridos é que clamam por sangue,

mais vingança, mais desolação. A guerra é o inferno”.9

Para Isaías, vivendo no século 8S a.C. e enfrentando a ameaça assíria,

a guerra significava um massacre sangrento no campo de batalha em um

combate corpo a corpo, e também uma campanha de bloqueios e cercos

que, frequentemente, resultava em escassez de alimentos, com atrocidades

impensáveis, como a de pais comerem os próprios filhos. A guerra significava

a destruição de plantações, o estupro de mulheres desvalidas, a

chacina de crianças inocentes, o tráfico de escravos e a deportação de populações

inteiras para terras estrangeiras. Mas tudo isso mudará quando o

Senhor estabelecer seu reinado de paz e justiça na terra.

Embora esse reinado ainda estivesse por vir, Isaías conclamava seus

compatriotas a anteciparem esse reinado “andando na luz do S e n h o r ”

(v. 5), provavelmente uma referência aos mandamentos e padrões morais

do Senhor (v. 3). Uma vez que era inevitável que todas as nações reconhecessem

a autoridade soberana do Deus de Israel, fazia sentido que seu povo

se submetesse a essa autoridade naquele momento presente.

O dia do juízo está próximo (2.6-22)

Tendo profetizado a iminente instalação do reino de Deus, Isaías voltou-se

à sua própria época. Ele reconhece que Judá estava devastada por

influências pagãs. O povo se voltava para adivinhos e videntes para determinar

o futuro (v. 6). No mundo do Oriente Próximo, a adivinhação era

uma forma de conhecer as intenções dos deuses. A adivinhação englobava

uma variedade de métodos, incluindo a catalogação de fenômenos aleatórios

e o acompanhamento dos acontecimentos por meio do exame de órgãos

internos de animais e da observação de padrões e desdobramentos astrológicos.10

Embora a adivinhação fosse corriqueira entre as nações vizinhas, o

Senhor a tinha proibido em Israel (Dt 18.10-12). Em vez disso, Deus revelava

sua vontade e suas intenções por intermédio de profetas como Isaías.

7 Keegan, John. A History ofWarfare (Nova York: Alfred A. Knopf, 1994), 4.

8 Kaplan J. (Org.). Bartlett’s Familiar Quotations, 16a ed. (Boston: Little, Brown, 1992), 440.

9Ibid., 492.

10 Wilson, Robert R. Prophecy and Society in Ancient Israel (Filadélfia: Fortress, 1980), 90-98. O

foco de Wilson são a teoria e a prática da adivinhação na Mesopotâmia.


22 1 Introdução aos profetas

Com a violação da lei de Deuteronômio, a burocracia real de Judá também

estava acumulando prata e ouro, cavalos e carruagens (v. 7; veja Dt 17.16-17).

No antigo Oriente Próximo, as nações mais poderosas utilizavam carruagens

puxadas por cavalos em batalha, mas o Senhor queria que seu povo confiasse

em seu poder protetor sobrenatural, não em um exército modernizado. Ele

disse a seu povo que não temesse as carruagens e lhe prometeu a vitória (Dt

20.1-4). Mais de uma vez, o Senhor demonstrou sua capacidade de aniquilar

tropas de carruagens poderosas (Êx 14.23-28; Js 11.4-11; Jz4.15,2Sm 8.4).

Em flagrante desrespeito ao primeiro e ao segundo mandamentos do

decálogo, o povo de Judá também importou deuses estrangeiros e adorou

ídolos fabricados (v. 8-9a; veja Êx 20.3-5; Dt 5.7-9). Há quem interprete o

versículo 9a como uma previsão do juízo (veja os v. 11,17), mas ele é mais

bem compreendido como uma descrição da adoração idólatra e pode ser

traduzido assim: “Os homens se curvam diante deles em reverência, prostram-se

em adoração.” Isaías destaca que os homens, na verdade, curvam-se

diante de produtos inanimados feitos por si mesmos e os adoram. O absurdo

moral disso o leva a exigir que Deus não poupe esses idólatras (v. 9b).

O profeta se volta, a seguir, para os pecadores e os impele a fugirem e se

esconderem do juízo destruidor do Senhor, que viria com todo o esplendor

de um rei guerreiro e aterrorizante (v. 10). Nesse dia do juízo, Deus escolheria

homens orgulhosos a quem humilharia, enquanto se exaltasse de forma

triunfante (v. 11,17). Isaías usa diversas metáforas para esses indivíduos

orgulhosos (v. 12-16). Ele os compara aos cedros do Líbano e aos carvalhos

de Basã, que eram bem conhecidos por seu tamanho e são símbolos

de homens poderosos que se consideram importantes. Esses homens cheios

de orgulho se achavam seguros como as montanhas mais altas, como as

colinas elevadas, como torres imponentes, como muros fortificados. Viam

a si mesmos como os melhores da turma, como impressionantes navios

“de comércio” (literalmente, “navios de Társis”), capazes de viajar todo o

Mediterrâneo, para portos distantes a oeste.

Quando o Senhor aparecesse para entrar em juízo com eles, os idólatras

de Judá, tomados de pânico, correriam para cavernas para escapar da

ira de Deus (v. 18-21). Levariam consigo seus ídolos amados, mas, então,

ironicamente, iriam lançá-los aos roedores que viviam na escuridão, um

sinal revelador de que esses “deuses” feitos pelo homem eram incapazes de

protegê-los do poder de Deus.

Mais uma vez, Isaías tirou uma lição para sua audiência (v. 22). Se até

os homens mais poderosos estavam condenados, não fazia sentido confiar

neles. Judá não devia confiar sua fé em sua liderança ou em governantes

estrangeiros, pois todas as pessoas são mortais, como o juízo próximo deixaria

claro como a luz do dia.


Isaías 123 |

Aproxima-se o caos (3.1-15)

Expandindo o tema um pouco mais, Isaías anuncia que o Senhor

estava prestes a remover do poder a liderança corrupta de Judá e de

Jerusalém, incluindo soldados, juizes, profetas e especialistas em adivinhação

(v. 1 -3). Isso geraria um vácuo de poder que jovens incompetentes

tentariam preencher. Haveria conflito por toda a terra, vizinhos lutariam

entre si, jovens se rebelariam contra os mais velhos e a ralé da sociedade

desafiaria cidadãos respeitáveis (v. 4-5). O povo pediria, desesperado, que

homens os liderassem, mas líderes em potencial se recusariam a assumir

tarefa tão disparatada (v. 6-7).

O pecado dos líderes da nação foi o problema que deu origem ao juízo

divino. Os líderes tinham se rebelado contra a autoridade de Deus com a

mesma atitude desaforada da velha Sodoma (v. 8-9; veja 1.10). Embora o

Senhor mantivesse um resto de piedade e os recompensasse por seus feitos

(v. 10), ele puniria os líderes pecadores que oprimiam os pobres (v. 11-12).

Em seu papel de rei guerreiro poderoso e juiz da nação, o Senhor acusou e

sentenciou sua liderança (v. 13-15).

A beleza desaparece (3.16-4.1)

As esposas e filhas dos ricos burocratas reais de Sião não ficariam isentas

do juízo iminente. Essas mulheres, que eram beneficiárias das medidas

opressoras de seus maridos e pais contra os pobres, tinham orgulho de

suas belas joias e roupas (3.16), que Isaías descrevia à exaustão de forma

a enfatizar seu materialismo e vaidade excessiva (v. 18-23). Mas o juízo

que se aproximava mudaria tudo isso. Essas mulheres teriam a cabeça

rapada, teriam seus perfumes confiscados e seriam exiladas (v. 17,24).

Seus maridos e pais seriam mortos (v. 25) e sua cidade, personificada

como uma mulher de luto, seria abandonada (v. 26). Toda mulher que

sobrasse pediria, desesperadamente, que os poucos homens sobreviventes

a desposassem (4.1).

O resultado do juízo (4.2-6)

Esse juízo iminente, embora severo, levaria a uma nova era de bênção

divina. O Senhor devolveria a prosperidade agrícola à terra (v. 2). Mais do

que ter orgulho de posses materiais, o povo teria satisfação da provisão do

Senhor (“enfeites”, em 3.18, e “orgulho”, em 4.2, são traduções da mesma

palavra em hebraico).

Muitos intérpretes veem aqui uma referência messiânica e traduzem o

versículo 2 assim: “Nesse dia, o Renovo do S e n h o r será belo e glorioso”

(NVI). Embora a palavra hebraica tsem akh, traduzida como “renovo”,

seja usada por profetas posteriores a Isaías como uma figura messiânica


| 24 1 Introdução aos profetas

(Jr 23.5; 33.15; Zc 3.8; 6.12), essas passagens contêm indicadores contextuais

claros de que se está falando de um governante humano e que a palavra

está sendo usada de forma metafórica, com o sentido de descendência.

Jeremias associa o “renovo” a Davi, e Zacarias o identifica como homem

e servo do Senhor. Em Isaías 4.2, não há esses indicadores contextuais.

Ao contrário, na estrutura paralela do versículo, a frase em questão corresponde

ao “fruto da terra”, que se refere, literalmente, em outros pontos, à

produção agrícola, exclusivamente (Nm 13.20,26; Dt 1.25)." Na maioria

de seus usos, a palavra se refere a plantas ou à vegetação (Gn 19.25; SI

65.10 [em que o Senhor é a fonte dessa vegetação]; Is 61.11; Ez 16.7;

17.9-10, Os 8.7). A imagem do Senhor restaurando colheitas é excelente

nesta seção de Isaías (veja 1.19). Os profetas frequentemente incluem esse

tema em suas visões de tempos futuros (veja, entre outros, Is 30.23-24;

32.20; Jr 31.12; Ez 34.26-29; Am 9.13-14).

De acordo com Isaías, o juízo que se aproxima também vai purificar

Jerusalém. Os sobreviventes do juízo serão chamados “santos”, porque o

Senhor vai limpar a “imundície das mulheres de Sião”, assim como “as

manchas de sangue” deixadas pelos assassinos dos pobres (1.21). A linguagem

utilizada para descrever as mulheres de Sião é especialmente sarcástica

e irônica. A palavra traduzida como “imundície” no versículo 4 é

utilizada em outros pontos por Isaías para designar vômito e fezes (28.8;

36.12). Em uma perspectiva humana, as mulheres de Sião eram lindamente

adornadas, mas, na perspectiva de Deus, suas roupas e suas joias eram tão

detestáveis e contaminadas quanto excrementos.

A visão de Isaías de uma Sião purificada culmina com imagens de Deus

como protetor de seu povo (v. 5-6). Como nos tempos do êxodo, Deus

protegeria seu povo de forma sobrenatural. Em alusão ao relato do êxodo,

Isaías usa as metáforas simbólicas de uma nuvem de fumaça e fogo para

ilustrar a presença protetora de Deus (Êx 13.21-22; 14.19,24). Assim como

um imenso toldo abriga do calor e da chuva os que estão debaixo dele,

assim também Deus defenderia seu povo de forças perigosas e nocivas.

Uma canção de amor fora de tom (5.1-7)

Isaías atinge sua melhor retórica no capítulo 5. O capítulo começa com

o que parece ser uma canção de amor oferecida pela comunidade da aliança

(incluindo Judá e Israel) ao Senhor (v. l-2a).12 Utilizando a metáfora de

11A proposta de que o “fruto da terra” seja uma referência à origem humana do Messias deve ser

rejeitada como alegoria. Para uma defesa dessa visão alegórica, veja Motyer, J. Alec, The Prophecy o f

Isaiah (Downers Grove: InterVarsity, 1993), 65.

12 Discute-se a identidade de quem esteja falando nos versículos 1 e 2. De acordo com alguns, o

profeta, assumindo o papel de padrinho, compõe uma canção de amor para o amigo. Contudo, é mais


Isaías j 25 i

um vinhedo para referir-se a si mesmo (veja Ct 8.12), o povo da aliança

diz como o Senhor fez todos os preparativos comuns em antecipação pela

produção de saborosas uvas no vinhedo.

Mas, aí, a canção de amor atinge uma nota amarga, quando o Senhor

interrompe e transforma a canção em um discurso de juízo condenatório. A

vinha do Senhor só gerou uvas amargas (v. 2b). Tendo feito tudo que podia

para garantir uma boa colheita (v. 3-4), o Senhor não teve alternativa senão

abandonar o vinhedo (v. 5-6).

O versículo 7 explica a metáfora. O vinhedo representa Israel e Judá.

A colheita antecipada de boas uvas simboliza a justiça e a retidão; as uvas

amargas representam o derramamento de sangue e os gritos de aflição.

Isaías faz uso de um trocadilho para chamar a atenção para o contraste

entre a expectativa de Deus e a realidade. O Senhor procurou “juízo” (em

hebraico, m ishpat), mas só obteve “opressão” (em hebraico, m ispakh);

buscou “justiça” (em hebraico, tsedaqah), mas só conseguiu o “clamor”

(em hebraico, tsea q a h ) dos oprimidos.

O som da morte (5.8-30)

Isaías emprega uma série de profecias de sofrimento para se estender

sobre os dois principais temas da “canção” anterior - a acusação de injustiça

social e o anúncio da desgraça iminente. Cada uma das previsões começa

com a interjeição “Ai!”, que era um grito de luto que se ouvia em funerais

(lRs 13.30; Jr 22.18-19, Am 5.16; Is 1.4). Ao iniciar suas acusações com

essa palavra, o profeta sugere que estava prestes a acontecer o funeral da

nação rebelde, por causa de seus pecados. A estrutura dos versículos 8-30

é a seguinte:

Profecia de sofrimento Acusação Anúncio de juízo

1 v.8 v. 9-10

2 v. 11-12 v. 13-17

3 v. 18-19 -

4 v. 20 -

5 v. 21 -

6 v. 22-23 v. 24-30 (com uma breve

acusação no v. 24b)

provável que o povo da aliança com Deus (incluindo Israel e Judá) esteja falando, pelo menos a partir da

metade do versículo 2. A palavra em hebraico traduzida por “meu amado” na segunda linha do versículo

1 é utilizada frequentemente pela mulher nos Cânticos de SalornSo para descrever seu amado.


126 I Introdução aos profetas

Os temas das seções de acusação são apresentados de forma quiástica

(em que a segunda metade da unidade é espelho da primeira):

A Injustiça social (v. 8)

B Bebedeira (v. 11-12a)

C Insensibilidade espiritual (v. 12b)

C’ Insensibilidade espiritual (v. 18-21)

B’ Bebedeira (v. 22)

A’ Injustiça social (v. 23)

Na primeira previsão de sofrimento, o profeta condena os ricos burocratas

da realeza por construírem casas grandes e acumularem campos à custa

do povo comum (v. 8). Suas ações violavam princípios da aliança segundo

os quais o Senhor possuía a terra e todos os israelitas tinham de possuir uma

parte justa dela (Lv 25.8-55). Ironicamente, os ricos não viveriam e seus

campos não gerariam frutos (v. 9-10).

A segunda profecia de sofrimento se concentra no estilo de vida imoderado

dos burocratas, possível graças às suas práticas desonestas e opressoras.

Os ricos passavam a maior parte de seu tempo desperto em festas,

onde a bebida corria solta e a música não parava (v. 11 - 12a). Eles eram

insensíveis à “obra” do Senhor (v. 12b), provavelmente em referência ao

juízo iminente que se aproximava da terra, na forma da expansão imperialista

dos poderosos assírios (veja o v. 26). Essa falta de discernimento

levaria ao exílio, em que os líderes morreriam de fome (v. 13), seriam

o prato principal do banquete da morte, deixando apenas ovelhas seguirem

pastando nas ruínas das mansões onde os ricos antes davam suas

festas (v. 14,17). Nesse dia de juízo, homens altivos seriam humilhados, e

o Senhor demonstraria que ele é o rei guerreiro soberano e justo que vinga

os oprimidos (v. 15-16; veja 2.11,17).

As três próximas previsões de sofrimento vêm em seqüência rápida e,

como no versículo 12, ilustram a insensibilidade espiritual do povo. O povo

rebelde arrastava atrás de si o pecado e, com sarcasmo, desafiou Deus a

executar seus planos (v. 18-19). Perverteu os padrões éticos de Deus, chamando

“ao mal [...] bem e ao bem, mal” (v. 20). No âmbito moral, não

sabiam a diferença entre a luz e a escuridão, ou distinguir o que era doce do

que era amargo. Apesar de sua óbvia confusão moral, achavam que eram

sábios (v. 21).

Essas três previsões de sofrimento são puramente acusatórias e não

contêm nenhum anúncio formal de juízo. Ao se concentrarem no pecado

do povo, as previsões não chamavam a atenção para a culpa do povo. Ao

retardarem o anúncio do juízo, as previsões criam um clima ameaçador. A


Isaías | 27 |

medida que as provas contra o povo se acumulam, espera-se que o anúncio

de um juízo, quando finalmente vier, seja particularmente assustador.

A sexta e última previsão tem foco na injustiça social contra o povo e o

estilo de vida exagerado a que essas injustiças deram margem (v. 22-23). O

anúncio antecipado do juízo finalmente aparece com suas visões de fogo e

destruição consumindo a relva seca, plantas em decomposição sendo levadas

pelo vento, um Deus irado atingindo o povo rebelde que tinha rejeitado

sua lei e cadáveres deitados nas ruas (v. 24-25a).

Mas essas visões do juízo divino não ilustram adequadamente a extensão

da raiva de Deus (v. 25b). O anúncio do juízo culmina com uma descrição

detalhada e assustadora da invasão do exército assírio. Quando Deus

levanta seu estandarte de guerra e os chama com um assovio, os assírios

se põem em ação e marcham rapidamente e sem descanso para seu alvo

(v. 26-28). O povo arrogante desafiou Deus a apressar sua obra (v. 19).

Com os soldados e os carros em ataque pesado, Deus faria exatamente isso.

Como um leão em urros, o inimigo cercaria sua presa e levaria sua vítima

para ser devorada (v. 29). O rugir do exército que ataca é alto como o das

ondas quebrando na costa (v. 30a). As nuvens negras do juízo descerão

sobre a terra, sinalizando a morte para o povo pecador de Deus (v. 30b). Ironicamente,

aqueles que chamaram a luz (simbolizada pelo bem) de trevas

(simbolizada pelo mal) na arena moral (veja o v. 20) veriam a escuridão do

juízo destruidor de Deus engolir a luz em que viviam.

Entrando em terra de ninguém (6.1-13)

No ano da morte do rei Uzias (740 a.C.), Isaías teve uma visão do rei

verdadeiro, o Senhor Todo-Poderoso (Is 6.5), sentado no trono em sua corte

celestial (Is 6.1), servido por seres chamados serafins (6.1-2).13Esses serafins

proclamavam a santidade do Senhor e declaravam que seu esplendor

real enchia toda a terra (v. 3).

A tripla ocorrência da palavra “Santo” chama a atenção para a santidade

do Senhor. Em hebraico, às vezes repete-se uma palavra para dar ênfase.14

Por exemplo, em Isaías 26.3, a palavra “paz” (Hebraico shalom ) é repetida

para enfatizar o grau de segurança que Deus dá àqueles que confiam nele. A

13 A palavra hebraica traduzida por “serafim” significa “aquele que arde”, talvez sugerindo que

serafins tinham uma aparência flamejante. Em outros pontos da Bíblia, a palavra “serafim” se refere a

cobras venenosas (Nm 21.6; Dt 8.15; Is 14.29, 30.6). Talvez fossem chamados de “ardentes” pelo efeito

de sua mordida venenosa, que talvez fizesse a vítima arder em febre. E possível que os serafins vistos

por Isaías tivessem aparência de serpente. Embora pareça estranho que uma criatura que se pareça com

uma serpente tenha asas, duas das passagens que usam o termo “serafim” o descrevem como “voadores”

(Is 14.29; 30.6), talvez se referindo a seus movimentos rápidos.

14 Veja Waltke, Bruce K. e 0 ’Connor, M. Biblical Hebrew Syntax (Winona Lake: Eisenbrauns, 1990),

233 (publicado no Brasil pela Cultura Cristã com o título Sintaxe do hebraico bíblico [N. do E.]).


128 I Introdução aos profetas

passagem pode ser traduzida assim: “Conservarás em paz aquele cuja mente

está firme em ti.” A tripla repetição, embora rara, é uma maneira particularmente

vigorosa de enfatizar uma ideia. Por exemplo, em Ezequiel 21.27,

o Senhor anuncia que porá Jerusalém “ao revés, ao revés, ao revés”, o que

queria dizer que reduziria a cidade a um monte de cascalho e dejetos. Em

Isaías 6.3, a tripla repetição de “santo” realça que o Senhor é absolutamente

santo.15 Como observamos antes (1.4), a santidade de Deus nesse contexto

se refere primeiramente à sua soberania transcendente sobre o mundo que

ele governa.16 Ao mesmo tempo, sua santidade abrange a autoridade moral

de Deus, que é fruto de sua posição real.

Quando Isaías ouviu os serafins e viu como suas vozes altas abalavam

as próprias fundações do templo, percebeu que estava em uma terra de ninguém

e esperou ser destruído (v. 4-5).17 Ainda que o louvor estivesse na

ordem do dia, Isaías não estava habilitado a louvar o rei. Seus lábios (instrumento

do louvor) estavam impuros, pois ele estava contaminado pela

sociedade pecadora, que tinha rejeitado “o santo de Israel” e sua palavra (Is

1.4; 5.24).18 Entretanto, um dos serafins pôs um carvão em brasa sobre os

lábios de Isaías para simbolizar sua limpeza espiritual, que foi concedida

em resposta à sua confissão de seu estado de pecado (v. 6-7).

Em seguida, Isaías ouviu o Senhor pedir voluntários (v. 8). Falando em

nome de toda a assembleia celestial, o Senhor perguntou: “A quem enviarei,

e quem há de ir por nós?”19 Tendo sido purificado de seu pecado, Isaías

se oferece para o serviço espiritual.

O Senhor aceita a oferta de Isaías e o incumbe de pregar uma mensagem

ao povo da aliança, aqui chamado “este povo”, uma designação que

sugere um grau de separação entre Deus e seu povo. O versículo 9, que

ostensivamente registra o conteúdo da mensagem de Isaías, é claramente

15 Alguns teólogos cristãos veem uma alusão à Trindade na declaração em tripla repetição dos

serafins: “santo, santo, santo”. Essa proposta não tem nenhuma base eontextual ou lingüística e deve ser

descartada como sendo fantasiosa.

16 Observem a ênfase na posição elevada de seu trono no versículo 1 e sua designação como “rei” no

versículo 5.

11 Sua declaração “estou perdido” emprega uma forma verbal perfeita do hebraico de maneira

retórica. Ele usa o particípio passado, que indica uma ação terminada, pelo menos do ponto de vista de

quem fala, para sugerir que estava simplesmente perdido.

18 Aqui, o princípio de solidariedade corporativa é a base do pensamento de Isaías. Embora, mais

recentemente, haja uma tendência individualista no Ocidente, os israelitas de então tinham muita

consciência de que os atos dos indivíduos afetam profundamente os outros em seu contexto social e que

o contexto social de uma pessoa afeta os indivíduos positiva ou negativamente. Esse princípio é bem

demonstrado em Josué 7, quando Deus acusa Israel de ter pecado (v. 11), conquanto um indivíduo (Acã)

fosse o verdadeiro culpado. Para uma discussão sobre o princípio da solidariedade corporativa, veja

Joel S. Kaminsky, Corporate Responsibility in the Hebrew Bible (Sheffield: Sheffield Academic, 1995).

19 O pronome na primeira pessoa do plural provavelmente se refere, neste contexto, ao Senhor e aos

serafins, ainda que toda a assembleia celestial possa estar em foco (lRs 22.19-22).


Isaías I 29 |

irônico. Pelo que sabemos, Isaías não declamou exatamente essas palavras.

As formas imperativas do hebraico são empregadas de maneira retórica

e antecipam a resposta que Isaías receberia.20 Resumindo, Isaías bem

poderia ter prefaciado e concluído cada mensagem com essas palavras

irônicas, que, embora estivessem na forma imperativa, poderiam ser parafraseadas

da seguinte forma: “Vocês ouvem sempre, mas não entendem;

vocês veem sempre, mas nunca percebem”. Isaías também podia ter ordenado

que eles fossem insensíveis espiritualmente, porque, como o capítulo

anterior e o seguinte deixam claro, o povo estava determinado a fazer

isso, independentemente.

Depois de dar o conteúdo da mensagem, o Senhor explicou a Isaías a

natureza da incumbência: “Engorda o coração deste povo, e faze-lhe pesados

os ouvidos, e fecha-lhe os olhos; para que ele não veja com os seus

olhos, e não ouça com os seus ouvidos, nem entenda com o seu coração,

nem se converta e seja sarado” (v. 10). Devemos considerar o valor nominal

dessa incumbência? Será que o Senhor queria mesmo evitar que seu povo

tivesse entendimento, arrependimento e cura? O versículo 10b é claramente

sarcástico. Por alto, parece indicar que o pesado ministério de Isaías evitaria

o arrependimento genuíno. Mas, como os capítulos vizinhos revelam com

clareza, o povo não estava nem próximo de ter vontade de se arrepender.

Portanto, não era preciso que Isaías pregasse para evitar o arrependimento.

O versículo 10b reflete a atitude do povo e pode ser reescrito deste modo:

“De outra forma, eles poderiam ver com os próprios olhos, ouvir com os

próprios ouvidos, entender com sua própria mente, arrepender-se e ser restaurados,

e certamente não iriam querer isso, ou iam?”

Nesse quadro sarcástico, o versículo 10a também deve ser visto como

irônico. Gomo no versículo 9, as formas imperativas podem ser vistas

como retóricas e como uma antecipação da resposta do povo. Podia-se ler

assim: “Sua pregação vai insensibilizar as mentes desse povo, cegar seus

olhos e obliterar suas mentes.” Desde o início, o Senhor também poderia

ter ordenado que Isaías fosse severo com o povo, porque sua pregação

acabaria por ter esse efeito.

Apesar do uso do sarcasmo e da ironia nos versículos 9-10, a delegação

de Deus para Isaías pode ser vista como um ato de admoestação divina.

Afinal, Deus não tinha de enviar Isaías. Ao enviá-lo, Deus afastou ainda

mais o povo pecador, porque a mensagem de Isaías, que se concentrava

nas exigências da aliança com o Senhor e no juízo iminente da rebeldia

contra a aliança, forçou o povo a confrontar seu pecado e, depois, continuou

a insensibilizá-lo, pois ele respondia negativamente a mensagem.

20 Sobre o uso retórico do imperativo, veja Waltke e 0 ’Connor, Biblical Hebrew Syníax, 571-72.


| 30 | Introdução aos profetas

Ironicamente, a rejeição de Israel à pregação de Isaías, por sua vez, acelerou

a punição exemplar e trouxe o povo fustigado a um ponto em que pudesse

estar pronto para a reconciliação. O juízo profetizado (6.11-13) tomou-se

realidade quando os assírios devastaram a terra, em 701 a.C. (uma situação

prevista em Is 1.2-20; veja, em especial, os v. 4-9). Por essa época, o endurecimento

divino já tinha se completado, e Isaías foi capaz de emitir um

ultimato (1.19-20) que, aparentemente, Ezequias levou a sério, poupando

Jemsalém (Is 36-39; compare Jr 26.18-19 com Mq 3.12).

Essa interpretação, que guarda o equilíbrio entre a responsabilidade

moral de Israel e a obra soberana de Deus entre seu povo, é coerente com

outros textos pertinentes, tanto dentro quanto fora do livro de Isaías. Isaías

3.9 declara que o povo de Judá “trouxe sobre si o desastre”, mas Isaías 29.9-

10 indica que o Senhor estava envolvido, de certa forma, na insensibilização

do povo. Zacarias 7.11-12 volta a olhar a era pré-exílica (veja Zc 7.7) e

observa que gerações anteriores endureceram seus corações teimosamente,

mas o salmo 81.11-12, lembrando o mesmo período, afirma que “eu os

entreguei aos desejos do seu coração”.21

Ao receber sua incumbência, Isaías pergunta ao Senhor quanto tempo

levaria a tarefa (v. 11a). O Senhor informa ao profeta que ele deve pregar

até que a terra caia em minas e o povo seja levado ao exílio (v. 1 lb -12).

Uma metáfora de encerramento, que compara a morte do povo à destruição

de um santuário idólatra, enfatiza a natureza rigorosa do juízo iminente e,

ao mesmo tempo, dá uma pista do motivo pelo qual esse juízo divino era

necessário (v. 13).

Os acadêmicos têm lutado para entender o versículo 13, cujo texto em

hebraico oferece desafios especiais ao intérprete. Do jeito que está, o texto

diz, literalmente: “E ainda a décima parte ficará nela, e tomará a ser pastada;

e como o carvalho e como a azinheira, que, depois de se desfolharem,

ainda ficam firmes, assim a santa semente será a firmeza dela”. A maior

parte concorda que a primeira parte do versículo significa que, mesmo que

a terra fosse reduzida a apenas um décimo de sua população, o restante

ainda seria dizimado.

A segunda metade do versículo é mais difícil de entender. Alguns veem

aqui um feixe de esperança. O povo de Deus seria como uma árvore que

foi cortada. Mas mesmo árvores cortadas deixam um toco que pode produzir

novos brotos (Jó 14.7-9). O toco de Israel era um santo resto, que

oferecia promessa para o futuro.

21 Para uma discussão sobre Isaías 6.9-10 no contexto maior do endurecimento divino na Bíblia

hebraica, veja Robert B. Chisholm Jr., Divine Hardening in the Old Testament, BSac 153 (1996): 410-

34, particularmente 430-33.


Isaías | 31 (

Entretanto, essa interpretação é problemática. Os que propõem essa leitura

definem a palavra hebraica matsebet como “toco”, apesar do fato de

ela se referir a uma coluna, pilar ou monumento na única vez em que é

usada em outro texto na Bíblia hebraica (2Sm 18.18). O termo parece muito

o substantivo m atsebah, que, em outra parte, refere-se a um pilar sagrado.

A lei mosaica ordenou que Israel destruísse os pilares sagrados dos cananeus

(Êx 23.24; 34.13; Dt 7.5; 12.3).

Em conseqüência, alguns preferem entender o substantivo matsebet,

em Isaías 6.13, como referência a um desses pilares sagrados. Com uma

pequena alteração no texto em hebraico (mudando ‘asher, “a qual”, para

‘asherah, “Asherah”, e bam, “neles”, para bamah, “lugar alto”),22 pode-

-se reescrever o versículo 13 assim: “Mesmo se uma décima parte sobrar

na terra, poderá (a terra ou a décima parte) voltar a ser pastada, como a

azinheira ou o carvalho de Asherah, quando um pilar sagrado em lugar alto

for derrubado. O pilar (do lugar alto) é a santa semente”.

De acordo com essa leitura, a expressão “santa semente” refere-se ao

ideal de Deus para o povo da aliança, a semente dos patriarcas. Ironicamente,

essa nação “santa”, que Deus separou para si, era mais um “pilar”

pagão (provavelmente simbolizando o deus cananeu Baal). Seria derrubada

como um pilar sagrado de um lugar alto e sua terra seria arruinada,

assim como as árvores sagradas localizadas em santuários eram transformadas

em lenha quando os altares pagãos eram destruídos. Entendida

dessa maneira, a afirmação irônica é inteiramente negativa em seu tom,

assim como o restante do anúncio de juízo que a antecede. Lembraria também

ao povo seu fracasso. Ele não se opunha à religião pagã; ao contrário,

abraçou-a. Agora, seria destruído da mesma forma que deveria ter

destruído o paganismo (Is 1.29-30).

Um desafio à fé (7.1-9)

Em 735 a.C., cinco anos depois de sua delegação profética, Isaías

encontrou-se no meio de uma crise política internacional. Por essa época,

Acaz, neto de Uzias, tinha se juntado ao seu pai, Jotão, como corregente de

Judá.23 Durante quase uma década, os assírios, governados por Tiglate-Pileser

III, vinham expandindo seu império no oeste. Israel e Síria formaram

uma aliança em um esforço para se libertarem do domínio assírio. Quando

22 Símbolos de Aserá e de lugares altos são, ambos, associados a pilares pagãos em outros textos. Veja

Êxodo 34.13; Deuteronômio 7.5; 12.3; 16.21-22; IReis 14.23; 2Reis 17.9-10; 18.4; 23.13-14; Miqueias

5.13-14. Símbolos de Aserá parecem ter sido árvores vivas ou postes de madeira. Veja de Moor, J. C.,

“rnUttf’, TDOT 1:442-43.

23 Para a cronologia desse período, veja Thiele, Edwin R. The Mysterious Numbers o f the Hebrew

Kings, 34ed. (Grand Rapids: Zondervan, 1983), 131-34.


| 32 | Introdução aos profetas

tentaram unir Judá a essa coalizão anti-Assíria, Acaz se recusou a juntar-se,

levando os sírios e os israelitas a invadirem seu vizinho do sul (Is 7.1). Eles

esperavam substituir Jotão e Acaz por um rei fantoche, chamado “filho de

Tabeal” (v. 6),24 mas a invasão não teve êxito.

Quando a casa real de Judá ouviu falar pela primeira vez da coalizão

sírio-israelita, foi tomada de pânico (v. 2). Nesse ponto, o Senhor instruiu

Isaías a entrar em cena para assegurar a proteção de Deus à casa real. O profeta

devia levar seu filho Sear-Jasube e confrontar Acaz perto do canal do

tanque superior, onde o rei estava inspecionando as defesas e o suprimento

de água da cidade (v. 3).

Como o próprio Isaías se explicou mais adiante, ele e seus filhos tinham

nomes simbólicos (veja Is 8.18). O nome de Isaías, que quer dizer “o Senhor

salva”, era um lembrete da capacidade do Senhor de livrar seu povo das crises.

O nome de Sear-Jasube, que quer dizer “um remanescente vai voltar”,

provavelmente também tinha uma conotação positiva, talvez sugerindo que

a maior parte dos invasores inimigos seria derrotada e que somente um

remanescente voltaria para casa.

Isaías disse a Acaz que não entrasse em pânico e assegurou que o Senhor

pretendia parar os invasores em seus caminhos (v. 4-9). Afinal, por um lado,

Acaz era membro da casa de Davi (v. 2), a quem tinha sido prometida uma

dinastia eterna (2Sm 7.1 lb-16). Por outro, os invasores eram insignificantes,

fato que Isaías realçava chamando Peca simplesmente de “o filho de

Remalias” (v. 4-5,9).

Ao mesmo tempo em que assegurava a Acaz libertação da ameaça

sírio-israelita, Isaías também intimou a casa real e toda a nação a confiarem

no Senhor (v. 9).25 Usando um jogo de palavras, ele avisou que,

se não “permanecessem firmes na fé”, não haveriam de “permanecer” de

forma alguma. O significado exato desse aviso se torna evidente, como o

restante da história revela.

A descrença confisca a bênção (7.10-25)

Talvez percebendo que o jovem Acaz, de 22 anos (2Rs 16.2), precisava

de um encorajamento adicional, o Senhor ofereceu dar ao rei um sinal de

24 A família de Tabeal era provavelmente de Judá e tinha se tomado famosa em Gileade. Veja Aharoni,

Yohanan. The Land o f the Bible: A Histórical Geography, Rainey, A. F. (trad. e org.), ed. rev. (Filadélfia:

Westminster, 1979), 370.

25 No versículo 9b, os verbos “crer” e “permanecer” são formas plurais em hebraico, indicando

que Acaz não é mais o único destinatário (como nos v. 4-5, em que os verbos da segunda pessoa são

singulares em hebraico). O plural no versículo 9b inclui Acaz, a casa real (incluindo Jotão) e toda a

nação. Veja o versículo 2, que indica que Acaz e “seu povo” responderam com medo quando ouviram

da aliança.


Isaías I 33 J

confirmação de sua intenção de proteger Judá dos invasores (v. 10-11). O

Senhor deu a Acaz um cheque em branco; o rei podia pedir qualquer sinal

que desejasse, incluindo um que estivesse fora dos limites da experiência

humana comum. Mas Acaz, que já tinha decidido cortejar os assírios mais

do que confiar em Deus (2Rs 16.7-8), empacou, ponderando que não queria

“testar” o Senhor (v. 12). E verdade que o Senhor ficou irado por gerações

anteriores de israelitas o “testarem”, questionando sua bondade e sua capacidade

de cuidar deles (Êx 17.2-7; Nm 14.22; Dt 6.16; SI 78.18,41,56; 95.9;

106.14). Mas o Senhor não estava impedido de dar um sinal de confirmação

para aqueles cuja pouca fé precisava de um reforço (Jz 6.17; ISm 1.7-9).

A oferta do Senhor para Acaz era um convite generoso para estimular a fé,

não um truque para tentar Acaz. A resposta de Acaz, aparentemente piedosa,

era uma cortina de fumaça enviada por alguém que preferia andar

pela vista, nâo pela fé.

Isaías não pretendia deixar Acaz contornar o assunto. Lembrando ao

rei sua ascendência espiritual, o profeta se dirigia a toda a “casa de Davi”,

alertando-os que estavam testando não apenas a paciência de Isaías, mas

também a paciência de Deus (v. 13).26 Com uma mudança sutil, mas sarcástica,

na forma verbal, Isaías chamou o Senhor de “meu Deus”, não de “seu

Deus” (como o faz no v. 11). A inferência é clara: nesse ponto, o profeta não

estava tão certo de que a casa real via o Senhor como seu Deus.

Embora Acaz se recusasse a pedir um sinal, o Senhor insistiu em lhe

dar um. Esse “sinal” envolvia uma série de eventos esboçados nos versículos

14-25. Uma jovem mulher, conhecida da família real, daria à luz em

breve um menino a quem a mãe chamaria de Emanuel (que significa “Deus

conosco”). Essa criança comeria leite azedo (ou coalhada) e mel, uma

experiência que a ajudaria a tomar decisões morais sábias. Antes que isso

acontecesse, contudo, os sírios e os israelitas seriam derrotados. O Senhor,

então, lideraria por um período, de forma que nunca se tinha visto desde a

divisão da nação em reinos separados, quase 200 anos antes.

O Egito e a Assíria poriam seus olhos sobre Judá. O versículo 18 compara

os egípcios a moscas e os assírios a abelhas. Enxames de moscas

aborrecem; abelhas são irritantes e particularmente perigosas por causa

da dor que causam com sua picada (Dt 1.44; SI 118.12). As metáforas

são bem escolhidas, pois os assírios eram muito mais poderosos e perigosos

do que os egípcios. No entanto, os dois botariam pressão sobre

Judá, porque o Egito queria que Judá funcionasse como um Estado que

26 As formas verbais e os pronomes na segunda pessoa masculina nos versículos 13-14 são plurais

em hebraico, indicando que a mensagem é dirigida a toda a casa real. Nos versículos 16-17, o profeta

retoma ao singular, concentrando-se novamente em Acaz.


| 34 | Introdução aos profetas

absorvesse uma agressão assíria, enquanto a Assíria queria que Judá fosse

uma base para suas operações contra o Egito. Em seguida às referências

a manteiga/coalhada e mel, as metáforas são particularmente apropriadas,

porque moscas são atraídas por laticínios e pode-se achar abelhas nas

proximidades do mel. Os assírios devastariam a terra, destruiriam as plantações

e obrigariam o povo a sobreviver à base de leite de cabra e mel.

Nessa época, quando o povo visse o Emanuel comendo de sua manteiga/

coalhada e de seu mel, seria obrigado a reconhecer que Deus estava, de

fato, com eles. Deus estava presente com eles na crise sírio-israelita, plenamente

capaz de resgatá-los, mas também estaria presente com eles no

juízo, disciplinando-os por sua falta de confiança.

Inicialmente, a profecia parece ser uma mensagem de salvação. O nome

Emanuel parece ter um sentido positivo; coalhada e mel, em outras passagens,

simbolizam prosperidade e bênção (Dt 32.13-14); o versículo 16

anuncia a derrota dos inimigos de Judá, e o versículo 17 pode ser entendido

como uma previsão do retomo aos dias de glória de Davi e Salomão.

No entanto, a mensagem fica amarga nos versículos 17b-25. Deus estaria

com seu povo tanto no juízo quanto na salvação. Manteiga e mel seriam

sinais de depravação, o alívio anunciado no versículo 16 seria curto e a

nova era seria caracterizada por uma humilhação sem precedentes, não por

um retomo à gloria. A recusa de Acaz em confiar no Senhor transformaria

a bênção potencial em juízo, da mesma forma que Isaías transformou o que

parecia uma profecia de salvação em uma mensagem de juízo.

Devemos examinar os versículos 14-17 com mais detalhamento, porque

essa passagem tem levantado alguns debates acalorados, principalmente por

causa do uso do versículo 14 em Mateus 1.23. Antes de discutir a identidade

do “ inanuel e a utilização do versículo 14 no Novo Testamento, apresento

uma tradução anotada dos versículos 14-17:27

Uma tradução comentada de Isaías 7.14-17

14 (...) o próprio Mestre soberano vos dará um sinal.28 Eis

27 Esta tradução é uma versão revisada de uma tradução originalmente preparada pelo autor para

a internet.

28 O substantivo em hebraico traduzido por “sinal” pode referir-se a um evento milagroso (o v. 11

parece antecipar esse tipo de “sinal”), mas esse não é o significado inerente da palavra. Outras passagens

em Isaías têm a palavra referindo-se a um acontecimento natural ou a um objeto ou pessoa revestido de

significado especial (veja 8.18; 19.20; 20.3; 37.30; 55.13; 66.19). Só em 38.7-8,22 é que ele se refere a

um feito milagroso que envolve a suspensão das leis naturais da física. O sinal descrito nos versículos

14-25 envolve o controle providencial de Deus sobre os acontecimentos e sua cronologia, mas não

necessariamente sua intervenção milagrosa. Por conseguinte, a utilização da palavra “sinal” não exige

que um acontecimento milagroso esteja em pauta.


Isaías | 35 )

que uma jovem29 de lá30 conceberá31 e dará à luz um filho. Tu,

jovem, vais chamá-lo32 de Emanuel. 15 Ele comerá manteiga

e mel, o que vai ajudá-lo a saber como33 rejeitar o mal e es-

29 Tradicionalmente, “virgem”. Embora o substantivo hebraico ‘alm ah possa se referir a uma mulher

virgem (Gn 24.43, veja o v. 16), esse significado não é inerente (é importante distinguir referente e

significado. Para ilustrar a questão, ofereço o seguinte cenário. Imagine uma jovem usando um broche

que exponha sua virgindade com as palavras: “Esperando o casamento”. Agora, se eu disser para você:

“Olha aquela moça! Ela tem muita coragem moral”, você não pensaria que “moça” quer dizer “virgem”.

Conquanto eu tenha utilizado uma palavra (“moça”) para fazer referência a uma jovem que, de fato,

é virgem, você entenderia que “moça” quer dizer “mulher jovem”, não “virgem”. Em um contexto

diferente, “moça” poderia referir-se a uma jovem não virgem. Em outras palavras, a pessoa à qual uma

palavra se refere pode possuir uma qualidade específica sem que essa qualidade tenha qualquer peso

no significado da palavra utilizada para fazer referência à pessoa. O mesmo parece ser verdade para a

palavra em hebraico 'alm ah, que se aproxima de “moça”. Apalavra se refere à idade, não à experiência

sexual. Em um contexto, pode referir-se a uma jovem que seja virgem, em outro a uma jovem senhora,

não virgem. A palavra é a forma feminina do substantivo masculino correspondente, ' elem, que quer

dizer “rapaz” (ISm 17.56; 20.22). Um substantivo abstrato relacionado, la lu m im , quer dizer “jovem”,

não “virgindade”. O uso em idiomas cognatos não sugere de forma alguma que a palavra tenha o

significado especial de “virgem”. O cognato aramaico é utilizado no targum de Juizes 19.3-5 para a

concubina levita, e o cognato ugarítico se refere a uma deusa que consumou seu casamento e ficou

grávida (CTA 24). A utilização muito limitada do termo na Bíblia hebraica é ambígua (veja Ex 2.8; SI

68.25; Ct 1.3; 6.8), e o referente em Provérbios 30.19 pode até ser uma não virgem (dependendo de que

tipo de atividade romântica se enxerga aqui). A palavra parece ser relativa à idade, não à experiência

sexual, e é mais bem traduzida por “moça”. Ao mesmo tempo, o termo é flexível o bastante para

acomodar a aplicação da profecia do Novo Testamento da virgem Maria, mãe de Jesus.

30 O texto diz, simplesmente, “a jovem”. As palavras “de lá” são adicionadas na tradução para

levantar a força do artigo. É muito provável que Isaías tenha apontado para uma mulher presente na

cena da conversa do profeta com Acaz. Isaías se dirige “à casa de Davi” e utiliza a segunda pessoa

do plural. Isso sugere que havia outras pessoas presentes, e a utilização da forma verbal singular na

segunda pessoa feminina (“vai chamá-lo”) mais à frente no versículo fica mais bem explicada se for

para se dirigir a uma mulher presente.

31 Em outras passagens, o adjetivo haráh, quando utilizado como predicado, refere-se a uma gravidez

acontecida (da perspectiva do narrador, 1 Sm 4.19), a uma condição presente (do ponto de vista de quem

fala, Gn 16.11; 38.24; 2Sm 11.5) e a uma concepção que está para ocorrer (Jz 13.5-7). Em Isaías 7.14,

pode-se traduzir assim: “a moça está grávida”. Nesse caso, a moça podia ser membro da família real,

ou, mais provavelmente, a profetisa com quem Isaías teve relações sexuais logo depois disso (veja 8.3).

32 O texto diz, literalmente: “vai chamá-lo”. Apalavra “jovem” está adicionada àtradução para esclarecer

a quem se dirige a mensagem. O verbo é considerado normalmente uma forma arcaica da terceira pessoa

feminina singular aqui e é traduzido “ela vai chamá-lo”. No entanto, a forma qara't é compreendida de

forma mais natural como uma segunda pessoa feminina singular, em cujo caso as palavras devem ser

dirigidas à jovem mencionada pouco antes. Nas três outras ocorrências de qara’ (“chamar”) na terceira

pessoa feminina singular, a forma utilizada é q arèah (veja Gn 29.35; 30.26; ICr 4.9). Um particípio

perfeito na terceira pessoa feminina singular, qarat', aparece em Deuteronômio 31.29 e em Jeremias 44.23,

mas o verbo aqui é o homônimo qara ’ (“encontrar”). A forma q a ra t' (de qara \ “chamar”) aparece em três

outras passagens (Gn 16.11; Is 60.18; Jr 3.4 [Qere]) e, em cada caso, é na segunda pessoa feminina singular.

33 O texto diz, literalmente: “para que saiba”. Tradicionalmente, essa preposição tem sido traduzida

em sentido atemporal, “quando souber”. Embora a preposição le possa, às vezes, ter força temporal,

ela nunca tem essa nuance em nenhuma das outras 40 passagens em que é utilizada com a construção

infinitiva do verboy a ã á , “saber”. Na maioria das vezes, a construção indica propósito ou conseqüência.

Esse sentido é preferível aqui. O contexto seguinte indica que “coalhada e mel” resumiria a devastação

que o juízo de Deus traria sobre a nação. As plantas sumiriam e o povo seria obrigado a viver do leite

produzido pelas cabras e pelo mel que encontrasse no mato. Quando Emanuel fosse obrigado a fazer

uma dieta com base apenas em coalhada e mel, ele seria lembrado das conseqüências do pecado e seria

incentivado a tomar decisões morais de forma a evitar novas manifestações da disciplina divina.


36 | Introdução aos profetas

colher o que é certo. 16 E eis por que isso será assim.34 Antes

que o menino saiba como rejeitar o mal e escolher o que é certo,

a terra desses dois reis que vocês temem será devastada.

17 O S e n h o r fará vir sobre ti, sobre teu povo e sobre a casa

de teu pai dias que nunca tinham passado desde que Efraim

partiu de Judá. O rei da Assíria virá!35

A identidade do Emanuel

Quem era o menino Emanuel? Acadêmicos vêm respondendo a essa

pergunta de diversas maneiras. Com base em Mateus 1.23, muitos propõem

uma interpretação exclusivamente messiânica de Isaías 7.14 e

identificam o Emanuel apenas com Jesus. Embora a profecia certamente

aponte, em última análise, para Jesus (veja a discussão a seguir: Emanuel

como um tipo), um exame do versículo 14 em seu contexto literário imediato

impede uma interpretação exclusivamente messiânica. O versículo

14 sugere que a mãe do Emanuel estava presente quando Isaías revelou a

profecia, e os versículos 15-17 indicam que o Emanuel funcionava como

um sinal tangível da presença de Deus para a casa de Davi a para o povo

de Judá no século 8fl a.C. Como toda a nação, ele deve ter experimentado

a devastação da invasão assíria.

Quem era esse Emanuel histórico? Alguns consideram Emanuel um

nome coletivo para todas as crianças nascidas de mulheres de Judá que

esperavam bebê na época da profecia, mas as formas singulares utilizadas

nos versículos 14-16 favorecem um referente individual. O Emanuel

pode ter sido, de outra forma, uma criança não identificada da casa de

Davi.36 Nesse caso, a jovem a quem Isaías se dirigiu pode ter sido uma

rainha ou princesa da casa real (e, possivelmente, virgem quando a profecia

foi revelada).

Uma opção mais provável é que o Emanuel e Maer-Shalal-Hash-Baz

([Rápido-Despojo-Presa-Segura] cujo nascimento está registrado no capítulo

8) eram a mesma pessoa. O relato do nascimento em 8.3 pode ser

34 O texto diz, literalmente, “pois, porque”. A partícula introduz todo o contexto seguinte (v. 16-25),

que explica por que Emanuel era um nome adequado para a criança, por que ele comeria coalhada e mel

e por que experimentar essa dieta contribuiria para seu desenvolvimento moral.

35 O texto em hebraico diz, literalmente, “o rei da Assíria”. Como essas palavras são meio jogadas de

qualquer jeito no final da frase, alguns as consideram uma adição posterior (isso implica, é claro, que

editores posteriores trabalharam de maneira pouco gramatical, meio descuidada). No entanto, a própria

maneira desajeitada da construção pode facilitar a estratégia retórica do profeta, quando ele subitamente

muda uma mensagem que parece positiva para um discurso de juízo. Na verdade, “o rei da Assíria”

se apresenta como adição ao objeto anterior, “tempo” (literalmente, “dias”), e especifica quem seria o

principal personagem desses “dias” por vir.

36 Alguns identificam Emanuel com o rei Ezequias, mas Ezequias nascera cinco anos antes, em 740

a.C. Veja Merrill, E. H. Kingdom ofPriests (Grand Rapids: Baker, 1987), 404, 426 n. 102.


Isaías j 37 |

facilmente interpretado como a realização da profecia de 7.4. A presença

de um registro formal e de testemunhas (8.1-2) sugere que á criança tenha

a função de sinal (veja 7.14). Como em 7.14-16, a retirada dos inimigos

de Judá teria lugar antes que a criança atingisse uma idade específica (veja

8.4). Tanto em 7.17-25 quanto em 8.7-8, fala-se da invasão de Judá pelos

assírios após a derrota da aliança sírio-israelita. A referência direta a Emanuel

no final do texto de 8.8 faria sentido se seu nascimento já tivesse sido

registrado nos versículos anteriores.

Aprincipal objeção a essa leitura é o uso de nomes diferentes, mas duplicidade

na nomenclatura é verificada em outras partes do Antigo Testamento

(veja Gn 35.18).37 O nome Emanuel (dado pela mãe; veja 7.14) realçaria o

fato básico da presença de Deus, enquanto o nome Maer-Shalal-Hash-Baz

(dado por Isaías, veja 8.3), que significa “apressa-te ao despojo, apressa-

-te à presa”, explicaria exatamente como Deus estaria presente (no juízo).

Dar à criança um nome diferente na hora de seu nascimento também teria

sido altamente irônico, pois realça como a presença de Deus, normalmente

vista como uma realidade positiva, tinha sido transformada em algo escuro

e ameaçador pela descrença de Acaz. Alguns argumentam que a expressão

“tua terra”, em 8.8, indica uma referência à realeza (um filho de Acaz ou o

Messias), mas sua utilização em outras passagens mostra que a expressão

não precisa ser tão restrita. Se, por um lado, o pronome pode referir-se ao

rei de uma terra (veja Nm 20.17; 21.22; Dt 2.27; Jz 11.17,19; 2Sm 24.13;

lRs 11.22; Is 14.20), ele também pode se referir simplesmente ao nativo de

uma terra específica (veja Gn 12.1; 32.9; Jn 1.8). Veja também a utilização

de “sua terra” em Isaías 13.14, em que o pronome se refere a um nativo de

uma terra, e em 37.7, em que se refere a um rei.

Emanuel com o tipo

Além de ser um lembrete da presença de Deus na crise imediata enfrentada

por Acaz e Judá, Emanuel era uma garantia da grandeza futura da

nação no cumprimento das promessas da aliança com Deus. Eventualmente,

Deus libertaria seu povo das nações hostis (veja 8.9-10) por meio de

outra criança, um governante davídico ideal que incorporaria a presença de

Deus de maneira especial (veja 9.6-7).38

Jesus, o Messias, é a realização do ideal davídico profetizado por Isaías,

aquele a quem o Emanuel prenunciou. Por meio do milagre da encarnação

ele é, literalmente, “Deus conosco”, não simplesmente um lembrete

37 Também é interessante que Jesus não foi, de fato, chamado de Emanuel, nem há evidência de que

ele tenha sido chamado assim alguma vez.

38 Observem como a referência ao nascimento do rei, em 9.6, vincula esta passagem aos textos que

descrevem o nascimento do Emanuel (7.14) e de Maer-Shalal-Hash-Baz (8.3).


138 1 Introdução aos profetas

tangível da presença de Deus. Mateus percebeu isso e aplicou a profecia

antiga do nascimento do Emanuel a Jesus (Mt 1.22-23). O primeiro Emanuel

era um lembrete ao povo da presença de Deus e uma garantia de uma

criança mais grandiosa que viria e manifestaria a presença de Deus de um

jeito ainda mais grandioso. O segundo Emanuel é o “Deus conosco” em

um sentido mais elevado e infinitamente superior. Ele “cumpre” a profecia

do Emanuel de Isaías, trazendo à realização a tipologia pretendida e preenchendo

e completando o padrão projetado por Deus. Claro que, na realização

final do tipo, a mãe do Emanuel encarnado tem de ser uma virgem,

então Mateus usa um termo grego (parthenos), que tem tecnicamente esse

significado (diferentemente da palavra hebraica 'alm ah, que tem o significado

mais genérico de “jovem mulher”, mas é flexível o suficiente para

incluir o significado “virgem” entre suas referências).

Esta não é a única passagem em que Mateus traça uma analogia entre

eventos em tomo do nascimento de Jesus e eventos da história de Israel

aos quais os profetas se referem. A ligação entre essas passagens por analogia

recebe a denominação de “cumprimento”. Em 2.15, Deus chama

Jesus, seu Filho perfeito, do Egito, assim como fizera com seu filho Israel

no tempo de Moisés, um evento histórico relatado em Oseias 11.1. Ao

fazer isso, Mateus deixa claro que Jesus é o Israel ideal profetizado por

Isaías (Is 49.3), enviado para restaurar o desobediente Israel (Is 49.5; Mt

1.21). Em Mateus 2.18, vemos o assassinato das crianças por Herodes

como outro exemplo do tratamento opressor do povo de Deus por tiranos

cruéis. As ações de Herodes são análogas às dos assírios, que deportaram

os israelitas, fazendo com que a nação personificada lamentasse, inconsolável,

como uma mãe roubada de seus pequeninos (Jr 31.15). Nenhum dos

textos proféticos se refere, em seu contexto original, aos eventos da época

de Jesus, mas, pela perspectiva de Mateus, esses episódios na história de

Israel prenunciavam os da época de Jesus.

Uma criança símbolo entra em cena (8.1-10)

Tendo enviado Isaías para desafiar e alertar o rei, o Senhor, a seguir,

ordena ao profeta que escreva o nome Maer-Shalal-Hash-Baz, que quer dizer

“Rápido-Despojo-Presa-Segura”, em um rolo (8.1). Ele chega a convocar

duas testemunhas confiáveis para presenciar esse ato simbólico (v. 2).

Isaías teve relações sexuais com uma mulher chamada “a profetisa” (presumivelmente,

sua esposa), que concebeu e deu à luz um filho (v. 3a).

O Senhor instruiu Isaías a dar o nome simbólico de Maer-Shalal-Hash-Baz

(v. 3b), que dava uma imagem em palavras do iminente juízo pendente

sobre Damasco (capital da Síria) e Samaria (capital de Israel). Antes que a

criança tivesse idade suficiente para poder chamar “pai” e “mãe”, as duas


Isaías 139 1

nações representadas por essas cidades seriam pilhadas e despojadas (v. 4).

O instrumento de juízo de Deus seria o povo assírio, que varreria o país

como uma inundação poderosa (v. 5-7).39

Mas o juízo prenunciado pela criança-símbolo não se restringia aos

inimigos de Judá. Por causa da recusa de Acaz em confiar no Senhor, a

inundação assíria levaria Judá também (v. 8a). Trocando metáforas, Isaías

descreve os assírios como uma grande ave estendendo suas asas sobre toda

a terra de Judá (v. 8b). Esse anúncio final do juízo é dirigido a Emanuel (em

minha opinião, o outro nome de Maer-Shalal-Hash-Baz). O texto respinga

ironia nesse ponto. Poderíamos pensar que a presença de Deus com seu

povo garantiria sua segurança, mas, nesse caso, ele estaria com seu povo

no juízo pela instrumentalidade da Assíria, a mesma nação para a qual Acaz

tinha se voltado para pedir ajuda.

O alerta do Senhor rapidamente tornou-se uma realidade. Em 734 a.C.,

Tiglate Pileser III invadiu o oeste, conquistando primeiramente as áreas

costeiras de Tiro e Filístia. Em 733-732 a.C., ele conquistou a Síria e Israel.

Ele executou o rei Rezin, de Damasco, e fez da Síria uma província assíria

(2Rs 16.9). Em Israel, Oseias assassinou o rei Peca e tomou-se um rei

fantoche dos assírios (2Rs 15.29-30). O território de Israel sofreu grande

redução, quando as regiões do norte viraram províncias assírias.40 Tudo isso

aconteceu antes que o pequeno Emanuel, nascido no final de 735 a.C. ou

no começo de 734 a.C., pudesse diferenciar o certo do errado (Is 7.16) ou

chamar “papai” ou “mamãe” (Is 8.4).

Embora o acordo de Acaz com os assírios parecesse tirar Judá da forca,

a aliança provou ser, na verdade, um beijo da morte. Judá estava ligado à

Assíria por um tratado que exigia o pagamento de tributos regularmente e

exauriu as riquezas da nação e da casa real (2Cr 28.20-21). Quando Judá,

sob o govemo do filho de Acaz, Ezequias, eventualmente se rebelou contra

o domínio opressor dos assírios, o rei Senaqueribe invadiu a terra. Em 701

a.C., o exército assírio invadiu Judá como uma inundação (Is 8.7-8), devastou

os campos e destruiu as plantações (Is 7.17-25; e também 1.7; 37.30-31).

Senaqueribe conquistou diversas cidades e aldeias fortificadas (2Rs 18.13)

39 O significado exato do v. 6 é incerto. Se a expressão “este povo” refere-se a Samaria/Israel, então

o versículo mostra a rejeição do Senhor pelo reino do Norte, simbolizada pelas “águas de Siloé”

(provavelmente uma referência a uma fonte que abastecia Jerusalém com água). No entanto, a expressão

“este povo” podia referir-se ao povo de Judá. Nesse caso, a palavra traduzida por “alegrar-se” teria de

ser derivada de uma forma léxica diferente em hebraico e teria o significado “derreter-se em temor”.

O versículo 6 descreveria, então, como o povo de Judá estava tão paralisado de temor da aliança sírioisraelita

que se recusaria a confiar na promessa de livramento do Senhor.

40 Para relatos mais detalhados da invasão assíria do oeste em 734-732 a.C., veja Pitard, Wayne T.

AncientDamascus (WinonaLake: Eisenbrauns, 1987), 186-89, e Otzen, B. “Israel under the Assyrians”,

em Power and Propaganda, Larsen, M. T. (org.) (Copenhague: Akademisk Forlag, 1979), 251 -61.


| 40 1 Introdução aos profetas

e levou grande parte da população e da criação animal para o exílio.41 Emanuel,

agora um jovem em seus 30 anos, conheceu o desfecho dessa invasão.

Quando foi forçado a sobreviver com uma dieta regular de manteiga e mel,

sem dúvida lembrou-se das conseqüências do pecado e motivou-se a tomar

decisões morais corretas (Is 7.15). Quando o povo o viu comendo coalhada e

mel, muitos devem ter se lembrado das palavras de Isaías e devem ter lamentado

o dia em que Acaz decidiu andar pela vista e não pela fé.

Mas a invasão de Senaqueribe teve um final surpreendente. Quando os

exércitos de Senaqueribe cercaram Jerusalém, Ezequias rogou ao Senhor

que interviesse (Is 36-37). O Senhor enviou um anjo matador que destruiu

os assírios em uma noite, forçando Senaqueribe a se retirar com o rabo

entre as pernas (Is 37.36-37). A fé de Ezequias reverteu os efeitos da descrença

de Acaz, e Judá mais uma vez conheceu a presença de Deus como

seu libertador, mais do que seu juiz.

O próprio Isaías previu isso em 735-734 a.C., quando revelou sua previsão

de juízo em conjunto com o nascimento de seu filho. Após descrever

como os assírios inundariam a terra de Judá e a cobririam com a sombra

ameaçadora e escura do juízo (Is 8.7-8), Isaías subitamente se volta para os

invasores e os provoca. Em 8.9-10, ele desafia as “nações” (uma referência

ao exército assírio, que usava soldados de diversas nações conquistadas de

todo o império assírio)42 para se prepararem para a batalha, mas anuncia

confiantemente que seu ataque fracassará.43 Por quê? Essa questão podia

ser facilmente respondida em uma palavra - o nome Emanuel (veja “Deus

conosco”, ao final do versículo 10). Depois de dizer e fazer tudo, o salvador

tomado juiz repetiria seu papel de libertador e demonstraria sua soberania

sobre as nações furiosas que ele tinha utilizado como instrumentos de juízo.

Perseverando em tempos de trevas (8.11-22)

A ameaça sírio-israelita fez com que muitos em Judá entrassem em

pânico. Quando o medo afastou a razão, houve quem chegasse a acusar

terceiros de serem parte de uma conspiração para derrubar o governo. O

41 Para um relato muito divulgado da invasão de Senaqueribe, veja Pritchard, Ancient Near Eastern

Texts, 287-88.

42 J. H. Hayes e S. A. Irvine identificam as “nações” aqui como sendo Síria e Israel. Veja Isaiah

(Nashville: Abingdon, 1987), 152. Nesse caso, o profeta encerra sua mensagem como começara,

concentrando-se no futuro mais imediato e no livramento que traria. Mas a referência a “países

longínquos” sugere que a Assíria, que nos versículos 7-8 assume o centro da cena, ainda está em pauta

(veja também 5.26). Isso fica ainda mais provável quando consideramos 10.5-34, que desenvolve em

detalhes o clamor breve, mas confiante, de 8.9-10.

43 O duplo imperativo triplo nos versículos 9-10 é retórico e equivalente a uma previsão: “serão

despedaçados”. Expressa a firme convicção de Isaías do resultado do ataque à nação. A repetição do

imperativo cria um clima de zombaria.


Isaías | 4 1 1

Senhor alertou Isaías e seus seguidores para que não se deixassem dominar

pelo pânico (v. 11-12).44 No meio de todo o medo e confusão, o remanescente

fiel tinha de manter o foco no Senhor, seu rei soberano (v. 13).

O povo de Israel e de Judá, incluindo os residentes de Jerusalém, tinha

abandonado o Senhor. Essa decisão provaria ser sua derrocada. Em vez de

ser sua fonte de segurança, o Senhor traria sua morte. No passado, sua intervenção

por seu povo tinha sido comemorada com uma “pedra de apoio”

(ISm 7.12). Ele era a rocha de defesa e segurança de Israel (Dt 32.4; 28m

22.32). Agora, ironicamente, ele se tomaria uma pedra/rocha sobre a qual

tanto Israel quanto Judá tropeçariam e cairiam em uma armadilha que aprisionaria

o povo de Jemsalém (v. 14-15).

A luz desses eventos iminentes, era importante que um registro escrito

do “testemunho” e da “lei” fosse preservado entre o remanescente fiel (v.

16).45 O “testemunho” provavelmente se refere às mensagens proféticas

que Deus deu ao profeta, e a “lei”, às ordens e alertas do profeta. Quando as

profecias fossem cumpridas e as advertências se materializassem, os seguidores

de Deus poderiam, então, produzir um registro oficial para confirmar

a autenticidade do ministério de Isaías e para imprimir nas pessoas a realidade

da autoridade de Deus sobre eles.

Isaías afirmou que manteria sua confiança no Senhor até o tempo em que

fosse chegado o juízo, quando a face de Deus seria escondida do seu povo

(v. 17). Isaías e seus filhos (Shear-Jasube e Maer-Shalal-Hash-Baz) continuariam

firmes como lembretes da vontade do Senhor de ajudar seu povo

(v. 18). O nome de Isaías (que quer dizer “o Senhor salva”) era um lembrete

de que o Senhor era a única fonte de proteção da nação; o nome de Shear-

-Jasube (“um sobrevivente voltará”) tinha como propósito de, ao menos

originalmente, encorajar Acaz (7.3); e Maer-Shalal-Hash-Baz (“Rápido-

-Despojo-Presa-Segura”) era uma garantia da derrota de Síria e Israel (8.4).

Infelizmente, o povo, por causa da falta de fé, tinha perdido a segurança

divina que os nomes sugeriam.

Quando as trevas do juízo se espalharam pela terra, o povo estava se

voltando para práticas pagãs, em um esforço para descobrir e controlar

o futuro (v. 19).46 Os “médiuns” e “espíritas” mencionados aqui usavam

44 As formas pronominais e verbais na segunda pessoa dos versículos 12-13 são plurais, indicando

que esses alertas são dirigidos a Isaías e a outros seguidores do Senhor que buscavam o profeta por

liderança (v. 16).

45 Se é o Senhor (como nos v. 12-15) quem fala a Isaías aqui (as formas verbais da segunda pessoa são

singulares), então “meus discípulos” se refere aos seguidores do Senhor. Se Isaías é quem está falando

(como no v. 17), os ouvintes não são especificados e “meus discípulos” se refere aos seguidores do profeta.

46 Não é claro se quem fala é o profeta ou o Senhor nos versículos 19-22. Se é Isaías quem fala, então

provavelmente dirige-se aos seguidores do Senhor (o verbo e o pronome na segunda pessoa no v. 19

estão no plural). Se é o Senhor quem fala, então os versículos 19-22 retomam o discurso registrado nos

versículos 12-15, no qual ele se dirige a Isaías e ao remanescente fiel.


I 42 I Introdução aos profetas

buracos escavados no chão em um esforço para entrar no mundo subterrâneo

dos mortos.47 Os médiuns sussurravam e murmuravam encantamentos

criados para conjurar os espíritos dos mortos, que, por sua vez, dariam uma

resposta aos que faziam indagações.48 No meio de tanta treva espiritual, o

remanescente fiel devia seguir o compasso da palavra profética de Deus,

chamada mais de uma vez de “a lei” e “o testemunho” (v. 20; veja o v. 16).

Por intermédio de Isaías, o Senhor já tinha dito ao povo que seu futuro

era sombrio. No final da invasão, os refugiados vagariam pela terra em

busca de comida, enquanto amaldiçoavam com raiva tanto seu rei quanto

seu Deus (v. 21-22).49

Uma luz que dissipa as trevas (9.1-7)

As trevas do juízo não cobririam a terra para sempre. Com foco nas

regiões do norte, Isaías descreveu uma época em que Deus reverteria o

juízo humilhante que tinha despejado sobre as antigas regiões tribais de

Zebulom e Nafltali (v. I).50 No período de 734-732 a.C., Tiglate Pileser III

da Assíria anexou a maior parte do território de Israel e reduziu Samaria a

um Estado fantoche, com um governante escolhido a dedo pelos assírios.

Os assírios organizaram as áreas anexadas em três províncias mencionadas

no versículo 1: Megido (igual a “Galileia dos gentios”), Dor (igual a

“caminho do mar”) e Gileade (igual a “[região] ao longo [melhor, além] do

Jordão”).51 A luz da libertação de Deus dissiparia as trevas que cobriam a

região (v. 2). Um rei davídico conquistador (v. 7; 11.1,10) libertaria Israel

de seus inimigos opressores, assim como Gideão, no passado, tinha esmagado

os cruéis midianitas (v. 4-5, veja Jz 7).

47 O rei Saul consultou um desses médiuns (ISm 28). Para saber mais sobre esses médiuns e seus

rituais, veja Hoffner, H., “3ÍK”, TDOT 1.130-34.

48 O versículo 19b é normalmente traduzido como se fosse a resposta de quem fala (Isaías ou o Senhor)

aos idólatras (veja, por exemplo, a NIV). Entretanto, o texto em hebraico diz, literalmente: “Não deveria

um povo buscar seu Deus/deuses, os mortos em favor dos vivos?” E mais provável que essa seja uma

continuação do que tem início em 19a. Veja Day, John, Yahweh and the Gods and Goddesses o f Canaan

(Sheffield: Sheffield Academic Press, 2000), 218. Os versículos 19-20a podem ser parafraseados assim:

“Quando disserem para vocês: ‘consultem os médiuns e os espíritas que sussurram e murmuram! Não

deveria um povo consultar seus deuses? [Não deveriam consultar] os mortos em favor dos vivos?’,

então vão para a lei e para o testemunho!”

49 A tradução tradicional assume que a palavra hebraica 1elohim , como normalmente, refere-se ao

Deus único e verdadeiro, que o povo reconhece como a fonte de sua desesperança. Outra opção neste

contexto é compreender a palavra como um plural verdadeiro, referindo-se aos deuses pagãos que o

povo esperava que fossem livrá-los. Quando eles vagarem pelos campos, amaldiçoarão esses deuses

por seu fracasso em protegê-los (2.20).

50 Nos versículos 1-5, Isaías usa um recurso retórico no tempo futuro de restauração e descreve

eventos futuros como se eles já tivessem ocorrido.

51 Veja Aharoni, Land o f the Bible, 374-75.


Isaías | 43 |

Essa grande vitória ensejaria uma explosão de alegria do povo de Deus

(v. 3). Com foco em seu rei, o povo rememora seu nascimento, afirma sua

vontade de carregar nos ombros a responsabilidade da liderança e assumir

seus títulos reais, o que destaca suas habilidades (v. 6).52 O poder militar

do rei deixa a nação segura, e seu comprometimento com a justiça garante

a continuidade da dinastia de Davi (v. 7a). O segredo de seu sucesso é o

Senhor, cujo zelo (i.e., a intensa devoção e amor) por seu povo o leva a

justificá-lo e a cumprir suas promessas feitas a Davi e a seu povo.

Os títulos reais merecem atenção especial porque caracterizam e resumem

seu reinado. Infelizmente, a estrutura gramatical do versículo 6b não

é totalmente clara. No texto em hebraico, a frase começa “e se chamará o

seu nome”, mas não há indicação do sujeito do verbo “chamará”. Alguns

sugerem que um ou mais dos títulos que se seguem se referem a Deus, não

ao rei. Por exemplo, o texto tradicional em hebraico, na forma pontuada

pelos escribas hebreus medievais, sugere a tradução: “e o Maravilhoso, o

Conselheiro, o Deus Forte, chama-se ‘Pai da Eternidade, Príncipe da Paz’”.

Entretanto, é mais provável que o sujeito do verbo seja indefinido: “será

chamado”. Nesses casos, é possível traduzir o verbo na voz passiva, tornando

o objeto gramatical sujeito na tradução: “e seu nome é chamado”.

Esta utilização de “será chamado/seu nome será chamado” com um sujeito

indefinido seguido pelo objeto “nome” ocorre em outras partes na Bíblia

hebraica (Gn 25.26; 35.8; 38.29-30; Nm 11.3; 21.3; Js 5.9).

Tradicionalmente, “maravilhoso” e “conselheiro” vêm sendo considerados

isoladamente, totalizando cinco títulos (veja a KJV). Entretanto, o

padrão do segundo, do terceiro e do quarto títulos, cada um combinando

dois elementos, sugere que o primeiro título também seja composto,

“Maravilhoso Conselheiro” (veja NVI). Alguns imaginam o primeiro

título real como uma referência à sabedoria do rei em sentido geral, mas

o contexto imediato sugere haver uma ideia mais específica nesta visão.

Os versículos anteriores têm foco na vitória militar do rei, e o próximo

título (“Deus Forte”) destaca sua força divinamente concedida. Portanto,

o título “Maravilhoso Conselheiro” provavelmente mostra esse rei guerreiro

como um estrategista militar extraordinário. Um substantivo relacionado,

traduzido por “conselho” ou “estratégia”, é associado com poder

militar em Isaías 11.2 e 36.5.

O segundo título, “Deus Forte”, retrata o rei como o representante

de Deus no campo de batalha. Deus dá ao rei a força para a batalha, de

forma sobrenatural. Quando os inimigos do rei o enfrentam no campo de

52 As formas verbais em hebraico no versículo 6 indicam ação completa; refletem a perspectiva da

geração futura que conheceria essa grande vitória.


) 44 I Introdução aos profetas

batalha, é como se eles estivessem lutando contra o próprio Deus. Embora

possamos olhar para trás e ver no título uma indicação da divindade do

rei que virá, é improvável que Isaías ou seu público tivessem entendido

o título dessa forma. O salmo 45.6 se dirige ao rei davídico como “Deus”

porque ele governou e lutou como representante de Deus na terra. A arte

e a literatura antiga do Oriente Próximo mostram deuses treinando reis

para a batalha, investindo-os de novas armas e intervindo nas batalhas.

De acordo com a propaganda egípcia, os hititas descreveram Ramsés II

assim: “Não há homem como ele entre nós, ele é Seth de enorme força,

Baal em pessoa. Esses seus feitos não são de homem, são de alguém

único.”53 O título real em Isaías 9.6 provavelmente imagina um tipo de

resposta semelhante à de quando amigos e inimigos olham para o rei davídico

em toda realeza na batalha.54

O terceiro título, “Pai da Eternidade”, mostra o rei como o protetor de

seu povo (para uso semelhante de “pai”, veja Is 22.21; Jo 29.16). Esse uso

idiomático e figurativo de “pai” não se limita à Bíblia. Em uma inscrição

fenícia (de aproximadamente 825 a.C.), o príncipe Kilamuwa declara:

“Para alguns, eu era um pai, para outros, eu era uma mãe”. Em outra

inscrição (de aproximadamente 800 a.C.), o rei Azitawadda se vangloria

pelo deus Baal tê-lo feito “pai e mãe” de seu povo.55 Isaías e seu público

provavelmente entenderam o termo “da Eternidade” como uma hipérbole

real para destacar o longo reinado ou a dinastia duradoura (para exemplos

dessa linguagem hiperbólica sobre o rei davídico, veja lRs 1.31; SI

21.4-6; 61.6-7; 72.5,17). A linguagem hiperbólica (como no caso do título

“Deus Forte”) é realizada no cumprimento final da profecia, pois Jesus

governará por toda a eternidade.

O quarto título, “Príncipe da Paz”, mostra o rei como aquele que estabelece

um ambiente sociopolítico seguro para seu povo. Quase nunca o

descreve como manso e gentil, pois ele estabelece a paz com uso da força

militar. Seu povo conhece a segurança e a prosperidade porque seu rei

invencível aniquilou seus inimigos (veja o SI 29 para um exemplo semelhante

de como Deus garantiu a paz por meio da força).

A mão de juízo do Senhor continua levantada (9.8-10.4)

Tendo previsto a era messiânica, o profeta retoma às duras realidades

de seu próprio tempo. Na próxima mensagem, Isaías mostra o juízo implacável

do Senhor sobre o reino do norte. Essa mensagem assume que Deus

33 Lichtheim, Miriam. Ancient Egyptian Literature, 3 vols. (Berkeley: University of Califórnia Press,

1975-1980), 2:67.

54 Veja Hayes e Irvine, Isaiah, 181-82.

55 Para essas duas inscrições, veja Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, 499-501.


Isaías | 45 |

já tinha enviado juízo devastador (veja o v. 10),56 mas destaca que a ira de

Deus não tinha diminuído e que outra rodada de juízo divino estava por vir

(10.1-4). A mensagem foi dada provavelmente pouco antes da conquista

do reino do norte pela Assíria, em 734-732 a.C. ou em algum tempo entre

essa invasão e a queda de Samaria, em 722 a.C. A mensagem é dividida em

quatro partes, cada uma delas terminando com o refrão “e nem com tudo

isto cessou a sua ira, mas ainda está estendida a sua mão”:

Primeira parte (9.8-12)

A Descrição do juízo passado (9.8)

B Descrição da atitude do povo em relação ao juízo passado

(9.9-10)

C Descrição do juízo passado (9.11 -12a)

D Refrão (9.12b)

Segunda parte (9.13-17)

A Descrição da atitude do povo em relação ao juízo passado

(9.13)

B Descrição do juízo passado (9.14-17a)

C Refrão (9.17b)

Terceira parte (9.18-21)

A Descrição do juízo passado (9.18-21 a)

B Refrão (9.21b)

Quarta parte (10.1-4)

A Previsão de desventura anunciando juízo futuro (10.1 -4a)

B Refrão (10.4b)

Israel tinha experimentado os efeitos devastadores do juízo divino. Esse

juízo, embora anunciado por Deus, não teve efeito sobre o povo orgulhoso,

que se vangloriava, otimista, que reconstruiria suas cidades arruinadas e

substituiria seus sicômoros por cedros (v. 8-10). O Senhor trouxe os sírios

e os filisteus contra a terra, mas o povo recusou-se a se arrepender de seus

pecados (v. 11-13).57 O Senhor removeu muitos dos líderes mais importantes

56 As formas verbais em hebraico nos versículos 8-9,14,17-20 são mais bem traduzidas pelo pretérito

perfeito (ao contrário da NIV, que utiliza o futuro ou o presente).

57 Uma vez que os sírios e os israelitas eram aliados por volta de 735 a.C. (7.1), o versículo 11 deve

se referir a um ataque sírio contra o reino do norte antes disso, provavelmente no reinado de Menaém

sobre Israel (752-742 a.C.). Veja Bright, J., A History o f Israel, 3a ed. (Filadélfia: Westminster, 1981),

271-72. Diferentemente de Peca, que se aliou à Síria contra a Assíria, Menaém seguiu uma política

pró-Assíria (2Rs 15.19-20).


46 1 Introdução aos profetas

da nação, incluindo os profetas mentirosos que enganaram o povo (v. 14-16).

De cima a baixo, Israel era corrupto (v. 17). Esse mal espalhado acendeu os

fogos do juízo divino, que consumiu a terra (v. 18-19). A guerra civil rachou

a nação e quase respingou sobre Judá, quando o reino do norte, sob o domínio

de Peca, tentou forçar o reino do sul a aderir à sua aliança anti-Assíria

(v. 20-21; veja 2Rs 15.10-16.6).

Tudo isso era um simples prefácio para um juízo ainda mais devastador

que estava por vir. Os líderes do reino do norte foram condenados (reparem

no “ai”, em 10.1) porque tinham fracassado em promover a justiça.

Instituíram medidas opressoras contra o povo, negaram ao povo justiça e

até exploraram os pobres e desassistidos, despojando viúvas e órfãos (10.1-

2). No dia do acerto divino, esses líderes não teriam quem os ajudasse e

nenhum lugar para esconder seu dinheiro (v. 3). Aqueles que escapassem à

espada do invasor seriam capturados e levados para o exílio (v. 4).

Deus reduz os assírios (10.5-34)

O severo juízo de Deus sobre Israel não aplacaria sua sede de justiça. Mais

uma vez, sua mão levantada (veja v. 4b) atingiria seus inimigos, mas, dessa

vez, os orgulhosos assírios sentiriam o gostinho do que vinham distribuindo.

O Senhor usou os assírios como instrumento de juízo contra um Israel

sem deus (v. 5-6), mas os assírios não reconheceram isso. Os imperialistas

reis assírios gabavam-se de suas vitórias sobre a Síria, sobre Israel e

outros Estados ocidentais. Pensavam que Judá fosse apenas outro reino

fraco, cujos deuses eram incapazes de parar o massacre assírio (v. 7-11).58

O Senhor usaria os assírios para disciplinar Judá, mas, uma vez que essa

tarefa fosse realizada, ele ensinaria uma lição aos assírios (v. 12). Os orgulhosos

assírios atribuíam seu sucesso à sua própria força e sabedoria e se

vangloriavam de que suas conquistas tinham sido fáceis como roubar ovos

de um ninho abandonado (v. 13-14). Os assírios eram uma mera ferramenta

nas mãos de Deus, mas estavam agindo como se fossem superiores a ele.

Isso, é claro, era absurdo, comparável a uma ferramenta manobrando um

trabalhador, ou uma arma brandindo um guerreiro (v. 15). O orgulho excessivo

da Assíria chamou a atenção de Deus. O rei guerreiro divino de Israel

demonstraria sua majestade e força destruindo os assírios, assim como um

incêndio abrasador rapidamente consome uma floresta (v. 16-19).

A vitória sobre a Assíria abriria a porta para uma nova era para Israel. O

remanescente do reino do norte renovaria sua confiança e sua fidelidade no

58 Os assírios conquistaram os Estados mencionados no versículo 9 entre 740-717 a.C. O versículo 11,

que assume que Samaria já tinha caído, indica que essa previsão contra a Assíria é de algum momento

depois de 722 a.C.


Isaías S47 j

Senhor, seu verdadeiro rei (v. 20-21). Apropriadamente, o Senhor é chamado

de “o Santo de Israel”, um título que indica sua soberania (1.4; 6.3), e “Deus

Forte”, um lembrete da força que revelou quando “os feriu” (v. 20). Infelizmente,

apenas um remanescente participaria da reconciliação com Deus,

pois a população de Israel seria reduzida a um décimo pelo juízo (v. 22-23).

O título “Deus Forte” só aparece aqui (v. 21) e em Isaías 9.6, em que

é um dos epítetos do rei davídico que estava por vir. É possível que Isaías

10.20-21 mostre os israelitas retomando a Deus (“o Santo de Israel”) e ao

rei dravídico (“o Deus Forte”), como em Oseias 3.5. No entanto, o rei davídico

não é mencionado no contexto imediato do versículo 21 (veja o cap.

11, contudo). O versículo anterior menciona Israel dependente do “Senhor,

o Santo de Israel”. Então, é provável que o título “Deus Forte” se refira também

ao Senhor. Dois títulos semelhantes se referindo a Deus aparecem em

Deuteronômio 10.17 e Neemias 9.32 (“o grande, poderoso e terrível Deus”)

e em Jeremias 32.18 (“o grande, o poderoso Deus”).

Duas vezes nos versículos 21 -22 aparece a afirmação “o remanescente

retomará”. A afirmação ecoa e ressoa o nome simbólico do filho de Isaías,

Shear-Jasube, que acompanhou o profeta no encontro inicial com o rei Acaz

(Is 7.3). Nessa ocasião, Isaías tentou encorajar o rei assegurando-lhe que o

Senhor era capaz de libertá-lo dos invasores sírios e israelitas. O nome de

Shear-Jasube, que significa “um remanescente retomará”, provavelmente

tinha conotação positiva naquele tempo, talvez sugerindo que a maioria dos

inimigos invasores seria derrotada e que somente um remanescente voltaria

para casa. Isaías 10.21-22 mostra que a profecia inerente ao nome de Shear-

-Jasube foi descoberta quando o juízo de Deus reduziu a nação de Israel,

uma vez grandiosa, a apenas um resto. Mesmo assim, há boas-novas aqui

também. Eventualmente um restante retomaria para Deus e se reuniria com

Judá sob o mando do rei davídico idealizado (veja o cap. 11).

Depois de parar de descrever a reconciliação de Israel com Deus, o

profeta se volta a seu tema principal: a morte da Assíria (v. 24, veja os v.

5-19). Dirigindo-se ao povo de Jerusalém em nome do Senhor, ele assegura

que seu rei guerreiro, divino, forte, iria protegê-los da ameaça assíria.

Embora o Senhor tivesse usado os assírios para punir seu povo (v.

24), sua ira contra Judá se transferiria em breve para a Assíria (v. 25). Ele

feriria os assírios (v. 26) e libertaria Judá do govemo opressor e pesado

da Assíria (v. 27).

Ele derrotaria os assírios, assim como tinha aniquilado os midianitas

nos dias de Gideão (v. 26a). A referência à “pedra de Orebe” relembra o

incidente registrado em Juizes 7.25. Ao final da vitória de Gideão sobre

os midianitas, os efraímitas capturaram e decapitaram o general Orebe em

uma rocha que depois ganhou o nome do inimigo executado.


148 I Introdução aos profetas

Essa amostra de força seria remanescente da força que Deus liberou

contra o Egito nos tempos de Moisés (v. 26b). O texto em hebraico do versículo

26b diz exatamente “e a sua vara estará sobre o mar, e ele a levantará

como sucedeu aos egípcios”. Se o texto for mantido como está, “o mar”

simboliza a hostil Assíria. Nesse caso, a imagem provavelmente recupera a

forma como Moisés levantou sua vara/mão para fazer com que o mar Vermelho

destruísse o exército egípcio que o perseguia (Êx 14).59

De uma maneira altamente dramática, os versículos 28-32 descrevem

uma invasão assíria de Judá vinda do norte.60 Os assírios marcham cada vez

mais perto de Jerusalém e desafiam a cidade com seus pulsos. Mas, então,

de súbito, o Senhor ataca. Comparando o Senhor a um forte lenhador e a

Assíria a uma floresta, o profeta ilustra o Senhor cortando árvores ao chão

com seu machado (v. 33-34).

Essa profecia foi cumprida em essência em 701 a.C., quando Senaqueribe

invadiu Judá.61 Registros históricos e o texto bíblico (Is 36.2) indicam

que Senaqueribe se aproximou de Jerusalém pelo sudoeste, não pelo norte.62

Em conseqüência, o relato nos versículos 28-32 deve ser compreendido

provavelmente como retórico-profético. Não necessariamente era para

ser um itinerário literal dos movimentos assírios; ao contrário, seu objetivo

principal era criar um clima de presságio. As referências geográficas contribuem

para esse objetivo, embora meramente reflitam a forma como se

pode esperar que uma invasão assíria aconteça, não necessariamente como

a invasão de fato aconteceu.63

Um rei ideal traz a paz (11.1-9)

De volta ao tema messiânico introduzido anteriormente (9.1-7), Isaías

enxerga um dia em que um rei davídico ideal governaria, garantindo a justiça

e a paz. Esse rei é descrito como um broto ou um ramo crescendo da

raiz ou do tronco de Jessé (v. 1). Na associação do rei a Jessé, mais do que

a Davi, o profeta pinta esse governante como um novo Davi, não apenas

59 Contudo, alguns corrigem a expressão “contra o mar” (em hebraico,'al-hayyam) para “contra eles”

(em hebraico, 'alehern). Nesse caso, a descrição feita pela palavra, provavelmente, refere-se de forma

mais genérica ao modo como o Senhor utiliza o cajado de Moisés para trazer o juízo conta o Egito.

60 Sobre os detalhes geográficos deste relato, veja Aharoni, Land o f the Bible, 393.

61 Hayes e Irvine (Isaiah, 209-10) sugerem que o texto descreve a invasão sírio-israelita de Judá (735

a.C.), mas essa proposta desconsidera o contexto precedente, que profetiza a destruição da Assíria.

Alguns sugerem que essa invasão aconteceu juntamente com a campanha ocidental de Sargom, de 713-

711 a.C., mas não há evidência histórica dessa invasão nessa época.

62 Oswalt, John N. (The Book o f Isaiah 1-39 [Grand Rapids: Eerdmans, 1986], 274-75) prefere ver a

descrição como retórica e sem correspondência com qualquer evento histórico em particular, mas Hayes

e Irvine argumentam que detalhes geográficos precisos vão contra essa proposta.

63 Para uma discussão mais aprofundada do problema, veja Clements, R. E., Isaiah 1-39 (Grand

Rapids: Eerdmans, 1980), 117-19.


Isaías | 49 |

outro descendente decepcionante de Davi. Outros profetas chamam esse rei

ideal de “Davi” ou o mostram como a segunda vinda de Davi (Jr 30.9; Ez

34.23-24; 37.24-25; Os 3.5; Mq 5.2) Como o Davi de antigamente (ISm

16.13), esse rei será energizado pelo Espírito de Deus, que lhe dá sabedoria

extraordinária e o habilitará a executar os planos de Deus e instilará nele

lealdade absoluta ao Senhor (v. 2-3a).

A expressão “de sabedoria e de entendimento” (v. 2) combina sinônimos

para realçar o nível de discernimento que o rei possui. Essa sabedoria

sobrenatural toma o rei capaz de decisões justas baseadas na verdade, mais

do que na simples aparência (v. 3b).

A expressão “de conselho e de fortaleza” (v. 2), que combina ideias relacionadas,

refere-se à sua habilidade sobrenatural de executar os planos e as

estratégias que concebe. Essa capacidade o habilita a defender os oprimidos

pela implementação de políticas justas e pela eliminação de seus opressores

(v. 4). De fato, seu compromisso com a justiça é o fundamento de seu

governo; é ele quem fomece estabilidade e apoio, como um cinto que se usa

em volta da cintura (v. 5).

A expressão “de conhecimento e de temor do S e n h o r ” (v. 2) mostra

essa absoluta lealdade ao Senhor. “Conhecimento” é usado aqui em seu

sentido convencional e se refere ao reconhecimento da autoridade de Deus

e a uma vontade de se submeter a ela (veja Jr 22.16, em que “conhecer” o

Senhor é definido como um comprometimento com a justiça). “Temor do

Senhor” refere-se, aqui, a um respeito saudável pela autoridade de Deus

que gera obediência. Juntando os dois termos, destaca-se a qualidade única

da lealdade ao Senhor. Essa lealdade garante que ele tome decisões legais e

justas e implemente políticas justas (v. 3-5).

Na visão de Isaías, a transformação da sociedade humana é acompanhada

por uma transformação radical dentro do reino animal (v. 6-9). O mundo

animal como o conhecemos é caracterizado pela regra “com unhas e dentes”,

em que predadores caçam e devoram animais mais fracos. Mas, durante o reinado

do rei ideal, essa estrutura básica muda. Os predadores não mais atacam

e comem os animais mais fracos. Em vez disso, a natureza fundamental dos

predadores é alterada e eles se tomam herbívoros. Essa visão surpreendente

pode meramente ter sentido figurado, com predadores simbolizando opressores

humanos e a caça, suas vítimas desassistidas (v. 4-5), mas é possível

que descreva uma mudança literal que espelha a transformação na sociedade

humana, em que as categorias “opressor” e “oprimido” são eliminadas.

Enquanto esse reino de paz alcançará todo o mundo (2.2-4; 11.10), o

versículo 9 concentra-se na mudança que tem lugar em Jerusalém e na terra

de Israel. O versículo 9 afirma que “não se fará [aparentemente referindo-

-se aos predadores mencionados, que, por sua vez, simbolizam os ímpios


150 | Introdução aos profetas

mencionados no v. 4] mal nem dano algum em todo o meu santo monte,

porque a terra se encherá do conhecimento do S e n h o r , como as águas

cobrem o mar”. O monte santo do Senhor é o Monte Sião/Jerusalém (SI

2.6; 15.1; 43.3; 48.1; 99.9; Is 56.7; 57.13; 65.11,25; 66.20; Dn 9.16,20; Jo

2.1; 3.17; Ob 16). Isso sugere que o termo hebraico ’erets, traduzido como

“terra” na NIV, refere-se à “terra” de Israel, aqui e no versículo 4.

Os exilados voltam para casa (11.10-12.6)

Esse rei ideal também recupera o povo exilado de Deus (v. 10-12). Em

722 a.C., os assírios deportaram o povo de Israel para a Mesopotâmia e para

regiões mais distantes (2Rs 17.6; 18.11). Em 701 a.C., Senaqueribe, apesar

de derrotado fora dos muros de Jerusalém, levou um grande número dos

moradores de Judá para o exílio.64 Isaías também previu o exílio de Judá na

Babilônia, que ocorreu entre 605 e 586 a.C. (Is 39.6-7). Contudo, na visão

de Isaías, no reinado do rei ideal, as nações da terra, outrora hostis, permitem

que os exilados retomem à sua terra natal, vindos dos quatro cantos da terra.

Uma vez de volta à sua terra, o povo de Deus desfruta de renovada força

nacional (v. 13-14). O reino do norte (aqui representado por Efraim) não

se opõe mais a Judá. Em vez disso, une-se contra as nações hostis à sua

volta, incluindo os filisteus, a oeste, e Edom, Moabe, Amom e as tribos do

deserto, a leste. Como nos tempos gloriosos da monarquia unida sob Davi e

Salomão, eles subjugam essas nações e as forçam a pagar tributo.

Isaías ilustra o retomo em massa como um segundo êxodo. O Senhor seca

mares e rios, permitindo que seu povo retome do exílio no Egito e na Assíria

(v. 15-16). Como nos tempos de Moisés, o povo do Senhor exalta seus feitos

poderosos (12.1-6). Eles agradecem Deus ter substituído sua ira por salvação

e, com palavras remanescentes do Cântico de Moisés (veja Êx 15.2), louvam

seu protetor e salvador, quando bebem de sua salvação como se fosse água

fresca tirada de uma fonte. O povo resgatado de Deus, então, volta-se para

os residentes de Sião e os apressa a proclamar os poderosos feitos do Senhor

entre as nações, enquanto celebra a presença soberana de Deus entre seu povo.

Será que essa profecia do retomo de Israel será cumprida de forma

literal? Alguns insistem que a profecia será cumprida na forma em que é

descrita, mas outros apontam que um cumprimento literal de todos os detalhes

da profecia é impossível. Afinal, ao longo do tempo, os exilados do

reino do norte desapareceram como entidade étnica distinta, na medida em

que foram assimilados pela cultura de seus novos lares. Da mesma forma,

64 Veja Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, 287-88. Senaqueribe alega ter levado 200.150

prisioneiros do povo de Ezequias (com certeza, um número exagerado). Isaías 6.11-13 antevê essa

devastação, e Isaías 1.9 parece pressupô-la.


Isaías | 5 1 1

filisteus, edomitas, moabitas e amonitas não existem mais. Alguns sustentam

que as estruturas geopolíticas e as realidades étnicas dos dias de Isaías

vão reaparecer no futuro. Outros associam os ocupantes atuais dessas terras

com seus antepassados antigos e procuram um cumprimento da profecia

por meio desses pares modernos. Mas esse hiperliteralismo fracassa em

explicar a forma como as mensagens proféticas eram contextualizadas para

o público original. É mais provável que a profecia seja cumprida em sua

essência, não de maneira exata. Como o apóstolo Paulo deixa claro (Rm

11.25-32), haverá uma restauração futura da etnia de Israel, que conhecemos

como o povo judeu (descendente principalmente das tribos de Judá,

Benjamim e Levi).65 Entretanto, muitos dos detalhes precisos da profecia, que

é culturalmente condicionada e reflete a perspectiva do contexto de Isaías,

foram incluídos para tomar a profecia compreensível e relevante para o

público de Isaías e devem ser entendidos como arquetípicos.66 Em vez de

descrever as realidades geopolíticas desse tempo futuro, Isaías 11.13-14

afirma que o Israel restaurado será unificado e seguro.

Ao mostrar o retomo do exílio como um segundo êxodo (11.15-16), Isaías

emprega uma técnica “de volta para o futuro” que relaciona o futuro ato de

libertação com seus feitos poderosos na história da salvação. Dessa forma,

ele enfatiza que o Deus da história primitiva de Israel ainda era ativo e capaz

de intervir com força para formar o futuro de seu povo. Esse uso de tradições

antigas deve ser visto como uma forma criativa de alusão literária, não

necessariamente uma descrição literal do futuro. Essa técnica retórica deixa

claro que o futuro de Israel será marcado pela mesma intervenção divina

miraculosa que realçou a libertação de Israel do Egito nos tempos de Moisés.

O juízo universal (Is 13-27)

Esta segunda seção da primeira unidade principal do livro apresenta

uma série de previsões de juízo contra diversas nações (caps. 13-23). Essa

litania de juízos monta o palco para uma visão de um juízo universal que

precede o reino do Senhor na terra (caps. 24-27).

Uma litania de juízo (Is 13-23)

Embora não haja data associada a nenhuma das previsões, parece que

elas têm origem em períodos diferentes da carreira de Isaías. Por exemplo,

a previsão contra a coalizão sírio-israelita (17.1-11) tem de ter sido revelada

65 VejaEsdras 1.5; 4.1; 10.9;Neemías 11.

66 Para uma breve discussão da linguagem arquetípica na literatura profética, veja Chisholm Jr.,

Robert B. From Exegesis to Exposition (Grand Rapids: Baker, 1998), 173-74.


| 52 I Introdução aos profetas

antes da derrota para Tiglate Pileser III, em 733-732 a.C. Aprevisão contra

os filisteus (14.28-32) foi revelada no ano da morte do rei Acaz (715 a.C.),

enquanto a profecia contra o Egito e Cuxe (20.1-6) é de 712 a.C., o ano em

que as forças assírias do rei Sargom atacaram a cidade filisteia de Asdode. A

previsão contra Tiro (23.1 -18) fala da destruição da Babilônia pelos assírios

(que ocorreu em 689 a.C.) como um evento passado (v. 13).

As previsões dos capítulos 13-23 são dispostas desta maneira:

Previsão relativa à Babilônia 13.1-14.27

Previsão relativa aos filisteus 14.28-32

Previsão relativa a Moabe 15.1-16.14

Previsão relativa a Damasco67 17.1-11

Previsão de sofrimento relativa às nações 17.12-14

Previsão de sofrimento relativa a Cuxe 18.1-7

Previsão relativa ao Egito 19.1-25

Profecia relativa ao Egito e Cuxe 20.1-6

Profecia relativa à Babilônia 21.1-10

Previsão relativa a Dumá 21.11-12

Previsão relativa à Arábia 21.13-17

Previsão relativa a Jerusalém 22.1-25

Previsão relativa a Tiro 23.1-18

rável que Isaías tenha proclamado essas revelações a Judá, não às

nações estrangeiras às quais as mensagens se dirigem. As profecias provavelmente

tinham objetivo duplo. Para aqueles líderes que insistiam em se

envolver na política internacional, essas previsões eram um lembrete de

que Judá não precisava temer as nações estrangeiras ou procurar alianças

internacionais por motivos de segurança. Para o remanescente leal dentro

da nação, as previsões eram um lembrete de que seu Deus era, de fato, o

governante soberano da terra, merecedor da confiança de seu povo.

Um oráculo relativo à Babilônia (13.1-14.27)

A primeira previsão, que diz respeito basicamente à Babilônia (veja

13.1), inclui uma introdução que mostra um juízo universal (13.2-16),68

uma longa descrição do juízo de Deus para a Babilônia (13.17-14.23), uma

mensagem curta de juízo contra a Assíria (14.24-25) e um resumo conclusivo

que volta ao tema do juízo universal (14.26-27).

67 A previsão no capitulo 17 é dirigida a Damasco (a capital da Síria), mas a Síria era, na verdade,

aliada de Israel (veja 7.1) e a previsão contém pronunciamentos de juízo contra Israel (veja os v. 3,10).

68 Observe especialmente a referência ao “mundo”, no versículo 1 1 .0 versículo 5 também se refere

à destruição “de toda a terra” (em hebraico, kol-ha 'arets) por Deus, embora a NIV traduza a expressão

por “todo o país”.


Isaías ] 53 |

A previsão tem a seguinte estrutura:

Abertura (13.1)

Cenário universal do juízo (13.2-16)

A queda da Babilônia (13.17-14.23)

Babilônia reduzida a pó (13.17-22)

Salvação de Israel (14.1-2)

Israel zomba do rei da Babilônia (14.3-21)

Babilônia reduzida a pó (14.22-23)

Assíria derrotada (14.24-25)

Cenário universal do juízo (14.26-27)69

O oráculo começa dramaticamente com o Senhor reagrupando seus

guerreiros para a batalha (v. 2-3). O profeta ouve e vê um exército poderoso

se reunindo entre as nações com o “ S e n h o r Todo-Poderoso” (literalmente,

o “ S e n h o r dos Exércitos”, veja 1.9) à sua frente (v. 4-5). Quando o dia do

Senhor se aproxima, inspira luto e terror, porque é o tempo em que o Todo-

-Poderoso destruirá seus inimigos (v. 6-8).

Na Bíblia hebraica, o título “Todo-Poderoso” (em hebraico, shaddai)

mostra Deus como o rei soberano e juiz do mundo, aquele que dá e tira a

vida.70 Os patriarcas conheciam Deus incialmente como “eZ” (quer dizer,

Deus) shaddai (Êx 6.3). Nas histórias dos patriarcas, o nome é utilizado

em contextos em que Deus aparece como fonte de fertilidade e vida (Gn

17.1-8; 28.3; 35.11; 48.3). Ao abençoar José, Jacó se refere ao shaddai

(provavelmente devemos ler el shaddai aqui, juntamente com diversos

testemunhos textuais antigos) como aquele que distribui bênçãos, inclusive

filhos, citados aqui como “bênçãos dos seios e da madre” (49.25).

Fora de Gênesis, o nome shaddai (sem el, “Deus”), mostra Deus como

o rei soberano que protege e julga. O nome é especialmente notável no

livro de Jó, em que ocorre trinta e uma vezes. Jó e seus “amigos” veem

shaddai como o rei soberano do mundo (11.7; 37.23a), aquele que é a origem

da vida (33.4b) e promove a justiça (8.3; 34.10-12; 37.23b). Ele concede

bênçãos, inclusive filhos (22.17-18; 29.4-6), mas também disciplina,

69 Na NIV, “todo o mundo” em 14.26 traduz a expressão hebraica k o l-h a a rets, “toda a terra” (veja

13.5 e a nota anterior).

A derivação e o significado do nome são incertos. A proposta mais provável é que o nome signifique

“aquele da montanha” (um cognato acadiano que quer dizer “montanha”, com o qual o hebraico shad,

“seio”, está relacionado). Para uma discussão sobre as derivações propostas, veja T. N. D. Mettinger,

In Search o f God, Cryer, F. (trad.) (Filadélfia: Fortress, 1988), 70-71. O nome pode originalmente

mostrar Deus como o juiz soberano que, ao estilo cananeu, governa de um monte sagrado. Isaías 14.13

e Ezequiel 28.14,16 associam essa montanha a Deus, enquanto o salmo 48.2 refere-se a Sião como

“Zafom”, o monte dos deuses cananeus.


I 54 I Introdução aos profetas

pune e destrói (5.17; 6.4; 21.20; 23.16). Noemi utiliza o nome quando

acusa o Senhor de maltratá-la por tirar a vida de seu marido e de seus filhos

(Rt 1.20-21). No salmo 91.1, shaddai é descrito como o protetor de seu

povo, enquanto no salmo 68.14 e Joel 1.15, assim como em Isaías 13.6,

ele é descrito fazendo a guerra contra seus inimigos. Isaías caracteriza o

“dia do Senhor” como um tempo em que o Senhor despeja sua ira sobre

os ímpios pecadores do mundo (v. 9-11). As luzes do céu escurecerão e

todo o mundo vai estremecer violentamente (v. 10-13). O juízo devastador

é radical, implacável e impiedoso (v. 12,14-15). Nem mesmo crianças e

mulheres serão poupadas (v. 16).

A expressão “dia do Senhor” aparece com frequência na Bíblia hebraica.71

No sentido mais básico, é um dia quando o Senhor intervirá no

mundo para julgar seus inimigos. A expressão é aplicada a vários eventos,

incluindo a conquista de Israel pelos assírios, no século 8a a.C. (Am

5.18-20), a conquista de Judá pelos babilônios, em 586 a.C. (Ez 13.5, Sf

1.7,14), o juízo da comunidade pós-exílica, ameaçado pelo profeta Joel

(1.15; 2.1,11), o juízo universal associado com a queda de várias nações e

com a libertação de Jerusalém (Jo 2.31; 3.14. Ob 15) e o juízo purificador

do povo da aliança (Ml 4.5). Aqui em Isaías 13, o “dia do Senhor” se refere

a um tempo de juízo divino universal que começa com a queda do império

babilônico histórico.

Nos versículos 17 e 19, o foco dessa profecia terrível se fecha, quando

vemos os medos atacarem Babilônia cruelmente. A destruição de Babilônia

é como a de Sodoma e Gomorra, severa, pois a cidade é deixada em ruínas

e tomada por animais selvagens (v. 20-22).

A queda da Babilônia significaria a libertação do povo de Deus do

exílio (14.1-2). O Senhor estenderia sua misericórdia a Israel e o poria

de volta em sua terra. Israel, agora, ficaria por cima das nações que o

haviam oprimido. A profecia antecipa a libertação de Israel do exílio logo

após Ciro conquistar a Babilônia, mas o discurso também transcende esse

evento e imagina um tempo em que Israel será a nação que dominará toda

a terra (11.14).

Liberto da escravidão e do sofrimento, o povo de Deus zombaria de

seu opressor agora derrotado, o rei da Babilônia (14.3-21). Essa zombaria

começa com uma visão da celebração universal que se segue à queda do rei.

Embora o rei da Babilônia tenha conquistado o mundo no passado (v. 6), ele

não é páreo para o Senhor (v. 4-5). Sua morte permite às nações um suspiro

71 Para estudos sobre a origem e utilização da expressão, veja Rad, Gerhard von, The Origin o f the

Concept o f the Day o f the Lord, JSS 4 (1959):97-108; Everson, A. J., The Days o f Yahweh, JBL 93

(1974): 329-37; e Stuart, Douglas, The Sovereign s Day o f Conquest, BASOR 220/221 (dez. 1975-fev.

1976): 159-64.


Isaías | 55 1

de alívio (v. 7), enquanto as árvores do Líbano, personificadas, não têm mais

de se preocupar com a ameaça de o rei cortá-las (v. 8). Isso é uma alusão

à prática de reis mesopotâmicos, inclusive Nabucodonosor, da Babilônia,

que transportavam madeira do Líbano para seus projetos arquitetônicos.72

O canto, a seguir, mostra a chegada do rei derrotado na terra dos mortos

e a recepção que ele tem ao chegar lá (v. 9-15). Os muitos reis das nações

que precederam o rei da Babilônia ao mundo inferior se levantam para cumprimentá-lo

(v. 9-10a). Com um tom de sarcasmo na voz, eles destacam

que ele ficou igual a eles (v. 10b).73 Apesar de todo o seu esplendor anterior,

larvas e vermes agora devoram seu cadáver (v. 11). Buscando em suas

tradições mitológicas, esses reis comparam o rei, antes orgulhoso, agora

humilhado, à “estrela da manhã, filha da alva”, uma divindade menor no

panteão semítico ocidental e que, de acordo com a tradição, tentou usurpar

o lugar do deus maior (v. 12-13).74 Apesar de sua arrogância, esse deus foi

jogado ao inferno (v. 14-15).

Por causa das imagens utilizadas nos versículos 12-15, muitos intérpretes

veem aqui uma alusão à queda de Satanás, mas o contexto não justifica

isso.75 Os versículos 4-21 são dirigidos ao rei da Babilônia, que é apresentado

como um governante humano. Ele é chamado “o homem” (v. 16) e

possui um corpo físico (v. 11,19-20). No entanto, por causa das palavras

utilizadas nos versículos 12-15, alguns veem um duplo sentido no canto

de zombaria, ou, pelo menos, uma comparação do altivo rei da Babilônia

a Satanás. Porém, esses versículos, que são ditos por reis pagãos para

outro rei pagão (v. 9-11), contêm palavras conhecidas da mitologia semítica

ocidental. O nascimento da divindade Shachar (traduzida por “manhã”, na

NIV), identificada no versículo 12 como o pai da “estrela da manhã” (em

hebraico, helel, um substantivo próprio ou um título que quer dizer “aquele

72 Para referências à utilização de madeira do Líbano por Nabucodonosor em seus projetos

arquitetônicos, veja Roux, Georges, Ancient Iraq (Middlesex, Inglaterra: Penguin Books, 1966), 345-

46, 359-60.

73 Os versículos 10b-15 são ditos pelos reis ao rei da Babilônia. Suas palavras são um canto de

zombaria embutido dentro do insulto maior de 4b-21.

74 A identidade de “estrela da manhã, filha da alva” tem sido debatida, mas o referente é, provavelmente,

Vênus. Veja Day, Yahweh and the Gods 167-70.

75 John Martin escreve: “Embora muitos sustentem que os versículos 12-14 se referem à entrada do

pecado no cosmos pela queda de Satanás, esse assunto parece um pouco forçado neste capítulo”. Veja

“Isaiah”, em The Bible Knowledge Commentary: Old Testament, Walvoord, J. F.; Zuck, R. B. (orgs.)

(Wheaton: Victor Books, 1985), 1.061. Veja também Young, E. J. The Book o f Isaiah, 3 vols. (Grand

Rapids: Eerdmans, 1965-1972), 2.441. Ele afirma que a passagem “não pode se aplicar a Satanás”.

João Calvino rejeita veementemente a opinião de que Isaías 14.12-15 se refira a Satanás, chamando-a

de “inútil” e atribuindo-a a “ignorância muito grosseira” e desatenção ao contexto. Veja Calvin’s

Commentaries, Pringle, W. (trad.), 22 vols. (reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1999), 7.442. Para a

história da interpretação desses versículos, veja Keown, Gerald, A History o f the Interpretation o f Isaiah

14.12-15, diss. Ph.D., Southern Baptist Theological Seminary, 1979.


56 | Introdução aos profetas

que brilha”), é descrito no mito ugarítico.76 A expressão “estrelas de Deus”

(v. 13, em hebraico, “el”, o nome do deus maior semítico ocidental), refere-

-se à assembleia de deuses que se congregava no “monte da assembleia”.77

A “montanha sagrada” da NIV traduz o hebraico Zafom, o nome de uma

montanha associada especificamente ao deus Baal nos mitos ugaríticos.78

Esses versículos parecem fazer referência a um mito sobre a tentativa do

deus menor Helel de destronar o deus maior El ou o deus da tormenta, Baal.

Sua revolta fracassou e ele foi lançado ao mundo inferior.79 Zomba-se do

rei da Babilônia por ele ter tido as mesmas manias de grandeza. Se Zafom

simboliza o monte Sião (SI 48.2), é possível que a realidade subjacente à

imagem da mitologia seja o assalto de Nabucodonosor a Jerusalém e a profanação

do templo.80

Quem era o rei na história da Babilônia de quem se está falando aqui?

Se a profecia antecipa a queda da Babilônia, em 539 a.C. (como discuto a

seguir), então o rei da Babilônia de quem se zomba aqui pode ser Nabonido

(o rei oficial da Babilônia quando de sua queda), Belsazar (que agia como

rei na época; veja Dn 5.1), ou mesmo Nabucodonosor, que governou de

605 a 562 a.C. e fez da Babilônia uma potência mundial.81 Contudo, é

desnecessário dar um nome e um rosto específicos a esse rei descrito.

Talvez o “rei da Babilônia” simplesmente simbolize o poder babilônio

incorporado por seus sucessivos reis, começando com Nabucodonosor ou

seu antecessor, Nabopolassar.

Deixando as imagens mitológicas para trás, a zombaria de Israel volta

à realidade e se concentra na morte humilhante do rei da Babilônia. Os

espectadores que olhavam seu corpo achavam difícil acreditar que esse rei

humilhado fosse o mesmo indivíduo que havia aterrorizado e conquistado o

mundo (v. 16-17). Os corpos de outros reis descansam em suas sepulturas,

mas o corpo morto desse rei jaz exposto e insepulto entre o de outros que

76 Veja Day, Yahweh and the Gods, 107-8.

77 A assembleia divina é chamada “congregação das estrelas” no mito ugarítico. Para estudos sobre

a assembleia divina semítica ocidental, veja Handy, Lowell K., Among the Host o f Heaven: The Syro-

Palestinian Pantheon as Bureaucracy (Winona Lake: Eisenbrauns, 1994), e Mullen, Theodore E., The

Divine Council in Canaanite andEarly Hebrew Literature (Chico, CA: Scholars Press, 1980).

78 Veja Day, Yahweh and the Gods, 107-8.

19 Embora os paralelos gerais citados indiquem que as imagens tenham origem no mito semítico

ocidental, os acadêmicos ainda têm de compreender o cenário mitológico exato do texto. Para estudos

sobre o tema, veja, entre outros, Craigie, P. C., “Helel, Athtar, and Phaethon (Isa. 14:12-15)”, ZAW 85

(1973): 223-25; Day, Yahweh and the Gods, 166-84; McKay, J. W., “Helel and the Dawn-Goddess: A

Re-examination of the Myth in Isaiah XIV 12-15,”, VT20 (1970):451-64; Page, Hugh R., The Myth

o f Cosmic Rebellion (Leiden: Brill, 1996), 120-40; e Prinsloo, W. S., “Isaiah 14:12-15: Humiliation,

Hubris, Humiliation”, ZAW93 (1981):432-38.

80 Veja Day, Yahweh and the Gods, 183-84.

81 Day deixa bem claro que o referente é Nabucodonosor. Veja ibid., 180-84.


morreram pela espada (v. 18-20). Para piorar as coisas, a dinastia do rei é

encerrada quando seus filhos são executados pelos pecados de seus antepassados

(v. 20b-21).

Quando o canto de zombaria termina, o próprio Senhor fala novamente

(v. 22-23; 13.3,11-13,17). Mais uma vez, ele declara que extirpará o povo

da Babilônia (v. 22; 13.20-22).

De volta ao futuro mais imediato, o Senhor lembra ao seu público que

também vai derrotar os assírios, a maior potência na época de Isaías (v.

24-25; 10.5-34). Embora uma referência à Assíria possa parecer estranha

em um oráculo contra a Babilônia, sua colocação aqui faz sentido se lembramos

que a Assíria exercia poder político sobre a Babilônia na época de

Isaías e que o renomado guerreiro e caçador Ninrode tinha fundado tanto

Babilônia quanto Nínive (uma grande cidade assíria), de acordo com a tradição

bíblica (Gn 10.8-10).

A profecia termina onde começou, quando o Senhor deixa claro que

o juízo descrito é parte de seu plano maior para todo o mundo (v. 26). O

Senhor levantou sua mão de juiz, e ninguém pode evitar que ele consiga

seus propósitos (v. 27).82

Quando e como essa profecia da queda da Babilônia se cumpriu? Alguns

argumentam que a profecia foi cumprida em 689 a.C., quando os assírios,

sob comando de Senaqueribe, saquearam e profanaram a cidade, evento

mencionado em 23.13.83 Porém, a morte da Babilônia em 689 a.C. não

levou à restauração de Israel, como o versículo 14.1-3 sugere que aconteceria.

Além disso, essa opinião mostra dificuldades para explicar as referências

aos medos em 13.17, pois eles participaram da conquista da Babilônia

por Ciro, em 539 a.C. (Jr 51.11,28). Os que propõem essa interpretação

argumentam que os medos eram mercenários no exército assírio ou que

a referência é meramente literária, simbolizando inimigos destemidos.84

O rei da Babilônia mencionado na zombaria é descrito como um grande

conquistador do mundo (14.4-7). Alguns veem o destinatário como um rei

assírio (Tiglate Pileser, Sargom ou Senaqueribe), mas isso é uma invenção

que não convence.85 E verdade que os mandatários assírios conquistaram a

Babilônia; Tiglate Pileser chegou a assumir um nome babilônio, Pul. Mas,

82 A referência ao Senhor “estender [ou levantar] a mão” (v. 27) repete o refrão de um discurso de

juízo anterior (9.12b,17b,21b; 10.4b).

83 Veja, entre outros, Erlandsson, Seth, The Burden o f Babylon (Lund-, C WK Gleerup, 1970). Para ver

uma refutação da opinião de Erlandsson, veja Day, Yahweh and the Gods, 180-81. Erlandsson considera

que apenas 13.19-22 e 14.22b-23 se referem à Babilônia e vê o restante do material como referindo-se

à Assíria. Como Day observa, “essa opinião [...] é forçada”.

84 2Reis 17.6 (veja também 18.11) indica, de fato, que “as cidades dos medos” estavam sob domínio

assírio nessa época.

85 Veja Day, Yahweh and the Gods, 181-82, para uma crítica a essas propostas.


158 [ Introdução aos profetas

na referência bíblica a isso, em 2Reis 15.29, ele ainda é chamado de “rei da

Assíria”, não de “rei da Babilônia”. Se formos tomar o próprio Isaías como

guia, então um rei caldeu tem de estar na cena, pois, em 39.1, o profeta se

refere ao governante caldeu “Merodaque-Baladã, filho de Balada, rei da

Babilônia”. Em 39.7, ele antecipa o exílio babilônio, quando os filhos de

Ezequias se tomaram eunucos no palácio do “rei da Babilônia”. Porém,

nenhum dos governantes caldeus da Babilônia durante o tempo de Isaías,

Merodaque-Baladã ou Mushezib-Marduk (o governante caldeu da cidade,

em 689 a.C.), podia ser classificado como grande conquistador.86 Nenhum

dos dois conseguiu manter seu domínio sobre a Babilônia por um período

significativo, que dirá criar um vasto império mundial.

Por essas razões, é mais provável que a visão seja uma profecia da queda

da Babilônia para o exército persa de Ciro, em 539 a.C. Essa interpretação

encaixa perfeitamente a referência aos medos e a imagem do rei da Babilônia

como um conquistador do mundo (Nabucodonosor certamente o era).87 Mais

ainda: a queda da Babilônia nas mãos de Ciro abriu o caminho para a volta

de Israel do exílio e libertou muitas nações do mando opressor da Babilônia.

No entanto, essa interpretação não deixa de ter seus problemas. Ciro

não destruiu a Babilônia. Na verdade, a tomada da cidade, embora precedida

por uma campanha militar, foi relativamente pacífica e até mesmo

bem recebida por algumas autoridades religiosas babilônias. Como, então,

explicar a descrição da profecia de uma queda violenta da cidade? E possível

que a queda da Babilônia, em 689 a.C., tenha contribuído para as

imagens da visão. Entretanto, é mais provável que o discurso utilizado seja

estilizado e exagerado. Por licença dramática, os profetas, às vezes, usavam

esse discurso estereotipado para descrever o juízo divino de uma cidade ou

de uma nação.88 No caso de Isaías 13-14, o uso desse estilo reforça a tese

de que o império babilônio cairia e desapareceria para sempre. A conquista

86 Veja Saggs, H. W. F. The Greatness That Was Babylon (Nova York: New American Library, 1962),

129-30.

81 Edwin Yamauchi escreve que, após a anexação do reino medo ao império persa, “os medos iriam

desempenhar papel subordinado, mas importante, sob os persas no período aeaemenida (550-330 a.C.)”.

Veja Persia and the Bible (Grand Rapids: Baker, 1996), 57. Isaías provavelmente menciona os medos,

e não os persas, porque em seu tempo os medos eram o elemento dominante (veja Yamauchi, p. 23, que

observa que os medos “dominaram os persas até a ascensão de Ciro”). A primeira referência bíblica aos

persas não aparece até a época de Ezequiel (Ez 27.10; 38.5).

88 Veja Isaías 34.11-15; Jeremias 50.39-40; 51.36-37; Sofonias 2.13-15. As duas profecias de Jeremias

referem-se à queda da Babilônia, em 539 a.C. Veja especialmente 50.28; 51.11,24,34-35,59-63, todas

as quais deixam claro que o referente na profecia é o reino governado por Nabucodonosor, no século 6fi

a.C. A literatura antiga do Oriente Próximo também emprega essa linguagem estilizada às vezes, para

adicionar efeito dramático. Homer Heater Jr. chama isso de “linguagem de destruição”. Veja um estudo

útil sobre textos e temas bíblicos e também exemplos de “linguagem de destruição” em seu artigo “Do

the Prophets Teach That Babylonia Will Be Rebuilt in the Eschaton?”, JETS 41 (1998): 31-36 (deve-se

observar que Heater concorda com o cumprimento de Is 13-14 em 689 a.C. Veja as p. 25-31).


Isaías | 59 I

da cidade por Ciro, embora não tenha sido acompanhada pelas atrocidades

e pela destruição descritas na visão, encerrou esse império e, na essência,

cumpriu a profecia de Isaías.89

Ainda que essa profecia da queda da Babilônia tenha sido cumprida na

essência em 539 a.C., ela não tem uma dimensão arquetípica que transcenda

esse evento. A queda da Babilônia é apenas um dos eventos no juízo

generalizado descrito nos capítulos 24-27. Como a queda do império babilônio

é associada a esse juízo final (13.1-16; 14.26), ela assume o potencial

tipológico que é desenvolvido no livro do Apocalipse, em que João usa a

Babilônia como arquétipo das potências hostis do mundo, que são destruídas

por Deus (Ap 14.8; 16.19; 17.5; 18.2,10,21).

Um oráculo relativo aos filisteus (14.28-32)

Nesse curto oráculo, o profeta alerta os filisteus sobre o juízo iminente.

Os filisteus estavam aparentemente se regozijando porque um rei que os

tinha oprimido (chamado de “a vara que te feriu” e de “a serpente”) tinha

deixado a cena (v. 29a). No entanto, eles deviam estar em prantos, porque

uma “serpente” sairia da cobra (v. 29b) para invadir o território filisteu,

vinda do norte, trazendo a fome e a morte em seu despertar (v. 30b-31), a

destruição generalizada deixaria que os pobres e os necessitados herdassem

as terras dos ricos governantes (v. 30a). Enquanto os filisteus sentiriam os

terrores de uma invasão, o Senhor protegeria o povo de Jerusalém. Por essa

razão, era desnecessário fazer uma aliança com os palestinos quando eles

mandassem seus enviados a Jerusalém (v. 32).

A identidade dos governantes mencionados no versículo 29 é incerta.

A imagem de uma “serpente” saindo de uma cobra parece sugerir que a

serpente seja o próximo rei na linha dinástica da “cobra”. Uma vez que a

visão é datada no ano da morte de Acaz (715 a.C.), alguns sugerem que

ele seja a “cobra” do versículo 29 e seu filho Ezequias seja a “serpente”.90

Mas isso parece improvável, porque não há registro de Acaz ter conquistado

os filisteus. Ao contrário, os filisteus tomaram território de Judá

durante os primeiros anos do reinado de Acaz (2Cr 28.18). Ezequias, sim,

conquistou terras dos filisteus (lRs 18.8), mas ele teria invadido a Filístia

vindo do leste, não do norte.

Parece mais provável que a cobra e a serpente sejam governantes assírios,

pois os assírios exerceram domínio sobre os filisteus durante esse período,

89 Se consideramos que Isaías 13-14 antevê os acontecimentos de 539 a.C., e não a queda da Babilônia

em 689 a.C., isso não quer dizer que os capítulos tivessem de ser escritos no período exílico ou pósexílico

e não por Isaías. Isaías anteviu a ascensão da Babilônia e um exílio babilônio para Judá (Is 39) e

também a libertação de seu povo do poder babilônio por meio de Ciro (Is 40-55).

90 Sobre a data da morte de Acaz, veja Merrill, Kingdom o f Priesls, 403-4.


j 60 | Introdução aos profetas

e era de se esperar que eles invadissem o território filisteu a partir do norte.

Porém, se o oráculo é de 715 a.C., é difícil harmonizá-lo com a cronologia

assíria. Sargom substituiu Salmanezer V como rei assírio em 722 a.C. e

governou até 705 a.C., quando Senaqueribe o sucedeu. Não houve mudança

de rei em 715 a.C. Talvez, afinal, a imagem não aponte para uma conexão

dinástica entre a cobra e a serpente.

A identificação dos governantes por trás da imagem tem de responder

pelos dois eventos aos quais o oráculo se refere, isto é, a morte de Acaz,

em 715 a.C. (v. 28), e a invasão do território filisteu a partir do norte (v. 31,

sugerindo que se trata dos assírios). Talvez a vara/cobra do versículo 29a

seja Acaz. Embora o próprio Acaz não tenha conquistado território filisteu,

certamente sua lealdade à Assíria foi criticada por indivíduos contrários à

Assíria na Filístia. Na verdade, alguns podem ter considerado Acaz o responsável

pela presença opressora da Assíria no oeste, pois fora ele que,

20 anos atrás, convidara o rei assírio Tiglate Pileser III a libertá-lo de seus

inimigos, inclusive dos filisteus (2Cr 28.16-20). Desse momento em diante,

os filisteus se tomaram súditos dos assírios. Contra esse pano de fundo, é

possível entender como Acaz podia ser visto (admitamos, meio de forma

hiperbólica) como um opressor dos filisteus. Assim, quando Acaz morreu,

os filisteus teriam comemorado, pensando, talvez (e corretamente), que sua

morte traria Ezequias de Judá para a causa anti-Assíria. Isso, por sua vez,

podia ser catalizador de uma aliança ocidental mais poderosa, que libertasse

os filisteus e outros do mando assírio.

Isaías correu para corrigir essa falsa esperança. Qualquer diminuição

antecipada da influência levantada pela morte de Acaz não se materializaria.

A presença assíria no ocidente continuaria e uma resistência

renovada à ocupação assíria provocaria revides assírios. Em 712 a.C.,

Sargom invadiu terras filisteias para sufocar um levante em Ascalom

(Is 20). Em 701 a.C., Senaqueribe puniu severamente indivíduos anti-

-assírios na Filístia quando invadiu o ocidente. A “serpente” do versículo

29b provavelmente simboliza a presença ameaçadora no ocidente, incorporada

em ambos os governantes.

Um oráculo relativo a Moabe (15.1-16.14)

O próximo oráculo volta nossa atenção para o leste, quando descreve

o juízo de Deus sobre os moabitas, descendentes de Ló que viviam a leste

do mar Morto. A visão mostra uma invasão devastadora do território moabita,

embora o invasor não seja identificado especificamente. Um apêndice

(16.13-14) indica que a profecia tinha sido revelada algum tempo antes e

anuncia que seu cumprimento ocorreria dentro de três anos. Infelizmente,

não temos como destacar a data original da profecia ou do anúncio anexo a


Isaías | 6 1 1

ela, nem há outros textos extrabíblicos que corroborem a invasão de Moabe

retratada no oráculo.

Os versículos iniciais do lamento do profeta ilustram o sofrimento

generalizado que se segue à súbita destruição da terra (15.1-4). Os homens

ficaram calvos e raparam suas barbas. Vestiram-se de sacos e lamentaram

publicamente suas perdas. Essas eram expressões comuns de dor e sofrimento

no Oriente Próximo antigo. Ao interpretar dramaticamente o papel

de alguém de luto, o profeta se junta aos refugiados moabitas que choravam

enquanto fugiam por sua terra devastada, levando suas posses (v. 5-7). O

som de seu pranto é tão alto que ecoa por todo o território moabita e alcança

os limites da terra (v. 8).

A cena chocante das águas cheias de sangue do Dibom (o texto hebraico

diz Dimon) parece trazer à tona nada além de piedade e misericórdia, mas

o Senhor entra nesse momento e anuncia que seu juízo sobre Moabe ainda

não acabou (v. 9). Um “leão” atacaria os fugitivos desamparados que tivessem

sobrevivido ao desastre.9' A metáfora provavelmente simboliza um

exército invasor dos povos vizinhos, que avançaria sobre Moabe ao final da

invasão para coletar o espólio.

A única esperança dos moabitas é se voltar para Judá (16.1-5). Isaías

conclama os moabitas derrotados a declararem sua fidelidade ao rei de

Judá, que governa Jerusalém (aqui chamada de “monte da filha de Sião”, v.

1). Antes de discorrer sobre esse tema, ele ilustra mais uma vez a condição

desesperada dos fugitivos moabitas. As mulheres agitadas, cujo pânico é

como o de aves expulsas de seus ninhos (v. 2), imploram a seus vizinhos

que lhes ofereçam abrigo (v. 3-4a). O profeta responde assegurando-lhes

que seu cruel inimigo será derrotado e que um rei justo, digno da lealdade

de Moabe, vai governar do trono no tabemáculo de Davi (v. 4b-5).

Que rei o profeta tinha em mente? O versículo4b, com a visão da derrota

do exército invasor, pode referir-se à derrota da Assíria fora de Jerusalém,

em 701 a.C. Nesse caso, o versículo 5 pode antecipar a ascensão de Ezequias

em seguida a esse evento. É claro que esse evento prenuncia a ascendência

do governante davídico ideal retratado em Isaías 9.6-7 e 11.1-10. Ele

deixaria Israel restaurado e seguro (11.13-14). Por esse tempo, as nações

vizinhas, como Moabe, seriam sábias e se submeteriam a seu justo governo

e encontrariam segurança nele (Is 2.2-4).

O profeta retoma seu papel de pranteador (v. 9-11, veja também 15.5)

quando se concentra na destruição da agricultura de Moabe (v. 6-12).

91 Essa interpretação segue a leitura tradicional do texto hebraico. Alguns preferem corrigir “leão”

Çaryeh) para “eu vejo, olho com respeito” Çer'eh) (as duas leituras são bem semelhantes em hebraico).

Nesse caso, o profeta simplesmente anuncia que sua visão dos apuros dos moabitas ainda não acabou;

há mais para descrever. Veja Hayes e Irvine, Isaiah, 241-42.


I 62 | Introdução aos profetas

Moabe tinha orgulho de seus campos e vinhedos, mas a invasão deixaria

as plantações e os vinhedos da terra em ruínas. Os moabitas fariam muitas

preces a seu(s) deus(es), mas sem efeito.

Um oráculo relativo a Damasco (17.1-11)

Esse próximo oráculo, que antecipa o fim da coalizão sírio-israelita,

deve ter sido feito antes da invasão de Tiglate Pileser, em 733-732 a.C.,

quando ele derrotou tanto Damasco quanto Samaria. O profeta anunciou

a queda de Damasco (capital da Síria), das cidades de Aroer92 e das cidades

fortificadas de Israel (aqui chamadas de Efraim) (v. 1-3,9). Com imagens

fortes, o oráculo mostra o esplendor de Israel esvanecendo. A outrora

famosa nação ficaria como um homem malnutrido, cujo corpo fica reduzido

a pele e osso (v. 4). A população quase desapareceria, como quando os agricultores

colhem o cereal no campo (v. 5).

Esse juízo cairia porque Israel tinha rejeitado o Deus que tinha libertado

e protegido o povo no passado (v. 10). Eles construíram altares e centros

de adoração para deuses pagãos (v. 11a). Sua tentativa de cultivar vinhas

importadas simbolizava seu comprometimento com deuses estrangeiros

(v. llb-12). Contudo, assim como esses vinhedos não produziriam fruto,

também o paganismo de Israel não traria prosperidade.

Não obstante, alguns sobreviventes restariam, algo comparável às poucas

espigas deixadas no campo pelos ceifadores ou às poucas azeitonas

deixadas nos galhos mais altos das oliveiras após a colheita (v. 6). O juízo

devastador teria efeito positivo junto aos sobreviventes. Eles rejeitariam

suas práticas pagãs e retomariam a seu rei soberano e criador (v. 7-8).

Um oráculo de sofrimento relativo às nações em fúria (17.12-14)

Mesmo que o futuro imediato parecesse negro, havia uma luz no fim do

túnel. Deus usaria o forte exército assírio, que incluía soldados de muitas

nações, como seu instrumento de juízo. O exército invasor, cujo rugido

parecia o de águas impetuosas, ameaçaria até mesmo Judá, mas, ao final,

seria varrido como a sobra dos grãos diante do poderoso vento do juízo

divino. Mais uma vez, o profeta antecipa a destruição do exército de Senaqueribe

em 701 a.C.

Um oráculo de sofrim ento relativo a Cuxe (18.1-7)

O próximo oráculo se refere à distante Cuxe (hoje, Etiópia), situada ao sul

do Egito. Cuxe é chamada de “terra que ensombrece com as suas asas” (v. 1),

92 Aroer, provavelmente, refere-se a uma cidade situada a leste do mar Morto, perto do rio Arnon.

Essa região foi conquistada por Israel e, mais tarde, tomada pelos sírios. Veja Josué 12.2; 13.9,16; Juizes

11.26; 2Reis 10.33.


Isaías i 63 \

uma designação estranha que tem intrigado os intérpretes. Pode retratar

Cuxe como uma terra cheia de insetos, ou, provavelmente, faz alusão ao

movimento dos navios cuxitas (comparando suas velas a asas). Durante o

tempo de Isaías, os cuxitas ganharam controle político sobre o Egito e acabaram

tomando-se o principal rival dos assírios no Ocidente. Talvez o versículo

2a se refira às suas tentativas de consolidar uma aliança anti-assíria

com Estados palestinos, inclusive Judá.

O significado do versículo 2b é obscuro. A identidade dos mensageiros

e da nação distante a quem eles são enviados não é clara. Os mensageiros

citados no versículo 2b podem ser os mesmos enviados mencionados na

primeira metade do versículo. Se for assim, então os enviados cuxitas a

Judá são instruídos a retomar a seu lar distante, porém, é mais provável que

o Senhor, em resposta aos esforços cuxitas de formar uma aliança, tenha

despachado seus próprios mensageiros para Cuxe com uma mensagem (v.

3-6) que é pertinente a todas as nações.

O Senhor estava pronto para agrupar suas tropas para a batalha (v. 3; veja

13.2-5). Ele era um observador sempre presente, assim como o causticante

calor de verão e as nuvens úmidas eram detalhes característicos do tempo

de colheita em Israel naquele tempo (v. 4).93 No tempo apropriado, ele interviria.

Retomando a imagem agrícola apresentada no versículo 4, o profeta

compara o juízo de Deus a um fazendeiro que poda suas vinhas (v. 5). O

Senhor “podaria” as nações e deixaria os ramos descartados nos montes,

para que os animais e os pássaros os comessem (v. 6). A imagem provavelmente

antecipa a derrota dos assírios, em 701 a.C. (veja 14.25; 16.4; 17.12-

14), mas, uma vez que essa é uma profecia de sofrimento contra Cuxe (v. 1),

também tem de incluir o juízo de Deus sobre os cuxitas (20.3-6).

Para Judá, o recado era alto e claro. Deus julgaria todas as nações poderosas

do mundo, incluindo a Assíria e Cuxe. Por essa razão, Judá deve evitar

a formação de alianças e, em vez disso, confiar no poder protetor de

Deus. Afinal, chegaria o dia em que os cuxitas enviariam seus tributos a

Jemsalém, o local onde o Senhor Todo-Poderoso ( S e n h o r dos Exércitos)

reinava (v. 7; veja 24.23).

Um oráculo relativo ao Egito (19.1-25)

Esse oráculo foi provavelmente revelado entre 720-702 a.C., pois parece

refletir a situação política no Egito durante esse período.94 Essa era uma

época atribulada, durante a qual os reis cuxitas controlaram o Egito. O rei

93Gray,G.B. The Book ofIsaiah I-XXVII, ICC (Edimburgo: T. & T. Clark, 1912), 314.

,4 Veja Currid, John D. Ancient Egypt and the Old Testament (Grand Rapids: Baker, 1997), 232-40,

para uma discussão sobre a data e o cenário histórico dessa previsão.


164 | Introdução aos profetas

Shabaka, que sucedeu a Piankhy por volta de 716 a.C., consolidou uma

situação política instável no Egito e uniu o Egito a Cuxe. Ele parece ter

mantido relações pacíficas com os assírios, mas, em 701 a.C., seu sucessor,

Shabataka, entrou em conflito com Senaqueribe quando interesses assírios

e cuxitas começaram a colidir.

O oráculo começa com uma imagem vivida do Senhor cavalgando

uma nuvem ligeira para entrar no Egito (v. 1). Sua aproximação fez com

que os ídolos do Egito e seus adoradores estremecessem de medo. O

Senhor anunciou que levaria o conflito ã esfera doméstica (observem:

“irmão lutará contra irmão”) e em âmbito nacional (observem “reino contra

reino”) (v. 2). Os egípcios, tomados de pânico, recorreriam aos seus

deuses, mas o Senhor frustraria suas tentativas de conhecer e controlar a

adivinhação do futuro (v. 3).

O Senhor entregaria o Egito a um conquistador estrangeiro (v. 4). Embora

não haja consenso acadêmico aqui sobre a identidade desse rei profetizado,

o candidato mais provável é o já mencionado rei cuxita Shabataka, que

conquistou o Egito logo depois de assumir o poder. Nessa época, o Egito

tinha se dividido entre três facções: Osorkon IV, Shoshenk VI e Bakenranef

lutavam pelo poder. O versículo 2 faz alusão a essa instabilidade.

A visão do juízo de Deus no Egito culmina com a seca do Nilo, do

qual o Egito dependia para sua própria vida (v. 5-10).95 Quando o rio seca,

seus peixes mortos apodrecem e suas plantas murcham. Os campos em

seu redor, que dependem das águas do Nilo para irrigação, também secam.

Todos que dependem do Nilo, pescadores e os que trabalhavam com linho,

lamentam sua sorte.96

Os conselheiros reais do Egito, em cujas orientações a nação confiava,

não conseguem ajudar, pois o Senhor os engana e faz com que deem maus

conselhos (v. 11 - 14a).97 O Egito fica tão confuso quanto um bêbado se revirando

em seu próprio vômito, e os adivinhadores e governantes do país

(chamados de “a cabeça” e de “a cauda”, respectivamente; compare o versículo

15 com 9.14) não conseguem fazer nada sobre isso (v. 14-15). Em

face do juízo poderoso de Deus, os egípcios tremem de medo e são forçados

a reconhecer a superioridade de Judá e seu Deus (v. 16-17).

Neste ponto, a profecia assume um tom mais positivo quando antecipa

uma época em que o Egito é assimilado no reino de Deus (v. 18-22).

95 Ibid., 240-45.

96 O linho era utilizado para fazer cordas e tecidos, mas, com a seca do Nilo, não seria possível

cultivá-lo. Veja ibid., 242.

97 Para um estudo sobre o tema do engano divino na Bíblia hebraica, veja Chisholm Jr., Robert B.

“Does God Deceive?” BSac 155 (1998): 11-28.


Isaías 165 1

Os egípcios falam hebraico e declaram sua lealdade ao Deus de Israel.98

Mesmo a “cidade sol”, um centro de adoração de Ra, o deus rei egípcio,

se voltará para o Senhor.99 Um monumento dedicado ao Senhor é erigido

na fronteira egípcia, declarando a quem o Egito deve lealdade. No meio

do país, os egípcios constroem um altar ao Senhor que serve como sinal

constante de sua vontade de protegê-los de seus inimigos. Em resposta

à revelação do Senhor, os egípcios vão adorá-lo com seus sacrifícios. A

maldição se transformará em bênção quando o Senhor curar sua terra e

responder as suas preces.

Como se essa visão da transformação espiritual do Egito não fosse suficiente,

Isaías retrata a seguir uma época de paz sem precedentes, quando

o Egito e a Assíria, rivais nos dias de Isaías, tomam-se aliados (v. 23-25).

Eles marcham de mãos dadas com Israel e adoram o Senhor, que vê todos

os três como seu povo.

Embora o rei Sargom (722-705 a.C.) tenha, de fato, promovido relações

com os governantes cuxitas do Egito,100 suas políticas raramente correspondem

ao que está escrito nessa profecia. O sucessor de Sargom, Senaqueribe,

entrou rapidamente em conflito com o Egito, e nem os assírios nem os

egípcios passaram a adorar o Senhor. O cumprimento dessa profecia espera,

com clareza, um tempo futuro.

Como será o cumprimento da profecia? Afinal, o império assírio desapareceu

da terra há muito tempo (veja Sf 2.13-15), e o Egito modemo não

pode ser visto como filho geopolítico do Egito do século 82 a.C. Como é o

caso, frequentemente, em profecias cujo cumprimento transcende a época

em que foram reveladas, deve-se procurar uma realização essencial, não

literal, da visão do profeta. Conquanto Isaías possa não ter percebido, Deus

contextualizou a profecia para ele e para o povo de Judá. Ao utilizar realidades

conhecidas pelo profeta e seus contemporâneos, o Senhor deu a

Isaías uma visão em que as duas maiores potências do mundo de Judá se

tomariam aliadas e adoradoras do único Deus verdadeiro. Ainda que essa

realidade não tenha-se materializado no tempo de Isaías, a profecia não

falhou. Assíria e Egito foram arquétipos dos reinos poderosos belicosos,

98 A referência a “cinco” cidades do Egito no versículo 18a tem intrigado os intérpretes, em especial

porque parece sugerir um número relativamente pequeno. Para uma discussão sobre as opções de

interpretação, veja Oswalt, Isaiah, Chapters 1-39, 376-77, e Clements, Isaiah 1-39, 171.

99 O texto hebraico diz “cidade da destruição” aqui, mas uma ideia tão negativa não cabe na ênfase

positiva dos versículos 18-22. Um manuscrito de Isaías de Qumran e alguns manuscritos medievais em

hebraico dizem “cidade do sol” (i.e., Heliópolis). A palavra utilizada aqui (heres, “destruição”) é quase

idêntica ao termo kheres, “sol”, tomando fácil para um escriba cometer um erro de transcrição. Vários

outros testemunhos textuais também dão apoio à leitura “cidade do sol”, incluindo a versão grega de

Símaco, o Targum aramaico e a Vulgata latina.

100 Veja Currid, Ancient Egypt and the Old Testament, 239, e Hayes e Irvine, Isaiah, 265.


166 | Introdução aos profetas

que um dia largariam suas armas e reconheceriam o Senhor como o Deus

único e verdadeiro (Is 2.2-4; 11.1-10).101

Um oráculo relativo a Cuxe e ao Egito (20.1-6)

Em 712 a.C., o rei assírio Sargom enviou tropas à cidade filisteia de

Asdode para sufocar uma rebelião (v. 1). Iamani, rei de Asdode, tentou buscar

asilo no Egito, mas o governante cuxita Shabaka, aparentemente sem

querer disputas com os assírios, capturou Iamani e o enviou aos assírios.102

O Senhor decidiu aproveitar a ocasião para dar a seu povo uma importante

lição. Instruiu Isaías a perambular como andarilho, descalço e com poucas

roupas (v. 2).103 O profeta tinha de fazer isso por três anos como sinal do que

aconteceria aos egípcios e aos cuxitas (v. 3). Os assírios, cuja mostra mais

recente de força estava fresca na mente de todos, acabariam por conquistar

o Egito e liderar os egípcios e os cuxitas para o exílio (v. 4). Nessa época,

aqueles que tinham confiado no Egito ficariam aterrorizados e envergonhados,

pois sua fé provaria ser mal dirigida (v. 5-6). As ações de Isaías e a própria

profecia tinham como intento desencorajar o povo de Judá de depositar

sua confiança em uma aliança antiAssíria com o Egito. Em vez disso, devia

manter sua neutralidade e confiar no Senhor para sua proteção.

Essa profecia da derrota do Egito foi parcialmente cumprida em 701

a.C., quando Senaqueribe derrotou uma coalizão ocidental liderada pelos

egípcios em Elteque.104 A visão foi mais plenamente realizada no século 7°

a.C., quando os reis assírios Assaradão (680-669 a.C.) e Assurbanipal (668-

627 a.C.) derrotaram os cuxitas e conquistaram o Egito.105

Um oráculo relativo à Babilônia (21.1-10)

Esse próximo oráculo se refere à Babilônia (v. 9), chamada “deserto do

mar” na introdução da profecia. O significado desse nome não é totalmente

claro. O sul da Mesopotâmia era conhecido nos tempos antigos como “a

terra do mar”. Talvez o título dado por Isaías seja uma alteração pejorativa

desse nome. Ao substituir “terra” por “deserto”, ele antecipa o juízo iminente

da região, que seria reduzida a um descampado.106

101Para uma breve discussão da linguagem arquetípica na literatura profética e nesse texto, veja From

Exegesis to Exposition, 173-74.

102 Veja Currid, Ancient Egypt and the Old Testament, 238-39.

103 A palavra hebraica utilizada aqui (traduzida por “despido” na ARA) às vezes quer dizer “nu”, mas

aqui quer dizer “pouco vestido”, isto é, despido, mas com as roupas de baixo.

104 Para o relato da batalha de Senaqueribe, veja Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, 287-88.

105 Para um resumo da conquista assíria do Egito durante esse período, veja Hallo, William W.; William

K. Simpson. The Ancient Near East: A History (Nova York: Harcourt Brace Jovanovich, 1971), 291-92.

106 Essa mesma palavra, traduzida por “deserto” na ARA, é utilizada em Isaías 14.17 para descrever

como o rei da Babilônia conquistou o mundo e o reduziu a um “deserto”.


Isaías | 67 |

O oráculo descreve uma força militar do oriente que invade a Babilônia

como um tufao destruidor (v. 1). Por meio desse instrumento de juízo, o

Senhor põe fim ao sofrimento experimentado pelas vítimas da Babilônia (v. 2).

Os invasores são identificados como elamitas e medos, que, na época de

Isaías, eram os dois grupos étnicos mais poderosos vivendo a leste da Babilônia.

Como em 13.17, a profecia antecipa a invasão da Babilônia por Ciro,

em 539 a.C.107 A primeira parte do versículo, que sugere um ato de traição,

provavelmente reflete o fato de que, no tempo de Isaías, os elamitas tinham

sido tradicionais aliados dos caldeus contra os assírios.108 Mas, agora, eles

se voltam contra seus antigos aliados e contribuem para sua morte.

O profeta desempenha um papel importante de participante na invasão

quando descreve o terror e o pânico causados pelos invasores (v. 3-4). O

ataque chega tão rápido que interrompe a atividade normal (v. 5). O drama

continua quando o Senhor instrui o profeta a colocar um vigia nas muralhas

de uma cidade não identificada, que parece representar Israel (v. 6-7; veja o

v. 10). Um mensageiro finalmente chega com a notícia de que a Babilônia

havia caído (v. 8-9). O profeta assegura ao oprimido povo de Deus que a

mensagem é, de fato, verdadeira (v. 10). O juízo anunciado aqui tem paralelo

com os eventos descritos nos capítulos 13-14, em que as notícias da

queda da Babilônia libertam o povo de Deus da opressão e dão início a uma

celebração (14.3).

Um oráculo relativo a Dumá (21.11-12)

Esse oráculo é relativo a Dumá, um oásis localizado no deserto árabe.109

O profeta ouve alguém chamá-lo de Seir, localizado em Edom, na direção

de Dumá. Esse indivíduo pode representar os refugiados de Dumá, ou os

edomitas, cujos interesses econômicos seriam afetados negativamente pela

queda de Dumá. Esse indivíduo não identificado pergunta ao guarda o que

passara de noite (v. 11). O guarda responde que a manhã (simbolizando o

alívio do sofrimento) está, de fato, vindo, mas então acrescenta que a noite

(simbolizando dificuldades renovadas) se seguirá (v. 12).

O pano de fundo dessa profecia é incerto. Alguns sugerem que reflete

uma invasão assíria do deserto árabe, talvez nos dias de Sargom. Se a derrota

de Dumá ocorreu na mesma época da queda de Quedar, então a profecia

deve se referir a um evento durante a vida de Isaías (v. 16-17). Outra

possibilidade é que a profecia antecipe o desenrolar político no século 62

a.C., quando Nabonido conquistou a Arábia (isso corresponderia à noite

107 É possível que a referência às hostilidades elamitas contra a Babilônia antecipe o ataque elamita sobre

o sul da Mesopotâmia, em 546 a.C. Sobre a invasão, veja Saggs, The Greatness That Was Babylon, 155.

m lbid., 121, 128-32.

109 Gênesis 25.14 relaciona Dumá como um dos filhos de Ismael.


[6 8 1 Introdução aos profetas

mencionada no v. 11) antes de ser derrotado pelos persas (a manhã mencionada

no v. 12), que, então, estenderam seu império rumo ao ocidente (a

noite mencionada no v. 12).

Um oráculo relativo à Arábia (21.13-17)

Esse oráculo menciona Dedã e Temá, dois outros oásis na Arábia. Os

moradores de ambos são instruídos a trazer água e comida para refugiados

que escaparam do assassínio no campo de batalha (v. 13-15). Essa exortação

está ligada ao anúncio de juízo nos versículos 16-17 (o texto hebraico

tem uma partícula explicativa, “porque”, no início do v. 16, que não é traduzida

na NIV). Os refugiados são, aparentemente, os sobreviventes da região

árabe de Quedar, que sofreria uma derrota militar humilhante e devastadora

dentro de um ano a contar da data da profecia. A referência a “dentro de um

ano” situa a profecia nos dias de Isaías e provavelmente antecipa uma das

campanhas assírias na Arábia.

Um oráculo relativo a Jerusalém (22.1-25)

Esse oráculo pertence ao “Vale da Visão” (v. 1, 5), que está associado aqui

à cidade de Jerusalém (v. 8-11). O significado desse título é incerto, embora,

aparentemente, refira-se a um dos vales na vizinhança de Jerusalém. Talvez

seja chamado de “vale da visão” porque o profeta recebeu essa profecia lá

ou porque esse vale desempenhe papel fundamental na visão profética (v. 5).

O papel do profeta é prantear e lamentar a calamidade que está tomando de

assalto seu povo (v. 4). Convencido de que a morte está rondando a esquina,

o povo está festejando uma última vez (v. lb-2a,13), conquanto devesse estar

pranteando e lamentando (v. 12). Alguns morreram de fome e os líderes tentaram

escapar, apenas para serem capturados pelo inimigo (v. 2b-3). O dia

do juízo do Senhor chegou e os guerreiros das terras distantes de Elão e Quir

invadem Judá e cercam Jerusalém (v. 5-8a). O povo de Jerusalém fortaleceu

as defesas da cidade e garantiu seu fornecimento de água, mas não se voltou

para Deus em busca de auxílio (v. 8b-ll). Por essa razão, o Senhor anuncia

que seu pecado e sua descrença não serão perdoados (v. 14).

O pano de fundo dessa profecia é incerto. Tanto o conteúdo quanto o

estilo da mensagem sugerem que a profecia reflete um evento contemporâneo

ao profeta. As ações descritas nos versículos 8b-11 parecem referir-se

às medidas tomadas por Ezequias para defender Jerusalém contra Senaqueribe

(veja 2Cr 32.1-5). Os verbos hebraicos utilizados nos versículos 5-12

aparentam ser narrativos e parecem apontar para eventos que já aconteceram.

Se for assim, o “dia” mencionado no versículo 5 não estava tão no

futuro da perspectiva do profeta, mas já tinha chegado ou já tinha acontecido

(veja “naquele dia”, nos v. 8 e 12). Por essa razão, alguns argumentam que o


Isaías | 69 |

oráculo reflete a crise assíria de 701 a.C., quando Senaqueribe invadiu a terra

e ameaçou Jerusalém. Apesar de os versículos 5 e 14 indicarem que a cidade

cairia, é possível que a profecia fosse anterior à prece de Ezequias, que clamou

ao Senhor que repelisse os assírios e libertasse a cidade (Jr 26.17-19).

No entanto, a referência a Elão e a Quir (v. 6) apresenta problemas a essa

interpretação porque é difícil ver como esses territórios representem a Assíria.

Embora Elão seja associado a Ashur (ou Assíria), em Gênesis 10.22, e

Quir, a pátria inicial dos arameus (Am 9.7), possa ter sido uma província

assíria (2Rs 16.9, Am 1.5), isso ainda seria uma forma cifrada de fazer

referência ao exército assírio. Por isso, alguns preferem compreender a profecia

como uma referência à conquista de Jerusalém pelos babilônios, em

586 a.C. A referência a Elão faz mais sentido nesse caso porque os elamitas

eram aliados tradicionais dos babilônios. Nesse caso, o profeta assume

uma postura visionária no futuro e descreve a invasão como se já estivesse

a caminho. Talvez eventos ao redor da crise assíria em 701 a.C. tenham

influenciado o discurso do profeta e servido como catalisadores dessa profecia

sobre um evento mais distante. Alguns discutem se a profecia original

de Isaías, revelada em meio à crise de 701 a.C., teria sido reaplicada em 586

a.C. Nesse caso, o versículo 6 pode ser visto como um acréscimo posterior

à profecia a essa situação mais tardia.

A segunda parte da profecia (v. 15-25) se relaciona a uma alta autoridade

do governo de nome Sebna, que epitomava o orgulho que caracterizava

a burocracia real de Judá naquela época. Sebna tinha construído uma

sepultura requintada para si, como se merecesse ser lembrado como um

renomado líder nacional (v. 15-16). Mas o Senhor daria a Sebna seu juízo,

removendo-o do cargo e fazendo com que morresse em desgraça (v. 17-19).

O Senhor o substituiria por Eliaquim, que receberia os símbolos de

honra de Sebna e se tomaria um protetor paternal do povo (v. 20-21). Como

dono da “chave da casa de Davi”, Eliaquim teria autoridade para conceder

ou negar acesso ao rei (v. 22). Inicialmente, a posição de Eliaquim seria

segura, como um prego em lugar firme (v. 23). Sua família ganharia respeito

e seus descendentes, comparados a vasos e frascos pendurados nesse

prego, ganhariam posições de honra e receberiam benefícios especiais (v.

24). Mas o nepotismo inevitavelmente dissolve a qualidade da liderança, e

a casa de Eliaquim, ao final, cairia. Utilizando a metáfora do versículo 23, o

profeta compara isso a um prego cortado, que faz com que tudo pendurado

nele venha ao chão (v. 25).

Um oráculo relativo a Tiro (23.1-18)

Este oráculo se refere a Tiro, um porto marítimo localizado ao norte de

Israel, ao longo da costa mediterrânea. O profeta deve ter recebido este oráculo


| 70 | Introdução aos profetas

mais no final de sua carreira, pois o versículo 23 parece assumir que a destruição

da Babilônia pelos assírios (que ocorreu em 689 a.C.) já tinha ocorrido.110

Isaías conclama dramaticamente os navios mercantes (literalmente,

“navios de Társis”; veja 2.16) para lamentarem a destruição de Tiro

(v. 1,14). Como Tiro era um próspero centro comercial, mercadores de todo

o mundo mediterrâneo chorariam sua queda (v. 2-7). Tiro resumia o orgulho

dos homens. Por essa razão, o Senhor decretou que deveria ser humilhada

(v. 8-9). A queda de Tiro deixou os mercadores de Társis e Sidom sem um

porto para comprar e vender produtos (v. 10-12). Como a terra dos babilônios

que tinha sido devastada pelos exércitos de Senaqueribe, Tiro foi

arruinada (v. 13).

Na segunda parte do oráculo, Isaías indica que Tiro seria esquecida por

70 anos, tempo de vida normal de um rei (v. 15a). O número 70, sendo múltiplo

do simbólico número sete, pode ter sido usado aqui de maneira estereotipada,

não literal, para indicar um longo período que atenda plenamente as

demandas do juízo divino. Também sugere que o cumprimento da profecia

não seria testemunhado pela maioria dos que a ouviam. No entanto, Deus

por fim restauraria Tiro como um famoso centro comercial. Comparando a

cidade a uma prostituta, Isaías retrata um tempo em que ela atrairia clientes

novamente (v. 15-17). No entanto, seus lucros não mais seriam tesouros dos

mercadores. Em vez disso, seriam consagrados ao Senhor, que, por sua vez,

distribuiria essa riqueza entre seu povo (v. 18). Embora a imagem do Senhor

coletando os lucros de uma Tiro prostituta possa ser ofensiva para alguns

leitores modernos, o argumento de Isaías é claro. Tiro seria incorporada ao

reino de Deus e ofereceria tributo ao Deus de Israel.

O pano de fundo desse oráculo não é inteiramente claro. Conquanto muitos

reis tenham atacado e cercado Tiro, ela não foi realmente destruída até

332 a.C., quando Alexandre, o Grande, conquistou a cidade. Por essa razão,

alguns creem que a profecia contém uma previsão de longo prazo para esse

acontecimento. No entanto, a profecia parece assumir que Tiro já tinha

caído. Por isso, pode ser preferível associar a queda de Tiro com os eventos

que aconteceram no tempo de Isaías. Em 709 a.C., Sargom, da Assíria, instituiu

políticas comerciais no ocidente que diminuíram a importância de Tiro

até o século 7a a.C. Os reis assírios Senaqueribe, Assaradão e Assurbanipal

ameaçavam a cidade de tempos em tempos, tomando o comércio com Tiro

arriscado. Usando um discurso exagerado e estereotipado de destmição, o

oráculo se refere à queda de Tiro em sua importância econômica.111

110 Para um relato desse evento por Senaqueribe, veja Roux, Ancient Iraq, 291-92.

111A esse respeito, veja, especialmente, Hayes e Irvine, Isaiah, 288-90, e Motyer, The Prophecy o f

Isaiah, 192. Sobre a linguagem de destruição, veja meus comentários anteriores sobre Isaías 13-14.


Isaías [ 71 (

A profecia da assimilação de Tiro ao reino de Deus é mais problemática,

pois não há indicação de que Tiro foi, alguma vez, submissa a Judá. Por

isso, é melhor encarar essa Tiro do futuro como arquetípica. Tiro representa

as grandes potências comerciais da terra que, um dia, reconhecerão a autoridade

do Senhor e o honrarão com suas riquezas (Is 60.5; Ag 2.7).

O Senhor estabelece seu reino (Is 24-27)

A litania do juízo divino sobre as nações dos tempos de Isaías (capítulos

13-23) forma um prefácio cabível para os capítulos 24-27, que mostram

o desfecho do juízo universal de Deus e o estabelecimento de seu reino

na terra. De muitas maneiras, esses capítulos pegam o tema do juízo universal

e o desenvolvem em mais detalhes. Acadêmicos às vezes rotulam

esses capítulos de “pequeno Apocalipse”, porque o estilo literário e a ênfase

temática desses capítulos lembram o livro do Apocalipse.

Uma maldição assola a terra (24.1-20)

O “pequeno apocalipse” começa com uma descrição do juízo universal

devastador de Deus. Deus não tem favoritos; o juízo chega a todos, inclusive

aos mais influentes e aos menos importantes na sociedade (v. 1-3).

Uma “maldição” assola a terra, trazendo consigo infertilidade e fome

(v. 4-6). Aqueles que amam festejar e se divertir têm decepção especial,

porque a destruição dos frutos e vinhedos priva-os do vinho e da cerveja

(v. 7-9). A pândega e a orgia se transformam em angústia e em dor nas ruas

das cidades (v. 10-11). A destruição varre as cidades, deixando apenas uma

porção de sobreviventes ao amanhecer (v. 12-13).

Essa maldição cai sobre a terra porque seus habitantes romperam a

“aliança eterna” e violaram suas leis e estatutos (v. 5). A associação de uma

aliança com uma maldição é comum na Bíblia e no Oriente Próximo antigo.

Essas maldições ameaçam tipicamente a perda da fertilidade agrícola. Por

exemplo, a aliança mosaica encerra com uma lista de juízos a serem despejados

sobre aqueles que desobedecem os mandamentos de Deus. A seca,

a perda de frutos e a fome são destaques da lista (Dt 28.17-18,22-23,38-

42). Da mesma forma, o pacto do rei assírio Assaradão com seus vassalos

encerra com uma longa lista de maldições que ameaçam as nações submissas

com severos juízos se ousarem desobedecer o estipulado no acordo.

Uma dessas maldições inclui a seca que viria sobre a terra de qualquer

súdito que desobedecesse.112

A que aliança eterna o versículo 5 se refere? Alguns acadêmicos a identificam

como uma aliança universal supostamente feita entre Deus e Adão na

112 Veja Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, 534-41. Veja especialmente o parágrafo 64 dos tratados.


| 72 | Introdução aos profetas

criação, mas a Bíblia não se refere claramente a essa aliança em nenhuma

passagem.113 As referências a leis e estatutos no versículo 5 fazem com que

alguns identifiquem a aliança com a lei mosaica, mas essa aliança nunca foi

chamada de “aliança eterna”114 e é difícil ver como as nações da terra possam

sofrer um juízo com base em uma aliança feita entre Deus e Israel. Outros,

ainda, identificam essa aliança como aquela feita entre Deus e Noé e, por

extensão, com todos os seus descendentes. Isaías 24 se refere a uma aliança

que a humanidade rompeu ao derramar sangue de inocentes, como sugere a

referência à terra estar “contaminada” (v. 5) e Isaías 26.21 afirma especificamente.115

O mandado de Noé ordena que a humanidade povoe a terra e faça

do assassinato um crime capital (Gn 9.1-7). Além disso, a promessa de Deus

a Noé (Gn 9.8-17) é chamada especificamente de “aliança eterna” (v. 16).

No entanto, parece que a aliança é restrita à promessa esboçada em Gênesis

9.8-17 e não inclui a ordem de povoar a terra nos versículos 1-7.

Talvez o discurso de Isaías seja intencionalmente ambíguo e planejado

para abranger tanto Israel quanto as nações estrangeiras. Se for assim,

então, a “aliança eterna” é, do ponto de vista de Israel, a lei mosaica, que

inclui legislação específica condenando o assassinato. Ao mesmo tempo,

do ponto de vista das outras nações, a aliança eterna é a ordem de Noé, que

deixa claro que a humanidade deve povoar a terra, não se destruir mutuamente.

Nesse caso, Isaías, com um toque de ironia, liga a promessa divina

feita a Noé com o mandamento de povoar a terra. Ao fazer isso, ele destaca

a importância do mandamento e, talvez, com um toque de hipérbole, sugere

que o fracasso da humanidade em cumpri-lo chega a pôr em risco a promessa

de alguma maneira. Isaías 24.18 dá suporte a essa tese, pois ilustra o

iminente juízo universal como uma reencenação da inundação do tempo de

Noé (veja Gn 7.11, e também Sf 1.2-3).116

Outra questão interpretativa debatida tem a ver com a “cidade” retratada

em Isaías 24.10-12. Muitos entendem que a cidade seja típica ou simbólica

da orgulhosa sociedade humana em rebeldia contra Deus. O discurso

genérico, meio estereotipado, dos versículos 10-12 dá suporte a essa visão.

Entretanto, outros veem por trás do discurso vago uma referência a uma

113 Dumbrell, W. J. (Covenant and Creation [Nashville: Thomas Nelson, 1984], 20-39) argumenta

que Gênesis 6.18 pressupõe a existência dessa aliança, mas essa afirmação, em vez de se referir a uma

aliança não mencionada do passado, parece antecipar a ratificação da aliança noética (9.8-17). Alguns

veem a referência a uma aliança divina com Adão em Oseias 6.7, mas o significado desse texto é incerto.

114 Juizes 2.1 e salmo 111.5,9 possivelmente se referem à aliança mosaica, mas é mais provável que a

aliança de Deus com Abraão esteja em pauta. Êxodo 31.16 chama a guarda do sábado de aliança eterna

(ou, nesse caso, “sinal” ou “garantia”) da relação de Deus com Israel, mas não é certo se isso implica

que a lei que ordena e regula a guarda do sábado também seja considerada eterna.

115 Veja também Números 35.33-34, em que o derramamento de sangue “profana” um país.

116 Por outro lado, Isaías 54.9 considera a promessa noética incondicional e eterna.


Isaías I 73 |

cidade ou nação específica. Alguns identificam a cidade com uma potência

estrangeira, como Moabe (veja Is 25.10-12) ou a Babilônia,117 enquanto

outros veem Jerusalém (compare 24.8-9 com 5.11 -14) ou Samaria (compare

27.9-11 com 17.8) escondidas atrás da descrição do profeta. Como no caso

da “aliança eterna”, o discurso de Isaías pode ser propositalmente ambíguo.

A “cidade vazia” de 24.10-12 representa todas as cidades do mundo que

se opõem a Deus e experimentam seu juízo destruidor, mas o discurso e as

imagens dos capítulos 24-27 também apontam para manifestações específicas

dessas cidades nos tempos de Isaías, incluindo os reinos de Moabe,

Babilônia, Jerusalém e Samaria.

Essa distribuição de juízo divino conclama as nações sobreviventes a

louvarem a majestade de Deus (v. 14-16a). Mas sua reação é prematura. O

profeta não se junta a elas no louvor a Deus. Em vez disso, lamenta que o

pecado continue a pesar sobre a terra (v. 20), pois ele sabe que sua traição

vai levar a outro derramamento da ira divina (v. 16-b). Essa próxima rodada

de juízo trará destruição inescapável (v. 17) que rivalizará com a inundação

de Noé em intensidade e efeitos devastadores (v. 18-19).

Nos versículos 17-18, Isaías retrata os agentes do juízo como “o temor,

a cova e o laço”. Os três agentes são mostrados como aliados que conspiram

para capturar a vítima. Isso é ainda mais evidente em hebraico, em que

as três palavras têm o mesmo som (foneticamente, as três palavras soam

assim: pakhad, pakhat, pakh). Se alguém fugir ao som do terror, cairá

em uma cova. Se for capaz de subir para fora da cova, será pego em um

laço. A mensagem é clara: não será possível escapar do juízo.

O Senhor se torna rei (24.21-26.7)

O dia do juízo do Senhor tem seu ápice na derrota da aliança cósmica

arranjada contra ele. Essas forças são identificadas como “os poderes nos

céus acima e os reis da terra abaixo” (v. 21). “Os poderes dos céus acima”

são encarados como membros da assembleia celestial de Deus (veja lRs

22.19) e são associados, no pensamento israelita pré-científico, com as

estrelas e os planetas.118 O Senhor captura esses inimigos e os escolta a

uma prisão para aguardar seu juízo final (v. 22). No progresso da revelação

117 Aprevisão contra a Babilônia (Is 13.1-14.27) começa com uma descrição de juízo universal que

parece com Isaías 24. Isaías 24 também contém ecos verbais da história da torre de Babel, em Gênesis

11. Veja Chisholm Jr., Robert B. “The ‘Everlasting Covenant’ and the ‘City of Chaos’: Intentional

Ambiguity and Irony in Isaiah 24”, Criswell Theological Review 6 (1993):242-43.

118 Veja Deuteronômio 4.19; 17.3; 2Reis 17.16; 21.3,5; 23.4-5; 2Crônicas 33.3,5, Isaías 34.4, em que

o “exército do céu” é identificado com as luzes celestes. Em Juizes 5.20, os astros lutam em nome do

Senhor. De acordo com Jó 38.7, as “estrelas da alva” (também chamadas de “filhos de Deus”) celebravam

o trabalho criativo de Deus. A referência às “estrelas de Deus” em Isaías 14.13 pode referir-se à assembleia

divina do deus cananeu El, que, na mitologia ugarítica, é citada como “congregação das estrelas”.


I 74 | Introdução aos profetas

bíblica, descobre-se que a força motora por trás dessa coalizão é ninguém

menos do que Satanás, cuja derrota e aprisionamento o apóstolo João descreve

(Ap 20.2-3).119 As imagens de Isaías podem ter suas raízes no mito

mesopotâmico que conta como o deus babilônio Marduk derrotou Tiamat,

símbolo das forças destrutivas que ameaçam a ordem mundial, e depois

aprisiona seus aliados demoníacos.120

Após subjugar seus inimigos, o Senhor estabelece seu governo em Jerusalém

no monte Sião (veja Is 2.2-4). Para enfatizar o esplendor real do

Senhor, Isaías mostra a lua e o sol escurecendo (literalmente, se “envergonhando”)

quando entregam o seu comando, respectivamente, da noite e do

dia, àquele que os criou (Gn 1.16-18; Is 6.19-20).121

Esse evento insta o povo a irromper em louvor (25.1-5). Ao representar

essa geração futura e falar a partir de seu ponto de vista, o profeta declara

sua lealdade a Deus e sua intenção de louvá-lo por seus feitos poderosos e

fiéis. Deus anunciou seu plano para o mundo e depois fez com que ele acontecesse.

Derrotou as nações poderosas da terra e obrigou-as a reconhecer

sua autoridade. Elas ameaçaram destruir seu povo, mas Deus provou ser

“refugio contra a tempestade e sombra contra o calor”.

Depois de assumir seu lugar de direito como rei da terra, o Senhor dá

um banquete no monte Sião (25.6-8). O povo da terra se reúne para celebrar

o amanhecer de uma nova era em que a morte, o inimigo mais aterrorizante

de toda a raça humana, é eliminada. Utilizando imagens vividas,

Isaías mostra o Senhor engolindo a morte e, então, enxugando as lágrimas

do rosto daqueles que experimentaram seus horrores. A morte da morte leva

a futura geração do povo de Deus a reafirmar sua lealdade e a celebrar a

salvação que ele oferece (25.9).

119 Tanto Pedro (2Pe 2.4) quanto Judas (v. 6) falam dos anjos rebeldes que foram aprisionados por

Deus. Entretanto, esses textos não estão falando da rebelião do fim dos tempos, profetizada por Isaías.

As duas se referem à rebelião angelical, descrita em Gênesis 6.2, que conta como os “filhos de Deus”

(membros da assembleia celestial de Deus, veja Jó 1.6; 2.1; 38.7; SI 89.5-8) coabitavam com mulheres

e contaminavam a raça humana. Para a tradição literária judaica intertestamental, isso aparentemente

influenciou o pensamento de Pedro e de Judas. Veja lEnoque 6-10 e Jubileu 5. Traduções desses textos

se encontram em Charlesworth, James H. (org.). The Old Testament Pseudepigrapha, 2 vols. (Garden

City, N.Y.: Doubleday, 1983, 1985), 1:15-18 e 2:64-65, respectivamente.

120 Veja a tábua IV do épico babilônio da criação, conhecido como Enuma Elish. Uma tradução das

seções pertinentes do épico encontra-se em Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, 60, 66-69, 514.

121 O texto não deve ser interpretado de maneira excessivamente literal. A questão é que a glória de

Deus vai exceder tudo o mais, mesmo as luzes da Lua e do Sol. E claramente metafórico, pois Isaías

30.26 mostra um cenário que é justamente o oposto da situação descrita em 24.23 e 60.19-20. De acordo

com 30.26, a Lua e o Sol crescerão sete vezes em brilho na era da salvação. Nesse caso, a luz simboliza a

presença salvadora do Senhor, que será evidente para todos. E óbvio que as luzes celestes não podem ser

escurecidas e iluminadas ao mesmo tempo. Uma vez que se entenda a natureza hiperbólica e metafórica

desses textos, a aparente contradição resta resolvida. Para uma discussão mais profunda, veja Chisholm,

From Exegesis to Exposition, 176.


Isaías | 75 |

A imagem em palavras do Senhor engolindo a morte é especialmente

adequada em seu contexto no antigo Oriente Próximo. A morte é retratada

tanto na Bíblia hebraica quanto no mito ugarítico como uma engolidora

voraz de suas vítimas. Nesses mitos, lemos que a morte tem “um lábio na

terra, um lábio nos céus [...] e uma língua nas estrelas”.122 A morte deificada

descreve seu próprio apetite da seguinte forma:

Meu apetite é como o apetite de leões à solta [...] Se é,

em verdade, minha vontade consumir barro [uma referência

a suas vítimas humanas], então, em verdade, devo comer às

mancheias, não importa se minhas sete porções [indicando

plenitude e satisfação] já estão na tigela ou se Nahar [deus do

rio, responsável por levar as vítimas da terra dos vivos para a

terra dos mortos] tem de misturá-las antes.123

Bem adequado que o Senhor engula a grande engolidora da humanidade,

pondo um fim a seu reinado de terror.124

Isaías, em seguida, compara a segurança futura do monte Sião com o

destino das nações orgulhosas que se opõem a Deus (25.10-12). Usando

Moabe como arquétipo das nações hostis, Isaías usa uma metáfora vivida

para mostrar sua morte humilhante. Os inimigos de Deus são pisoteados

como a palha no monturo. São humilhados intensamente, como alguém

que cai de cara em um monte de estrume e depois sacode os braços, como

um nadador, na tentativa de se livrar da sujeira. Os muros de suas cidades

fortificadas, símbolo de sua força e orgulho, desmoronarão.

A derrota das nações mais uma vez leva o povo de Deus a irromper

em louvor (26.1-7; veja 25.1-5,9). Em contraste com as cidades em ruínas

dos inimigos de Deus, Jerusalém segue firme. Deus protege seu povo fiel

e recompensa sua confiança com segurança nacional. Aquele “cuja mente

está firme” (v. 3) é a nação justa mencionada no versículo 2. Ela lhes dá paz

(no texto hebraico, “paz, paz” - repetição por ênfase), o que provavelmente

se refere, nesse contexto, à segurança nacional, mais do que à serenidade

emocional. Para seu povo, Deus é como um alto penhasco (na NIV, rocha)

para onde se pode ir em segurança. Deus derruba até ao pó os muros das

cidades de seus inimigos e permite que seu povo, outrora oprimido, pise nas

122 Gibson, Canaanite Myths and Legends, 69.

'2i Ibid., 68-69.

114 A Bíblia hebraica está longe de deíficar a morte, mas provavelmente não devemos retroceder ao

ponto extremo de reduzir a ilustração da morte na Bíblia hebraica a uma mera personificação. Talvez

uma posição mediadora fosse a de dizer que a Bíblia hebraica “demoniza” a morte. Isso é coerente com

Hebreus 2.14, que observa que o diabo “tem o poder da morte”.


| 76 | Introdução aos profetas

ruínas. Ele aplaina o caminho de seu povo, uma imagem que se refere aqui

à justificação e à segurança que ele concede.

Na torcida para a visão se tornar realidade (26.8-18)

Neste ponto, o sofrido povo de Deus se dirige ao Senhor. Após ouvir

Isaías descrever o futuro glorioso da nação, o povo declara sua lealdade

ao Senhor e imagina a visão do profeta se tomando realidade. Ele espera

ansiosamente a vinda do juízo de Deus, porque só ele vai convencer os

pecadores de sua justiça e majestade (v. 8-9). Os pecadores estão acostumados

com a misericórdia e a justiça de Deus; eles precisam de prova

vivida e incontroversa de sua autoridade moral (v. 10-11). Quando continua

sua prece, o povo de Deus se lembra de como ele o libertou de governos

opressores e expandiu suas fronteiras (v. 12-15) e, ainda assim, lembra-

-se também de sua dor e frustração no passado (v. 16-18). A angústia de

Israel, comparada aqui às dores do parto, parece não ter tido propósito.

Uma mulher em trabalho de parto suporta a dor com a esperança de que

uma criança nascerá, mas o sofrimento de Israel só produziu vento. Israel

estava como uma mulher que faz muita força para empurrar a criança, mas

não consegue dar à luz o bebê.

A visão renovada (26.19-27.13)

O Senhor respondeu a prece de Israel com uma estimulante palavra de

esperança. Ele anuncia que os mortos de Israel ressuscitarão (v. 19). Não

é claro se essa promessa se refere a uma ressurreição literal dos israelitas

mortos (Dn 12.2) ou se fala metaforicamente da libertação dos israelitas do

“túmulo” que é o exílio em terra estrangeira (Is 27.12-13; Ez 37.1-14).125

O Senhor também alerta seu povo a buscar abrigo até que passe toda

a ira de seu juízo (v. 20). Como anunciado antes por Isaías, o Senhor está

prestes a emergir de sua morada e punir o povo da terra pela violação do

mandamento de Noé (v. 21; veja 24.5). Em vez de povoar a terra, eles a

contaminaram com o sangue do próximo.

Quando o Senhor vem em juízo, ele derrota aqueles que se opõem ao

seu governo, simbolizados aqui pelo monstro marinho Leviatã (27.1). Na

mitologia semítica ocidental, Leviatã era uma serpente de sete cabeças que,

como símbolo ou aliada do deus do mar, ameaçava destruir a ordem mundial

estabelecida. Isaías aplica aqui imagens e discurso mitológicos à coalizão

celestial e terrena que se opõe ao Senhor na batalha final (24.21-22).

125 Para um resumo da discussão e uma defesa da visão metafórica, veja Day, Yahweh and the Gods,

123-24. Day reconhece que a linguagem de Daniel 12.2 seja dependente de Isaías 26.19, mas ele

argumenta que Daniel 12.2 adapta as imagens e faz com que ele se refira a uma ressurreição literal.


Isaías I 77 |

Em outros pontos da Bíblia hebraica são usadas imagens e discurso semelhantes

para descrever as vitórias do Senhor sobre forças hostis na criação e

na história (cf. SI 74.13-14; 77.16-20; 89.9-10; Is 51.9-10). A superioridade

do Senhor sobre as águas demonstra sua soberania (SI 29.3,10; 93.3-4).126

Depois da vitória do Senhor sobre seus inimigos, ele abençoa abundantemente

seu povo. Ele se toma um vinhedo bem regado, que produz

fruto saboroso sob ó cuidado protetor do Senhor (v. 2-6). A metáfora de um

vinhedo frutificado reverte as imagens de 5.1-7, em que o Senhor compara

a geração pecadora dos tempos de Isaías a um vinhedo que não consegue

produzir boas uvas, apesar de toda a atenção e cuidado que recebe de seu

divino dono. A geração idólatra estaria sujeita ao juízo impiedoso que deixaria

as cidades e os centros de adoração pagãos em ruínas e culminaria

com o exílio (v. 7-11). No entanto, chegaria o dia em que o Senhor reuniria

seu povo exilado nas terras estrangeiras e o restabeleceria em sua própria

terra, onde este o adoraria no Monte Sião, em Jerusalém (v. 12-13).

Deus abre o caminho para a libertação (Is 2 8 -35)

Esta seção de Isaías começa com avisos do juízo iminente sobre Samaria

e Jerusalém, mas termina com uma imagem do povo exilado de Deus

celebrando seu retomo a Sião. A seção mostra a seguinte estrutura:

Oráculo de sofrimento contra o orgulho de Samaria (28.1-4)

Anúncio da transformação da sociedade (28.5-6)

Juízo contra uma sociedade espiritualmente insensível (28.7-13)

Juízo contra os líderes de Jerusalém (28.14-29)

Oráculo de sofrimento contra Jerusalém personificada (29.1-4)

Anúncio da libertação de Jerusalém (29.5-8)

Juízo contra os rebeldes do povo de Deus (29.9-14)

Oráculo de sofrimento contra os rebeldes do povo de Deus

(29.15-16)

Anúncio da transformação do povo de Deus (29.17-24)

Oráculo de sofrimento contra os rebeldes do povo de Deus

(30.1-17)

Anúncio da libertação de Jerusalém (30.18-33)

Oráculo de sofrimento contra os infiéis do povo de Deus (31.1 -3)

Anúncio da libertação de Jerusalém (31.4-9)

Anúncio da transformação do povo de Deus (32.1-8)

126 Para descrições mitológicas de Leviatã, cujo texto é idêntico ou sinônimo à linguagem de Isaías

27.1, veja Gibson, Canaanite Myths and Legends, 50, 68.


| 78 [ Introdução aos profetas

Juízo contra os complacentes do povo de Deus (32.9-14)

Anúncio da transformação do povo de Deus (32.15-20)

Profecia de sofrimento contra a Assíria (33.1)

Oração pedindo ajuda (33.2-9)

Anúncio da libertação de Jerusalém (33.10-24)

Juízo contra as nações (34.1-17)

Anúncio do retomo dos exilados a Sião (35.1-10)

Os capítulos 28-32 se concentram no povo de Deus e oscilam entre os

polos de juízo e libertação. As mensagens de juízo predominam de 28.1 a

30.17 (56 dos 70 versículos versam sobre juízo), mas a salvação se toma o

tema dominante em 30.18-32.20 (36 de 45 versículos antecipam um tempo

de libertação e transformação espiritual). No capítulo 33, o foco do juízo

muda do povo de Deus para a Assíria. O capítulo 34 expande o escopo do

juízo de Deus para todas as nações, embora os edomitas recebam atenção

especial. A visão culminante (cap. 35) se movimenta para além do futuro

imediato, que seria destacado pela libertação, por Deus, de Jemsalém da

ameaça assíria, para um tempo mais distante, quando Deus traria seu povo

exilado de volta a Jemsalém.

A beleza de Samaria desvanece (28.1-4)

Este oráculo antecipa a queda de Samaria, que aconteceu em 722 a.C.

O profeta pinta a cidade como coroa esplêndida e uma flor linda, da qual as

pessoas do reino do norte têm muito orgulho. Mas a coroa seria jogada ao

chão e pisoteada, a flor murcharia e secaria (v. l,3-4a). O juízo do Senhor é

comparado a uma tempestade destmidora que devastaria Samaria (v. 2) e a

engoliria, como se devora um figo maduro (v. 4b).

Um vislumbre de um dia melhor por vir (28.5-6)

Antes de desenvolver essa mensagem do juízo iminente em mais detalhes,

o profeta pausa para dar uma palavra de ânimo (v. 5-6). As nuvens

negras de tempestade do juízo divino têm um forro de prata. Quando passar

o juízo, aqueles que permanecem terão orgulho no Senhor, pois ele restabelecerá

a segurança nacional, dando à nação líderes justos e protegendo seu

povo de exércitos invasores.

A gagueira no juízo (28.7-13)

O vislumbre do futuro se apresenta em forte contraste com a realidade

dos tempos de Isaías. Nos tempos de Isaías, os líderes espirituais de Israel

eram incompetentes (v. 7-8). O profeta retratou-os como bêbados que se

reviravam em seu próprio vômito ao tentar julgar e profetizar. Isso pode ser


Isaías | 79 |

uma descrição literal, embora um pouco exagerada, dos sacerdotes e profetas,

mas é possível que Isaías tenha usado a bebedeira como uma metáfora

para enfatizar sua insensibilidade e incompetência espiritual.

A seguir, o profeta pergunta: “a quem se está tentando ensinar? A quem

se está explicando sua mensagem?” (v. 9a). Como o versículo 12 parece

indicar, o Senhor é o sujeito dos verbos “tentando ensinar” e “explicando”.

O profeta rapidamente responde à sua própria pergunta (v. 9b). No que lhe

tocava, o Senhor estava tentando se comunicar com um povo moralmente

infantil que teimava em rejeitar a oferta de Deus, de paz e bênção (v. 12),

como se fosse um bebê, incapaz de entender o que ele estava lhe dizendo.

O castigo do Senhor seria adequado. Ele falaria com eles, por assim

dizer, por meio de invasores estrangeiros que devastariam a terra (v. 10-11).

Esses versículos são mais bem traduzidos assim: “Na verdade, ouvirão um

falar infantil, uma gagueira sem sentido, uma sílaba aqui, outra sílaba lá.

Porque é com lábios falsos e uma língua estrangeira que ele falará a esse

povo” (veja a NET). O significado do versículo 10 é muito discutido. O

texto diz literalmente: “na verdade [ou “pois”], tsav latsav, tsav latsav, qav

laqav, qav laqav; um pouco lá, um pouco lá”. As sílabas repetitivas são

gagueira que parece fala infantil, e lembram o que o povo ouviria quando

invasores estrangeiros conquistassem a terra. Nesse caso, “um pouco” se

refere à curta estrutura silábica do balbucio.127 O profeta se referia à iminente

invasão assíria, quando o povo ouviria uma língua estrangeira que

lhes soaria como uma gagueira qualquer. O Senhor uma vez falou em termos

significativos, mas, no iminente juízo, falaria a eles, por assim dizer,

pela boca de opressores estrangeiros. A gagueira seria um lembrete externo

de que Deus tinha decretado e levado a efeito sua derrota.

Na verdade, esse falar infantil começaria logo antes da invasão estrangeira

(v. 13). Os apelos proféticos do Senhor, como o apelo no versículo

12, eram claros como água. No entanto, esses apelos não tinham qualquer

impacto sobre o povo. Ele recusou a pregação profética como blablablá,

mas, ironicamente, sem a orientação divina, sua queda era inevitável.

Os líderes de Jerusalém não seriam poupados (28.14-29)

O profeta, em seguida, voltou-se aos presunçosos líderes de Jerusalém,

que pensaram que sua aliança com o Egito (Is 30.1-7; 31.1-3) os protegeria

dos assírios e os blindaria ante a destruição. Isaías retratou-os sarcasticamente

como orgulhando-se de sua “aliança com a morte” (v. 14-15).

127 Alguns interpretam tsav como um derivativo do verbo hebraico tsavah, “comandar”, e traduzem a

primeira parte da afirmação como “comando após comando, comando após comando”. Os que propõem

essa posição também consideram qav como um substantivo que quer dizer “fio de medida” (v. 17),

entendido aqui no sentido abstrato de “padrão” ou “régua”. Nesse caso, o povo zomba do profeta,

sugerindo que ele está sempre gritando ordens e lembrando regras que deviam seguir.


180 i Introdução aos profetas

Ironicamente, o Senhor não pretendia tomar Sião segura um dia. Utilizando

as imagens da construção civil, o Senhor anunciou que estabeleceria

em Sião “uma pedra angular preciosa, bem fundada” (v. 16). As imagens

sugerem que Deus pretendia reconstruir Sião e povoá-la com um povo que

conheceria a segurança que a fé produz (Is 4.3-6; 31.5; 33.20-24; 35.10).

Mais especificamente, a pedra angular pode representar o governante davídico

ideal por meio de quem sua segurança seria efetivada (Is 32.1). Ao chamar

o juízo e a justiça de linha e prumo (v. 17a), o Senhor enfatizou que essa

nova Sião seria estabelecida e caracterizada por essas qualidades (Is 1.26-27).

Entretanto, antes que essa nova Sião pudesse virar realidade, a liderança

de então tinha de ser removida - o acordo de Judá com a morte se

revelaria futil quando o juízo de Deus varresse a terra como uma tempestade

poderosa (v. 17b-19). Isaías compara a falsa sensação de segurança

do povo a uma cama que é curta demais ou a um cobertor muito estreito

(v. 20). Eles podem prometer repouso e proteção contra o frio, mas, ao

final, são inúteis. Da mesma maneira, o suposto acordo de Judá com a

morte se revelaria uma decepção.

Derramar severo juízo sobre seu próprio povo certamente não era o ideal

de Deus. De fato, ele chama isso de “estranha obra” e de “ato inaudito”

(v. 21). Ele atacaria seu próprio povo da mesma forma que tinha lutado contra

os filisteus no monte Perazim, nos tempos de Davi (2Sm 5.20) e contra

os cananeus no vale de Gibeom, nos tempo de Josué (Js 10.10-11).

Embora o público complacente de Isaías pudesse ficar inclinado a zombar

dessa mensagem, eles precisavam prestar muita atenção às suas palavras

(v. 22-23). O juízo iminente era um elemento importante no plano de

Deus para seu povo e um testemunho de sua sabedoria (v. 24-29). Assim

como fazendeiros usam sabedoria transmitida divinamente para plantar e

colher frutos, assim as relações de Deus com seu povo exibem sabedoria

e ordem. O juízo seria obtido de acordo com um cronograma ordenado

divinamente e, conquanto bastante severo, não seria excessivo. O juízo era

inevitável, assim como o plantio segue a aragem. E como se Deus fosse

separar seu povo, mas não o esmagaria a ponto de não ter mais uso para ele.

O cerco de Jerusalém (29.1-4)

Os tambores do juízo continuam a mfar quando o Senhor pronuncia uma

profecia de sofrimento contra Jerusalém, aqui chamada de Ariel (29.1-4).

Alguns entendem Ariel como um nome composto, significando “leão de

Deus”. No entanto, é mais provável que o termo aqui signifique “lareira de

Deus”, pois o mesmo termo hebraico é utilizado como substantivo comum

no versículo 2, em que Deus chama Jemsalém de Lareira de Deus. Assim

como uma lareira é aquecida para um sacrifício, assim também Jerusalém


Isaías 18 1 1

conheceria o calor do juízo de Deus quando um exército inimigo cercasse a

cidade. Nesse momento, o povo humilhado e assombrado da cidade mal conseguiria

falar. Suas vozes pareceriam o som de um espírito falando da cova

ritual de um vidente ou um feiticeiro cochichando algum encantamento.128

Uma libertação milagrosa (29.5-8)

O tom do discurso de Isaías muda de repente. Jerusalém seria cercada

por exércitos estrangeiros, mas o Senhor viria como uma poderosa tempestade

e varreria os invasores. Embora os inimigos de Jerusalém tenham cantado

vitória antecipadamente, suas expectativas não se realizariam. Seriam

como o faminto e o sedento, que sonham estar a comer e a beber, apenas

para acordarem e perceberem que tudo era um sonho. Essa profecia antecipa

a milagrosa libertação de Jerusalém, em 701 a.C. (Is 37.36-37).

Insensibilidade espiritual (29.9-16)

De forma típica, o profeta novamente muda seu tom quando denuncia

a insensibilidade espiritual de seus contemporâneos. Mais uma vez usando

a metáfora da bebedeira (28.7), ele retrata o povo como cego, bêbado e

sonolento (v. 9-10a). A maior parte da revelação profética tinha cessado, e

o povo não conseguia reagir à mensagem de Isaías (v. 10b-12). Para eles,

a visão profética de Isaías era como um rolo selado, que não pode ser lido.

Claro que o povo tinha um aspecto religioso. Alegava ser leal ao Senhor,

mas sua adoração não passava de ritual sem significado, desprovido de

devoção genuína (v. 13).

Por essa razão, o Senhor chocaria seu povo, tirando-o de sua letargia,

fazendo coisas maravilhosas (v. 14). O povo pecador pensou que pudesse

esconder de Deus seus planos de maldade (v. 15-16). Isaías ilustrou sua

maneira pervertida de pensar com a imagem absurda de uma peça de barro

negando ter sido feita pelo oleiro. Todo o povo descobriria logo como essa

atitude era ridícula. Por meio de “sua obra estranha” (28.21) de juízo purificador

(29.21-22), Deus demonstraria sua soberania sobre a nação (28.14-

29). Então, transformaria a condição espiritual da nação, demonstrando que

a verdadeira segurança só pode ser encontrada nele (29.17-24).

A transformação da sociedade (29.17-24)

Essa transformação seria tão radical quanto se a grande floresta do Líbano

fosse reduzida a um pomar comum129 ou como se um pomar pudesse virar

128 Sobre o pano de fundo das imagens utilizadas aqui, veja meus comentários sobre Isaías 8.19.

129 A NIV traduz a palavra hebraica karm el como “campo fértil”, mas o termo, mais provavelmente,

refere-se a um pomar (veja HALOT499).


| 82 1 Introdução aos profetas

uma floresta (v. 17). É possível que a floresta do Líbano simbolize os grandes

e poderosos (2.13; 10.34), que seriam humilhados por Deus (v. 20-21) e que

o pomar represente os mansos e oprimidos, que seriam justificados (v. 19).

Usando uma segunda metáfora, o profeta compara a transformação

iminente a um surdo que, de pronto, passa a ouvir e a um cego que volta a

enxergar (v. 18). Talvez as imagens sejam simbólicas, retratando a renovação

espiritual daqueles que foram um dia insensíveis a Deus (v. 9-12,24; 6.9-10).

A justiça de Deus destaca a visão do profeta dessa nova era (v. 19-21).

Os pobres e os necessitados se regozijam com a intervenção de Deus, pois

seu juízo livra a sociedade de malfeitores cruéis, simbolizados por aqueles

que mentem nos tribunais para negar a justiça aos inocentes.

Dizimado pelo juízo divino, o povo de Deus tinha vergonha de sua condição,

de sua herança, mas sua vergonha desapareceria, porque o Senhor

multiplicaria a população da nação (v. 22b-23a). Assim como tinha livrado

o já idoso Abraão da vergonha, dando-lhe um filho (v. 22a), também daria

filhos à humilhada nação de Israel. Essa fertilidade renovada levaria o povo

a honrar a Deus como seu rei soberano e a tratá-lo com o respeito que ele

merece (v. 23b). A nação que tinha se afastado de Deus e reclamado de seus

desígnios ganharia discernimento espiritual e se submeteria humildemente

à sua autoridade e instrução (v. 24; Jr 31.27-34).

O Egito não pode ajudar (30.1-17)

Quando a Assíria ficou mais ameaçadora, Judá voltou-se para o Egito

em busca de ajuda (30.1-2). Antes da invasão de Senaqueribe, em 701 a.C.,

Ezequias formou uma aliança com Faraó, esperando que os egípcios pudessem

oferecer alguma segurança, comparada, aqui, à sombra.130 Judá enviou

emissários às cidades egípcias de Zoan, situada no delta egípcio, ao norte,

e Hanes (ou Tafnes), situada na região sul do Egito, ao sul de Mênfis (v. 4).

Para ilustrar o desespero de Judá, Isaías descreve como os enviados de Judá

desafiaram os perigos do deserto para transportar seu tributo a Faraó (v. 6).

Ezequias formou essa aliança sem consultar o espírito de Deus (v. 1) por

meio dos profetas como Isaías e seu contemporâneo, Miqueias, que tinham

o poder do Espírito divino quando comunicavam a vontade de Deus a seu

povo (Mq 3.8). Na verdade, o povo rebelde rejeitou os alertas dos profetas

e exigia, em vez disso, que os porta-vozes de Deus pintassem quadros agradáveis

do futuro (v. 9-11).

Mas Deus recusou-se a se curvar a essas exigências. Alertou que o Egito,

chamado sarcasticamente de Rahab, “Gabarola” (v. 7), seria inútil diante do

130 O governante mencionado no v. 3 ou era Sfaabaka, que morreu em 702 ou 701 a.C., ou seu sucessor,

Shebitku. Senaqueribe faz alusão a esse tratado em sua carta a Ezequias (Is 36.6,9).


Isaías | 83 |

poder da Assíria e fonte de vergonha para Judá (v. 3-7). Ele instruiu a Isaías

que registrasse essa mensagem em um rolo como testemunha duradoura (v. 8).

Isso permitiria ao profeta usá-lo no futuro como evidência de que Deus

tinha alertado seu povo sobre o juízo iminente.

O povo de Deus precisava se arrepender e confiar no Senhor como seu

protetor (v. 15). Sua recusa em fazer isso deixou o juízo inevitável. A nação

era como um muro alto, instável e pronto para cair (v. 12-13). Em um instante,

ele cai e se despedaça. Da mesma maneira, a destruição de Judá será

rápida e completa. Isaías comparou a devastação a uma peça de barro que é

quebrada em pedaços tão pequenos que os fragmentos não podem ser utilizados

para nenhum outro propósito (v. 14). Quando os assírios invadissem

a terra, o povo de Judá fugiria em pânico, e somente uns restantes sobreviveriam

à matança (v. 16-17).

A intervenção misericordiosa de Deus (30.18-33)

Apesar da necessidade de juízo, o Senhor demorou a mostrar compaixão

por Jerusalém e antecipou uma época em que sua relação com seu povo

seria restaurada. Embora o severo juízo e o sofrimento fossem chegar (v.

20a), o Senhor visualizava um tempo em que a dor passaria (v. 19a). O

povo descartaria seus ídolos como coisa imunda (v. 22) e se voltaria para o

Senhor (v. 19b). O Senhor responderia suas preces (v. 19b), daria orientação

moral (v. 20b-21) e restauraria suas bênçãos agrícolas (v. 23-25). Suas

bênçãos seriam mais do que brilhantes, seriam evidentes a todos (v. 26).

Para destacar a realidade da presença curadora e salvadora de Deus, Isaías a

comparou à luz da Lua ficar mais forte que a do Sol, e à luz do Sol ficar sete

vezes mais forte. Luz, aqui, é símbolo da salvação e da bênção restaurada,

e o número sete foi utilizado simbolicamente para indicar intensidade.131

Para inaugurar essa era de bênção divina, Deus interviria com poder

assombroso e destruiria os invasores assírios que ameaçavam a cidade (v.

27-33; veja 8.9-10; 10.5-34; 14.25; 17.12-14; 29.5-8). O auxílio do Senhor

viria na forma de fogo e de tempestade e despedaçaria o poder assírio.132 O

rei inimigo seria morto e seu corpo seria cremado em Tofete, um cemitério

perto de Jerusalém (Jr 7.32; 19.11). Os moradores de Jerusalém celebrariam

131 Em Isaías 60.19-20 (veja também 24.23 e a nota anterior sobre esse texto), o profeta vai além em

sua utilização da hipérbole e do simbolismo: descreve o Sol e a Lua desaparecendo na era da salvação

e sendo substituídos pelo próprio Deus.

132 O “Nome” do Senhor às vezes é uma metonímia do próprio Senhor (Ex 23.21; Lv 24.11; SI 54.1;

124.8). Em Isaías 30.27, em que o “Nome do Senhor” é descrito como o que vem ajudar seu povo, a

questão é que ele revela o aspecto de seu caráter que seu nome sugere. Em outras palavras, ele vem

como “o Senhor”, em hebraico, “Javé”, significando que ele “está/estará [presente]”. Ele é sempre

presente e ajuda seu povo. O nome “Javé” tem origem em um contexto em que Deus assegurou a Moisés

que estaria com ele quando ele confrontasse Faraó e libertasse Israel da escravidão no Egito (Êx 3).


I 84 i Introdução aos profetas

sua libertação milagrosa cantando louvores à “Rocha de Israel”, um título

divino que mostra Deus como protetor de seu povo.

As imagens usadas aqui para retratar o juízo iminente são, obviamente,

estereotípicas e hiperbólicas. A destruição dos assírios por Deus, em 701

a.C., cumpriu essencialmente a visão profética, embora o Senhor não apareça

literalmente em fogo e tempestade nessa ocasião, nem o rei Senaqueribe

tenha sido morto e enterrado por perto. As imagens de fogo e tempestade

enfatizam o poder destruidor de Deus.133 Ao retratar como morto o rei assírio,

o profeta destaca que seu poder seria removido e ele, humilhado.

Vale repetir - o Egito não pode ajudar (31.1-3)

Mais uma vez o profeta denunciou a confiança de Judá no Egito. Em

vez de confiar em seu rei soberano, o “Santo de Israel” (1.4), Judá procurou

o Egito e seu poderio militar para proteção (v. 1). Os conselheiros reais de

Judá pensaram que essa era uma decisão sábia, mas o Senhor também tinha

sabedoria e frustrou os seus planos, decretando e executando o juízo contra

os rebeldes pecadores de Judá e seus aliados egípcios (v. 2). Os egípcios e

seus cavalos de guerra eram de carne e osso. Como tais, não eram capazes

de resistir ao poder do Senhor, que é muito superior ao que é meramente

físico e material (v. 3).

Mas o Senhor pode ajudar! (31.4-9)

No que parece ser uma descrição do juízo anunciado nos versículos

anteriores, Isaías retrata o Senhor como um leão destemido a rosnar, pronto

para a peleja no Monte Sião (v. 4). Mas ele vem como protetor, não como

destruidor (v. 5). Uma vez mais o profeta escolheu olhar além do juízo

iminente e concentrar-se, em vez disso, na libertação de Jerusalém, que

se seguiria. O Senhor atingira de forma sobrenatural os invasores assírios,

causando sua fuga em pânico (v. 8-9; veja 37.36-37). Tal protetor poderoso

era digno da lealdade de seu povo. O profeta urgiu o povo a se arrepender

de seus atos rebeldes e a se voltar para o Senhor (v. 6). Quando o Senhor,

milagrosamente, os libertasse, eles reconheceriam seu pecado e jogariam

fora seus ídolos artesanais (v. 7). Isaías argumentou que eles bem podiam

se voltar para o Senhor imediatamente, em vez de esperar.

Pode haver um eco da tradição do êxodo no versículo 5. O verbo traduzido

como “passar sobre” só ocorre aqui e em Êxodo 12.13,23,27, em que

o Senhor “passa sobre” (isto é, salva) as casas israelitas quando vem julgar

133 Para uma discussão da utilização de imagens estereotípicas em discursos proféticos de juízo, veja

Chisholm, From Exegesis to Exposition, 174-75.


Isaías | 85 |

seus opressores egípcios.134 Ao usar esse verbo no versículo 5, Isaías pode

estar se referindo ao evento do êxodo. Como nos dias de Moisés, o Senhor

salvaria seu povo do juízo dado a seus inimigos.

Surgem novos líderes, os tolos desaparecem (32.1-8)

Isaías visualizou um tempo em que Judá seria liderada por um rei e

por autoridades reais que promoveriam a justiça e protegeriam os fracos e

vulneráveis (32.1). Ele comparou esses líderes a um refugio do vento e da

chuva, a torrentes de águas no deserto e à sombra em uma região de seca

(v. 2). O profeta comparou essa transformação radical da condição espiritual

da nação à de um cego recobrando a visão, à de um tolo adquirindo

sabedoria e à de uma pessoa com problemas de fala se tomando fluente

(v. 3-4). Em contraste com os tempos de Isaías, os tolos não mais seriam

promovidos a posições elevadas nem seriam tratados com respeito (v. 5).

Conceder essas honrarias a tolos é totalmente inadequado, porque os tolos,

diferentemente dos justos, fazem planos malignos, oprimem e não ajudam

os pobres e necessitados (v. 6-8).

Segurança genuína substitui confiança falsa (32.9-20)

A seguir, Isaías se dirige às mulheres de Jerusalém, complacentes e seguras

de si (v. 9; veja 3.16). Em vez de se sentirem seguras e presunçosas, deviam

ter tremido de medo e lamentado, pois, dentro de um ano, a terra seria devastada.

A colheita despencaria e as cidades seriam reduzidas a minas (v. 10-14).

Contudo, Isaías novamente vislumbrou além do juízo para um tempo de

mais felicidade. Deus interviria e restauraria a fertilidade agrícola da terra (v.

15). A NIV traduz assim: “Até que o Espírito seja derramado sobre nós, lá do

alto”, como se isso fosse uma referência à pessoa do Espírito de Deus, mas é

mais provável que o termo hebraico ruakh, que aparece aqui sem artigo definido

(o texto não diz “o espírito”), sem um pronome (como “meu espírito”;

veja 44.3) ou um substantivo que o modifique (como “o espírito do Senhor”),

carregue uma nuance impessoal e se refira a “vigor” ou “vida”.

Essa renovação dos campos seria acompanhada por uma transformação

da sociedade. A justiça prevaleceria (v. 16) e a terra conheceria paz, segurança

e prosperidade, em contraste com a destruição que viria no futuro

imediato (v. 17-20).

Uma prece pelo auxílio de Deus (33.1-9)

Isaías mais uma vez prenunciou condenação (28.1; 29.1,15; 30.1; 31.1),

mas dessa vez ele antecipa o juízo dos inimigos de Deus, aqui chamados de

134 O substantivo inglês Passover (“Páscoa”) é derivado desse verbo.


I 86 I Introdução aos profetas

“destruidor” e “traidor” (33.1).* Nesse caso, os inimigos são identificados

com nações hostis (v. 3-4), embora os assírios, que usavam guerreiros de

muitas nações, estivessem certamente no primeiro plano da mente do profeta

(8.9-10; 17.12-14).

Em estilo dramático, o profeta oferece uma prece em favor do povo de

Deus, incluindo um pedido pela intervenção de Deus (v. 2), uma afirmação

de fé (v. 3-6) e um lamento pela destruição que tinha acontecido na terra

(v. 7-9). Isaías pediu a libertação milagrosa de Deus porque a sociedade

estava um caos e a terra, devastada por invasores. O efeito destruidor do

exército invasor sobre as plantações tinha sido tão devastador que era como

se todas as regiões conhecidas por suas ricas vegetações, Líbano, Saron,

Basã e monte Carmelo, tivessem murchado. Mas o profeta tinha confiança

de que Deus levaria os inimigos para longe e os despojaria de sua pilhagem,

assim como os gafanhotos despojam os fazendeiros de seus frutos. Isaías

afirmou que o Senhor é o rei soberano do mundo, que garante justiça e dá

um tesouro de sabedoria e segurança a seus leais seguidores, aqui chamados

de aqueles que “temem” o Senhor.

Refúgio para os justos (33.10-24)

Em resposta ao pedido e ao lamento do profeta, o Senhor anuncia que

vai intervir e demonstra seu poder (v. 10; SI 12.5). Ele, então, zomba das

nações, deixando claro que seus esforços para destruir seu povo se revelariam

inúteis e autodestrutivos (v. 11). O juízo de Deus, comparado a um

inferno de furia, destruiria as nações hostis, levando o Senhor a exigir que

todas as testemunhas do evento reconheçam seu poder (v. 12-13).

A perspectiva do juízo divino aterrorizou os moradores pecadores de

Jerusalém, pois reconheceram que eles também eram objeto da ira de Deus.

Esses pecadores, tomados de pânico, perguntavam retoricamente: “Quem

poderá viver perto desse fogo devorador?” (v. 14). Poderíamos pensar que

a resposta à pergunta seria: “Ninguém”, mas o profeta (ou talvez o próprio

Deus?) afirma que os justos estão protegidos da ira divina (v. 15). Os justos

podem ser reconhecidos por seu estilo de vida e por seu discurso. Diferentemente

dos líderes injustos de Judá, os justos se recusam a oprimir os

outros, aceitando suborno e cometendo crimes violentos. Embora o juízo

de Deus vá destruir os pecadores, os justos estariam seguros e teriam suas

necessidades atendidas (v. 16).

O profeta encoraja os justos com uma mensagem de esperança (v. 17-24).

Ele promete a eles que virá um dia melhor, quando será restaurada uma liderança

estável e a segurança nacional. Eles verão o “rei” com seus próprios

* Traidor aparece na NVI e na NTLH, não na ARA (N. do T.).


Isaías | 87 |

olhos (v. 17), o próprio Senhor (v. 22). Os coletores de impostos assírios

desaparecerão (v. 18-19) e os habitantes de Jerusalém conhecerão paz e

segurança sob o governo protetor de seu divino rei (v. 20-22), que trará

prosperidade à cidade e perdoará seus pecados (v. 23-24).

O profeta usa duas metáforas náuticas para facilitar sua mensagem. No

versículo 21, ele desenha Jerusalém com rios e riachos largos, sugerindo

uma abundância de água (SI 46.4). Ao mesmo tempo, nenhum navio invasor

ameaçaria a cidade, pois o Senhor a deixa segura. No versículo 23, Isaías

compara a Jerusalém de seu tempo a um navio que não está preparado para

navegar. Talvez a imagem sugira a incapacidade de a cidade se libertar do

perigo e destaque a suma necessidade desesperada da intervenção divina.

A rápida e terrível espada do Senhor (34.1-17)

Logo depois Isaías convoca todas as nações, porque a mensagem a seguir

diz respeito especificamente a elas (v. 1). Deus estava com raiva das nações

e pretendia matar seus exércitos, deixando seus corpos para apodrecer no

terreno sangrento (v. 2-3). O juízo divino não estaria restrito ao domínio da

terra. Deus também derrotaria as forças rebeldes celestiais que se juntaram

contra ele, aqui chamadas de “estrelas dos céus” (literalmente, “exército dos

céus”, v. 4; veja 24.21-23). Como em outros textos, o “exército dos céus” é

identificado pelas luzes celestes,135 que são retratadas se dissolvendo, enrolando-se

como um pergaminho e murchando como folhas ou figos.

Uma vez que a espada poderosa de Deus tenha derrotado essas forças

celestiais, ela descerá em vingança sobre Edom (v. 5-8) por causa de sua

hostilidade contra Judá, uma hostilidade que começou distante, nos tempos

de Moisés (Nm 20.14-21). Isaías compara o juízo de Deus contra Edom a

uma cena macabra de sacrifício, cheia de sangue, sebo e órgãos internos das

vítimas dos sacrifícios (v. 6-7). Edom seria reduzida a uma terra em chamas

(v. 9-10), povoada apenas por pássaros selvagens e outros carniceiros a

quem o Senhor tinha destinado o território edomita (v. 11-17).

Essa descrição do juízo contra Edom é estilizada e exagerada. Os profetas

usavam essa “linguagem de destruição” retoricamente para enfatizar

que o objeto da ira de Deus conheceria punição severa.136 A profecia foi

cumprida em essência na época do profeta Malaquias (Ml 1.3), embora sua

dimensão cósmica transcenda os desenvolvimentos históricos e aponte para

um juízo, no final dos tempos, de proporções mundiais. Visto em um contexto

escatológico maior, Edom serve como arquétipo de todos os inimigos

135 Veja Deuteronômio 4.19; 17.3; 2Reis 17.16; 21.3,5; 23.4-5; 2Crônicas 33.3,5.

136 Veja Isaías 13.20-22; 14.23; Jeremias 50.39-40; 51.36-37; Sofonias 2.13-15 e também Heater, Do

the Prophets Teach That Babylonia Wíll Be Rebuilt in the Eschaton? 31-36.


( 88 | Introdução aos profetas

de Deus, que serão esmagados por seu juízo furioso (veja também 63.1-6,

assim como o livro de Obadias).

Marcha para Sião (35.1-10)

Nessa visão, que conclui essa seção da profecia, Deus revela seu esplendor

real e transforma as circunstâncias de seu povo sofrido. Quando o

Senhor justificasse e libertasse seu povo, seria comparável a alguém que

é cego, surdo, mudo ou aleijado, liberto de sua deficiência (v. 5-6a; veja

29.18). De volta à metáfora inicial (v. 1), o profeta retrata um deserto com

água jorrando em riachos e uma imensidão árida cheia de lagos e fontes

onde cresceriam plantas novamente (v. 6b-7). A imagem da água sugere

vida e bênção divina renovada. Isaías, em seguida, descreve um caminho

chamado “Caminho Santo”, pelo qual os exilados retornariam a Sião

(v. 8-9). Os pecadores e os tolos não seriam permitidos nesse caminho, nem

predadores perigosos, talvez simbolizando nações hostis que se esconderiam

ali. Quando os exilados entrassem em Sião, eles cantariam de júbilo

(v. 10). A comparação do júbilo a uma coroa (veja 2Sm 1.10) pode envolver

uma ironia com a expressão idiomática “terra sobre a cabeça” (2Sm 1.2;

13.19; 15.32; Jó 2.12), que se refere a uma prática de luto. O povo de Deus

foi vencido pela dor uma vez e não podia fazer nada a não ser prantear suas

circunstâncias, mas os exilados, em seu retomo, seriam tomados de felicidade

quando celebrassem sua libertação.

O Senhor salva um rei e uma cidade (Is 3 6 -3 9 )

Esses capítulos finais da primeira unidade principal do livro de Isaías

têm principalmente um estilo narrativo formal e correspondem, em sua

maioria, a 2Reis 18.17-20.19.137 Os capítulos 36-37 descrevem o cerco

assírio a Jerusalém, em 701 a.C., e a milagrosa libertação da cidade nesse

mesmo ano138 (Is 37.38 pula para 681 a.C. e descreve o assassinato do rei

assírio Senaqueribe). O capítulo 38 fala sobre a doença de Ezequias e sua

milagrosa recuperação. O versículo 6 sugere que sua enfermidade ocorreu

pouco antes ou durante o cerco assírio a Jerusalém (cf. 37.35). O capítulo

39 descreve uma visita de enviados babilônios logo após a recuperação de

Ezequias (v. 1). Se a doença e a recuperação de Ezequias ocorreram pouco

137 Aprece de Isaías 38.9-20 é exclusiva de Isaías.

138 Isaías 36.1 (= 2Rs 18.13) refere-se ao décimo quarto ano do reinado exclusivo de Ezequias sobre

Judá, que começou em 715 a.C. Antes disso, de 729-715 a.C., Ezequias serviu como corregente com

seu pai, Acaz. Veja 2Reis 18.1,9-10, que se refere ao primeiro, ao quarto e ao sexto anos da corregência

de Ezequias. Veja McEall, Leslie F. “Did Thiele Overlook Hezekialrs Co-regency?” BSac 146 (1989):

393-404, que corrige Thiele, E. nesta questão.


Isaías I 89 |

antes ou depois do cerco, então essa visita provavelmente ocorreu logo após

a libertação milagrosa de Jerusalém, pois é difícil imaginar enviados babilônios

visitando a cidade durante a crise assíria.

Alguns preferem situar tanto a doença de Ezequias quanto a visita

dos enviados mais cedo, antes do cerco assírio. Eles destacam que Merodaque-Baladã,

chamado de “rei da Babilônia” no versículo 1, estava no

poder na Babilônia de 721-710 a.C., e novamente de 705-703 a.C., mas

depois de 703 a.C., não. No entanto, embora tenha perdido o controle da

cidade em 703 a.C., Merodaque-Baladã continuou a organizar uma rebelião

contra os assírios durante mais três anos.139 Então é certamente possível

que ele tenha entrado em contato com Ezequias em 701 ou 700 a.C.

e que pudesse ainda ser chamado de “rei da Babilônia” por um narrador

com uma perspectiva anti-Assíria.

Os que propõem uma data mais antiga também argumentam que era

de se esperar que Isaías 39.1 mencionasse a libertação da cidade se isso

tivesse acontecido. Mas isso é um argumento baseado no silêncio. Mais

do que isso, a derrota do exército assírio no ataque a Jerusalém teria feito

de Ezequias um aliado mais atraente e poderia explicar, em parte, por que

Merodaque-Baladã mostrou tanto interesse por ele.

Os que propõem uma data anterior para a visita dos enviados também

apontam que Isaías 39.2 indica que Ezequias possuía grandes riquezas

quando de sua visita. Uma vez que os assírios retiraram a maior parte dos

bens de Ezequias (2Rs 18.13-16), o incidente descrito no versículo 2, argumentam,

parece predatar a invasão assíria. No entanto, se a visita dos enviados

precedeu o incidente registrado em 2Reis 18.13-16, então como explicar

Isaías 39.6, que prevê que os tesouros mencionados no versículo 2 seriam

levados pelos babilônios (e não os assírios)? Além disso, 2Reis 24.10-17

fala como os babilônios, no cumprimento da profecia de Isaías (compare o

v. 13 com 2Rs 20.17 = Is 39.6), levaram as riquezas do templo e do palácio.

Esses capítulos fazem uma contribuição temática importante ao livro de

Isaías. Os capítulos 36-37 registram o cumprimento das primeiras profecias

da derrota da assíria e da libertação de Jerusalém. No capítulo 38, Ezequias,

como a cidade de Jerusalém, que ele lidera e representa, consegue um novo

“sopro de vida”. Contudo, no capítulo 39, a história fica um pouco amarga,

quando Ezequias, cheio de orgulho real, começa a flertar novamente com

potenciais aliados estrangeiros. O rei, agora, é a síntese da atitude de autossuficiência

que trouxera problemas a Judá no passado e que levaria à sua derrota

final. Isaías usou a ocasião para anunciar que Judá seria exilado, um dia, para

a Babilônia. Com sua profecia de exílio, esse capítulo prepara o terreno para

os capítulos 40-66, que se destinam a essa geração do futuro exílio.

139 Veja Roux, Ancient Iraq, 290.


| 90 1 Introdução aos profetas

A chegada de um invasor intimidante (36.1-20)

Em 701 a.C., Ezequias se aliou aos reis de Sidom e Ascalom e aos líderes

de Ecrom em uma tentativa de derrubar o governo assírio.140 Senaqueribe

veio para o ocidente para sufocar essa rebelião. O rei de Sidom fugiu

para o Chipre, o rei de Ascalom foi levado para o exílio e os líderes rebeldes

de Ecrom foram empalados. Senaqueribe, então, invadiu Judá.141 Seu

exército, primeiro, avançou pelo centro de Judá e estabeleceu uma linha de

aproximação e de suprimentos pelo norte de Sefelá. Capturou Azeca, Gate

e as cidades do Sefelá, inclusive Laquis, distante cerca de 50 quilômetros

a sudoeste de Jerusalém.142 Uma grande divisão, então, foi de Laquis para

Jerusalém (Is 36.1-2a). Em seus anais, Senaqueribe se gaba de ter capturado

46 cidades muradas (Is 36.1), mais de 200 mil prisioneiros, obrigado

Ezequias a pagar uma grande soma de tributo (veja 2Rs 18.13-16) e tê-lo

prendido em sua cidade real como um “pássaro na gaiola”.143

Um dos principais oficiais de Senaqueribe encontrou três representantes

de Ezequias no aqueduto próximo do açude superior (v. 2-3a), o mesmo local

onde Isaías e seu filho Shear-Jasube tinham encontrado o rei Acaz, muitos

anos atrás (Is 7.3).144 O oficial assírio entregou uma mensagem a Senaqueribe

na qual o rei assírio tentou convencer Ezequias a se render sem luta.

Senaqueribe argumenta que a decisão de Ezequias de se rebelar contra

a Assíria era fruto de uma confiança mal depositada (v. 4-5). Se Ezequias

estivesse confiando em sua aliança com o Egito, ficaria desapontado, pois

o Egito era como uma “vara rachada”, que mais fere do que suporta quem

nela se apoia (v. 6). Se o rei estivesse confiando no Deus de Judá para

140 Sobre as reformas de Ezequias e as políticas anti-Assíria, veja Borowski, Oded, “Hezekiah’s

Reforms and the Revolt against Assyria”, BA 58 (1995): 148-55.

141 Veja Na’aman, N. “Sennacherib’s Campaign to Judah and the Date of the lmlk Stamps”, VT 29

(1979):61 -86.

142 Sobre o cerco a Laquis, veja Ussishkin, D. “The Destruction of Laquis by Sennacherib and the

Dating of the Royal Judean Storage Jars”, Tel Aviv 4 (1977):28-60.

143 Para o relato amplamente divulgado da invasão de Senaqueribe, veja Pritchard, Ancient Near

Eastern Texts, 287-88. Alguns argumentam que houve, na realidade, duas invasões de Judá por

Senaqueribe, separadas por 15 anos. De acordo com essa opinião, 2Reis 18.14-16 fala da primeira, 2Reis

18.17—19.35, da segunda. Para apresentações, discussão e criticas a essa opinião, veja, entre outros,

Bright, History o f Israel, 284-88; Geyer, J. B. “2 Kings XVIII 14-16 and the Armais of Sennacherib”,

VT 21 (1971):604-6; Hom, S. H. “Did Sennacherib Campaign Once or Twice against Hezekiah?”,

AUSS 4 (1966): 1 -28; Kitchen, K. A. “Late-Egyptian Chronology and the Hebrew Monarchy”, JANES

5 (1973):225-33; Merrill, Kingdom o f Priests, 414-15 n. 74; e Shea, W. H. “Sennacherib’s Second

Palestine Campaign”, JBL 104 (1985):401-18.

144 O título desse oficial era “Rab-shakeh”, que quer dizer “mordomo-chefe”. O “mordomo-chefe” era

um oficial da corte que não ia, normalmente, às campanhas militares. Mas, nessa ocasião, Senaqueribe

decidiu que levaria seu exército pessoalmente para oeste. Como Cogan e Tadmor destacam, “era apenas

natural que ele estivesse acompanhado por seus atendentes pessoais”. Eles também sugerem que esse

oficial em particular tenha sido escolhido para negociar com Ezequias porque falava hebraico com

fluência (v. 11). Veja Cogan, M. e Tadmor, H. IIKings, AB (Nova York: Doubleday, 1988), 230.


Isaías | 9 1 1

defendê-lo, sua fé se revelaria mal depositada, porque, disse Senaqueribe,

Ezequias tinha provocado a ira do Senhor ao fechar os centros de adoração

por toda a terra e por ter insistido que o povo só adorasse em Jerusalém

(v. 7). O argumento de Senaqueribe reflete sua mentalidade pagã e supõe,

erradamente, que a centralização da adoração promovida por Ezequias

tivesse desagradado a Deus (2Rs 18.3-4).

Antes de continuar com a mensagem de Senaqueribe, o principal oficial

introduziu algumas palavras suas (v. 8-9). Ele conclamou Ezequias a

capitular e chegou a prometer começar a reconstruir as forças militares de

Judá dizimadas. Se Ezequias concordasse com os termos de Senaqueribe,

o oficial daria a Judá mais cavalos do que Ezequias era capaz de armar. Se

um oficial real podia fornecer tantos cavalos, pensem no que o próprio rei

poderia fazer por Judá. Com certeza, era mais sensato negociar com a Assíria

do que confiar no Egito.

Após fazer essa oferta aparentemente atraente, o oficial acabou de

entregar a mensagem de Senaqueribe (v. 10). De acordo com Senaqueribe,

Ezequias tinha se afastado do Senhor ao destruir os centros de adoração

(v. 7). Agora o rei assírio se estende nesse argumento, dizendo que o próprio

Senhor havia comissionado a Assíria como instrumento de disciplina

e juízo. A presença da Assíria na terra era obra do Senhor. O argumento de

Senaqueribe era correto até certo ponto (10.5-6), mas, mesmo assim, isso

não significava que Ezequias precisasse se render ou que os orgulhosos

assírios estivessem imunes ao juízo divino (10.5-34).

Preocupado que o povo escutasse nos muros da cidade a mensagem de

Senaqueribe, os oficiais de Ezequias pediram ao enviado assírio que falasse

em aramaico, a língua diplomática da parte ocidental do império assírio, e

não no dialeto hebraico de Judá (v. 11). Mas o oficial assírio recusou-se a

isso, destacando que um cerco prolongado a Jerusalém teria efeitos horríveis

sobre toda a população, não apenas sobre os líderes. Todo mundo na

cidade sofreria de fome e recorreria a comer seus próprios excrementos e a

beber sua própria urina (v. 12). Uma vez que toda a população sofreria efeitos

adversos do cerco, o enviado assírio insistiu em se dirigir a todo o povo,

perfilado no muro da cidade (v. 13). Certamente, ele também esperava que

a opinião pública se voltasse contra Ezequias e o forçasse a render-se antes

que seu próprio povo se rebelasse contra ele.

O oficial assírio, a seguir, proclamou a mensagem de Senaqueribe para o

povo de Jerusalém. Avisou ao povo que não depositasse confiança em suas

promessas aparentemente piedosas de libertação divina (v. 14-15). Se o povo

se rendesse, ele prometeu que teriam abundância de comer e de beber. Ainda

que os assírios fossem obrigados a deportar o povo de Judá, ele prometeu

que o novo lar seria uma terra rica na agricultura, onde podiam prosperar


I 92 [ Introdução aos profetas

(v. 16-17). Tendo feito essa oferta aparentemente muito sedutora, Senaqueribe

desenvolveu ainda mais seu argumento inicial de que a promessa

de libertação divina feita por Ezequias era irreal. O Senhor estava irado

com Ezequias e tinha, de verdade, incumbido os assírios de atacarem Judá

(v. 7,10). Mas, argumentou Senaqueribe, mesmo se o Senhor tentasse libertar

Jerusalém, não poderia (v. 18-20). Tudo que se tinha a fazer era olhar o histórico.

Nenhum dos deuses das nações vizinhas tinha sido capaz de prevenir

a conquista de suas terras pelos assírios. Para reforçar esse argumento, Senaqueribe

lembrou como tinham caído Hamate, Arpade, Sefarvaim e Samaria

diante do poderio assírio.145 Nesse ponto, a retórica de Senaqueribe foi longe

demais; ele estava andando em terreno pantanoso, como veremos à frente.

Ezequias busca auxílio com Isaías (36.21-37.7)

O povo, como Ezequias ordenou, recusou-se a responder a mensagem

(v. 21), mas os oficiais de Ezequias rasgaram suas vestes em sinal de luto e

transmitiram as palavras do enviado ao rei (v. 22). Quando Ezequias ouviu

as más notícias, rasgou suas vestes, cobriu-se de pano de saco, foi ao templo

orar (37.1) e enviou dois de seus oficiais, junto com um contingente de

sacerdotes, ao profeta Isaías, com um relato do que tinha acontecido (v. 2).

Depois de lamentar os eventos humilhantes do dia (v. 3), Ezequias expressou

seu desejo de que o Senhor desse aos assírios seu juízo pela arrogância

e pediu a Isaías que intercedesse pelo povo de Jerusalém (v. 4).

Isaías mandou os oficiais voltarem a Ezequias com uma palavra de garantia

do Senhor. Assim como ele tinha instado Acaz a não temer as ameaças

da coalizão arameu-israelita, muitos anos antes (Is 7.4), o Senhor instava

Ezequias a não temer as blasfêmias de Senaqueribe (v. 5-6). O Senhor instigaria

e manipularia os acontecimentos de forma que Senaqueribe ouvisse

um relato alarmante que faria com que ele abandonasse sua campanha e

retomasse à Assíria (v. 7). O significado exato de “meterei nele um espírito”

não é totalmente claro. Pode referir-se a um espírito pessoal enviado

por Deus para controlar a mente do rei (lRs 22.19) ou pode referir-se a

um estado de preocupação e temor. De qualquer maneira, a soberania do

Senhor sobre o rei é visível.

Senaqueribe zomba de Ezequias (37.8-13)

Quando o enviado de Senaqueribe a Jerusalém escutou que o rei assírio

tinha atacado Libna, alguns quilômetros a noroeste de Laquis, ele retomou

145 Tiglate Pileser III conquistou Arpade em 741 a.C. (veja Roux, Ancient Iraq, 279), Samaria caiu em

722 a.C. e Sargom conquistou Hamate em 720 a.C. (veja ibid., 282). A localização exata de Sefarvaim

não é conhecida.


Isaías | 93 |

ao exército principal (v. 8). Uma vez que não há registro da saída do exército

juntamente com ele, a grande divisão enviada a Jerusalém com seu

oficial (36.2) pode ter ficado ali e mantido a cidade sob vigilância.

Nesse ínterim, Senaqueribe ouviu que Tiraca, o comandante cuxita das

forças egípcias, estava marchando ao seu encontro (v. 9).146 Inicialmente,

suspeita-se que esse seja o relato a que o Senhor se refere em sua resposta

anterior a Ezequias (v. 7), mas, nesse caso, Senaqueribe não deu sinal de

retirada. Em vez disso, enviou outra mensagem intimidante a Ezequias,

na qual, novamente, argumentava que o Deus de Ezequias não era capaz

de libertar Jerusalém do invencível exército assírio (v. 10-13; 36.18-20).

Dessa vez, Senaqueribe chegou a sugerir que o Senhor estava enganando

Ezequias (v. 10). O argumento parece claro - quando Senaqueribe acabasse

com os egípcios, pretendia terminar seus negócios com Ezequias. A tensão

dramática cresce quando Senaqueribe responde ao relato da aproximação

de Tiraca com bravura e sem temor. O plano do Senhor, como anunciado no

versículo 7, parece frustrado.

Ezequias pede auxílio do alto (37.14-20)

Diante de inimigo tão poderoso e determinado, Ezequias, em contraste

com seu pai, Acaz, recorreu ao Senhor em busca de auxílio. Ele foi ao

templo e colocou o pergaminho com a mensagem de Senaqueribe diante

do Senhor, como se dissesse: “Aqui, leia você mesmo o que esse inimigo

blasfemador está dizendo de você!” (v. 15). Ezequias, então, fez uma breve,

mas forte, prece que apresenta uma visão teológica penetrante. Ele começou

reconhecendo, diferentemente da bravata gabola de Senaqueribe, que

o Senhor Deus de Israel é o mais poderoso de todos os guerreiros (observe

o título “ S e n h o r Todo-Poderoso”, literalmente, “ S e n h o r dos Exércitos”,

veja Is 1.9) e soberano criador e rei do mundo (v. 16). Ele então pediu

ao Senhor que considerasse o escárnio ofensivo de Senaqueribe (v. 17).

Sim, não se podem negar os sucessos militares dos assírios (v. 18), mas

essas vitórias eram superestimadas, pois, na realidade, os assírios só tinham

146 De acordo com os anais assírios, Senaqueribe já tinha derrotado uma força egípcia em Elteque.

Por essa razão, alguns argumentam que a cronologia dos eventos em Isaías 36-37, que parece colocar a

batalha de Senaqueribe com o Egito após seu ataque a Judá (36.1-2), é confusa. No entanto, Isaías 37.9

não diz que uma batalha realmente foi travada contra Tiraca. Além disso, é possível que Senaqueribe

tenha lutado contra os egípcios em duas ocasiões separadas e que os anais tenham omitido uma delas ou

visto as duas como uma só. Para exemplos dessa técnica nos anais, veja Laato, A., “Assyrian Propaganda

and the Falsification of History in the Royal Inscriptions of Sennacherib,” VT 45 (1995): 198-226.

Outros apontam que a referência a Tiraca como “rei do Egito” (Is 37.9) é errônea, pois Tiraca não se

tomou rei até 690 a.C. A referência é, obviamente, anacrônica e reflete desenvolvimentos posteriores.

Essas referências prolépticas não são incomuns na literatura antiga ou moderna. Veja Kitchen, K. A.

Ancient Orient and Old Testament (Downers Grove, II: InterVarsity, 1966), 82-83.


94 I Introdução aos profetas

derrotado adoradores de ídolos. Deuses pagãos, que não eram nada além

de madeira e pedra (v. 19). Ezequias concluiu pedindo ao Senhor que libertasse

seu povo e, fazendo assim, demonstrasse às nações vizinhas que o

Senhor é o único Deus verdadeiro (v. 20).

A zombaria do próprio Deus (37.21-29)

O Senhor respondeu a prece de Ezequias por meio de Isaías, que enviou

uma mensagem divina ao rei (v. 21).147 O Senhor começou a escarnecer

de Senaqueribe com a imagem de uma Jerusalém personificada zombando

desafiadoramente do rei assírio (v. 22). Ele, então, acusou Senaqueribe de

insultar e blasfemar contra ele com suas bravatas arrogantes (v. 23-25).

Senaqueribe se orgulhava de seus feitos militares no ocidente,148 mas não

percebeu que seus sucessos eram meramente o desdobramento do plano

e decreto do Senhor (v. 26-27). No entanto, uma vez que o Senhor tinha

usado Senaqueribe como seu instrumento no juízo das nações ocidentais, ele

se voltaria contra o governante assírio para puni-lo por seu orgulho (v. 28). O

Senhor colocaria seu “anzol” no nariz de Senaqueribe e seu “freio” em sua

boca e o faria retomar à sua terra natal (v. 29). A imagem do anzol no nariz

retrata um prisioneiro sendo levado por um conquistador (2Cr 33.II),149

enquanto a imagem que se segue, de um freio na boca, compara Senaqueribe

a um cavalo ou a um jumento (SI 32.9; Pr 26.3).

Boas-novas para Ezequias (37.30-35)

Tendo deixado claro que se livraria do rei assírio, o Senhor assegurou a

Ezequias que dias melhores viriam. As atividades agrícolas normais tinham

sido interrompidas pela invasão assíria, evitando a semeadura das plantas

para o ano vindouro e obrigando o povo a comer frutos que tinham crescido

sem cultivo a partir das sementes plantadas nos últimos anos. Entretanto,

quando viesse o tempo do próximo plantio, a atividade agrícola seria retomada

de acordo com seu ciclo costumeiro (v. 30).150 Esse anúncio é chamado

147 Isaías 37.21 dá a impressão de que a prece de Ezequias foi o catalisador da intervenção de Deus

(observe “porque oraste a mim”), mas o texto pode ter sido corrompido nesse ponto. O relato paralelo

de 2Reis 19.20 diz: “Ouvi sua oração a respeito de Senaqueribe, rei da Assíria”. O verbo “Ouvi” não

aparece em Isaías 37.21.

148 Nos versículos 24b-25, o Senhor cita Senaqueribe. Não há certeza se foram essas as palavras ditas

pelo rei assírio, mas elas refletem precisamente sua atitude arrogante e sua tendência de exagerar seus

sucessos. A afirmação final no versículo 25 (“sequei todos os rios do Egito”) é, obviamente, um exagero,

pois Senaqueribe não conquistou o Egito.

149 A imagem pode comparar Senaqueribe a um leão capturado que é forçado a entrar em uma jaula

com a ajuda de ganchos (veja Ez 19.4, 9).

150 A referência a três anos é problemática. Se os assírios seriam eliminados em breve, por que devia

levar tanto tempo para a atividade agrícola voltar ao normal? Se a derrota dos assírios acontecesse perto

ou durante o outono, seria tarde demais para se recuperar da devastação da invasão, repovoar o país


Isaías [ 95 [

“sinal”. Às vezes, um sinal é uma garantia de um desenvolvimento futuro (Is

8.18; 20.3; 38.7-8), mas aqui parece ser um lembrete futuro da intervenção

de Deus, planejada antes de a intervenção real ocorrer (Êx 3.12; Is 7.14-25).

As colheitas não seriam a única coisa a crescer nos dias seguintes. O

“remanescente da casa de Judá”, aqueles que sobreviveram à invasão assíria,

também “criariam raiz” e “dariam fruto” (v. 31). A invasão tinha dizimado

a população (Is 1.9). Muitos tinham morrido ou sido levados para o

exílio, mas os sobreviventes deixados em Jerusalém se mudariam para a

terra e, com a capacitação do Senhor, a repovoariam (v. 32).

De volta à crise corrente, o Senhor afirmou que Senaqueribe não invadiria

a cidade. Na verdade, ele não iria nem atacá-la nem cercá-la (v. 33-34),

porque o Senhor a defenderia por sua própria honra, que Senaqueribe tinha

insultado, e por causa da promessa feita a Davi (v. 35). O Senhor tinha

prometido a Davi uma dinastia duradoura (2Sm 7.12-16). Embora essa

promessa não blindasse os reis davídicos da disciplina divina, ela garantia

a preservação da dinastia e a proteção de reis justos como Ezequias, que

seguia o exemplo moral de Davi (2Rs 18.3).

Um anjo matador e dois assassinos (37,36-38)

O Senhor não faz ameaças nem promessas vãs. Seu anjo (literalmente,

“mensageiro”) matou 185 mil soldados assírios em uma noite (v. 36).151

e plantar para o ano seguinte (os cereais eram plantados, normalmente, em novembro-dezembro. Veja

Borowski, Oded, Agriculture in Ancient Israel [Winona Lake, In: Eisenbrauns, 1987], 34). O próximo

plantio não ocorreria até o outono seguinte, mas essas plantações não seriam colhidas até a primavera

seguinte. Então, “este ano” se refere ao ano agrícola corrente, que podia já estar quase encerrado.

Obviamente, não haveria colheita disponível porque os assírios tinham consumido ou destruído as

plantações (Is 1.7). “O segundo ano” refere-se ao próximo ano agrícola, para o qual não haveria colheita

porque seria impossível plantar nesse outono. “O terceiro ano” começaria com o plantio do outono

seguinte, 13 ou 14 meses à frente. Veja Oswalt, Isaiah 1-39, 664-65.

151 Um anjo chamado de “o anjo de Deus” e de “o anjo do S e n h o r ” (os dois títulos parecem ser

intercambiáveis em Jz 6.20-22; 13.3,9,13) tem um papel especialmente importante na Bíblia hebraica.

Não é claro se o título se refere apenas a um anjo. A expressão é definida pelo nome próprio no genitivo,

mas pode referir-se simplesmente a um anjo definido em qualquer contexto, sem significar que o

referente seja sempre o mesmo anjo (veja a utilização da expressão “o servo do S e n h o r ” , que se refere a

um servo definido em um dado contexto, mas a expressão não se refere sempre ao mesmo servo em cada

passagem). Aqueles que pressupõem que um anjo específico está em pauta em cada passagem discutem

a identidade exata desse anjo. Alguns alegam que é o próprio Deus (ou, talvez, a segunda pessoa da

Trindade em uma forma pré-encamada), enquanto outros sustentam que o anjo, embora distinto de

Deus, vem com autoridade divina e pode, portanto, falar e ser tratado como o próprio Deus.

Diversos textos igualam esse anjo a Deus/Javé. Por um lado, o anjo parece falar como Deus, às vezes

(Gn 31.11-13; Êx 3.2,4; Jz 2.1-3), enquanto homens que encontram o anjo, às vezes, reagem como se

tivessem visto o próprio Deus (Gn 16.13; Jz 6.22; 13.22; veja também Gn 32.28-30 à luz de Os 12.3-4).

Por outro, o anjo, às vezes, fala como se fosse distinto de Deus (Gn 21.17; 22.11-12,15-17; Zc 1.12).

Em alguns textos, uma leitura atenta revela que o anjo e Deus são entidades distintas (veja Êx 3.2-4; Jz

6.11-23). O anjo que acompanhou Israel na saída do Egito (chamado “anjo de Deus” em Êx 14.19) é

distinto de Deus (Nm 20.16), mas ainda assim é chamado de “anjo de sua [de Deus] presença” (Is 63.9)

e age em “nome” de Deus ou como sua plena autoridade (Êx 23.21).


196 | Introdução aos profetas

Não se pode escapar da ironia aqui. Senaqueribe enviou mensageiros para

intimidar Ezequias (36.2; 37.9); o Senhor enviou um mensageiro para

destruir o exército poderoso de Senaqueribe. Com seu exército dizimado,

Senaqueribe foi obrigado a levantar acampamento e voltar para casa, assim

como o Senhor tinha prometido (v. 37).

Muitos dos detalhes em tomo desse evento não são totalmente claros.

Não é certo se o anjo atacou o exército principal de Senaqueribe, que parece

não ter ido a Jerusalém (v. 9), ou uma divisão deixada em Jemsalém (assumindo

que o exército que acompanhou o oficial assírio a Jemsalém tenha

permanecido lá quando o oficial foi a Libna; veja meus comentários sobre

37.8). O versículo 36 diz, literalmente: “Quando se levantaram os restantes

pela manhã, eis que todos estes eram cadáveres”. A identidade do sujeito do

verbo “levantaram” não é totalmente clara. Pode referir-se ao restante do

exército assírio (estivessem com Senaqueribe ou em Jemsalém) ou ao povo

de Jemsalém (supondo que uma divisão tenha ficado lá).

Alguns acham que o número dado para os assírios mortos (185 mil)

é improvável ou mesmo impossível. O tratamento completo da utilização

de números grandes na Bíblia hebraica foge do escopo desta discussão,

mas é essencial, ao menos, esboçar algumas das opções disponíveis para

o intérprete. Alguns veem o número como o valor exato, enquanto outros

consideram prova de que o relato é fantasioso. No entanto, essas posições

extremas não são as únicas disponíveis, é possível que o termo hebraico

’elep, normalmente entendido como “mil”, refira-se, em contextos militares,

a um contingente militar composto de um número muito menor de

soldados. Outra opção é que os números eram, às vezes, exagerados de propósito

para enfatizar a magnitude relativa do evento. De qualquer forma, o

número real de assírios mortos teria sido muito menos do que 185 mil, mas,

ainda assim, é uma marca memorável.152

É mais provável que o anjo seja igual a Deus em sentido de representação, não essencial ou pessoal (as

passagens que diferenciam a pessoa do anjo da pessoa de Deus em essência têm de ser definitivas). O anjo

vem com autoridade divina plena e pode, portanto, falar em nome de Deus (às vezes na primeira pessoa).

Aqueles que se encontram com o anjo percebem sua condição de representante autorizado e, por

isso, agem de acordo. Como James Ross afirma que “parece que a questão da autoridade do anjo podia

ser recebida simplesmente: é a mesma de quem o envia. Assim, um mensageiro deve ser tratado como

se fosse seu mestre”. Veja “The Prophet as Yahweh’s Messenger”, em Prophecy in Ancient Israel,

Petersen, David L. (org.) (Filadélfia: Fortress, 1987), 114.

Podemos encontrar evidências para essa proposta no mito ugarítico de Baal. Em um cenário anterior no

mito, os mensageiros de Yam, com aparência de fogo, entram na assembleia divina e relatam as palavras

de Yam para El: “A mensagem de Yam, seu senhor, de seu senhor e juiz Nahar, é a seguinte: Abandonem,

deuses, aquele a quem protegem, ó multidão, abandonem Baal e seus lacaios, o filho de Dagom, para que

eu possa possuir seu ouro”. El responde como se Yam estivesse presente: “Baal é seu escravo, ó Nahar, o

filho de Dagom é seu prisioneiro. Mesmo ele deve trazer tributo como os deuses, mesmo ele deve trazerlhe

presentes como os filhos do Sagrado”. Veja Gibson, Canaanite Myths and Legends, 42.

152 Para um estudo da utilização de números grandes na Bíblia hebraica, veja Fouts, D. M. “The Use

of Large Numbers in the Old Testament.” Dissertação de doutorado. Dallas Theological Seminary, 1992.


Isaías í 97 j

Alguns duvidam da historicidade desse relato porque Senaqueribe não o

menciona em seus registros de campanha. Entretanto, a omissão de qualquer

referência à sua derrota não deveria ser surpresa, uma vez que a tendência

de Senaqueribe falsificar a história em seus 644 anais reais é bem atestada.153

Deve-se notar, também, que Senaqueribe não reivindica a tomada de

Jerusalém ou a deposição de Ezequias. Nesse caso, seu silêncio fala alto.

Uma tradição histórica preservada posteriormente por Heródoto conta

como o exército de Senaqueribe, enquanto lutava no delta do Egito, foi

obrigado a recuar quando ratos comeram suas cordas de arco, suas aljavas e

as alças de seus escudos. Alguns conjecturam que a referência a ratos pode

ser uma pista do que realmente aconteceu. Talvez a peste bubônica tenha

assolado o exército assírio, obrigando-o a recuar. Mesmo assim, é possível

que essa praga tenha sido o instrumento utilizado pelo anjo matador do

Senhor. Entretanto, quando se examina a lenda com cuidado, parece não ter

nada a ver com o relato bíblico.154

Outro problema diz respeito à relação desse evento com a promessa feita

pelo Senhor no versículo 7. Foi cumprida como profetizada a palavra de

garantia do Senhor, quando ele prometeu fazer Senaqueribe bater em retirada

por causa de um simples relato? Se entendermos o relato da aproximação de

Tiraca (v. 9) como o referencial, parece que a profecia não foi exatamente

cumprida. Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se argumentar que o

orgulho e a blasfêmia de Senaqueribe (v. 10-13) levaram Deus a alterar seu

plano inicial e fazer um juízo mais severo. Contudo, é possível que o relato

do versículo 9 não seja o que foi previsto pelo Senhor, mas que seja mencionado

pelo autor meramente para elevar a tensão dramática da história.

Nenhum outro relato é mencionado especificamente no capítulo, mas, se um

exército ficou em Jerusalém, como sugerido anteriormente, pode-se imaginar

que Senaqueribe, enquanto lutava contra Tiraca (v. 9), tenha recebido

as más notícias de Jerusalém e decidido se retirar. Nesse caso, um relato,

como profetizado, teria sido o catalisador dessa retirada.155 Outra opção é

que Senaqueribe tenha recebido um relato alarmante de sua terra natal, que,

juntamente com o desastre registrado no versículo 36, levou-o a deixar Judá.

Não importa como se resolva essa questão, uma coisa é clara: a segunda

metade da profecia feita no versículo 7, na qual o Senhor anunciou que

engendraria o assassinato de Senaqueribe em sua terra natal, foi cumprida

como declarada. De acordo com o versículo 38, Senaqueribe foi morto por

153 Veja Laato, “Assyrían Propaganda”, 198-226.

154 Veja Cogan e Tadmor, IIKings, 250-51.

: E claro que, se o exército enviado a Jerusalém voltou com uma autoridade assíria, então o versículo

36 se refere à destruição da força principal de Senaqueribe, um desastre que o rei teria testemunhado

em primeira mão.


| 98 1 Introdução aos profetas

dois de seus filhos enquanto adorava o seu deus, Nisroque, no templo. Ironicamente,

o deus de Senaqueribe não conseguiu salvar seu devoto, mesmo

em seu próprio templo. Em contraste, quando Ezequias entrou no templo

do Senhor, recebeu a promessa garantida de proteção, que foi cumprida.

Os assassinos escaparam para Ararate (isto é, Urartu), situado ao norte da

Assíria, e Assaradão sucedeu seu pai no trono assírio.

A história secular corrobora e esclarece alguns dos detalhes desse relato.

Diversas fontes antigas, inclusive as Crônicas Babilônicas, informam que

Senaqueribe foi, de fato, assassinado.156 As tradições seculares mencionam

apenas um filho como sendo o culpado, mas é certamente razoável que

um segundo filho (mencionado no texto bíblico) pode ter sido cúmplice no

crime. Os registros seculares identificam o assassino como Arda-milissu

(isto é, Arad-ninlil), que estava incomodado porque seu pai tinha escolhido

um filho mais novo, Assaradão, como seu sucessor.157 De acordo com a

cronologia assíria, esse incidente ocorreu em 681 a.C., 20 anos depois da

invasão de Judá por Senaqueribe.158 O reinado de Assaradão, que durou até

669 a.C., é bem documentado nos registros assírios.

Ezequias ganha um novo sopro de vida (38.1-8,21-22)

Pouco tempo depois ou durante a invasão da terra por Senaqueribe, Ezequias

ficou muito doente. Isaías, falando pelo Senhor, avisou ao rei que a

doença era terminal e disse que colocasse a casa em ordem (v. 1). No entanto,

o rei não aceitou a notícia de forma estoica. Ele chorou amargamente e lembrou

ao Senhor que tinha sido um servo fiel e obediente (v. 2-3). O Senhor

se comoveu com a prece de Ezequias e decidiu conceder-lhe mais 15 anos

de vida. Isaías entrou em cena, deu a boa-nova ao rei e passou instruções aos

cuidadores de Ezequias sobre como tratar a doença do rei (v. 4-5,21).159

Isaías trouxe também uma palavra adicional do Senhor. Não só Ezequias

se recuperaria, mas o Senhor também prometeu que libertaria Ezequias e a

cidade de Jerusalém de Senaqueribe (v. 6). A associação íntima da recuperação

de Ezequias com a libertação da cidade sugere que o rei seja símbolo

da cidade. Tanto Ezequias quanto Jerusalém estiveram no limiar da morte,

mas ambos ganharam um novo sopro de vida graças à fidelidade do rei.

156 Para uma discussão breve da evidência, Cogan e Tadmor, IIKings, 239-40. Para um estudo mais

aprofundado do incidente, veja Parpola, S., “The Murder of Sennacherib”, em Death in Mesopotamia,

B. Alster (org.) (Copenhague: Akademisk Forlag, 1980), 171-82.

157 A forma bíblica do nome, Adrameleque, é ligeiramente diferente e pode ser resultado de erros de

escrita durante a transcrição do texto.

158 Diversos detalhes da história não têm corroboração secular. Como observado, não há registro de

que Senaqueribe tivesse um filho de nome Sarezer e não há evidência de um deus mesopotâmio com o

nome de Nisroque.

159 Os versículos 21-22 estão, de certa forma, mal encaixados no texto e cabem entre os v. 6-7. Veja

2Reis 20.6.9.


Isaías | 99 |

Aparentemente transtornado pela notícia, Ezequias pediu um sinal de

que ele realmente se recuperaria e seria capaz de voltar a adorar o Senhor

no templo mais uma vez (v. 22). Como garantia de sua promessa, o Senhor fez

o sol voltar, de forma que as sombras de seus raios retrocederam (v. 7-8).

Ironicamente, esse “sinal” teve lugar no “relógio de Acaz”, estrutura que

ganhou o nome do rei que, contrariamente a Ezequias, tinha rejeitado um

sinal de libertação divina (Is 7.10-17).

Ezequias rende graças (38.9-20)

Após sua recuperação, Ezequias fez uma prece em que recorda sua

lamentação e seu clamor por socorro (v. 10-16) e expressa sua gratidão a

Deus por tê-lo curado (v. 17-20). Quando lhe foi dito inicialmente que não

se recuperaria, Ezequias lamentou que morreria no auge da vida (ele tinha

apenas 38 ou 39 anos na época)160 e não poderia mais adorar o Senhor (v.

10-11). Comparou sua morte a um pastor desmontando sua tenda, a um

tecelão cortando o tecido de um tear e à escuridão da noite substituindo a

luz do dia (v. 12). Sentiu como se Deus o atacasse feito um leão. Em sua

dor intensa, sofreu a noite e olhou para o céu, esperando algum alívio (v.

13-14). Embora se sentisse vitimado pela vontade soberana de Deus (v. 15),

reconheceu que algumas decisões divinas podem ser revertidas e pediu ao

Senhor que o curasse e estendesse sua vida (v. 16).

Então veio a boa notícia e o rei se recuperou. Em retrospecto, reconheceu

que seu sofrimento trouxe algum benefício, talvez porque o tenha

aproximado de Deus e lhe tenha dado uma consideração renovada do perdão

do Senhor (v. 17). A referência ao perdão dos pecados pode sugerir que

Ezequias considerou sua doença como uma forma de punição divina por

causa de sua condição humana de pecado. Como ilustrado no livro de Jó,

era bastante comum nos tempos bíblicos interpretar doenças sérias como

punição pelo pecado. Ezequias não queria ir para o túmulo, pois, na visão

de mundo da Bíblia hebraica, a terra dos mortos não era lugar em que se

adorava a Deus (v. 18). Somente os vivos louvam a fidelidade de Deus (v.

19), e Ezequias, confiante na proteção continuada de Deus, contava em

fazer exatamente isso no templo do Senhor (v. 20).

Enviados babilônios fazem uma visita a Ezequias (39.1-8)

Logo após a recuperação de Ezequias, Merodaque-Baladã, que estava

tentando reconquistar o controle da Babilônia dos assírios, decidiu cortejar

a amizade de Ezequias (v. 1). Como anteriormente observado, esse

160 O texto de 2Reis 18.2 diz que Ezequias tinha 25 anos quando sucedeu Acaz, em 715 a.C. Veja

Merrill, Kingdom ofPriests, 410.


1100 1 Introdução aos profetas

incidente provavelmente se seguiu à libertação de Jerusalém, um acontecimento

que tomou Ezequias um aliado especialmente atraente para a multidão

antiAssíria no Oriente Próximo.

Ezequias recebeu os enviados e mostrou a eles sua riqueza (v. 2),

como para dizer: “É, eu daria um bom aliado, não?”. As ações de Ezequias

eram prova de seu orgulho e uma atitude de autossuficiência. Isaías

usou essa ocasião para anunciar que Judá seria exilado para a Babilônia

algum dia (v. 3-5). Os babilônios levariam as riquezas que tinham visto

nos depósitos e no palácio de Ezequias (v. 6). A dinastia davídica seria,

inclusive, posta em perigo, pois os descendentes de Ezequias seriam

levados prisioneiros e feitos eunucos no palácio do rei da Babilônia (v.

7). Essas profecias foram cumpridas nos anos de 605 a 586 a.C., quando

Nabucodonosor capturou os membros da família real e as riquezas do

tesouro real (2Rs 24-25; Dn 1).

Em contraste com a forma com que ele tinha reagido ao anúncio de

sua morte (38.1-3), a resposta de Ezequias a essa profecia foi bastante

estoica (v. 8). Ele reconheceu que a decisão do Senhor foi adequada e

parecia conformado que fosse conhecer a paz e a segurança durante sua

vida. Como se deve interpretar a reação do rei à palavra de Deus? Por um

lado, sua reação parece bastante autocentrada, mas, por outro, ele podia

estar admitindo sua própria culpa e reconhecendo a misericórdia de Deus

ao retardar seu castigo.

Restauração e renovação (Is 4 0 -5 5 )

Nesses capítulos, Isaías assume a perspectiva dos futuros exilados.

Tendo anunciado o exílio, ele se projeta no futuro e fala aos exilados como

se estivesse realmente presente com eles no cativeiro. Como antes observado,

muitos supõem que essa parte do livro teve origem em um profeta

exílico anônimo (denominado “Segundo Isaías” ou “Dêutero-Isaías”) que

buscava levar adiante a tradição de Isaías de Jerusalém. Mas os capítulos

40-55 enfatizam que o criador soberano pode anunciar como será o futuro

de Israel porque ele decreta o que vai acontecer e, depois, trabalha na história

para garantir que seu decreto se transforme em realidade. Deus transcende

a história e controla a ascensão e a queda das nações. Que maneira

melhor para convergir esse ponto do que falar para uma geração futura

como se estivesse lá presente?

A unidade abre com um prólogo em que o Senhor promete restaurar a

oprimida Jerusalém (40.1-11). Ele tenta convencer os desanimados exilados

de que é capaz de realizar o que prometeu (40.12-31). Ao mesmo tempo

em que enfatiza a soberania divina, o Senhor deixa evidente que os exilados


Isaías 11011

também são responsáveis por seu futuro. Eles estão no exílio por causa do

pecado e devem se arrepender e aceitar a oferta de perdão e de renovação

da aliança feita por Deus antes que sua promessa seja plenamente cumprida.

Essa oferta, que mantém a soberania divina e a responsabilidade humana em

equilíbrio cuidadoso, culmina com um chamado à renovação da aliança, no

capítulo 55.

Entre esses dois polos, o Senhor destaca sua superioridade sobre os

ídolos dos babilônios e deixa claro que essas assim chamadas divindades

não serão capazes de impedir seus propósitos para seu povo. O Senhor vai

usar um governante pagão, Ciro, como seu instrumento para libertar seu

povo do exílio. O Senhor também introduz outra figura-chave no futuro

de Israel, um servo especial que desempenha papel real e profético que é

retratado como um novo Moisés, que lidera um novo êxodo para deixar o

cativeiro (42.1-7).

Nos capítulos 49-55, Ciro surge em cena, e esse servo especial assume o

centro da cena. No começo dessa subunidade, seus papéis e propósitos são

reiterados (49.1-13). Ele vai enfrentar oposição (50.4-9) e vai sofrer rejeição

(52.13-53.12), mas, ironicamente, seu sofrimento vai trazer verdadeira

redenção para Israel e tomar possível a oferta de uma nova aliança. Intercalados

entre essas passagens, temos retratos da restauração de Sião, um tema

apresentado no prólogo (49.14-26; 50.10-52.12; 54.1-17).

Consolo para a oprimida Jerusalém (40.1-11)

Isaías começa sua mensagem aos futuros exilados com um anúncio consolador

da restauração de Jemsalém. Deus instrui mensageiros não identificados161

a consolarem seu povo, anunciando a Jerusalém que já pagou

por seus pecados completamente e que seu tempo de dificuldades acabou

(v. 1-2). A cidade personificada representa seu povo exilado, cuja rebelião

contra Deus resultou na sua devastação pelos babilônios. No final desse trágico

evento, Jerusalém fica desabitada e em ruínas por muitos anos. Os exilados

provavelmente imaginavam se Deus realmente se importava com eles

e se eles ainda tinham um futuro como nação (Is 40.27). Esse anúncio deixa

claro que Deus não os abandonara e abre as portas para um futuro brilhante.

Um arauto (chamado simplesmente de “uma voz”) dá instruções para

preparar o caminho da volta do Senhor a Jerusalém (v. 3-5). Essa voz é,

mais tarde, associada a João Batista (Mt 3.3; Mc 1.3; Lc 3.4-6; Jo 1.23),

mas não há nada nesse contexto para sugerir que exista um profeta em

161 As formas verbais em hebraico traduzidas como “consolem”, “encorajem” e “anunciem” nos versículos

1-2 estão todas no plural, como o pronome “seus”. Os arautos, nos versículos 1-11, provavelmente

não têm identidade real, mas são utilizados para obter efeito dramático.


102 1 Introdução aos profetas

vista.162 O Novo Testamento faz desses destinatários o público judeu de

João, mas é improvável que o povo de Deus seja o destinatário de Isaías

40, pois, logo depois disso, eles são retratados como ovelhas voltando do

exílio (v. 11). Em Isaías 40, o público provavelmente não tem uma identidade

real, mas, como os arautos não identificados nos versículos 1-2, é

usado exclusivamente para efeito dramático.163

O arauto diz à sua audiência para construir um caminho para o Senhor,

que está pronto para retomar vitoriosamente a Jemsalém (v. 3, veja o v. 10).

Esse caminho deve ser construído pelo deserto, ao leste, pois o Senhor virá

da Babilônia com seu povo exilado (vej a o v. 11, e também Is 3 5.1,6-10). O

arauto prevê que todos os obstáculos serão removidos (v. 4). Usando uma

hipérbole, ele retrata os vales sendo aterrados e as montanhas, niveladas.

O rei, então, aparecerá em sua glória, que será visível para todos (v. 5).

Nesse contexto, a “glória” de Deus é seu esplendor real, que irradia feito

luz (Is 24.23; 35.2; 60.1). O arauto encerra com uma afirmação que garante

que essa promessa do retomo do Senhor vem do próprio Senhor. Como em

outros pontos em Isaías, as palavras “a boca do S e n h o r o disse” dão ênfase

a um pronunciamento divino a respeito do futuro (Is 1.2; 58.14).

Essa visão do retomo do rei continua no versículo 9, mas, primeiro, há

um parêntese (v. 6-8). Um arauto não identificado diz: “Clama”, e outro responde:

“O que hei de clamar?”164 O primeiro arauto, então, diz ao segundo

o que ele deve dizer. A mensagem contrasta a fragilidade dos seres humanos

e suas promessas duvidosas com o poder soberano de Deus e a confiabilidade

de sua palavra. Como a relva, que murcha com o vento quente (aqui

chamado de “hálito do Senhor”), os seres humanos estão aqui hoje, amanhã,

não mais.

Suas promessas também são efêmeras e duvidosas. No versículo 6b,

muitas traduções, como a NIV, dizem: “Todos os seres humanos são como a

erva do campo e toda a força deles é como uma flor do mato”. No entanto, a

162 A identificação com João Batista é facilitada no Novo Testamento ligando-se a expressão “no

deserto” com a anterior, “a voz que clama”. No texto em hebraico, “no deserto” vai com o seguinte “preparai”

e corresponde, no paralelismo sinonímico, a “no deserto”, na próxima linha. O Novo Testamento,

nesse versículo, segue a Septuaginta, que aparentemente se baseia em um original em hebraico em que

a expressão “no deserto” foi omitida acidentalmente.

163 No contexto maior de Isaías 40-55, toma-se evidente que a restauração plena de Sião é dependente

do arrependimento do povo. Por essa razão, o texto dos versículos 4-5 pode ser interpretado, lido no

contexto maior, como uma referência à preparação moral. Ao perceber que era o profeta previsto por

Malaquias (Ml 4.5) e que Jesus, o rei, logo apareceria em Jerusalém em cumprimento da promessa de

Isaías 40.3-5, João Batista identificou-se como a voz de Isaías 40.3 e se apropriou da mensagem de

Isaías 40.4 como se fosse sua.

164 Mais uma vez, os arautos parecem ser empregados estritamente para efeito dramático. Entretanto,

a Septuaginta diz “e eu disse” na segunda linha do versículo 6. Nesse caso, o profeta está falando e o

destinatário está na linha anterior.


Isaías 1103 |

palavra em hebraico traduzida por “glória” (segundo a Septuaginta) é a bem

atestada khesed, que significa “fidelidade, devoção, lealdade, comprometimento”.

Essa nuance cabe muito bem neste contexto. Os seres humanos

e sua fidelidade são efêmeros e duvidosos (expressões verbais de fidelidade

estão particularmente em vista nesse contexto, que se concentra na

promessa do Senhor), em forte contraste com os decretos e promessas do

Deus eterno. Nesse contexto, “a palavra de nosso Deus” (v. 8) se refere

especificamente à promessa do retomo do rei (v. 5,10-11). Os versículos

1-5 anunciam “que já é findo o tempo da sua milícia, que a sua iniqüidade

está perdoada e que já recebeu em dobro das mãos do S e n h o r por todos os

seus pecados”. Os versículos 6-8, então, afirmam: “Podem confiar [...] As

promessas de Deus são confiáveis”.

Após ser informada de que o alívio está chegando, a Jerusalém personificada

é instruída a subir em um monte alto para proclamar a boa-nova do

retomo do Senhor às outras cidades de Judá (v. 9). Muitas traduções, como

a NVI, dizem: “Você, que traz boas-novas a Sião, suba num alto monte.

Você, que traz boas-novas a Jerusalém, erga a sua voz”. Entretanto, no texto

em hebraico não existe a preposição “a” antes de “Sião” ou “Jemsalém”.

O particípio traduzido como “você, mensageiro de boas notícias” está na

forma feminina singular,165 assim como os verbos traduzidos para personificar

Sião e Jerusalém, “suba” e “erga”. A evidência gramatical sugere que

as instruções do versículo 9 são dirigidas à personificação de Sião/Jerusalém.166

Essa declaração se traduz melhor assim: “Suba a um monte bem

alto, ó arauto Sião! Grite bem alto, arauto Jemsalém!” (NET).

Quando Jemsalém anuncia às cidades de Judá “eis aí o vosso Deus!”, o

Senhor aparece como um poderoso rei guerreiro voltando da batalha com

o espólio da vitória, aqui chamado de “galardão” e “recompensa” (v. 10).

A metáfora muda no versículo 11, que retrata o Senhor como um pastor

levando seu rebanho, carregando os cordeiros nos braços. As ovelhas são

seu povo exilado, que ele tomou como recompensa.167

A metáfora “braços do S e n h o r ” é utilizada de forma irônica nos versículos

10-11. No versículo 10, sugere força militar, que é seu sentido habitual

(Is 48.14; 51.9; 59.16; 63.5,12). Mas, no versículo 11, os braços do

Senhor carregam seus cordeiros junto ao seio. Aqui a imagem sugere ternura,

não violência. O duplo sentido da imagem nos lembra que a visão que

165 Isaías 41.27; 52.7 falam de um arauto enviado a Sião, mas empregam uma forma singular masculina

para fazer referência ao mensageiro.

166 “Sião” e “Jerusalém” são apostos gramaticalmente a “tu que trazes boas-novas”.

167 Veja Isaías 62.10-12, em que o versículo 12 indica que os exilados que voltam (os “redimidos”

do Senhor) são a “recompensa” que acompanha o Senhor enquanto ele viaja na estrada de

volta para Jerusalém.


1104 ) Introdução aos profetas

se tem do poder assombroso de Deus é uma questão de perspectiva. Para

seus inimigos, seu braço poderoso é aterrorizante, pois é instrumento de

sua derrota. Mas, para seu povo, esse mesmo braço deve ser um símbolo de

garantia, pois lembra-nos de sua capacidade de proteger os seus.

O Senhor pode fazer o que promete (40.12-31)

Depois de anunciar sua intenção de libertar seu povo, o Senhor os faz

lembrar que é plenamente capaz de fazer isso. Os exilados podem ter

pensado que seu Deus estava tendo restrições de tempo e espaço, ou que

seu poder ou sua sabedoria fossem limitados. Talvez ele fosse inferior aos

deuses babilônios e seu povo estivesse condenado a uma vida em exílio.

Essa seção do prólogo corrige esse pensamento ao afirmar que o Senhor é

o criador eterno e rei do mundo, aquele cuja autoridade, poder e sabedoria

não têm limites.

No caso da soberania do Senhor, começa com uma série de perguntas

retóricas (v. 12) que esperam a resposta: “Ninguém, a não ser o S e n h o r ! ” O

Senhor sozinho criou o mundo e estabeleceu seus componentes (incluindo a

água, os céus e as montanhas) em proporções exatas, da mesma forma que

os mercadores pesam mercadorias em suas balanças.

Outro conjunto de perguntas se segue (v. 13-14), com uma resposta prevista

para cada uma delas: “Ninguém!” De acordo com o mito babilônio, o

deus Marduk recebeu conselho de Ea, o deus da sabedoria, quando criou o

mundo. O Senhor, o verdadeiro Criador do mundo, não consultou ninguém.

Não precisava de conselho ou de planta arquitetônica. Sua sabedoria e sua

competência foram suficientes.168

Na presença do criador e rei soberano, as nações são insignificantes,

como uma gota em um balde ou como poeira sobre uma balança (v. 15).

A grandiosidade do Senhor transcende qualquer coisa que a humanidade

possa imaginar. Mesmo que todas as árvores da floresta do Líbano fossem

cortadas para virar lenha e todos os animais habitantes dessa floresta fossem

mortos queimados em holocaustos, o sacrifício resultante não seria testemunho

adequado da grandiosidade do Senhor (v. 16). Quando comparadas

ao Rei, as nações não mostram substância real (v. 17), pois é o Senhor, e não

as nações, quem determina o desenrolar da história. O Senhor é o incomparável

Deus, que é infinitamente superior aos ídolos artesanais de metal e

madeira dos pagãos (v. 18-20). Ele está sentado em seu trono sobre a terra,

cujos habitantes insignificantes parecem pequenos gafanhotos diante dele

(v. 21-22a). Ele estende o céu como uma tenda (v. 22b) e determina às

168 Veja Whybray, R., The Heavenly Counsellor in Isaiah xl 13-14: a Study o f the Sources o f the

Theology; o f Deutero-Isaiah (Cambridge: Cambridge University Press, 1971), 64-77.


Isaías 1105 |

estrelas seus lugares no firmamento (v. 25-26). Ele tem o poder de eliminar

os governantes do mundo; com um simples sopro ele os dispersa como

palha em um vendaval. E óbvio que nenhum rei, deus ou nação pode frustrar

os propósitos de Deus ou evitar que ele cumpra suas promessas.

Por essa razão, os exilados não precisam se sentir abandonados por

Deus ou desmotivados acerca do futuro. A reclamação dos exilados de Israel

(v. 27) sugere que o Senhor pudesse ser, de alguma forma, limitado. Talvez,

ele, como muitos outros deuses pagãos, tivesse morrido, ou talvez sua

jurisdição estivesse limitada a Judá e não incluísse a Babilônia. Talvez ele

não fosse capaz de criar um plano adequado para salvar seu povo ou não

tivesse a força ou a energia para executá-lo. Mas esse pensamento é errado.

O profeta afirma que o Deus de Israel é o Deus eterno que transcende a história

e .o criador do mundo, que governa todas as nações (v. 28a). Ele nunca

se cansa, nem lhe falta sabedoria (v. 28b). Ao contrário, ele concede poder

sobrenatural àqueles que mantêm a fé nele (v. 29-31). Mesmo se os jovens

fortes esmorecerem e tropeçarem, a força sobrenatural do Senhor capacita

os fiéis a suportar as dificuldades e a “subir com asas como as águias”. Por

essa razão, os exilados devem olhar para o futuro com esperança renovada.

O desamparo das nações (41.1-7)

O Deus soberano volta-se às nações e as desafia a um debate público

(v. 1). As nações rejeitaram o Deus verdadeiro em favor dos ídolos, mas o

Senhor se recusa a aceitar essa ofensa à sua reputação.

Ele apresenta seu controle sobre a história humana como evidência de

sua soberania e incomparabilidade. Falando da perspectiva dos futuros

exilados, ele aponta Ciro, o persa, aqui chamado de “aquele do Oriente”.

Como decretado por meio de Isaías, o Senhor elevou Ciro como seu servo

e permitiu-lhe conquistar reinos (v. 2-3; veja 44.28-45.54). A capacidade

do Senhor de anunciar eventos antes que aconteçam e depois fazê-los acontecer

prova que ele governa o mundo (v. 4). Diante de Ciro, o servo conquistador

de Deus, as nações desamparadas entram em pânico e tentam

freneticamente minar o poder de Deus, fazendo mais ídolos (v. 5-7). Mas

a imobilidade desses “deuses” (veja o v. 7) se ergue em forte contraste ao

poder ativo do Deus verdadeiro e único que controla a História humana.

Notícia encorajadora para os exilados (41.8-20)

O Senhor fala a seguir a seu povo exilado e reafirma sua presença salvadora.

Aos exilados, ele os faz lembrar que são seus servos escolhidos, têm uma

posição privilegiada como descendentes de Abraão, a quem Deus chama de

“amigo” (v. 8; veja 2Cr 20.7). Esse termo provavelmente reflete a relação

pactuai de Abraão com Deus, pela qual o patriarca se tomou parceiro de


1106 | Introdução aos profetas

Deus em um arranjo especial.169 O Senhor anuncia que está pronto para trazer

os exilados de volta da terra distante da Babilônia (v. 9).170 Em contraste

com as nações tomadas de pânico (veja o v. 5), os exilados não precisam

temer, pois o Senhor promete estar com eles e fortalecê-los (v. 10,13). Ele

é seu “Redentor” (v. 14), um título que relembra as tradições do êxodo (Êx

6.6; 15.13; SI 74.2; 77.16). Na esfera da vida em família em Israel, um

“redentor” era aquele que protegia os interesses de sua família estendida

em uma diversidade de formas. Concedendo o título a si mesmo, o Senhor

lembra a Israel que ele é sua família, cujos interesses pretende proteger,

libertando-o de sua escravidão no exílio.

Israel é visto como um vermezinho insignificante (v. 14) por seus

adversários, mas isso está para mudar. Seus inimigos se desmancharão

diante dele (v. 11-12), pois o Senhor vai capacitar seu povo para a batalha

e para aniquilar seus adversários (v. 15-16). A destruição desses inimigos

é comparada ao processo de moagem.171 Os fazendeiros usavam um trilho

para separar o grão da palha e depois limpavam o grão, sacudindo-o para o

alto. Isso permitia que o vento limpasse a palha. Na continuação da metáfora,

Israel é o trilho, equipado com dentes afiados, que cortam e rasgam;

os inimigos orgulhosos e poderosos são comparados a montanhas e montes

que são reduzidos a palha. O próprio Senhor sopra o vento que remove a

palha (40.24).

Em sua condição oprimida e aflitiva, os exilados são como um homem

extremamente desidratado que não consegue achar a água de que precisa

tão desesperadamente (v. 17a). Mas o Senhor promete intervir e criar para

seu povo uma terra ajardinada, cheia de águas (v. 17b-18) e capaz de sustentar

viçoso crescimento (v. 19). As imagens sugerem a restauração da

vida e das bênçãos divinas (35.1,6-7).

O propósito final de Deus na libertação de seu povo é a autoglorificação

(v. 20). Quando os observadores virem Deus transformar radicalmente as

circunstâncias dos exilados, reconhecerão o assombroso poder criativo do

Rei soberano (“o Santo de Israel”). Reconhecer Deus como criador e autoridade

soberana no Universo é um pré-requisito para a genuína adoração.

169 Veja IReis 5.1, em que Hirão de Tiro e Davi são descritos como “amigos”, isto é, parceiros em

um arranjo de um tratado.

170 Muitos traduzem os verbos no versículo 9 no pretérito perfeito (veja NVI, “tirei”, “chamei”,

“disse”), como se o Senhor se referisse, aqui, a um evento passado. Mas, nesse contexto, são mais bem

compreendidos como uma ação que se prolonga até o presente (com uma nuance descritiva, factual). O

Senhor tomou seu povo com a intenção de trazê-lo de volta do exílio, chama-o para retomar desse lugar

distante e declara que ele é seu servo.

171 Sobre separação e escolha de grãos no Israel antigo, veja Borowski, Agriculture in Ancient Israel,

62-69.


Isaías 1107 1

Um desafio aos deuses (41.21-29)

O Senhor a seguir se volta para os deuses pagãos, aos quais, pela argumentação,

ele se refere como se realmente existissem. Ele fala como “rei de

Jacó”, um título que confirma seu direito de governar seu povo da aliança.

Para que as nações resistam a seu trabalho salvador em prol de Israel, seus

deuses têm de provar serem superiores ao Senhor. Então ele os desafia a

apresentar provas de seu caráter e poder divinos (v. 21). Mais especificamente,

ele exige que demonstrem sua capacidade de prever eventos e fazer

com que aconteçam (v. 22-23). Se eles realmente são soberanos sobre os

acontecimentos da história, devem ser capazes de apontar as previsões passadas

que fizeram e que aconteceram e não devem hesitar em oferecer novas

previsões sobre o futuro. No entanto, os deuses pagãos ficam em silêncio,

pois não têm substância real e não fazem nada (v. 24,29). Em oposição, o

Senhor é ativo na História. Ele soergueu Ciro como conquistador mundial

(v. 25), um evento que somente ele anunciara de antemão, por meio de Isaías,

o profeta (v. 26-28).

Ciro é chamado aqui de “aquele do norte”, enquanto no versículo 2 é

chamado de “aquele do leste”. C. R. North explica que “o império de Ciro,

agora incorporando a Média e a Lídia, se estendia em um arco, partindo

da Babilônia até o mar Egeu. Pode-se dizer, portanto, que vinha do leste

ou do norte”.172 O governante persa também é descrito como “aquele que

invoca” o “nome” do Senhor. Isso parece estar em conflito com 45.4-5 e

com o extrabíblico Cilindro de Ciro, em que Ciro atribui seus sucessos

a diversas divindades mesopotâmias, inclusive Marduk.173 Entretanto, a

declaração em 41.25 não significa exclusivamente adorar o Deus de Israel,

e os textos historiográficos não indicam claramente que Ciro reconhecia

o envolvimento de Deus em seu sucesso (2Cr 36.22-23; Ed 1.1-4). Além

disso, sua atitude positiva diante dos deuses babilônicos, como expresso

no Cilindro, era, de acordo com Yamauchi, “basicamente [...] um esforço

propagandístico para manipular a opinião pública e legitimar a autoridade

de Ciro sobre a Babilônia”.174

Um campeão da justiça (42.1-12)

Como prova adicional de sua soberania, o Senhor faz uma nova previsão.

Ele anuncia que seu “servo”, capacitado pelo espírito divino, trará

justiça à terra (v. 1-4). O Senhor, então, se dirige ao servo e o incumbe de

ser um mediador da aliança e libertador (v. 5-7).

172 The Second Isaiah (Oxford: Clarendon, 1964), 105.

173 Veja Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, 315-16.

174 Yamauchi, Persia and the Bible, 88.


1108 | Introdução aos profetas

A identidade desse servo tem sido discutida calorosamente. Uma vez

que o sucesso de Ciro como instrumento de Deus foi retratado pouco

antes, seria natural ver 42.1-7 também como uma descrição de sua obra.

No entanto, Ciro é retratado como um conquistador violento (41.2-3,25),

enquanto este servo é manso (42.2-3). Ciro e o servo desempenham papéis

importantes e inter-relacionados no desenrolar do plano de Deus para seu

povo e para as nações. Esses papéis parecem ser distintos, sugerindo que os

indivíduos são distintos.

A Septuaginta (antiga versão grega do Antigo Testamento) identifica o

servo como “Jacó/Israel”. Essa interpretação parece sólida, pois, diversas

vezes nos capítulos 40-48, Israel é chamado de servo do Senhor (41.8-9;

42.19; 43.10; 44.1,21; 45.4; 48.20). Mais ainda: existem diversas conexões

verbais entre 41.8-13 e 42.1-6. Nas duas passagens, o Senhor escolhe (41.8-

9; 42.1), sustém (41.10; 42.1), chama (41.9; 42.6) e toma o servo pelas

mãos (41.13; 42.6). No entanto, parece haver algumas diferenças entre o

servo retratado em 42.1-7 e a nação exilada de Israel. Enquanto Israel é pintado

como um servo cego (42.19) que precisa de perdão e libertação, esse

servo abre os olhos aos cegos e cumpre o papel de libertador (42.7). Existe

uma conexão íntima entre Israel e o servo, mas também há uma distinção.

Essa distinção receberá um foco mais nítido mais adiante nesta seção.

Em 49.1-13, uma passagem que, de muitas formas, tem forte paralelo com

42.1-7, o servo é chamado especialmente de “Israel” (v. 3), mas, ainda

assim, ele é incumbido, como se fosse um novo Moisés, de libertar o povo

exilado de Israel (v. 5-6), de mediar uma nova aliança para a nação (v. 8) e

de liderar o povo de Deus de volta à sua terra (v. 9-13). Fica evidente que o

servo, embora seja, em algum sentido, “Israel”, também é distinto do povo

exilado de Israel. Referências posteriores a esse servo apoiam essa conclusão,

pois o servo sofre por Israel (veja o comentário mais adiante sobre

52.13-53.12, em especial minhas observações a respeito de 53.8). Como

muitos dos profetas, ele enfrenta oposição e opressão, mas, ironicamente,

seu sofrimento tem papel vital na redenção de Deus de seu povo pecador e

exilado. Olhando nesse contexto maior, o servo é, aparentemente, um Israel

ideal, intimamente ligado, contudo, distinto da nação pecadora.175 As quatro

passagens que ilustram seu ministério são rotuladas apropriadamente de

“canções do servo” (42.1-7; 49.1-13; 50.4-9; 52.13-53.12). Uma discussão

mais extensa sobre a identidade e o ministério do servo deve aguardar nosso

estudo desses textos.

O Senhor distingue esse seu servo com atenção especial porque ele o

escolheu e deu poderes para desempenhar a tarefa especial de estabelecer

175 Para um desenvolvimento mais aprofundado dessa questão, veja o comentário sobre 49.1-13.


Isaías 1109 |

a justiça na terra (v. 1, 4). O servo não fará autopromoção (v. 2) nem irá

explorar ou oprimir os fracos e os pobres, comparados aqui a uma “cana

quebrada” e a um “pavio fumegante” (v. 3).

A imagem de um indivíduo com o poder do Espírito como paladino da

justiça nos lembra um dos retratos do rei messiânico, em Isaías 11.1-9. No

antigo Oriente Próximo, promover a justiça na sociedade era uma responsabilidade

real.176 O paralelo com Isaías 11 e também o contexto cultural

sugerem fortemente que o servo é um rei. Embora nenhuma das canções do

servo conectem esse rei à dinastia davídica, deve-se concluir que o servo e

o governante ideal davídico de Isaías 11 são a mesma pessoa.177

Após anunciar o papel do servo, o Senhor dá a ele sua incumbência

formal. O Senhor se apresenta como o Deus único e verdadeiro178 que

criou o mundo e dá vida às pessoas que vivem na terra (v. 5). Essa apresentação

é adequada, porque essa canção do servo é parte da polêmica

contra os deuses pagãos, que começa em 41.21. O Senhor promete suster

e proteger o servo enquanto ele desempenha sua tarefa (v. 6a). Essa tarefa

é dobrada: o servo tem de mediar uma aliança “para o povo” e trazer “luz

para os gentios” (v. 6b).

O texto hebraico, na verdade, diz que Deus fará do servo “uma aliança

de povos”. Uma vez que uma pessoa não pode tomar-se uma aliança; o

termo “aliança” deve ter sido utilizado aqui para indicar aquele que inaugura

ou medeia uma aliança. A identidade exata do “povo” não é certa. No

versículo 5, o termo se refere à humanidade, e a referência aos “gentios”,

na próxima linha no versículo 6, também sugere que todos os povos estão

em vista. Nesse caso, o servo é incumbido de ser um mediador da aliança

entre Deus e a raça humana. Entretanto, em Isaías 49.8, em que o Senhor

também incumbe o servo de ser “uma aliança do povo”, Israel parece estar

em vista (v. 9-13). Mais ainda: outros textos em Isaías 40-66 antecipam

uma aliança feita por Deus com Israel (55.3; 59.21; 61.8), mas nenhum

outro texto nesses capítulos fala de aliança entre Deus e as nações. Então,

é possível que Isaías 42.6b descreva o ministério do servo a Israel como o

de um mediador da aliança, e sua missão mais ampla aos gentios como o de

emissário de “luz” da parte de Deus.

176 Veja Weinfeld, Moshe, Social Justice in Ancient Israel and in the Ancient Near East (Jerusalém:

Magnes, 1995), 45-56.

177 Veja Schultz, Richard “The King in the Book of Isaiah”, em The Lords Anointed, Satterthwaite, P.

E.; Hess, R. S.; Wenham, G. J. (orgs.) (Grand Rapids: Baker, 1995), 154-59. Schultz sugere que Isaías

não identifica o servo com a linha davídica porque, se assim fizesse, sairia do eixo temático distinto que

esta seção da profecia tem.

178 O texto hebraico do versículo 5a diz: “E isso o que o Deus, o Se n h o r , diz.” O artigo definido em

Deus indica que ele é único e superior a todos os outros assim chamados deuses.


1110 I Introdução aos profetas

Neste contexto, “a luz” simboliza a libertação da escravidão e da opressão

(49.6b e 51.4-6). Uma das formas como o servo vai estabelecer a justiça

na terra (42.1,4) é pela libertação de prisioneiros de calabouços sombrios (v.

7). Isso provavelmente não se refere a criminosos perigosos e embrutecidos,

mas a presos políticos e vítimas de injustiças sociais. Enquanto ficam sentados

por longos períodos em suas celas escuras, seus olhos ficam cegos, mas

o servo os libertará e lhes “abrirá os olhos”, por assim dizer, ao levá-los para

ver a luz do dia (veja o SI 146.7-8 para imagens semelhantes).

O Senhor conclui seu argumento insistindo que não vai dividir sua glória

soberana com os deuses das nações (v. 8). Em oposição aos ídolos (41.22-

23), o Senhor fez com que se cumprissem antigas previsões (nesse caso, relativas

a Ciro) e anunciou coisas novas (relacionadas ao ministério do servo)

que ocorrerão (v. 9). Sua soberania sobre a história deve ser visível a todos.

Em resposta à declaração do Senhor de sua soberania, o profeta conclama

todos os habitantes da terra, mesmo aqueles que vivem em horizontes distantes,

a cantar louvores ao Senhor e a reconhecer sua grandeza (v. 10-12).

O salvador incomparável (42.13-44.23)

Esta seção reitera e desenvolve os temas principais de 40.1-42.12. Israel

não precisa temer, pois o Senhor é superior aos deuses das nações e tem o

desejo e a capacidade de libertar seu povo do exílio. Esses capítulos também

suscitam a questão do pecado de Israel, que é, obviamente, a razão por que

a nação é exilada e o único obstáculo à sua restauração. O Senhor está, de

fato, pronto e desejoso de libertar seu povo e cumprir suas promessas, mas,

antes que isso possa acontecer, os judeus devem enfrentar seus pecados.

Esta seção exibe uma estrutura em painéis, em que a segunda metade

espelha a seqüência temática da primeira metade:

Parte primeira (42.13-43.13)

A. O Senhor anuncia a libertação iminente de Israel (42.13-17)

B. O Senhor confronta Israel sobre a questão do pecado

(42.18-25)

C. O Senhor encoraja Israel a não temer (43.1-7)

D. O Senhor afirma sua superioridade sobre os ídolos (43.8-13)

Parte segunda (43.14-44.20)

A'. O Senhor anuncia a libertação iminente de Israel (43.14-21)

B'. O Senhor confronta Israel sobre a questão do pecado (43.22-28)

C'. O Senhor encoraja Israel a não temer (44.1-5)

D'. O Senhor afirma sua superioridade sobre os ídolos (44.6-20)

Epílogo (44.21-23)


Isaías 11111

O ataque do guerreiro divino (42.13-17)

O profeta retrata o Senhor como um guerreiro poderoso em marcha para

a batalha. Ele lançará seu grito de guerra e revelará seu poder (v. 13). Ouvimos

o Senhor falar. Ele reconhece que “esteve em silêncio” enquanto seu

povo sofria a humilhação da derrota e do exílio. Mas ele não pode mais

se conter: como uma mulher no parto, gritará, ofegante e esbaforido, em

seu esforço para lançar um ataque contra seus inimigos (v. 14). O Senhor

aniquilará toda oposição. Ele compara os efeitos destruidores de seu ataque

a uma sega generalizada, que faz com que as árvores nas montanhas murchem

e os rios e lagos sequem (v. 15). Depois de libertar seus prisioneiros

cegos (v. 7), ele vai liderá-los de volta ao lar, iluminando o caminho diante

deles e removendo os obstáculos de seu caminho (v. 16). As nações hostis,

que confiam em ídolos, serão humilhadas (v. 17; veja 41.5-7).

Os efeitos cegantes do pecado (42.18-25)

O Senhor agora usa a metáfora da cegueira e dá uma virada irônica. No

contexto anterior (v. 7,16), a cegueira foi associada com o aprisionamento

dos exilados e mostrava sua condição de aflição. Mas aqui o Senhor se dirige

aos exilados como cegos e surdos quando os confronta com seu embotamento

espiritual (v. 18-20). Ele escolheu Israel como seu servo e mensageiro. Deu a

seu povo a lei mosaica e esperou que ele a obedecesse. A lei pretendia regular

a sociedade israelita de uma forma que as nações vizinhas se impressionassem

com a sabedoria de Israel (v. 21; veja Dt 4.5-8). Com a lei de Deus como

modelo e com a atração de outros povos para o Deus único e verdadeiro,

Israel seria “mensageiro” para as nações. Mas Israel estava espiritualmente

surdo e cego (Is 6.9-10). Embora os cidadãos testemunhassem a autorrevelação

de Deus por meio de seus feitos poderosos e da lei, eles se rebelaram contra

o Senhor (v. 23-24), forçando-o a emitir seu juízo inescapável e destrutivo

sobre eles (v. 22-25). Mesmo assim, eles deixaram de reagir adequadamente

à disciplina de Deus (v. 25b). Em vez de perceberem que seu pecado era a

razão principal de estarem no exílio, reclamaram que Deus os tinha esquecido

(40.27), como se ele fosse responsável por sua condição.

O redentor e protetor de Israel (43.1-7)

Apesar de seus fracassos anteriores, o Senhor urge seu povo a não temer

e lhe assegura que vai resgatá-lo do exílio. Falando como criador de Israel

e rei soberano (v. 1-3), o Senhor promete que vai protegê-lo de todas as

forças que ameaçam destruí-lo (v. 2). Usando duas metáforas, ele promete

estar com seu povo quando passar por correntes perigosas e quando andar

pelas chamas ardentes. A primeira dessas metáforas rememora a tradição do

êxodo, enquanto a segunda, ironicamente, reverte as imagens da previsão


1112 | Introdução aos profetas

anterior. Em 42.5, chama ardente significa o juízo de Deus sobre Israel, mas

agora ele promete que esse fogo não vai machucá-los.

O Senhor afirma seu amor especial por Israel (v. 4). Ele criou Israel para

sua glória (v. 7) e não abandonará seu propósito. Vai restaurá-lo das terras distantes

para onde foi disperso (v. 5-6), mesmo que isso signifique que outras

nações tenham de sofrer (v. 3). Novamente utilizando linguagem metafórica,

o Senhor explica que vai oferecer Egito, Cuxe e Sebá (todas as regiões da

África habitadas pelos descendentes de Cam; veja Gn 10.6-7) como pagamento

de resgate pela libertação de Israel. O Senhor soberano, é claro, não

precisa “subornar” ninguém para salvar seu povo, mas sua metáfora do preço

de um resgate destaca a importância de Israel aos seus olhos. A realidade por

trás das imagens é a conquista persa do Egito. Ao elevar Ciro como conquistador

e permitir que os persas estabelecessem um império, Deus condenou

esses povos estrangeiros a serem súditos dos persas. Mas também tomou possível

que seu próprio povo retomasse do exílio por decreto de Ciro.

Testemunhas cegas e surdas (43.8-13)

Quando o Senhor promete libertar Israel do exílio, também dá à nação

uma tarefa importante a ser executada. Diante das nações reunidas, ele

espera que elas testemunhem sua grandeza e sua superioridade sobre os

deuses das nações (v. 8-10). Ninguém entre as nações previu a ascensão de

Ciro, nem anunciou a iminente libertação de Israel (v. 9). Somente o Senhor

proclamara essas coisas, porque somente ele é digno do título “Deus” e é

soberano da História. Por essa razão, somente ele pode salvar seu povo

(v. 11-12). Quando ele decide agir, ninguém é capaz de impedi-lo de realizar

o que tinha decretado (v. 13).

Libertação da Babilônia (43.14-21)

Falando como criador, rei e salvador de Israel, o Senhor afirma que vai

derrotar a Babilônia e liberar seu filho da escravidão (v. 14-15). O êxodo foi o

momento definidor da história de Israel. Deus milagrosamente dividiu o mar e

permitiu que Israel escapasse dos egípcios que o perseguiam (v. 16). Quando

os egípcios o seguiram no mar, o Senhor aniquilou os soldados e as carruagens

(v. 17). Entretanto, a libertação iminente dos exilados, aqui chamada de “coisa

nova” (v. 19), vai ofuscar qualquer coisa feita por Deus no passado (v. 18). O

Senhor vai liderar seu povo de volta ao lar, protegendo-o de animais perigosos

e provendo suas necessidades ao longo do caminho (v. 19-21).

Frente a frente com um passado terrível (43.22-28)

Antes de desenvolver essa visão da libertação futura (44.1-5), o Senhor

mais uma vez levanta a questão do passado pecador de Israel (42.18-25).


Isaías 1113 1

Embora o Senhor o tenha criado para adorá-lo (43.21), Israel o rejeitou

(v. 22). Nesse ponto, os exilados provavelmente teriam obstado, apontando

que Israel sempre tinha oferecido sacrifícios em abundância ao

Senhor. No entanto, na perspectiva do Senhor, esse ritual era inaceitável,

porque os que ofereciam os sacrifícios eram grandes pecadores. Para fazer

valer seu argumento, o Senhor, de fato, nega que Israel tenha trazido ofertas

(v. 23-24). Superficialmente, esses versículos parecem condenar Israel

por não trazer sacrifícios adequados, mas essa acusação é problemática e,

aparentemente, injusta. O Senhor não pode estar se referindo ao comportamento

da nação no exílio, porque rituais de sacrifício eram impossíveis

nessas condições e o Senhor nâo esperaria que eles acontecessem. Se esses

versículos se referem à conduta da nação antes do exílio, eles parecem

contradizer outras passagens, que mostram Israel trazendo sacrifícios em

excesso antes do exílio (veja, por exemplo, Is 1.11-14; Jr 6.20; Am 4.4-5;

5.21-23). Mais do que uma condenação à falha de Israel em trazer sacrifícios,

esses versículos devem ser considerados um argumento altamente

retórico da inutilidade do sacrifício ritual de Israel. Como observado anteriormente,

Israel pode ter trazido sacrifícios, mas não para o Senhor, pois

ele não os aceitava, nem mesmo os queria.179

O Senhor estava pronto para perdoar o pecado de Israel (v. 25), mas

Israel precisa, primeiro, assumir seu passado de pecado e deixar de se

declarar inocente (v. 26). O pai da nação, Jacó, era um pecador e uma série

inteira de líderes nacionais desde esse tempo tinha se rebelado contra o

Senhor (v. 27).180 Essa rebeldia forçou o Senhor a tomar medidas drásticas

e a trazer severo juízo sobre a nação.181

Uma terra sedenta é saciada (44.1-5)

O Senhor mais uma vez garante ao seu povo escolhido o seu socorro.

Comparando a nação no exílio a uma terra ressequida, o Senhor promete

que vai enviar suas bênçãos como chuva e renovará Israel (v. 3). Os

115 Para uma discussão mais completa, veja North, Second Isaiah, 127, e Whybray, R. Isaiah 40-66,

NCB (Grand Rapids: Eerdmans, 1975), 91.

180 A identidade do “primeiro pai” tem sido debatida. A expressão pode referir-se a Abraão (51.2), mas

Isaías não se refere a ele de forma negativa em nenhum outro ponto (29.22; 41.8; 63.16). Um candidato

mais provável é Jacó, também citado o “pai” da nação em outros pontos do livro (58.14; 63.16). Jacó

era o pai das doze tribos que constituíam Israel, e sua luta com Deus prenunciava a rebelião de seus

descendentes (Os 12.2-4).

181A NIV traduz o versículo 28 com o futuro do indicativo, mas, nesse contexto, o juízo já ocorreu. As

formas verbais pré-fixadas com a forma não consecutiva, ou pré-fixada, da conjunção, são normalmente

consideradas imperfeito do indicativo ou coortativo, respectivamente. Entretanto, as formas são mais

bem entendidas como pretérito e mais bem traduzidas pelo pretérito perfeito. Alguns querem corrigir

as conjunções pré-fixadas em ambas as formas para a forma consecutiva, mas isso é desnecessário. Na

poesia, o pretérito pode aparecer com a conjunção vav ou mesmo sem vav.


1114 | Introdução aos profetas

descendentes da comunidade exílica florescerão como árvores que crescem

junto a uma corrente (v. 4) e declararão sua lealdade ao Senhor (v. 5).

No versículo 2 (NVI), o Senhor se dirige a Israel como “Jesurum”, que

quer dizer “o justo”. Esse título só aparece aqui e em Deuteronômio 32-33.

Em Deuteronômio 32.15, Jesurum (o mesmo que Israel) se toma próspero

pelas bênçãos do Senhor (v. 13-14), mas então se rebela contra seu Senhor,

voltando-se para outros deuses (v. 16-18). Em Deuteronômio 33, o Senhor,

como rei de Jesurum (v. 5), fiscaliza as bênçãos das tribos, que concluem a

afirmação de que “não há outro, ó Jesurum, semelhante a Deus” (v. 26), que,

como socorro de Israel, abençoa a nação em seus esforços agrícolas e militares

(v. 27-29). A aparição do título Jesurum em Isaías 44.3 é apropriada

porque o contexto lida com os mesmos temas associados com o título em

Deuteronômio 32-33, isto é, a presença do socorro de Deus (Is 44.2b; Dt

33.26), a futilidade da idolatria (Is 44.6-20; Dt 32.15-21) e as bênçãos do

Senhor (Is 44.3-5; Dt 32.13-15; 33.26-29).

A sátira aos deuses (44.6-20)

Mais uma vez o Senhor afirma que ele é o Deus único e verdadeiro e

desafia qualquer um a apresentar prova do contrário (v. 6-7). Ele urge Israel

a testemunhar sua incomparabilidade e declara que ele é o único protetor

confiável da nação (v. 8).

Os títulos “Deus” e “Rocha”, no paralelismo poético do versículo 8b,

como Jesurum no versículo 3, ecoam Deuteronômio 32, em que são usados

para o Senhor como o Deus que gerou Israel (v. 15, 18) e governa

como o rei fiel da nação (v. 4, 15). Deuteronômio mostra Israel, rebelde,

voltando-se para deuses falsos (v. 15,17-18), ocasionando a explosão da

ira de Deus (v. 30). No entanto, o Senhor promete vingar seu povo destruindo

seus inimigos, cujos deuses são incapazes de defendê-los (v. 31,37).

O Senhor prova ser o único Deus capaz e protetor confiável (“Rocha”). No

esquema cronológico de Deuteronômio 32, a geração a quem o Senhor se

dirige está entre o juízo e a libertação. Eles já conheceram o juízo ameaçado

em Deuteronômio 32. Entretanto, ao se dirigir a eles com “Jesurum” e

identificar-se como a “Rocha”, em um contexto de reafirmação e promessa,

o Senhor convida Israel no exílio a voltar sua atenção para as promessas de

Deuteronômio 32.34-43.

Com um sarcasmo cortante, o Senhor satiriza os deuses pagãos e seus

adoradores. Aqueles que confiam em ídolos certamente serão decepcionados

e humilhados, pois os chamados deuses são produto de mãos humanas

(v. 9-11).

Duas ligações verbais entre os versículos 9-11 e os versículos 1-8 destacam

o contraste entre o Senhor e os deuses pagãos. Primeiramente, o Senhor


Isaías 1115 |

“formou” (em hebraico, yatsar) seu povo Israel (v. 2); aqueles “que fazem”

(yatsar, de novo) ídolos (v. 9) e aquele que “dá forma” {yatsar) a um deus

produzem deuses pagãos. A questão é clara - o Senhor é o criador, mas os

deuses pagãos são criados. Em segundo lugar, Israel não precisa temer (v.

8, em hebraico, pakhad), mas os adoradores de ídolos estão aterrorizados

diante de seus inimigos (veja “terror”, no v. 11, em hebraico, pakhad). A

questão é clara: o Senhor deixa seu povo seguro, mas os deuses pagãos são

incapazes de socorrer seus devotos.

O Senhor conclui essas questões concentrando-se no caráter dos ídolos

feitos pelos homens. Ferreiros e carpinteiros trabalham pesado para criar

um ídolo, que é feito à imagem do homem e confinado em um santuário,

onde ele fica e não faz nada (v. 12-13). O esforço rouba os trabalhadores

de sua força, mas, aparentemente, eles nunca param de juntar os pontos. Se

os criadores são tão suscetíveis à fadiga e à fraqueza, como deve ser inadequada

e fraca a força do deus-ídolo! Como forma de contraste, o Senhor

dá poder a seu povo enfraquecido com força sobrenatural (40.29-31). Os

ídolos ficam em pequenos santuários, mas o Senhor se assenta no horizonte

da terra e governa todos os assuntos dos homens (40.22-23).

A zombaria dos ídolos artesanais continua nos versículos 14-20. O ídolo

é feito de madeira retirada de uma árvore plantada pelo homem (v. 14). Um

homem usa metade da madeira para fazer uma fogueira para se aquecer e

cozinhar sua comida. Então transforma a outra metade da madeira em uma

imagem à qual ele oferece adoração e apela por auxílio (v. 15-17). Adoradores

de ídolos são cegos ao absurdo de fazer tudo isso (v. 18). Seus olhos

estão cobertos, e eles nunca param de pensar que o deus-ídolo que adoram é

feito da mesma substância que a madeira que queima na fogueira (v. 19-20).

Um convite à resposta (44.21-23)

O Senhor conclui a longa exposição desta seção com um convite ao seu

povo. Ele o conclama a considerar cuidadosamente tudo que disse dele e

lhe garante que o perdão está disponível (v. 21-22a). Na verdade, o Senhor

declara que já o perdoou e removeu seus pecados, que ele compara a uma

nuvem no céu, que pode ser vista em um instante e então, rapidamente,

desaparece (Jó 7.9; 30.15; Os 6.4; 13.3). Tudo que Israel tem a fazer é se

apropriar dessa oferta pelo arrependimento (v. 22b). Uma vez que a chamada

à renovação da aliança de Isaías 55.7 vê o perdão como conseqüência

do arrependimento, é provável que o Senhor esteja utilizando uma hipérbole

aqui em 44.22. Ao falar de seus pecados como tendo sido perdoados

antes do arrependimento, ele realça sua vontade de restaurar Israel. Desse

ponto de vista, o arrependimento é a única condição restante para a reconciliação.

Em resposta ao convite de Deus, o profeta conclama os céus e a


116 I Introdução aos profetas

terra, assim como as montanhas e florestas personificadas, a louvarem ao

Senhor e reconhecerem sua bondade para com Israel (v. 23).

Ciro, o ungido de Deus (44.24-45.8)

Depois de descrever as vitórias de um conquistador poderoso que vem

do leste/norte (41.2-3,25), o Senhor agora identifica esse rei pelo nome e

garante seu sucesso. Como soberano criador do mundo (v. 24), o Senhor

controla a I listória. Ele ordena, por meio de seus mensageiros proféticos,

um dos quais era Isaías, que Jerusalém e as cidades de Judá sejam reconstruídas

(v. 26). Seu instrumento para conseguir isso será Ciro, chamado

aqui de “pastor” de Deus, porque suas conquistas e ordens beneficiarão o

povo de Deus (v. 28). É claro que haverá oposição, mas, assim como tinha

secado o mar Vermelho nos dias de Moisés, o Senhor também removeria

todos os obstáculos que ficassem no caminho (v. 27).

Os profetas e adivinhadores babilônios tentarão frustrar os propósitos

de Deus (v. 25). A adivinhação era indispensável na religião e na sociedade

mesopotâmica. Pela observação de fenômenos aleatórios, pelo exame de

órgãos internos de animais e por meio de observações astrológicas, os adivinhadores

babilônios acreditavam que podiam identificar a vontade dos

deuses e controlar o futuro. Catalogavam presságios e inventavam contrapresságios

para evitar as desgraças.182 Quando Ciro marcha para a Babilônia,

os profetas e adivinhadores tentam evitar a derrota, mas sem nenhum

sucesso, pois o Senhor escolheu o rei persa para essa tarefa especial e dará

a ele o poder (45.1). Ele chega a se referir a Ciro como seu “ungido”, um

título normalmente reservado a um sacerdote ou rei israelita,183 e anuncia

que vai segurar a mão direita de Ciro, garantindo o sucesso do persa.

Falando diretamente a Ciro, o Senhor promete que irá à frente do

rei e removerá todos os obstáculos (v. 2). Como recompensa por seu

serviço, o Senhor dará a Ciro as riquezas dos adversários derrotados (v.

3a). Embora o rei pagão Ciro não reconheça no momento o Senhor como

o Deus único e verdadeiro, ele virá a reconhecer o poder soberano do

Deus de Israel (v. 3b-6).184 O propósito final do Senhor nisso é libertar

seu povo e revelar sua grandeza para Ciro e para as nações. Por meio

do controle de eventos históricos, o Senhor demonstrará que é soberano

182 Para um estudo útil da adivinhação mesopotâmica, veja Wilson, Prophecy and Society in Ancient

Israel, 90-110, e também Oppenheim, A. Leo, Ancient Mesopotamia, ed. rev. (Chicago: University of

Chicago Press, 1977), 206-27.

183 O título é mais frequentemente utilizado para Davi ou um de seus descendentes reais.

184 Embora a evidência sugira que Ciro permaneceu politeísta (veja o Cilindro de Ciro, em que ele

louva Marduk e os deuses babilônios), a Bíblia indica que ele reconheceu o papel do Deus de Israel

em seu sucesso (2Cr 36.22-23; Ed 1.2-4). Para uma discussão mais completa, veja meus comentários

anteriores sobre Isaías 41.25.


Isaías 1117 |

sobre seu mundo. De acordo com vontade decretada, ele cria a “luz”,

aqui, símbolo de vida e prosperidade, e “trevas”, símbolo de morte e

desastre (v. 7). Ele pode fazer parar guerras e reinar a paz (como estava

prestes a fazer para seu povo exilado, por meio de Ciro) ou pode trazer

a calamidade e o juízo sobre as nações (como estava prestes a fazer com a

Babilônia por intermédio de Ciro).185

Para enfatizar seu comprometimento com a restauração de seu povo,

o Senhor mais uma vez utiliza a metáfora da água (v. 8). Em estilo dramático,

ele ordena que as nuvens no céu mandem suas chuvas e façam

com que as plantas brotem da terra. A chuva simboliza a libertação, e

o crescimento da vegetação* mostra a vitalidade renovada do povo de

Deus restaurado.

Para muitos, a referência a Ciro nesses versículos é um sinal revelador

de que esta seção da profecia tem origem no século 6a a.C., durante o reinado

do rei persa. Alguns rejeitam a ideia de uma profecia preditiva completa.

Para esses céticos, apontamos que o soberano criador, que fala com

tamanha eloqüência de sua grandiosidade nesta passagem, é certamente

capaz de fazer previsões e de determinar o futuro. De fato, sua capacidade

de fazer isso é um dos temas centrais desta seção de Isaías. Outros,

embora concordem que a Bíblia contém profecias com previsões, apontam

que essas profecias não incluem os nomes de indivíduos no futuro. Para

esses críticos, a pergunta não é “será que Deus pode prever o nome de um

indivíduo décadas antes de ele nascer?”, mas “será que Deus, ao prever

eventos futuros, dá realmente esses detalhes tão específicos?” Os defensores

da autoria de Isaías frequentemente apontam que o nome do rei Josias

foi profetizado mais de trezentos anos antes de ele nascer (lRs 13.2). Não

obstante, esse tipo de especificidade é limitado a esses dois textos. Por essa

razão, alguns, conquanto vejam as duas profecias como previsões genuínas

que foram cumpridas, preferem considerar os nomes próprios nas duas profecias

como um acréscimo posterior feito pelos escribas, de forma a ligar o

cumprimento histórico com a profecia.186

185 O versículo 7 não deve ser entendido como uma lição de pancausalidade divina. Como observado

por Fredrik Lindstrõm, “as frases positivas aqui têm a ver com a intervenção salvadora de Javé em

nome de seu povo, enquanto as frases negativas referem-se à destruição do poder babilônico. Assim, a

atividade atribuída a Javé nesta passagem tem a ver exclusivamente com a libertação iminente de Israel

de seu cativeiro babilônico”. Veja His God and the Origin o f Evil (Lund: C WK Gleerup, 1983), 236.

'A ARA não fala de plantas, mas do brotamento da justiça e da salvação (N. do T.).

186 Harrison, R. K., por exemplo, prefere “considerar as referências a Ciro em Isaías 44.28 e 45.1

como um polimento explanatório colocado sobre o texto original por um copista pós-exílico”. Ele

acrescenta que “parece mais provável que elas sejam adições dos escribas inseridas para explicar o

que se pensava ser o real significado da profecia”. Veja sua Introduction to the Old Testament (Grand

Rapids: Eerdmans, 1969), 794. Estranhamente, no entanto, Harrison entende a inclusão do nome de

Josias em IReis 13.2 como uma previsão genuína (p. 754, 757).


118 1 Introdução aos profetas

Um alerta aos céticos (45.9-19)

Os adivinhadores babilônios não foram os únicos a se opor ao Senhor.

Aparentemente, alguns dos exilados duvidavam de sua sabedoria (v. 9-11)

e reclamavam que ele era um Deus misterioso (v. 15). Ao comparar essas

críticas a uma peça insignificante de barro, o Senhor argumenta que era

absurdo e arrogante aquilo que é criado questionar a obra do criador. Isso

é especialmente verdadeiro quando o criador é o Deus soberano que fez

o mundo com um plano distinto em mente (v. 12,18). O Senhor sabe o

que está fazendo. Ele vai elevar Ciro, que vai libertar seu povo do exílio e

restaurá-lo à sua cidade (v. 13). Estrangeiros se tomarão súditos de Israel e

serão forçados a reconhecer a incomparabilidade do Senhor, pagando seu

tributo (v. 14). Os adoradores de ídolos serão humilhados, mas Israel será

justificado e nunca mais submetido à vergonha (v. 16-17). Em oposição à

opinião de alguns, o Senhor não é um Deus misterioso, mas um deus que

revela seus propósitos e se prova digno da lealdade de seu povo (v. 19).

Um apelo às nações (45.20-25)

Mais uma vez, o Senhor enfrenta as nações pagãs idólatras. Ele destaca

a futilidade da adoração a deuses falsos (v. 20) e desafia as nações a

considerarem os fatos. Somente o Senhor controla a História (v. 21). Ele,

então, apela às nações que se voltem para ele em fé e aceitem a salvação

que ele oferece (v. 22). Faz sentido responder positivamente a essa oferta,

pois está chegando um dia quando todos serão forçados a dobrar os joelhos

e reconhecer a soberania do Senhor (v. 23). Nesse dia, os inimigos de

Deus serão humilhados, enquanto Israel será justificado (v. 24-25).

A derrota da Babilônia é a oportunidade de Israel (46.1-48-22)

Estes capítulos exibem a seguinte estmtura:

A Zombaria dos deuses babilônicos (46.1 -2)

B Apelo a Israel (46.3-13)

A' Zombaria da Babilônia (47.1-15)

B' Apelo a Israel (48.1-22)

Deuses abandonados (46.1-2)

O Senhor começa satirizando os deuses babilônios Bel e Nebo. “Bel”,

que significa “senhor”, era um título dado a Merodaque, a principal divindade

da Babilônia. Nebo (ou Nabu) era filho de Merodaque e a divindade

principal de Borsipa. Ele era intimamente associado às artes escribas e visto

como um deus de sabedoria.187 As imagens desses deuses serão levadas

187 Veja 'Rmggcen,Hélme'cReligionsoftheAncientNearEast,trad. SturdyJ. (Filadélfia: Westminster, 1973), 67.


Isaías 1119 |

para o exílio no final da queda da Babilônia. Os ídolos são tão pesados que

sobrecarregam e exaurem os pobres animais escolhidos para levá-los. A

questão é clara: esses chamados deuses não podem resgatar seus adoradores

ou mesmo evitar sua captura. Consequentemente, eles não vão ser temidos

e não são, com certeza, dignos de adoração.

O Deus incomparável de Israel (46.3-13)

Em contraste com os deuses feitos pelos homens, inativos, que são levados

daqui para ali sobre animais (v. 1-2) ou levados nos ombros de seus adoradores

(v. 6-7), o Deus de Israel carregou seu povo desde o começo de sua

história e promete sustentá-lo no futuro (v. 3-5). Ele desafia seu povo rebelde

exilado a considerar os fatos com cuidado (v. 8). Ele demonstrou sua incomparabilidade

no passado e revelará sua grandeza novamente nos dias a seguir.

Ele realizará seus propósitos por meio de Ciro, que é chamado aqui de “ave

de rapina” do oriente (v. 9-11). Embora Israel seja teimoso e desobediente, o

Senhor abrirá a porta de um futuro novo e excitante (v. 12-13).

A humilhação da rainha Babilônia (47.1-15)

O Senhor mais uma vez zomba da Babilônia. Ele retrata a cidade como

sendo uma rainha orgulhosa e perversa que está certa de que está a salvo de

qualquer perigo (v. 7-8,10). No entanto, o desastre chegará repentinamente.

Todas as suas tentativas de repelir a destruição por meio de adivinhadores,

videntes e encantamentos falharão (v. 9,11-13). Os adivinhadores e astrólogos

ficarão desamparados diante do juízo impetuoso do Senhor (v. 14-15)

e a Babilônia será humilhada. O Senhor usa uma metáfora vivida para ilustrar

a derrota da Babilônia (v. 1-5). A mimada e delicada rainha será forçada

a descer de seu trono e sentar-se em prantos na lama. Ela será reduzida a

trabalho escravo excruciante e levada para o exílio. Quando cruzar os riachos

a pé, será forçada a tirar sua saia e expor suas partes íntimas para que

todos vejam. O castigo, embora severo, é adequado, porque o Senhor tem

de retribuir à Babilônia os maus-tratos que ela deu ao seu povo (observem

“tomarei vingança”, v. 3). O Senhor usou os babilônios como seu instrumento

de disciplina, mas eles não tiveram misericórdia e até aos idosos

deram trabalhos forçados (v. 6).

Israel deve prestar atenção (48.1-22)

O Senhor novamente se dirige ao seu povo exilado e o conclama a prestar

atenção ao que ele estava para dizer (v. 1-2). Ele começa com uma aula

de História (v. 3-6a). No passado de Israel, o Senhor anunciou eventos antes

que acontecessem e garantiu sua realização. O Senhor fez assim porque

sabia como Israel era teimoso e idólatra. Ele tinha de deixar claro que quem

controla o destino de seu povo é ele, e não os deuses pagãos.


] 120 ( Introdução aos profetas

Pela mesma razão ele agora anuncia “coisas novas” antes que aconteçam

(v. 6b-7). Por causa da rebeldia de Israel (v. 8), o Senhor foi obrigado

a discipliná-lo severamente (v. 10). Entretanto, ele não poderia destruí-lo

totalmente, porque isso faria com que alguns questionassem sua reputação

de Deus fiel (v. 9). Em nome de sua própria honra, o Senhor teve de intervir

(v. 11). Falando como Senhor soberano da História e criador do mundo (v.

12-13), o Senhor afirma que ele, e não um dos deuses-ídolos, anunciou o

surgimento de Ciro, que levará adiante o propósito do Senhor, atacando a

Babilônia (v. 14-16a). O próprio Ciro se mostra de acordo com isso, quando

declara que o Senhor o incumbiu e, de forma sobrenatural, deu-lhe o seu

Espírito (v. 16b). A identidade de quem fala no versículo 16b não é revelada.

Alguns identificam quem fala como o profeta ou como o servo especial

do Senhor (observe a referência ao Espírito do Senhor e compare isso

com 42.1 e 61.1). No entanto, o versículo 14 sugere que quem fala aqui é

Ciro, “a quem Deus amou”, mostrado como o conquistador da Babilônia.

O tom aqui fica mais positivo, quando o Senhor, falando como redentor

e rei soberano de Israel, identifica-se como mestre e guia moral de seu povo

(v. 17). O Senhor sempre quis abençoar Israel com segurança e vasta descendência,

mas a rebeldia de Israel em pecado evitou que isso acontecesse

(v. 18-19). Chegou a hora de realizar o ideal de Deus. O Senhor conclama

os exilados a deixar a Babilônia (v. 20) e a celebrar a libertação e a providência

de Deus (v. 21), descritas com imagens que ecoam a tradição do

êxodo (Êx 17.6; Nm 20.11). Esse discurso termina com um aviso sóbrio de

que os ímpios não conhecerão a paz prometida por Deus (v. 22).

Um servo justificado e uma cidade restaurada (49.1-54-17)

Nos capítulos 49-54, a atenção oscila entre o servo especial de Deus

(49.1-13; 50.4-9; 52.13-53.12) e a restauração e renovação de Sião (49.14-

50.3; 50.10-52.12; 54.1-17). Apesar da oposição e do sofrimento, o servo

persiste em sua missão de liderar Israel em pecado de volta a Deus. Isso

prepara o caminho para a restauração de Jerusalém e a renovação da relação

de aliança de Deus com seu povo (cap. 55).

O servo leva Israel de volta ao lar (49.1-13)

Ciro agora desaparece de cena, e o servo especial do Senhor, apresentado

na primeira das chamadas canções do servo (42.1-9), assume o centro

do palco. A segunda canção do servo começa com ele se dirigindo às nações

distantes (v. Ia). Isso é adequado porque a tarefa do servo é estender o trabalho

de salvação de Deus aos confins da terra (v. 6; 42.6).

O servo descreve sua relação especial com Deus. Mesmo antes do

nascimento do servo, o Senhor o escolheu e o equipou para uma tarefa


Isaías 11211

especial (v. lb-2). A boca do servo (as palavras que fala) é comparada

a uma espada afiada. Isso pode sugerir que suas palavras terão o poder

de destruir, mas, no contexto das canções do servo, que não o retratam

como um herói conquistador, as imagens provavelmente querem dizer

simplesmente que ele será um porta-voz eficaz de Deus (50.40). Deus

mantém sua mão em sua “espada”, de forma que possa desembainhá-la

e usá-la na hora apropriada. O próprio servo é comparado a uma flecha

afiada colocada na aljava, reservada para a hora oportuna. Mais uma vez,

a imagem de uma flecha pode sugerir uma missão violenta, mas é mais

provável que a eficácia do servo ao realizar o propósito de Deus seja a

questão principal aqui.

O servo, a seguir, lembra a incumbência que recebeu de Deus (v. 3).

O Senhor se dirige ao seu servo como “Israel” (v. 3), sugerindo que está

falando da nação Israel. Ainda assim, o assunto não é simples assim. Esse

servo “Israel” foi incumbido de libertar Israel do exílio (v. 5-6), mediar uma

nova aliança para a nação (v. 8) e liderar o povo de Deus de volta à sua terra

natal (v. 9-13). Como anteriormente observamos, parece claro que o servo,

embora chamado “Israel”, de alguma maneira também é distinto do Israel

no exílio. O servo é aparentemente um Israel “ideal”, que está intimamente

ligado à nação em pecado, conquanto distinto dela. Pode-se chamá-lo de

“Israel” porque incorpora o ideal de Deus para seu povo. Vai restaurar a

nação exilada de volta para casa e cumprir o papel de mensageiro de Deus

junto às nações. Deus sempre pretendeu que Israel fosse um modelo para as

nações, obedecendo suas leis e demonstrando ao mundo como é uma sociedade

justa (Dt 4.5-8; Is 42.21). Dessa forma, Deus seria glorificado. Israel

fracassou em sua missão, mas o servo terá sucesso (v. 6).

Ainda assim, o caminho do sucesso não é suave. O servo confessa

alguma desmotivação porque temia que seu trabalho fosse em vão (v. 4a).

Esse tema foi desenvolvido mais plenamente na terceira e, especialmente,

na quarta canção do servo, em que descobrimos que a oposição e o sofrimento

são os catalisadores dessa preocupação. Entretanto, apesar da aparente

falta de resultados positivos, o servo permanece confiante de que o

Senhor vai recompensá-lo ao final por seus esforços (v. 4b).

O servo, em seguida, informa seu público sobre a incumbência que recebeu

do Senhor, renovada e estendida (v. 5-6). A tarefa inicial do servo era

restaurar uma relação adequada de Israel com Deus, mas sua missão agora

incluirá bem mais do que isso. Ele também será “luz para os gentios”. Como

anteriormente observado, “luz”, aqui, simboliza a libertação da escravidão

e da opressão (42.6-7; 51.4-6). Quando essa tarefa for realizada, o servo,

embora desprezado antigamente e subserviente a dominadores, será justificado

por Deus (v. 7; 52.13-15).


1122 | Introdução aos profetas

O ministério do servo a Israel agora recebe atenção especial. Com o

Espírito de Deus, o servo vai mediar uma nova aliança entre Deus e Israel

e liderar o povo de Deus de volta à sua terra (v. 8). Depois de libertá-lo da

prisão, ele vai guiá-lo de volta ao lar (v. 9). Ao longo do caminho, Deus vai

fornecer água e comida e remover todos os obstáculos (v. 10-11). O povo de

Deus no exílio vai voltar de todas as direções, levando todos os observadores

a celebrar a misericórdia de Deus por seu povo (v. 12-13). Quando se lê

esse retrato do servo, não se pode evitar pensar em Moisés. Como o Moisés

antigo, o servo é o instrumento de Deus para a libertação de seu povo da

escravidão, para mediar uma aliança com ele (veja Êx 34.27 a esse respeito)

e para guiá-lo de volta para casa.188

O retorno dos filhos de Sião (49.14-50.3)

A cena, agora, muda dos exilados voltando ao lar para a cidade desolada

de Jerusalém. Mostrada como uma mulher abandonada pelo marido, Sião

reclama que foi desamparada pelo Senhor (v. 14). Em resposta, o Senhor

argumenta que a reclamação de Sião é infundada. Sua ligação com Sião é

forte como o amor de uma mãe pelos filhos. Há um elo natural que une mãe

e filho, fazendo com que a mãe trate sua criança com compaixão (v. 15a).

Mas mesmo que as mães comecem a esquecer esse elo e a negligenciar seus

filhos, a devoção do Senhor a Sião permanece (v. 15b), porque a cidade está

sempre em seus pensamentos (v. 16).

A cena muda novamente para o regresso dos exilados. Quando chegam

ao país e começam a repovoar a cidade, os invasores hostis que destruíram

a cidade e devastaram a terra desaparecem (v. 17). Os exilados em retomo

se transformam em fonte de orgulho para Sião, como as joias de uma noiva

(v. 18). Esses “filhos nascidos durante a orfandade” de Sião serão tantos que

não caberão na terra (v. 19-20). Tudo isso domina completamente a. aturdida

Sião, que vai confessar que nem se recorda de ter gerado esses filhos (v. 21).

Mesmo as nações antes hostis entrarão no ato e transportarão os filhos de

Sião de volta ao lar (v. 22). Reis e rainhas cuidarão dos filhos de Sião e se

submeterão à autoridade de Sião (v. 23a). Sião reconhecerá que o Senhor faz

jus ao nome de Javé, que quer dizer “ele estará contigo” (Êx 3.12-15), e não

desaponta os que depositam nele sua confiança (v. 23b).189

188 Para um estudo detalhado do servo eomo um segundo Moisés, veja Hugenberger, G. P. “The

Servant of the Lord in the ‘Servant Songs’ of Isaiah: A Second Moses Figure”, em Satterthwaite; Hess;

Wenham, The Lord’s Anointed, 105-40.

189 O nome Javé é derivado de uma raiz original hwh or hwy (em hebraico, hyh), “ser”. Não é certo se

a forma é básica (tronco Qal/G) ou causativo (tronco Hiphil/H). A forma básica destacaria a existência

ou a presença de Deus, “ele é/estará”, enquanto a forma causativa teria foco em seu poder criador,

“ele faz [algo] acontecer, ele cria”. Êxodo 3.12-16 sugere que a primeira está correta. Quando Moisés

pergunta a Deus qual seu nome, o Senhor responde identificando-se como “Eu sou o que sou” (forma


Isaías 1123 |

Os exilados podiam achar esse anúncio da restauração de Sião difícil

de acreditar. Afinal, os conquistadores babilônios eram poderosos e não

renunciariam aos seus cativos sem lutar. Muito embora normalmente não

se faça pilhagem de um guerreiro vencedor (v. 24), o Senhor consegue fazer

exatamente isso. Ele vai levar da poderosa Babilônia, como pilhagem, seu

povo exilado de seus captores (v. 25) e aniquilar seus opressores (v. 26a).

Aqueles que testemunharem o banho de sangue reconhecerão que o Senhor

é, de fato, o libertador, protetor e poderoso rei de Israel (v. 26b).

O poder militar da Babilônia não era o verdadeiro problema. Os israelitas

estavam no exílio por causa de seus pecados, não por causa da superioridade

militar babilônia (50.1). O mesmo Deus que os mandou para o

exílio por causa de seus pecados era, certamente, capaz de libertá-los do

cativeiro. Ele controla as forças da natureza e com apenas uma palavra

pode secar o mar (v. 2-3).

Alguns acham a lógica do argumento no versículo 1 um pouco difícil

de seguir. Na superfície, as questões retóricas da primeira metade do versículo

parecem implicar que o Senhor não se divorciou de sua “esposa”, Sião,

nem vendeu seus filhos (os israelitas) à escravidão. Ainda assim, a segunda

metade do versículo indica que ele fez exatamente isso. Ele admite que vendeu

os israelitas à escravidão, mas foi por causa de seus pecados, não por

causa de qualquer débito que tivesse. Ele também admite que se divorciou

de Sião, mas isso também foi resultado dos pecados da nação. Então, a primeira

questão retórica, em vez de implicar que o divórcio ocorreu, pede a

averbação da certidão, para que o acusador possa ver a razão para o divórcio

em branco e preto. A segunda questão, mais do que implicar que não ocorreu

nenhuma venda, simplesmente deixa claro que o Senhor não os vendeu à

escravidão para pagar uma dívida, mas para puni-los por seus pecados.

O servo expressa sua confiança (50.4-9)

Como na segunda canção, a terceira canção do servo contém a confissão

de confiança do servo no Senhor. Essa canção, diferentemente das outras,

não identifica especificamente o servo, mas várias pistas sugerem que é

básica, primeira pessoa, v. 14), que, em seguida, ele converte para “Javé” (terceira pessoa, v. 15-16)

para facilitar a referência (é bem menos confuso referir-se a Deus como “ele é/será” do que chamá-lo

“Eu sou/serei”. Por outro lado, é muito mais natural para Deus referir-se a si mesmo como “Eu sou

o que sou” do que chamar-se de “Ele é o que é”). O contexto sugere que o nome indica a presença

capacitadora e salvadora com seu povo, não sua mera existência (v. 12,15-17). Eu parafrasearia as

palavras de Deus para Moisés nos versículos 14-15 assim: “Chame-me de eu sou o que sou, o sempre

presente auxílio, porque eu sou o que sou, em verdade, o sempre presente auxílio. Isso é o que você deve

dizer aos israelitas: ‘eu sou o que sou, o sempre presente auxílio, o Deus de seus antepassados, o Deus

de Abraão, o Deus de Isaque, o Deus de Jacó me enviou a vocês’. Esse será meu nome para sempre, pelo

qual serei lembrado de geração em geração.”


1124 | Introdução aos profetas

ele quem fala. Seu papel como porta-voz do Senhor (v. 4; veja 49.2), sua

disposição de aceitar o sofrimento (v. 6; veja 52.13-53.12), sua persistência

diante da oposição (v. 7; veja 42.4) e sua confiança de que o Senhor o justificaria

(v. 8-9; veja 49.4; 52.13-15; 53.10-12) são temas que aparecem nas

outras canções. Além disso, no versículo 10, o Senhor, como se respondesse

à confissão do servo, pergunta a Israel: “Quem há entre vós que tema ao

S e n h o r e que ouça a voz do seu servo?”

O servo começa sua confissão de confiança com a afirmação de que o

Senhor soberano lhe deu a capacidade de encorajar os cansados (v. 4a). Ele

segue as instruções diárias do Senhor e não se se retrai diante da oposição

(v. 4b-5). Ele se submete de livre vontade à violência física e a insultos

(v. 6) porque confia que o Senhor o justificará (v. 7-8a). Ele desafia seus

oponentes a confrontá-lo com suas acusações (v. 8b) porque ele sabe que

o Senhor é seu auxílio e que seus acusadores serão destruídos no devido

tempo, assim como uma roupa comida por traças (v. 9).

O retorno do Senhor a Sião (50.10-52.12)

Como para confirmar que a confiança do servo está bem depositada, o

Senhor fala.190 Primeiramente, ele se dirige a seus seguidores leais, identificados

como aqueles que o temem e obedecem as instruções do servo (v.

10a). Embora estejam vivendo na escuridão do exílio, esses indivíduos justos,

como o servo, precisam manter sua confiança no Senhor (v. 10b), pois

a justificação virá (51.1-8). O Senhor também se dirige aos malfeitores que

atacam seu servo de forma tão violenta. Ele os alerta que sua violência será

autodestrutiva e que serão objetos especiais da ira divina (v. 11).

Resumindo sua mensagem aos justos, o Senhor os estimula a lembrar

sua ascendência (51.1-2). Seus ancestrais Abraão e Sara não tinham filhos,

mas o Senhor interveio, dotou-os do potencial reprodutivo e lhes deu inúmeros

descendentes. Da mesma maneira, ele vai restaurar milagrosamente

a estéril e devastada Sião, transformando suas ruínas em um jardim como o

Éden e enchendo suas ruas e casas de alegria e música (v. 3). O Senhor vai

estender seu justo domínio às regiões remotas da terra e justificar seu povo,

enquanto os inimigos de Deus vão desaparecer (v. 4-8).

O profeta, falando pelo povo exilado, responde com uma prece para que

a promessa do Senhor seja realizada rapidamente.191 Dirigindo-se ao “braço

1.0 Como o Senhor é mencionado na terceira pessoa no versículo 10, poderíamos concluir que o servo

continua a falar aqui. Entretanto, o servo também é mencionado na terceira pessoa no versículo 10, e

o versículo 11b é visto mais naturalmente como uma declaração de Deus (veja especialmente “isso é

o que receberão da minha mão”). Além disso, os versículos imediatamente posteriores (51.1-8) são,

claramente, afirmações de Deus.

1.1 O orador nos versículos 9-11 não é claramente identificado, mas, uma vez que os versículos 1-8


Isaías 1125 1

do S e n h o r ” , que simboliza a força divina, ele pede ao Senhor para revelar o

poder que demonstrou quando libertou seu povo do Egito (v. 9-10). Naquela

ocasião, o Senhor secou as águas, permitindo que seu povo cruzasse o mar

rumo à segurança e à liberdade. Essa obra poderosa é apresentada como a

vitória sobre um monstro marinho, aqui chamado Raabe, que quer dizer “o

Orgulhoso”. Esse monstro marinho, também conhecido na Bíblia e no mito

ugarítico como Leviatã (Is 27.1), em outros textos simboliza as forças do

caos que buscam destruir a ordem criada (Jó 26.12; SI 89.10). Aqui o título

se refere mais especificamente às águas do mar Vermelho, mas a realidade

subjacente é que o exército egípcio que se opôs a Israel no mar Vermelho

(observe também Is 30.7 e o SI 87.4, em que o título é utilizado para o Egito).

Prevendo a resposta positiva do Senhor, a prece subitamente descreve como

os exilados entrarão em Jerusalém com cânticos de alegria (v. 11; 35.10). Eles

são chamados de “remidos do S e n h o r ” , porque vão conhecer a obra salvadora

do Senhor em um segundo êxodo, da Babilônia, da mesma forma que os

“remidos” (veja 10b) fizeram no primeiro êxodo, do Egito.

O Senhor dirige-se, então, à nação exilada. Falando como aquele que

encoraja seu povo (40.1; 49.13; 51.3), ele os repreende por seu temor (v.

12).192 Eles não têm razões para temer os mortais, porque o seu Deus é o

criador do mundo (v. 13) e plenamente capaz de libertá-los da escravidão

(v. 14).193

O Senhor continua a falar nos versículos 15-16, mas a identidade do

público não está totalmente clara.194 O público-alvo é o conjunto dos exilados

nos versículos imediatamente anteriores (note o tom especialmente crítico

dos v. 12-13), mas parece haver uma mudança aqui, quando o Senhor anuncia

que fez do público seu porta-voz e seu instrumento eficaz. O discurso é

remanescente das palavras do servo em 49.2 e 50.4. Talvez o Senhor, tendo

falado aos exilados nos versículos imediatamente precedentes (veja também

50.10-51.8), agora responda ao servo, que falou pouco antes disso (50.4-9).

A tradução correta do versículo 16 é discutida. A NIV considera que a

segunda metade do versículo se refere a Deus, mas o texto original não dá

e 12-15 são pronunciados ao povo exilado de Deus, é natural vê-lo respondendo a Deus nos versículos

9-11. Uma vez que os exilados são mencionados na terceira pessoa no versículo 11, é possível que, aqui,

o profeta fale como representante do remanescente justo dentro da comunidade exílica.

152 A segunda metade do versículo 12 parece ser dirigida à Sião personificada, pois o verbo e o

pronome na segunda pessoa estão no feminino singular no texto hebraico. O povo de Deus e a Sião

personificada estão intimamente conectados (veja o v. 16b, em que Sião é tratada como povo de Deus).

1.3 No versículo 13, as formas verbais na segunda pessoa estão no masculino singular, aparentemente

indicando que o destinatário da mensagem é a nação exilada como um todo.

1.4 Os versículos 15-16 devem ser considerados como uma unidade, pois há uma ruptura gramatical

entre os versículos 14-15 (o “pois” da NVI no início do v. 15 é interpretativo e confunde) e o versículo

16 está conectado gramaticalmente ao versículo 15.


1126 I Introdução aos profetas

suporte a isso. O texto hebraico diz: “Pus minhas palavras em tua boca e te

protejo com a sombra de minha mão para pôr os céus em seu lugar [literalmente,

“para plantar os céus”]195 e para estabelecer a terra e dizer a Sião:

‘tu és o meu povo’”. Os três infinitivos na segunda metade do versículo são

compreendidos mais naturalmente como uma indicação do propósito das

ações divinas descritas na primeira metade do versículo. O significado do

terceiro infinitivo é bastante claro: o Senhor incumbiu o servo de lembrar

Sião do compromisso de Deus com a cidade. Mas qual a relação dos dois

outros infinitivos com o ministério do servo? Eles parecem indicar que o

Senhor incumbiu o servo de criar o Universo. Talvez as imagens da criação

sejam empregadas metaforicamente aqui para fazer referência à transformação

que Jerusalém vai sofrer. Em Isaías 65.17-18, a renovação de Jerusalém

é vista como a criação de “novos céus e nova terra”.

A próxima mensagem é dirigida à Jerusalém personificada.196 A cidade

destroçada é comparada a uma mulher embriagada que bebeu do cálice da

ira do Senhor. Ela agora perambula, cambaleia e cai, em um atordoamento

bêbado (v. 17-19). Seus inimigos escarnecem dela e pisoteiam suas costas

(v. 23b), mas seus filhos não lhe podem ajudar, pois, como a mãe, foram

incapacitados pelo juízo de Deus (v. 20). Mas está por vir uma virada de

mesa. O protetor divino de Jerusalém tirará o cálice de sua mão e obrigará

seus inimigos a beberem dele (v. 21-23a).

Chegou a hora de Sião soltar suas correntes, levantar-se do pó e vestir-

-se de belas roupas, porque invasores estrangeiros nunca mais deflorarão a

cidade sagrada (52.1-2). O povo de Deus foi oprimido e humilhado, primeiramente,

no Egito, nos dias de Moisés, depois, pelos assírios, no tempo de

Isaías, e, finalmente, pelos babilônios (v. 3-4). A reputação de Deus chegou

a ser caluniada (v. 5), mas o Senhor está para mudar isso (v. 6). O Senhor

revelará seu poder a todas as nações quando libertar seu povo do exílio e

estabelecer seu mando soberano em Sião (v. 7-10). Chegou a hora de os

exilados abandonarem a Babilônia ritualmente impura e seguirem para casa

(v. 11). No entanto, em contraste com o primeiro êxodo, quando Israel saiu

às pressas do Egito (Êx 12.11; Dt 16.3), não há razão, aqui, para pressa

indevida ou maior preocupação, pois o Senhor estará à frente e também na

retaguarda de seu povo, isolando-o de qualquer perigo (v. 12).

195 Alguns preferem corrigir o texto para “estender” (veja o v. 13, e também 40.22; 42.5; 44.24;

45.12).

1,6 Uma vez que a tarefa do servo é encorajar a cidade (v. 16b), é possível que seja ele quem fala

neste ponto. Tendo sido comissionado como porta-voz de Deus (49.4; 50.4), ele começa a cumprir sua

tarefa comunicando uma mensagem de esperança à cidade destruída. Nesse caso, 51.17-22a; 52.1-3,7-

12 são ditos pelo servo, que também transmite a Jerusalém a palavra de Deus (51.22-23; 52.3-6). Há

mais sustentação para essa visão em 52.13-53.12, em que o Senhor exalta o servo por ter cumprido sua

missão com sucesso.


Isaías 1127 |

Dos trapos às riquezas; a justificação do servo (52.13-53.12)

O quarto e mais famoso dos cânticos do servo descreve a rejeição e o

sofrimento do servo, mas também antecipa sua justificação final. A canção

começa (52.13-15) e termina (53.11b-12) com o anúncio, pelo Senhor, da

exaltação do servo. No meio, Israel, antes desterrado, reconhece sua descrença

anterior e articula sua percepção nova do significado do sofrimento

do servo (53.1-1 la).

Como antes observado, a identidade do servo tem gerado discussões

calorosas. Muitos intérpretes, tanto cristãos quanto judeus, identificam

o servo como o Estado de Israel personificado. Embora a segunda canção

do servo se dirija a ele como Israel (49.3), essa mesma canção o mostra

como um segundo Moisés, libertando a nação exilada e mediando uma

nova aliança entre Deus e seu povo (49.5-8). Por essa razão, é melhor identificar

o servo como um Israel ideal que, ainda que intimamente relacionado

à nação, é, no entanto, distinto dela.

A quarta canção do servo também faz distinção entre o servo e a nação.

O grupo que fala em 53.1-6 (observe o uso dos pronomes “nós”, “nosso” e

“nos” nesses versículos) é identificado como o povo de Deus no versículo 8

(se mantivermos a leitura “meu povo”).197 Israel é o beneficiário do ministério

do servo. Adicionalmente, se Israel fosse o servo, como se poderia ver a

nação exilada e pecadora como uma sofredora inocente em prol dos gentios

(que, nesse caso, teriam de ser o grupo falando nos versículos 1-6)? Esta

seção de Isaías afirma, de forma consistente, que Israel sofreu no exílio por

causa de seus próprios pecados (40.2; 42.24-25; 44.21-22; 48.1-8,18; 50.1).198

Alguns acadêmicos identificam o servo como o assim chamado Segundo

Isaías, o autor supostamente anônimo desta seção do livro que, de acordo

com o consenso acadêmico atual, ministrava entre os exilados pouco antes

da invasão da Babilônia por Ciro e da libertação dos exilados. Nesse cenário

altamente especulativo, que não tem evidências que lhe deem suporte

dentro ou fora da Bíblia, esse profeta arriscou sua vida, sofreu perseguição

e foi aprisionado para poder proclamar sua mensagem de redenção para

os exilados. Enquanto a teoria certamente certifica a criatividade de seus

proponentes, nada mais é do que ficção acadêmica. Nenhum profeta antes

de Jesus se encaixa nesse retrato de um servo que, como o mediador da

aliança, ilustrada na segunda canção do servo, reconcilia Israel com Deus

por meio de seu sofrimento e é exaltado no final sobre os reis da terra. No

157 Um dos rolos de Qumran tem “seu povo”, isto é, o povo do servo, igualado ao grupo que fala nos

versículos 1-6 (compare o v. 8 com o v. 5).

198 Sobre essa questão, veja Orlinsky, Harry M. The So-Called “Suffering Servant" in Isaiah 53

(Cincinnati: Hebrew Union College, 1964), 8-10. Orlinsky observa que Isaías 53.9b “sozinho e de uma

vez só exclui o povo de Israel de considerações adicionais” sobre ser o servo (8).


1128 [ Introdução aos profetas

final da crucificação e ressurreição de Jesus, a identidade do servo fica em

foco. Quando o eunuco etíope, enquanto lia Isaías 53.7-8, perguntou se o

profeta fala de si mesmo ou de alguém mais, Felipe, “começando por esta

passagem da Escritura, anunciou-lhe a Jesus” (At 8.35).

Quando a canção começa, o Senhor chama a atenção para seu servo

e anuncia que, no final, vencerá e será elevado a uma posição de grande

honra (52.13).199 Durante o tempo de seu sofrimento, esse servo foi tão

desfigurado e marcado que sequer parecia humano (v. 14).200 Sua aparência

era repugnante para quem o olhava, e reis se assombravam com ele. Mas,

agora, esse servo será elevado a uma posição real sublime, e os reis se calarão

admirados diante dele (v. 15).201

O profeta Isaías ouve esse anúncio e fala em nome da nação de Israel

em 53.1-11 a. Assumindo um papel dramático, o profeta se posiciona em

um ponto no futuro depois do sofrimento do servo (ele fala disso no

passado), mas antes da justificação e exaltação plenas do servo (ele fala

disso como futuro).

Nessa mensagem, o povo de Israel finalmente recobra os sentidos. Ele

subitamente percebe que aquele a quem rejeitou e de quem desdenhou

como objeto da ira divina era, de fato, seu salvador, destinado a ser rei.

Israel ainda não percebeu, como nação, que Jesus Cristo, o servo previsto

por Isaías, é seu salvador e rei, mas, de acordo com as Escrituras, isso acontecerá

algum dia (Rm 11.26-27). Talvez possamos ver isso como sua confissão

de fé nesse dia futuro quando finalmente reconhecerão seu salvador.

O versículo 1 é normalmente traduzido assim: “Quem acreditou no que

relatamos?” ou “Quem acreditou em nossa pregação?”, como se o grupo

estivesse lamentando que ninguém acredita no que ele tem a dizer. Mas isso

não parece ser o assunto neste contexto. Aqui, o grupo que está falando não

159 A primeira linha do versículo 13 diz, literalmente: “Vejam, meu servo agirá com sabedoria”. O

verbo “agir com sabedoria” aqui tem a conotação de “ter sucesso”. No pensamento bíblico, a sabedoria

tipicamente resulta em sucesso e prosperidade. O acúmulo de verbos sinônimos no versículo 13 enfatiza

a certeza e o grau da exaltação do servo.

200 O texto provavelmente faz alusão, aqui, ao espancamento terrível que Jesus suportou antes de sua

crucificação.

201 Tradicionalmente, o verbo hebraico tem sido entendido como causativo de um verbo que significa

“esguichar, borrifar” e que foi traduzido como “aspergir”. Nesse caso, a passagem retrata o servo como

um sacerdote que “borrifa” (ou limpa espiritualmente) as nações. No entanto, essa interpretação é

problemática. Em todas as outras instâncias em que se indica o objeto ou a pessoa borrifada, o verbo

está combinado com uma preposição. Esse não é o caso em Isaías 52.15, a menos que se considere a

expressão seguinte, “sobre ele”, com a linha anterior. Mas aí teríamos de corrigir o verbo para um plural,

transformar “as nações” em sujeito de “borrifar” e considerar o servo como objeto. Entretanto, a imagem

resultante das nações “aspergindo” o servo não consegue se encaixar no contexto anterior. Outros

propõem uma raiz verbal homonímica com significado de “pular, saltar”, que, no tronco causativo,

poderia significar “fazer pular, assustar” e se encaixaria no paralelismo do versículo suavemente. A

exaltação do servo assusta as nações e deixa seus governantes sem palavras.


Isaías j 129 |

se coloca no papel de pregador ou de evangelista. Eles são pecadores arrependidos

que finalmente veem a luz. A expressão “nossa pregação” pode

querer dizer “a pregação que pronunciamos” ou “a pregação que recebemos”.

Este último significado cai melhor, pois a pregação é considerada

de forma mais natural como o anúncio do que acabou de ser feito. Uma

tradução melhor seria: “Quem terá acreditado no que acabamos de ouvir?”

A questão retórica expressa seu assombro ao ouvir a notícia da iminente

exaltação do servo.

Israel, assombrado, também faz uma pergunta retórica: “A quem foi

revelado o braço do S e n h o r ? ” (v. lb). Por meio dessa pergunta retórica,

eles confessam que não viam o braço do Senhor em ação no servo. Na

Bíblia hebraica, o “braço do S e n h o r ” é uma metáfora de poderio militar;

retrata o Senhor como guerreiro que arregaça as mangas, pega as armas e

esmaga seus inimigos (Is 51.9-10; 63.5-6). Israel não tinha visto nenhum

sinal de poderio divino no ministério do servo.

Ao contrário, o servo parecia ser insignificante, como um ramo crescendo

em uma árvore ou uma pequena raiz que brota do chão seco apenas

para ser queimada pelo sol (v. 2a). Esse servo não tinha nenhuma aura real

ou majestosa sobre si (v. 2b). Na verdade, ele foi rejeitado por outros e

conheceu intenso sofrimento; ele parecia um doente terminal, de quem os

outros se esquivam por causa de sua doença (v. 3).

A reflexão substitui o choque, quando Israel subitamente percebe que as

aparências podem enganar. Eles pensavam que o servo estava sendo punido

por Deus por alguma coisa horrível que ele tinha feito (v. 4b), mas eles só

estavam parcialmente certos. Ele estava sendo punido realmente por Deus,

mas não por seu próprio pecado. Ele estava sendo punido pelos pecados de

Israel. O servo pegou o fardo pesado do pecado da nação, pôs nos ombros e

o carregou (v. 4a). O servo foi ferido e esmagado não por causa de algo que

tinha feito, mas por causa do que eles tinham feito (v. 5a). Como pecadores,

eles eram como ovelhas que tinham se desviado do caminho moral da

lei de Deus (v. 6a). Ficaram vulneráveis ao ataque; a culpa de seu pecado

estava pronta para atacar e destruí-los. Mas, então, o servo entrou em cena e

recebeu a força máxima do ataque (v. 6b).202 Eles estiveram espiritualmente

enfermos, mas, como o servo aceitou o castigo de Deus para eles, eles agora

estavam bem e curados (v. 5b).

202 A forma verbal no versículo 6b é mais bem traduzida por “fez com que fosse atacado”. Em outras

passagens, a forma quer dizer “interceder verbalmente” (Jr 15.11; 36.25) ou “intervir militarmente” (Is

59.16), mas nenhum desses significados se encaixa no contexto. A forma é o causativo do significado

básico do verbo “encontrar, tocar”, que, às vezes, refere-se a um encontro hostil ou a um ataque. O

Senhor fez com que o pecado de Israel o atacasse, digamos. Ele conheceu o castigo que esses pecadores

culpados mereciam.


1130 I Introdução aos profetas

Israel tinha deixado passar seu chamado, comprometido sua posição

especial diante de Deus e conhecido a humilhação. Mas o servo especial de

Deus, o Israel ideal que, em contraste com a nação exilada, permaneceu fiel

a Deus, sofreu em nome da nação, tomando a reconciliação com Deus possível.

Israel, aqui, começa a perceber que a obra desse servo em sofrimento

abriu o caminho para uma nova relação entre o povo e seu Deus.

Israel continua a refletir sobre o sofrimento do servo. A nação lembra

como ele suportou silenciosamente o tratamento rude. Ele sequer falou em

sua própria defesa (v. 7a); ele agiu como uma ovelha inocente sendo levada

ao matadouro (v. 7b).203

O juízo do servo foi um juízo de araque, se é que aconteceu de verdade.

Ele foi injustamente acusado e condenado, mas ninguém deu muita atenção

(v. 8a).204 Levaram-no e o mataram, e ele só deixou que isso acontecesse

sem protesto porque estava carregando o castigo da rebelião de Israel contra

Deus (v. 8b).

Entretanto, mesmo em sua morte, havia uma pista de que viria sua justificação

e exaltação. Seus carrascos pretendiam sepultá-lo com criminosos

comuns, mas ele acabou na sepultura de um homem rico (v. 9a).205 Isso foi

mais adequado do que o sepultamento de um criminoso, porque ele não

tinha feito nada de errado (v. 9b). Ele simplesmente estava se submetendo

à vontade soberana de Deus, que tinha determinado que seu servo fosse

esmagado em lugar de Israel (v. 10a).

Mas essa aparente alienação não foi definitiva. Tendo cumprido obedientemente

a vontade de Deus, o servo se reconciliará com ele (v. 10b). A

205 A metáfora enfatiza a submissão silenciosa do servo, não sugere necessariamente um cenário de

sacrifício. Carneiros eram mortos tanto para comida quanto para sacrifício, e o termo traduzido por

“morto” não se refere necessariamente a um ritual de sacrifício. Veja a utilização do termo em Gênesis

43.16; Provérbios 7.22; 9.2; Jeremias 50.27; e também a utilização do verbo relacionado em Êxodo

21.37; Deuteronômio 28.31; ISamuel 25.11.

204 O texto diz, literalmente: “sua geração, quem considera?” Uma vez que “sua geração” é precedida

pelo sinal do acusativo, alguns entendem a expressão como objeto do verbo “considerar” e a interpretam

como uma referência aos descendentes do servo. Nesse caso, a questão retórica deixa claro que ele não

tem descendentes. No entanto, nesse contexto, parece mais provável que o chamado sinal do acusativo

destaque um novo sujeito (“quanto à sua geração”). Nesse caso, “sua geração” provavelmente se refere

à própria geração do servo, e a pergunta deixa claro que nenhum de seus contemporâneos prestou muita

atenção ao tratamento injusto concedido a ele.

205 O paralelismo poético do versículo 9a é problemático. O texto diz, literalmente: “Foi-lhe dado um

túmulo com criminosos, e com os ricos em sua morte”. O paralelismo parece ser sinonímico (observem

os termos correspondentes “túmulo” e “morte”), mas “criminosos” e “rico” dificilmente fazem uma

dupla compatível nesse contexto, pois esses dois grupos não seriam sepultados no mesmo tipo de

túmulo. Há quem corrija o termo traduzido por “ricos” para “malfeitores”, enquanto outros o relacionam

a uma palavra árabe que talvez signifique “multidão”. No entanto, é possível que as afirmações sejam

contrastantes, não sinonímicas. Nesse caso, o sepultamento do servo em um túmulo de um rico, em

contraste com o sepultamento de um criminoso, é altamente irônico, mas razoável, pois ele não tinha

feito nada de errado.


Isaías 11311

segunda linha poética do versículo 10b é notavelmente difícil de compreender.

Ela diz, literalmente: “se você [ou ‘ela’] fizer uma oferta de reparação,

sua vida”. A forma verbal é ou a segunda masculina singular ou a terceira

feminina singular. Se for a primeira, deve se dirigir ao servo ou a Deus.

Contudo, essa canção só se dirige ao servo uma vez (52.14a), e Deus ou

está falando ou se está falando dele nessa canção; ela nunca se dirige a

ele diretamente. Além disso, a ideia do próprio Deus fazendo uma oferta

pela culpa não faz sentido. Se a forma verbal for considerada como terceira

pessoa feminina singular, então o substantivo feminino “vida”, no final da

linha, é, provavelmente, o sujeito. Nesse caso, pode-se entender “sua vida”

como equivalente a um pronome e considerá-lo sujeito do verbo, “se ela

[literalmente, ‘sua vida’] fizer uma oferta pela culpa”. Mas faz algum sentido

a imagem do servo apresentando esse tipo de oferta? O sofrimento do

servo pode constituir esse tipo de oferta, mas o contexto que antecede vê

seu sofrimento como fato passado, enquanto a forma verbal utilizada aqui

é imperfeita, sugerindo que a oferta é algo que o servo apresenta depois de

seu sofrimento se completar. Talvez o pano de fundo da imagem possa ser

encontrado na lei mosaica, quando um leproso curado ofereceria um sacrifício

como parte do ritual destinado a restaurá-lo à limpeza cerimonial (Lv

14). Mais cedo na canção, o servo é retratado como severamente enfermo

(v. 4a). Essa enfermidade (uma metáfora para a culpa do pecado do povo)

separou-o de Deus. Entretanto, aqui podemos descobrir que a separação

não é definitiva; Deus quer receber um sacrifício dele, por assim dizer.

Uma vez feita a, digamos, reparação, ele vai conhecer novamente a bênção

do Senhor e realizar os propósitos de Deus (v. 10c).206 Ao final, o servo

reverá sua obra e terá grande satisfação com o que conseguiu (v. 11a).

Neste ponto, Deus fala mais de uma vez e novamente anuncia que o

servo será exaltado e altamente recompensado por sua obediência (v. 11b-

12). Porque tomou sobre os ombros os pecados dos rebeldes e por eles deu

sua vida, o servo inocente identificado com eles vai surgir vitorioso e será

ricamente recompensado por Deus pelo que fez.

O servo de Deus justificará (ou melhor, “absolverá”) a muitos e vai

declará-los inocentes (v. 11b). O significado exato do verbo traduzido

como “justificar” é discutido. Em outras passagens, a forma é utilizada pelo

menos seis vezes com o sentido de “tomar justo” em um sentido legal,

isto é, “declarar inocente, absolver” (Êx 23.7; Dt 25.1; lRs 8.32; cf. 2Cr

6.23; Pv 17.15; Is 5.23). Também pode significar “fazer justiça” (como uma

206 A descrição do servo tendo descendentes e alcançando uma idade madura avançada não deve ser

considerada literalmente ou de forma alegórica. O discurso estereotípico enfatiza a restauração do servo

no favorecimento divino. Ter descendência numerosa e viver uma vida longa eram considerados sinais

do favorecimento divino. Veja Jó 42.13-16.


132 1 Introdução aos profetas

fimção real; veja 2Sm 15.4; SI 82.3), “conceder” (Jó 27.5), “justificar” (Is

50.8) e “conduzir à justiça” (pelo ensinamento e pelo exemplo; Dn 12.3).

Nesse contexto, o sentido legal desse termo faz muito sentido. O servo quer

carregar os pecados do povo e é capaz de “absolvê-lo”.

Alguns se opõem a essa interpretação legal do discurso, argumentando

que seria injusto o justo sofrer pelos pecadores e os pecadores serem declarados

inocentes.207 No entanto, esse desenrolar surpreendente é coerente

com a natureza irônica da canção. Parece injusto que o inocente morra pelos

culpados, mas o que Deus deve fazer quando todos pecaram e se desviaram

como ovelhas desgarradas (v. 6)? A lei da aliança exige punição, mas punição,

nesse caso, significaria a aniquilação do que Deus criou. A justiça de

Deus, a lei exige, deve ser satisfeita. Para satisfazer sua justiça, ele faz algo

que parece injusto. Ele pune seu servo inocente, o único que não se desviou.

No progresso da revelação bíblica, descobrimos que o servo inocente é, na

verdade, Deus em carne, que oferece a si mesmo porque está comprometido

com o mundo que criou. Se a sua justiça só pode ser satisfeita se ele mesmo

suportar a punição, então assim seja. O que parece ser um ato de injustiça é,

na verdade, o amor satisfazendo as exigências da justiça.

O sofrimento do servo satisfez a santidade e ajustiça de Deus e possibilitou

que Deus perdoasse os pecados. A morte do servo em sofrimento inaugura

uma nova aliança. Na última ceia, Jesus levantou o cálice de vinho,

símbolo do sangue que derramaria na cruz, e declarou: “Este é o cálice da

nova aliança no meu sangue, derramado em favor de vós” (Lc 22.20). Por

que é importante essa nova aliança? Porque atende as exigências da antiga

aliança e a substitui. A antiga aliança dizia: “obedeça ou já era”; a nova

aliança dá a capacidade de obedecer por meio da graça do Espírito Santo

(Jr 31.33; Ez 36.25-27). O Novo Testamento nos diz que essa nova aliança

não é justa para Israel, mas é mais ampla em seu escopo. Ela inclui todas as

nações da terra, como Isaías já tinha dado pistas (49.6).

A restauração do casamento de Sião (54.1-17)

Tendo se concentrado no ministério do servo, o profeta novamente se

volta para a Sião personificada, porque ela será uma das principais beneficiárias

da obra do servo. Sião já foi estéril, e, por essa razão, abandonada

pelo marido (v. la,4,6-7a).208 Abandonada, ela foi dominada pela vergonha

e pela depressão (v. 6a). Mas tudo isso está para mudar. O marido de Sião,

207 Veja, por exemplo, Orlinsky, The So-Called “Sujfering Servant", 22.

208 O versículo 4b naNVI refere-se à “humilhação de sua viuvez”, mas o contexto ao redor mostra seu

marido, o Senhor, divorciando-se dela, não morto. O profeta possivelmente utiliza uma metáfora mista e

forte, mas é mais provável que a palavra traduzida por “viuvez” se refira, na verdade, ao divórcio. Veja

Stassen, S. L. “Marriage (and Related) Metaphors in Isaiah 54:1-17 ”, Journal fo r Semitics 6 (1994): 65.


Isaías 1133 )

o Senhor soberano (v. 5), prontamente reconhece que se divorciou dela em

um acesso de ira, mas agora está pronto para recebê-la de volta (v. 7-8).

Mais ainda: a antes estéril Sião terá descendência numerosa (v. lb), que

repovoará as cidades desoladas por toda a terra e até mesmo conquistará

as nações vizinhas (v. 2-3). É claro, a realidade por trás das imagens é o

exílio do povo de Deus, que deixou Jerusalém desabitada e em ruínas. Isso

aconteceu por causa do pecado de Judá, mas o tema da rebelião não é a

essência dessa passagem. Nesse texto, o profeta retrata Sião com uma luz

muito compassiva. Seu sofrimento é destacado e ela parece ser uma vítima

inocente da ira de seu marido. O tom retórico chama a atenção para sua

grande necessidade e para a tema compaixão do Senhor.

Para enfatizar seu compromisso renovado com Sião, o Senhor compara

sua promessa à aliança firmada com Noé (v. 9). Logo após a inundação,

Deus prometeu nunca mais destruir a terra dessa maneira (Gn 9.9-11,15).

Da mesma forma, ele agora promete que Sião nunca mais vai conhecer seu

juízo irado. Mesmo que as montanhas, símbolos de estabilidade, estiverem

para se desintegrar, a “aliança de paz” do Senhor com Sião permanecerá

firme (v. 10). A expressão “aliança de paz” também aparece em Números

25.12, em que se refere à promessa do Senhor a Fineias (veja também Ml

2.5), e em Ezequiel 34.25 e 37.26, em que é utilizada para a nova aliança

de Deus com o restaurado Israel. A expressão descreve uma aliança que

inaugura relações pacíficas entre as partes envolvidas.

A restauração de Sião vai levar a uma nova era de glória e paz. Embora

a cidade tivesse sofrido terrivelmente no passado, o Senhor a reconstruirá

com pedras preciosas (v. 11-12). Essa imagem, que mostra a cidade como

uma dama coberta de joías dos pés à cabeça, indica a prosperidade que

Sião conhecerá. Os filhos de Sião se tomarão discípulos do Senhor (v. 13)

e a cidade nunca mais será ameaçada por exércitos inimigos (v. 14). Se

qualquer um tiver a audácia de lançar um ataque contra Sião, será derrotado

(v. 15), pois o Senhor, que é soberano sobre os fabricantes de armas

da terra (v. 16), protegerá e justificará pessoalmente seu povo (v. 17).

A promessa de uma aliança permanente (55.1-13)

Esta seção do livro culmina com um chamado à renovação da aliança,

que é modelada segundo o convite para uma festa. O Senhor anunciou sua

intenção de restaurar Sião pelas mãos de Ciro e de seu servo especial. Ele

confrontou os exilados com seu pecado e os orientou a chegar a termos com

ele. Agora, ele faz um apelo apaixonado para que seu povo retome para ele.

Os exilados são descritos como sedentos, famintos e quebrados. Utilizando

um oxímoro para obter efeito retórico, o Senhor os convida a “comprar”,

sem custo, a comida e a bebida deliciosas que ele lhes oferece (v. 1).


134 I Introdução aos profetas

Não faz sentido eles gastarem o pouco dinheiro que ganharam por meio

de trabalho tão pesado com algo que não os satisfará (v. 2). As bênçãos

materiais de uma relação de aliança renovada são a realidade subjacente às

imagens de comida e bebida, como o próximo versículo deixa claro. Se o

povo voltar para o Senhor, experimentará a vida (v. 3a), que se refere, aqui,

à prosperidade material e à segurança nacional (Dt 30.6,15,19-20). Essa

vida será o produto de uma relação pactuai renovada.

Em contraste à aliança mosaica, essa nova aliança será permanente,

modelada segundo a aliança de promessa com Davi (v. 3b-5).209 O Senhor

escolheu Davi para governar seu povo e, em retribuição ao seu serviço,

fez uma aliança incondicional com ele (2Sm 7; SI 89). Deus prometeu a

Davi uma dinastia eterna, adotou o rei davídico como seu “filho” e garantiu

uma herança à dinastia, que incluía o domínio mundial (SI 2.7-9; 72.8-11;

89.25). O rei davídico devia dar testemunho da grandeza do Senhor para as

nações da terra (SI 18.50; 22,28). O Senhor prometeu que mesmo as nações

distantes, antes desconhecidas, se submeteriam ao seu domínio.210 A implicação

parece ser que a nação restaurada conheceria a mesma fama.

Em seguida a essa promessa, o apelo à renovação da aliança continua (v.

6-7). O povo de Deus deve buscar a reconciliação com ele enquanto a hora

é oportuna e o Senhor está disposto à misericórdia. Os pecadores devem

abandonar seus planos e feitos malignos, pois o Senhor quer perdoar seus

pecados. A terminologia desse apelo ecoa as palavras de Moisés (Dt 4.25-

31; 30.1-10) e a oração de Salomão (lRs 8.46-53). Ambos ansiavam por um

tempo em que a nação exilada buscaria o Senhor e se arrependeria de sua

rebeldia, instando-o a perdoá-la com compaixão.

Os versículos 6-7 se concentram nas primeiras promessas de libertação

divina (veja especialmente 40.1-11). Embora as promessas antigas destacassem

a determinação de Deus em restaurar seu povo e pudessem ser um

209 A última linha do versículo 3 diz, literalmente, “as expressões confiáveis da lealdade de Davi”. Há

quem veja Davi, aqui, como um substantivo genitivo e entenda isso como a base da promessa anterior.

Pode-se parafrasear assim: “então farei uma promessa de aliança incondicional com você, por causa das

fiéis obras de lealdade à aliança”. Mas “Davi” é mais bem entendido como um genitivo objetivo; ele

é o destinatário das promessas da aliança (2Cr 6.42). A relação sintática de “expressões de lealdade”

com o termo precedente não é clara. Se o termo é aposto a “aliança”, então o Senhor democratiza as

promessas da aliança davídica, transferindo-as para toda a nação. Outra opção é considerar “expressões

de lealdade” como um acusativo adverbial e traduzir como “de acordo com as confiáveis promessas

da aliança”. Nesse caso, a nova aliança é uma extensão ou o cumprimento das promessas davídicas.

Uma terceira opção é considerar a última linha como um comparativo. Nesse caso, a nova aliança tem

o padrão da aliança davídica.

2,0 Podemos entender o versículo 5 superficialmente como sendo dirigido aos exilados. Entretanto,

os verbos e os pronomes na segunda pessoa estão no singular no texto hebraico, sugerindo que esse

versículo é uma citação do que o Senhor prometeu a Davi quando lhe prometeu domínio sobre todas as

nações. Formas no plural são utilizadas nos versículos 1-3,6,8-9,12 quando os ouvintes são os exilados.


Isaías ) 135 1

tom incondicional para ele, há também um lado condicional. O povo deve

retomar para o Senhor e abraçar sua misericórdia.

Depois de confrontar seu povo com sua responsabilidade, o Senhor reafirma

a confiabilidade de suas promessas (v. 8-11). Se Israel se arrepender,

pode ter certeza de que seus pecados serão perdoados e que Deus renovará

sua relação de aliança.

Os versículos 8-9 são comumente interpretados significando que os

desígnios de Deus são incompreensíveis para a raça humana. No entanto,

esse não é o fulcro da passagem quando se olha para ela em seu contexto

imediato. Os versículos 10-11 destacam que os desígnios e planos do

Senhor são realizados. Como forma de contraste, os desígnios e planos de

Israel (v. 7), se não forem abandonados, levarão somente à morte (o v. 3

subentende isso). Em outras passagens, os planos da raça humana (ou os

“pensamentos”) são chamados de mero sopro, pois são destinados a levar

a lugar nenhum (SI 94.11), fora da aprovação divina (Pv 19.21). Os feitos

humanos (ou “caminhos”) são tipicamente malignos e levam à destruição

(Pv 1.15-19; 3.31-33; 4.19). Em contraste com os planos vazios e com os

caminhos humanos, os planos de Deus são realizados e seus desígnios produzem

algo positivo. Por essa razão, pode-se confiar em suas promessas.

Nos versículos 10-11, sua promessa de perdão (v. 7) é comparada à

chuva e ao vento. Uma vez que começa a cair, não reverte seu rumo de uma

hora para outra. Em vez disso, molha o chão e contribui para o crescimento

agrícola. Da mesma forma, a promessa de perdão do Senhor não retomará

para ele sem ser cumprida.

O Senhor expande a promessa de restauração nos versículos 12-13.

Se Israel responder positivamente ao apelo de Deus, seu perdão prometido

trará a alegria da libertação. Toda a natureza celebrará a libertação de

Israel do exílio. Ciprestes e murta substituirão a sarça e o espinheiro. A

figura do exuberante crescimento renovado é um desenvolvimento lógico

dos versículos 10-11, que comparam a palavra de promessa do Senhor à

chuva. A transformação da imensidão árida, simbolizando uma condição

amaldiçoada resultante do juízo de Deus, em uma floresta, simbolizando

bênçãos restauradas, servirá, como o arco-íris da aliança noética (Is 54.9),

como um alerta (ou sinal) externo permanente da promessa do Senhor de

nunca julgar seu povo novamente.

Além do exílio (Is 5 6 -6 6 )

Retomando a partir de onde os capítulos anteriores pararam, esta seção

conclusiva do livro assume que Jerusalém está em ruínas (63.18; 64.10-11)

e antecipa o retomo dos exilados (56.8; 57.14), a reconstrução das cidades


1136 | Introdução aos profetas

de Judá (58.12; 60.10; 61.4) e o retomo do Senhor a Sião (59.20; 62.10-12).

Continuando no tom de exortação do capítulo 55, o Senhor deixa claro que

os exilados em regresso deviam manter os padrões morais e éticos prescritos

na lei. Aterra restaurada não é garantia de bênção restaurada. O Senhor

faz distinção entre o justo e o ímpio e avisa que vai novamente purificar a

aliança por meio de juízo, juntamente com uma nova criação.

Um convite aos estrangeiros (56.1-8)

O Senhor exorta seu povo a promover justiça e vida santa, pois a libertação

prometida está bem próxima (v. 1). Aqueles que se comprometem a

cumprir a lei de Deus conhecerão a alegria (v. 2). A referência à guarda do

sábado e a evitar que a mão cometa algum mal é provavelmente uma forma

estenográfica de fazer referência aos dez mandamentos (também conhecidos

como decálogo). Guardar o sábado se refere à primeira metade do decálogo,

que tem orientação mais voltada para Deus e destaca a necessidade

de reconhecer a autoridade divina. Evitar que a mão cometa algum mal se

refere à segunda metade do decálogo, que tem orientação mais voltada para

o homem e destaca a necessidade de respeitar vidas e propriedades dos

outros seres humanos.

Após enfatizar a necessidade de eles se comprometerem novamente

com a lei de Deus e seus princípios de justiça social, o Senhor anuncia que

está pronto para expandir os domínios da comunidade da aliança (v. 3-8).

Ele abre as portas de seu templo a estrangeiros e eunucos, que tinham sido

excluídos da comunidade que podia adorar a Deus (Dt 23.1-8). Dessa época

em diante, defeitos físicos ou etnia não mais excluiriam as pessoas da adoração.

Tudo que conta é a lealdade ao Senhor, expressa na guarda do sábado e

na obediência aos seus mandamentos. Todos que amam o Senhor e são leais

a ele se juntarão aos exilados que voltam a Jerusalém, na oferta de sacrifícios

ao Senhor. O templo reconstruído será conhecido como “uma casa de

oração para todos os povos” (v. 7). Essa visão de uma comunidade de adoração

expandida ilustra a realização do desejo de Salomão de que o templo se

tomasse um centro de adoração para todos os povos (lRs 8.41-43).

Em seu contexto original, a visão antecipa desdobramentos no período

pós-exílico. No entanto, ao curso da revelação e da história, ela

encontra seu cumprimento definitivo na comunidade da nova aliança,

na qual os gentios têm acesso a Deus por intermédio de Jesus Cristo (Ef

2.11-22; 3.28). Essa nova comunidade da aliança não está mais ligada

pelo decálogo e suas regras para o sábado (Ef 2.15; Cl 2.16), pois Cristo

cumpriu a lei (Mt 5.17). No cumprimento das profecias de Jeremias e

Ezequiel sobre a nova aliança (Jr 31.33; Ez 36.27), Cristo cria outro povo

da aliança que, por meio da graça do Espírito divino, cumpre a essência


Isaías 11371

da lei (Mt 22.37-40) enquanto se liberta de sua casca exterior e de seus

mandamentos escravizantes. Mais do que trazer sacrifícios ao templo,

a nova comunidade da aliança se toma o próprio templo de Deus (Ef

2.21-22) e celebra o sacrifício final e definitivo, que deixa seus precursores

obsoletos (Hb 7.27; 9.28). Mais do que guardar o sábado, essa nova

comunidade de adoradores entra, pela fé, em um repouso de sábado permanente

(Hb 4.3-9), que os liberta de seus próprios esforços de agradar a

Deus (Hb 4.10) e os motiva a permanecer firmes na fé.

A denúncia da cobiça e da idolatria (56.9-57.13a)

O tom do Senhor muda bruscamente quando ele denuncia os pecadores

na comunidade. Nesse ponto, o discurso soa quase pré-exílico em sua condenação

da cobiça e da idolatria, mas o contexto indica que o público-alvo é

a primeira geração pós-exílica. O Senhor antecipa que alguns dos exilados

que estão voltando repetirão os pecados de seus pais. Ao se projetar no

futuro, ele se dirige a esses futuros pecadores com a mesma intensidade

com que se dirigiu às gerações pré-exílicas.211

O Senhor convida com sarcasmo os animais selvagens dos campos e

as florestas a virem e devorarem o objeto de sua ira (v. 9). Ele denuncia os

“atalaias” de Israel, provavelmente uma referência aos líderes de Israel,

comparando-os a cães preguiçosos com grande apetite, a pastores mercenários

que não se importavam em nada com as ovelhas deixadas sob seu

cuidado e a bêbados autoconfiantes que vivem para farrear (v. 10-12). Indivíduos

justos estão desaparecendo, mas ninguém repara (57.1-2), pois o

povo rebelde está apegado demais à idolatria para se importar (v. 3-4), suas

práticas pagãs incluem rituais de fertilidade e sacrifício de crianças (v. 5).

O Senhor não tem alternativa a não ser julgar esses idólatras, cuja obsessão

com o paganismo é vividamente ilustrada como luxúría erótica (v. 6-8) e

como uma ligação irracional àquilo que é destruidor (v. 9-10). Embora o

Senhor tenha ficado relativamente calado no passado, ele está pronto para

intervir em juízo e punir aqueles que se esqueceram dele (v. 11-13a).

Justificação para os piedosos (57.13b-21)

Embora os piedosos estejam desaparecendo da terra (v. 1-2), eles serão

justificados no final. O Senhor promete que seus fiéis seguidores herdarão

a Terra Prometida e terão acesso à presença de Deus no monte do templo

211 Alguns desses acadêmicos, que dizem que esses capítulos são de autoria de um '"Terceiro Isaías",

reconhecem o sabor pré-exílico desses versículos. Por exemplo, Claus Westermann alega que “as

previsões proféticas de condenação do período pré-exílico foram revisadas e dirigidas contra” os

transgressores dentro da comunidade pós-exílica. Veia Isaiah 40-66, OTL (Filadélfia: Westminster,

1969), 302, 320.


1138 1 Introdução aos profetas

(v. 13b-14). Embora o soberano Deus seja exaltado como eterno rei, ele não

está inacessível. Ele concorda em habitar entre os oprimidos para vivificá-

-los (v. 15). O Senhor pune iradamente o pecado, mas conhece a natureza

frágil da raça humana e quer curar aqueles que ele feriu e consolar os que

estão contritos por seus pecados (v. 16-18). Ele oferece paz aos que puniu,

mas também avisa aos ímpios que a persistência no pecado toma impossível

a reconciliação com Deus (v. 19-21).

O Senhor exige sinceridade, não ritual (58.1-14)

Continuando a antecipar os desdobramentos futuros, o Senhor confronta

a comunidade pós-exílica que, como as gerações anteriores, é sujeita

à hipocrisia religiosa. O Senhor denuncia essa hipocrisia, deixando claro

que valoriza a obediência e a justiça social, não o formalismo vazio. Rituais

de lamentação e jejum, mesmo quando acompanhados por um aparente

desejo de conhecer melhor a Deus, não têm significado se um estilo de

vida maligno continuar a ser seguido. A audiência aqui parece bastante

justa, pelo menos superficialmente (v. 2), mas o tratamento violento que

dispensa aos outros a expõe como hipócrita (v. 1,3-4). O Senhor quer que

eles abandonem seus métodos opressores (v. 5-6) e que ajudem os famintos

e os necessitados em sua comunidade (v. 7,9b, 10a). Só assim conhecerão o

favor, a proteção e as bênçãos renovadas de Deus, aqui simbolizadas pela

luz (v. 8-9a,10b-ll). Só então Deus vai fortalecê-los para a reconstmção

das cidades arruinadas da terra (v. 12).

Além de promover ajustiça social, o Senhor exige algo mais fundamental

de seu povo - a guarda do sábado (v. 13). Tendo acabado de denunciar

um ritualismo religioso no mesmo discurso, o Senhor não está defendendo

o simples formalismo. Ele está expondo o pecado do povo. A audiência aqui

é egoísta. Seu fracasso em guardar o sábado é um sintoma de um problema

mais profundo - a falta de respeito por Deus e sua autoridade. Esse egoísmo

subjacente é a raiz de suas práticas opressivas e dos maus-tratos impostos

aos outros. O Senhor deixa claro que esse problema deve ser resolvido.

Só então o povo de Deus achará sua relação com ele satisfatória (v. 14a) e

desfrutará das bênçãos da terra prometida (v. 14b).

Exposição e confissão dos pecados (59.1-15a)

O profeta confronta o povo, apontando que seus pecados o alienaram de

Deus (v. 2). O Senhor tem o poder e a vontade para libertá-lo (v. 1), mas

não o fará enquanto suas mãos estiverem cobertas com o sangue de suas

vítimas inocentes e enquanto usarem seus lábios para enganar e explorar os

outros (v. 4). Eles são astutos como as aranhas, que capturam suas vítimas

em suas teias, e mortais como serpentes venenosas, que matam com sua


Isaías 1139 |

mordida peçonhenta (v. 5). Eles tramam planos malignos contra os outros,

que depois executam com rapidez e violência (v. 6-8).

Falando como representante dessa sociedade pecadora, o profeta confessa

o pecado do povo diante do Senhor. Por causa de seu pecado, o povo

conheceu a escuridão do juízo, não a luz brilhante da libertação divina (v.

9). Separado de Deus e de suas bênçãos, fica tateando como cego, procurando

algo estável em que segurar, mas a salvação de Deus não chega

(v. 10-11). O profeta prontamente admite que a ruidosa rebelião do povo

contra Deus (v. 12-13) destruiu a sociedade, deixando-a sem justiça e sem

verdade (v. 14-15a).

Intervenção divina (59.15b-21)

O Senhor não pode tolerar essa injustiça (v. 15b). Muito para seu desânimo,

ninguém intervém em favor dos oprimidos (v. 16a), então o Senhor

decide tomar a questão em suas próprias mãos (v. 16b). O profeta o retrata

como um guerreiro se preparando para a batalha. Seu compromisso com

a justiça é comparado a uma couraça, sua determinação para resgatar os

desamparados é como um capacete e seu forte desejo de vingar os oprimidos

é descrito como veste de batalha (v. 17). Ele vai soltar sua ira contra seus

inimigos próximos e distantes, levando todos os povos a reconhecerem seu

esplendor real (v. 18-19). Fiel à sua promessa, ele retomará a Sião, onde

somente aqueles que se arrependerem de sua rebelião e pecado serão deixados

para celebrar sua chegada (v. 20). Uma nova era será inaugurada quando

o Senhor fizer uma nova aliança com seu povo, que, estimulado pelo Espírito

divino, se tomará seu porta-voz por gerações e gerações (v. 21).

A glória de Sião (60.1-22)

Depois de anunciar que vai retomar a Sião (59.20), o Senhor se dirige

à Sião personificada e descreve sua glória futura em detalhes vividos. Sião

brilhará como um farol em um mundo de trevas (v. 1-2), e as nações e os

reis da terra serão atraídos para ela (v. 3). O povo exilado de Sião, retratado

como seus filhos e filhas, retomará (v. 4), fazendo sua extasiada mãe sorrir

com orgulho (v. 5 a). As nações trarão suas riquezas como um tributo ao

Senhor (v. 5b-9,16-17) e reconstruirão os muros de Sião (v. 10). O fluxo de

tributos será tão constante que os portões da cidade permanecerão abertos

o tempo todo para poder recebê-los (v. 11). Os que, antes, oprimiram-na e

desprezaram-na rastejarão a seus pés (v. 14-15), e qualquer nação que tentar

libertar-se do domínio do Deus de Sião perecerá (v. 12). Como Salomão

no passado (lRs 5.6), o Senhor vai importar madeira da poderosa floresta

do Líbano para embelezar seu templo (v. 13). Sião não conhecerá novamente

os horrores da guerra e da invasão (v. 18), pois a presença do Senhor,


1140 | Introdução aos profetas

comparada a uma luz ofuscante que substitui o Sol e a Lua, garantirá sua

segurança e prosperidade (v. 19-20).212 Os cidadãos de Sião, que serão todos

seguidores leais ao Senhor, se espalharão e ocuparão a terra prometida para

sempre (v. 21a). O Senhor vai, assim por dizer, semeá-los no solo da terra,

e eles se multiplicarão como uma planta forte, trazendo glória ao Senhor

(v. 21b-22). Essa visão de uma grande nação ocupando para sempre a terra

prometida é uma alusão à promessa incondicional de Deus a Abraão, que,

apesar do pecado e do exílio de Israel, será cumprida com certeza (Gn 12.2;

13.15-16; 15.5; 17.2,4-6,8; 18.18; 22.17).213

Essa promessa será realizada “a seu tempo” (v. 22b), isto é, “quando

chegar o tempo certo” (NET). Quando será isso? De acordo com Gênesis

18.18-19, o cumprimento da promessa de Deus para Abraão ocorrerá

quando sua descendência seguir seu exemplo de obediência fiel. Como isso

acontecerá? De acordo com os profetas, Israel seguirá o Senhor sinceramente

quando a nova aliança for implementada. Essa aliança com o dom

do Espírito divino transformará os israelitas para que eles se tomem súditos

obedientes e leais (Is 59.21; Jr 31.31-34; Ez 36.27; 37.26).

Boas-novas para os oprimidos (61.1-11)

Nesta passagem, podem-se ouvir várias vozes. Um ungido com o Espírito

do Senhor anuncia sua incumbência divina nos versículos 1-3, o próprio

Senhor diz palavras de garantia nos versículos 7-9 e a Sião personificada

responde nos versículos 10-11. Em algum ponto entre os versículos 3 e 7,

0 ungido para de falar e dá vez ao Senhor, mas não está totalmente claro

onde essa mudança ocorre. As formas verbais na terceira pessoa nos versículos

3b-5 parecem estar ligadas aos versículos l-3a, então pode ser que “e

vocês” (NTLH),* no início do versículo 6, marque a transição.

A identidade precisa de quem fala nos versículos 1 -3 tem sido discutida,

mas um exame detalhado da evidência aponta para o servo do Senhor descrito

nas primeiras canções do servo. Como o servo das canções, quem fala tem o

poder do Espírito divino para libertar os que estão aprisionados (compare o v.

1 com 42.1,7; 49.9). Utilizando um discurso que lembra o ano do jubileu (Lv

25.10), ele anuncia que os prisioneiros serão libertos (v. lb) e que o Senhor

justificará seu povo sofrido, transformando sua dor em alegria (v. 2-3a).

Essa missão de libertação e justiça é uma tarefa distintamente real que

liga quem fala à figura real das duas primeiras canções do servo e ao rei

212 Sobre a utilização das imagens de luz, veja meus comentários anteriores sobre 24.23 e 30.26.

213 Sobre a natureza incondicional da aliança abraâmica e as promessas entrelaçadas de descendência

numerosa e posse eterna da terra, veja Chisholm Jr., Robert B. “Evidence from Genesis” em A Case for

Premillennialism, Campbell, D. K.; Townsend , J. L. (orgs.) (Chicago: Moody, 1992), 35-54.

* ARA e NVI, “mas vocês” (N. do T.).


Isaías 11411

justo ideal retratado em Isaías 11. No curso da história, surge Jesus como o

cumprimento dessas profecias. Não é de se espantar que Jesus se identifique

audaciosamente como aquele que fala em Isaías 61.1-2 (veja Lc 4.18-21).

Liberado de sua prisão no exílio e restaurado em sua terra, o povo

reconstruirá as cidades que estiveram em ruínas por tanto tempo (v. 4). Os

estrangeiros que, outrora, roubaram a colheita do povo de Deus (Is 62.8)

tomarão conta de seu rebanho, de seus campos e seus vinhedos (v. 5). Para

cumprir o ideal da antiga aliança (Êx 19.6), a comunidade restaurada servirá

como sacerdotes do Senhor e coletará tributos das nações (v. 6). A

bênção e a alegria divina substituirão a desgraça e a vergonha (v. 7), pois o

Senhor tem compromisso com ajustiça e está determinado a justificar seu

povo (v. 8a; veja v. 1-3). A devoção do Senhor a eles culminará em uma

aliança renovada que será permanente (v. 8b; 55.3; 59.21). As nações da

terra tomarão conhecimento dessa nova comunidade da aliança e reconhecerão

que são, de fato, objeto da bênção divina (v. 9).

Esse retrato brilhante do futuro leva a uma resposta imediata da recebedora

das bênçãos de Deus, a Sião personificada (v. 10-11; veja o v. 3; 62.1).

Ao antecipar sua libertação, Sião explode em alegria e se mostra vestida de

belas roupas (v. 3,7), como as de um casal de noivos. Ele celebra a justificação

do povo de Deus e o louvor que vai suscitar nas nações, comparando-a

a uma planta brotando do solo (veja os v. 3,9).

Esperar e orar pela restauração de Sião (62.1-11)

Agora, uma nova voz entra em cena, declarando sua decisão de orar por

Sião até que chegue o dia de sua libertação (v. 1). A identidade de quem fala

é incerta, mas os candidatos mais prováveis são o servo do Senhor (61.1-3)

ou o profeta. Quem quer que seja espera por um tempo em que Sião será

justificada e exaltada à vista das nações (v. 2a). Ela receberá um novo nome

do Senhor, sintetizando seu novo status e sua glória (v. 2b), e será como

uma linda coroa real nas mãos do Senhor (v. 3). Na verdade, Sião recebe

quatro novos nomes no contexto seguinte (v. 4,12). Dois deles são dados

no versículo 4. Uma vez chamada de “Desamparada” e “Desolada”, Sião

agora se chamará hephzibah, “minha delícia”, e beulah, “Desposada” (v.

4). O Senhor, por assim dizer, tinha se divorciado de Sião (54.5-7), mas

agora vai casar-se novamente com ela (v. 5).2’4

O narrador, desempenhando até o final o papel de intercessor, agora

anuncia que colocou guardas nos muros de Sião. Enquanto vigiam o

214 O texto hebraico diz, no versículo 5, “seus filhos a desposarão”, mas a metáfora é, na melhor das

hipóteses, bizarra. Consegue-se um paralelismo melhor (veja o seguinte: “assim o seu Deus se regozija

por você”) se corrigirmos “seus filhos” por “seu construtor” (veja o SI 147.2, que chama o Senhor de

construtor de Jerusalém).


1142 1 Introdução aos profetas

horizonte procurando o amanhecer da nova era, oram sem cessar, pedindo

ao Senhor que intervenha em favor da cidade (v. 6-7). Como podem ser tão

tenazes e persistentes? Como o Senhor prometeu sob juramento que restaurará

as riquezas de Sião e seu poder soberano, simbolizado por sua “mão

direita” e “braço poderoso”, ele garante que sua palavra será cumprida (v.

8-9). Chegará o dia em que os habitantes de Sião aproveitarão o fruto de

seu trabalho e nunca mais terão de se preocupar com invasores estrangeiros

roubando suas colheitas e seu vinho.

Dominado pela emoção, ele conclama um grupo de indivíduos não identificados,

lançados no papel de trabalhadores, a preparar o caminho para o

retomo do povo exilado de Deus (v. 10a). Eles têm de construir uma estrada

e depois enviar um sinal para as nações distantes de que o palco está montado

para esse grande evento. O próprio Senhor anunciou que vai retomar

a Sião, trazendo com eles os exilados como espólio de sua vitória sobre a

Babilônia (v. 11; 40.10). Os que forem salvos do exílio serão separados

para Deus e serão chamados de “povo santo, os remidos do S e n h o r ” . Sião,

seu destino e novo lar, ganhará dois novos nomes: “Procurada” e “Cidade

não desamparada” (v. 12).

As vinhas da ira (63.1-6)

O palco está montado para o retomo do rei vitorioso a Sião. De repente,

o profeta (ou, talvez, os guardas dos muros de Sião; veja 62.6) vê uma

figura real marchando, confiante, vindo de Edom, e pede que ele se identifique

(v. Ia). O Senhor responde simplesmente: “Sou eu.” Em seguida, alardeia

que pode cumprir o que anuncia (v. lb; veja a tradução da ARA: “Sou

eu, que falo em justiça, poderoso para salvar!”). O profeta (ou os guardas?),

então, pergunta ao Senhor por que seu traje está vermelho, como se tivesse

estado a pisar uvas em um lagar (v. 2). O Senhor explica que está chegando

de pisar as nações, é delas o sangue que está respingado em suas roupas (v.

3,6). Quando chegou o tempo de o Senhor vingar as atrocidades cometidas

contra seu povo, ninguém se ofereceu para ajudá-lo (v. 4-5; 59.16). Embora

em número menor contra todos, a ira do Senhor o incentivou e, sozinho,

ele derrotou seus inimigos (v. 5b). Como no capítulo 34, Edom serve como

arquétipo de todos os inimigos de Deus, que serão esmagados por seu juízo

de ira (veja também o livro de Obadias).

Confessar o pecado e buscar misericórdia (63.7-64.12)

O profeta, falando como representante do povo pecador de Deus, faz

uma longa prece em nome dele. A prece começa com uma revisão histórica

da fidelidade de Deus para com seu povo (v. 7). O Senhor escolheu

Israel com a esperança de que ele se mostrasse fiel (v. 8a). Ele o libertou


Isaías 1143 |

da escravidão, demonstrando seu amor e sua misericórdia (v. 8-9). Ele

o guiou em segurança pelo mar e esteve presente com ele de uma forma

muito íntima e pessoal (v. 11-14). Apesar da delicadeza de Deus com seu

povo, ele se rebelou, levando o Senhor a se voltar contra ele e a virar seu

inimigo (v. 10).

O versículo 9, na forma traduzida na NIV e em muitas outras versões

em inglês, indica que Deus se identificou com o povo em seu sofrimento

e, então, enviou um anjo especial, chamado aqui de “anjo de sua presença”

(literalmente, “o anjo de sua face”) para proteger e guiar seu povo. Essa

interpretação segue uma leitura marginal que acompanha o texto hebraico

tradicional. Se essa leitura é original, o “anjo” pode ser aquele mencionado

em Êxodo 14.19. No entanto, uma leitura diferente, que segue parcialmente

o texto tradicional hebraico em sua forma consonantal e se reflete na Septuaginta,

entende os versículos 8b-9a da seguinte forma: “Ele os livrou de

todos os seus sofrimentos [...] não um anjo ou qualquer outro mensageiro

[...] ele [literalmente, ‘sua face’] os salvou”. Nesse caso, o texto enfatiza

que o Senhor pessoalmente interveio no que Israel passou, em vez de mandar

um enviado. Parece haver uma alusão a Êxodo 33.14-15, que fala da

presença do Senhor (literalmente, “a face”)215 acompanhando os israelitas

em sua jornada (veja também Dt 4.37).

Os versículos 10-11 mencionam o “Espírito Santo” de Deus. Embora

o “Espírito de Deus” seja mencionado frequentemente na Bíblia hebraica,

a expressão “Espírito Santo” ocorre somente nesta passagem e no salmo

51.11, em que o salmista suplica que Deus não remova seu “Espírito Santo”.

Aqui em Isaías, esse “Espírito Santo” é visto de forma pessoal (ele pode se

“entristecer”) e intimamente associado à própria presença de Deus (v. 9; SI

139.7) e ao “Espírito do S e n h o r ” (v. 14).

Tendo reconhecido a bondade de Deus para com seu povo e tendo confessado

a condição de pecado de Israel, o profeta pede ao Senhor que tome

conhecimento de seus filhos necessitados, pois ele espera ver o poder e a

compaixão do Senhor (v. 15-16). Ironicamente, o profeta atribui a condição

de rebeldia e pecado de Israel ao endurecimento divino (v. 17a).216 É

2,5 Para uma discussão das duas leituras, veja Whybray, Isaiah 40-66, 257. A leitura da Septuaginta

reflete o ketib (em hebraico lo), “não”, em vez de “a ele” (a leitura do Qere). Também pega o início do

v. 9 com o final do v. 8 e entende o hebraico tsir, “embaixador”, em vez de tsar, “aflição”.

216 Alguns compreendem as formas verbais no hiphil do versículo 17a como tolerativo, em vez de

causativo. Nesse caso, poderíamos traduzir assim: “Porque você nos deixa desviar de seus caminhos

e permite que nossos corações sejam teimosos para que não o reverenciemos?” O verbo utilizado na

primeira linha é raro, só corre aqui e em Jó 39.16, em que parece significar “tratar com dureza”. O

verbo utilizado na segunda linha tem sentido tolerativo em Jeremias 50.6, mas é causativo nas outras

passagens em que ocorre (Is 3.12; 9.16; 30.28; também Gn 20.13; 2Rs 21.9; Jó 12.24-25; Pv 12.26; Jr

23.13,32; Os 4.12; Am 2.4; Mq 3.5).


1144 | Introdução aos profetas

possível que o Senhor tenha endurecido o coração de seu povo diretamente

como um ato de juízo, assim como fez com o Faraó na época do êxodo, e

com os reis amorreus e cananeus na época da conquista da terra prometida

pelos israelitas. No entanto, parece mais provável que esse endurecimento

tenha sido indireto. O Senhor temporariamente deu as costas ao povo exilado

(64.7), fazendo com que ficasse amargo e desmotivado. Talvez como

técnica retórica, o discurso de lamentação frequentemente ignore causas

intermediárias e assuma uma visão determinista que atribui o endurecimento

e o sofrimento diretamente a Deus (veja, por exemplo, Rt 1.20-21 e

o SI 88).217 Seja esse endurecimento considerado direto ou indireto, foi um

dos aspectos do juízo divino sobre o pecado de Israel.

O profeta pede ao Senhor para intervir em favor de seu povo (v. 17b-19).

Ele destaca que ele é, de fato, o povo do Senhor (observe: “teus servos”,

“tua herança”, “teu povo”, “somos teus”). Dessa maneira, ele implica que

a reputação de Deus está em jogo. De fato, foi o santuário do Senhor que

foi violado. A situação pode ser remediada por uma nova demonstração do

poder assombroso de Deus (64.1). O profeta pede que o Senhor rache os

céus e desça à terra em grande demonstração de poder, como fez no passado.

O verbo traduzido do hebraico como “tremesse” só é utilizado aqui

e em Juizes 5.5, que descreve em termos poéticos a intervenção do Senhor

em prol de Israel. Em ambos os textos, os montes são o sujeito do verbo, e

sua resposta é inspirada pela presença do Senhor como guerreiro. É provável

que o profeta, aqui, faça alusão a esse poema antigo. Ele está pedindo

uma nova demonstração do grande poder de Deus, revelado em tempos

passados. Essa demonstração “limparia” a reputação (ou “nome”) de Deus

e colocaria as nações hostis em seu lugar (v. 2).

Relembrando a intervenção de Deus em favor de seu povo no passado,

o profeta afirma que o Deus de Israel é único. Nenhum outro deus, ele

argumenta, demonstrou esse poder e vontade de salvar seu povo (v. 3-4).

Mas tem uma pegadinha. Israel, em pecado, descobriu que Deus intervém

em favor daqueles que permanecem fiéis a ele (v. 5a). Quando Israel se

rebelou contra ele, perdeu seu cuidado protetor e tomou-se objeto de sua

ira disciplinadora (v. 5b).

Falando como representante do povo exilado de Deus, o profeta confessa

que toda a nação é culpada aos olhos de Deus (v. 6), como alguém

que ficou ritualmente contaminado. O que eles consideram obras justas,

o Senhor vê como trapos sem valor (literalmente, “panos menstruais”).

Falta à nação pecadora vitalidade e estabilidade. Ela é como uma folha

217 Para uma discussão de Isaías 63.17 no contexto maior do tema do endurecimento divino na Bíblia

hebraica, veja Chisholm, “Divine Hardening in the Old Testament”, 410-34, especialmente a 433.


Isaías 1145 j

ressequida ou como a palha soprada pelo vento. O povo se esqueceu de

Deus, talvez percebendo que ele o rejeitou e o puniu (v. 7).

Apesar da rachadura na relação de Deus com seu povo, o profeta espera

a reconciliação. Ele lembra ao Senhor que ele é o pai e o criador da nação

(v. 8). Ele suplica ao Senhor que abrande sua ira e não leve em conta os

pecados do povo (v. 9). Para motivar uma resposta divina positiva, o profeta

descreve a condição lamentável da terra prometida (v. 10-11). As cidades

do Senhor, incluindo Jerusalém, estão em ruínas. O templo, outrora um

centro de louvor e adoração, virou cascalho. A situação parece exigir uma

resposta do Senhor (v. 12).

O justo e o ímpio

Um estudo de contrastes (65.1-66.24)

O Senhor responde a prece do profeta. Ele deixa claro que se revelou

a seu povo, embora este não o tenha procurado ou invocado seu nome em

oração (v. 1). O Senhor saiu de seu caminho para buscar reconciliação com

seu povo obstinado (v. 2), mas ele persistiu em seus costumes de pecado,

práticas pagãs e orgulho religioso (v. 3-5).218 Por essa razão, o Senhor persistirá

em seu juízo (v. 6-7). O juízo distribuído aos patriarcas continuará a

cair sobre seus filhos. Como observado (veja os comentários introdutórios

na NIV sobre 56.9-57.13a), o Senhor antecipa que muitos dos exilados, ao

voltar, repetirão os pecados de seus pais. Projetando-se no futuro, ele descreve

esses futuros pecadores e relaciona-os com as gerações pré-exílicas

que o ignoravam.

Como sempre, o juízo do Senhor sobre pecadores é discriminatório e

não atinge juntamente justos e ímpios. Embora um cacho de uvas possa

ter muitas uvas ruins, os apanhadores gastarão algum tempo para salvar as

uvas boas do cacho antes de descartá-lo. Da mesma forma, o Senhor preservará

o remanescente fiel de seu povo pecador (v. 8). Esse remanescente, a

quem o Senhor chama “meus servos”, herdará a terra prometida (v. 9), onde

poderá descansar seus rebanhos em paz (v. 10).219

Entretanto, os idólatras não terão lugar nessa nova era. Porque rejeitaram

o Senhor por deuses pagãos (v. 11), serão cortados pela espada

(v. 12). Os servos do Senhor desfrutarão de suas bênçãos, mas os ímpios

2.8 Alguns consideram as formas verbais no perfeito nos versículos 1-2 como referindo-se a ações

passadas, mas o contexto seguinte deixa claro que a primeira geração pós-exílica está em pauta. Por

essa razão, os tempos perfeitos são mais bem entendidos em um sentido descritivo ou gnômico presente

(veja Westermann, Isaiah 40-66, 398-99) ou como presente perfeito [tempos verbais do inglês]. Dessa

forma, a geração em pauta aqui está vinculada a seus ancestrais (v. 7).

2.9 Sarom, situada ao longo da costa mediterrânea para o oeste, e o vale de Acor, situado perto de

Jericó, a leste, representam toda a extensão da terra, de leste a oeste.


146 I Introdução aos profetas

terão fome e se envergonharão (v. 13-14). Os servos do Senhor receberão

novo nome, simbolizando o amanhecer dessa nova era, mas o nome dos

ímpios só será lembrado quando for usado em fórmulas de maldição (v.

15). Na era por vir, o povo do Senhor será leal a ele e fará juramentos em

seu nome (v. 16a).

Usando o discurso da criação, o Senhor anuncia que irá “criar novos céus

e nova terra” (v. 17a). Problemas do passado serão esquecidos (v. 16-17b),

quando o povo do Senhor concentrar sua atenção na transformação de

Sião e em sua restauração ao favor divino (v. 18-19).220 O poder da morte

desaparecerá totalmente (v. 20), e o povo desfrutará de paz e prosperidade

(v. 22-23).221 Antes mesmo de verbalizar seus pedidos a Deus, ele responderá

(v. 24). A violência e a hostilidade, sintetizadas na “lei da sobrevivência”

que permeia o reino animal, desaparecerão (v. 25). A imagem de

predador e presa vivendo juntos em paz já aparecia em Isaías 11.6-9, em

que os predadores simbolizam os opressores humanos e a presa, suas vítimas

indefesas. Afigura de linguagem pode ser estritamente metafórica, mas

pode descrever uma mudança radical que vai refletir a transformação na

sociedade humana, em que justiça e paz prevalecerão.

Alguns consideram a referência ao “pó” como “a comida da serpente”

uma alusão a Gênesis 3.14 e entendem a declaração como uma profecia do

juízo contínuo de Deus sobre Satanás. No entanto, essa interpretação alegórica

não encontra suporte no contexto. A questão nessa declaração é que

a serpente, como outros animais perigosos, não representará mais perigo

para aqueles que, no passado, ela aterrorizava (observe o paralelismo no

versículo 25, assim como em Is 11.8).

Talvez alguns possam considerar essa visão brilhante do futuro boa

demais para ser verdade. O Senhor lembra a qualquer cético que ele é o

soberano criador e governante do mundo (66.1-2a). Seu santuário está em

ruínas (63.18), mas isso não quer dizer que ele tenha ficado limitado de

alguma forma, pois ele não habita, de fato, em uma casa construída pela

mão do homem.

220 No contexto da profecia de Isaías, esta passagem, como tantas outras nos capítulos 40-66, antecipa

o retomo do Senhor à Jerusalém destruída, a reconstrução da cidade e a prosperidade da comunidade

da aliança restaurada. Ao comparar hiperbolicamente esses eventos a uma nova criação do cosmos, o

profeta enfatiza a transformação que ocorrerá. Em Apocalipse 21-22, o apóstolo João também combina

as imagens da nova criação com o tema de uma nova Jerusalém quando descreve o futuro glorioso

guardado para aqueles que o Cordeiro de Deus redimiu, incluindo Israel e a igreja (Ap 21.12-14).

221 A descrição no versículo 20 não vai tão longe quanto o retrato anterior da morte da morte. Em

25.6-8, Isaías mostra a derrocada extrema da morte, que é engolida de uma vez por todas pelo próprio

Senhor, juntamente com o estabelecimento de seu reinado universal a partir de Sião. Aqui em 65.20, vêse

a longevidade, não a imortalidade. A morte continua a existir, embora seu poder sobre a humanidade

seja fortemente enfraquecido.


Continuando o contraste entre o justo e o ímpio, o Senhor afirma que

ele tem preferência especial pelos humildes e pelos arrependidos (v. 2b).

Por outro lado, ele punirá severamente os idólatras que persistem no mal

e ignoram suas tentativas de reconciliação (v. 3-4). O versículo 3 dá uma

descrição detalhada desses malfeitores hipócritas:222 oferecem sacrifícios e

incenso, mas, ao mesmo tempo, são culpados de crimes violentos, infrações

de rituais prescritos na lei mosaica e idolatria.223 Esses malfeitores perseguem

os justos, mas o Senhor garante a seus seguidores leais que castigará

esses inimigos por seus pecados (v. 5-6).

O Senhor, agora, volta ao tema da restauração de Sião, comparando-

-a a uma gestante que dá à luz sem ter de suportar as dores do parto (v.

7). Da mesma forma, os filhos exilados de Sião lhes serão restaurados

de súbito (v. 8), quando o Senhor cumprir o que prometeu (v. 9). Esse

anúncio deve trazer grande alegria para aqueles que amam Sião e choram

sua derrota passada (v. 10), pois eles serão os beneficiários de sua restauração.

Os cidadãos de Sião vão juntar a riqueza das nações com toda

a ansiedade de uma criança sedenta bebendo dos seios cheios de leite de

sua mãe (v. ll-12a). Os habitantes de Sião se sentirão seguros como uma

criança nos braços da mãe (v. 12b-13).

Os servos do Senhor se regozijarão quando virem seu poder fazer a

restauração de Sião (v. 14a), mas os inimigos do Senhor serão objeto

da ira de seu juízo (v. 14b-16). Ele virá como um guerreiro poderoso

e punirá todos os homens, muitos dos quais cairão pela espada. O alvo

especial da ira divina serão aqueles da comunidade da aliança que se

envolvem em práticas religiosas pagãs e se corrompem ritualmente,

comendo comida proibida e impura (v. 17; veja os v. 3-5). Esse grupo

será completamente destruído.

Essa revelação do poder e da glória de Deus terá um impacto mundial

(v. 18). Quando baixar a poeira do juízo divino, haverá alguns sobreviventes

entre os inimigos de Deus (veja o v. 16, que diz que “muitos”,

mas não todos, inimigos de Deus morrerão). Testemunhas pessoais do

poder de Deus, eles serão enviados às nações distantes para testemunhar

222 A tradução da NVI presume uma série de comparações aqui, mas isso é interpretativo; não há

indicadores no texto hebraico de que haja comparações em tela. É preferível ver aqui uma lista de

práticas dos malfeitores, que combinam rituais de culto tradicionais com um comportamento pagão.

223 O significado de quebrar o pescoço de um cachorro não é claro. Talvez alguma infração cultuai

esteja em vista. De acordo com Deuteronômio 21.1-9, se um homem fosse encontrado morto em um

campo, a cidade mais próxima devia fazer expiação pelo ato, quebrando o pescoço de uma novilha.

Uma vez que a linha anterior, em Isaías 66.3, refere-se a um crime violento, é possível que se tenha esse

cenário como pano de fundo. Talvez os pecadores descritos no versículo 3 estivessem levando a cabo

o ritual prescrito com cães, em vez de novilhas. O mesmo verbo hebraico é utilizado para “quebrar o

pescoço”, em Deuteronômio 21.4 e em Isaías 66.3.


1148 1 Introdução aos profetas

sua majestade e recuperar o restante do povo exilado de Deus (v. 19-20).

Alguns desses que voltarem do exílio serão designados como sacerdotes

e levitas (v. 21).224

A profecia termina com uma visão do futuro. O Senhor faz uma promessa

a seus seguidores leais (v. 22). Assim como serão estabelecidos

novos céus e nova terra, assim também durarão a reputação e a descendência

dos justos. Quanto às nações gentias, elas adorarão ao Senhor de forma

regular (semanal e mensal) (v. 23). Talvez como incentivo para permanecerem

fiéis ao Senhor, elas verão os cadáveres dos que foram destruídos

pelo juízo de Deus (v. 24; veja o v. 15-17). O local de enterro dos rebeldes

é mostrado como um túmulo com infestação em massa de vermes, de onde

sobe continuamente a fumaça dos cadáveres queimando.

No começo da profecia de Isaías, há uma denúncia de rebeldes que se

envolvem em práticas pagãs em “jardins”. Eles são destruídos pelo fogo

inextinguível do juízo divino que purifica Sião e faz dela centro de adoração

mundial (1.27-2.4). A profecia, agora, fecha o ciclo, quando termina

com uma palavra de garantia ao remanescente fiel, uma visão de adoração

mundial e um retrato vivido da derrota dos inimigos rebeldes de Deus.

224 Entendo que “alguns”, no versículo 21, refere-se aos exilados que regressam, chamados de “seus

irmãos”, no versículo 20, em que os destinatários da mensagem são os seguidores fiéis do Senhor que

amam Sião (veja os v. 5,10). Alguns entendem que os mensageiros gentios estão em pauta no versículo

21, em cujo caso esta é uma previsão suipreendente de que os gentios serão incorporados à comunidade

da aliança em um papel sacerdotal.


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Jeremias e Lamentações

O profeta das lágrimas (Jeremias)

Introdução

A carreira profética de Jeremias começou em 672 a.C. (o décimo terceiro

ano do reinado de Josias) e terminou logo após a queda de Jerusalém,

em 586 a.C. (veja Jr 1.1 -3).1Ele perseverou, apesar da intensa oposição

das autoridades reais. De forma geral, seus alertas sobre o desastre iminente

passaram despercebidos. No final, sua mensagem e seu ministério foram

justificados quando Jerusalém caiu, do jeito que ele tinha anunciado que

aconteceria.

O livro contém uma variedade de gêneros literários, inclusive oráculos

proféticos em forma poética, - as chamadas confissões de Jeremias destaques

biográficos do ministério do profeta e sermões proféticos em estilo mais

prosaico.2 Essa variedade de estilos deu origem a diversas teorias complexas

sobre como o livro evoluiu para sua forma atual. Uma comparação do texto

hebraico tradicional (massorético) com a versão grega antiga (Septuaginta)

sugere que o livro existiu em pelo menos duas formas canônicas nos tempos

antigos. A versão em grego é aproximadamente um oitavo mais curta que a

versão em hebraico. Além disso, os oráculos contra as nações, que aparecem

nos capítulos 46-51 no texto em hebraico, vêm depois de 25.13 na versão em

grego e apresentam um arranjo interno diferente.3

1Para um gráfico que mostra o material datado em Jeremias, veja Raymond B. Dillard e Tremper

Longman III, An Introduction to the Old Testament (Grand Rapids: Zondervan, 1994), 302.

2 Para uma discussão sobre gêneros em Jeremias, veja Bullock, C. Hassell, An Introduction to the Old

Testament Prophetic Books (Chicago: Moody, 1986), 204-6.

3 Veja Longman e Dillard, Introduction, 291-94, e Bullock, Introduction, 206-7.


1172 1 Introdução aos profetas

Na versão em hebraico, que é utilizada como base para o comentário

que segue, o livro apresenta a estrutura a seguir. Em 1.1-25.13, o foco é o

pecado e Judá e a condenação próxima. As mensagens proféticas dominam

a seção. A segunda seção principal do livro consiste dos capítulos 26—45,

que são essencialmente biográficos e traçam a queda de Judá, culminando

com a conquista babilônica de Jerusalém, em 586 a.C. Oráculos anunciando

o juízo sobre as nações emolduram essa longa seção. Em 25.14-38, o tema

do juízo universal é apresentado, enquanto os oráculos propriamente ditos

aparecem nos capítulos 46-51. As “palavras de Jeremias” acabam no capítulo

51 (veja o v. 64b), mas o livro contém um epílogo (cap. 52), que é um

paralelo ao relato da queda de Jerusalém em 2Reis 24-25. O epílogo foi

incluído provavelmente para demonstrar que o ministério e a mensagem de

Jeremias foram plenamente justificados na história.4

À beira do desastre (Jr 1-25)

A primeira seção do livro se concentra no pecado de Judá e na condenação

iminente. Depois da abertura do livro (1.1-3) e da narrativa introdutória

dando conta da designação de Jeremias como profeta (1.4-19), a

seção inclui diversas extensas unidades de discurso, sendo cada uma delas

iniciada por uma referência a Jeremias recebendo a palavra do Senhor:

Capítulos 2-6 (observe: “A mim me veio a palavra do

Se n h o r ” , em 2.1)5

Capítulos 7-10 (observe: “Palavra que da parte do Se n h o r

foi dita a Jeremias”, em 7.1)

Capítulos 11-12 (observe: “Palavra que veio a Jeremias, da

parte do Se n h o r ” , em 11.1)

Capítulos 13-17 (observe: “Assim me disse o Se n h o r ", em

13.1 e 17.19)6

Capítulos 18.1-19.13 (observe: “Palavra do Se n h o r que veio

a Jeremias”, em 18.1)7

4 Veja J. A. Thompson, Jeremias, NICOT (Grand Rapids: Eerdmans, 1980), 773-74.

5 Em suas utilizações posteriores nos capítulos 1-25 (veja 13.3,8; 16.1; 18.5; 24.4), essa fórmula não

apresenta uma unidade de discurso maior. A escolha de palavras é provavelmente influenciada em 2.1

pela aparição da fórmula no relato anterior do comissionamento (veja 1.4,11,13). O surgimento dessa

fórmula na primeira unidade de discurso principal do livro a vincula ao relato do comissionamento.

6 As duas unidades apresentadas dessa forma criam um colchete em torno desta seção. A afirmação

“isso é o que o Se n h o r disse” (em hebraico, koh 'am a r aáonai) aparece com frequência nos capítulos

1-25, mas somente nesses dois textos em 25.15 “para mim” (referindo-se ao profeta) é acrescentado.

7 A fórmula introdutória é a mesma utilizada em 7.1 e 11.1.


Jerem ias e L am entaçõ es (173 j

Neste ponto, aparece uma narrativa (referindo-se a Jeremias na terceira

pessoa) - em 19.14—20.6 - à qual é anexada uma das chamadas “confissões

de Jeremias” (20.1-18). Segue-se outra longa unidade de discurso, iniciada

pela fórmula “Palavra que veio a Jeremias da parte do S e n h o r ” (21.1).8 Em

24.1-25.14, encontram-se duas passagens, datadas em períodos específicos,

e as duas lidam com o tema do exílio de Judá. Um discurso de juízo contra as

nações (iniciado por “Fez-me ver o S e n h o r ” , veja 25.15) encerra a seção.9

O chamado de Jeremias (1.4-19)

Nunca houve dúvidas de que Jeremias seria um profeta. Antes mesmo

de Jeremias nascer, o Senhor o escolheu para ser seu porta-voz profético

para as nações (v. 4-5). Consciente de sua juventude e inexperiência, Jeremias

contrapôs que não era articulado (v. 6), mas o Senhor não aceitou as

esquivas. Ele designou Jeremias para proclamar sua palavra e garantiu-lhe

sua presença protetora (v. 7-8). Como porta-voz de Deus, Jeremias teria

autoridade divina. Quando o profeta anunciasse a queda ou ascensão de

uma nação, o poder de Deus faria de sua mensagem uma realidade (v. 9-10).

Para convencer Jeremias do poder da palavra profética, o Senhor lhe

deu duas visões simbólicas. Na primeira visão, Jeremias viu o galho de

“amendoeira” (em hebraico, shoqed). O Senhor, então, explicou que estava

“velando” (em hebraico, shoqed) os acontecimentos para garantir que sua

palavra se cumprisse (v. 11-12). O significado da visão deriva da semelhança

dos sons entre termos-chave. Toda vez que o profeta visse uma

amendoeira, devia se lembrar de que o Senhor garantiu o cumprimento da

palavra profética.

Na segunda visão, o profeta viu uma panela ao fogo apontada para Judá,

do norte (v. 13). O conteúdo fervente da panela simbolizava o desastre que

se abateria sobre Judá na forma de exércitos invasores vindos das regiões

do norte (v. 14-15). Esse desastre aconteceria por causa da idolatria de Judá

(v. 16). Provou-se que esse inimigo do norte eram os babilônios e seus aliados

(veja Jr 25.9,26; 46.20,24).10

8 Conquanto a NIV tenha uma tradução diferente aqui, a fórmula no texto hebraico é idêntica à

utilizada em 7.1; 11.1; e 18.1.

9 A fórmula é quase idêntica à que aparece em 13.1 e em 17.19. Em 25.15, a expressão “Deus de

Israel” é acrescentada, talvez para enfatizar que o Deus de Israel é soberano sobre as nações.

10 No passado, alguns acadêmicos identificaram esses invasores do norte com os citas, mas é mais

provável, à luz de desenvolvimentos históricos subsequentes, que os caldeus (i.e., os babilônios) sejam

os invasores (veja Thompson, Jeremiah, 86-87). Embora a Babilônia fique a leste de Judá, os babilônios,

como os assírios antes (Is 14.31), invadiram a Palestina vindo do norte (Ez 26.7), e a Babilônia era vista

como uma terra ao norte (Zc 2.6; 6.8). Edwin M. Yamauchi sugere que mercenários citas podem ter

servido no exército babilônio. Veja, de sua autoria, Foes from the Northern Frontier (Grand Rapids:

Baker, 1982), 87-99.


1174 I Introdução aos profetas

Tendo prometido a Jeremias que ele se certificaria pessoalmente de

que seus juízos aconteceriam de fato, o Senhor instou o profeta a proclamar

sem medo a palavra divina (v. 17). Haveria, inevitavelmente, oposição

daqueles que ocupavam altas posições e da população em geral, mas

o Senhor garantiu a Jeremias que ele ficaria blindado contra esses ataques.

Jeremias permaneceria firme como “uma cidade fortificada, uma coluna

de ferro e um muro de bronze”, pois o Senhor estaria com seu servo e o

resgataria (v. 18-19).

O Senhor deve punir a infiel Judá (2.1-6,30)

Este longo discurso contém duas seções principais (2.1-3.5; 3.6-6.30),

que se separam pelo cabeçalho cronológico de 3.6. Dentro da segunda dessas

seções, o foco de 3.6^1.2 é no exílio de Israel, enquanto 4.3-6.30 dirige-

-se ao povo de Judá e Jerusalém.

Uma nação infiel busca seus amantes (2.1-3.5)

Usando a metáfora do casamento e falando como se fosse marido de

Israel, o Senhor relembra a devoção amorosa que sua noiva tinha para com

ele nos anos iniciais de seu relacionamento (2.1-3). Israel seguiu o Senhor

pelo deserto e ocupou uma posição especial, única. O Senhor deu valor a

ela, como aos primeiros frutos de uma colheita, que eram reservados ao

Senhor. Ele enviou desastre sobre todos que ousaram tentar devorá-la.

Esse retrato exagerado da história primitiva de Israel é idealizado de

forma tão óbvia que parece risível. Uma breve pesquisa no Pentateuco e

nos livros de História mostra que Israel frequentemente se rebelou contra o

Senhor e foi infiel ao compromisso da aliança quase desde o comecinho de

sua história (veja, entre outros textos, Ex 32; Nm 14; 25; Jz 2. Observe também

o sumário em Ez 20.10-21). Entretanto, com o passar do tempo houve,

sem dúvida, uma tendência de olhar para trás, para os tempos antigos, com

saudade, como um tempo em que, pelo menos em termos relativos, a relação

de Israel com Deus parecia ter sido mais íntima e vital do que veio a

se transformar. O Senhor, aqui, explora esse ponto de vista nostálgico com

intenção retórica (essa mesma estratégia é visível em Os 2.14; 13.5)."

Com o tempo, Israel abandonou o Senhor e se voltou à idolatria (v. 4-5).

O povo esqueceu como o Senhor libertou seus ancestrais do Egito e os guiou

pelos perigos do deserto até a fértil terra prometida (v. 6-7). Os sacerdotes

ignoraram o Senhor, e os profetas serviram a outros deuses (v. 8). A rejeição

ao seu Deus não tinha precedentes entre as nações e era completamente

11 Jeremias 7.25-26 deixa claro que o Senhor não era um romântico idealista se afogando num xarope

de nostalgia. Ele sabia bem do “lado negro” da história primitiva de Israel.


Jerem ias e Lam e n ta çõ e s 1175 I

irracional (v. 9-12). Não tinha sentido trocar seu rei divino e glorioso por

ídolos sem valor algum. O Senhor era como uma fonte que dá água fresca

(simbolizando suas bênçãos ricas e vivificantes), mas o povo preferiu os ídolos,

comparados aqui a cisternas rachadas que não seguram a água (v. 13).12

Israel ocupava uma posição especial diante do Senhor, a nação não era

um escravo qualquer. Mas, apesar de seu status especial, o povo tinha se

deixado levar, como a presa de um leão feroz, e a terra foi deixada em ruínas

(v. 14-15). O Senhor pode aludir aqui às invasões assírias do século anterior,

especialmente as de Tiglate Pileser III, em 733 a.C., de Salmanezer V, em

722 a.C., e de Senaqueribe, em 701 a.C. O perigo também tinha vindo do sul.

Os egípcios (aqui representados pelas cidades de Mênfis e Tafnes, veja 44.1;

46.14) também tinham derrotado o povo de Deus (v. 16).13 O texto pode fazer

alusão à vitória egípcia sobre Josias em Megido, em 609 a.C., uma batalha

que custou a vida ao rei de Judá (2Rs 23.29-30; 2Cr 35.20-24).

O povo de Deus não podia culpar ninguém a não ser a si mesmo pelos

desastres que o tinham alcançado (v. 17-19). Tinha se esquecido do Senhor

e estava pagando pelas conseqüências de sua rebeldia. A liderança da nação

tinha tentado tradicionalmente encontrar segurança em alianças estrangeiras,

mas essa estratégia, que demonstrava uma falta de fé no poder protetor

do Senhor, era futil.

O povo tinha rejeitado a autoridade do Senhor muito tempo antes e

tinha se prostituído com outros deuses, especialmente o deus cananeu

da fertilidade, Baal (v. 20). Eles eram como uma parreira que dá fruto

amargo, embora tenha origem em mudas de alta qualidade (v. 21).14 Sua

culpa era óbvia, como uma mancha em uma roupa que o sabão não consegue

remover (v. 22), em sua busca selvagem a Baal. A nação tinha agido

como uma camela nova que exibe total falta de disciplina (v. 23) ou como

uma jumenta selvagem que, no calor do cio, busca freneticamente um

companheiro (v. 24).15 Ao buscar por seus falsos deuses, a nação obcecada

12 Cisternas eram recipientes feitos pelo homem para represar água. Eram forradas normalmente

com uma argamassa de cal para ficarem impermeáveis. No território montanhoso da Judeia, o leito

de calcário impermeável servia como impermeabilizante natural, sendo desnecessário emassá-las. As

cisternas do versículo 13 foram escavadas em rocha porosa e não tinham sido seladas apropriadamente.

Veja Philip J. King, Jeremiah: An Archaeological Commentary (Louisville: Westminster John Knox,

1993), 154-57.

13No versículo 16, o texto hebraico diz, literalmente: “Pastaram o alto da tua cabeça”. O verbo

“pastar” (em hebraico, r a a h ) é normalmente considerado no sentido metafórico aqui, significando

“despir” ou “rapar”. Entretanto, é melhor corrigir o texto e ler uma forma do verbo r o o ', “quebrar”

(“quebraram tua cabeça”) ou o verbo ‘a ra h , “desnudar” (“eles desnudaram a tua cabeça”).

14 Para uma discussão sobre a viticultura no antigo Israel, veja Oded Borowski, Agriculture in Iron

Age Israel (Winona Lake: Eisenbrauns, 1987), 102-14.

15 Para uma descrição do comportamento desses dois animais, veja William L. Holladay, Jeremiah 1

(Filadélfia: Fortress, 1986), 100.


í 176 1 Introdução aos profetas

por ídolos correu, digamos, até suas sandálias gastarem e sua garganta

secar (v. 25). A idolatria de Israel, em última análise, provou-se fútil e

humilhante, especialmente para os líderes da comunidade (v. 26).

Os pecados do passado continuaram até a data corrente. Os contemporâneos

de Jeremias em Judá (observe: “Ó Judá” no versículo 28 e “que

geração” no versículo 31), com a casa de Israel, adoraram deuses falsos

e rejeitaram seu verdadeiro criador. Mesmo assim, quando os problemas

chegaram, eles se voltaram para o Senhor, como se soubessem intuitivamente

que ele é o único Deus realmente capaz de ajudá-los (v. 27). Mas o

Senhor não se deixaria manipular por essa “adoração” de araque. De forma

sarcástica, ele os conclamou a buscar socorro em seus ídolos (v. 28). Apesar

de sua negação, a rebeldia da nação era evidente (v. 29). O Senhor tentou

chamar sua atenção, mas eles tinham atacado seus profetas com violência

(v. 30), como se vissem o Senhor como um “deserto” cheio de perigos, ou

uma terra sombria (v. 31). A reação da nação ao Senhor não fazia qualquer

sentido. Uma mulher jovem é normalmente preocupada com sua aparência

e se embeleza com joias. Uma noiva nunca esquece de colocar seu vestido

de noiva antes do casamento. Da mesma forma, o povo do Senhor devia ter

se preocupado com ele, mas, em vez disso, buscou outros deuses com tanta

paixão que virou bom exemplo de como fazer o mal (v. 32-33).

A nação tinha aumentado sua culpa pela adição do pecado da injustiça

social ao da idolatria (v. 34). Sua idolatria demonstrou sua recusa em amar

ao Senhor seu Deus, enquanto a opressão dos pobres revelou seu fracasso

em amar ao próximo. Como Jesus explicou uma vez, amor a Deus e ao

próximo é a essência da lei e dos profetas (Mt 22.37-40), mas o povo de

Deus tinha rejeitado seus padrões. Notavelmente, o povo teve a audácia de

declarar inocência, mas o juízo viria, e as alianças estrangeiras que demonstravam

sua falta de fé provariam ser inúteis (v. 35-37).

Embora sentindo a ira do Senhor, a nação parece ter pensado que a

reconciliação seria fácil (3.4-5a). Entretanto, o Senhor lembrou a eles um

princípio moral que está na lei (v. Ia). De acordo com a lei, se uma mulher

divorciada se casasse novamente, ela não poderia retomar depois ao seu

primeiro marido (Dt 24.1-4). Se esse princípio se aplica a uma mulher que

se casasse novamente, quanto mais se aplicaria à nação idólatra, pois ela

tinha se voltado para a prostituição e se dado a muitos amantes (v. lb-2)! De

forma adequada, o Senhor segurou a chuva que Israel tinha buscado com

Baal, e, mesmo assim, a nação descaradamente recusou-se a admitir sua

culpa e até apelou por socorro ao Senhor (v. 3-5a). Ela se dirigiu a ele como

pai e marido, sugerindo que eles tinham desfrutado de um longo relacionamento

de intimidade. Suas perguntas sobre a duração da ira de Deus significavam,

talvez, que ela achava que o tratamento que ele lhe dispensava


Jerem ias e L am entaçõ es 1177 j

talvez fosse insensível e injustificado.16 Mesmo assim, sua persistência no

pecado expôs suas palavras como vazias e desprovidas de verdade (v. 5b).

O chamado para Israel voltar ao lar (3.6-4.2)

Comparando Israel e Judá a duas irmãs, o Senhor acusou ambas de adultério

(v. 6-11). Israel, o reino do norte, tinha adorado deuses da fertilidade

(v. 6; 2.20). O Senhor esperava que Israel se arrependesse e se voltasse para

ele, mas a nação se recusou a fazer isso e continuou em pecado (v. 7a).17 O

Senhor foi forçado a se “divorciar” de Israel e enviá-lo para o exílio como

punição por sua infidelidade (v. 8a). Esse “divórcio” ocorreu em 722 a.C.,

quando os assírios levaram os israelitas para o exílio e transformaram o

território de Israel em uma província assíria.

Judá, a “irmã” de Israel, ao sul, estava assistindo a tudo isso acontecer

(v. 7b). Devia ter guardado o episódio no coração e permanecido fiel ao

Senhor, mas, em vez disso, também cometeu adultério espiritual ao adorar

ídolos (v. 8b-9).18 Embora tenha mostrado uma intenção de arrependimento

(pode-se estar falando das reformas de Josias), seus atos eram vazios

e não refletiam uma mudança genuína de coração (v. 10). No que tocava ao

Senhor, Judá era mais condenável do que Israel, porque Judá teve a vantagem

de testemunhar o castigo de Israel e, mesmo assim, persistiu em seu

adultério (v. 11).

Essa referência à inocência relativa de Israel levou o Senhor a emitir um

chamado ao arrependimento a Israel, infiel e no exílio (v. 12a). Ele encorajou

a nação, lembrando que é misericordioso e prometendo que não ficaria

16 A expressão hebraica traduzida por “meu amigo da minha mocidade” (literalmente, “companheiro

da minha mocidade”) é utilizada em Provérbios 2.17 (cf. “parceiro da mocidade”, literalmente,

“companheiro de sua mocidade”) para designar o marido de uma adúltera (v. 16).

17A maioria dos intérpretes entende a palavra hebraica iva'ornar, “e eu disse”, no sentido de “e eu

pensei” (i.e., “disse a mim mesmo”) e considera o imperfeito que se segue como indicativo (“ela irá

retomar”), gerando a seguinte tradução: “Pensei: ‘Depois de ter feito tudo isso, ela irá retomar para

mim’. Mas ela não retomou”. Da mesma maneira, os versículos 19b-20 são normalmente traduzidos

assim: “Pensei: ‘Você vai me chamar de pai e nunca mais irá me abandonar’. Mas, como uma mulher

infiel você será infiel para mim, ó casa de Israel”. Outra opção, menos provável, é traduzir o versículo

7 assim: “Eu disse... ‘Ela vai voltar para mim’. Mas ela não voltou”. Nessa interpretação, o imperfeito

(“ela deve voltar”) é entendido como uma obrigação. Nesse caso, a ordem do Senhor é desconsiderada,

em vez de suas expectativas não serem atendidas. Da mesma maneira, os versículos 19b-20 podem ser

traduzidos: “Eu disse: ‘Vocês têm de me chamar de pai e vocês não podem me abandonar’, mas, como

uma mulher infiel ao seu marido, assim você foi infiel a mim, ó casa de Israel”. Para essa interpretação

dos versículos 19b-20, veja Thompson, Jeremiah, 204, 206-7 (no entanto, Thompson não trata o v. 7

dessa maneira. Veja a p. 193, em que ele traduz: “Pensei que ela voltaria para mim, mas ela não voltou”).

18 Dentro da estrutura da metáfora do casamento empregada aqui, o Senhor é retratado com duas

esposas, as irmãs Israel e Judá (veja também Ez 23). Embora a lei proibisse um homem de se casar com

irmãs (Lv 18.18), a prática não é desconhecida na Bíblia (cf. Jacó). O Senhor, aqui, utiliza uma metáfora

condicionada contextualmente para fins ilustrativos. A utilização dessa ilustração não significa que o

Senhor tolerasse a bigamia.


1178 I Introdução aos profetas

irado para sempre (v. 12b). Tudo que o Senhor pedia era uma confissão de

culpa (v. 13). Como marido de Israel, ele estava mais do que pronto para

libertar os exilados e trazer os remanescentes ao lar, em Sião (v. 14). Ele

daria à nação novos líderes que fossem leais a ele. A nação conheceria uma

explosão demográfica (v. 15-16a). Não seria sentida a falta da antiga arca

da aliança, símbolo da presença do Senhor, pois a presença do Senhor em

Jerusalém seria evidente para todos, inclusive para as nações da terra, antes

rebeldes (v. 16b-17). Israel e Judá, divididas desde os dias de Roboão e

Jeroboão, seriam reunidas na terra prometida (v. 18).

O Senhor só queria o melhor para Israel (v. 19a). Ele esperava que Israel

o reconhecesse como seu protetor paterno e que permanecesse fiel a ele,

mas foi desapontado (v. 19b-20). A mistura de metáforas (Deus é tanto pai

quanto marido) eleva a solidariedade do discurso e ajuda-nos a ter simpatia

com a dor emocional e o desapontamento de Deus.19 As preces por libertação

e os gritos de dor de Israel puderam ser ouvidos nos altos dos montes,

dando evidência de que o povo estava pagando pelas conseqüências de seus

pecados (v. 21). Em resposta, o Senhor chamou seu povo desviado para

voltar e prometeu curá-lo de sua propensão ao desvio (v. 22a).

Neste ponto, o povo, de forma altamente dramática, responde ao chamado

do Senhor ao arrependimento, anunciando sua intenção de voltar para

ele (v. 22b), repudiando sua idolatria (v. 23-24) e confessando seus pecados

(v. 25). Obviamente, essas palavras não foram realmente ditas por Israel no

exílio. Essa é uma oração modelo, na qual o profeta, falando em nome dos

exilados, demonstra como seria uma resposta adequada, esperando que ela

seja recitada por uma futura geração arrependida20 (Oseias usa uma técnica

semelhante em Os 6.11-3 e 14.2-4).

O Senhor responde a esse modelo de oração conclamando Israel a seguir

seus bons impulsos (4.1a). Ele assegura à nação que se, de fato, deixar de

lado os ídolos e renovar sua lealdade ao Senhor, o impacto dessa mudança

terá alcance mundial (v. lb-2). Quando as nações virem Israel, obediente,

conhecer a bênção renovada do Senhor, elas se arrebanharão em Jerusalém

(3.16-17) e se tomarão adoradoras do Deus único e verdadeiro (4.2b). As

nações pronunciarão bênçãos em nome do Senhor e farão do Deus de Israel

o objeto de seu orgulho.21

19 A esse respeito, veja os comentários inspiradores de Terence Fretheim, The Sujfering o f God

(Filadélfia: Fortress, 1984), 116.

20 Veja Thompson, Jeremiah, 209.

21 A NIV traduz a primeira linha de Jeremias 4.2b assim: “Então, as nações serão abençoadas por

ele”. Mas a forma verbal hitpael do verbo “abençoar” é mais bem entendida em um sentido recíprocoreflexivo:

“Então, as nações vão se abençoar umas às outras por ele”. Dessa maneira, elas vão copiar

Israel, que fará o pronunciamento formal utilizando a seguinte fórmula: “Se jurares pelo Se n h o r ”

(veja o v. 2a).


Jerem ias e Lam e n ta çõ e s 1179 1

Um invasor assola Judá (4.3-6.30)

O Senhor, que desejou a reunificação definitiva de Israel e Judá (3.18),

a seguir se volta para os homens de Judá e Jerusalém e os conclama a se

arrependerem de seus pecados. Usando imagens agrícolas, ele os exorta a

ararem seus campos, preparando-os para o plantio (Os 10.12) e os alerta contra

o simples espalhar de sementes em chão espinhento e não arado (v. 3).

A questão parece ser a seguinte: eles têm de se esforçar para cultivar um

novo relacionamento espiritual com o Senhor pelo arrependimento sincero

de seus pecados (3.10). Somente dessa maneira pode surgir um fruto de

bênçãos divinas restauradas.

Utilizando a imagem da circuncisão, o Senhor também os conclama a

“circuncidar” seu “coração” (v. 4a; veja Dt 10.16; 30.6; Lv 26.41). A circuncisão

do prepúcio era o sinal exterior de que um homem era membro da

comunidade da aliança do Senhor, mas o Senhor queria algo mais profundo.

Ele queria que seu povo tivesse coração e mente comprometidos consigo.

Dessa forma, seu estilo de vida obediente o distinguiria como povo especial

do Senhor. O fracasso em responder ao apelo do Senhor traria a ira furiosa

de Deus sobre a nação má (v. 4b).

De forma dramática, o Senhor conclamou o povo de Judá e de Jerusalém

a se preparar para uma invasão vinda do norte (v. 5-6; veja 1.13-15). Ele

comparou o invasor (o exército babilônio) a um leão que saiu em busca de

sua presa (v. 7). Tinha chegado a hora de lamentar pelo juízo iminente, que

deixaria os líderes de Judá paralisados de medo (v. 8-9).

O profeta respondeu a esse anúncio de juízo (v. 10). Atribuiu a complacência

de Jerusalém diante da condenação iminente ao próprio Senhor, que,

Jeremias afirmou, tinha enganado o povo.22

Jeremias afirmou que o Senhor tinha usado uma mensagem de esperança

ilusória (“vocês terão a paz”) para enganar o povo e apressar sua queda.

Essa previsão de paz foi o marco dos falsos profetas (6.13-14; 8.10-11;

14.13; 23.17). Em outras passagens no livro, o Senhor, em contraste com

o clamor de Jeremias, parece repudiar qualquer conexão com essa mensagem

falsa (14.14-15; 23.16,18,32). Por essa razão, há argumentos de que

Jeremias estava simplesmente errado ao atribuir a fraude a Deus (a esse respeito,

veja 20.7).23 Entretanto, é possível que os profetas que se opuseram

22 A construção em hebraico (infinitivo absoluto mais verbo finito) é enfática. O verbo traduzido

por “enganar” aqui é utilizado em outras passagens para a cobra que engana Eva com meias verdades

e mentiras diretas (Gn 3.13), para um rei ou deus enganando o povo em falsa confiança (2Rs 18.29 =

2Cr 32.15 = Is 36.14; 2Rs 19.10 = Is 37.10), para um aliado que desaponta um parceiro de tratado (Ob

7), para falsos profetas inspirando sua audiência com falsas esperanças (Jr 29.8) e para enganação que

provoque arrogância (Jr 37.9; 49.16; Ob 3).

23 Veja, por exemplo, Walter C. Kaiser Jr., Tcnvard Old Testament Ethics (Grand Rapids: Zondervan,

1983), 257-58.


1180 1 Introdução aos profetas

a Jeremias e pregaram essa falsa mensagem fossem agentes inconscientes

do truque divino, assim como os profetas de Acabe o foram quando prometeram

ao rei a vitória no campo de batalha e se opuseram a Miqueias (lRs

22). Como os profetas de Acabe, os falsos profetas dos dias de Jeremias

não tinham estado no conselho do Senhor, nem recebido uma incumbência

dele. O Senhor não tinha falado a eles diretamente; sua mensagem de paz

teve origem em sua própria mente. Mas, ao mesmo tempo, o Senhor pode,

de alguma forma, ter estimulado sua atividade e, como forma de juízo, provocado

o povo pecador a acreditar na mensagem deles.24

Os dias a seguir não seriam nada pacíficos. O juízo viria como um tufão

destruidor (v. 11-12). Os carros do exército invasor se moviam rapidamente

para Jerusalém (v. 13), fazendo do arrependimento uma necessidade (v. 14).

Os habitantes de Dã, situada bem ao norte da terra, e os que viviam na

região montanhosa de Efraim, logo ao norte de Judá, enviaram um grito de

alerta a Judá, ao sul, anunciando a aproximação desse exército estrangeiro

(v. 15- 17a). Judá não tinha ninguém a culpar a não ser a si mesma, pois seu

comportamento tinha causado o desastre (v. 17b-18).

Jeremias foi dominado pelo terror quando antecipou as visões e os sons

da batalha (v. 19-21). Lamentou a loucura moral de seus contemporâneos

pecadores (v. 22) e descreveu a devastação do juízo como o reverso da criação

(v. 23-26). A terra parecia estar “sem forma e vazia”, como se tivesse

retomado ao caos primordial descrito em Gênesis 1.2. A luz dos céus desapareceu,

as montanhas tremeram, as pessoas e os pássaros sumiram, e a

terra, uma vez frutífera, tinha sido reduzida a um deserto. Essa destruição

iminente era inevitável, pois o Senhor tinha decretado que o juízo viria, e

ele não revogaria sua palavra (v. 27-29).25

A presença deste decreto inalterável sugere que esse discurso (ou, ao

menos, parte dele) seja de uma data relativamente tardia na carreira de Jeremias,

porque, durante o início do ministério do profeta, o Senhor deixou

claro que se apiedaria e não mandaria o juízo se Judá se arrependesse (18.1-

12; 26.3,13,19 e também 15.6, em que Deus declara que está cansado de

se apiedar). O decreto pode parecer contradizer os chamados ao arrependimento

em 4.14 e 5.1, mas estes últimos são dirigidos a Jerusalém, não a

24 Para uma discussão mais completa dessa questão, veja Chisholm Jr., Robert B., “Does God

Deceive?” BSac 155 (1998): 18-19, e também Carroll, Robert P., Jeremiah, OTL (Filadélfia:

Westminster, 1986), 161-62.

2:1Muitas passagens na Bíblia hebraica mostram Deus desistindo depois de anunciar o juízo. De

fato, Joel 2.13-14 e Jonas 4.2 indicam que sua capacidade de desistir é um atributo divino fundamental

que nasce de sua compaixão e misericórdia. No entanto, há ocasiões em que Deus declara sua recusa

em desistir (veja, por exemplo, Nm 23.19 e ISm 15.29). Nesses casos, marca a afirmação como um

decreto divino inalterável. Para uma discussão mais completa, veja Chisholm Jr., Robert B., “Does God

•Change His Mind’?” BSac 152 (1995): 387-99.


Jerem ias e L am entaçõ es 11811

Judá com um todo. Aparentemente, no momento em que esse decreto foi

ordenado, o destino de Judá estava selado, mas não o de Jerusalém.26

Esse retrato do juízo continua à medida que Jeremias mostra o povo de

cada cidade fugindo para o campo para escapar do assassínio pelos invasores

(v. 29). Ele, então, se volta para Jerusalém e pergunta por que ela

persiste na idolatria, comparada, aqui, a uma prostituta que persegue vaidosamente

seus amantes (v. 30). Jerusalém sofreria muito, como uma mulher

em dores de parto pela primeira vez (v. 31).

Embora a condenação de Judá fosse certa (4.28), parecia haver um fiapo

de esperança para Jerusalém (5.1, veja 4.14). Com um toque de hipérbole,

o Senhor prometeu que, se uma pessoa honesta pudesse ser encontrada em

Jerusalém, ele pouparia a cidade. Mas parece que o tom da linguagem utilizada

era mais sarcástico do que esperançoso. A implicação parece ser que

todos em Jerusalém eram corruptos. De fato, o povo rompeu juramentos

feitos em nome do Senhor e recusou-se a se arrepender, mesmo quando

o Senhor o disciplinou (v. 2-3). Essa atitude rebelde caracterizava tanto

a liderança quanto o povo comum (v. 4-5). Por essa razão, os invasores

seriam largados em Judá, como um predador viciado que ataca e maltrata

suas vítimas (v. 6). Enquanto o povo persistisse em sua idolatria e seus

ritos pagãos de fertilidade, o Senhor não tinha alternativa a não ser conter o

perdão e puni-lo severamente (v. 7-9). O Senhor tinha de aparar os galhos

de seu vinhedo, por assim dizer, porque Judá tinha seguido nas pegadas

adúlteras do reino do norte (v. 10-11).

Ainda assim, o povo estava convencido de que não haveria juízo e ignorava

os alertas de profetas como Jeremias, a quem chamava de tagarelas

(v. 12-13). Para preservar a honra e a integridade da palavra profética, o

Senhor tinha de agir de forma decisiva. A mensagem de j uízo de Jeremias

se materializaria na forma de uma nação distante falando uma língua desconhecida

(v. 14-15).27 Os invasores devastariam a terra, destruindo praticamente

todo mundo e tudo em seu caminho (v. 16-17). No entanto, o Senhor

deixaria sobreviventes (v. 18). Quando esses sobreviventes perguntassem

por que o Senhor tinha trazido tanto desastre sobre a terra, Jeremias devia

dizer que esse foi o jeito de Deus punir seu pecado (v. 18-19). Adequada

26 O chamado ao arrependimento em 4.3-4, que é dirigido a Judá e a Jerusalém, deve vir de um

período anterior na carreira do profeta.

27 No versículo 15, a mensagem é para a “casa de Israel”. No versículo 11, essa expressão se refere ao

reino do norte, Israel, como sendo distinto do reino do sul, Judá (veja também 3.18,20; 11.10,17; 13.11).

Isso é problemático no versículo 15, porque Israel tinha sido invadido e levado para o exílio havia muito

tempo. Talvez Jeremias, aqui, utilize uma antiga profecia contra Israel, aplicando-a à sua audiência em

Judá. Depois de deixar claro que Judá compartilhava do pecado de Israel (v. 11; veja também 3.7-10),

ele se dirigiu a Judá como se fosse Israel, de maneira a deixar claro que Judá teria de compartilhar da

sorte de Israel.


182 j Introdução aos profetas

e ironicamente, aqueles que tinham servido a “deuses estrangeiros” agora

serviriam a “estrangeiros” em solo estrangeiro. Dessa forma, o castigo

refletiria o crime.

O povo de Judá estava espiritualmente cego e surdo (v. 20-21). Ele devia

temer o Senhor, o Criador soberano que criou um limite para o mar em

furia, para que não inundasse a terra (v. 22). No pensamento bíblico e no

antigo Oriente Próximo, o mar era visto como uma entidade perigosa que

ameaçava destruir a ordem mundial. Na Bíblia, frequentemente simboliza

as nações hostis que ameaçam destruir o povo de Deus. A afirmação no

versículo 22 serve para lembrar a capacidade que o Senhor tem de proteger

seu povo dessas forças hostis. No versículo 24b, ele lembra que o Senhor é

soberano sobre a natureza e que dá a chuva no tempo certo para que o povo

possa ter colheita abundante. A dedução é clara: Deus blinda seu povo do

perigo e lhe dá comida.

Judá devia ter temido seu protetor e provedor, mas, em vez disso,

rebelou-se contra ele, ignorando os princípios fundamentais de sua lei

(v. 23-24a). Os ímpios violaram os princípios de justiça social de Deus e

ficaram ricos explorando os fracos e os vulneráveis (v. 26-28). Os profetas

e sacerdotes operavam sem a autoridade de Deus, com a aprovação do

povo (v. 30). Por essas razões, Deus decidiu segurar suas bênçãos (v. 25)

e, como vingador dos destituídos, viu-se compelido a trazer o juízo sobre

a nação (v. 29).

Tinha chegado a hora de fugir para a segurança, pois o invasor já estava

crescendo no horizonte, ao norte, e breve cercaria Jemsalém (6.1-3). De

forma dramática, Jeremias nos deixa ouvir o grito de ataque do inimigo (v.

4-5) e também as instruções do Senhor aos invasores (v. 6-7). O Senhor

ordena que cerquem a cidade, explicando que ela deve ser punida por causa

da perversidade que produz continuamente. Entretanto, a misericórdia e a

paciência do Senhor ainda brilham quando ele mais uma vez orienta Jerusalém

a se arrepender para que o desastre possa ser evitado (v. 8; 4.14; 5.1).

Usando mais uma vez a imagem do vinhedo (veja 5.10), o Senhor autoriza

os invasores a “catarem os remanescentes de Israel” (provavelmente

uma referência a Judá como tudo que restou da comunidade da aliança original,

composta pelas 12 tribos) tão cuidadosamente quanto se colhem uvas

em uma parreira (v. 9). Jeremias entra em cena, reclamando que o povo

se recusa a ouvir a palavra de Deus (v. 10). Quando o profeta observa que

ele está “cheio da ira do S e n h o r ” e “estou cansado de a conter” (v. 11a),

o Senhor lhe dá permissão para “derramá-la” sobre o povo (v. llb-12). A

questão nesse diálogo parece ser a seguinte: quando Jeremias encontrou

Judá, teimosa e pecadora, ele se tomou mais e mais convencido da necessidade

do juízo divino e foi dominado por um desejo de proclamar esse juízo


Jerem ias e L am entaçõ es 1183 1

contra a nação. Deus concordou e o conclamou a fazer seus pronunciamentos,

que ativariam o juízo divino.

O juízo, embora severo, era bem merecido. Toda a sociedade estava corrompida

pela ganância (v. 13a). Tanto profetas quanto sacerdotes haviam

enganado o povo, negligenciando a magnitude dos seus pecados e prometendo-lhe

a paz (v. 13b-15). Eles eram maus representantes do Senhor por

darem ao povo a impressão de que não era importante aderir aos padrões

éticos de Deus.

O Senhor tinha tentado conseguir sua atenção, orientando-o a seguir o

caminho moral que tinha determinado em sua lei. Esse caminho levaria à

bênção e à segurança, mas o povo se recusou a segui-lo (v. 16). Os profetas

do Senhor, comparados aqui a sentinelas nos muros de uma cidade, alertaram

sobre o juízo iminente, mas o povo se recusou a ouvi-los (v. 17). É evidente

que o povo manteve uma aparência de religião. Oferecia incenso aromático e

sacrifícios a Deus, aparentemente com o pensamento de que essa devoção ao

ritual o blindaria do juízo (v. 20). Mas esses sacrifícios não são a prioridade

de Deus; ele deseja obediência. Só então os sacrifícios terão significado (veja

também ISm 15.22; Is 1.11-17; Os 6.6; Am 5.21-24; Mq 6.6-8).

O Senhor anunciou às nações que puniria seu povo teimoso e enganado

(v. 18-19) colocando “obstáculos” diante dele, sobre os quais tropeçaria

(v. 21). A imagem do tropeço em obstáculos vem da metáfora do “caminho”,

mencionada no versículo 16. O povo se recusou a viajar no “bom

caminho” que leva à bênção. Em vez disso, pegou um caminho diferente

(18.15; 23.12), que estaria cheio de perigos e que leva à morte.

A realidade por trás das imagens era o exército babilônico, que invadiria

a terra, vindo do norte (v. 22; veja 1.13-15; 4.6). Seus regimentos impiedosos

e completamente armados marchariam contra Jerusalém (v. 23). O

povo ficaria paralisado de medo e sem condições de escapar (v. 24-25). Ao

perceber que sua condenação era certa, o povo lamentaria seu destino com

a mesma intensidade de um pai que acabou de perder seu filho único (v. 26).

Jeremias foi um tipo de “testador de metais”, cujo trabalho era refinar o

minério até que as impurezas fossem queimadas pelo fogo intenso da fornalha

(v. 27). Assim, ele observava a condição moral do povo e proclamava

a palavra de Deus, inclusive os anúncios de condenação, que ativaram o

juízo purificador de Deus. Mas o povo estava endurecido em seu pecado,

epitomizado pela forma como as pessoas caluniavam umas às outras

(v. 28a). Eles eram como metais menos nobres, como bronze e ferro, que

eram considerados escória, em comparação com a prata (v. 28b; veja Ez

22.18). O fogo refinador queimava intensamente, mas as impurezas (os

ímpios) permaneciam (v. 29), forçando o Senhor a concluir que seu povo

era incapaz de se purificar (v. 30).


[184 1 Introdução aos profetas

A falsa confiança feita em pedaços (7.1-10.25)

O Senhor instruiu Jeremias a ficar no portão do templo e conclamar o

povo de Judá a se arrepender para que fosse poupado (7.1-3). Uma vez

que o Senhor anexa uma promessa ao aviso, essa mensagem deve ter sido

entregue por Jeremias mais cedo em sua carreira, antes de Deus decretar a

morte de Judá (4.28).

A geração de Jeremias pensava estar protegida do juízo porque o templo

do Senhor, simbolizando a presença do Senhor junto ao seu povo, estava

entre eles. No entanto, a presença do templo não era garantia de paz e prosperidade

(v. 4). Eles só sobreviveriam se abandonassem suas práticas malignas,

incluindo a opressão dos pobres e a idolatria (v. 5-8). O templo não seria

asilo de uma sociedade que violava a lei de Deus roubando, matando, cometendo

adultério, quebrando juramentos e adorando outros deuses (v. 9-11).

Uma breve aula de história provaria isso (v. 12-15). Siló tinha sido um centro

religioso onde Deus fez sua presença conhecida juntamente com a arca da

aliança (ISm 1-3). Mas quando a família de Eli pecou, a arca foi capturada

pelos filisteus e o Senhor abandonou Siló (ISm 4; veja também SI 78.60). Da

mesma maneira, o Senhor abandonaria o templo em Jerusalém e levaria seu

povo para longe de sua presença, assim como tinha feito com o reino do norte

(representado por Efraim; veja o v. 15) muitos anos antes.

No passado, Deus tinha poupado seu povo algumas vezes quando um

líder justo intercedeu em seu nome (veja, por exemplo, Êx 32.7-14; Am

7.1-6). Mas era tarde demais para que a intercessão funcionasse. O Senhor

disse a Jeremias que não orasse pelo povo (v. 16). Ele só poderia ser salvo

se se arrependesse em massa, modificando seus caminhos maus (v. 3).

Famílias inteiras estavam se envolvendo na adoração vergonhosa a deuses

pagãos, com a “Rainha dos Céus” sendo a maior atração (v. 17-19).28 Essa

idolatria escancarada exigia medidas drásticas (v. 20).

Apesar de sua idolatria, o povo continuava a oferecer sacrifícios ao

Senhor, aparentemente em um esforço de - por assim dizer - “garantir

todos os lados” (v. 21). De alguma forma, tinha fracassado em perceber

que a obediência, e não o ritual religioso, era a maior preocupação de Deus

(6.20). Uma vez mais, o Senhor ofereceu uma aula de história para esclarecer

seu ponto (v. 22-26; veja os v. 12-15). Desde o começo da história

28 Para uma discussão detalhada do culto à Rainha do Céu, veja King, Jeremiah, 102-7. A identidade

precisa da “Rainha do Céu” é incerta. As propostas incluem Astarote (= Ishtar, na Mesopotâmia), Anate

e Aserá. Para uma discussão das várias opiniões, veja Day, John, Yahweh and the Gods and Goddesses

o f Canaan (Sheffield: Sheffield Academic, 2000), 144-50. Day conclui (p. 150) que a “Rainha do

Céu” era provavelmente a deusa semítica ocidental Astarote, embora admita “ser possível [...] que

o que temos não seja simplesmente Astarote, mas Astarote em sincretismo com sua equivalente da

Mesopotâmia, Ishtar”.


Jerem ias e L am entaçõ es 1185 1

da nação, a prioridade do Senhor era a obediência, e não o sacrifício.29

Mesmo assim, o povo desprezou as ordens de Deus e se recusou a escutar

quando o Senhor enviou seus profetas para confrontá-lo por seu pecado. O

Senhor avisou a Jeremias que ele seria tratado da mesmíssima maneira que

os outros profetas (v. 27). Portanto, Jeremias devia repreender o povo por

seu pecado (v. 28) e dizer-lhe que se preparasse para o juízo (v. 29).

Para sustentar sua acusação contra o povo, o Senhor se concentrou mais

uma vez em sua idolatria (v. 30; veja os v. 6,18). O povo teve a audácia de

colocar ídolos no templo do Senhor. Essa prática começou nos tempos do

rei Manassés (2Rs 21.3-7). Embora Josias tivesse purificado o templo (2Rs

23.4-6), os ídolos tinham reaparecido logo após sua morte (Ez 8.3-16). Em

violação à lei de Deus (Lv 18.21; 20.2-5; Dt 12.31; 18.10), o povo também

oferecia seus filhos em sacrifício no vale de Hinom, na periferia de Jerusalém,

a sudoeste (v. 31; veja também 19.5; 32.35).30 O Senhor certamente

não mandou que fizessem isso; na verdade, a ideia de pedir esses sacrifícios

nunca lhe passou pela cabeça.31

O Senhor puniria severamente aqueles que se engajassem nesse pecado

horrível. No final da invasão iminente, o vale de Hinom seria renomeado

para “vale da Matança”, pois seria transformado em solo de sepultamento

em massa para as vítimas do juízo divino (v. 32). Quando não houvesse mais

espaço para enterrar os mortos, os cadáveres seriam empilhados na superfície

do solo e devorados por pássaros e animais selvagens (v. 33). Contra o pano

de fundo de uma terra devastada (v. 34), os túmulos seriam profanados (8.1)

29 No texto hebraico, o versículo 22 diz, literalmente: “Não falei com seus pais e não lhes dei ordens

[...] a respeito de questões relacionadas a holocaustos e sacrifícios”. Isso levanta um problema, pois o

Pentateuco mostra claramente Israel oferecendo sacrifícios a Deus durante esse período. E possível que

Jeremias esteja fazendo alusão a uma tradição alternativa, mas a declaração pode ter sido exagerada de

propósito. Embora Moisés tenha dado inúmeras leis sobre sacrifícios e ofertas, o sistema sacrificial de per si

não podia ser plenamente implementado até que o povo se assentasse na terra. Ainda que importantes,

os sacrifícios nunca foram a essência da relação de Deus com seu povo. A lealdade, expressa por meio

da obediência, sempre foi a prioridade mais elevada. Os sacrifícios só tinham significado quando

oferecidos por alguém comprometido com Deus e obediente à sua vontade moral. Poderíamos reescrever

a afirmação assim: “Não falei com seus pais e não lhes dei ordens... apenas sobre questões relacionadas

a ofertas e sacrifícios”. Amós 5.25 parece defender o mesmo ponto. Veja meus comentários sobre esse

texto e também as fontes citadas lá. De maneira semelhante, Oseias 6.6a declara: “Pois misericórdia

quero, e não sacrifício”, que quer dizer, na verdade: “Quero mais misericórdia do que sacrifício”, como

indica o v. 6b.

30 Sobre a prática do sacrifício de crianças em Judá, veja King, Jeremiah, 136-39, e Lundbom, Jack R.,

Jeremiah 1-20, AB (NovaYork: Doubleday, 1999), 496-97. O local onde se ofereciam esses sacrifícios

de crianças também era conhecido como Tofete (2Rs 23.10; Is 30.33; Jr 19.6,11-14).

31Leitores modernos do texto podem ficar tentados a condenar de maneira hipócrita a prática primitiva

descrita no versículo 31. Mas, como Lundbom aponta, “o mundo ocidental, nos anos de 1990, ficou

pouco melhor” (veja ibid., 503). Ao condenar crimes modernos contra crianças, Lundbom denuncia a

atitude impenitente de muitos sobre as “injustiças imorais, irreverentes e insensíveis feitas aos que ainda

não nasceram”. Ele, então, faz esta pergunta assombrosa: “Os pais modernos cuidam mais das crianças

que concebem e trazem ao mundo do que suas contrapartes de antigamente?”


(186 I Introdução aos profetas

e os ossos seriam expostos sob as luzes celestiais que os falecidos tinham

adorado antes de morrer (v. 2).32 Enquanto isso, aqueles que sobrevivessem

desejariam morrer para tirá-los da vida de miséria no exílio (v. 3).

A persistência de Judá no pecado era irracional e obsessiva (v. 4-5). O

Senhor esperou pacientemente que o povo se arrependesse e se voltasse

para ele, mas, teimosamente, ele se recusou a reconhecer qualquer malfeito

e insistiu em seguir seus próprios desejos (v. 6). Aves migratórias sabem

por instinto quando é hora de alçar voo de acordo com a ordem natural

estabelecida por Deus, mas o próprio povo de Deus ignorou a ordem moral

que ele tinha estabelecido por meio de sua lei (v. 7).33 E claro, o povo se

gabava de ter a lei, argumentava que ela o tomara mais sábio (v. 8a). Mas

que bem lhe proporcionou a lei quando sacerdotes e profetas gananciosos

(v. 10b), responsáveis pela instrução do povo, a manipulavam (v. 8b) e

descuidaram do pecado dentro de sua própria sociedade (v. 11a)? Esses

mestres, que pensavam ser tão sábios, seriam humilhados como tolos, pois

descaradamente rejeitaram os padrões morais do Senhor e diziam ao povo

o que ele queria ouvir (v. 9,11b-12). Suas posses e mesmo suas esposas

lhes seriam tiradas (v. 10a,13).

Em seguida, ouvimos a voz do povo quando ele antecipa a invasão

anunciada por Deus. Sua falsa confiança foi estilhaçada quando perceberam

que o juízo estava no horizonte (v. 14-15). Os invasores estão se movendo

para o sul e logo varrerão a terra com o poder mortal de cobras venenosas

(v. 16-17). Jeremias expressa seu pesar quando ouve o povo perguntar se

seu protetor divino ainda habitava em Jerusalém (v. 18-19a). O Senhor faz

sua própria pergunta, inquirindo por que o povo o irritou com sua idolatria

(v. 19b). Parece clara a questão. Em vez de fazer o papel de protetor de

Jerusalém, o Senhor se porta como seu juiz. O povo, embora sem saber, dá

testemunho disso quando reclama que já passou da hora de sua libertação

(v. 20). A demora fala mais alto do que as palavras.

Jeremias se lamenta com a perspectiva de seus compatriotas serem

esmagados pelo juízo de Deus (v. 21). Ele pergunta, com esperança: “Não

há bálsamo em Gileade? Ou não há lá médico?” (v. 22). Gileade, situada na

margem esquerda do rio Jordão, era conhecida por seu bálsamo, que podia

ser usado para fins médicos (Gn 37.25; Jr 46.II).34 É óbvio que aqui se usa

uma metáfora. A “doença” de Judá tinha natureza espiritual (v. 19, e também

9.2b). O pesar de Jeremias pela condenação iminente de seu povo era

32 Sobre a profanação de túmulos no mundo antigo do Oriente Próximo, veja minhas observações

sobre Amós 2.1-3.

33 Para uma excelente discussão sobre os padrões migratórios e os hábitos dos vários pássaros mencionados

aqui, veja ibid., 510-13.

34 Veja King, Jeremiah, 153-54.


Jerem ias e L am entaçõ es 1187 |

incontrolável. Ele desejava ter um suprimento inesgotável de lágrimas para

derramar (9.1). Mas seu pesar não obscurecia sua visão espiritual. Ele percebeu

que o juízo era merecido. Na verdade, desejava fugir para o deserto

para escapar da sociedade pecaminosa na qual vivia (v. 2).

No caso remoto de alguém ter dúvidas sobre se o juízo divino era apropriado,

o Senhor deu mais provas de por que essa sociedade em pecado

precisava ser punida. As pessoas difamavam e enganavam umas às outras

(v. 3,8). Não se podia confiar em irmãos e amigos (v. 4-5). Por causa de sua

recusa em reconhecer a autoridade do Senhor (v. 6, veja também o v. 3b), ele

não tinha alternativa a não ser purificar a terra pelo juízo (v. 7,9). Embora o

juízo fosse merecido, esse fato não facilitava nada para Jeremias, que teria

de ver o desastre se desenrolar. Mais uma vez, ele expressa seu sofrimento

quando antecipa a desolação que resultaria do juízo (v. 10).

Como se estivesse respondendo as perguntas que fizera antes (v. 7,9), o

Senhor anuncia formalmente sua intenção de devastar a terra (v. 11). Em

resposta à pergunta de Jeremias sobre por que isso era necessário (v. 12), o

Senhor acusa o povo de infringir sua lei e adorar a outros deuses (v. 13-14).

Por essa razão, viria o desastre e o exílio (v. 15-16), levando ao pranto

generalizado (v. 17-19). Lamentariam a entrada da morte em suas casas (v.

20-21), enquanto os campos ficariam tomados pelos cadáveres dos corpos

dos homens de Judá (v. 22).

A sabedoria, a força e as riquezas humanas não seriam capazes de blindar

ninguém da devastação do juízo iminente. Por essa razão, os sábios,

os fortes e os ricos não deviam se gabar de suas qualidades (v. 23). Os

únicos que tinham, legitimamente, motivos para se orgulhar eram aqueles

que compreendiam e conheciam o Senhor, o Deus fiel e justo juiz da

terra, pois era somente esse grupo que era objeto do favor divino (v. 24).

Nesse contexto, “compreender” e “conhecer” o Senhor não se restringe

ao conhecimento intelectual. O verbo traduzido por “conhecer” (em

hebraico, yada ) é utilizado aqui no sentido da aliança, de “reconhecer o

Senhor”. Esse reconhecimento do Senhor exige fidelidade, demonstrada

concretamente pela obediência aos mandamentos do Senhor (cf. v. 13,

veja também Os 2.20; Jr 22.16).

Tampouco seu status especial como comunidade da aliança com Deus,

simbolizado de forma tangível pelos prepúcios circuncidados de seus

homens, protegeria a nação do juízo (v. 25-26). Outras nações também adotavam

o rito da circuncisão, mas o juízo de Deus ainda cairia sobre elas.35

Embora a circuncisão tivesse um significado especial para o povo de Deus,

35 A evidência bíblica e extrabíblica para a prática da circuncisão entre os povos mencionados no

versículo 26 é discutida por Lundbom, Jeremiah 1-20, 573-74.


[188 1 Introdução aos profetas

aos olhos do Senhor não havia diferença moral e ética entre eles e os vizinhos

pagãos. Todas essas nações, inclusive Judá, eram “incircuncisas de

coração”, pois suas atitudes e pensamentos eram opostos a Deus e seus

padrões morais (Jr 4.4).

Como antes observado neste discurso, um dos maiores problemas de

Judá era sua idolatria (7.18; 8.19; 9.14). O Senhor agora aborda esse tema a

fundo. Ele alerta seu povo a não seguir as práticas das nações pagãs, que dão

grande valor a presságios e adoram ídolos sem vida, feitos de madeira ou

metal pelo homem (10.1-5).36 Jeremias responde afirmando que o Senhor é

único e incomparável (v. 6). Somente ele é digno de adoração, pois somente

o Senhor é o rei soberano sobre todas as nações (v. 7). Infelizmente, os

homens que se diziam sábios entre as nações não reconheciam isso e procuravam

orientação em ídolos de madeira (v. 8). Os ídolos pagãos impressionavam

pela aparência, pois eram feitos de metais preciosos e vestidos de

ricos ornamentos, mas o Senhor é o “Deus verdadeiro” que vive para sempre

e que tem autoridade e poder para julgar as nações (v. 9-10). Os deuses

pagãos, que não têm capacidade para criar, desaparecerão da terra (v. 11).

Em contraste, o Senhor criou o mundo e controla as poderosas forças da

natureza, que ele pode usar como instrumentos de juízo (v. 12-13). Aqueles

que constroem e adoram ídolos serão humilhados, pois seus chamados deuses

se mostrarão inúteis no dia do juízo (v. 14-15). O Deus de Israel, como

criador de todas as coisas, é o único rei soberano (v. 16).

Voltando ao tema da condenação iminente de Judá, o profeta conclama

seus compatriotas a se prepararem para o exílio, pois o Senhor anunciou que

vai “arrojar” o povo para fora da terra (v. 17-18). Falando ao povo, o profeta

antecipa a ferida “incurável” que o Senhor está para infligir à nação, chora a

perda de seus filhos, lastima o fracasso de seus líderes e anuncia a aproximação

dos invasores, vindo do norte, que devastarão a terra (v. 19-22). Ainda

assumindo seu papel como representante da nação, ele reconhece o direito

soberano do Senhor de julgar, mas suplica que sua ira não seja excessiva. De

outra forma, a nação será aniquilada (v. 23-24). Ele, então, pede ao Senhor

para despejar seu juízo de ira sobre os invasores uma vez que tenham realizado

sua tarefa imposta por Deus, porque, apesar de serem instrumentos de

Deus, não o reconhecem como seu rei soberano (v. 25; veja os v. 2-5).

36 Em 10.1,0 Senhor se dirige à “casa de Israel”. Em Jeremias, essa expressão normalmente se refere

ao reino do norte exilado, Israel como distinto de Judá (veja, por exemplo, 3.18,20; 5.11; 11.10,17;

13.11). Em 10.1-5, o Senhor se dirige possivelmente aos exilados do norte. Se for assim, a mensagem

também se aplica a Judá, que seguiria o reino do norte brevemente para o exílio (9.16). Uma técnica

semelhante parece ser empregada em 5.15 (veja a nota sobre esse versículo). Entretanto, é possível que

“Israel/casa de Israel” seja utilizada neste discurso específico (caps. 7-10) para toda a comunidade da

aliança, com Judá sendo o foco principal (7.12; 9.26; 10.16).


Jerem ias e Lam e n ta çõ e s 1189 |

Planos contra Deus e seus profetas (11.1-12.17)

O Senhor comissionou Jeremias a confrontar o povo com as obrigações

da aliança (11.1-2). Quando o Senhor libertou seus ancestrais da escravidão

no Egito, fez com eles uma aliança. Se eles obedecessem os seus mandamentos,

ele seria seu Deus e lhes daria a terra prometida a seus ancestrais

(v. 4-5, veja Gn 15.18-21; 26.3; 28.13; 35.12). Entretanto, a desobediência

ativaria as maldições da aliança, ou as ameaças de juízo (v. 3). Depois que

o povo se assentou na terra, ele rejeitou seus mandamentos, apesar de seus

alertas e seus contínuos chamados ao arrependimento. Por essa razão, o

Senhor trouxe o juízo (v. 6-8). Mas os contemporâneos de Jeremias não

tinham aprendido com o passado. Eles persistiram em seus pecados e se

voltaram para outros deuses, seguindo os passos do reino do norte (v. 9-10).

O desastre atingiria Judá em breve. Os muitos deuses estrangeiros adorados

pelo povo seriam incapazes de salvar seus devotos do juízo (v. 11-13). Mais

ainda, Jeremias não devia se importar em interceder pelo povo (v. 14a). A

intercessão era um dos papéis típicos dos profetas, mas, nesse caso, apenas

o arrependimento geral podia evitar o desastre iminente (7.3,16). Em breve,

seria tarde demais para o povo se arrepender, e o Senhor não prestaria atenção

a seus gritos de socorro uma vez que o juízo caísse sobre eles (v. 14b;

veja o v. 11). O Senhor, no passado, viu seu povo como seus “amados” e

como uma oliveira frutífera, mas seu pecado invalidou suas tentativas de

adoração e sua idolatria provocou a ira do Senhor (v. 15-17).

Por ser o porta-voz do Senhor e a consciência moral da nação, Jeremias

tinha se tomado o alvo dos malfeitores. O profeta era ingênuo como um

cordeiro sendo levado ao matadouro, mas o Senhor revelou a ele que os

homens em sua cidade natal, Anatote, planejavam matá-lo (v. 18-19,21).

Jeremias pediu ao Senhor, o rei justo do mundo, que interviesse e vingasse

sua causa, pela qual se comprometera com o Senhor (v. 20). O Senhor respondeu

e garantiu-lhe que puniria esses homens maus, destruindo completamente

os jovens e as crianças da cidade (v. 22-23). O juízo pode parecer

severo, mas esse é apenas um dos casos na Bíblia hebraica em que as crianças

conhecem as conseqüências dos pecados de seus pais. O princípio da

solidariedade corporativa era integrado ao pensamento israelita. Os antigos

israelitas consideravam que as ações de indivíduos afetavam profundamente

outros em seu contexto social e que o contexto social afetava o

indivíduo positiva ou negativamente.37

Jeremias não ficou inteiramente satisfeito com a resposta de Deus à sua

oração. Ele reconheceu que o Senhor tinha sido justo com ele no passado

37 Para uma discussão sobre o princípio teológico da solidariedade corporativa, veja Kaminsky, Joel

S., Corporate Responsibility in the Hebrew Bible (Sheffield: Sheffield Academic Press, 1995).


1190 ) Introdução aos profetas

(12.1a), mas ele ainda estava perturbado pela aparente prosperidade dos

ímpios (v. lb). O Senhor aparentemente os abençoava, muito embora suas

alegações de lealdade não fossem genuínas (v. 2). Argumentando que seus

próprios motivos eram puros, Jeremias pediu ao Senhor que destruísse esses

malfeitores para que a terra pudesse ficar livre das conseqüências de seu

pecado e suas ideias erradas sobre Deus pudessem ser corrigidas (v. 3-4). O

Senhor respondeu com uma repreensão suave. Se Jeremias ficou desmotivado

com o que aconteceu em Anatote, como se comportaria quando a oposição

ao seu ministério se intensificasse (v. 5)? Na verdade, seus próprios

irmãos tinham se juntado no plano contra ele e ele deve ficar em guarda

contra este engano desanimador (v. 6).

Jeremias não foi o único a ser separado de sua família.38 O Senhor também

foi tratado como inimigo. Seu povo hostil é comparado a um leão que

ruge para um inimigo e a uma ave de rapina que sobrevoa sua vítima (v.

8a, 9a). Isso levou o Senhor a abandoná-lo (v. 7,8b).39 Ironicamente, ele

chamaria “aves de rapina” e “animais do campo” (metáforas para o exército

babilônio) para atacar e devorar seu povo (v. 9b). Governantes estrangeiros

(ironicamente chamados aqui de “pastores”, veja também 6.3) devastariam

os campos e vinhedos (v. 10), deixando a terra como um lixão desolado (v.

11-13). Aparentemente, a imagem é a de pastores (os oficiais babilônios)

soltando seus rebanhos (os soldados babilônios) e deixando-os devorar

tudo em seu caminho.

As nações vizinhas explorariam a fraqueza do povo do Senhor e tomariam

seu território, mas o Senhor não deixaria essa hostilidade seguir sem

punição. Ele “arrancaria” as nações de suas terras, e, no processo, libertaria

o povo de Judá do exílio (v. 14). Entretanto, em um ato de compaixão, o

Senhor restauraria as nações em suas terras e daria a oportunidade de se

tomarem seus adoradores (v. 15-16). As nações que se recusarem a fazer

isso serão eliminadas da superfície da terra (v. 17).

Cessa a intercessão (13.1-17.27)

O Senhor instruiu Jeremias a comprar e usar um cinto de linho (13.1-2).

Depois que o profeta o atendeu, o Senhor lhe disse para queimar o cinto

38 A conexão entre a experiência de Jeremias e a situação do Senhor é feita pela repetição da palavra

“casa”. A “própria família” de Jeremias (literalmente, “a casa de seu pai”) tinha tramado contra o profeta

(v. 6). O Senhor abandonaria seu povo, aqui chamado de sua “casa”, porque ele o tinha rejeitado (v. 7).

39 A afirmação do Senhor no versículo 8b (“portanto eu o odeio”) é assustadora, mas expressa a

emoção intensa que ele sentiu quando seu povo rugiu para ele como um leão (v. 8a). Alguns preferem

diminuir um pouco o elemento emocional e entendem o termo como significando “rejeitar” (veja Gn

29.31,33, em que o termo é utilizado para Lia, tratada como “subordinada” a Raquel). Veja o versículo

31. Na NVI, o termo “desprezada” suaviza o texto, que usa, literalmente, o verbo “odiar” nos dois casos.

Neste caso, o termo aponta para o fato de que Deus vai se opor ao seu povo e vai trazer sua derrocada.


Jerem ias e Lam e n ta çõ e s ) 1911

e, então, depois de muitos dias, desenterrá-lo (v. 3-6). Quando Jeremias

recuperou o cinto, estava arruinado por exposição tão prolongada aos elementos

(v. 7). Qual o objetivo dessa lição? O cinto simbolizava o povo de

Deus. Assim como se amarra um cinto à cintura, assim também o Senhor se

amarrou a seu povo pela aliança. Ele desejava que ele trouxesse honra ao seu

nome, assim como um cinto atraente chama a atenção para seu proprietário

(v. 11). Porém esse povo desafiador se voltou para os ídolos (v. 10a). Por essa

razão, o Senhor iria “arruinar” seu orgulho (v. 8-9) e descartá-lo como inútil,

assim como o cinto de Jeremias foi inutilizado pelos elementos (v. 10b).

O Senhor também instruiu Jeremias a contar uma parábola ao povo. Ele

devia dizer ao povo: “Toda jarra de vinho deve ficar bem cheia” (v. 12a).

Quando o repreendessem por dizer o óbvio (v. 12b), ele devia dizer que o

Senhor estava pronto para encher a terra de “embriaguez”, uma metáfora

para o juízo impiedoso e cruel que assolaria a terra e deixaria o povo cambaleando

como um bêbado (v. 13-14).

A urgência da situação exigia uma resposta pronta e decisiva do povo.

Jeremias clamou que abandonassem seu orgulho e escutassem o aviso do

Senhor (v. 15). Eles deviam mostrar ao Senhor o respeito que ele merece

antes que fosse tarde demais e que a escuridão do juízo se abatesse sobre

a terra, deixando o profeta a chorar sobre a morte da nação orgulhosa (v.

16-17).40 O rei e a rainha-mãe deviam assumir a liderança e demonstrar

humildade, pois, de outra forma, perderiam suas posições reais (v. 18).41

O invasor do norte assaltaria Judá até suas fronteiras mais ao sul (observe

a referência às “cidades no Neguebe”) e levaria seu povo para o exílio

como se fossem ovelhas indefesas (v. 19-20).42 A medida que o discurso

40 A expressão traduzida por “deem glória” na NVI não se refere, aqui, ao louvor ou à adoração de per

si. Mais do que isso, aqui, ela tem a nuance de mostrar respeito pela humildade, pelo arrependimento e

pela obediência (Ml 2.2).

41 A ordem de “descer do trono” é um exemplo de duplo entendimento. Superficialmente, é um

chamado ao arrependimento com humildade (v. 16), mas a rejeição do chamado a transforma em uma

declaração irônica, anunciando, de forma altamente retórica, a derrocada do rei e da rainha-mãe. Talvez

possamos parafrasear a declaração da seguinte maneira: “De uma maneira ou de outra, vocês vão descer

de seus tronos. Devem fazer isso por humildade diante de Deus, pois, de outra forma, serão humilhados

diante de seus inimigos e seu status de realeza lhes será tirado”. As identidades do rei e da rainha-mãe

são incertas. Alguns propõem que se está falando de Jeoaquim e de sua mãe, Zebida (2Rs 23.36),

enquanto outros identificam os referentes como Joaquim e sua mãe, Neústa (2Rs 24.8).

42 A identidade do destinatário da mensagem no v. 20 é incerta. No texto consonantal hebraico,

os verbos “levantar” e “ver” são femininos singulares, enquanto a leitura marginal tradicional os

compreende como masculinos plurais. O pronome da segunda pessoa ligado a “olhos” é masculino

plural, enquanto os pronomes na segunda pessoa no versículo 20 são femininos singulares. Por causa

das formas femininas, alguns veem a Jerusalém personificada como destinatária (veja os v. 21-27,

em especial o v. 27). No entanto, a referência ao fato de o destinatário ter um rebanho confiado a ele

sugere que se possa estar falando dos líderes reais do v. 18. Nesse caso, as formas femininas singulares

seriam para a rainha-mãe, e as formas plurais incluiriam tanto o rei quanto a rainha-mãe. Apesar da

inconsistência no estilo, a variação é o que se esperaria em um discurso apaixonado dirigido ao rei e à

rainha-mãe. Num discurso desses, pode-se mudar a atenção de um para ambos, e vice-versa.


[ 192 | Introdução aos profetas

se desenvolve, o destinatário - que parece ser a rainha-mãe (v. 18) - muda

para a Jerusalém personificada (v. 27). No final da invasão, Jerusalém conheceria

o terror e a humilhação por causa de seus muitos pecados (v. 21-22).

O povo tinha ficado arraigado em sua conduta de pecado, que era tão

imutável quanto a aparência de um leopardo ou de um etíope (v. 23).43

O Senhor iria espalhá-los ao vento (v. 24) por causa da idolatria de Jerusalém

(v. 25). Já que a cidade tinha cometido adultério espiritual, estaria sujeita

ao mesmo castigo humilhante que uma adúltera recebe (v. 26-27; veja

Ez 16.37; Os 2.3).

Assim como o Senhor tinha ameaçado nas maldições da aliança (Dt

28.22-24), a seca tomou a terra de Judá, causando lamentação generalizada

(14.1-2). As cisternas ficaram vazias e o chão ficou rachado, pois não caiu

nem uma gota de chuva (v. 3-4). Até mesmo os animais do campo estavam

passando fome porque a vegetação tinha secado (v. 5-6).

Falando em nome do povo, Jeremias confessou os pecados da nação,

lamentou a aparente ausência do Senhor e pediu sua intervenção (v. 7-9).

Mas o Senhor rejeitou o apelo de Jeremias e disse-lhe que não intercedesse

pelo povo (v. 10-11; veja 7.16; 11.14). Ele não aceitaria seus rituais religiosos,

porque estava determinado a destruí-los (v. 12).

Jeremias, porém, não estava pronto para desistir. Ele ressaltou que os

falsos profetas estavam enganando o povo, prometendo paz (v. 13). O

Senhor denunciou esses profetas, destacando que eles não tinham recebido

essas mensagens dele (v. 14). Exatamente porque esses profetas mentirosos

tinham dito ao povo que a espada e a fome não atingiriam a terra, eles e

suas famílias morreriam pela espada e de fome (v. 15-16). Mas a culpa dos

profetas não absolvia o povo, que devia ter sido capaz de discernir o certo

do errado. Tinha passado a hora da intercessão. Em vez de orar pelo povo,

Jeremias devia lamentar sua trágica morte (v. 17-18).

Mas Jeremias continuou em seu papel intercessor. Mais uma vez ele

apelou ao Senhor, confessando os pecados da nação e expressando sua confiança

na fidelidade de Deus a suas promessas da aliança (v. 19-22). Mais

uma vez, o Senhor se recusou a aceitar a prece do profeta. Ele explicou que

nem mesmo Moisés nem Samuel conseguiriam convencê-lo a mostrar compaixão

(15.1). A afirmação é surpreendente, porque os dois profetas antigos

eram famosos por seu sucesso na intercessão junto ao Senhor. Depois do

incidente do bezerro de ouro, Moisés dissuadiu Deus da ideia de destruir os

43 No versículo 23, as formas na segunda pessoa mudam de feminina singular (v. 21 -22) para masculino

plural, indicando que o destinatário muda brevemente da Jerusalém personificada para aqueles que

vivem na cidade. Nos versículos 25-27, utilizam-se novamente formas femininas singulares quando a

mensagem volta a ser dirigida à cidade personificada (no v. 24, o texto hebraico diz, literalmente, “eu os

espalharei”, não “eu vos espalharei” [veja NVI]).


Jerem ias e L am entaçõ es 1193 |

israelitas apelando para a promessa e para a reputação de Deus (Êx 32.7-14).

A intercessão de Samuel por Israel foi o instrumento que libertou a nação

dos filisteus (ISm 7.1-14). Depois que Deus repreendeu os israelitas por

exigirem um rei, Samuel prometeu interceder por eles (ISm 12.23).

Se o povo, em desespero, pedisse conselho a Jeremias sobre o que fazer,

ele devia dizer a eles com sarcasmo contundente que a destruição era inevitável

e que era impossível escapar (v. 2). Os invasores, de espada na mão,

seriam seguidos por cães, aves dos céus e feras do campo, que devorariam

as carcaças dos mortos (v. 3). Esse desastre viria porque o povo persistiu

nos pecados iniciados pelo perverso rei Manassés, muitos anos antes (v. 4).

Superficialmente, o versículo 4 dá a impressão de que o juízo iminente

era exclusivamente uma resposta divina aos pecados de Manassés, que reinou

sobre Judá de 696 a 642 a.C. O reinado desse rei foi marcado por idolatria

generalizada e injustiça social (2Rs 21.1-16; 23.26; 24.3-4). Mas as

profecias de Jeremias deixam claro que seus contemporâneos foram punidos

por seus próprios pecados (veja 14.20, por exemplo). Como, então, se deve

entender o versículo 4 e integrá-lo ao argumento de Jeremias? Manassés

plantou a semente que tinha germinado e se tomado uma planta venenosa

bem crescida nos dias de Jeremias. Os contemporâneos de Jeremias tinham

perpetuado seus pecados. Ao julgar essa geração manassita, o Senhor continuaria

a punir esse rei perverso por seus pecados. Essa passagem, assim,

dá mais evidências ao conceito de culpa e castigo transgeracional no pensamento

israelita antigo.

O castigo do Senhor sobre Jerusalém seria extremamente severo (v. 5).

Embora o Senhor tivesse, várias vezes, evitado mandar o desastre, o povo

continuou a rejeitá-lo.44 O juízo não podia mais ser adiado (v. 6). Como o

fazendeiro remove a palha do grão, assim também o Senhor purgaria seu

povo teimoso por meio da guerra (v. 7). Mulheres perderiam seus maridos,

e filhos seriam privados de suas mães (v. 8-9a). Os refugiados seriam cortados

pela espada (v. 9b).

A referência do Senhor a mães morrendo leva Jeremias a lamentar que

sua própria mãe o tenha dado à luz (v. 10). Como profeta da condenação

de Deus, ele enfrentou intensa hostilidade do povo (v. 10). Infelizmente, a

resposta do Senhor ao profeta parece confusa e é incerta. Nos versículos

13-14, o Senhor está falando claramente para o povo pecador de Judá, mas,

no versículo 11, é incerto a quem ele se dirige, assim como o objeto da afirmação,

que, literalmente, diz: “Na verdade, eu te fortalecerei para o bem45

44 No texto hebraico, a última frase do versículo 6 diz, literalmente: “estou cansado de desistir”.

45 O significado do verbo é incerto, daí a elipse na tradução. Veja HALOT 1.652-53, 1.658, para uma

lista e discussão de opções.


1194 | Introdução aos profetas

e farei que o inimigo te dirija súplicas no tempo da calamidade e no tempo

da aflição”.46 Uma vez que o significado do versículo 11 é tão incerto, o

ponto do que é dito de forma proverbial no versículo 12 também não está

claro. Pode-se entender por que os intérpretes se dividam sobre como esses

versículos funcionam no texto. Alguns veem o Senhor tentando encorajar

Jeremias antes de retomar o anúncio do juízo contra o povo. Outros argumentam

que esses versículos foram ditos para o povo, não para o profeta,

em cujo caso o Senhor ignora a reclamação de Jeremias e continua o anúncio

do juízo.

Nos versículos 15-18, Jeremias persegue a reclamação que ele começou

no versículo 10. Ele ora pela proteção do Senhor e por vingança divina

contra seus inimigos (v. 15a). Ele lembra ao Senhor quanto sofreu por

causa de seu compromisso de pregar fielmente a palavra de Deus (v. 15b-

16). Ele se privou das alegrias comuns da vida quando se dedicou à causa

de Deus (v. 17). Ainda assim, apesar de sua fidelidade, ele sofre dor implacável

(v. 18a). Quase no ponto de ruptura, ele sugere que o Senhor não é

confiável (v. 18b). O Senhor repreende Jeremias suavemente, indicando

que ele precisa se arrepender e não se expressar mais com palavras tão

ofensivas (v. 19). Se ele se arrepender, pode continuar como porta-voz do

Senhor, mas ele não pode cair no modo de pensar pecaminoso da nação.

Como que para animar Jeremias, o Senhor garante a ele proteção contra

seus inimigos violentos (v. 20-21).

Apesar das palavras confortantes do Senhor, a vida de Jeremias não

ficou nem um pouco mais fácil. Havia mais lições a caminho. O Senhor

proibiu Jeremias de se casar e de ter filhos (16.1-2). Afinal, o Senhor explicou,

começar uma família não teria sentido, à luz do juízo iminente, que

aniquilaria as famílias da terra (v. 3-4). Mais ainda: Jeremias foi proibido de

comparecer a funerais e de prantear os mortos (v. 5). De novo, isso era um

aviso do juízo iminente, que traria tanta destruição e morte generalizadas

que as pessoas não teriam tempo de enterrar os mortos, muito menos de

velar sua morte ou consolar os que ficaram para trás (v. 6-7). O Senhor também

disse ao profeta para se afastar de festas, porque todas as celebrações,

inclusive as festividades de casamento, em breve chegariam ao fim (v. 8-9).

Quando o povo exigisse saber por que o Senhor pretendia dar-lhe o

juízo, Jeremias devia apontar que ele tinha ultrapassado os pecados de

seus ancestrais idólatras e estava desobedecendo obstinadamente seus

mandamentos (v. 10-12). Por essa razão, o Senhor os mandaria para o

exílio, onde podiam adorar a deuses estrangeiros para satisfazer seus

46 Para outro exemplo da construção gramatical utilizada aqui (hiphil de paga com a preposição bee

o acusativo introduzido por eí), veja Isaías 53.6. Veja também Holladay, Jeremiah 1, 453.


Jerem ias e L am entaçõ es 1195 (

corações (v. 13). Ao fazer isso, suas ações espelhariam ironicamente as de

seus ancestrais (v. 11). Antes de continuar o anúncio do juízo (v. 16-18),

o Senhor olha além do dia do juízo, para um tempo em que libertaria

seu povo do exílio babilônico e o restauraria à sua terra (v. 14-15). Mas,

nesse ínterim, os invasores varreriam o país. Como um pescador junta

peixes na rede, também o inimigo pegaria suas vítimas em massa; como

caçadores, os invasores perseguiriam suas vítimas sem piedade (v. 16). O

povo idólatra do Senhor pagaria em dobro (a hipérbole é utilizada para

indicar pagamento total) por seus pecados (v. 17-18). Em contraste com

a cena descrita no versículo 18, Jeremias antecipa uma época em que

estrangeiros viriam ao Senhor e confessariam seu pecado de idolatria (v.

19-20). Nesse dia, o Senhor instruiria as nações (v. 21). Elas conheceriam

sua poderosa presença protetora, da mesma forma que o profeta pôde

conhecer (veja o v. 19a).

Mais uma vez, um rápido voo ao futuro distante e seguido por um

retomo ao presente (16.14-16), que foi arruinado pela obsessão pecadora

de Judá pelos ídolos (17.1-2). Essa adoração idólatra foi imaginada para

garantir a prosperidade da nação, mas o Senhor entregaria suas posses para

os invasores (v. 3-4).

Diante do juízo iminente, que chance havia de escapar da destruição

e da morte? Essa pergunta deve ter atormentado os poucos fiéis que permaneceram

em Judá e ouviram as profecias de condenação de Jeremias.

Aqui o Senhor encoraja os remanescentes, lembrando a eles que aqueles

que confiam no Senhor nunca serão abalados. Aqueles que confiam na força

humana e ignoram o Senhor são condenados (v. 5-6), mas os seguidores

leais do Senhor são como uma árvore bem regada, que sempre dá frutos (v.

7-8; SI 1). Ao mesmo tempo que motivam, essas palavras também desafiam

a Jeremias a manter sua fé no Senhor e evitar seguir o exemplo das massas

(15.19b), cuja natureza moral estava contaminada (v. 9). Esses pecadores

não escapariam ao olhar penetrante do Senhor, que conhece os corações

e as ações das pessoas e dá a elas o juízo apropriado (v. 10). Muitos em

Judá tinham acumulado riquezas por meios opressivos, mas o juízo justo do

Senhor faria com que suas riquezas desaparecessem (v. 11; observe como

esse versículo se relaciona tematicamente com o versículo 3).

Em resposta, Jeremias louvou ao Senhor como a única esperança de seu

povo e reconheceu que aqueles que o rejeitaram estavam, de fato, condenados

(v. 12-13). Usando a metáfora da cura física, ele suplicou ao Senhor que

o livrasse das ameaças de seus inimigos, que zombavam dele e questionavam

sua autoridade profética (v. 14-15). Jeremias tinha desempenhado sua

missão fielmente (v. 16). Ele precisava ser justificado, então orou ao Senhor

para que o juízo prometido acontecesse de fato (v. 17-18).


196 | Introdução aos profetas

O Senhor instruiu Jeremias para que ele fosse de porta em porta em

Jerusalém, começando pelo portão real (v. 19). Enquanto o povo entrava

e saía, Jeremias devia alertá-lo para não violar as antigas leis do sábado,

como seus ancestrais tinham feito (v. 20-23). Se o povo respondesse positivamente

ao desafio de Jeremias e guardasse o sábado, o Senhor deixaria

a cidade segura e aceitaria a adoração daqueles que trouxessem ofertas ao

templo (v. 24-26). Mas, se persistissem na violação do sábado, o fogo destruiria

a cidade (v. 27).

Essa ênfase na adoração no sábado pode parecer subestimar questões

mais fundamentais diante da pecadora Judá, a saber, a idolatria e a injustiça

social. Não guardar o sábado era, certamente, um pecado sério (Êx

20.8; Nm 15.32-36), mas parece que o povo podia bem guardar o sábado

de uma forma exterior, sem mudar seu coração. Mas esse desafio aparentemente

simples é, na verdade, profundo. Seu fracasso na guarda do sábado

era sintoma de sua arraigada ganância e falta de respeito pelo Senhor (Am

8.4-6).47 Como sintoma, não desapareceria até que suas causas fossem eliminadas.

O Senhor sabia que essa geração não poderia nunca observar um

mandamento aparentemente simples como a lei do sábado, a menos que seu

coração se tomasse justo e seu compromisso com o Senhor fosse renovado.

Dessa forma, a guarda do sábado se transforma em metonímia para uma

completa mudança no coração.

Lições do oleiro (18.1-19.13)

O Senhor enviou Jeremias à casa de um oleiro com o objetivo de lhe

dar uma lição (18.1-2). O oleiro fazia um pote e o barro estragou em suas

mãos, então ele começou a fazer do barro outro pote, diferente (v. 3-4). Da

mesma forma que o oleiro improvisou novo projeto para o barro estragado,

assim o Senhor mudaria seus planos para Israel, se necessário (v. 5-6). Se o

Senhor, por um lado, pretende destruir uma nação, mas esse reino se arrepende

quando alertado de sua condenação iminente, o Senhor se apiedará

de enviar o juízo prenunciado (v. 7-8). Por outro, se o Senhor pretende

tomar uma nação segura, mas essa nação o desobedece, ele mudará sua opinião

e não abençoará essa nação rebelde (v. 9-10). Em outras palavras, os

anúncios de Deus de juízo e bênção não são necessariamente gravados em

metal, como se ele tivesse decretado e ponto final, vai acontecer.48 Deus faz

47 A esse respeito, reparem na observação de Lundbom (Jeremiah 1-20, 810): “[A violação do

sábado] é um mal com raízes na ganância, que, de acordo com Amós 8.4-6, é a criada da injustiça social

e que leva à destruição do bem-estar da comunidade”.

48 Para um estudo útil sobre a contingência na profecia, veja Pratt Jr., R. L., “Historical Contingencies

and Biblical Predictions”, em The Way o f Wisdom: Essays in Honor ofBruce K. Waltke, Packer, J. I.;

Soderlund, S. K. (orgs.) (Grand Rapids: Zondervan, 2000), 180-203.


Jerem ias e L am entaçõ es (197 1

planos e anuncia suas intenções, mas a forma como as nações reagem aos

seus avisos e padrões morais pode e frequentemente acaba por determinar

o que realmente acontece. Apesar das imagens do oleiro e do barro, não

há espaço aqui para um determinismo fatalista, pois mostra-se o “barro”

como dono de sua própria vontade, induzindo a uma resposta apropriada

do “oleiro” divino.

No caso da geração de Jeremias, o Senhor planejava enviar seu juízo (v.

11a). A resposta apropriada era o arrependimento (v. 11b), mas o Senhor

estava cético sobre isso e esperava que o povo permanecesse em seus pecados

(v. 12).49 A decisão de Judá de rejeitar o Senhor em favor de ídolos (v.

15a) não tinha precedente entre as nações, que, normalmente, permaneciam

fiéis aos seus deuses (v. 13; vej a 2.10-12). A idolatria de Judá era totalmente

irracional e inacreditável, como se a neve do Líbano derretesse (v. 14). O

povo tinha se desviado do Senhor e sofreria as severas conseqüências de

seus atos (v. 15-17).

Como para afirmar a avaliação do povo feita pelo Senhor, Jeremias descreveu

como tramaram contra ele e se recusaram a escutar sua mensagem

(v. 18). Ele estivera disposto a interceder pelo povo, mas retribuíram sua

boa vontade com o mal (v. 20). Apelando a Deus como o justo juiz (v. 19),

ele lança uma maldição sobre seus inimigos e pede ao Senhor que retribua

seu mal de forma apropriada (v. 21-23). Essa maldição pode parecer severa

e vingativa, mas deve ser entendida como apelo genuíno por justiça e libertação

de alguém que está em menor número e desamparado sem a intervenção

divina. Esses apelos por justiça divina, embora proibidos na era atual

(veja, por exemplo, Lc 6.28; Rm 12.14), eram, na época do Antigo Testamento,

perfeitamente legítimos, pois a resposta positiva de Deus a essas

orações teria um impacto poderoso sobre os observadores (SI 58.10-11).50

Outra lição estava a caminho. O Senhor instrui Jeremias a comprar uma

jarra de barro de um oleiro e levar alguns líderes civis à Porta do Oleiro, no

vale do filho de Hinom, situado no lado sudoeste da cidade (19.1-2). O profeta

devia anunciar que o Senhor estava por trazer desastre sobre a cidade

por causa do comportamento idólatra do povo, que incluía o sacrifício de

seus filhos ao deus Baal em Tofete (v. 3-5; 7.31). Ao final da invasão iminente,

Tofete/vale do Hinom seria renomeado para “vale da Matança”, pois

49 Apré-disposição do Senhor ao arrependimento, que parece contrastar com o que ele diz em 15.1-5,

sugere que o episódio registrado em 18.1-10 tenha acontecido cedo no ministério do profeta, antes que

decretasse a queda de Jerusalém (veja o capítulo 26, que tem data no início do reinado de Jeoaquim).

Veja meus comentários anteriores sobre 4.28.

50 Para uma discussão detalhada das imprecações (ou “maldições”), veja Chisholm Jr., Robert B., “A

Theology of the Psalms”, em A Biblical Theology o f the Old Testament, Zuck, R. B. (org.) (Chicago:

Moody, 1991), 282-83.


1198) Introdução aos profetas

seria transformado em um cemitério coletivo para as vítimas do juízo divino

(v. 6-8; veja 7.32). Durante o cerco que antecederia a queda da cidade,

pais famintos comeriam seus filhos e o canibalismo cresceria (v. 9; veja Dt

28.53-57; Lm 2.20; 4.10). Após proclamar essa mensagem, Jeremias devia

quebrar a jarra de barro, simbolizando a maneira como Senhor “quebraria”

a nação em pedaços, por causa de sua idolatria (v. 10-13).

Conflito e reclamação (19.14-20.18)

Após desincumbir-se de seus deveres em Tofete, Jeremias seguiu para o

pátio do templo, onde repetiu a anunciação do desastre iminente (v. 14-15).

Quando o sacerdote Pasur, chefe da segurança do templo, ouviu Jeremias,

prendeu-o, ordenou que fosse surrado e posto em correntes (20.1-2). Quando

Pasur libertou Jeremias, no dia seguinte, o profeta atacou o sacerdote, chamando-o

sarcasticamente de Magor-Missabibe, que quer dizer “Terror por

todos os lados” (v. 3). Esse nome era apropriado, pois um horror terrível

dominaria Pasur e seus associados (v. 4-6). Ele veria todos os seus amigos

serem mortos pela espada e os babilônios levarem o povo e as riquezas de

Judá. Pasur morreria no exílio na Babilônia.

A experiência humilhante de Jeremias foi um choque e levou-o a gritar

ao Senhor. Sua prece (v. 7-20) é uma mistura estranha de reclamação e louvor,

de confiança e aflição. E difícil entender como todos esses elementos

podem estar presentes em uma única prece, mas a aparente inconsistência é

testemunha do estado emocional perturbado de Jeremias nessa época. Parte

dele queria gritar e reclamar de Deus, enquanto a outra parte queria afirmar

que Deus era seu protetor.51

Jeremias começa acusando o Senhor de desapontá-lo e fazer dele motivo

de zombaria (v. 7a). Ele pregou a Palavra de Deus fielmente, mas tudo

que isso lhe proporcionou foi vergonha e ridículo (v. 7b-8). Ele pensou em

renunciar ao seu chamado, mas a Palavra de Deus era como uma chama

dentro dele que exigia seguir queimando (v. 9). O que se deve pensar da

acusação de Jeremias, de que Deus o tinha desapontado? Talvez ele acreditasse

que Deus tivesse feito o chamado parecer mais atraente do que acabou

sendo ou que Deus tinha deixado de avisá-lo adequadamente sobre a oposição

que enfrentaria. No entanto, a acusação pode ser bem mais séria do

que isso. Por causa da oposição que enfrentou, Jeremias pode ter chegado a

um ponto em que temia ser um falso profeta, como os profetas divinamente

enganados descritos em IReis 22. Seus inimigos certamente suspeitavam o

51As rápidas mudanças de humor e as descontinuidades temáticas nos versículos 7-20 fazem com que

muitos concluam que essa não é uma prece contínua dita em uma só ocasião, mas orações diferentes

que foram reunidas. Veja, por exemplo, McKane, William, Jeremiah, 2 vols., ICC (Edimburgo: T. & T.

Clark, 1986, 1996), 1:468, e Holladay, Jeremiah 1, 548.


Jerem ias e L am entaçõ es J199 |

mesmo e estavam ansiosamente esperando que suas mensagens falhassem

para que pudessem se livrar dele (v. 10). É claro que a acusação de Jeremias

era infundada, não porque Deus nunca fosse enganar um profeta (veja

lRs 22; Jr 4.10), mas porque a mensagem de Jeremias era fiel à aliança.

A denúncia do pecado por Jeremias estava alinhada com os mandamentos

éticos e morais da lei de Deus, e seus alertas sobre a condenação iminente,

com o princípio da aliança de que o pecado será punido.52

Mesmo pressionado por seus inimigos, Jeremias experimentou uma

súbita explosão de confiança. Ele acreditava que o Senhor era seu protetor e

vingador (v. 11-12). Seus inimigos tropeçariam e cairiam porque o Senhor,

cujo olhar penetrante pode alcançar o coração e a mente dos homens, agiria

de forma justa para vingar seu profeta fiel. Dominado pela alegria, o profeta

conclama todos a louvarem o Senhor porque ele liberta seu povo sitiado de

seus inimigos perversos (v. 13).

Mas Jeremias desce da montanha com a rapidez com que subira. A montanha-russa

emocional dá um mergulho veloz quando Jeremias amaldiçoa o

dia de seu nascimento e lança uma praga contra aquele que anunciou a seu

pai que tinha lhe nascido uma criança (v. 14-16). O profeta deseja que esse

mensageiro o tivesse matado na barriga de sua mãe para que ele pudesse ter

escapado dos problemas e da dor que caracterizaram sua vida (v. 17-18).

C onfronto de reis e profetas (21.1-23.40)

Em 588 a.C., quando o exército babilônico atacou Jerusalém, o rei Zedequias

mandou dois enviados a Jeremias pedindo que ele sondasse o Senhor

(21.1-2a). O rei esperava que o Senhor libertasse miraculosamente Jerusalém,

como tinha feito no passado (v. 2b). Ele tinha em mente, sem dúvida

nenhuma, o incidente de 701 a.C., quando o Senhor resgatou a cidade de

Senaqueribe, rei da Assíria (Is 37.36-37).

Mas o tempo de libertação chegou e foi embora. O Senhor anunciou

que ele pessoalmente lideraria o ataque babilônico contra a cidade e abateria

toda coisa viva dentro de seus muros, incluindo os animais (v. 3-6).

O Senhor entregaria Zedequias e seus oficiais a Nabucodonosor, que os

cortaria com a espada, sem piedade (v. 7). Quando Jerusalém caiu, dois

anos mais tarde, Nabucodonosor, na verdade, poupou a vida de Zedequias,

mas executou os filhos de Zedequias antes de cegar o rei e levá-lo para o

exílio (Jr 52.10-11). No entanto, o Senhor ofereceu algum consolo ao povo

de Jerusalém (v. 8). Qualquer um que permanecesse na cidade morreria de

fome ou doença, ou seria morto pela espada, mas os que se rendessem aos

babilônios escapariam à destruição que se abateria sobre a cidade (v. 9-10).

32 Veja Chisholm, Does GodDeceive? 17-18.


| 200 j Introdução aos profetas

Inicialmente, parece que os versículos 11-14 continuam o discurso que

começa no versículo 3, mas rapidamente fica evidente que não é esse o

caso. O chamado para o estabelecimento de justiça social (v. 11a) vem de

um período anterior na carreira de Jeremias, e a segunda metade do versículo

11 deixa o juízo sobre a casa real condicional, enquanto, nos versículos

anteriores, a destruição é inevitável. Apesar da divisão tradicional em capítulos,

é muito mais provável que os versículos 11-14 façam uma introdução

ao que se seguirá.53 Esse apelo geral pela casa real, que continua em 22.1-9,

funciona como um prelúdio adequado às séries de mensagens seguintes,

que se referem aos reis Jeoacaz (Salum) (22.10-12), Jeoaquim (Eliaquim)

(22.13-19) e Joaquim (Conias) (22.24-30), respectivamente. Um discurso

de juízo contra Jerusalém é colocado entre o segundo e o terceiro (22.20-

23). Um poslúdio (23.1-8) se dirige aos reis de Judá em geral (utilizando

a metáfora “pastores”) e antecipa a vinda de um governante davídico ideal

que estabelecerá a justiça.54

O prelúdio resume a mensagem de Jeremias para a casa real de Judá. Por

meio de seu profeta, o Senhor exige que o rei e as autoridades estabeleçam

justiça social no país e defendam os oprimidos (v. 11 - 12a). Caso contrário,

o juízo veemente de Deus recairia sobre eles por suas políticas opressoras

(v. 12b). Embora o povo de Jerusalém se sentisse seguro, o Senhor estava

determinado a atacar a cidade e punir sua população por seus atos pecaminosos

(v. 13-14).

O Senhor enviou Jeremias ao palácio real para confrontar o rei e seus

servos sobre suas responsabilidades (22.1-2). Ele ordenou que esses líderes

promovessem a justiça social, defendendo agressivamente os fracos e os vulneráveis

na sociedade (v. 3). Sua disposição de obedecer a essa ordem determinaria

seu destino. A obediência tomaria o trono davídico seguro, mas a

desobediência traria a mina (v. 4-5). O palácio real era uma estrutura impressionante,

construída parcialmente com madeira das florestas de Gileade e do

Líbano (v. 6a). Mas seu esplendor não significava segurança. Se o rei que

ali morava não cumprisse seus deveres como autoridade delegada de Deus,

o palácio viraria fumaça (v. 6b-7). Quando observadores perguntassem por

que o Senhor destruiria sua própria cidade, a resposta seria clara e simples -

o povo tinha rompido a aliança e adorado a outros deuses (v. 8-9).

A série de mensagens específicas começa com um chamado para lamentar

o destino do rei Jeoacaz (também conhecido como Salum; veja os v.

10-12). Em 609 a.C., o povo ainda lamentava a trágica morte do rei Josias

53 Veja Thompson, Jeremiah, 466, 470, 473.

54 Não há mensagem específica ao último rei de Judá, Zedequias, mas, como Thompson observa, a

profecia do rei ideal em 23.5-6 joga com o nome de Zedequias e, assim, estabelece um contraste entre

o rei ideai e Zedequias. Veja ibid., 486, 490-91.


Jerem ias e L am entaçõ es 12011

(2Rs 23.29-30). Mas Jeremias lhes disse para lamentar a sorte do filho e

sucessor de Josias, Jeoacaz, que tinha reinado por apenas três meses antes

de ser levado prisioneiro pelo Faraó Neco, do Egito (2Rs 23.31-34). Esse

rei desafortunado morreria no exílio e nunca mais veria sua terra natal.

Em seguida, vem uma previsão de juízo contra Jeoaquim (também

conhecido como Eliaquim, veja 2Rs 23.34), meio-irmão e sucessor de

Jeoacaz (2Rs 23.36), que governou de 608 a 598 a.C. Quando construiu

seu extravagante palácio real, Jeoaquim forçou alguns de seus compatriotas

a trabalharem como escravos (v. 13-14,17). Ele não conseguiu seguir

o exemplo de seu pai, Josias. Ter um belo palácio não é a essência de um

reinado (v. 15a). O dever primário dos reis era (e ainda é) promover a justiça

social, defendendo a causa dos fracos e dos vulneráveis (v. 16). Josias

fez isso e foi abençoado por Deus (v. 15b). Sua obediência demonstrou

que ele verdadeiramente “conhecia” o Senhor. “Conhecer”, aqui, não é

utilizado com o sentido de “ter consciência da existência”, mas significa

“reconhecer a autoridade”.55 “Conhecer” a Deus não envolve apenas

consciência intelectual ou mesmo uma declaração de lealdade. Conhecer

a Deus, no sentido em que o termo é utilizado aqui, é reconhecer sua autoridade

e demonstrar esse reconhecimento com obediência. Josias era um

exemplo primordial disso. Ele entendeu que era sujeito a Deus e que seu

papel como rei era desempenhar os desejos de Deus com relação ajustiça

social. Ele provou reconhecer a autoridade de Deus, dedicando-se à causa

dos pobres e necessitados.

Como Jeoaquim, ao contrário de seu pai, oprimia seus conterrâneos

(v. 17), ele seria punido severamente (v. 18-19). O povo não choraria sua

morte e seu corpo não receberia um enterro adequado (veja também Jr

36.30). De fato, ele seria arrastado para fora das portas da cidade como

um jumento morto. Não há provas de que Joaquim tenha, de fato, tido

uma morte tão humilhante. Em 2Reis 24.6, lê-se simplesmente que ele

“descansou com seus ancestrais”, enquanto em 2Crônicas 36.6 lê-se

como Nabucodonosor o algemou com o propósito de levá-lo para a

Babilônia. Se, por um lado, isso não corrobora o cumprimento da profecia,

tampouco exclui a possibilidade.56 Entretanto, parece provável que

” O termo também carrega essa nuance em 1 Samuel 2.12, Isaías 11.2 e Oseias 4.1, 6. Também aparece

em lJoão 2.3-4; 4.8.

56 Para uma tentativa de harmonizar Jeremias 22.19 com 2Reis 24.6 de forma que Jeremias 22.19 seja

cumprido literalmente, veja Feinberg, Charles L., “Jeremiah”, em The Expositor s Bible Commentary,

vol. 6, Gaebelein, F. E. (org.) (Grand Rapids: Zondervan, 1986), 514-15. Ele destaca que, depois da

morte humilhante e violenta de Acabe (lRs 22.34-38), afirma-se que ele “descansou com seus pais”

(v. 40), assim como 2Reis 24.6 diz em relação a Jeoaquim. No entanto, IReis 22.37 diz que Acabe foi

enterrado, em contraste com Jeremias 22.19, que indica que Jeoaquim não seria enterrado. Para uma

crítica dos esforços de harmonização como os de Feinberg, veja Carroll, Jeremiah, 432-34.


I 202 I Introdução aos profetas

a linguagem utilizada na diatribe nos versículos 18-19 seja hiperbólica ou

que outros fatores subsequentes tenham levado Deus a cancelar a profecia

ou a alterar os detalhes do seu cumprimento.57

Antes de denunciar o próximo rei, o Senhor fala à Jerusalém personificada

sobre a tragédia prestes a se abater sobre ela.58 Se, por um lado, parece

que esse discurso pode interromper a seqüência de mensagens relativas aos

reis, por outro, sua colocação aqui é apropriada, pois a queda de Jerusalém

e a derrocada da dinastia davídica eram dois lados da mesma moeda. A

referência a “pastores” (i.e., líderes, especialmente a casa real) serem eliminados

também liga o discurso a seu contexto temático.

O Senhor conclama Jerusalém a subir a um lugar alto e chorar, porque

seus aliados foram derrotados (v. 20). O Senhor tinha alertado Jerusalém de

que o juízo viria, mas a cidade, confiante, recusou-se a ouvir e continuou

em pecado (v. 21). Como um vento poderoso, o juízo iminente varreria

os líderes (aqui, comparados a “pastores”) e aliados da cidade, deixando

a cidade humilhada (v. 22). Usando o Líbano como símbolo da orgulhosa

Jerusalém, o Senhor, então, compara o dia do juízo da cidade à dolorosa

experiência do parto (v. 23).

O Senhor, a seguir, volta-se a Joaquim (também conhecido como Conias),

filho e sucessor de Jeoaquim. Joaquim governou por apenas três meses antes

de ser levado para o exílio por Nabucodonosor, em 597 a.C. (2Rs 24.8-16).

Em uma diatribe rigorosa, o Senhor renega formalmente Joaquim e anuncia

que tanto ele quanto sua mãe seriam levados para o exílio (v. 24-26). Joaquim

morreria lá, sem nunca mais ver sua terra natal (v. 27). Além disso,

sua dinastia chegaria ao fim (v. 28-30). Para todos os efeitos, ele não teria

filhos. Embora, na verdade, ele tenha tido sete filhos (1 Cr 3.17-18), nenhum

de seus descendentes ocuparia seu trono.59 Joaquim é comparado a um anel

de sinete que o Senhor arranca da mão, simbolizando que ele não funciona

mais como representante de Deus. Essa previsão, aparentemente finalizada

com um juramento (v. 24), põe em risco o futuro da dinastia davídica, mas

o anúncio ao neto de Joaquim, Zorobabel (Ag 2.20-23) reverte a maldição.

37 Sobre a utilização de discurso hiperbólico e estereotípico nas previsões de juizo das profecias, veja

minha discussão de Isaías 13-14. Para uma tentativa de explicar Jeremias 22.19 dessa maneira, veja

Carroll, Jeremiah, 432. Sobre a contingência de profecias implicitamente condicionais, veja minha

discussão sobre Jeremias 26.17-19 (juntamente com Mq 3.12) e também minhas observações sobre Joel

2.18-27; Jonas 3.9-10; Ageu 2.6-9,20-23. A esse respeito, também é instrutivo comparar IReis 21.19

com 22.37-38 (Nabote foi executado em Jezreel, não em Samaria) e 2Reis 22.20 com 23.29-30 (a morte

em um campo de batalha significa ser enterrado “em paz”?).

58 A identificação de Jerusalém como destinatária fica especialmente evidente no texto em hebraico,

em que os pronomes femininos singulares são empregados nos versículos 20-23. Jerusalém é personificada

frequentemente como mulher na literatura profética.

^ Zedequias, sucessor de Joaquim, era filho de Josias e tio de Jeoaquim. Veja 2Reis 24.17.


Jerem ias e Lam e n ta çõ e s 1203 |

O Senhor promete a Zorobabel que fará dele seu anel de sinete, restaurando

a autoridade divina da dinastia davídica.

Ao denunciar reis específicos, o Senhor pronunciou um “Ai!” para os

pastores (um símbolo dos reis de Judá) que tinham destruído as ovelhas de

Deus (simbolizando o povo) por não terem cuidado direito delas (23.1-2).

Contudo, o Senhor, o pastor verdadeiro de seu povo, restauraria, um dia, os

remanescentes de seu rebanho do exílio, assim como tinha libertado Israel

da escravidão no Egito antes (v. 3,7-8). Ele poria seu povo aos cuidados de

pastores competentes, que o protegeriam (v. 4; veja Mq 5.5). No comando

desse contingente de pastores ficaria um descendente de Davi, aqui chamado

de “renovo justo” (v. 5a). As imagens mostram esse rei como um

galho que brota da árvore genealógica de Davi. O adjetivo qualificativo,

traduzido por “justo”, pode retratar o rei como justo e reto (veja o v. 5b),

embora o uso de um termo cognato em fenício e em ugarítico sugira que

ele pode designar esse rei como “digno, legítimo”.60 Esse sábio governante

promoveria a justiça (v. 5b; veja Is 11.1-5) e traria segurança para a nação

(v. 6a). O povo o chamaria “o Se n h o r [é ] nossa justiça”, pois ele seria o

instrumento de justiça do Senhor.61

Os versículos 5-6 contêm um jogo de palavras com o nome de Zedequias,

o último rei de Judá. O adjetivo “justo” (em hebraico tsaddiq) vem

da mesma raiz do nome de Zedequias (em hebraico, tsidqiyahu, que significa

“minha justiça é o S e n h o r ” ). O nome dado ao rei no versículo 6 (em

hebraico, ’adonai tsidqenu, que significa “o Se n h o r é nossa justiça”) é

claramente um jogo de palavras com o nome de Zedequias. À luz de seu

caráter, o nome de Zedequias foi uma enganação (34.8-22), pois ele era

indigno de sentar-se no trono e foi rejeitado pelo Senhor. Mas o rei davídico

ideal seria um governante digno, por intermédio de quem o Senhor estabeleceria

a justiça entre seu povo.

Os líderes civis de Judá não eram os únicos culpados. Seus líderes

religiosos, especialmente a maioria dos profetas, também eram corruptos.

Jeremias estava profundamente perturbado pelo comportamento pecaminoso

de sacerdotes e profetas, o qual tinha provocado o juízo divino na

forma de seca e fome (v. 9-11). Esses falsos profetas estavam no rumo

do desastre (v. 12). Aos olhos de Deus, eles eram tão repulsivos quanto

os profetas israelitas de antigamente, que encorajaram o povo a adorar a

60 Para as evidências das línguas cognatas, veja Holladay, Jeremiah 1, 618; McKane, Jeremiah,

1:561; e Hoftijzer, J.; Jongeling. K., Dicíionary o f the North-West Semitic Inseriptions, 2 vols. (Leiden:

Brill, 1995), 2:962.

61 Outra opção é traduzir o nome sem conectar o verbo, “O Se n h o r nossa justiça”. O nome destaca

o fato de que, por meio desse rei, o Senhor estabeleceria a justiça e a paz na terra (veja, especialmente,

o v. 5b).


1204) Introdução aos profetas

Baal (v. 13-14). Quando Deus olhou para Jerusalém e seus líderes, viu

outra Sodoma e Gomorra (Is 1.10), conclamando que ele anunciasse que

cairia sobre a terra severo juízo (v. 15).

O Senhor alertou o povo para que não desse ouvidos aos falsos profetas,

que asseguravam ao povo que estava imune ao desastre (v. 16-17). No

entanto, esses profetas não tinham estado no conselho de Deus, e, ao contrário

de Jeremias, não tinham recebido um comissionamento divino (v. 18,

21). Ao contrário de suas mensagens de garantia, o Senhor estava pronto

para explodir com o povo em juízo furioso (v. 19-20). Se eles fossem realmente

porta-vozes do Senhor, teriam confrontado o pecado do povo, pois

era óbvio que a aliança do Senhor tinha sido violada (v. 22). O povo agia

como se acreditasse que o Senhor estava restrito a um lugar. A referência a

um “Deus de perto” provavelmente faz alusão à sua morada no templo de

Jerusalém. Em seu pensamento, ele era uma divindade míope que não sabia

o que acontecia fora de seu pequeno canto de mundo (v. 23). Essa noção é,

evidentemente, absurda. O Senhor é o governante do mundo, que vê tudo

que acontece. O povo não podia esconder nada dele, inclusive suas ações

pecaminosas (v. 24; SI 11.4-5).

Na superfície, os falsos profetas pareciam ter autoridade divina. Eles

profetizavam em nome do Senhor e alegavam receber visões proféticas (v.

25). Mas essas profecias, na verdade, tinham origem nas mentes iludidas

dos próprios profetas e não representavam o Senhor (v. 26-27). Os sonhos

de paz e segurança dos falsos profetas seriam expostos como mentiras

vazias quando colocados ao lado da profecia genuína, assim como a palha é

facilmente reconhecida quando comparada aos grãos (v. 28). As mensagens

dos verdadeiros profetas do Senhor, como Jeremias, eram caracterizadas

pelo poder, posto que denunciavam o pecado e anunciavam o juízo (v. 29).

Como tal, eram como fogo destruidor ou como um poderoso golpe de marreta.

Por três vezes, o Senhor declara solenemente sua oposição aos falsos

profetas, cujas mentiras ilusórias enganavam o povo (v. 30-32).

Se o povo, incluindo os sacerdotes e os profetas, fosse perguntar a Jeremias:

“Qual é o oráculo do S e n h o r ? ” , ele deveria responder: “Vocês é que

são uma carga para o S e n h o r ” ( v . 33, NET).62 Há um jogo de palavras

no texto em hebraico; os termos traduzidos como “oráculo” e “carga” são

homônimos (em hebraico, m assa). Quando o povo perguntasse sobre a

última m a ssa ’ (i.e., oráculo) do Senhor, Jeremias deveria informá-lo de

que o povo é que era a m assa5(i.e., carga), no que tocava ao Senhor. Seu

comportamento pecador era como uma carga pesada da qual ele estava

62 O texto tradicional hebraico sofreu má divisão. Seguindo a linha da Septuaginta, podemos reconstruir

o texto para que diga: “Vocês [são] a carga”. Veja McKane, Jeremiah, 1:599, e Holladay, Jeremiah 1, 647.


Jerem ias e L am entaçõ es J 205 1

ansioso para se livrar (v. 34,39). O Senhor puniria todos os que tiveram a

audácia de falar em seu nome, quando não tinham recebido mensagens dele

(v. 35-38). Ele os expulsaria de sua presença para o exílio e traria vergonha

eterna sobre eles (v. 39-40).

Uma lição de objeto com o uso de figos (24.1-10)

Algum tempo depois de 597 a.C., quando Nabucodonosor deportou o

rei Joaquim e outros cidadãos importantes de Judá para a Babilônia (2Rs

24.10-17), o Senhor usou duas cestas de figos para ensinar uma lição a

Jeremias (24.1). Uma cesta continha figos saborosos da primeira colheita

da safra, que amadurece em junho.63 A outra continha figos podres, impossíveis

de comer (v. 2-3). Os figos bons simbolizavam aqueles que tinham

sido levados recentemente para o exílio (v. 4-5). Assim como se tem prazer

com figos saborosos, também o Senhor favoreceria esses exilados, transformando-os,

ao final, em uma comunidade de adoradores arrependida e

restaurando-os em sua terra (v. 6-7). A profecia dificilmente pode se aplicar

literalmente a Joaquim (22.24-30) e àqueles que foram exilados com ele,

mas, ao contrário, deve se referir a seus descendentes. A esse respeito, a

carta de Jeremias para esses exilados, registrada em 29.1-23, deixa claro

que a profecia não se realizaria até que se passassem 70 anos (veja 29.10

e também 25.11-12). Os figos podres simbolizavam o rei Zedequias e os

outros deixados em Judá. Assim como se jogam fora figos podres, também

o Senhor rejeitaria aqueles que ficaram na terra (v. 8). Ele devastaria a terra,

deixando Judá repugnante aos olhos das nações vizinhas (v. 9-10).

Uma vida passada no exílio (25.1-14)

No quarto ano de Jeoaquim (605 a.C.), o Senhor anunciou formalmente

que viria o exílio na Babilônia (25.1). Nos últimos 23 anos, Jeremias tinha

confrontado o povo com seus pecados, mas ele tinha rejeitado sua mensagem

(v. 2-3). Jeremias e outros profetas como ele tinham conclamado o

povo ao arrependimento e avisado sobre as conseqüências da idolatria, mas

sem sucesso (v. 4-7). Por essa razão, o Senhor estava pronto para convocar

Nabucodonosor, o recém-coroado rei da Babilônia, como seu instrumento

de juízo (v. 8-9a). Os exércitos babilônicos devastariam a terra e eliminariam

os sons de júbilo e da atividade cotidiana (v. 9b-10).64 Com Judá arrasada,

o povo exilado seria obrigado a servir aos babilônios por um período

de 70 anos (v. 11).

63 Veja Borowski, Agriculture in Iron Age Israel, 115.

64 A expressão “ruína duradoura”, no v. 9b é, obviamente, hiperbólica, pois o Senhor prometeu

restaurar a terra algum dia.


206 1 Introdução aos profetas

O número “70” não deve ser considerado de forma muito precisa.

Embora Nabucodonosor tenha invadido Judá em 605 e, novamente, em

597 a.C., (2Rs 24.1-2,10-16; 2Cr 36.6-7,10; Dn 1.1-2), o texto associa

claramente o período de servidão de Judá à devastação da terra (cf. 25.9-

11 com 24.8-10), que se entende mais naturalmente que tenha começado

com a queda de Jerusalém, em 586 a.C.65 Nesse caso, o período de servidão

foi de 47-48 anos, não 70. No capítulo 29, é mencionado novamente

um período de 70 anos (v. 10), dessa vez em uma carta para os exilados

escrita algum tempo depois da deportação de Joaquim, em 597 a.C. (v.

2). Se os “setenta anos” mencionados aqui começam em 597, então o

período de servidão é, na verdade, de 58 ou 59 anos, não 70. De qualquer

forma, o período em questão não durou 70 anos.66 Por essa razão, parece

preferível considerar o número como uma expressão idiomática que é

utilizada de maneira estereotipada, não literal, para indicar um longo

período que atende completamente as exigências do juízo divino. Sendo

múltiplo do simbólico número sete, indica plenitude. Uma vez que também

designa a longevidade média (SI 90.10; Is 23.15), sugere que o exílio

se estende além do tempo de vida da maioria dos que foram levados

cativos para a Babilônia.67

Ainda que os babilônios fossem dominar o povo de Deus por muitos

anos, o Senhor viraria a mesa contra eles ao final (v. 12-14). Em cumprimento

às profecias de Jeremias (veja os capítulos 50-51), o Senhor daria

o troco aos babilônios por seu orgulho e por seus excessos de crueldade.

Essa profecia foi cumprida em 539 a.C., quando Ciro da Pérsia conquistou

a Babilônia e levou ao fim o império neobabilônico.

65 O texto de 2Crônicas 36 também favorece essa visão, pois o período de 70 anos de desolação

mencionado em 2Crônicas 36.21 começa mais naturalmente com os eventos de 586 a.C., mencionados

pouco antes, nos versículos 17-20. A passagem de Crônicas, além disso, relaciona especificamente os

eventos que registra à profecia de Jeremias de um exílio de 70 anos.

66 Alguns iniciam o período de exílio em 605, em cujo caso terá durado 66-67 anos. Entretanto,

essa opinião tem de fazer distinção entre o período de desolação de Judá, mencionado em 25.11 (que

começou em 586) e o período de servidão à Babilônia (que começou em 605). Os que propõem essa

visão entendem os 70 anos de 29.10 como o período da dominação babilônia (reparem na afirmação

“quando se completarem os setenta anos da Babilônia”), considerados com início em 605. Nessa visão,

a figura de “setenta” anos é razoavelmente literal, embora ainda seja aproximada. Alguns encontram

apoio para essa interpretação em Daniel 9.2, argumentando que Daniel entendia que o período de

70 anos tinha começado em 605, quando foi levado para o exílio. Quando o término do período se

aproximou, Daniel foi forçado a orar pela intervenção divina. Entretanto, não há nada na oração de

Daniel que exija uma interpretação mais literal do número.

61 Veja Holladay, Jeremiah 1, 669, e, para uma discussão equilibrada de visões concorrentes, Carroll,

Jeremiah, 493-96. Podemos encontrar apoio para a intepretação idiomática em uma inscrição do rei

assírio Assaradão, que fala de Marduk decretando 70 anos de desolação para a Babilônia. Veja Saggs,

H. W. F., The Greatness That Was Babylon (Nova York: New American Library, 1962), 133, e Roux,

Georges, Ancient Iraq (Middlesex: Penguin Books, 1966), 294.


Jerem ias e Lam e n ta çõ e s 1207 |

O juízo de Deus sobre as nações (25.15-38)

O anúncio da derrocada final da Babilônia (v. 12-14) proporciona uma

transição agradável para a próxima mensagem, na qual o Senhor declara

que aplicará seu juízo sobre todas as nações. Comparando o juízo a uma

taça de vinho intoxicante, o Senhor anuncia que forçará as nações a bebê-lo

(v. 15). Sob influência da ira de Deus, elas cambalearão como se estivessem

bêbadas (v. 16). O alcance desse juízo será virtualmente mundial, como

indica a longa lista de nações (v. 17-26, especialmente o v. 26). Vai englobar

o Egito, ao sul, Uz, a leste, os filisteus, a oeste, os reinos transjordanianos,

para o leste, Tiro e Sidom, para o norte, as tribos árabes e os reis das distantes

Elão e Média (situadas a leste da Babilônia), assim como todos os reis

do norte. O juízo culminará com o rei de Sesaque, uma referência velada

à Babilônia.68 Nenhuma das nações ficará isenta (v. 27-28). Afinal, se até

Jerusalém, a cidade especial de Deus, terá de conhecer o desastre, então

quanto mais deveriam sofrer as nações pagãs (v. 29)?

O juízo será aterrador. O Senhor soberano, entronizado nos céus, rugirá

feito um leão e gritará como quem comemora a colheita de uvas ao pisá-

-las no lagar (v. 30). Uma vez que o juízo de Deus é às vezes comparado ao

esmagamento de uvas (Is 63.3; J13.13), a metáfora é ameaçadora. Enquanto

o Senhor executar seu juízo sobre a humanidade com sua poderosa espada,

a destruição se espalhará entre as nações (v. 31-32), deixando pilhas de

corpos insepultos em seu rastro (v. 33). Comparando os líderes das nações

a pastores, o Senhor anuncia sua derrota (v. 34-35). Ele transformará as pastagens

em deserto e, então, atacará as ovelhas (simbolizando a humanidade)

como um leão raivoso (v. 36-38).

Um profeta na tempestade (Jr 26-45)

Esta próxima grande seção do livro pode ser dividida em duas unidades

literárias, ambas emolduradas com material datado no reinado do rei

Jeoaquim.69 A primeira dessas unidades começa no capítulo 26, com um

relato de como a nação rejeitou a mensagem profética no templo de Jerusalém.

Essa unidade termina no capítulo 35, com uma mensagem de estímulo

aos leais recabitas, que são cotejados com a nação infiel. De maneira

semelhante, a segunda unidade começa no capítulo 36, com outro relato

68 A técnica utilizada é chamada de “atbash”, em que as letras de um nome são substituídas pelas letras

correspondentes quando o alfabeto é lido de trás para a frente. Em hebraico, o nome “Babel” consiste das

consoantes beth-beth-lamed. beth é a segunda letra do alfabeto hebraico, lam ed é a 12“ O nome cifrado

Sesaque consiste das consoantes sh in -shin-kaph\shin é a 2 Ia letra do alfabeto, enquanto kaph é a 11a.

Quando lemos o alfabeto de trás para a frente, shin é a segunda letra, kaph. a 12a.

69 Para uma análise da estrutura dos capítulos 26-45, veja Yates, Gary E., ‘“ The People Have Not

Obeyed’: A Literary and Rhetorical Study of Jeremiah 26—45” (Dissertação de doutorado, Dallas

Theological Seminary, 1998).


| 206 I Introdução aos profetas

O número “70” não deve ser considerado de forma muito precisa.

Embora Nabucodonosor tenha invadido Judá em 605 e, novamente, em

597 a.C., (2Rs 24.1-2,10-16; 2Cr 36.6-7,10; Dn 1.1-2), o texto associa

claramente o período de servidão de Judá à devastação da terra (cf. 25.9-

11 com 24.8-10), que se entende mais naturalmente que tenha começado

com a queda de Jerusalém, em 586 a.C.65 Nesse caso, o período de servidão

foi de 47-48 anos, não 70. No capítulo 29, é mencionado novamente

um período de 70 anos (v. 10), dessa vez em uma carta para os exilados

escrita algum tempo depois da deportação de Joaquim, em 597 a.C. (v.

2). Se os “setenta anos” mencionados aqui começam em 597, então o

período de servidão é, na verdade, de 58 ou 59 anos, não 70. De qualquer

forma, o período em questão não durou 70 anos.66 Por essa razão, parece

preferível considerar o número como uma expressão idiomática que é

utilizada de maneira estereotipada, não literal, para indicar um longo

período que atende completamente as exigências do juízo divino. Sendo

múltiplo do simbólico número sete, indica plenitude. Uma vez que também

designa a longevidade média (SI 90.10; Is 23.15), sugere que o exílio

se estende além do tempo de vida da maioria dos que foram levados

cativos para a Babilônia.67

Ainda que os babilônios fossem dominar o povo de Deus por muitos

anos, o Senhor viraria a mesa contra eles ao final (v. 12-14). Em cumprimento

às profecias de Jeremias (veja os capítulos 50-51), o Senhor daria

o troco aos babilônios por seu orgulho e por seus excessos de crueldade.

Essa profecia foi cumprida em 539 a.C., quando Ciro da Pérsia conquistou

a Babilônia e levou ao fim o império neobabilônico.

65 O texto de 2Crônieas 36 também favorece essa visão, pois o período de 70 anos de desolação

mencionado em 2Crônicas 36.21 começa mais naturalmente com os eventos de 586 a.C., mencionados

pouco antes, nos versículos 17-20. A passagem de Crônicas, além disso, relaciona especificamente os

eventos que registra à profecia de Jeremias de um exílio de 70 anos.

66 Alguns iniciam o período de exílio em 605, em cujo caso terá durado 66-67 anos. Entretanto,

essa opinião tem de fazer distinção entre o período de desolação de Judá, mencionado em 25.11 (que

começou em 586) e o período de servidão à Babilônia (que começou em 605). Os que propõem essa

visão entendem os 70 anos de 29.10 como o período da dominação babilônia (reparem na afirmação

“quando se completarem os setenta anos da Babilônia”), considerados com início em 605. Nessa visão,

a figura de “setenta” anos é razoavelmente literal, embora ainda seja aproximada. Alguns encontram

apoio para essa interpretação em Daniel 9.2, argumentando que Daniel entendia que o período de

70 anos tinha começado em 605, quando foi levado para o exílio. Quando o término do período se

aproximou, Daniel foi forçado a orar pela intervenção divina. Entretanto, não há nada na oração de

Daniel que exija uma interpretação mais literal do número.

67 Veja Holladay, Jeremiah 1, 669, e, para uma discussão equilibrada de visões concorrentes, Carroll,

Jeremiah, 493-96. Podemos encontrar apoio para a intepretação idiomática em uma inscrição do rei

assírio Assaradão, que fala de Marduk decretando 70 anos de desolação para a Babilônia. Veja Saggs,

H. W. F., The Greatness That Was Babylon (Nova York: New American Library, 1962), 133, e Roux,

Georges, Ancient Iraq (Middlesex: Penguin Books, 1966), 294.


Jerem ias e Lam e n ta çõ e s 1207 1

O juízo de Deus sobre as nações (25.15-38)

O anúncio da derrocada final da Babilônia (v. 12-14) proporciona uma

transição agradável para a próxima mensagem, na qual o Senhor declara

que aplicará seu juízo sobre todas as nações. Comparando o juízo a uma

taça de vinho intoxicante, o Senhor anuncia que forçará as nações a bebê-lo

(v. 15). Sob influência da ira de Deus, elas cambalearão como se estivessem

bêbadas (v. 16). O alcance desse juízo será virtualmente mundial, como

indica a longa lista de nações (v. 17-26, especialmente o v. 26). Vai englobar

o Egito, ao sul, Uz, a leste, os filisteus, a oeste, os reinos transjordanianos,

para o leste, Tiro e Sidom, para o norte, as tribos árabes e os reis das distantes

Elão e Média (situadas a leste da Babilônia), assim como todos os reis

do norte. O juízo culminará com o rei de Sesaque, uma referência velada

à Babilônia.68 Nenhuma das nações ficará isenta (v. 27-28). Afinal, se até

Jerusalém, a cidade especial de Deus, terá de conhecer o desastre, então

quanto mais deveriam sofrer as nações pagãs (v. 29)?

O juízo será aterrador. O Senhor soberano, entronizado nos céus, rugirá

feito um leão e gritará como quem comemora a colheita de uvas ao pisá-

-las no lagar (v. 30). Uma vez que o juízo de Deus é às vezes comparado ao

esmagamento de uvas (Is 63.3; J13.13), a metáfora é ameaçadora. Enquanto

o Senhor executar seu juízo sobre a humanidade com sua poderosa espada,

a destruição se espalhará entre as nações (v. 31-32), deixando pilhas de

corpos insepultos em seu rastro (v. 33). Comparando os líderes das nações

a pastores, o Senhor anuncia sua derrota (v. 34-35). Ele transformará as pastagens

em deserto e, então, atacará as ovelhas (simbolizando a humanidade)

como um leão raivoso (v. 36-38).

Um profeta na tempestade (Jr 26-45)

Esta próxima grande seção do livro pode ser dividida em duas unidades

literárias, ambas emolduradas com material datado no reinado do rei

Jeoaquim.69 A primeira dessas unidades começa no capítulo 26, com um

relato de como a nação rejeitou a mensagem profética no templo de Jerusalém.

Essa unidade termina no capítulo 35, com uma mensagem de estímulo

aos leais recabitas, que são cotejados com a nação infiel. De maneira

semelhante, a segunda unidade começa no capítulo 36, com outro relato

68 A técnica utilizada é chamada de “atbash”, em que as letras de um nome são substituídas pelas letras

correspondentes quando o alfabeto é lido de trás para a frente. Em hebraico, o nome “Babel” consiste das

consoantes beth-beth-lamed. beth é a segunda letra do alfabeto hebraico, lamed, é a 12a. O nome cifrado

Sesaque consiste das consoantes shin-shin-kaph; shin é a 21a letra do alfabeto, enquanto kaph é a 1 Ia.

Quando lemos o alfabeto de trás para a frente, shin é a segunda letra, kaph, a 12a.

69 Para uma análise da estrutura dos capítulos 26-45, veja Yates, Gary E., ‘“The People Have Not

Obeyed’: A Literary and Rhetorical Study of Jeremiah 26-45” (Dissertação de doutorado, Dallas

Theological Seminary, 1998).


1208 I Introdução aos profetas

(que, como no capítulo 26, é datada no reinado de Jeoaquim) sobre como a

nação rejeitou a mensagem no templo de Jerusalém. Essa unidade termina

no capítulo 45 (que, como o capítulo 35, é datada no reinado de Jeoaquim)

com uma mensagem de estímulo ao leal Baruque.

Dentro da estrutura da primeira unidade literária (caps. 26-35), os capítulos

27-29, datados no reinado de Zedequias, concentram-se no conflito

de Jeremias com as autoridades. Os capítulos 30-33 olham adiante, para a

restauração final do povo exilado, enquanto o capítulo 34, datado no reinado

de Zedequias, destaca a infidelidade da nação. Dentro da estrutura

da segunda unidade literária (caps. 36-45), os capítulos 37-39, datados no

reinado de Zedequias, concentram-se no conflito de Jeremias com as autoridades.

Os capítulos 40 44 descrevem o final do juízo e deixam claro que

a desobediência persistia na comunidade da aliança. Por essa razão, a restauração

antecipada nos capítulos 30-33 não teria lugar no futuro imediato.

A vida de Jeremias é ameaçada (26.1-24)

No começo do reinado de Jeoaquim, que governou de 608-598 a.C., o

Senhor instruiu Jeremias a confrontar o povo que vinha para adoração no

templo de Jerusalém (26.1-2). Se o povo persistisse no pecado e se recusasse

a ouvir os profetas do Senhor, Jerusalém seria invadida e o Senhor

abandonaria seu templo, assim como tinha abandonado o santuário em Siló

(v. 4-6, veja 7.14). O Senhor esperava que esse aviso trouxesse o povo de

volta à razão e o levasse ao arrependimento. Se assim fosse, ele prometia

desistir de enviar o desastre profetizado (v. 3, veja 18.7-8).70

A mensagem de Jeremias não teve o efeito desejado sobre aqueles que

a ouviram. Na verdade, os profetas, sacerdotes e “todo o povo” o atacaram.

No que tocava a eles, o profeta merecia morrer porque profetizara que o

templo e a cidade seriam destruídos (v. 7-9). Seu tipo peculiar de teologia

de Sião ensinara que Jerusalém era imune ao juízo porque era o local de

moradia do Senhor (7.4).

Quando a notícia chegou às autoridades da corte real, elas foram ao

templo para investigar o assunto (v. 10). Os sacerdotes e os profetas apresentaram

uma acusação formal contra Jeremias e exigiram que ele fosse

executado (v. 11). Ao fazer sua própria defesa, Jeremias destacou que o

Senhor o enviara para alertar a nação sobre o juízo iminente (v. 12). Mais

uma vez, ele conclamou o povo ao arrependimento e prometeu que, se isso

acontecesse, o Senhor desistiria de enviar o juízo (v. 13; veja o v. 3). Ele

também alertou as autoridades que, se o matassem, Deus as responsabilizaria

por derramar o sangue de um inocente (v. 14-15).

70 Para uma discussão da utilização por Deus de “talvez” na literatura profética, veja Fretheim, The

Suffering o f God, 45-47.


Jerem ias e Lam e n ta çõ e s | 209 1

A defesa de Jeremias convenceu as autoridades e a multidão instável de

que ele falava a palavra do Senhor e que não devia ser executado (v. 16).

Então, alguns dos anciãos se levantaram e se dirigiram ao povo (v. 17). Eles

lembraram à multidão uma coisa que tinha acontecido um século antes, nos

tempos de Ezequias. O profeta Miqueias tinha anunciado, em termos aparentemente

incondicionais, que Jerusalém seria destruída (v. 18; veja Mq

3.12). Ezequias e o povo não o executaram, mas, em vez disso, arrependeram-se,

levando o Senhor a desistir de enviar o juízo profetizado (v. 19a). A

profecia de Miqueias provou, dessa forma, ser implicitamente condicional.

Da mesma maneira, o povo tinha de responder apropriadamente à profecia

de juízo explicitamente condicional de Jeremias (veja os v. 3-6,13). Se eles

o ferissem, trariam um “desastre terrível sobre a nação” (v. 19b).

A reação de Ezequias à mensagem de Miqueias contrastou fortemente

com o tratamento de Jeoaquim a um dos contemporâneos proféticos de

Jeremias, Urias, filho de Semaías. Como Jeremias, ele tinha alertado que

o juízo estava prestes a cair sobre Judá e Jerusalém (v. 20). O rei Jeoaquim

e seus servos queriam matar Urias, mas ele fugiu para o Egito (v. 21). Para

não ser contrariado, Jeoaquim enviou alguns de seus homens ao Egito, onde

conseguiram a extradição de Urias (v. 22). Com seu retomo a Judá, Urias

foi executado por ordem do rei e enterrado em uma vala comum (v. 23).

As palavras dos anciãos, junto com a inserção desse breve relato da trágica

morte de Urias, elevaram a tensão da narrativa. Apesar da declaração da

inocência de Jeremias pelas autoridades (v. 16), dá para imaginar se eles

mudaram de opinião ou se o próprio rei anulou a decisão delas.

A tensão é dissolvida no versículo 24, que nos informa que Aicão, filho

de Safa, interveio e evitou que Jeremias fosse executado. Sabemos muito

pouco sobre Aicão, embora seja evidente que ele e sua família estavam

entre os defensores de Jeremias. O pai de Aicão, Safa, tinha servido como

secretário do rei Josias, e o próprio Aicão era parte da corte real nessa época

(2Rs 22.3-14). Seu irmão Gemarias aconselhou Jeoaquim a não destruir o

rolo de Jeremias (Jr 36.25) e seu filho Gedalias teve a custódia de Jeremias

depois que os babilônios livraram o profeta da prisão (Jr 39.14).

Uma vitória da Babilônia é inevitável (27.1-22)

No quarto ano do reinado de Zedequias (594 ou 593 a.C.; veja 28.1),

o Senhor deu a Jeremias uma mensagem para as nações vizinhas (27.1).71

'' O texto hebraico data erradamente essa mensagem no remado de Jeoaquim (609-598 a.C.), mas

alguns manuscritos medievais hebraicos, assim como as versões siríacas e arábicas, leem corretamente

Zedequias aqui. Os versículos 3 e 12 deixam claro que Zedequias era rei quando a mensagem foi

entregue, enquanto o versículo 20 se refere ao cativeiro de Joaquim, sucessor de Jeoaquim, como algo

que havia acontecido.


1210 1 Introdução aos profetas

Jeremias devia colocar uma canga de madeira no pescoço, como símbolo de

como essas nações seriam subjugadas e obrigadas a servir ao rei da Babilônia

(v. 2). Depois o profeta devia enviar uma mensagem aos reinos de Elão,

Moabe, Amom, Tiro e Sidom (v. 3), informando-lhes que o Senhor Deus

de Israel, que criou a terra e tudo que nela há, tinha decidido entregar seus

reinos a Nabucodonosor, da Babilônia, a quem o Senhor chama de “servo”

(v. 4-6). Essas nações serviriam a Nabucodonosor e sua dinastia por um

período predeterminado, mas então o império babilônico seria conquistado

por outras nações (v. 7). A primeira parte dessa profecia foi cumprida logo

depois de Nabucodonosor conquistar esses países ocidentais. A segunda

parte da profecia veio a acontecer em 539 a.C., quando os exércitos medo-

-persas de Ciro conquistaram a Babilônia e levaram o império babilônico

ao fim.72

Se qualquer nação resistisse a Nabucodonosor, sofreria os horrores de

uma invasão militar (v. 8). Os reis das nações vizinhas não deviam escutar

aqueles que profetizavam que eles escapariam do rei da Babilônia (v. 9).

Todas essas mensagens de esperança eram falsas e só levariam a repercussões

sérias (v. 10). Os que se submetessem voluntariamente à Babilônia

manteriam sua identidade nacional e poderiam permanecer em sua terra

natal (v. 11).

Essa mesma mensagem se aplicava a Zedequias e ao povo de Judá.

Judá devia se submeter voluntariamente à Babilônia para escapar à devastação

da guerra (v. 12-13). Zedequias e o povo não deviam escutar as palavras

de garantia dos falsos profetas, que prometeram que Judá não serviria

à Babilônia e que os itens levados do templo em 597 a.C. seriam logo

devolvidos (v. 14-16). A coisa acertada a fazer era se submeter à Babilônia,

pois só dessa forma a cidade evitaria o desastre e a ruína (v. 17).

Os falsos profetas, que estavam tão preocupados com os artigos do templo

que já tinham sido levados (v. 16), deveriam pedir ao Senhor que

os artigos restantes no templo e no palácio real não fossem carregados

para a Babilônia (v. 18). Embora o Senhor já tivesse anunciado que esses

72 O versículo 7 dá a impressão de que essas nações serviriam a Nabucodonosor, ao seu filho e ao

seu neto, até que o reino da Babilônia caísse. Essa não foi bem a maneira como a história do império

babilônio se desdobrou. Nabucodonosor reinou por 43 anos (605-562 a.C.) e foi sucedido por seu filho

Evil-Merodaque, que teve um breve governo (561-560 a.C.). Evil-Merodaque foi sucedido pelo genro de

Nabucodonosor, Neriglissar (559-556 a.C.), e, depois, pelo filho mais novo, Labashi-Marduk (556 a.C.),

que era neto de Nabucodonosor. Nesse ponto, Nabonido, que não era membro da família real, juntou-se

a outros conspiradores para assassinar Labashi-Marduk e tomou o trono, governando de 555 a 539 a.C.

Quando o reino caiu, Nabonido e seu filho Belsazar governavam o reino; para uma breve pesquisa sobre

o período, veja Amold, Bill T., “Babylonians”, em Peoples o f the Old Testament World, Hoerth, A. J.;

Mattingly, G. L.; Yamauchi, E. M. (orgs.). Grand Rapids: Baker, 1994, 64-66. É provável que a referência,

no versículo 7, a Nabucodonosor, a seu filho e a seu neto seja uma forma estereotípica de fazer referência

ao império que ele estabeleceu. Veja Carroll, Jeremiah, 527-28, e Thompson, Jeremiah, 533.


Jerem ias e L a m e n ta çõ e s | 2111

itens remanescentes seriam levados para a Babilônia, pelo menos por um

tempo (v. 19-22), ele poderia ser convencido a mudar seus planos se a

nação se submetesse à Babilônia e os falsos profetas aceitassem o destino

da nação e suplicassem pela misericórdia divina.

Duelo de profetas (28.1-17)

Mais tarde, naquele mesmo ano, o profeta da corte, Ananias, confrontou

Jeremias publicamente no templo (28.1). Alegando ser o porta-voz do

Senhor, Ananias profetizou que o Senhor libertaria Judá do domínio babilônico

e logo restauraria os artigos que tinham sido levados do templo, em

597 a.C. (v. 2-3). De acordo com Ananias, o Senhor também traria o rei

Jeoaquim de volta do exílio, bem como os outros que tinham sido levados

para o cativeiro babilônico (v. 4).

Jeremias pediu sarcasticamente que as palavras de Ananias fossem cumpridas

(v. 5-6). Afinal, seria maravilhoso se o Senhor restaurasse os artigos

do templo e o povo exilado. No entanto, a profecia de Ananias não era

confiável. Tradicionalmente, os profetas eram mensageiros de Deus para

um povo pecador e o alertavam sobre o juízo que estava por vir (v. 7-8).

Qualquer profeta que, como Ananias, proclamasse uma mensagem de paz,

só deveria ser reconhecido como porta-voz do Senhor se suas palavras se

cumprissem (v. 9).

Em resposta a esse desafio, Ananias retirou a canga simbólica que

o profeta vinha usando no pescoço (27.2). A seguir, quebrou a canga e

anunciou que, dentro de dois anos, o Senhor romperia os cabrestos que

Nabucodonosor tinha colocado em todas as nações, inclusive Judá (v.

10-1 la). Disposto a esperar uma palavra profética do Senhor, Jeremias

simplesmente se foi (v. 11b).

Logo depois desse episódio, o Senhor deu a Jeremias uma mensagem

para Ananias (v. 12). Para simbolizar a libertação de Judá do poder babilônico,

Ananias tinha quebrado a canga de madeira que Jeremias usava. Mas

Judá não seria libertada. Em vez disso, o Senhor colocaria uma canga de

ferro, por assim dizer, no pescoço das nações. Nabucodonosor apertaria

mais forte do que anunciado antes o domínio sobre as nações ocidentais,

inclusive Judá. Até os animais do campo seriam servis a ele (v. 13-14).

Jeremias denunciou Ananias como falso profeta que, embora sem o

comissionamento do Senhor, tinha enganado o povo com suas profecias

(v. 15). O Senhor via Ananias como um traidor e anunciou que puniria esse

profeta mentiroso tirando-lhe a vida (v. 16). A natureza apropriada do castigo

é enfatizada no texto hebraico por meio de um jogo de palavras envolvendo

o verbo “enviar”. No versículo 15, Jeremias afirma que o Senhor não

“enviou” Ananias. No versículo 16, o Senhor anuncia que vai “mandar”


1 212 I Introdução aos profetas

esse falso profeta para fora da terra, tirando-lhe a vida. Aproximadamente

dois meses depois, a palavra do Senhor se cumpriu (v. 17; veja o v. 1).

Cartas aos exilados (29.1-32)

Algum tempo depois do exílio de Joaquim, em 597 a.C., Jeremias enviou

uma carta ao povo que tinha sido levado cativo para a Babilônia (29.1-3).

Falando como porta-voz profético do Senhor, Jeremias conclama os exilados

a se instalarem na Babilônia, terem filhos e orarem pelo bem-estar em

sua nova casa (v. 4-7). Não deviam escutar os profetas e adivinhos que prometiam

uma libertação rápida do cativeiro (v. 8-9). Em conformidade com

o plano de Deus, eles permaneceriam na Babilônia pelo restante de suas

vidas (v. 10a).73 Quando terminasse o tempo determinado, o Senhor, em

cumprimento de sua promessa, traria os exilados de volta a Judá (v. 10b).

O exílio babilônio foi um pequeno atraso no plano de Deus para seu povo.

Ele tinha um futuro brilhante reservado para eles (v. 11). Viria o tempo em

que o povo buscaria o favor do Senhor (v. 12-13) e o Senhor responderia

as suas orações, trazendo-os de volta à terra natal (v. 14). Mas esse tempo

ainda não tinha chegado.

Dois indivíduos em particular, Zedequias, filho de Maaseias (não confundir

com o rei Zedequias), e Acabe, filho de Colaías, estavam dando falsas

esperanças aos exilados (v. 21). Embora alguns os considerassem profetas

(v. 15), faltava integridade às suas mensagens e também às suas ações

(v. 21,23). Jerusalém não seria liberta e os exilados não retomariam à terra

natal tão cedo. Ao contrário, o Senhor destruiria os que permaneceram em

Judá e os transformaria em objeto de gozação entre as nações (v. 16-18),

porque eles tinham rejeitado as mensagens genuínas de seus verdadeiros

profetas (v. 19a). Os exilados não deviam repetir esse erro, rejeitando as

palavras de Jeremias em benefício das mentiras dos falsos profetas (v. 19b).

Zedequias e Acabe seriam executados em breve por Nabucodonosor, muito

provavelmente porque suas atividades foram julgadas pelas autoridades

babilônicas como promoção de insurreição (v. 20-21). A execução desses

dois falsos profetas permaneceria tão viva na memória dos exilados que

eles usariam os nomes deles em suas maldições (v. 22-23).

Quando a carta de Jeremias aos exilados chegou, Semaías, o neelamita,

outro falso profeta na Babilônia, se opôs a seu conteúdo (v. 28, cf. v. 5-10).

Ele escreveu aos sacerdotes em Jerusalém e disse a Sofonias, o encarregado

do templo, que devia prender Jeremias, que Semaías considerava “louco”

e um falso profeta (v. 24-27). Quando Sofonias informou a Jeremias a acusação

de Semaías, o Senhor deu a Jeremias uma mensagem personalizada

73 Sobre a utilização idiomática de “setenta anos”, veja minha discussão de Jeremias 25.11.


Jerem ias e Lam e n ta çõ e s j 213 )

para Semaías (v. 29-31 a). Jeremias informou aos exilados que o Senhor

castigaria Semaías por suas mentiras (v. 31b). Sua descendência seria eliminada

a não viveria para ver o dia do retomo dos exilados a Judá (v. 32).

Dias melhores à vista (30.1-31.40)

Na carta de Jeremias para os exilados, o Senhor deixa claro que, no

tempo certo, libertaria seu povo do cativeiro e poria “coisas boas” em seu

caminho (29.10-15,32). Nos capítulos 30-31, o Senhor desenvolve esse

tema da restauração com mais detalhes.

O juízo que se aproximava seria um acontecimento aterrador que paralisaria

até os homens mais fortes (3.4-7a), mas não destruiria completamente

a comunidade da aliança com Deus (7b). No tempo devido, o Senhor

iria libertar seu povo da escravidão de seus opressores estrangeiros (v. 8),

restaurá-lo à sua terra (v. 1-3) e restabelecer a dinastia davídica (v. 9).74 Os

exilados não deviam ter medo nem esmorecer porque o Senhor iria resgatá-

-los (v. 10a) e deixá-los seguros em sua própria terra (v. 10b). Embora o

Senhor tivesse sido forçado a disciplinar seu povo, ele ainda estava olhando

por ele e, ao final, puniria seus opressores (v. 11).

O Senhor, a seguir, volta-se para Sião personificada (isto é, Jerusalém)

e lhe dá ânimo (v. 17a).75 Sião estava ferida, por assim dizer, e tinha

sido abandonada por aqueles que, antes, eram seus aliados (v. 12-14a). O

Senhor tinha punido severamente a cidade por seus pecados (v. 14b-15).

Mas, algum dia, haveria uma virada de mesa. Aqueles que tinham invadido

e saqueado Sião seriam derrotados (v. 16), enquanto Sião conheceria

a restauração (v. 17). Com sua misericórdia, Deus faria com que a cidade

fosse reconstruída, inclusive o palácio real, símbolo da independência

da nação (v. 18). O povo vai celebrar o rejuvenescimento da cidade e

a população vai aumentar muito, renovando entre as nações o respeito

pela comunidade (v. 19-20a). Os governantes estrangeiros não os oprimiriam

mais (v. 20b). Em vez disso, um dos seus, um rei davídico (veja

o v. 9; também 23.5-6; 33.15-16), os lideraria e desfrutaria de relacionamento

íntimo com o Senhor (v. 21). O Senhor restabeleceria seu relacionamento

com o povo, cumprindo o antigo ideal da aliança (v. 22; veja

também 24.7; Ex 6.7; Lv 26.12). O juízo viria, de fato, mas purificaria a

comunidade, removendo os perversos que tinham contaminado a aliança

(v. 23-24). Esse juízo purificador abriria as portas para um futuro brilhante

em que Deus se reconciliaria com seu povo (31.1).

74 O versículo 9 fala do povo servindo a “Davi, seu rei”, uma referência ao rei davídico ideal do futuro,

que vai governar com o espírito e o poder de seu ancestral ilustre. Veja meus comentários sobre Oseias 3.5.

7>Em todo o texto hebraico dos versículos 12-17, os pronomes da segunda pessoa estão no feminino

singular, indicando que a Sião personificada, vista como mulher, é a destinatária da mensagem.


| 214 ( Introdução aos profetas

Judá e Jerusalém não seriam os únicos a receber a salvação do Senhor.

Como expressão de sua fidelidade e amor eternos, o Senhor também restauraria

os exilados do reino do norte em sua terra, conclamando o povo

a comemorar (v. 2-4). O povo plantaria novamente e desfrutaria do fruto

de seu trabalho (v. 5). Como nos dias distantes do império davídico, eles

veriam Jerusalém como seu centro de adoração (v. 6). Em antecipação a

esse dia glorioso, aqueles que ouviram a profecia deviam louvar a Deus e

pedir ao Senhor que a visão profética se realizasse logo (v. 7).

O retomo de Israel do exílio seria uma cena a se assistir. O povo viria de

volta em massa de seu local de exílio no norte (v. 8a). Suas fileiras incluiriam

até mesmo aqueles normalmente sem condições de viajar, cegos, aleijados

e gestantes (v. 8b). Derramando lágrimas de alegria, conheceriam a

providência e a proteção do Senhor paternal (v. 9). A mensagem deve ser

proclamada entre as nações alto e em bom som - o mesmo Deus que mandou

seu povo para o exílio o libertaria de seus poderosos raptores e, como

um pastor, levaria-o de volta à sua terra natal (v. 10-11). Para celebrar a restauração

das bênçãos agrícolas do Senhor, fariam uma peregrinação a Sião,

onde até os velhos cantariam e dançariam em alegria (v. 12-14).

Essa explosão de alegria seria um forte contraste com o sofrimento passado

de Israel. O exílio do reino do norte foi acompanhado de sofrimento

inconsolável. O versículo 15 utiliza uma metáfora vivida para ilustrar isso.

Da cidade de Ramá, situada em território benjaminita cerca de oito quilômetros

ao norte de Jerusalém, ouve-se choro intenso. E Raquel, chorando

seus filhos, que estão sendo levados para o exílio. Raquel, a mãe de Benjamim

e José, é usada aqui como metáfora da terra de Israel, pois ela era avó

de duas das mais importantes tribos de Israel, Efraim e Manassés. Ramá

pode ter sido mencionada porque Raquel foi enterrada em território benjaminita

(1 Sm 10.2).76 Outra opção é que a referência a Ramá reflita o fato de

76 Tradição posterior situou erroneamente o túmulo de Raquel perto de Belém, talvez por causa de

um erro de leitura de Gênesis 35.19; 48.7. Os dois textos indicam que Raquel foi enterrada ao longo da

estrada que vai de Benjamim a Efrata, que é lida equivocadamente como Belém. Alguns argumentam

que a Efrata mencionada aqui tinha de estar em território benjaminita. Veja McCarter Jr.; P. Kyle, 1

Samuel, AB (Nova York: Doubleday, 1980), 181. A tradição segundo a qual Raquel foi enterrada perto

de Belém pode ter influenciado Mateus a usar Jeremias 31.15 juntamente com seu relato da morte,

por Herodes, dos meninos de Belém (Mt 2.16-18). De acordo com Mateus, as palavras de Jeremias

foram “cumpridas” quando Herodes cometeu essa atrocidade. Em seu contexto literário e histórico, a

afirmação de Jeremias obviamente não se refere ao feito de Herodes. Mais do que ser uma profecia, ela

olha para trás, para um evento que aconteceu cerca de um século antes. Além disso, Jeremias 31.16-17

mostra os filhos de Raquel voltando para ela. Mateus não está sugerindo que uma previsão feita por

Jeremias venha a acontecer na época de Herodes. Ao contrário, em retrospecto, ele traça uma analogia

entre o exílio de Israel no século 8a a.C. e a morte de inocentes por Herodes logo após o nascimento de

Jesus. Como o tratamento dado pelos assírios aos exilados israelitas, a atrocidade de Herodes foi um

ato cruel que trouxe grande sofrimento para o povo da aliança de Deus. Nesse sentido, ela “cumpriu” o

padrão de opressão e crueldade estabelecido pelos antigos assírios. Foi como se a história se repetisse


Jerem ias e L am entaçõ es 1215

que, nos tempos de Jerusalém, Ramá era um local utilizado pelos babilônios

para levar os prisioneiros antes de enviá-los para o exílio (Jr 40.1). Só

o nome Ramá lembraria o exílio aos contemporâneos de Jeremias.

Entretanto, essa história não acabaria em lágrimas e sofrimento. A

lamentação vigorosa de Raquel valeria a pena e seus filhos voltariam do

exílio (v. 16-17). Os salmistas usavam a lamentação para comover Deus

a livrá-los de seu sofrimento. Suas canções de graças atestam o fato de que

essas preces eram frequentemente catalisadoras da intervenção divina. É esse

o caso aqui, pois o retomo dos filhos de Raquel é mostrado como a recompensa

ou o “pagamento” de seu pranto, aqui chamado de sua “obra”. No

cativeiro, os exilados (chamados aqui de “Efraim”) reconhecem que foram

disciplinados por sua rebeldia e arrependem-se de seus pecados (v. 18-19). O

Senhor, que amava Efraim como a um filho, responde com compaixão (v. 20)

e convida os exilados a retomarem à sua terra natal sem atraso (v. 21-22a).

Junto com o retomo de Israel à terra, o Senhor afirma: “Eu criei uma

coisa nova na terra” (v. 22b). Infelizmente, não estamos em posição de

identificar essa “coisa nova” por causa da forma cifrada em que é descrita

(“uma mulher cercando um homem”). Os intérpretes vêm tentando resolver

esse enigma, mas ele permanece ininteligível. Alguns entendem que

a mulher na metáfora é a virgem Israel (veja o v. 21; também o v. 4) e o

homem é o Senhor (observe as imagens de amor no v. 3). Nesse caso, ela é

retratada abraçando-o apaixonadamente e renovando um relacionamento

íntimo. Talvez a realidade por trás da imagem seja a adoração renovada

do Senhor em Sião (v. 6,12). Outros entendem o verbo na declaração

com o sentido de “proteger”. Nesse caso, a afirmação ilustra a imagem

incomum de uma mulher protegendo um homem do mal. A restauração

do povo do Senhor seria nova e diferente como uma mulher proteger um

homem do perigo.77

No versículo 23, o foco se volta a Judá. Quando os exilados de Judá voltaram

da Babilônia, eles pronunciaram uma bênção sobre Sião, o “monte

sagrado”. O povo se assentaria na terra e retomaria as atividades normais

da vida (v. 24). Renovado pela bênção de Deus, teria descanso e segurança

(v. 25-26).78

por meio das ações de Herodes, e a descrição feita por Jeremias do sofrimento israelita foi mais uma vez

cumprida no tempo e no espaço. Podemos chamar a utilização da declaração de Jeremias por Mateus

de “tipologia retrospectiva”.

77 Uma das interpretações mais bizarras e engraçadas desta passagem é a da visão alegórica de

Jerônimo que retrata Jesus encaixado no útero da virgem Maria.

78 A NIV traduz o versículo 26 como se fosse Jeremias a falar. Entendido dessa forma, o profeta

desperta de um transe ou sonho no qual recebera a visão profética seguinte. Entretanto, parece mais

provável que um dos exilados de volta estivesse falando aqui sobre a segurança que sentia no ambiente

descrito nos versículos anteriores.


| 216 | Introdução aos profetas

Tanto Israel quanto Judá voltariam para casa (v. 27). No passado, o

Senhor tinha supervisionado cuidadosamente sua queda, mas ele iria restaurá-los

(v. 28). Utilizando um provérbio, os exilados reclamaram que

tinham sofrido injustamente pelos pecados de seus pais (v. 29; veja também

Lm 5.7; Ez 18.2). Se, por um lado, é verdade que os filhos sofrem as

conseqüências dos pecados de seus pais (veja o comentário sobre Jr 11.22-

23), por outro, a visão dos exilados quanto à sua situação está equivocada.

Aqueles que foram para o exílio foram punidos por seus próprios pecados,

que excederam os de seus pais (Jr 3.25; 16.10-13; 32.18-19). Quando o

povo conseguisse perceber isso, se arrependesse (Jr 31.18-19) e conhecesse

o favor renovado de Deus, não recitaria mais esse provérbio. Em vez disso,

reconheceria que Deus julga de forma justa cada indivíduo (v. 30).79

Há duas formas básicas como o versículo 30 pode ser entendido em

relação ao 29. Uma visão é que o versículo 30 articula uma mudança real na

política divina. No passado, Deus julgava, de fato, os filhos pelos pecados

dos pais (como implica o v. 29), mas, no futuro, ele puniria estritamente

com base individual. Uma segunda visão, que preferimos aqui, é que o

texto é elíptico no começo do versículo 30 e deve ser reescrito: “Em vez

disso, [eles dirão...]”. Nesse caso, há uma mudança na percepção da atividade

de Deus pelo povo. No passado, eles erroneamente o acusavam de

ser injusto, mas, no futuro, reconhecerão que a justiça divina é justamente

administrada com base individual.

A nova era que viria teria seu ponto alto na inauguração de uma nova

aliança com Israel e Judá (v. 31). Seria diferente da aliança antiga, o código

mosaico, não em suas exigências, mas em sua eficácia. A lei mosaica exigia

lealdade ao Senhor, demonstrada pela obediência a seus regulamentos,

mas não tinha o poder, em si mesma, de fazer o povo obedecer. Apesar

do cuidado e do amor do Senhor, o povo violava a aliança (v. 32). A nova

aliança operaria de forma diferente. Ela faria as mesmas exigências essenciais

ao povo, mas, dessa vez, a lei de Deus, em vez de ser gravada em

tábuas de pedra, seria inscrita no coração e na mente do povo de Deus (v.

33). O ponto da metáfora é que o povo teria capacidade e desejo inerentes

para obedecer as exigências de Deus. Não haveria mais necessidade de

exortações para “conhecer o Senhor”, pois o povo iria, automaticamente,

“conhecer” a Deus quando experimentasse o perdão dos pecados (v. 34).

“Conhecer”, aqui, é utilizado no sentido pactuai de “reconhecer e obedecer”

(veja meus comentários sobre Jr 22.16). O profeta Ezequiel associa

essa renovação interior com a graça do espírito divino que purifica o povo

7QPara uma defesa dessa visão, veja Kaminsky, Corporate Responsibility in the Hebrew Bible, 141 -

54, especialmente 147-48.


Jerem ias e L am entaçõ es 1217 {

do pecado, e, de forma sobrenatural, faz uma convocação à obediência ao

Senhor (Ez 36.24-27).

O Senhor conclui essa promessa de uma nova aliança com uma palavra

de garantia. Ele afirma que seu compromisso com os descendentes de

Israel (provavelmente, tanto Israel quanto Judá estão em foco aqui; veja o

v. 31) é tão constante quanto os ciclos da natureza que ele estabeleceu como

leis. Para enfatizar esse ponto, ele declara que é tão impossível rejeitar seu

povo quanto seria para um simples ser humano medir os céus e as regiões

subterrâneas (v. 37). A restauração viria, de fato, e seu destaque seria a

reconstrução de Jerusalém, que seria separada em sua totalidade como uma

cidade sagrada (v. 38-40).

De que maneira essa promessa da nova aliança é realizada? Enquanto

Jeremias parece indicar que essa promessa é estritamente para Israel e

Judá, o Novo Testamento deixa claro que a nova aliança já foi implementada

com a igreja (Lc 22.20; ICo 11.25; 2Co 3.6; Hb 8.13; 9.15; 12.24).

Por meio de seu sacrifício de expiação, Jesus inaugurou essa nova comunidade

da aliança, que cumpre a lei com obediência (Mt 5.17-20), não

nos particulares contextualizados no espaço-tempo do código mosaico,

mas em sua essência, na forma articulada por Jesus (Mt 22.36-40). Como

reconciliar o aparente conflito entre os profetas hebreus, que previram

que Deus faria uma nova aliança com Israel, e o Novo Testamento, que

associa essa aliança com a igreja? Alguns têm tentado contornar o problema

com a proposta de que há duas novas alianças - uma para Israel e

uma para a igreja - mas o Novo Testamento claramente vê a aliança atual

com a igreja como o cumprimento da promessa do Antigo Testamento

(Hb 8). Outros reinterpretam as palavras do Antigo Testamento de forma

que a igreja se tome o novo Israel e herde suas promessas, mas Romanos

11, em que se faz clara distinção entre o Israel étnico e a igreja no

programa futuro de Deus, põe por terra essa posição. Há uma explicação

melhor, que faz justiça a todas as provas. Como previsto pelos profetas, a

nova aliança será cumprida conjuntamente com a salvação futura da etnia

israelita. Entretanto, o foco do profeta era limitado em alcance. No progresso

da história e da revelação, descobrimos que essa nova aliança tem

uma aplicação mais ampla. Antes da restauração da etnia israelita, Deus

implementou essa nova aliança com os seguidores de Cristo, que estão

sendo transformados por meio da graça do espírito divino.

Talvez uma ilustração ajude a entender melhor esse cumprimento duplo

da profecia da nova aliança. Ao lado de Jeremias e Ezequiel, a partir do

ponto histórico deles, estamos em um túnel escuro. Quando olhamos, com

eles, para a luz no fim do túnel, vemos Deus fazendo uma nova aliança com

o Israel étnico. Então, andamos pelo túnel e emergimos para a luz. Ali, à


| 218 I Introdução aos profetas

nossa frente, vemos a mesma cena que vimos de longe: Deus implementando

sua aliança com o Israel étnico. Mas, agora que saímos do túnel para

a luz plena, nossa visão periférica é expandida. Do nosso lado, impossível

de ser visto de dentro do túnel, temos outra cena - Deus implementando

essa mesma aliança com a igreja da era presente, composta tanto por judeus

quanto por gentios. Os profetas não estavam errados - eles simplesmente

tinham “visão de túnel” porque seu foco estava no Israel étnico.

Entretanto, há outro problema significativo relacionado ao cumprimento

da profecia por meio do Israel étnico. Diferentemente dos exilados de Judá

(incluindo os judeus, os benjaminitas e os levitas), alguns dos quais voltaram

do cativeiro babilônico no século 6a a.C., os exilados israelitas nunca

voltaram para casa. Eles desapareceram como entidade nacional distinta e

foram assimilados pelas nações. Isso significa que a profecia de uma futura

reunião de Israel com Judá e a implementação de uma nova aliança com os

dois não podem ser cumpridas de forma literal. Isso não significa, porém,

que a promessa de Deus falhou. Haverá o cumprimento, em essência, da

profecia quando o Senhor estabelecer sua aliança com o povo judeu (Rm

11.25-32 e também minha discussão sobre Is 11.13-14).

Jeremias compra terras (32.1-33.26)

Em 587 a.C., quando o exército babilônico cercou Jerusalém, Jeremias

foi preso e confinado no pátio da guarda no palácio real porque suas profecias

de juízo iminente sobre a cidade tinham irritado o rei Zedequias

(32.1-5). Entretanto, como os capítulos 30-31 demonstram, a mensagem

de Jeremias não era só tristeza e melancolia; ele também profetizou que o

Senhor um dia restauraria os exilados ao lar e faria uma nova aliança com

eles. Para enfatizar esse lado positivo da mensagem de Jeremias, o Senhor o

instruiu a comprar terras de seu primo Hananel, que ofereceu ao profeta um

campo perto de sua cidade natal, Anatote (v. 6-7). Jeremias fechou negócio

obedientemente, distante de testemunhas, e instruiu seu amigo Baruque a

colocar a escritura de compra em uma jarra, na qual pudesse ser preservada

por um longo período (v. 8-14). A compra do campo por Jeremias não pareceu

fazer muito sentido à luz de sua profecia de que o povo seria deportado

para a Babilônia. Mas essa ação tinha valor simbólico, pois antecipava uma

época em que o povo voltaria para casa e compraria e venderia propriedades

novamente (v. 15).

No início, até para o próprio profeta foi difícil compreender. Depois

de dar a escritura para Baruque, ele orou ao Senhor (v. 16) e expressou

seu espanto. A oração começa com um hino de louvor, em que o profeta

declara que o Senhor é o criador onipotente e soberano justo do mundo

(v. 17-19). Ele repassa os feitos poderosos do Senhor na história antiga


Jerem ias e L am entaçõ es I 219 [

de Israel, mas reconhece que o povo de Deus pecou, levando o Senhor a

trazer juízo sobre a nação (v. 20-23). Como o Senhor tinha anunciado, os

babilônios tinham cercado a cidade e logo a conquistariam (v. 24). Por

que, então, o Senhor diria ao profeta para comprar terra, como se a vida

fosse continuar como sempre (v. 25)?

Em sua resposta a Jeremias, o Senhor lembra ao profeta o que ele já

tinha afirmado em sua oração - o Senhor é o soberano governante da humanidade

e é capaz de fazer qualquer coisa que deseje (v. 26-27; veja o v. 17).

Suas instruções a Jeremias não marcam uma súbita mudança de planos.

Os babilônios destruiriam, mesmo, Jerusalém (v. 28). Os moradores rebeldes

da cidade morreriam pela espada, ou de fome, ou de doenças, porque

tinham suscitado a ira de Deus com seus ídolos e práticas pagãs (v. 29-36).

Mas a morte e a destruição não seriam o fim da história. O Senhor traria os

exilados de volta para casa e restabeleceria seu relacionamento com eles

(v. 37-38). Ele os transformaria em um povo obediente (v. 39), faria uma

aliança eterna com eles (v. 40) e restauraria suas bênçãos (v. 41). A prosperidade

substituiria a calamidade (v. 42). Nessa época, o povo poderia, de

novo, possuir e trocar terras (v. 43-44). O ato simbólico de Jeremias prenunciava

essa reversão no destino das pessoas.

Enquanto ainda estava confinado no pátio da guarda real, Jeremias recebeu

uma segunda mensagem do Senhor (33.1). Falando como criador do

mundo, o Senhor convida Jeremias a orar (v. 2-3a). Ele promete que dará

informação adicional sobre o que o futuro tinha reservado (v. 3b). Usando

os babilônios como instrumento de punição, o Senhor encheria Jerusalém

de cadáveres (v. 4-5). Mas a história teria final feliz. O Senhor, um dia,

tomaria a cidade segura, traria os exilados de Israel e de Judá de volta para

casa e perdoaria seu povo (v. 6-8). Todas as nações ficariam sabendo da restauração

de Jerusalém e louvariam a Deus (v. 9). As ruas desoladas e vazias

de Jerusalém e Judá seriam preenchidas por sons de celebração e alegria,

quando o povo louvasse a Deus por seu amor fiel (v. 10-11). Rebanhos de

ovelhas mais uma vez pastariam pelos campos de Judá, sob a vigília cuidadosa

de seus pastores (v. 12-13).

O Senhor também daria a seu povo um pastor. Ele elevaria um rei da

linhagem de Davi que iria promover a justiça no país e protegê-la de forças

hostis (v. 14-16a; 23.5-6). Jerusalém receberia um novo nome, simbolizando

sua segurança recém-instaurada (v. 16b).80 O Senhor prometeu que o trono

davídico seria estabelecido e que os levitas seriam ministros em sua presença

novamente (v. 17-18). O Senhor tinha feito promessas incondicionais

80 De acordo com 2 3 .6 , esse nome (“ O Se n h o r nossa justiça”) seria dado ao rei ideal. Aqui, Jerusalém

recebe o mesmo nome.


1220 1 Introdução aos profetas

a Davi (2Sm 7.16) e aos levitas, e seu compromisso com eles era tão seguro

quanto os ciclos naturais de dia e noite (v. 19-22). À medida que a sombra

dos babilônios crescia cada vez mais no horizonte, muitos lamentavam que

o Senhor tivesse rejeitado seu antigo povo da aliança (v. 23-24). Embora a

disciplina divina fosse necessária, ela não negava as alianças de Deus com

os patriarcas e com Davi. Suas promessas eram tão seguras quanto as leis

naturais estabelecidas na criação. Um dos descendentes de Davi, de fato,

reinaria sobre os descendentes de Abraão, Isaque e Jacó (v. 25-26).

O contexto da aliança levítica mencionada nos versículos 21-22 não é

certo. A aliança parece assegurar que Levi vai ministrar diante de Deus e

ter numerosa descendência. Nenhuma aliança dessa natureza está registrada

no Pentateuco; isso pode se referir à escolha dos levitas pelo Senhor, especialmente

Aarão, para servi-lo em um papel sacerdotal (Nm 3.12). Uma

aliança formal com os levitas, também mencionada em Malaquias 2.4-5

e em Neemias 13.29, parece ter sido feita nessa ocasião.81 Entretanto, a

aliança em questão em Malaquias 2.4-5 é um acordo bilateral em que a

bênção era dependente da lealdade, enquanto a aliança levítica descrita em

Jeremias 33.21-22 parece ser uma promessa incondicional. O Senhor fez

uma aliança incondicional com Fineias e seus descendentes (Nm 25.12-13).

E possível que essa promessa tenha sido expandida, mais tarde, para incluir

toda a família de Levi, mas isso parece improvável.

As opções de Zedequias (34.1-7)

Durante a invasão de Judá pela Babilônia, em 588 a.C., Jeremias

confrontou o rei Zedequias com suas opções (v. l-2a). Os babilônios já

tinham conquistado a maior parte de Judá; somente Jerusalém, Laquis e

Azeca ainda resistiam (v. 6-7). Se o rei tentasse resistir aos babilônios,

Jerusalém cairia nas mãos de Nabucodonosor e Zedequias teria de enfrentar

a ira do rei babilônio (v. 2b-3). Contudo, havia uma alternativa. Se

Zedequias se rendesse a Nabucodonosor, sua vida seria poupada. Na verdade,

ele permaneceria em Jerusalém e seria honrado e respeitado por

seus compatriotas (v. 4-5).

Superficialmente, os versículos 2-5 parecem conter profecias contraditórias

sobre o destino de Zedequias. De acordo com os versículos 2-3,

Jerusalém cairia e Zedequias seria exilado, mas os versículos 4-5, sem

impor nenhuma condição, assumem que o rei seria poupado e permaneceria

em seu lar.82 A melhor maneira de resolver essa tensão é entender que o

81 Números 18.19 menciona uma “aliança de sal” entre o Senhor e os levitas, mas isso diz respeito às

porções dos sacrifícios designadas aos sacerdotes, não ao serviço sacerdotal em geral.

82 Veja Carroll, Jeremiah, 642.


Jerem ias e L am entaçõ es 12 2 1 1

texto é a sobreposição de duas profecias implicitamente condicionais, que

representam as alternativas de Zedequias.83 O relato do encontro de Jeremias

com Zedequias, em 38.17-18, sustenta essa interpretação. O profeta

promete a Zedequias que ele, a família real e a cidade seriam poupados se

o rei se rendesse.84

A injustiça de Zedequias (34.8-22)

Quando os babilônios ameaçaram Jerusalém, Zedequias, seus oficiais

reais e a classe alta da cidade tinham libertado seus escravos por decreto

real (v. 8-10). A lei mosaica exigia que os escravos hebreus fossem libertados

após seis anos de serviço (Dt 15.12), mas os homens de Jerusalém

tinham ignorado esse mandamento (v. 12-14). Aparentemente, sob pressão

da ameaça babilônica, sentiram-se compelidos a se arrepender e decidiram

que mostrar compaixão por seus escravos seria uma boa maneira

de demonstrar a Deus que tinham mudado (v. 15). Eles até fizeram uma

solenidade para esse procedimento, fazendo uma aliança diante do Senhor

em que sacrificaram um bezerro, dispuseram sua carcaça em duas fileiras

e andaram entre as partes como uma autoimprecação (v. 18-19). Ao

fazer isso, estavam dando a Deus o direito de julgá-los severamente (isto

é, deixá-los como o bezerro cortado) se voltassem atrás nas promessas

feitas aos escravos. Infelizmente, seu arrependimento durou pouco. Eles

romperam a aliança e retomaram os escravos (v. 11-16). Por essa razão, o

Senhor os puniria severamente. Eles se negaram a conceder a liberdade a

seus escravos, então o Senhor permitiria que a espada, a fome e a doença

destruíssem os donos de escravos (v. 17). Como as partes do bezerro utilizadas

em seu ritual de aliança, seus corpos ficariam expostos e seriam

comidos por pássaros e animais selvagens (v. 19-20). Embora os babilônios

tivessem se retirado da cidade (talvez para levar o povo a pensar que

a ameaça tinha acabado e que podiam retomar suas práticas de pecado?),

eles voltariam com força total e conquistariam a cidade (v. 21-22).

Um m odelo de lealdade (35.1-19)

Durante o reinado de Jeoaquim, o Senhor instruiu Jeremias a visitar a

família nômade recabita (v. 1-2). Ele devia convidá-los ao templo e oferecer-lhes

vinho. O profeta procedeu como instruído, mas, quando pôs

o vinho na frente dos recabitas, eles se recusaram a bebê-lo, explicando

que seu ancestral Jonadabe tinha ordenado que se abstivessem de beber

83 A esse respeito, veja Holladay, William L., Jeremiah 2, Hermeneia (Minneapolis: Fortress,

1989), 233.

84 Veja Carroll, Jeremiah, 642.


222 I Introdução aos profetas

vinho (v. 3-6). Jonadabe também tinha instruído seu povo a levar uma vida

nômade (v. 7). Os recabitas obedeceram a Jonadabe por mais de 200 anos.85

Nenhum deles nunca bebeu vinho, e mantiveram uma vida nômade até que

a invasão babilônica os forçou a buscar proteção dentro dos muros de Jerusalém

(v. 8-11). A devoção dos recabitas a suas tradições era uma lição e

uma acusação ao povo de Judá e de Jerusalém (v. 12-13). Ao contrário dos

recabitas, que obedeceram fielmente os mandamentos de Jonadabe, o povo

de Deus tinha desobedecido seus mandamentos e ignorado os avisos de

seus profetas (v. 14-16). Por essa razão, o Senhor traria o desastre sobre seu

povo (v. 17). Mas os recabitas se tomariam, por causa de sua integridade e

caráter fiel, servos do Senhor (v. 18-19). Não é claro que tipo de serviço se

vê aqui ou como a profecia foi cumprida.

A profecia arde em chamas (36.1-32)

Em 605 a.C. (o quarto ano do reinado do rei Jeoaquim), o Senhor instruiu

Jeremias a escrever todas as profecias que tinha recebido (36.1-2). O

Senhor esperava que o efeito acumulado das mensagens de juízo, quando

lidas em voz alta (v. 6), levasse o povo a se arrepender, permitindo que

ele perdoasse seus pecados (v. 3; 26.3). Jeremias chamou Baruque, que

escreveu as profecias que Jeremias ditou (v. 4). Jeremias tinha sido banido

do templo, então instruiu Bamque a ir lá e ler o rolo profético para o povo,

na esperança de que ele se arrependesse (v. 5-7). Baruque fez como tinha

sido instmído e leu o rolo para o povo enquanto as pessoas se reuniam

no templo para jejuar diante do Senhor (v. 8-10). Baruque foi chamado

diante das autoridades reais, que lhe disseram para ler o rolo (v. 11-15).

Quando as autoridades ouviram as profecias, disseram a Baruque que seu

conteúdo devia ser relatado ao rei (v. 16). Entretanto, em vez de prenderem

Baruque, eles aconselharam que ele e Jeremias se escondessem (v. 17-19).

Quando o rei ouviu o relato do que tinha acontecido, exigiu que o rolo

fosse lido em sua presença (v. 20-21). Um oficial de nome Jeudi o trouxe

ao rei, que estava sentado em seus aposentos reais, na frente de uma lareira

(era invemo). Quando o rolo estava sendo lido, o rei cortou três ou quatro

colunas de uma vez e as jogou no fogo (v. 22-23). O rei não mostrou medo

ou remorso (v. 24); algumas autoridades pediram que ele não destruísse a

profecia, mas ele rejeitou o conselho e até mandou os servos prenderem

Baruque e Jeremias, que, a essa altura, tinham se escondido (v. 25-26).86

85 Jonadabe viveu durante o século 9a a.C. O texto de 2Reis 10.15-23 indica que ele era contemporâneo

de Jeú, que governou Israel de 841-814 a.C.

86 O texto hebraico do versículo 26 afirma que “o Senhor os escondeu”, mas a Septuaginta tem

simplesmente “eles estavam escondidos”, sem referência ao Senhor. O nome divino pode ter sido

omitido acidentalmente na tradição textual por trás da Septuaginta, mas parece mais provável que o


Jerem ias e Lam e n ta çõ e s j 223 |

O rolo foi destruído, mas o ato arrogante do rei não conseguiu silenciar

a Palavra de Deus. O Senhor instruiu Jeremias a produzir outra cópia da

profecia (v. 27-28), uma ordem que o profeta obedeceu com a assistência

de Baruque (v. 32). O Senhor também deu ao profeta uma mensagem para

o rei. Jeoaquim tinha destruído o primeiro rolo porque se opunha à mensagem

de juízo contida nele (v. 29). Mesmo assim, o juízo viria e alcançaria

Jeoaquim de forma especialmente severa. A dinastia de Jeoaquim acabaria

(v. 30a). O próprio rei seria morto e seu corpo não receberia o funeral apropriado

(v. 30b).87 Sua família e a corte real seriam punidas, e Deus traria

desastre sobre Jerusalém e Judá (v. 31).

Jeremias preso (37.1-38.28)

Em 588 a.C., durante o reinado de Zedequias, o rei enviou um mensageiro

e um sacerdote a Jeremias, pedindo que o profeta orasse pelo rei e pela

nação (37.1-3). Esse foi um lance desesperado da parte do rei, pois, antes

disso, ele tinha ignorado as profecias de Jeremias. Na época do pedido do

rei, Jeremias ainda não tinha sido preso, e os babilônios tinham se retirado

de Jerusalém para enfrentar um exército egípcio que tinha avançado contra

ele (v. 4-5). Entretanto, a retirada dos babilônios era apenas temporária. O

Senhor respondeu ao pedido do rei com uma mensagem de juízo (v. 6-10).

Os egípcios recuariam diante dos babilônios, que retomariam à cidade e a

conquistariam. Zedequias e sua corte real não deviam alimentar esperanças,

pois a vitória da Babilônia era inevitável.

A resposta de Jeremias ao pedido do rei deve ter enraivecido seus

oficiais, pois, logo depois disso, ele teve problemas com as autoridades.

Durante o tempo da retirada babilônica, Jeremias decidiu fazer uma viagem

ao território benjaminita, para tratar de alguns negócios. Quando estava

deixando a cidade, o capitão da guarda o acusou de traição e o prendeu

(v. 11-13). Apesar de alegar inocência, o profeta foi surrado e aprisionado,

onde permaneceu por um longo tempo (v. 14-16).

Quando Zedequias finalmente o convocou, o rei perguntou a Jeremias se

ele tinha recebido alguma revelação divina (v. 17a). Respondendo de forma

afirmativa, Jeremias informou ao rei que ele seria entregue aos babilônios

(v. 17b). O profeta também protestou quanto aos maus-tratos recebidos e

pediu para não ser mandado de volta ao cárcere (v. 18-20). O rei permitiu

que ele permanecesse no pátio da guarda real, onde o profeta era alimentado

diariamente (v. 21; veja 32.2).

nome tenha sido acrescentado na tradição hebraica. Para uma discussão mais completa das questões

textuais envolvidas, veja McKane, Jeremiah, 2:909.

87 Uma profecia semelhante aparece em 22.18-19. Para uma discussão sobre o cumprimento da

profecia, veja meus comentários sobre essa passagem.


| 224 I Introdução aos profetas

Não é certa a relação cronológica entre o capítulo 38 e o 37. Alguns

veem os relatos como se referindo aos mesmos acontecimentos, mas há

diferenças evidentes, sugerindo que sejam dois episódios diferentes.88 No

início do capítulo 38, Jeremias parece estar pregando entre o povo (cf.

37.4). Entretanto, se o capítulo 38 segue o 37 cronologicamente, é mais provável

que Jeremias estivesse pregando para o povo indiretamente (talvez

por intermédio de Baruque), enquanto esteve confinado no pátio da guarda

real (veja o capítulo 32 a esse respeito).89

A mensagem impopular de Jeremias sobre a condenação iminente de

Jerusalém causou a ira de vários príncipes importantes (38.1-3), que relataram

suas palavras a Zedequias. Eles aconselharam o rei a executar o profeta

como traidor (v. 4). Zedequias deu-lhes permissão para lidar com Jeremias

como achassem melhor (v. 5). Eles desceram o profeta em uma cisterna

lamacenta com a intenção aparente de deixá-lo morrer de fome (v. 6,9).

Nesse ponto, um herói improvável entra em cena. Ebede-Meleque, um

cuxita (i.e., um etíope) que servia no palácio real, intercedeu pelo profeta.

Acusando os inimigos de Jeremias de malfeitores, ele pediu ao rei para

libertar Jeremias da cisterna (v. 7-9). Esse eunuco, cujo nome quer dizer

“servo do rei”, devia ter alguma influência junto ao rei, pois o vacilante rei

ordenou que Jeremias fosse solto (v. 10). Ebede-Meleque, com a ajuda de

30 homens, içou Jeremias de sua prisão lamacenta (v. 11-13). O texto não

nos fala, neste ponto, por que Ebede-Meleque intercedeu por Jeremias, mas

descobrimos, em 39.18, que sua fé no Senhor motivou seus atos.

Zedequias chamou Jeremias para uma audiência particular (v. 14; veja

27b). Jeremias hesitou em dizer a verdade a Zedequias, pois temia que o rei

o matasse (v. 15). No entanto, o rei fez um juramento de que não mataria

Jeremias nem o entregaria àqueles que queriam vê-lo morto (v. 16). Satisfeito

com a sinceridade de Zedequias, Jeremias deu ao rei duas opções. Se

ele se rendesse aos babilônios imediatamente, ele e sua família seriam poupados

e a cidade não seria destruída (v. 17). Mas, se ele resistisse, a cidade

seria queimada e Zedequias seria capturado (v. 18). Zedequias tinha medo

de que, se ele se rendesse, os babilônios o entregassem aos judeus pró-

-babilônios que já tinham se rendido (v. 19). Jeremias assegurou ao rei que

os babilônios não fariam isso (v. 20a). Ele orientou Zedequias a obedecer o

Senhor e se render, pois essa era a única maneira de salvar sua vida (v. 20b).

88 Para um resumo das diferenças entre os relatos, veja Carroll, Jeremiah, 679.

89 MeKane (Jeremiah, 2:962-63) critica essa abordagem. Ele escreve: “Se Jeremias, enquanto estava

preso no palácio, tivesse a liberdade de transmitir sua mensagem profética dirigindo-se a ‘todo o

povo’, seu confinamento não serviria a nenhum propósito e ele bem poderia ter ficado livre de qualquer

constrangimento. Além disso, é discutível se, ao dirigir-se ‘a todo o povo’, isso significa que não estivesse

sofrendo qualquer restrição e seja incompatível com sua guarda em custódia no pátio do palácio”.


Jerem ias e L a m entaçõ es | 225 |

Se rejeitasse a ordem do Senhor, tanto ele quanto a cidade conheceriam o

desastre (v. 21-23).

Antes de enviar Jeremias de volta ao pátio, Zedequias o alertou para não

contar aos príncipes sobre sua conversa (v. 24). Se os príncipes tivessem

ideia de seu encontro e exigissem que contasse o que tinha acontecido,

Jeremias devia mentir e dizer-lhes que estava suplicando ao rei para não o

enviar de volta à prisão (v. 25-26; veja 37.15-20). Como o rei suspeitava, os

príncipes perguntaram, de fato, sobre o encontro, mas, quando interrogaram

o profeta, ele mentiu, assim como o rei tinha ordenado (v. 27). Jeremias permaneceu

confinado no pátio da guarda palaciana até o dia em que a cidade

caiu nas mãos dos babilônios (v. 28).

A profecia cumprida (39.1-10)

O aviso profético de Jeremias logo se cumpriu. Em janeiro de 588

a.C., Nabucodonosor tinha montado um cerco a Jerusalém; os exércitos

babilônios romperam as defesas da cidade em julho de 586 (39.1-2).90

Quando as autoridades babilônias tomaram controle da cidade (v. 3),

Zedequias e seus soldados tentaram escapar à noite (v. 4), mas foram

capturados pelo exército babilônico e levados ao quartel de Nabucodonosor

(v. 5). Do jeito que Jeremias tinha alertado, o rei babilônico foi

impiedoso em seu tratamento com os rebeldes. Ele matou os filhos de

Zedequias na frente do próprio rei, executou os nobres de Judá e cegou

os olhos de Zedequias antes de pôr o rei em algemas de bronze e levá-

-lo para a Babilônia (v. 6-7). Enquanto isso, os babilônios queimaram

Jerusalém (v. 8) e levaram a maioria de seus habitantes para o exílio (v.

9). Deixaram para trás apenas os mais pobres do povo de Judá, a quem

deram os campos e vinhedos (v. 10).

Jeremias e Ebede-Meleque são justificados (39.11-40.6)

Ao final da invasão babilônica, Jeremias foi justificado. Como Jeremias

tinha, sob ordem do Senhor, aconselhado a rendição aos babilônios, Nabucodonosor

ordenou que o profeta fosse libertado do pátio do palácio. Nebuzaradã,

comandante da guarda real de Nabucodonosor, deixou Jeremias aos

cuidados de Gedalias e permitiu que ele ficasse no país (v. 11-14).

Antes de sua soltura, o profeta recebeu uma mensagem do Senhor relativa

a Ebede-Meleque, o servo etíope que tinha resgatado Jeremias da morte

certa na cisterna de Malquias (v. 15-18; veja 38.7-13). O Senhor prometeu

90 Sobre a data dos eventos, veja Thiele, Edwin R., The Mysterions Numbers o f the Hebrew Kings,

ed. rev. (Grand Rapids: Zondervan, 1983), 190. A cidade não foi queimada de verdade até agosto de

586 a.C. (veja Jr 52.12-13).


226 1 Introdução aos profetas

a Ebede-Meleque que sua fidelidade seria recompensada. Quando os babilônios

tomassem a cidade, poupariam sua vida.

O capítulo 40 começa com um relato de como Jeremias foi resgatado

de ser mandado para o exílio. Não é claro como esse relato se harmoniza

com o episódio registrado em 39.11-14.91 Este último nos conta como

Nebuzaradã e outras autoridades babilônicas ordenaram a libertação de

Jeremias do pátio do palácio real e o puseram sob custódia de Gedalias.

Mas, de acordo com 40.1-6, Jeremias tinha sido levado a Ramá com os

outros cativos e estava prestes a ser embarcado para a Babilônia (v. 1).

Nebuzaradã se aproximou de Jeremias e, depois de fazer uma observação

teológica perspicaz sobre a razão da derrota de Judá (v. 2-3), desacorrentou

o profeta. Nebuzaradã disse a Jeremias que ele era bem-vindo para

vir à Babilônia, mas também deu ao profeta a opção de permanecer em

casa (v. 4). Sentindo que Jeremias queria ficar com seu povo, Nebuzaradã

deu ao profeta provisões e o aconselhou a viver com Gedalias, o recém-

-indicado governador de Judá (v. 5-6).

O assassinato de Gedalias (40.7-41.18)

Os babilônios nomearam Gedalias governador de Judá e o incumbiram

de cuidar dos pobres que tiveram permissão para permanecer no país

(v. 7). Algumas autoridades e alguns soldados do exército de Judá conseguiram

não ser capturados. Quando souberam da nomeação de Gedalias,

aproximaram-se dele em Mispa (v. 8). Gedalias prometeu sob juramento

que não tomaria nenhuma medida contra eles e os incentivou a aceitar a

autoridade da Babilônia (v. 9). Deu-lhes permissão para se assentarem nas

cidades e se tomarem fazendeiros (v. 10). Os refugiados judeus que tinham

fugido para a Cisjordânia voltaram para casa e retomaram suas atividades

agrícolas (v. 11-12).

Apesar da paz restaurada na região, problemas começavam a surgir.

Joanã, filho de Careá, um dos militares com quem Gedalias tinha feito um

acordo, informou-lhe que um dos seus, Ismael, filho de Netanias (v. 8),

tinha sido contratado por Baalis, o rei Amonita, para assassinar Gedalias

(v. 13-14).92 Aparentemente, o rei amonita tinha sentimentos antibabilônios

e temia a presença de um governador pró-Babilônia em suas fronteiras.

Encontrou um cúmplice no fanático Ismael, que deve ter visto Gedalias

51 Para uma tentativa de harmonização, veja Holladay, Jeremiah 2, 293. Ele sugere que Jeremias, após

ser liberto do pátio e deixado aos cuidados de Gedalias, foi preso de novo acidentalmente e levado a

Ramá, onde Nebuzaradã o resgatou e o enviou de volta a Gedalias.

92 Uma impressão de um selo amonita com data cerca de 600 a.C. menciona esse rei. Veja Younker,

Randall W., “Ammonites”, em Peoples o f the Old Testament World, Hoerth, A. J.; Mattingly, G. L.;

Yamauchi, E. M. (orgs.) (Grand Rapids: Baker, 1994), 313-14.


Jerem ias e L am entaçõ es | 227 |

como traidor. Infelizmente, Gedalias recusou-se a acreditar no relato e

rejeitou a oferta de Joanã de matar Ismael (v. 15-16).

Logo depois disso, em outubro, Ismael levou a cabo seu plano de assassinato

com a ajuda de dez seguidores fiéis. Eles vieram a Gedalias com

intenções de paz, mas, enquanto Gedalias os entretinha, sacaram suas espadas

e o mataram, juntamente com outros judeus presentes e os guardas

babilônios que lá estavam (41.1-3). Com sede de sangue, Ismael não parou.

Oitenta homens insuspeitos tinham chegado do norte rumo a Jerusalém

para lamentar a destruição do templo que tinha sido queimado e destruído

dois meses antes (Jr 52.12-13) e para oferecer sacrifícios no local do templo

(v. 4-5).93 Fingindo compartilhar seu sofrimento, Ismael os convidou a

Mispa sob o pretexto de encontrarem Gedalias (v. 6). Depois que entraram,

ele e seus homens mataram 70 dos peregrinos a sangue-frio e os jogaram

dentro de uma cisterna (v. 7-9). Contudo, dez deles conseguiram barganhar

por suas vidas, prometendo dar a Ismael algumas provisões que eles tinham

escondido no campo (v. 8). O motivo de Ismael matar esses adoradores não

é claro. Já sugeriram diversas propostas, mas a explicação mais provável é

que ele simplesmente era um homem iracundo e cruel, cujo apetite de violência

não estava plenamente satisfeito.94

Ismael levou prisioneira a população de Mispa, incluindo as filhas de

Zedequias, e partiu para Amom (v. 10).95 Entretanto, quando Joanã, filho de

Careá, e seus homens, souberam do que Ismael tinha feito, perseguiram-no

e alcançaram-no em Gibeom (v. 11-12). Percebendo que estava em menor

número, Ismael libertou seus prisioneiros e escapou para Amom (v. 13-15).

Com medo de que os babilônios pudessem culpá-los por deixar acontecer o

assassinato de Gedalias, Joanã e seus homens, juntamente com aqueles que

ele tinha libertado, seguiram para o sul, rumo ao Egito (v. 16-18).

Rejeição à Palavra de Deus (42.1-43.7)

Nesse momento, Jeremias ressurge na história. Aparentemente, ele

estava entre aqueles que Ismael tinha seqüestrado em Mispa (40.6). Joanã,

acompanhado por seus soldados e por todo o povo que tinha sido resgatado,

aproximou-se de Jeremias e pediu-lhe que orasse por uma palavra

de orientação do Senhor (42.1-3). Jeremias assegurou-lhe que faria isso, e

93 Rapar a barba, rasgar as roupas e cortar o próprio corpo (v. 4) eram gestos de lamentação. Veja

Jeremias 16.6; 47.5; 48.37.

94 Para uma discussão dos motivos possíveis de Ismael, veja Holladay, Jeremiah 2, 297, e McKane,

Jeremiah, 2:1027-28. Carroll (veja Jeremiah, 711) chama Ismael adequadamente de “bandido psicótico”.

95 De acordo com a profecia registrada em Jeremias 38.22-23, as mulheres do palácio de Zedequias

seriam levadas cativas para a Babilônia. Entretanto, a referência “às filhas do rei”, em 41.10, deixa claro

que algumas escaparam a essa sorte.


1228) Introdução aos profetas

o povo prometeu, sob juramento, que obedeceria as instruções do Senhor

(v. 4-6). Dez dias depois, Jeremias recebeu uma resposta à sua prece e

convocou o povo para ouvir a palavra do Senhor (v. 7-8). O Senhor disse

que ficassem e prometeu abençoá-los e protegê-los (v. 9-12). Também

avisou que, se se recusassem a obedecer a sua ordem, ele os castigaria. Se

insistissem em ir para o Egito, conheceriam o juízo irado do Senhor, tal

como Jerusalém tinha sentido recentemente (v. 13-18). Jeremias desconfiou

que essa ordem viria como um choque para o povo. Embora tivessem

pedido a orientação do Senhor, eles tinham seus corações apontados para

o Egito e estavam meramente procurando a confirmação divina para seus

planos. Por essa razão, o profeta mais uma vez avisou sobre as conseqüências

da desobediência (v. 19-22).

Como Jeremias suspeitou, o povo não aprovou a mensagem do Senhor.

Muitos deles, incluindo Joanã, chamaram Jeremias de mentiroso e o acusaram

de tramar com Baruque entregá-los aos babilônios (43.1-3). Liderado

por Joanã, o povo, descaradamente, desobedeceu a ordem do Senhor. Obrigando

Jeremias a ir com eles, eles foram para o Egito, onde se assentaram

em Tafnes, situada na região leste do delta do Nilo (v. 4-7).

Denunciando os exilados egípcios (43.8-44.30)

Depois que Jeremias chegou ao Egito, o Senhor o instruiu a desempenhar

outro ato simbólico que teve papel muito importante em seu ministério

profético. O profeta devia pegar umas pedras grandes e assentá-las

com barro na entrada do palácio em que o Faraó ficava quando visitava

Tafnes (v. 8-9). Jeremias devia anunciar que Nabucodonosor, aqui chamado

de “servo” de Deus, porque ele seria instrumento do juízo divino,

invadiria o Egito e estenderia seu pavilhão real sobre aquelas mesmas

pedras (v. 10). Nabucodonosor e seus exércitos atacariam todos em seu

caminho e queimariam os templos dos deuses egípcios, incluindo o templo

de Ra, deus-sol (v. 11-13). O tema da profecia parece claro: ao fugir

para o Egito, os refugiados judeus esperavam escapar à ira de Nabucodonosor.

Mas o Egito provaria não ser um bom lugar para asilo, pois

os babilônios invadiriam suas fronteiras, trazendo consigo a morte e a

destruição. A profecia foi cumprida, ao menos em parte, quando Nabucodonosor

invadiu o Egito em 568-567 a.C.96

Os problemas seguiriam os exilados no Egito. O juízo tinha recaído sobre

Judá porque o povo persistiu na idolatria e rejeitou os alertas dos profetas

do Senhor (44.1-6). Os exilados no Egito seriam cortados da comunidade

96 Para um relato fragmentado desse evento, veja Pritchard, James, Ancient Near Eastern Texts

Relating to the Old Testament (Princeton: Princeton University, 1969), 308.


Jerem ias e L am entaçõ es 1 229 I

porque estavam seguindo os passos de seus país, adorando deuses estrangeiros

(v. 7-10). A espada e a fome praticamente acabariam com a comunidade

exilada no Egito, transformando-a em motivo de gozação entre as nações

(v. 11-14). Somente alguns refugiados conseguiram retomar a Judá.

Os exilados no Egito rejeitaram o aviso de Jeremias (v. 15-16). Eles queriam

adorar a “Rainha dos Céus” (v. 17-19; veja 7.18).97 Eles destacavam

que, antes da queda de Jerusalém, tinham adorado a deusa e tinham prosperado.

Foi só quando pararam de adorá-la que veio o desastre. Seus olhos,

cegos pelo pecado, não podiam ver que o juízo veio porque eles tinham

abandonado o Senhor e desobedecido os seus mandamentos (v. 20-23). Em

vez disso, atribuíram sua má sorte a uma deusa da fertilidade pagã, que

acreditavam ter ofendido. Então, insistiram em fazer renovados votos de

adoração a essa divindade (v. 24-25). No entanto, sua obsessão pela Rainha

dos Céus seria sua derrocada. O juízo destrutivo do Senhor recairia

sobre eles, obrigando-os a reconhecer, embora muito tarde, que é certo que

a palavra do Senhor será cumprida (v. 26-28). Como garantia de que esse

anúncio de juízo será cumprido, o Senhor deu aos exilados um sinal de sua

condenação iminente (v. 29). Ofra, rei do Egito, seria entregue aos seus

inimigos, assim como Zedequias, último rei de Judá, tinha sido entregue a

Nabucodonosor (v. 30). Esse sinal foi cumprido em 570 a.C., quando Amasis,

um general, usurpou a autoridade de Ofra.

Uma promessa para Baruque (45,1-5)

A segunda subunidade principal (capítulos 36-45) da segunda seção

principal (capítulos 26-45) termina onde começou, com um episódio datado

no quarto ano do rei Jeoaquim (v. 1; veja 36.1). Baruque serviu como fiel

assistente de Jeremias e compartilhou do sofrimento do profeta (v. 2-3). Em

resposta ao lamento de Baruque, o Senhor o chamou à realidade do juízo e

do desastre iminente que se abateria sobre a te m (v. 4-5a). Porém, o Senhor

também assegurou a Baruque que sua vida seria poupada (v. 5b). Ao contrário

dos exilados no Egito, que conheceriam o juízo continuado de Deus

(cap. 44), Baruque, representando o genuíno remanescente fiel do Senhor,

seria preservado durante o juízo.

O Senhor julga as nações (Jr 46-51)

Esses capítulos contêm uma série de nove previsões de juízo contra

várias nações (46.1). As mensagens estão dispostas no texto hebraico da

seguinte forma:98

91 Sobre a identidade da “Rainha do Céu”, veja meus comentários anteriores sobre Jeremias 7.18.

98 Como já observado, o arranjo é diferente na versão grega antiga. Veja Bullock, Introduction, 207.


1230 1 Introdução aos profetas

Juízo sobre o Egito (46.2-28)

Juízo sobre a Filístia (47.1-7)

Juízo sobre Moabe (48.1-47)

Juízo sobre Amom (49.1-6)

Juízo sobre Edom (49.7-22)

Juízo sobre Damasco (49.23-27)

Juízo sobre Quedar e Hazor (49.28-33)

Juízo sobre Elão (49.34-39)

Juízo sobre a Babilônia (50.1-51.64)

A disposição reflete um movimento geral do sudoeste para o leste distante.

Movemo-nos do Egito, a sudoeste, para a Filístia, a oeste, antes de

cruzar o mar Morto para Moabe. Em seguida, viajamos para o norte para

Amom, para o sul, de volta a Edom, e então para Damasco, a nordeste, e

para Quedar e Hazor, no deserto sírio. De lá, seguimos para a distante Elão,

situada a leste da Babilônia, antes de terminar nossa jornada na Babilônia.

Juízo sobre o Egito (46.2-28)

Em 605 a.C., Faraó Neco levou seu exército rumo ao norte para combater

os babilônios. Nabucodonosor derrotou os egípcios em Carquemis,

situada no rio Eufrates, no que é hoje o norte da Síria. Pouco antes ou

depois dessa batalha, o Senhor fez uma ironia com os egípcios (v. 2). Os

egípcios pareciam estar prontíssimos para a batalha, mas se retiraram amedrontados

e foram humilhados (v. 3-6). O Egito se gabava orgulhosamente

de que conquistaria o mundo, mas o Senhor se opôs e o derrubou (v. 7-11).

O dia da derrota egípcia é chamado de “o dia da vingança” do Senhor.

As palavras podem estar carregadas no estilo e estereotipadas, mas talvez

queiram sugerir que o Senhor estivesse se vingando dos egípcios por terem

matado o rei Josias quatro anos antes (2Rs 23.29-30). Embora os egípcios

pudessem tentar se recuperar dessa derrota constrangedora, sua vergonha

seria divulgada entre as nações (v. 11-12).

Para tomar as coisas piores, Nabucodonosor usaria sua vantagem e

invadiria o Egito (v. 13-14; veja 43.11-13)." Os deuses do Egito seriam

incapazes de defender sua terra (v. 15). Seguindo o texto tradicional do

versículo 15a, a NIV traduz assim: “Por que seus guerreiros caíram? Não

podem ficar de pé”.

No entanto, é melhor seguir a linha da Septuaginta e ler: “Por que Ápis

fugiu? Seu touro não pôde ficar de pé”.100 Ápis, um deus-touro adorado

99 A invasão do Egito não ocorreu até 568-567 a.C.

100 Veja Thompson, Jeremiah, 690-92.


Jerem ias e L a m entaçõ es ) 231

em Mênfis, era visto como a encarnação da divindade Ptá.101 As tropas

designadas para a defesa do país perderiam a confiança no Faraó e correriam

de volta para casa (v. 16-17). Zombando dos egípcios, o Senhor

anuncia que, certo como o Tabor fica entre os montes e o Carmelo fica

junto ao mar, virá um invasor da terra, e urge que os habitantes do Egito

se preparem para o exílio (v. 18-19). As imagens de montanhas sugerem

importância e simbolizam Nabucodonosor.

O Senhor usa uma série de imagens adicionais para ilustrar o destino

do Egito. Os babilônios seriam como um moscão a zumbir e a picar uma

bezerra (v. 20). Indefesos diante da investida, as tropas mercenárias do Egito

entrariam em pânico e fugiriam, mas seriam abatidas como bois gordos (v.

21). O Egito fugiria dos invasores como uma serpente, incapaz de fazer

qualquer coisa a não ser sibilar sua desaprovação quando os babilônios

invadirem o país feito gafanhotos, cortando suas árvores como lenhadores

em uma floresta (v. 22-23). O Senhor entregaria os egípcios, incluindo seu

deus Amom e seus governantes, aos babilônios (v. 24-26a). No entanto, a

derrota do Egito seria temporária. No final, ele tomaria a ser habitado como

no passado (v. 26b).

Essa previsão contra o Egito culmina com uma palavra de incentivo ao

povo de Deus. Ele conclama seu povo exilado a não ter medo, pois estava

com eles e resgataria, um dia, Israel da escravidão e o levaria, seguro, de

volta à terra (v. 27-28a). O Senhor deve disciplinar seu povo, mas nunca o

aniquilará (v. 28b).

Juízo sobre a Filístia (47.1-7)

Algum tempo antes de um ataque egípcio à cidade filisteia de Gaza, o

Senhor anunciou a queda dos filisteus (47.1). A data precisa desse ataque

não é certa, embora seja razoável concluir que ocorreu entre 610-601 a.C.102

É bastante estranho, contudo, que a previsão pareça se referir a um ataque

babilônio, não egípcio, à Filístia. As imagens de “águas subindo ao norte”

apontam mais naturalmente para a Babilônia, não para o Egito. Aparentemente,

o ataque egípcio a Gaza foi somente o prenúncio de um desastre pior

que viria a seguir e dava uma ocasião ideal para profetizar a derrocada final

da Filístia. Por outro lado, a declaração “antes de Faraó atacar Gaza” não

aparece na antiga versão grega e pode significar uma má interpretação, mais

tarde, da ocasião histórica da profecia.

101 Steindorff, George; Seele. Keith C., When Egypt Ruled the East, ed. rev. (Chicago: University of

Chicago Press, 1957), 140-41.

102 Para uma discussão de opções específicas, veja Holladay, Jeremiah 2, 336-37.


1232 | Introdução aos profetas

Quando os carros dos invasores se aproximaram, os filisteus entraram

em pânico. Pais não parariam para ajudar seus filhos (v. 3). O Senhor devastaria

a Filístia, deixando os fenícios, que também viviam na costa ao norte,

sem aliados (v. 4). As cidades personificadas de Gaza e Ascalom são retratadas

em luto por sua derrota (v. 5). Para dar um efeito dramático, manda-se

a espada do Senhor voltar à sua bainha (v. 6), mas a resposta diz que não

pode ser assim, pois ela está seguindo a ordem de Deus para atacar e destruir

(v. 7; veja também Hc 3.9).

Juízo sobre Moabe (48.1-47)

O próximo oráculo anuncia a queda de Moabe. O Senhor proclamou

um “ai” sobre Nebo e Quiriataim, sinalizando sua condenação iminente

(v. 1-2).103 De forma dramática, ele ilustra o sofrimento e o lamento generalizados

que caracterizariam o desfecho da derrota de Moabe (v. 3-4).

Os refugiados moabitas seriam obrigados a fugir por suas vidas (v. 5-6),

enquanto os líderes do país, juntamente com o deus moabita Quemos,

seriam carregados para o exílio (v. 7). Essas palavras provavelmente ilustram

a retirada dos ídolos de Quemos de seus santuários. O invasor arrasaria

a terra, destruindo cada cidade (v. 8-9).104 Um observador entra em

cena, rogando uma maldição sobre qualquer soldado que fraqueje ao fazer

o trabalho do Senhor, a saber, derramar sangue moabita (v. 10).

Desde quando se tomou uma nação, Moabe tinha tido relativa segurança

e tinha ficado cada vez mais satisfeita de si (v. 11), mas tudo isso mudaria.

Moabe seria despedaçada como jarras de vinho (v. 12). Quando Quemos

provou ser incapaz de libertar seu povo, os moabitas tiveram vergonha,

assim como os israelitas tinham tido vergonha de Betei, onde Jeroboão I

tinha colocado um ídolo-bezerro (v. 13; lRs 12.28-31). Os assírios levaram

o ídolo embora quando conquistaram o reino do norte, no século 82 a.C. (Os

10.5-6). O Senhor faz troça dos guerreiros moabitas, que seriam cortados

pela espada em breve (v. 14-16). Os espectadores recebem ordem de lamentar

a derrocada de Moabe, bem como os habitantes de Dibom, outra cidade

importante dos moabitas (v. 17-18). Os refugiados são retratados em fuga

pela vida, à medida que o juízo se espalha de cidade em cidade (v. 19-25).

103 As duas cidades pertenciam à tribo de Rúben (veja Nm 32.3,38; Js 13.19), mas, de acordo com a

Pedra Moabita, o rei Mesa de Moabe conquistou ambas durante o século 9a a.C. Veja Pritchard, Ancient

Near Eastem Texts, 320-21.

104 A NIV, no versículo 9a (“Ponham sal sobre Moabe”) presume que o termo hebraico tsits, que,

normalmente, significa “broto, flor”, é relacionado a uma palavra ugarítica que supostamente quer dizer

“sal”. Nesse caso, o inimigo é descrito semeando os campos moabitas com sal (cf. Jz 9.45). Uma opção

melhor poderia ser seguir a linha da Septuaginta e corrigir o texto hebraico para tsiyun, que quer dizer

“poste de sinalização, monumento”. Nesse contexto, poderia referir-se metaforicamente a um túmulo

(cf. 2Rs 23.17).


Jerem ias e Lam e n ta çõ e s j 233 |

O juízo de Moabe foi bem merecido, pois os moabitas tinham desafiado

o Senhor, zombando de seu povo nos tempos de calamidade (v. 26-28).

Os orgulhosos moabitas seriam expostos à vergonha e se tomariam objeto

patético de pena, porque seus campos e pomares, antes prósperos, ficariam

secos (v. 29-33). O grito de desespero dos moabitas ressoaria pelos campos,

quando o povo rapasse a cabeça e açoitasse a pele como parte de

seus rituais de lamentação (v. 34-38). Eles tinham zombado do povo de

Deus, mas agora seriam motivo de zombaria e também ridicularizados

pelas nações vizinhas (v. 39). O invasor atacaria o país como uma águia

poderosa, fazendo os guerreiros de Moabe ficarem tomados de pânico

(v. 40-41). Como Moabe tinha desafiado o Senhor, seria dominada pelo

seu juízo, aqui comparado a terror, cova e laço (v. 42-44; veja Is 24.17-18).

O fogo ardente do juízo divino traria morte, destruição e exílio a Moabe

(v. 45-46), mas chegaria o dia em que Deus restauraria a sorte de Moabe

(v. 47).105 Essa profecia da derrota e destruição de Moabe pode ter sido

cumprida em 582 a.C. De acordo com Josefo, Nabucodonosor e seu exército

babilônico conquistaram Moabe nesse ano.106

Juízo sobre Am om (49.1-6)

Amom, vizinho de Moabe ao norte, também conheceria o juízo divino.

Os amonitas tinham tirado território da tribo israelita de Gade (v. 1), mas

o Senhor iria liderar pessoalmente um ataque contra a cidade amonita de

Rabá e reduzi-la a minas (v. 2a). Hesbom também cairia, e Micom, deus

nacional dos amonitas, seria levado para o exílio, junto com os líderes do

país (v. 3).107 Os amonitas, autossuficientes e complacentes, seriam tomados

de pânico e obrigados a fugir para poupar suas vidas (v. 4-5), enquanto o

povo de Deus reivindicaria o território que os amonitas tinham lhe tirado

(v. 2b). No entanto, como no caso de Moabe, o Senhor restauraria, um dia,

a sorte de Amom (v. 6; veja 48.47). Essa profecia da derrota de Amom pode

ter sido cumprida em 582 a.C.108

Juízo sobre Edom (49.7-22)

O juízo divino também vai se abater sobre Edom. A alardeada sabedoria

dos edomitas os abandonaria, quando o desastre assolasse sua terra (v. 7-8).

Os invasores enviados pelo Senhor vasculhariam Edom e roubariam toda

105 A referência a um incêndio vindo de Seom é uma alusão ao poema antigo registrado em Números

21.27-30, que lembra como o rei amorreu Seom tinha conquistado Moabe. A história antiga se repetiria.

106 Veja Mattingly, Gerald L., “Moabites”, em Peopies o f the Old Testament World, Hoerth A. J.;

Mattingly, G. L.; e Yamauchi E. M. (orgs.) (Grand Rapids: Baker, 1994), 328.

107 No texto hebraico, o nome Micom é vocalizado “o rei deles”.

108 Veja Younker, “Ammonites”, em Peopies o f the Old Testament World, 314.


| 234 | Introdução aos profetas

a sua riqueza, incluindo seus tesouros escondidos (v. 9-10a; veja Ob 5-6).

Normalmente, ladrões levam o que desejam, deixando o que não querem

para trás. Até mesmo quem colhe uvas deixa cair algumas. Mas os invasores

de Edom não deixariam passar nada e não deixariam coisa alguma para

trás. A população de Edom pereceria (v. 10b), embora o Senhor, misericordiosamente,

ofereça asilo aos poucos órfãos e viúvas que conseguiram

sobreviver ao desastre (v. 11).

Que Edom devia ser objeto da ira divina não deveria ser surpresa para

ninguém. Afinal, se o juízo de Deus se estendia a nações menos culpadas

do que Edom, então, certamente, Edom receberia o castigo por seus pecados

(v. 12; veja Ob 10-14). O Senhor prometeu que reduziria as cidades de

Edom a ruínas e faria de Edom objeto de escárnio entre as nações (v. 13).

O Senhor estava reunindo um exército para atacar a orgulhosa Edom, que

pensava estar blindada ao desastre (v. 14-16; veja Ob 1-4). Mas Edom seria

humilhada e sofreria o mesmo destino das cidades antigas de Sodoma e

Gomorra (v. 17-18). Comparando-se a um leão faminto a rugir, e os edomitas

a um indefeso rebanho de ovelhas, o Senhor alardeou que nenhum

pastor conseguiria combatê-lo (v. 19). Ele arrastaria as ovelhas e destruiria

os pastos (v. 20). Os gritos de morte de Edom seriam ouvidos até o mar Vermelho

(v. 21). O Senhor mergulharia como uma águia sobre Edom, fazendo

com que os guerreiros edomitas congelassem de medo (v. 22; veja 48.40).

No tempo de Malaquias (aproximadamente 450 a.C.), Edom tinha

sofrido uma derrota devastadora (Ml 1.1-4), embora não da magnitude da

visão de Jeremias.109 A descrição do juízo de Edom pelo profeta provavelmente

tem uma dose de exagero e de estilo.

Juízo sobre Damasco (49.23-27)

O próximo oráculo se refere a Damasco, que já tinha sido reduzida a

uma província assíria em 732 a.C., muito antes do tempo de Jeremias. Em

que extensão a queda da Assíria libertou Damasco do mando estrangeiro

não é certo, mas Jeremias deixa claro que os arameus não escapariam do

juízo iminente. A cidade seria tomada de terror (v. 23-24) quando seus soldados

caíssem em batalha (v. 25-26) e suas defesas virassem fumaça (v. 27;

veja Aml.4).

Juízo sobre Quedar e Hazor (49.28-33)

O juízo de Deus também se abateria sobre as tribos árabes do deserto

sírio, representadas aqui por Quedar e Hazor. Nabucodonosor, instrumento

109 Veja Hoglund, Kenneth G., “Edomites", em Peoples o f the Old Testament World, Org. Hoerth A. J.,

Mattingly, G. L., e Yamauchi, E. M. (Grand Rapids: Baker, 1994), 342-43.


Jerem ias e Lam e n ta çõ e s | 235 |

de Deus para o juízo, iria atacá-los e levar suas riquezas (v. 28-29,32a).

As tribos árabes fugiriam para salvar suas vidas e se espalhariam em todas

as direções, abandonando as regiões que, antes, tinham chamado de lar

(v. 30-31,32b-33). O pano de fundo dessa profecia pode ser o ataque de

Nabucodonosor aos árabes, em 599-598 a.C.110

Juízo sobre Elão (49.34-39)

Mesmo as terras mais distantes estavam sob o domínio do Senhor. No

começo do reinado de Zedequias (que começou em 597 a.C.), o Senhor

anunciou que traria desastre sobre Elão, situado a leste da Babilônia

(v. 34-38). No entanto, embora os elamitas fossem ser dispersos, o Senhor

prometeu restaurar sua sorte algum dia (v. 39; veja 48.47; 49.6). Além de

ilustrar a soberania do Senhor, esse oráculo pode ter sido incluído para

enfatizar a extensão do poder da Babilônia.111 Certamente, Judá não seria

capaz de resistir a uma nação tão poderosa e divinamente capacitada.

Juízo sobre a Babilônia (Jr 50.1-51.64)

A poderosa Babilônia serviria de instrumento para o juízo do Senhor

sobre várias nações, mas, no final, o Senhor se voltaria contra os orgulhosos

babilônios e os faria pagar por seus pecados. Nesse oráculo final - o mais

longo - contra as nações, o profeta descreve a derrocada da Babilônia em

detalhes vividos. Durante o quarto ano de Zedequias (594-593 a.C.), Jeremias

deu uma cópia do oráculo a Seraías, um dos oficiais de Zedequias, que

devia acompanhar o rei em uma visita à Babilônia. O profeta instruiu Seraías a

ler seu oráculo publicamente quando chegasse à Babilônia. Então ele devia

amarrá-lo a uma pedra e lançá-lo ao Rio Eufrates como lição prática. Da

mesma forma que a pedra afundou no rio, assim também a Babilônia afundaria,

para nunca mais emergir (51.59-64).

O oráculo começa com um anúncio público às nações (v. l-2a). Um

invasor do norte devastaria e conquistaria a Babilônia (v. 2b-3). Os deuses-ídolos

da Babilônia, incluindo sua divindade-mor, Bel (i.e., Marduk),

seriam incapazes de defender a cidade. A profecia antecipa a queda da

Babilônia para o exército persa comandado por Ciro, em 539 a.C. Embora

a Pérsia se situasse a leste da Babilônia, ela podia ser chamada de “nação do

norte”, porque as conquistas de Ciro incluíam regiões ao norte da Babilônia

e sua rota de invasão veio do norte (Is 41.25).

Ao contrário do que a profecia possa sugerir, Ciro não destruiu, de fato,

a Babilônia. Na verdade, a tomada da cidade, conquanto precedida por uma

1,0 Veja Thompson, Jeremiah, 726.

111Ibid., 728.


1236) Introdução aos profetas

campanha militar, foi relativamente pacífica e até bem recebida por alguns

religiosos babilônios. Como, então, explicar a descrição da profecia, de

uma queda violenta da cidade (veja, especialmente, 50.39-40 e 51.37)? A

mensagem é, sem dúvida, estilizada e exagerada. Para acrescentar drama,

os profetas às vezes utilizavam uma linguagem meio estereotipada para

descrever o juízo divino sobre uma cidade ou nação.112 Na profecia de Jeremias

(veja também Is 13-14), a utilização desse estilo leva à conclusão de

que o império babilônio cairia e desapareceria para sempre. A conquista

da cidade por Ciro, mesmo sem vir acompanhada das atrocidades e pela

destruição descritas na previsão, levou o império ao fim e, em essência,

cumpriu a profecia de Jeremias.

Como ovelhas perdidas, sem pastor, os exilados estavam indefesos diante

de seus opressores estrangeiros (v. 6-7a). Os babilônios justificavam seu

tratamento cruel aos exilados destacando que o povo de Deus tinha pecado

contra o Senhor (v. 7b). No entanto, o Senhor se ofendeu pela atitude de

pecado dos babilônios (v. 11a,14b) e vingaria seu povo (v. 15b). Ele usaria

uma poderosa aliança com o norte para infligir uma derrota humilhante e

esmagadora sobre a Babilônia (v. 9-15,17-18). A queda da Babilônia sinalizaria

a libertação dos exilados (v. 8,16). Como um pastor, o Senhor reuniria

seu rebanho disperso (v. 17a) e o traria de volta ao seu pasto, onde poderia

desfrutar de sua rica providência (v. 19) e, mais uma vez, adorá-lo em Sião

(v. 4-5a). Ele perdoaria seus pecados (v. 20), possibilitando que renovassem

seu antigo relacionamento da aliança com ele (v. 5b).

A diatribe do Senhor contra a Babilônia continua. Ele conclama o

invasor a atacar a Babilônia e matar seus habitantes (v. 21-23).113 Ele

manda os conquistadores da Babilônia executarem o juízo, assaltando

os celeiros da cidade e matando impiedosamente seus habitantes (v.

24-30). O Senhor considerava a atitude arrogante da Babilônia uma

provocação aberta (v. 24b,29b) que devia ser punida (v. 31-32). Além

disso, o tratamento cruel dispensado ao povo de Deus no exílio tinha

de ser vingado (v. 28). Embora os babilônios opressores mantivessem

os exilados sob mão de ferro (v. 33), o Senhor dos Exércitos (veja a

NIV “ S e n h o r Todo-Poderoso”), o redentor de seu povo, “defenderia

sua causa” e os vingaria (v. 34).1,4 Utilizando tanto a espada do invasor

112 Veja Isaías 13.17-22; 14.22-23; 34.11-15; Sofonias 2.13-15. A literatura antiga do Oriente Próximo

também emprega essa linguagem estilizada às vezes para ter efeito dramático. Homer Heater Jr. chama

essas imagens de “linguagem de destruição”. Para um estudo útil dos textos e temas bíblicos importantes,

e também exemplos de “linguagem de destruição” de fontes antigas do Oriente Próximo, veja seu artigo,

“Do the Prophets Teach That Babylonia Will Be Rebuilt in the Eschaton?” JETS 41 (1998): 31-36.

113 Merathaim e Pecode (veja o v. 21) eram regiões situadas dentro do território babilônio. Veja

Thompson, Jeremiah, 741.

114 O título divino “Se n h o r Todo-Poderoso” (tradicionalmente “o Se n h o r dos Exércitos”) é


Jerem ias e L am entaçõ es | 237 |

quanto as desgraças naturais, o Senhor venceria o poder institucionalizado

da Babilônia e reduziria o reino a ruínas desabitadas (v. 35-40).

Quando o poderoso exército do Senhor, vindo do norte, aproximou-se,

o rei da Babilônia ficou paralisado de medo (v. 41-43). O Senhor executaria

seu plano contra a Babilônia, e ninguém seria capaz de resistir

ao seu poder (v. 44-45). Todo o mundo tremeria ao som da queda da

Babilônia (v. 46).

A descrição da derrocada da Babilônia continua no capítulo 51, para

enfatizar o tamanho da ira do Senhor e a extensão do juízo iminente da

Babilônia. Ele está tão irado contra os babilônios que seu desejo de vingança

não será satisfeito com facilidade. O estilo repetitivo e o tamanho da

profecia refletem isso.

Os invasores estrangeiros, tal como instrumentos de vingança de Deus,

estraçalhariam os jovens babilônios sem piedade (51.1-5). Falando a uma

geração futura de exilados, o profeta os conclama a abandonar a cidade

condenada, pois ela pagaria por seus pecados diante do Senhor (v. 6). O

Senhor tinha usado a Babilônia como seu instrumento de juízo, mas sua

vez de sentir a ira divina viria no tempo devido (v. 7-8). Os exilados deviam

abandonar quaisquer sentimentos que pudessem ter pela condenada Babilônia,

retomar a Sião e celebrar a obra de Deus em seu favor (v. 9-10).

O Senhor usaria os medos para obter vingança sobre os babilônios,

pelo que tinham feito ao seu templo (v. 11-12; Is 13.17). Os invasores

roubariam a grande riqueza da Babilônia (v. 13-14). Diante do incomparável

soberano criador do Universo, os deuses-ídolos inertes da Babilônia

seriam inúteis (v. 15-19). A Babilônia tinha sido o martelo da justiça do

Senhor em todo o mundo, mas ele a faria pagar pelo que fez a Jerusalém

(v. 20-24). A Babilônia tinha estado no topo das nações como uma grande

montanha, mas seria transformada em montículo, consumida pela fumaça

do juízo (v. 25-26). Hordas aterradoras vindas do norte responderiam aos

chamados do Senhor e destruiriam a Babilônia (v. 27-33). Os babilônios

conheceriam a violência, assim como Nabucodonosor tinha distribuído

violência ao povo de Jerusalém (v. 34-35). A vingança do Senhor reduziria

a Babilônia a um monte de ruínas, dominadas por animais selvagens

(v. 36-37).1,5 Os babilônios tinham, no passado, rugido feito leões indomáveis,

mas, agora, seriam destruídos pelo juízo e mortos como cordeiros

em sacrifício (v. 38-40). O mar revolto, simbolizando as hordas do norte,

devastaria a Babilônia (v. 42). As nações, que corriam à Babilônia para

especialmente adequado aqui, pois frequentemente mostra o Senhor como um poderoso rei guerreiro

que comanda seus exércitos em batalha (veja Is 1.9, 24; 2.12).

115 Sobre a utilização de linguagem estereotípica, hiperbólica e de destruição aqui, veja minha

discussão sobre Isaías 13-14, na qual a queda da Babilônia é mostrada em termos semelhantes.


I 238 | Introdução aos profetas

fazer negócios, olhariam com horror para as ruínas da cidade abandonada

(v . 41,43-44).116

Projetando-se no futuro e falando, novamente, a uma geração vindoura

de exilados (cf. v. 6), o profeta enfatizou que havia pouco tempo a perder

(v. 45). Por causa do que tinha feito ao povo de Deus, a queda da Babilônia

era inevitável (v. 46-49). Os exilados deviam deixar a cidade antes que o

juízo chegasse e deviam voltar seus olhos para casa (v. 50). A Babilônia

tinha profanado o templo do Senhor e humilhado seu povo da aliança

(v. 51), mas viria um tempo de retribuição. As fortificações da Babilônia

desmoronariam, e seu povo seria silenciado (v. 52-58).

Epílogo (Jr 52)

As profecias de Jeremias terminam com os oráculos contra as nações

(51.64b), mas o livro de Jeremias encerra com um epílogo (cap. 52) que se

equipara ao relato da queda de Jerusalém em 2Reis 24-25. Esse epílogo foi

incluído provavelmente para demonstrar que o ministério e a mensagem de

Jeremias foram totalmente comprovados pela história.

Este capítulo começa com uma avaliação negativa do reinado de Zedequias

e observa que esse rei se rebelou contra a Babilônia (52.1-3). Esse

ato de provocação levou a Babilônia a fazer um cerco contra Jerusalém em

janeiro de 588 a.C. (v. 4-5). O cerco continuou até julho de 586 a.C., quando

os babilônios finalmente romperam as defesas de Jerusalém e invadiram a

cidade (v. 6-7a). Eles capturaram Zedequias em fuga, mataram seus filhos

e príncipes, vazaram seus olhos e levaram-no para a Babilônia (v. 7b-11).

Em agosto de 586, os babilônios queimaram o templo e outros edifícios,

quebraram os muros da cidade e levaram a classe alta para o exílio, deixando

apenas os mais pobres (v. 12-16). De acordo com o versículo 29, 832

pessoas foram deportadas nessa época.117 Antes de destruírem o templo, os

soldados retiraram os itens de bronze, ouro e prata, que foram levados para

a Babilônia (v. 17-23). O comandante do exército babilônico levou o sumo

sacerdote Seraías, assim como outros líderes religiosos e civis, a Nabucodonosor,

que ordenou que todos fossem executados (v. 24-27). O livro

termina com uma nota mais positiva, quando conta como Evil-Merodaque,

sucessor de Nabucodonosor, em 562-561 a.C., libertou o rei Joaquim da

prisão e o tratou com cortesia (v. 31-34).

116 Sesaque (v. 41) é um nome em código para a Babilônia (veja 25.26).

117 Os versículos 28-30 mencionam duas outras deportações, além daquela de 586 a.C. No sétimo ano

de Nabucodonosor (598-597 a.C.), ele deportou 3.023 pessoas, enquanto em seu 23a ano (582-581), ele

deportou outras 745. As três deportações totalizaram 4.600 pessoas. Em 2Reis 24.14,16, números muito

maiores são dados para a primeira deportação. De acordo com Cogan e Tadmor, 2Reis 24 pode dar o

número de deportados de Jerusalém, enquanto Jeremias 52 refere-se ao número de pessoas do interior.

Veja Cogan, M. e Tadmor, H., HKings, AB (Nova York: Doubleday, 1988), 312.


Jerem ias e Lam e n ta çõ e s | 239 |

Choro por Sião (Lamentações)

Introdução

O livro das Lamentações de Jeremias foi escrito no final da queda de Jerusalém

diante dos babilônios, em 586 a.C. O autor (que chamaremos “o poeta”)

mostra o intenso sofrimento experimentado pelos habitantes da cidade e

lamenta a severidade do juízo de Deus. Mas nem tudo está perdido. Acima do

horror da tragédia, o poeta reafirma a fidelidade duradoura do Senhor, pede

que Deus vingue seu povo e ora pela restauração da comunidade da aliança.

O autor do livro não é identificado, mas a tradição o atribui a Jeremias.

Essa tradição se reflete na antiga versão grega (Septuaginta), que inclui

um cabeçalho identificando Jeremias como autor do livro. Na Septuaginta,

Lamentações vem depois de Jeremias e do apócrifo Baruque. Essa tradição

da autoria jeremiânica também se reflete nas traduções para o inglês, em

que Lamentações vem depois de Jeremias. É certamente compreensível que

alguns associem Jeremias ao livro. Ele conheceu a derrocada de Jerusalém

em primeira mão e expressou seu desejo de chorar pelo povo (Jr 9.1). Em

2Crônicas 35.25, somos informados que o profeta compôs lamentos (nesse

caso, para o rei Josias). A Bíblia hebraica, porém, não dá suporte à noção

da autoria jeremiânica. No arranjo canônico hebraico tradicional, Lamentações

vem na terceira seção do cânone, chamada “Escritos”, na qual está

agrupado com Rute, Cantares, Eclesiastes e Ester, sob o título “Rolos”.

O livro é composto de cinco poemas, os primeiros quatro escritos de

forma acróstica, em que estrofes sucessivas começam com as letras do

alfabeto hebraico. Os dois poemas iniciais contêm, cada um, 22 estrofes/

versículos, cada um deles com três linhas poéticas. No segundo poema, as

estrofes ayin e pe estão invertidas. O terceiro poema contém 66 versos,

compostos por 22 estrofes. Cada estrofe tem três versos/linhas poéticas,

cada uma começando com a mesma letra do alfabeto. Por exemplo, os primeiros

três versículos começam com a letra aleph, os versos quatro a seis,

com beth, e assim por diante. Como no segundo poema, as estrofes ayin e

pe estão invertidas. O quarto poema tem 22 estrofes/versos, cada um com

duas linhas poéticas. Como no segundo e no terceiro poemas, as estrofes

ayin e pe estão invertidas. O quinto poema não é um acróstico, mas, por

simetria com os poemas anteriores, contém 22 versos, cada um com uma

linha poética. A estrutura simétrica/acróstica do livro dá à antologia uma

aura de completude e também facilita a memorização e a declamação.

Uma cidade abandonada (Lm 1)

O poeta chora por Jerusalém, comparando a cidade deserta a uma

viúva solitária e a uma princesa outrora importante que teve seu status


1240 1 Introdução aos profetas

reduzido ao de um trabalhador comum (v. 1). Jerusalém é como uma

mulher que passa as noites soluçando porque foi abandonada por seus

amantes e traída por seus amigos (v. 2). A referência a “amantes” e

“amigos” recupera as alianças estrangeiras de Judá, que foram vistas

pelo Senhor como adultério espiritual.118 Judá tinha conhecido tempos

difíceis, culminando com o exílio babilônio (v. 3). Com o uso do recurso

literário da personificação, o poeta diz que os caminhos de Sião estão de

luto, pois ninguém viaja neles para comemorar festas religiosas (v. 4a).

As portas da cidade, que, outrora, viviam em burburinho com a chegada

de peregrinos religiosos, agora estão desoladas, enquanto os sacerdotes

e as virgens, que antes tinham papel importante nas festividades,

agora se encontram em amargura (v. 4b).119 Por causa de sua rebeldia,

o Senhor entregou a cidade a seus inimigos e enviou seus filhos para o

exílio (v. 5). Seus príncipes, uma vez orgulho da cidade, são forçados a

correr por suas vidas quando seus perseguidores os caçam como cervos

(v. 6). Em contraposição à sua glória do passado, Sião agora tem de

suportar o escárnio de seus inimigos (v. 7). Como conseqüência de seus

pecados, sofre humilhações, como uma mulher promíscua cuja nudez

é exposta publicamente como pena por seus malfeitos (v. 8-9).120 Seu

tesouro tinha sido roubado e seu templo, profanado pelos invasores,

enquanto os sobreviventes, famintos, tinham de trocar os bens materiais

que tivessem por um pouco de comida (v. 10-11).

Começando no versículo 12, a Sião personificada fala por si. Ela intima

os passantes a considerarem a profundeza de sua miséria (v. 12a). Ela atribui

seu sofrimento ao juízo irado de Deus (v. 12b), que ela compara ao

fogo que penetra em seus ossos e a uma rede que a aprisiona (v. 13). Ao

reconhecer que sua rebeldia pecadora suscitou a ira de Deus (v. 14a), ela

lamenta sua derrota humilhante (v. 14b), que ela compara a ser pisoteada

no lagar (v. 15b). Ela também amarga seu abandono (v. 16a) e a perda de

seus jovens (v. 15a-16b). Estende suas mãos por ajuda, mas ninguém oferece

qualquer conforto, pois o Senhor decretara que ela devia ser julgada

por seus pecados (v. 17). Sião reconhece que o Senhor tem razão em punir

118 Observe a referência às “nações” no versículo anterior e também em Jeremias 3.1, em que a palavra

“amantes” na NIV traduz a mesma palavra hebraica traduzida por “amigos” em Lamentações 1.2.

119 Aparentemente, moças dançavam nessas festividades. Veja Josué 21.19-21 e Jeremias 31.13, e

também Hillers, Delbert R., Lamentations, AB (Garden City: Doubleday, 1972), 20.

120 É possível que a linguagem metafórica também a descreva como menstruada (e, portanto,

ritualmente impura). O termo hebraico traduzido por “impuro” no versículo 8 (n id a h ) só aparece aqui

na Bíblia hebraica. Alguns entendem que significa, literalmente, “uma cabeça balançante”, isto é, um

objeto de escárnio e de ridículo (veja HALOT 696). Mas outros preferem corrigir o termo para niddah,

que se refere ao sangramento menstruai de uma mulher e, por extensão, à impureza ritual (veja HALOT

673). A tradução da NIV reflete esta última interpretação.


Jerem ias e L am entaçõ es | 241)

sua rebeldia (v. 18a; veja também o v. 20b). Mais uma vez, ela chama a

atenção para seus apuros (v. 18b) e lamenta a fome e a morte que vê ao seu

redor (v. 19-20). Ninguém ajuda, enquanto seus inimigos se regozijam com

a maneira como Deus a trata (v. 21a). Em sua dor e em seu sofrimento, ela

apela a Deus por vingança contra seus inimigos e pede que ele derrame

juízo sobre eles, e o Senhor anuncia que, no final, o fará (v. 21b). Ela ora

a Deus para que castigue seus inimigos por seus pecados, assim como ele

tinha feito com sua própria rebelião (v. 22).

O Senhor é meu inimigo (Lm 2)

O poeta mais uma vez lamenta por aquilo em que Sião se transformou.

A cidade tinha sido estrado de Deus, pois ele vivia em seu templo (v. 1;

veja Is 60.13; SI 132.7; e também SI 99.5 [cf. v. 2]; lCr 28.2). Mas o juízo

irado e ardente do Senhor destruiu a cidade e humilhou os líderes da nação

(v. 2-3). O poeta retrata o Senhor cortando toda a “força de Israel”. Usa-

-se aqui, em hebraico, a imagem de um chifre de animal para simbolizar

a força da nação, talvez como incorporada em seus guerreiros e líderes.

O Senhor não levantou sua mão direita, símbolo de seu poderio militar,

contra os invasores (v. 3a).121 Em vez disso, ele atacou seu próprio povo

e usou sua mão direita para lançar flechas sobre eles (v. 4). Em vez de ser

o defensor de Israel, o Senhor se tomou seu inimigo, engolindo a nação e

seus baluartes (v. 5a; veja também o v. 2) e deixando uma esteira de luto e

lamentação (v. 5b). Ele até destruiu seu próprio santuário, permitindo que

o inimigo o profanasse (v. 6-7). Jerusalém está em ruínas, enquanto seus

líderes estão exilados ou calados (v. 8-9). Todos, dos mais idosos aos mais

jovens, lamentam a derrocada da cidade (v. 10).

O poeta está dominado emocionalmente pela cena que se descortina

diante de seus olhos cheios de lágrimas. Crianças famintas morrem nos

braços das mães, enquanto elas pedem algo para comer e beber (v. 11-12;

veja o v. 19). A miséria de Jerusalém é sem igual (v. 13). Os falsos profetas

tinham prometido libertação, mas não conseguiram expor os pecados da

nação (v. 14). Suas visões e oráculos se mostraram enganadores, quando

o Senhor fez vir, impiedosamente, o juízo anunciado por seus profetas

década após década desde, pelo menos, Isaías (v. 17). O inimigo assaltou

a cidade e se vangloriava de sua vitória enquanto a insultava e zombava

dela (v. 15-16). O poeta clama à “muralha” da filha de Sião que derrame

121 Hillers (Lamentations, 36) alega que Israel é o sujeito da afirmação “retirou a sua mão direita”,

mas, em outras passagens nesse contexto, o Senhor é sujeito das formas verbais na terceira pessoa

masculina singular, enquanto Israel/Judá/Sião são retratados no feminino. Além disso, se entendermos

“sua mão direita”, no versículo 3, como uma referência ao poder do Senhor, temos um bom contraste

com a utilização de “sua mão direita” no versículo 4, em que o referente é, claramente, o Senhor.


| 242 | Introdução aos profetas

seu coração em lamento diante do Senhor pelos horrores que acontecem

nas ruas da cidade (v. 18-19).

Sião personificada responde. Ela protesta que o Senhor nunca tratou

ninguém tão severamente (v. 20a). Mães, levadas à loucura pela fome,

comem seus próprios filhos (v. 20b). Sacerdotes e profetas caem mortos

no templo do Senhor (v. 20b). As ruas estão entulhadas com os corpos

de jovens e idosos, mortos pelo fio da espada (v. 21a). O próprio Senhor,

tomado de raiva, assassinou o povo de Sião (v. 21b), substituindo os

sacrifícios animais de seus festivais religiosos por um banho de sangue

humano inescapável e aterrador (v. 22).

Reflexão sobre o horror (Lm 3)

Neste longo capítulo, o poeta lamenta amargamente o que experimentou

(v. 1-20), confessa sua fé duradoura no amor da aliança com o Senhor

(v. 21-26), reconhece a propriedade do juízo disciplinar divino (v. 27-39),

exorta seus contemporâneos a confessarem seus pecados (v. 40-47) e renova

seu lamento como prelúdio para a busca da vingança do Senhor sobre seus

inimigos (v. 55-66). Falando em nome de seu povo e de sua cidade arruinada,

o poeta representa os sobreviventes da comunidade da aliança que

conheceram a ira de Deus. Ao mesmo tempo, ele dá o modelo de resposta

apropriada desses remanescentes ao que aconteceu. Embora haja muitas

razões para se desesperar e desistir da esperança, o poeta consegue ver um

Deus fiel através das ruínas fumegantes. Ele indica o arrependimento como

uma porta para o futuro, que incluirá a justificação do povo de Deus e a

vingança contra seus arrogantes inimigos.

O poeta começa com uma descrição vivida de como Deus o atacou

brutalmente, levando-o da luz para a escuridão (v. 1-3). Segue-se uma

rápida sucessão de metáforas, cada uma amplificando os horrores do juízo

divino. O Senhor enrugou sua pele e quebrou seus ossos, cercou-o de dificuldades,

colocou-o em um cárcere escuro, preso por correntes, e recusou-se

a ouvir seus gritos de socorro (v. 4-8). O Senhor pôs obstáculos

em seu caminho, mutilou-o como um leão ou urso feroz, lançou flechas

em seu coração (v. 9-13) e fez dele motivo de chacota para todos (v. 14).

Como se isso não fosse o bastante, o Senhor fez com que comesse ervas

amargas, esfregou seu rosto no chão e o pisoteou (v. 15-16). Privado de

paz e prosperidade, refletiu sobre seu sofrimento (v. 17-20).

Sobrecarregado com desânimo e sofrimento, o poeta, entretanto, supera

essas circunstâncias e ganha nova esperança (v. 21). Conquanto a comunidade

da aliança tivesse sofrido horrivelmente, ela não fora aniquilada.

O Senhor poupou alguns, demonstrando que ainda era comprometido

com seu povo e capaz de mostrar compaixão mesmo quando não merecia


Jerem ias e L am entaçõ es | 243 |

nenhuma (v. 22). Apesar do horror ao seu redor, o poeta reafirma a fidelidade

eterna de Deus, declara sua lealdade ao Senhor e antecipa a intervenção

salvadora de Deus (v. 23-25). Ele reconhece que existe alguma

coisa terapêutica em se submeter à disciplina divina e sofrer em humilde

silêncio. Embora Deus discipline seu povo, ele não o abandona de forma

permanente (v. 31). Seu amor o leva a estender sua compaixão (v. 32). Ele

não tem um prazer sádico em ver a raça humana sofrer. Ao contrário, ele

só expede seu juízo disciplinador como último recurso (v. 33). Quando o

homem sofre por seus pecados, não é porque Deus é injusto (v. 34-36);

ao contrário, Deus é um rei justo que distribui de maneira justa bênção e

juízo, de forma que cada um receba o que merece (v. 37-39). Quando a

calamidade atinge os pecadores, é porque o próprio Senhor decretou um

castigo apropriado para seus pecados.

Depois de deixar claro que foi o pecado humano, e não a injustiça

divina, a razão por trás da calamidade que tomou conta da nação, o poeta

conclama os sobreviventes a buscarem a Deus (v. 40-41). Deviam confessar

seus pecados como prelúdio do lamento da rejeição por Deus e

da humilhação por que estavam passando nas mãos de seus inimigos

(v. 42-47). Depois de dar a seus contemporâneos uma prece modelo para

fazer a Deus, o poeta dá voz a seus próprios lamentos. Quando considera

a derrocada de seus conterrâneos, caem lágrimas de seus olhos

(v. 48,51). Apenas a intervenção salvadora do Senhor pode trazer alívio

(v. 49-50). Seus inimigos atentam contra sua vida e ameaçam destruí-lo

(v. 52-54), mas ele se volta para o Senhor, em busca de libertação e vingança

(v. 55). O Senhor responde ao seu grito de socorro com palavras de

garantia, “não temas”, assegurando que o alívio viria, de fato (v. 56-58).

Convencido do que o Senhor sabia das intenções brutais de seus inimigos

(v. 59-64), ele apela ao Senhor por justiça, pedindo que destrua seus

adversários (v. 64-66).

Olhando por alto, a cronologia dos versículos 52-66 parece um pouco

confusa. Por um lado, o poeta fala de ataques de seus inimigos e pede a

intervenção divina (v. 59-66). Por outro, ele fala como se Deus já o tivesse

resgatado (v. 55-58). Entretanto, o conflito é só aparente. O poeta continua

a enfrentar as ameaças de seus inimigos, que ainda não foram subjugados.

Contudo, ele pediu ao Senhor, e recebeu, um oráculo de salvação, que

permite ao poeta falar da redenção de Deus como algo já acontecido, ao

mesmo tempo em que ainda ora por sua realização. Esses versículos refletem

a seqüência típica de oração e resposta divina vista nos salmos. Quando

o salmista se depara com uma crise de ameaça à vida, ele apela a Deus por

ajuda (veja, por exemplo, o SI 12.1-4). Por meio de um oráculo reconfortante,

Deus promete intervir (v. 5). Isso, por sua vez, induz uma resposta


1244 1 Introdução aos profetas

de confiança do salmista (v. 6-8), enquanto ele espera e até mesmo ora pela

realização da promessa divina.122

O derramamento da ira divina (Lm 4)

O poeta retoma seu lamento sobre a queda de Jerusalém. Usando linguagem

metafórica, ele lastima o fato de que o ouro perdeu seu brilho e

as joias foram espalhadas pelas ruas (v. 1). No versículo 2, ele explica

que os jovens de Jerusalém são a realidade subjacente por trás do simbolismo.

Eles eram valorizados e respeitados, mas, agora, são tratados

como comuns e ordinários. A fome já tomou conta da cidade, e, com ela,

morte lenta e em agonia. Pais desesperados, levados à beira da loucura

pela fome, comem qualquer coisinha que encontram e deixam os filhos

morrer de fome (v. 3). São comparados ao avestruz, que era visto como

cruel porque enterrava seus ovos na areia, onde poderiam ser facilmente

esmagados por pisadas (veja Jó 39.13-18). Bebês desidratados e crianças

esmolam comida, mas ninguém responde (v. 4). O povo que, antes, vivia

na luxúria agora está desassistido e sem teto (v. 5), enquanto os príncipes

outrora robustos morrem de desnutrição (v. 7-8). Na opinião do poeta, o

destino de Jerusalém é pior do que o de Sodoma, pois essa cidade antiga

foi destruída em um só instante e seu povo não teve de suportar uma

morte lenta e dolorosa (v. 6). Argumenta que aqueles que caíram diante da

espada estão melhores do que os que morrem de fome (v. 9). As vítimas

da espada morrem rapidamente, mas os sobreviventes, com fome, recorrem

a práticas canibais, hediondas (v. 10).

O Senhor despejou sua ira sobre Jerusalém com toda a força (v. 11).

Embora os estrangeiros considerassem a cidade inexpugnável, seu pecado

causou a sua queda (v. 12-13).123 Os líderes religiosos viraram corruptos e

desculparam a injustiça social, que manchava a cidade com o sangue dos

oprimidos. Mas, agora, esses mesmos líderes estão cobertos de sangue.

Quem os vê deles se esquiva (v. 14). Será de suas vítimas o sangue que

cobre suas roupas? Ou é sangue daqueles que morreram pela espada quando

os babilônios invadiram a cidade? Talvez um pouco de cada. De qualquer

122 Essa mesma seqüência pode ser vista no salmo 3, em que o lamento (v. 1) é seguido por uma

afirmação de confiança na capacidade de Deus proteger (v. 2-3,5-6) baseada em um oráculo de salvação

que o salmista recebeu (v. 4). Segue-se uma prece pela intervenção divina (i.e., pelo cumprimento da

promessa de Deus), acompanhada por outra expressão de confiança (v. 7-8). No salmo 6, o lamento

(v. 1-7) é seguido por uma afirmação de confiança baseada em uma previsão de salvação (v. 8-9) e

uma oração final de imprecação (v. 10). Para uma discussão de oráculos de salvação nos Salmos, veja

Tournay, Raymond J., Seeing and Hearing God with the Psalms, J. E. Crowley (trad.) (Sheffield: JSOT,

1991), 160-98.

123 Após a derrota de Senaqueribe, fora de Jerusalém, em 701 a.C., estrangeiros que ouviram sobre o

incidente devem ter pensado que a cidade era invencível.


Jerem ias e L am entaçõ es I 245 (

forma, conspurcados por suas vestes sujas de sangue, são forçados a vagar

pelas nações como banidos (v. 15). Em última análise, foi o próprio Senhor

que os espalhou e retirou seu cuidado protetor (v. 16). Muito para o espanto

do povo, não veio ajuda quando o exército babilônico se aproximou (v.

17-18). Os invasores provaram ser predadores poderosos e eficazes, como

águias que mergulham sobre suas presas (v. 19). Mesmo o rei de Judá (provavelmente,

fala-se de Zedequias), a quem o povo buscava quando queria

proteção, foi capturado (v. 20).

Subitamente, o poeta se volta para Edom, vizinho de Judá a sudeste. Os

edomitas saborearam a queda de Judá e exploraram sua fraqueza em seu

próprio benefício. O poeta os estimula zombeteiramente a celebrar quanto

quiserem, mas alerta que eles também devem beber a taça do juízo divino

em breve (v. 21). Sião vai encontrar alívio e seu povo exilado retomará, mas

Edom continuará a sofrer por seus pecados (v. 22).

A súplica pela restauração (Lm 5)

Em sua prece final, o poeta, falando em nome dos companheiros sobreviventes,

roga ao Senhor para olhar de perto para sua situação humilhante

(v. 1). Estrangeiros tinham tomado sua terra, tomando-a tão vulnerável

quanto órfãos e viúvas (v. 2-3). Eles dependem de outros até para as coisas

mais essenciais da vida - água para beber e lenha para fazer uma

fogueira (v. 4). Eles estão abatidos e cansados, mas incapazes de encontrar

alívio (v. 5).

Nos versículos 6-7, o poeta olha para trás para encontrar uma explicação

para a situação corrente. Por motivos econômicos, Judá tinha feito, no

passado, tratados com potências estrangeiras, como o Egito e a Assíria (v.

6). Essas alianças eram proibidas pelo Senhor, que esperava que seu povo

confiasse somente nele para obter as coisas essenciais da vida. O juízo

de Deus recaiu sobre a nação e a geração do poeta estava conhecendo as

conseqüências dos pecados de seus ancestrais (v. 7). Essa declaração não

deve ser entendida como se eles sentissem que estavam sendo castigados

injustamente. Mais adiante no poema eles confessam que eles também

tinham pecado (v. 16). Embora as declarações possam parecer contraditórias,

é provável que as duas sejam verdadeiras (como Kaminsky sugere,

“a culpa das gerações anteriores foi visitada por aqueles que também

eram culpados”).124

No versículo 8, o poeta retoma sua descrição do sofrimento suportado

pela comunidade. Eles estão sujeitos àqueles que são “escravos” de outros

homens (provavelmente se fala de autoridades babilônicas menores). Eles

124 Veja Kaminsky, Corporate Responsibility in the Hebrew Bible, 44-45 n. 35.


| 246 | Introdução aos profetas

devem arriscar a própria vida apenas para conseguir comida e sofrem doenças

e enfermidades como resultado de desnutrição (v. 9-10). Para piorar as

coisas, imagens de cenas horrorosas estavam frescas em sua mente. Suas

mulheres, incluindo as jovens virgens, tinham sido brutalmente violentadas

(v. 11). Seus jovens tinham sido publicamente humilhados e forçados

a fazer trabalho servil normalmente reservado a mulheres ou prisioneiros

(v. 12-13; veja Jz 16.21; Is 47.2). Os líderes da comunidade, que normalmente

se reuniam às portas da cidade, tinham desaparecido, junto com os

sons da celebração festiva (v. 14-15). Seus pecados os tinham privado da

glória e do respeito que tiveram no passado. Comparado aqui a uma coroa

(v. 16), a visão de Sião desolada, destruída por carniceiros selvagens, trazia

desânimo (v. 17-18).

Mas a esperança não tinha ido embora. A destruição do templo não significava

que o trono de Deus tinha sido derrubado. Apesar da derrocada de

Sião, o Senhor ainda reinava como rei eterno (v. 19). O poeta pergunta por

que Deus continua a abandonar seu povo (v. 20). Ele pede ao Senhor que

restaure seu povo, pois percebe que Deus deve tomar a iniciativa para que

uma reconciliação genuína aconteça (v. 21). Embora o poeta anseie pela

renovação da aliança, a reconciliação que ele deseja está em forte contraste

com as circunstâncias correntes, que são resultado da rejeição irada de Deus

ao seu povo (v. 22).125

125 Para uma análise detalhada da sintaxe do versículo 22, veja Hillers, Lamentations, 100-101.

Hillers entende que a construção hebraica k i'im , no início do versículo, expresse contraste. Ele traduz

por “mas, em vez disso” (96). Outra opção é considerar a construção exceptiva, “a menos que” (veja

a NIV). Nesse caso, o poeta está temperando sua prece com uma dose de realismo ao reconhecer que

pode ser tarde demais para a reconciliação. Para uma crítica dessa e outras alternativas de interpretação,

veja Hillers.


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Ezequiel

Introdução

Ezequiel recebeu seu chamado profético em julho de 593 a.C., aproximadamente

quatro anos depois da deportação do rei Joaquim de Judá, em

597 a.C. (veja 1.2).' Seu ministério profético continuou até pelo menos

571 a.C. (veja 29.17). Se a expressão “o trigésimo ano” em 1.1 se refere

à idade de Ezequiel, ele nasceu em 623.2 Ezequiel, aparentemente, foi

levado para a Mesopotâmia em 597 a.C. (observe a expressão “nosso

exílio”, em 40.1), onde viveu em uma comunidade de exilados próxima

à cidade de Nipur.3 Ezequiel veio de uma família de sacerdotes (1.3),

embora não esteja claro se ele, de fato, serviu no templo de Jerusalém

antes do seu exílio. Sua origem sacerdotal provavelmente explica seu

interesse no templo e no sistema sacrificial.

O livro de Ezequiel pode ser dividido em três seções principais. Os capítulos

1-24 se concentram na destruição iminente de Jerusalém, enquanto os

capítulos 25-32 contêm oráculos de juízo contra várias nações vizinhas. O

tom da profecia muda nos capítulos 33-48, que antecipam a reconciliação

entre Deus e Israel, assim como o retomo dos exilados.

1Veja Greenberg, Moshe, Ezekiel 1-20, AB (Garden City, N.Y.: Doubleday, 1983), 8-10.

2 No entanto, o significado dessa nota cronológica é incerto. Veja Allen, Leslie C., Ezekiel 1-19,

WBC (Dallas, Word, 1994), 20-21.

3 Greenberg, Ezekiel 1-20, 40.


2 6 0 ] Introdução aos profetas

Pecado e juízo (Ez 1-24)

Deus comissiona Ezequiel (1.1-3.27)

Os primeiros três capítulos do livro registram o chamado profético de

Ezequiel. Ele primeiro tem uma visão magnífica do esplendor real do Senhor

(cap. 1) como um prelúdio de seu comissionamento formal (caps. 2-3).

Ezequiet vê a glória de Deus (1.1-28)

A visão inaugural de Ezequiel ocorreu em julho de 593 a.C., perto do rio

Quebar (v. 1-3). Essa visão elaborada começa com um vento de tempestade

vindo do norte, acompanhado de uma grande nuvem com fogo, da qual emanava

um brilho intenso (v. 4). As imagens, com raízes nas teofanias da Bíblia

hebraica, sinalizam a chegada de Deus.4 De dentro do fogo, emergem quatro

“seres viventes”. Cada um deles tinha forma humana, quatro rostos (um de

homem, um de leão, um de boi e um de águia), quatro asas, pés como os de

um bezerro e mãos humanas sob as asas (v. 5-8,10). Cada um deles tinha duas

asas para cima e duas asas cobriam o corpo (v. 11). As criaturas prosseguiam

em frente, sem ter de se virar (v. 9,12).5 Brilhavam como fogo e se moviam

para frente e para trás com a velocidade de relâmpagos (v. 13-14).

Embora a descrição dessas criaturas possa parecer bizarra para o leitor

moderno, sua aparência seria conhecida de Ezequiel e de seus contemporâneos.

Esculturas antigas do Oriente Próximo contêm imagens muito

semelhantes de criaturas meio humanas, meio animais, servindo como

apoiadores de tronos e da própria abóbada celeste.6 A visão de Ezequiel é

um exemplo clássico de contextualização; Deus acomoda sua autorrevelação

divina à situação cultural em que seu povo se encontra.

Quando Ezequiel olha mais de perto, ele observa uma roda ao lado

de cada personagem (v. 15). Cada uma das quatro rodas faiscava e tinha

um aro (v. 16, 18). A referência, no versículo 16b, a uma “roda dentro da

outra”, tem confundido os intérpretes. Alguns enxergam anéis concêntricos,

enquanto outros propõem uma “estrutura de globo em que duas rodas se

encontram em ângulo reto”.7 A capacidade das rodas de mudar de direção

sem se virar favorece a última proposta. As rodas se moviam junto com as

criaturas, que, por sua vez, seguiam o ramo do “espírito” que as fortalecia

(v. 19-21; veja também o v. 12).

4 Veja Niehaus, Jeffrey J., God at Sinai: Covenam and Theophany in the Bible and Ancient Near

East (Grand Rapids: Zondervan, 1995), 255-56. Sobre o possível histórico meteorológico do vento de

tempestade vindo do norte, veja Greenberg, Ezekiel 1-20, 42-43.

5 Greenberg, Ezekiel 1-20, 45.

6 Allen, Ezekiel 1-19, 26-31. Para uma discussão de paralelos bíblicos em geral, veja Freedman,

D. N.; 0 ’Connor, M., “3113”, TDOT 7:314-18.

7 Allen, Ezekiel 1-19, 33-34.


Ezequiel | 2 6 1 1

Um pouco mais de atenção aos detalhes revela que suas rodas funcionam

como a carruagem de Deus. Com duas de suas asas, as criaturas seguravam

uma plataforma transparente, cristalina (v. 22). Usavam as outras asas para

se moverem (v. 23). O som de suas asas era ensurdecedor, como o rugido das

ondas, o tumulto de um exército, ou como a voz de Deus (v. 24). O profeta

ouviu uma voz vindo de cima da plataforma (v. 25). Quando olhou para cima,

viu um trono de safira, no qual estava sentada uma figura humana (v. 26). Da

cintura para cima, parecia com metal brilhante; da cintura para baixo, sua

aparência era de fogo (v. 27a). Em tomo dela, havia uma luz brilhante que

era tão impressionante na aparência quanto um arco-íris contra nuvens de

tempestade (v. 27b-28a). Reconhecendo que estava testemunhando a glória

de Deus, o profeta caiu com o rosto em terra (v. 28b).

Deus chama Ezequiel para ser um profeta (2.1-3.27)

O Senhor se dirigiu a Ezequiel com as palavras “filho do homem”, uma

expressão que quer dizer simplesmente “homem”. Essa designação o distinguia

das criaturas sobrenaturais que estavam presentes. Quando o Senhor

ordenou que ficasse de pé, Ezequiel pode ter se sentido tentado a manter o

rosto no chão, mas um espírito o fortaleceu e o levantou (2.1-2).8 Alguns

veem esse “espírito” como um “espírito” impessoal de vigor ou de coragem.9

Outros o identificam com o espírito que fortalecia os seres viventes.10

No entanto, o espírito que fortalecia os seres é chamado especialmente de

“o espírito” (haruakh ; veja 1.12,20a), ou “o espírito dos seres viventes”

(1.20b-21, veja também 10.17). É possível que o Espírito pessoal do Senhor

seja o referente, mas a ausência do artigo toma isso improvável. Em outras

passagens em Ezequiel, o Espírito do Senhor é mencionado como “o Espírito

do Se n h o r ” (11.5; 37.1), “o Espírito de Deus” (11.24) ou “meu Espírito

{i.e., do Senhor)” (36.27; 37.14; 39.29). É mais provável que o termo

se refira, em 2.2, a um vento enviado por Deus, intimamente associado

ao sopro de vida que tem origem nele. A palavra hebraica frequentemente

se refere a um vento no livro de Ezequiel (1.4; 5.10,12; 12.4; 13.11,13;

17.10,21; 19.12; 27.26; 37.9). Em Ezequiel 37.5-10, uma respiração (em

hebraico ruakh ) tem origem nos “quatro ventos” (em hebraico, rukhot),

e é associada ao espírito do Senhor ou ao sopro da respiração (v. 14). Esse

sopro ou vento entra nos ossos secos e renova sua vida (v. 5). Da mesma

maneira, esse vento, sopro de vida, entra em Ezequiel (2.2; 3.24) e permite

que ele se mova. Além disso, esse não é o único texto em que um “espírito”

s ANIV tem “o Espírito”, mas o texto hebraico tem simplesmente ruakh, “[um] espírito”, sem artigo

antes da palavra.

9 Veja, por exemplo, Greenberg, Ezekiel 1-20, 62.

10 Veja, por exemplo, Allen, Ezekiel 1-19, 38.


| 262 1 Introdução aos profetas

é associado ao movimento físico do profeta. Em diversos textos, ele o transporta

de um lugar a outro (3.12,14; 8.3; 11.1,24; 43.5).

Neste ponto, o Senhor deu a Ezequiel seu comissionamento formal como

profeta. O Senhor não podia garantir que o povo teimoso e rebelde escutaria

Ezequiel, mas, independentemente de responderem positivamente ou não,

eles saberiam que um profeta tinha estado entre eles (v. 3-5). Embora a

oposição fosse tenaz, Ezequiel devia proclamar a palavra do Senhor corajosamente

(v. 6-8a).

Como um vivido lembrete de seu comissionamento, o Senhor ordenou

as seu novo profeta que comesse um rolo contendo mensagens de condenação

e destruição (2.8b-3.3). De forma surpreendente, quando o profeta

comeu o rolo, o gosto foi doce, apesar de seu conteúdo (3.3). O objetivo

da visão parece ter dois lados: a palavra de Deus sustentaria o profeta em

sua perigosa missão; e sua missão, mesmo sendo a de proclamar o juízo,

ironicamente traria satisfação, pois ele estaria servindo como porta-voz de

Deus, uma tarefa que traz prazer (Jr 15.16).

O Senhor deixou claro para Ezequiel que sua missão seria difícil. Alguns

podiam pensar que a tarefa seria fácil, pois o Senhor estava enviando Ezequiel

a seu próprio povo, não a estrangeiros que falavam outra língua

(v. 4-6a). Entretanto, em contraste com os pagãos, que teriam reagido positivamente

à palavra de Deus, Israel era obstinado (v. 6b-7). Para fazer frente

a eles, era preciso uma medida extra de força e determinação. O Senhor

daria a Ezequiel a coragem e a disposição de que ele precisava para confrontar

povo tão hostil (v. 8-9). Quer eles ouvissem, quer não, Ezequiel

tinha de desempenhar sua missão (v. 10-11).

Neste ponto, Ezequiel sentiu um poderoso vento levantando-o e ouviu

a carruagem viva do Senhor se mover (v. 12-13).11 Energizado por Deus,

o profeta se viu entre os exilados em Tel-Abibe, perto do rio Quebar (v.

14-15a).12 Dominado emocionalmente por tudo que tinha visto e ouvido,

sentou-se em silêncio entre eles por uma semana (v. 15b).

11A NIV (*NT - A NVI também) traduz a palavra em hebraico ruakh como “o Espírito” nos v. 12,

14, mas é mais provável que se esteja falando de um vento poderoso enviado por Deus. Veja meus

comentários anteriores sobre 2.2, e também Greenberg, Ezekiel 1-20, 70, e Joyce, Paul, Divine Initiative

andHuman Response in Ezekiel (Sheffield: JSOT, 1989), 110, 161 n. 11.

12 Normalmente, compreende-se do versículo 14 que Ezequiel sentia “amargura” e “ira”. Se sustentarmos

essa interpretação, então esses sentimentos provavelmente refletem a atitude de Deus para com o povo pecador

de Israel ou os sentimentos do próprio profeta sobre as perspectivas de desempenhar tarefa tão difícil. Veja

Greenberg, Ezekiel 1—20, 71, e Block, Daniel I., The Book ofEzekiel Chapters /-24,NICOT (Grand Rapids:

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que mar, “amargura”, pode ser uma nota lateral mal colocada, e que khemah, normalmente compreendida

como “ira”, refere-se a paixão ou fervor. Talvez o termo mar deva ser entendido no sentido de “fortalecido”

ou “capacitado”. A raiz mrr nos idiomas semíticos pode ter o sentido de “forte”. Veja Cyrus Gordon, Ugaritie

Textbook (Roma: Pontificai Biblical Institute, 1965), 438-39. Gibson, em seu tratamento do mr ugarítico,

“ser fortalecido, fortificado, abençoado”, sugere essa nuance para o hebraico mar em Ezequiel 3.14. Veja

Gibson, J. C. L., Canaanite Myths andLegends, 2- ed. (Edimburgo: T. & T. Clark, 1978), 152.


Ezequiel | 263 |

Uma semana depois de sentar-se em silêncio, Ezequiel recebeu uma

mensagem do Senhor (v. 16-17). O Senhor explicou que o trabalho de Ezequiel

era alertar os pecadores sobre as conseqüências da desobediência. Se

o Senhor anunciasse que um homem perverso seria punido, Ezequiel deveria

avisar o pecador e tentar convencê-lo a se arrepender. Se o profeta não

fizesse da forma ordenada, seria responsabilizado pela morte do pecador

impenitente (v. 19). Da mesma maneira, se um homem justo se voltasse

para o mal, Ezequiel devia avisá-lo sobre as conseqüências. Se não conseguisse,

seria considerado responsável pela morte do homem (v. 20). Por

outro lado, se o homem se voltasse para Deus novamente, Ezequiel teria

salvo o pecador e a si mesmo (v. 21).

O Senhor, então, instruiu Ezequiel a ir até o vale do Eufrates para receber

instruções adicionais (v. 22). Quando chegou lá, viu mais uma vez a glória

do Senhor e caiu ao chão (v. 23). Novamente, uma força poderosa (talvez

um vento ou sopro revigorante; veja 2.2) o pôs de pé (v. 24a). O Senhor

o instruiu para que fosse para dentro de sua casa (v. 24b), onde ele seria

amarrado para que não saísse em meio ao povo (v. 25). O Senhor colaria

a língua de Ezequiel para que ele não pudesse repreender o povo pecador

(v. 26). No entanto, em momentos apropriados, conforme a vontade de

Deus, ele afrouxaria a língua de Ezequiel e falaria por seu intermédio

(v. 27). Não está claro quem amarraria Ezequiel. Alguns sugerem que seus

inimigos fizeram isso, o que é improvável, pois, antes disso, Ezequiel teve

pouco tempo para pregar e indispor as pessoas a ponto de que o pusessem

em prisão domiciliar. E mais provável que esses versículos descrevam um

período de silêncio imposto por Deus, trazendo o período de seu comissionamento

a uma conclusão. Nesse caso, amarrar o profeta era um ato simbólico,

que ele mesmo instruiu a outros que o fizessem.13

Lições objeto (4.1-5.17)

O ministério de Ezequiel começou com duas lições objeto que o profeta

devia realizar. A primeira mostra o cerco de Jerusalém (cap. 4), enquanto

a segunda é uma visão da destruição e do exílio do povo de Deus (cap. 5).

O cerco de Jerusalém (4.1-17)

O Senhor instruiu Ezequiel a desenhar um mapa ou uma imagem de

Jerusalém em um tijolo (v. 1). O profeta devia, então, construir um cerco

em miniatura em volta do tijolo (v. 2). A seguir, ele devia pegar uma

assadeira de ferro, colocá-la como muro entre ele e o tijolo e olhar para

o tijolo (v. 3). Esses itens e essas ações eram um “sinal” para Israel. A

13 Veja Taylor, John B., Ezekiel, TOTC (Downers Grove, II: InterVarsity, 1969), 72-73.


| 264 I Introdução aos profetas

panela simbolizava a barreira que existia entre Deus e seu povo, enquanto

o olhar fixo do profeta mostrava a determinação do Senhor de trazer juízo

sobre a cidade (v. 7).

A lição objeto não tinha acabado. Ezequiel devia se deitar sobre o lado

esquerdo. Assim como o lado esquerdo suportava todo o peso de seu corpo,

assim também o povo de Israel foi sobrecarregado por seu pecado (v. 4).

Ezequiel devia seguir esse ritual por 390 dias consecutivos, representando

os 390 anos durante os quais o povo tinha sido dominado pelo pecado (v. 5).

Se contarmos 390 anos para trás, a partir de 593 a.C., que parece ser a data

da profecia, chegamos ao ano 983 a.C., que foi durante o reinado de Davi.

Não está claro como essa data marcaria o começo de um período de pecado.

Obviamente perplexa com o número, a Septuaginta traduz “190”, em vez

de “390”. Parece que ela entende esse período como se estendendo desde

o tempo do exílio de Israel, em 722 a.C., até o retomo do exílio, em 538

a.C., um período de 184 (aproximadamente 190) anos. Nesse caso, o termo

hebraico ‘aw on, traduzido como “pecado” na NIV, deve ser entendido em

seu sentido bem atestado de “castigo”.

Em seguida, o profeta devia se deitar sobre seu lado direito e, ao fazer

isso, simbolicamente “carregar o pecado de Judá” (v. 6). Ele devia desempenhar

esse ritual por 40 dias, representando 40 anos. É de se presumir

que esses 40 anos correspondam ao período pelo qual Judá pecara. Mais

uma vez, é difícil destacar o período exato da visão. Se contarmos para

trás esse tempo, chega-se a 633 a.C., mas não é claro como essa data marcaria

o início de um período de pecado, pois Judá tinha se rebelado com

frequência contra o Senhor antes disso. Por essa razão, alguns preferem

ver os 40 anos voltados para frente e representando um período de castigo

correspondente ao exílio de Judá. Se o período começa em 586 a.C.,

quando Jerusalém caiu, 40 anos à frente chega em 546 a.C., oito anos

antes do retomo do exílio. Uma vez que o exílio, na verdade, durou 48

anos (586-538 a.C.), era de se esperar o número 50, mas 40 pode ter sido

empregado por causa de sua associação com os anos de peregrinação pelo

deserto (Am 2.10) e porque era usado idiomaticamente para indicar uma

geração (Ez 29.11-12).

Enquanto se deitava sobre um dos lados, Ezequiel devia olhar para seu

modelo de cerco de Jemsalém, com o braço descoberto, e profetizar contra

a cidade (v. 7). O braço desnudo simboliza a intenção do Senhor de vir

como guerreiro pra trazer juízo à cidade. Para facilitar o ato simbólico de

Ezequiel, o próprio Senhor amarraria o profeta, para que ele não rolasse

para o outro lado (v. 8). Deve-se supor que o profeta permaneceu deitado de

lado cada um dos 430 dias. Aparentemente, ele desempenhava o ritual por

um período não especificado a cada dia.


Ezequiel | 265 |

Durante o período de 390 dias em que Ezequiel devia ficar deitado

sobre o lado esquerdo, ele devia fazer pão de acordo com uma receita passada

por Deus. Devia comer 240 gramas desse pão e beber o equivalente

a dois copos de água a cada dia em uma hora específica (v. 9-11). Essa

dieta magra mostrava as condições do cerco pelo qual Jerusalém passaria,

quando haveria escassez de água e de comida (v. 16-17). O Senhor

instruiu Ezequiel a assar o pão em um fogo feito com fezes humanas

(v. 12). Uma vez que isso o tornaria ritualmente impuro (Dt 23.13-14),

essa lição objeto referia-se a como o povo seria obrigado a comer comida

ritualmente impura no exílio (v. 13).

Até esse momento, Ezequiel não tinha apresentado nenhuma objeção

às difíceis instruções do Senhor, mas a ordem de comer comida imunda

parecia pouco razoável e injusta. Ele empacou com a ordem do Senhor,

explicando que tinha observado rigidamente uma dieta ritualmente pura

desde a sua mocidade (v. 14). O Senhor revisou suas instruções e deu a ele

permissão para assar o pão em fogo de esterco de vacas (v. 15), que, aparentemente,

era menos ofensivo.

Destruição e exílio (5.1-17)

O próximo ato simbólico de Ezequiel exigia que ele rapasse a cabeça e a

barba e dividisse os cabelos em três partes de igual peso (5.1). Depois que

completasse o primeiro ato simbólico (cap. 4), Ezequiel devia queimar uma

porção de seu cabelo na cidade, ferir a segunda porção com uma espada e

espalhar a terceira porção ao vento (v. 2). Essas ações prenunciavam o que

aconteceria ao povo de Jerusalém. Um terço seria destruído pela doença e

pela fome dentro da cidade, outro terço cairia pela espada fora dos muros da

cidade, e o terço restante iria para o exílio, onde continuaria a sofrer (v. 12).

O fogo (v. 2) foi usado para simbolizar a doença e a fome (v. 12), porque a

febre acompanharia a desnutrição e a enfermidade (Lm 5.10). O juízo seria

severo; somente uns poucos conseguiriam escapar. Para ilustrar isso, Ezequiel

pegou alguns fios de cabelo da terceira porção e colocou nas dobras

de suas vestes, como para simbolizar que alguns escapariam (v. 3). Mas

depois ele devia pegar alguns desses fios e lançar ao fogo, simbolizando

que mesmo os remanescentes não estariam inteiramente seguros (v. 4).

Por que o juízo seria tão severo? Na perspectiva do Senhor, Jerusalém

era central entre as nações e ocupava uma posição privilegiada (v. 5), mas

seu povo se rebelara contra suas exigências pactuais e desceu a um nível de

moralidade mais baixo do que as nações pagãs à sua volta (v. 6-7). Esses

pecados são definidos em detalhes no capítulo 22; aqui, o Senhor se concentra

em sua idolatria (v. 9a-ll). Como os pecados de Jerusalém excederam

os dessas nações, o Senhor iria humilhá-la publicamente à vista das


I 266 I Introdução aos profetas

nações (v. 8). O Senhor iria infligir punição sem precedentes sobre a cidade

(v. 9b), levando as nações a zombarem dela (v. 14-15). Ele mandaria a fome,

fazendo com que seus residentes famintos recorressem a práticas canibais

(v. 10,16). Animais selvagens, incapazes de achar comida em seus habitats,

invadiriam a cidade e caçariam crianças (v. 17). Os juízos delineados neste

capítulo lembram as maldições da aliança ameaçadas em Levítico 26 (cf. v.

10 com Lv 26.29; v. 12 com Lv 26.23; v. 14 com Lv 26.31; v. 17 com Lv

26.22).14 Uma vez que as maldições fossem implementadas, a ira do Senhor

da aliança diminuiria (v. 13).

Profecias de juízo (6.1-7.27)

Os capítulos 6-1 contêm duas profecias de juízo que reiteram a mensagem

resumida nas lições objeto dos capítulos 4-5. Cada uma delas é

introduzida por uma declaração com a fórmula: “Veio a mim a palavra do

S e n h o r ” . O foco do primeiro discurso (cap. 6 ) é o juízo de Deus sobre os

centros de adoração idólatra no país. O segundo discurso (cap. 7) descreve

a devastação que acompanharia o dia do Senhor.

A desolação dos lugares altos (6.1-14)

O povo de Judá montou centros de adoração para seus deuses estrangeiros

por todo o país. Aqui o Senhor anunciou que ele destruiria esses

“lugares altos”, que eram plataformas elevadas contendo altares de sacrifício

(6.1-3). Ele ia quebrar os altares em pedaços, entulhar os lugares com

os corpos dos adoradores e espalhar os restos nos altares (v. 4-6,13). O

povo seria obrigado a reconhecer que ele é o Senhor (v. 7; veja também os

v. 10,13-14). Embora o juízo fosse ser devastador (v. 11-14), o Senhor pouparia

um remanescente (v. 8). Espalhados pelas nações, eles iriam recobrar

os sentidos, lembrar-se do Senhor e lamentar profundamente seus pecados

passados (v. 9). Eles também seriam obrigados a reconhecer o Senhor, que

não faz ameaças vãs ao confrontar a rebeldia de seu povo (v. 10).

A expressão “saberão que eu sou o Se n h o r ” ocorre com frequência em

Ezequiel, indicando que é um tema especialmente importante na mensagem

do profeta.15 Qual o significado de Javé ser reconhecido? O nome Javé

(que quer dizer “ele é”, ou “ele será”) originalmente destacava o fato de

que ele estaria com seu povo como seu libertador e protetor (Êx 3.12-15).

Em Êxodo, a expressão “saberão que eu sou Javé” é utilizada em contex­

14 Para um quadro que mostra os paralelos temáticos e verbais entre Levítico 26 e Ezequiel 4-6, veja

Allen, Ezekiel 1-19, 94.

15 Além das ocorrências no capítulo 6, veja 7.4,27; 11.10,12; 12.15-16,20; 13.14,21,23; 14.8; 15.7;

16.62; 20.38,42,44; 22.16; 24.27; 25.5,7,11,17; 26.6; 28.22-23,26; 29.9,21; 30.8,19,25-26; 32.15;

33.29; 34.27; 35.4,9,15; 36.11,38; 37.6,13; 38.23; 39.6,28.


E zequiel | 267 |

tos que destacam o compromisso de Javé com seu povo (6.7; 29.46) e seu

poder soberano, o que o habilita a libertá-lo e protegê-lo (7.17; 10.2; 16.12).

O uso subsequente (fora de Ezequiel) destaca os mesmos temas (Dt 29.6;

lRs 20.13,28; Is 49.23; J1 3.17). Nos tempos de Ezequiel, o povo tinha

esquecido quem era Javé e tinha lhe virado as costas. Apesar do fato de

Javé ter lhe resgatado da escravidão e estabelecido uma aliançá com ele, o

povo tinha se voltado para outros deuses, presumivelmente por causa dos

benefícios que acreditava que esses outros deuses pudessem lhe conceder.

Os judeus tinham de ser lembrados que era somente Javé que merecia sua

adoração exclusiva, pois era somente Javé que possuía o poder soberano

de satisfazer suas necessidades. Por meio do juízo e libertação no final, o

povo de Deus seria lembrado que Javé era seu Senhor da aliança, aquele

que tinha o destino deles em suas mãos.16 Eles seriam obrigados a perceber

que o Deus de Moisés ainda estava vivo, prometendo bênçãos em troca de

obediência, mas também implementando as maldições da aliança contra

aqueles que rejeitaram sua autoridade.

O devastador dia do Senhor (7.1-27)

O Senhor anunciou a Israel que o “fim” tinha chegado e que o juízo era

iminente (7.1-3a,5-7). Ele castigaria com exatidão, em medida justa, sem

espaço para misericórdia (v. 3b-4a,8-9a). Na conclusão do juízo, o povo

seria forçado a reconhecer a autoridade e o poder do Senhor (v. 4b,9b; veja

6.7-14).17 Utilizando a metáfora de uma planta, o Senhor explicou que a

injustiça e o orgulho do povo estavam prestes a florescer na calamidade do

juízo (v. 10-11).18 As atividades normais da vida, como comprar e vender

terra, seriam permanentemente interrompidas (v. 12-13). Embora os vigias

soassem as trombetas, sinalizando uma batalha iminente, não haveria defesa

(v. 14). Aqueles fora da cidade seriam cortados pela espada, enquanto a

doença e a fome matariam aqueles dentro dos muros (v. 15). Quaisquer

16 Embora seja o juízo que provoque esse reconhecimento, quando o Senhor livra seu povo também

faz com que o seu povo reconheça que ele é Javé. Veja 16.62; 20.38,42,44; 28.26; 29.21; 34.27;

36.11,38; 37.6,13; 39.28.

17 Nos versículos 3-4a,6b,8-9a, dirigidos à “terra de Israel” (v. 2), os pronomes da segunda pessoa

estão no feminino singular ( ’a d a m a h , “terra”, é palavra feminina em hebraico), mas, nos versículos

4b e 9b (“você saberá”), utiliza-se uma segunda forma masculina plural, indicando que o povo é

o destinatário.

18 No versículo 10, o texto tradicional hebraico diz “a vara brotou”, mas isso não faz sentido. Se

mantivermos o texto, então o termo m atteh deve ser entendido como uma referência ao caule ou ao

galho de uma planta (veja sua utilização em Ez 19.11-14). Entretanto, muitos preferem revocalizar o

m atteh hebraico, “a vara”, para m utteh, “dobra, perversão [da lei], injustiça”, um termo que aparece

em 9.9. A forma corrigida se encaixa no paralelismo poético (observe “arrogância” na linha seguinte, e

“violência” no v. 1 la). A leitura de “vara” no versículo 10 deve ter surgido sob influência do versículo

11, em que a palavra “vara” aparece como metáfora de juízo.


| 268 [ Introdução aos profetas

sobreviventes fugiriam para os montes, chorando seu destino como pombos

(v. 16). O medo paralisaria as pessoas que não poderiam fazer nada, a não

ser vestir seus panos de saco e chorar sua derrocada (v. 17-18).

No “dia da ira do S e n h o r ” , suas joias de prata e ouro, utilizadas para

fazer ídolos, não teriam nenhum uso (v. 19-20). Eles olhariam para as riquezas

que antes valorizavam, como se fossem panos de menstruação sangrentos,

pútridos (a referência mais precisa do termo nidah, traduzido na NIV

como “coisa imunda”). O Senhor entregaria suas riquezas aos invasores

estrangeiros, que chegariam a profanar o templo do Senhor (v. 21-22). O

povo tinha poluído a nação com um banho de sangue; agora, o Senhor os

entregaria a estrangeiros para que pudessem experimentar o mesmo tipo de

violência desenfreada que tinham usado contra os pobres e necessitados (v.

23-24). À medida que o juízo se aproximava, eles se desesperariam para

tentar se esquivar do inevitável (v. 25). Mas os profetas não tinham visões

encorajadoras, os sacerdotes não ofereciam orientação moral e os líderes

civis não tinham nenhuma estratégia (v. 26). Um sentimento de fatalismo

dominava todos, desde o rei até as pessoas comuns (v. 27a). O Senhor lhes

daria o que mereciam, demonstrando, mais uma vez, sua autoridade e seu

poder soberanos como Senhor da aliança (v. 27b).

O Senhor deixa a cidade (8.1-11.25)

Ezequiel recebeu uma visão do Senhor em setembro de 592 a.C.,

enquanto estava sentado em sua casa na presença dos “anciãos de Judá”,

provavelmente uma referência àqueles que tinham assumido um papel de

liderança entre os exilados.19 Transportado a Jerusalém em sua visão, ele

viu idolatria sendo praticada no templo (cap. 8) e depois testemunhou a

partida da glória de Deus do templo e da cidade (caps. 9-11).

Idolatria no tem plo (8.1-18)

Ezequiel viu novamente a figura de fogo que havia encontrado em sua

visão inaugural (8.1-2; veja 1.26-27). De acordo com 1.28, essa figura era

uma manifestação da glória do Senhor (veja também 8.4). Ele agarrou

Ezequiel pelo cabelo, e o Espírito (2.2; 3.12,14) levou o profeta até Jerusalém

(v. 3 a). Lá, no portão norte do pátio interno do templo, ele viu uma

imagem, chamada “imagem dos ciúmes, que provoca o ciúme” (v. 3b,5).

O termo traduzido por “imagem” (em hebraico, sem el) também aparece

em 2Crônicas 33.7,15, em que se refere a um ídolo que Manassés pôs no

templo, provavelmente a Aserá entalhada em poste-ídolo, mencionada em

2Reis 21.7. De acordo com2Crônicas 33.15, Josias removeu essa imagem

19 O “sexto ano”, em 8.1, refere-se ao sexto ano do exílio de Joaquim. Veja 1.2.


Ezequiel 1269 |

do templo e lançou-a fora da cidade, mas, em 592 a.C., ela pode ter ressurgido

na área do templo.

O Senhor convidou Ezequiel a olhar para as “práticas repugnantes” que

estavam acontecendo lá e também deu notícia de que essa atividade idólatra

o obrigaria a deixar seu próprio santuário (v. 6). O Senhor, então, conduziu

Ezequiel para mais perto da entrada, onde pôde ver um buraco na parede

(v. 7). De acordo com as instruções do Senhor, Ezequiel cavocou a parede,

encontrou uma porta e entrou no pátio interno (v. 8-9). Ele viu, inscritas nas

paredes, imagens “de toda forma de répteis e de animais abomináveis e de

todos os ídolos da casa de Israel” (v. 10). Os 70 anciãos de Israel ofereciam

incenso aos falsos deuses representados pelas imagens (v. 11). Esses líderes

estavam convencidos de que o Senhor não via seus atos, porque acreditavam

que ele já tinha abandonado a terra (v. 12).

Mas Ezequiel ainda não tinha visto o pior (v. 13,15). O Senhor o trouxe

para fora, no portão norte do pátio do templo, onde ele viu mulheres chorando

por Tamuz, deus mesopotâmio cujo banimento para o submundo foi

lamentado por seus devotos (v. 14).20 De volta ao pátio interno, Ezequiel

viu 25 homens voltados para leste e se curvando para o sol (v. 16; cf. 2Rs

23.5). A adoração ao Sol era disseminada no antigo Oriente Próximo e tinha

raízes fortes em Canaã.21 No pensamento israelita, o Sol era um membro

da “hoste dos céus”, vista como a assembleia celestial do Senhor (compare

Dt 4.19; 17.3; 2Rs 23.5 com lRs 22.19). Isso pode explicar por que esses

homens podiam adorar o Sol no templo do Senhor. A explicação de Day é

a seguinte: “O Sol seria, dessa forma, considerado parte da hoste dos céus,

subordinado a Javé. Assim, pode-se argumentar que a adoração ao Sol no

templo de Javé teria sido vista por aqueles que participaram dela como -

por assim dizer —‘parte do pacote’, assim como os católicos consideram a

veneração [não adoração] a Maria compatível com a adoração a Cristo.”22

A idolatria não era a única ofensa de Judá. A violência e a injustiça

social também assolavam a terra (v. 17). Ao adorar ídolos, o povo tinha

desobedecido o primeiro e o segundo mandamentos do decálogo (Êx 20.3-

5) e violado o espírito da ordem, em Deuteronômio 6.5, de amar o Senhor.

Ao oprimir os pobres, eles tinham violado o mandamento ensinado em

Levítico 19.18 de amar o próximo como a si mesmo. De acordo com Jesus,

20 Veja Ringgren, Helmer, Religions o f the AncientNear East, J. Sturdy (org.) (Filadélfia: Westminster,

1973), 64-66; Greenberg, Ezekiel 1-20, 171; e Block, Ezekiel Chapters 1-24, 294-96.

21 Ringgren, Religions o f the Ancient Near East, 57-59, e Day, John, Yahweh and the Gods and

Goddesses o f Canaan (Sheffield: Sheffield Academic, 2000), 152-54. Alguns argumentam que Javé era,

na verdade, equiparado ao Sol no pensamento pagão de então. Para um resumo e refutação dessa visão,

veja Day, 156-61.

22 Day, Yahweh and the Gods and Goddesses, 158.


| 270 I Introdução aos profetas

a essência da lei de Moisés podia ser resumida nesses dois mandamentos

(Mt 22.36-40). Judá, assim, tinha rompido a aliança em seu nível mais fundamental.

Por essa razão o juízo era inevitável (v. 18).

A referência ao povo “chegando o ramo ao seu nariz” (v. 17b) tem confundido

os intérpretes. Baseados em evidências de esculturas na Mesopotâmia,

alguns sugerem que o gesto era um ritual associado à adoração de

deuses pagãos, mas o significado da ação continua incerto.23

A partida da glória de Deus (9.1-11.25)

O Senhor chamou “os guardas da cidade”, cada um dos quais tinha

uma arma na mão (9.1). No versículo 2, eles são chamados simplesmente

de “seis homens” e são acompanhados por outro homem, vestido de linho,

com um estojo na mão. Suas vestes de linho podem sugerir um papel de

sacerdote (Lv 6.10; 16.4), mas o linho também é usado por mensageiros

angelicais na literatura das visões (Dn 10.5; 12.6-7). De qualquer forma,

sua tarefa principal parece ser a de um escriba. Quanto aos “guardas da

cidade”, eles são, muito provavelmente, militares angelicais responsáveis

por supervisionar o juízo de Deus sobre Jerusalém. O termo utilizado para

descrevê-los no versículo 1 é usado em outras passagens para aqueles que

têm a responsabilidade de supervisionar uma tarefa (Nm 3.2; 2Cr 24.11;

Is 60.17; Ez 44.11).

Enquanto eles se perfilavam junto ao altar de bronze (v. 2b; veja lRs

8.64; 2Rs 16.14), a glória do Senhor se levantou do trono e foi para a entrada

do templo (v. 3a). De acordo com alguns intérpretes, o versículo 3 descreve

como a glória do Senhor deixou a parte mais sagrada do templo. Nesse

caso, os querubins são ornamentais dentro do templo, e a ação do Senhor

mostra que ele está pronto para abandonar seu templo, assim como ele tinha

indicado que o faria (8.6). Entretanto, há um problema com essa leitura. O

versículo 3a diz, literalmente: “A glória do Deus de Israel se levantou do

querubim”. A forma singular “querubim” é problemática porque havia dois

querubins no local santíssimo.24

Mais provavelmente, o que está em vista aqui é o trono-carruagem descrito

no capítulo 1. No capítulo 10, os seres viventes que seguram e transportam

o trono são chamados querubins (veja, especialmente, 10.15,20,

que igualam os seres viventes aos querubins). Em 10.4, ficamos sabendo,

23 Para uma discussão da evidência, veja Allen, Ezekiel 1-19, 145-46; Block, Ezekiel Chapters 1-24,

299; e Greenberg, Ezekiel 1-20, 173. Greenberg duvida que o gesto deva ser associado à adoração pagã

no versículo 17, porque a primeira metade do versículo trata de injustiça social, não de idolatria.

24 Allen (Ezekiel 1-19, 122, 147-48) traduz a forma singular “estrutura-querubim” e a vê como

uma referência a uma “entidade única, abrangente”, a saber, o “querubim do templo”, que forma uma

“estrutura única”.


Ezequiel | 2711

como em 9.3, que a glória de Deus subiu do “querubim” e foi para a

entrada do templo. É claro que é problemático identificar o querubim com

os seres viventes/querubins do capítulo 10, uma vez que havia quatro seres

viventes. No entanto, uma leitura atenta de 10.2,7 parece resolver esse

problema. Em 10.2, o Senhor instrui o escriba de linho a ir até debaixo

do “querubim” (singular, e não plural, como traduzido na NIV) e pegar

brasas dentre os querubins (plural). No versículo 7, “o querubim” (e não

“um dos querubins”, como traduzido na NIV) estende a mão, pega o fogo

que está entre os querubins (plural) e o entrega ao escriba. Os dois textos

parecem indicar que havia outro querubim em uma posição central abaixo

do trono, além dos quatro querubins próximos das rodas (10.9). Talvez o

salmo 18.10 (veja também 2Sm 22.11) tenha influenciado a descrição, pois

mostra o Senhor cavalgando “o querubim” (singular, contrário à tradução

da NIV, que traduz “querubins” nos dois textos), que é visto com forma de

ave e equiparado ao vento (observe “asas do vento”, na linha paralela).25

Para resumir, a glória do Senhor foi transportada por quatro seres viventes/

querubins, que ocupavam posições próximas às quatro rodas da carruagem.

Diretamente abaixo da carruagem havia outro querubim (chamado

de “o querubim” em 9.3 e em 10.2,4,7). Em 9.3, a glória do Senhor, que

estava em um trono sobre o querubim (cf. 1.26-27; 10.1), moveu-se de sua

posição diretamente sobre o querubim central para a entrada do templo.

Aparentemente, depois de o Senhor retomar ao seu trono, a sua glória fez

o mesmo movimento, em 10.4.

Dessa posição na entrada do templo, o Senhor instruiu o escriba a ir por

toda a cidade e colocar uma marca especial na testa daqueles que lamentavam

pelas práticas idólatras que aconteciam na cidade (v. 3b-4). A palavra

traduzida como “marca” é, em hebraico, tahv, o nome da última letra do

alfabeto hebraico, que, na época de Ezequiel, tinha a forma de um “X”, ou

de uma cruz. O Senhor disse aos outros seis que seguissem o escriba pela

cidade e matassem impiedosamente todos, independentemente de idade ou

sexo, que não tivessem a marca na testa (v. 5-6a). Como ordenado pelo

Senhor, eles começaram matando os idosos que estavam diante do templo

e aqueles que estavam adorando dentro dele (v. 6b-7). Entulhando o templo

com cadáveres, eles o profanaram, tomando-o impróprio para a adoração.

Dali, saíram pela cidade e continuaram a executar seus habitantes (v. 7b).

A visão desse banho de sangue foi demais para Ezequiel. Ele caiu diante

do Senhor e perguntou se ele pretendia eliminar toda a população (v. 8). O

Senhor defendeu suas ações, lembrando ao seu profeta que o próprio povo

25 Como em Ezequiel 10.2, carvões em brasa são associados com a teofania divina no salmo

18.8/2Samuel 22.9.


I 272 I Introdução aos profetas

tinha manchado a terra com o sangue derramado de inocentes, e, portanto,

esse juízo não era mais do que adequado (v. 9-10). Quando o Senhor terminou

de falar, o escriba retomou e anunciou que tinha desempenhado a

ordem do Senhor (v. 11). Essa aparente interrupção do diálogo de Ezequiel

com o Senhor deve ter lembrado ao profeta a ordem anterior que o Senhor

dera ao escriba. Ele devia marcar todas as pessoas justas, para que elas fossem

poupadas. O juízo, embora impiedoso e severo, era, ao mesmo tempo,

discriminatório. Alguns seriam poupados.

Nesse ponto, Ezequiel viu o trono de safira que havia visto em sua visão

inaugural (10.1; cf. 1.26). Como antes, ele repousava em uma plataforma

transparente suportada por quatro seres viventes (cf. 1.22), agora chamados

de querubins (veja os v. 15,20, que especificamente igualam os seres viventes

do capítulo 1 a esses querubins). De acordo com Freedman e 0 ’Connor, o

termo “querubim” (plural “querubins”) é “um termo técnico para uma classe

de seres híbridos” que “parecem-se com aves, bípedes e quadrúpedes”.26

O Senhor instrui o homem de linho (o escriba mencionado no cap. 9)

a ir para um ponto debaixo do “querubim” (veja meus comentários anteriores

sobre 9.3) entre as rodas. Aqui ele encontraria brasas ardentes, que

ele devia espalhar pela cidade, simbolizando sua destruição (v. 2, veja Gn

19.24; SI 11.6; 140.10).

Quando o querubim estava no lado sul do templo, uma nuvem que

simbolizava a presença gloriosa do Senhor preencheu o pátio interno do

templo, assim como tinha feito quando Salomão dedicou a estrutura (v.

3; veja lRs 8.10-11). Como Niehaus observa, a cena é “tristemente irônica”.

Nos tempos de Salomão, o Senhor veio abençoar seu povo com sua

presença, mas agora ele retiraria sua presença e abandonaria seu povo à

maldição do juízo.27

Mais uma vez, a glória do Senhor levantou de seu trono-carruagem diretamente

sobre “o querubim” e se moveu para a entrada do templo (v. 4a;

veja 9.3). O brilho de sua glória encheu o santuário (v. 4b; veja 1.27-28). Ao

mesmo tempo, o querubim batia as asas, fazendo um som alto como a voz

poderosa de Deus (v. 5; veja 1.24). Obedecendo a ordem do Senhor (v. 2),

o homem de linho foi para baixo da carruagem e ficou sob uma roda (v. 6).

“O querubim” (veja 9.3; 10.2,4) imediatamente abaixo da carruagem deu a

ele uma de suas brasas ardentes (v. 7-8).

Ezequiel descreve novamente a aparência e o movimento das rodas

(v. 9-11, 13; veja 1.16-18) e nos conta com o que se pareciam os querubins

(v. 12,14,21-22; veja 1.5-14). Essa descrição dos querubins não

26 Freedman e 0 ’Connor, TDOT 7:318.

27 Niehaus, God at Sinai, 275.


E zequiel ( 273 |

é tão detalhada quanto a primeira, mas nos oferece uma nova informação.

Descobrimos agora que os querubins, como as rodas, são cheios de

olhos. A descrição no versículo 14 também difere da primeira visão em

um aspecto. De acordo com 1.10, os querubins tinham o rosto de um

homem, de um leão, de um boi e de uma águia, mas em 10.14 eles têm

o rosto de um querubim, de um homem, de um leão e de uma águia.28

Alguns comentaristas sugerem que um erro de escrita tenha ocorrido ou

que um querubim tinha, normalmente, o rosto de um boi. Entretanto, é

difícil ver como os termos em hebraico para “boi” (shor) e “querubim”

(.kerub) possam ser confundidos, e não há provas de que o rosto de um

querubim seja tipicamente o mesmo de um boi. Ao contrário, a evidência

bíblica sugere que o rosto de um querubim era híbrido.

De repente, os querubins se levantam. Enquanto faziam isso, as rodas

da carruagem se moviam com eles (v. 16-17). A glória do Senhor deixou

a entrada do templo e assumiu uma posição acima dos querubins (v. 18).

Aparentemente eles voltaram ao chão próximo ao portão leste do templo,

pois o versículo 19 os descreve mais uma vez elevando-se da terra.

O vento levantou Ezequiel mais uma vez e o transportou ao portão leste

do templo (11.1a; veja 3.12,14; 8.3). Lá ele viu os 25 adoradores do Sol

que tinha visto antes, no pátio interno (v. lb, cf. 8.16). O Senhor os acusou

de fazerem planos perversos (v. 2). Para provar sua tese, o Senhor cita suas

próprias palavras no versículo 3, mas, infelizmente, o significado preciso de

suas declarações não é totalmente claro. Alguns traduzem a primeira parte

da declaração como uma pergunta retórica, sugerindo que eles se sentem

seguros dentro da cidade e que esperam alívio da ameaça inimiga. Entretanto,

não há nada no texto hebraico que exija que isso seja uma pergunta.

O texto é mais bem entendido como uma declaração descritiva. “Não está

próximo o tempo de construir casas” talvez sugira que a política apropriada

fosse a de fortalecer as defesas da cidade. Outra opção é a de que a declaração

implique que não há necessidade de construir casas porque já tinham

tomado as casas daqueles que tinham sido exilados e porque tinham roubado

as casas dos outros (v. 6).29

A declaração metafórica no versículo 3b provavelmente expressa sua

alta opinião de si mesmos. Eles pensavam que eram carne na panela,

enquanto as partes ruins já tinham ido para o exílio (cf. o v. 15). Eles falavam

como se fossem especiais, mas o Senhor conhecia seus pensamentos

28 O versículo 14, que é omitido na Septuaginta, apresenta problemas textuais difíceis. Para uma

discussão intensiva das questões envolvidas, veja Allen, Ezekiel 1-19, 125-26, que sugere que o

problema é redacional e textual. O problema é complicado pelo fato de 10.22 dizer que as faces do

querubim tinham a mesma aparência que os seres viventes descritos no capítulo 1.

29 Veja Greenberg, Ezekiel 1-20, 187; Allen, Ezekiel 1-19, 160.


)274l Introdução aos profetas

perversos (v. 4-5) e tinha consciência de seus feitos assassinos (v. 6). No

que tocava ao Senhor, os corpos de suas vítimas eram a carne na panela

(Jerusalém), e ele levaria os assassinos para fora da cidade, onde seriam

cortados pela espada do inimigo (v. 7-10). Deus não os via como especiais.

Para usar suas próprias palavras, eles não seriam a “carne” (grupo

especial) na “panela” (Jerusalém) (v. 11a). Eles tinham violado a lei do

Senhor e pagariam caro por isso (v. 1 lb -12).

Enquanto Ezequiel permanecia em um transe profético, Pelatias, filho

de Benaías, um dos 25 homens descritos anteriormente e um dos líderes

do povo (v. 1), morreu (v. 13a).30 Embora Pelatias fosse idólatra, sua morte

teve um impacto negativo sobre o profeta, que, mais uma vez, perguntou

se o Senhor pretendia eliminar “os restantes de Israel” (v. 13b; veja 9.8).

Como o nome Pelatias significa “o Senhor salva”, talvez Ezequiel tenha

visto sua morte como uma previsão irônica e ruim.31

O Senhor respondeu ao lamento de Ezequiel com palavras de estímulo.

Ele apontou a comunidade exílica como a esperança futura da nação. Os

que estavam em Jerusalém humilhavam os exilados, pensando que eles, e

não os exilados, eram herdeiros da terra prometida (v. 14-15). Eles aparentemente

pensavam ter uma vantagem sobre os exilados por causa de seu

acesso ao templo. O Senhor tinha, de fato, espalhado os exilados entre as

nações, mas ele não os tinha abandonado (v. 16a). Seria um “santuário”

para eles, mesmo nos países estrangeiros onde viviam (v. 16b). A metáfora

indica que não é preciso estar em Jerusalém para ter acesso à presença de

Deus. Deus não estava confinado ao seu templo e podia revelar sua presença

a quem quer que desejasse, independentemente de onde estivesse vivendo.

Além disso, o Senhor um dia iria restaurar os exilados na Terra Prometida

(v. 17), remover todos os ídolos da terra e transformar seus corações e

mentes, permitindo-lhes dar a ele sua lealdade inteira (v. 18-19). O “coração”

é visto aqui como morada da vontade. Na época, eles tinham um “coração

de pedra”, quer dizer, um coração morto (cf. ISm 25.37), uma imagem

que sugere que eles eram teimosos e indiferentes. Mas o Senhor lhes daria

um “coração de carne”, isto é, um coração vivo, pulsante, uma imagem que

sugere vida, reatividade. Com a transformação de sua natureza interior, o

povo do Senhor obedeceria os seus mandamentos e experimentaria o antigo

30 Presume-se que Ezequiel tenha visto isso em sua visão. A declaração “ora, enquanto eu estava

profetizando”, no versículo 13, não significa necessariamente que Ezequiel estivesse relacionando sua

visão com os exilados de uma maneira formal. Ele não o faz até o final da visão (v. 24—25). “Profetizar”,

aqui, é estar em um transe profético (ISm 10.11; 19.20). HALOT, 2:659, destaca que o termo hebraico

“não quer dizer apenas falar”, porque diversas passagens em Ezequiel têm a expressão “profetizou e

disse”, que distingue profetizar do discurso formal (21.9,28; 30.2; 34.2; 36.1,3,6; 37.4,9,12; 38.14; 39.1).

31 Veja Allen, Ezekiel 1-19, 163.


Ezequiel | 275 |

ideal da aliança, expresso na declaração “eles serão o meu povo, e eu serei

o seu Deus” (v. 20; cf. Ex 6.7). Em contraposição, os idólatras que viviam

na terra conheceriam o juízo que mereciam (v. 21).

O Senhor tinha anunciado que iria deixar seu santuário (8.6) e se tornar

um santuário para os exilados (11.16). A glória do Senhor já tinha se

mudado da entrada do templo para o portão leste do templo (10.18-19).

Agora, a mesma glória deixa Jerusalém e sobrevoa o monte das Oliveiras,

a leste da cidade (v. 22-23). O texto não descreve a saída do Senhor da

área, embora se possa presumir isso, à luz da declaração no versículo 16

e do retrato feito por Isaías do Senhor voltando a Jerusalém com seu povo

exilado (Is 40.1-11). Neste ponto, termina a visão de Ezequiel, e o vento

o leva de volta à Babilônia, onde ele conta aos exilados tudo que tinha

visto (v. 24-25).

Encenando a queda de Jerusalém (12.1-20)

O Senhor lembrou a Ezequiel que seus companheiros exilados eram um

povo rebelde que se recusava a ver e ouvir a verdade (v. 1-2; veja 2.5-8; 3.4-

9). Eles precisavam de lições práticas vividas para compreender o objeto da

mensagem profética. Eles pensavam que Jerusalém seria liberta e que eles

logo voltariam para casa. Essa noção errada tinha de ser corrigida. O Senhor

disse para Ezequiel fazer as malas como um exilado faria e para trazê-las

para fora de casa. Aí, à noite, ele devia pegar seus pertences e andar como

se estivesse indo para o exílio (v. 3-4). Quando o povo estivesse vendo isso,

ele devia cavar um buraco no muro da cidade (provavelmente um muro

de barro esteja em questão) e passar por ele com sua bagagem. Enquanto

fizesse isso, devia cobrir seu rosto para que não visse a terra (v. 5-6). Ezequiel

fez como tinha sido instruído (v. 7).

Sabendo que o povo perguntaria a Ezequiel sobre o significado de suas

ações, o Senhor explicou ao profeta o que significavam (v. 8-9). As ações

de Ezequiel eram um “sinal”, ou uma lição objeto, do que aconteceria em

Jerusalém (v. 10-lla; veja o v. 6b). O povo seria levado para o exílio e espalhado

entre as nações (v. 11b,15). Somente alguns seriam poupados (v. 16).

O príncipe de Jerusalém (provavelmente uma referência ao rei Zedequias)

tentaria fugir da cidade durante o cerco babilônio (2Rs 25.4). Enquanto

fizesse isso, ele cobriria seu rosto, talvez para se disfarçar ou para expressar

sua vergonha e sua dor (cf. 2Sm 19.4) (v. 12). Mas o Senhor o prenderia e

o enviaria para o exílio babilônico (v. 13a; veja 2Rs 25.5a,7). O príncipe

perderia a visão (2Rs 25.7) e morreria no exílio, enquanto seus servos e

suas tropas seriam caçados (v. 13b-14; 2Rs 25.5b).

Outra lição objeto estava a caminho. Ezequiel devia tremer enquanto

comia, como se estivesse com medo de alguma coisa (v. 17-18). Da


I 276 I Introdução aos profetas

mesma forma, o povo que morava em Jerusalém comeria com medo, percebendo

que sua terra tinha sido arrasada e transformada em uma ruína

desolada (v. 19-20).

Mensagens sobre a profecia e sobre profetas (12.21-14.11)

Em Israel, havia um ditado popular que refletia o cinismo do povo: “O

tempo passa e as profecias dão em nada” (v. 21-22). Isso pode se referir à

profecia em geral, inclusive às mensagens de esperança dos falsos profetas

e às mensagens de juízo de profetas como Jeremias e Ezequiel, mas o

contexto a seguir sugere que apenas as últimas estavam em foco.32 O povo

aceitava as mensagens dos falsos profetas como verdadeiras (cap. 13), mas

se opunha aos verdadeiros profetas de Deus. O Senhor poria um fim nisso.

Logo, as verdadeiras profecias, avisos de juízo, aconteceriam, e os falsos

profetas seriam expostos (v. 23-24). Muitos do povo pensavam que as profecias

de condenação se aplicavam a um tempo muito distante (v. 26-27),

mas o Senhor anunciaria suas intenções e, então, faria com que acontecessem

imediatamente (v. 25,28).

O Senhor deu a Ezequiel uma mensagem para os falsos profetas que

estavam sonhando profecias (13.1-2). Sua condenação era certa (observe

“ai”), pois esses falsos profetas tinham a audácia de falar em nome do

Senhor quando ele não tinha revelado sua palavra a eles (v. 3,6-7). A interjeição

“ah!”, às vezes traduzida como “ai”, era um grito de lamento ouvido

em funerais (lRs 13.30; Jr 22.18-19; Am 5.16). Com o uso dela aqui, o

Senhor sugere que o enterro dos falsos profetas era iminente. Eles eram

como carniceiros rondando as ruínas da cidade, explorando a situação em

seu próprio benefício (v. 4). Eles não apresentavam nenhuma solução verdadeira

para as dores da cidade (v. 5), porque tinham falseado a situação,

prometendo a paz (v. 10a), e tinham falhado ao não confrontar o povo com

seu pecado. Era como se tivessem construído um muro fraco e, depois,

pintado para disfarçar sua fraqueza (v. 10b). O Senhor se opunha a esses

profetas e os excluiria da comunidade da aliança (v. 8-9). A chuva do juízo

divino lavaria o cal e o vento poderoso de sua ira derrubaria seu muro. O

muro cairia e destruiria quem o construiu (v. 11-16).

Também havia mulheres entre os que profetizavam para viver (v. 19).

Elas punham amuletos feitos em casa em seus pulsos e véus sobre sua

cabeça para compor o figurino (v. 18). Elas também prometiam paz e, ao

fazer isso, desencorajavam os que tinham se arrependido e estimulavam os

pecadores a persistirem em suas práticas do mal (v. 22). O Senhor se opôs

a esses profetas e anunciou que sua condenação era certa (v. 17-18; observe

32 Veja Greenberg, Ezekiel 1—20, 230.


Ezequiel | 277 |

“ai”, no v. 18). O Senhor libertaria seu povo dos feitiços desses adivinhadores

(v. 20-21,23).

Alguns profetas cooperavam com idólatras, mas Ezequiel não devia

ter nada a ver com esses rebeldes. Em 14.1, o profeta conta como alguns

“anciãos de Israel” dentre a comunidade exílica vieram visitá-lo. Eles pareciam

buscar orientação ou garantia sobre algum plano ou esforço divino.

Entretanto, o Senhor revelou a Ezequiel que esses homens não eram adoradores

puros de Deus. Na verdade, eles eram sincretistas, que tentavam

adorar o Senhor ao mesmo tempo em que adoravam outros deuses-ídolos

(v. 2-3). O Senhor se recusava a tolerar esse tipo de compromisso. Ele disse

a Ezequiel que os alertasse das conseqüências da idolatria e os chamasse

ao arrependimento (v. 4-6).33 Esses idólatras não receberiam a previsão que

pediram, mas uma “resposta” do Senhor na forma de severo juízo (v. 7-8).

O versículo 9 parece descrever uma situação em que o Senhor incita um

profeta a cooperar com esses idólatras e depois dá-lhes o juízo por sua desobediência.

Mas por que Deus iria incitar alguém ao pecado e, depois, responsabilizá-lo

pelo malfeito? O que se deve pensar disso? A forma verbal

(piteti), no versículo 9, é normalmente traduzida como um pretérito, “eu

enganei” (ou “seduzi”). Nesse caso, o Senhor parece estar dizendo que ele

realmente está por trás da sedução mencionada na primeira metade do versículo.

Se deixarmos outros textos que mencionam sedução divina nos instruírem,

é possível que essa enganação do profeta seja uma forma de juízo

divino sobre um pecado cometido. Como os idólatras que vêm a ele, ele

tem um espírito de compromisso. Em vez de denunciar sua idolatria, como

o Senhor o instruiu a fazer (v. 4-6), Ezequiel deseja, por alguma razão, dar-

-lhes um oráculo (isso pressupõe que o profeta reconhece os idólatras como

tais). Nesse caso, o Senhor vai enganar o profeta ao dar-lhe um oráculo

e, depois, dar-lhe juízo por proclamá-lo. Se esse cenário estiver correto,

então a enganação divina vista aqui, como em outros textos, é um aspecto

do juízo de Deus sobre um pecado cometido. Quando um profeta tem um

compromisso espiritual e quer dar uma espiada no abismo do sincretismo,

o Senhor vai seduzi-lo a se inclinar demais e, então, vai empurrá-lo com o

resto da multidão que está tão enamorada da idolatria.34

Entretanto, essa não é a única opção de compreensão desse verbo. Com

base no paralelismo gramatical nos versículos 4b e 7b-8, Allen defende

33 Greenberg (Ezekiel 1-20, 250) alega que a morte prematura é a punição de que se fala. Talvez “a

resposta” consista de um anúncio profético de juízo seguido pelo cumprimento da palavra divina.

34 Greenberg (Ezekiel 1-20, 254) parece interpretar a passagem dessa forma. Ele escreve: “Nossa

passagem atribui o erro de um profeta em responder à má orientação divina. A obtusidade dos israelitas,

incluindo os profetas, é condenável, e Deus castiga corrompendo a fonte da inspiração, levando

inquisidor e inquirido igualmente à destruição”.


] 278 1 Introdução aos profetas

uma tradução no tempo futuro: “Eu lhe mostrarei que está enganado”.35

Nesse caso, o Senhor não está enganando o profeta. Ao contrário, ele está

mostrando, por meio do juízo, que o profeta iludia a si mesmo. Talvez fosse

até melhor traduzir: “Eu vou enganar esse profeta”. Nesse caso, o engano

no versículo 9a é distinto do engano divino na segunda metade do versículo.

Quando um profeta é seduzido a se comprometer com idólatras, o

Senhor vai enganá-lo como parte de seu juízo. A repetição do verbo “enganar”

(traduzido como “seduzir” na NIV) destaca a natureza apropriada do

castigo. Quando esses idólatras e profetas cooptados forem punidos por

Deus, o povo saberá, rejeitará seu pecado e voltará para o Senhor (v. 10-11).

A condenação de Jerusalém é certa (14.12-23)

A próxima mensagem do Senhor enfatiza a inevitabilidade do juízo por

vir. Uma vez que o Senhor se decida a punir um país infiel por seus pecados,

ninguém pode impedi-lo de levar seu plano a cabo (v. 12-20). Mesmo se

homens santos estivessem na terra, o Senhor não pouparia a nação pecadora

por causa deles. Ele pouparia a vida dos santos, mas todos os outros iriam

morrer, inclusive os filhos dos santos.

Para tomar essa questão mais robusta, o Senhor usou três homens como

exemplos - Noé, Daniel e Jó (v. 14, 10). Uma vez que Noé e Jó eram personagens

não israelitas do passado distante, alguns consideram a referência

a Daniel problemática. Afinal, Daniel foi levado para o exílio em 605 a.C.

e ainda era um jovem na época da profecia de Ezequiel. Ao fim de sua

vida, ele tinha se tomado um paradigma de santidade, mas imagina-se se

ele tinha estabelecido essa reputação tão cedo. E possível que a referência

a Daniel seja uma adição de um escriba posterior, datando do período pós-

-exílico. Na história apócrifa de Susana, Daniel aparece como um juiz sábio

cuja perspicácia salva a heroína falsamente acusada da morte.

Outra proposta é que o Daniel mencionado aqui não seja o Daniel

do exílio judeu, mas o Daniel da lenda cananeia.36 Este (cujo nome é, às

vezes, escrito Danei) é um personagem importante da lenda ugarítica de

Aqhat, que o mostra como um governante justo que se preocupa com as

necessidades de viúvas e órfãos.37 Esse mesmo indivíduo pode ser mencionado

em Ezequiel 28.3, que parece supor que o governante de Tiro

sabia quem ele era.38 Essa visão tem a vantagem de fazer dos três indiví­

35 Veja Allen, Ezekiel 1-19, 187, 193, 207-8.

36 Veja Zimmerli, Walther, Ezekiel I, Clements, R. E. (trad.), Hermeneia (Filadélfia: Fortress, 1979),

314-15.

37 Veja Gibson, Canaanite Myths andLegends, 103-22.

38 Devemos observar que o nome que aparece em Ezequiel 14.14,20; 28.3 é soletrado no texto

hebraico de forma ligeiramente diferente do nome do Daniel histórico do exílio.


E zequiel | 279 |

duos mencionados em Ezequiel 14.14 não israelitas. No entanto, diferente

de Noé e Jó, esse Daniel não é mencionado em nenhuma outra parte na

Bíblia, embora um Daniel seja mencionado no intertestamental Livro dos

Jubileus (4.20), como tio e sogro de Enoque.39 Não está claro se existe

alguma relação entre o Daniel dos Jubileus e o Daniel da lenda cananeia.

Aprincipal objeção à identificação do Daniel de Ezequiel (14.14,20) com

o Daniel cananeu é que este último é retratado na lenda de Aqhat como

um adorador politeísta de Baal.40

O princípio delineado nos versículos 12-20 se aplicava, obviamente, a

Jerusalém (v. 21). O Senhor tinha soltado quatro instrumentos de juízo contra

ela - a espada (cf. v. 17), a fome (cf. v. 13), as feras (cf. v. 15) e a peste (cf.

v. 19). Contrariamente ao que se podia esperar, alguns dos filhos e filhas da

cidade seriam poupados (v. 22a; compare com os v. 16,18,20). No entanto,

isso não é positivo, como poderia parecer inicialmente. Quando esses sobreviventes

chegassem à comunidade exílica e os exilados vissem seu comportamento

pecador, eles se convenceriam de que o juízo de Deus sobre a

cidade tinha sido justo e seriam consolados em algum nível (v. 22b-23).

Parábolas sobre o futuro: galhos inúteis (15.1-8)

Para esclarecer a mensagem anterior (a queda de Jerusalém é inevitável),

o Senhor deu ao profeta uma parábola. Ele arrazoou que uma videira é

inferior às árvores da floresta (15.1-2). A madeira das árvores maiores pode

ter uma finalidade útil, mas os galhos de uma videira, não (v. 3). Estes só

são úteis como gravetos para acender o fogo. Além disso, uma vez queimados

e carbonizados, são mais inúteis do que antes (v. 4-5). Aos olhos de

Deus, o povo infiel de Jerusalém tinha se tomado inútil como os galhos de

uma videira. Então ele os descartou e os queimou no fogo do juízo (v. 6).

Alguns sobreviveram à primeira onda de juízo, mas o Senhor os lançaria de

volta às chamas e desolaria a terra (v. 7-8).

Uma esposa infiel (16.1-63)

A próxima parábola confronta Jerusalém com seu pecado de forma contundente

(16.1-2). A história de Jerusalém é reencenada, começando com

seu nascimento ignominioso. A cidade nasceu na terra dos cananeus de

um pai amorreu e uma mãe heteia (v. 3). A parábola reflete o fato de que

39 Veja Charlesworth, James (org.), The Old Testament Pseudepigrapha, 2 vols. (Garden City, N. Y.:

Doubleday, 1983-1985), 2:62.

40 E possível que, como Taylor sugere (Ezekiel, 129), “essas tradições hebraicas que não sobreviveram

incorporaram matéria centrada em um personagem de mesmo nome e caráter semelhante ao Daniel

ugarítico”. Para objeções à identificação do Daniel de Ezequiel com o Daniel ugarítico e uma defesa da

visão tradicional, veja Block, Ezekiel Chapters 1-24, 448-49.


280 | Introdução aos profetas

Jerusalém, antes de sua conquista por Davi, vivia sob controle da população

cananeia nativa (Js 10.5; 15.63; Jz 1.21; 2Sm 5.6). A propensão aos

ídolos registrada mais tarde (v. 15-22) tem raízes em suas origens pagãs.

No início, Jerusalém não era uma cidade importante. O Senhor a comparou

a um bebê que é imediatamente lançado em um campo e abandonado

por seus pais (v. 4-5). Mas o Senhor apareceu e teve pena dela, enquanto

se revolvia em seu sangue. Sustentou-a até que crescesse e virasse uma

bela mulher, mas ela estava nua e precisava de roupas (v. 6-7). Essa parte

da parábola parece se referir ao crescimento da cidade em importância no

período pré-israelita. Depois que Jerusalém cresceu, o Senhor a deixou

de lado de novo. Ele percebeu que ela estava pronta para se casar, então

desposou-a e fez uma aliança de casamento com ela (v. 8). Limpou-a, deu-

-lhe belas roupas e joias e deu-lhe boa comida (v. 9-13). Sua fama se espalhou

por todas as nações (v. 14). Essa parte da alegoria se refere ao período

davídico-salomônico, quando Jerusalém se tomou a capital do reino unido

e a localização do templo do Senhor.

Mas aqui a história dá uma virada trágica. Jerusalém começou a flertar

com todo homem e se tomou uma prostituta (v. 15). Ela construiu estruturas

especiais para sua atividade ilícita (v. 16). Ela usava suas joias - dadas por

Deus - para fazer ídolos, e a comida - dada por Deus - para oferecer incenso

a eles (v. 17-19). Para completar, ela pegou os filhos que tinha tido com o

Senhor e os sacrificou aos seus ídolos (v. 20-21). Enquanto fazia essas coisas,

ela esqueceu que o Senhor tinha salvado sua vida (v. 22). Se isso não

fosse o bastante, ela se virou para as nações vizinhas e lhes ofereceu favores

sexuais (v. 23-26). O Senhor a disciplinou, dando parte de seu território

aos filisteus (v. 27), mas isso não a dissuadiu, pois concedeu favores aos

assírios e aos babilônios (v. 28-29). Ela era pior do que uma prostituta, pois

se dava aos amantes de graça (v. 30-31). Na verdade, ela desdenhou seu

marido e pagou aos seus clientes para que tivessem sexo com ela (v. 32-34).

Essa parte da parábola traça a história de Jerusalém da era de Salomão ao

tempo de Ezequiel. Ela se concentra na idolatria da cidade e nas alianças

estrangeiras que seus reis fizeram com diversas nações. Embora frequentemente

arquitetadas para proteger os interesses de Judá, essas alianças eram

um sintoma da falta de fé da nação na capacidade do Senhor de protegê-la

e sustentá-la. Elas inevitavelmente enfraqueceram a nação, drenando sua

riqueza e deixando-a mais dependente das potências estrangeiras, que só se

preocupavam com seus interesses.

O tempo de acerto com Jerusalém tinha chegado. Conquanto o Senhor a

tivesse disciplinado no passado (v. 27), mais medidas drásticas eram necessárias

agora. O Senhor iria humilhá-la à vista de seus amantes (v. 35-37).

Ela seria despida em público, a pena apropriada para uma adúltera. Como


Ezequiel j 2811

tinha derramado o sangue de seus próprios filhos (v. 20-21), seria executada

como assassina (v. 38). Ironicamente, o Senhor indicaria seus amantes

como seus carrascos. Eles iriam derrubar seus altares, despi-la de suas roupas

e joias e cortá-la em pedaços com suas espadas (v. 38-40). Sua prostituição

chegaria ao fim e a ira ciumenta do Senhor seria aquietada (v. 41-42).

O castigo, embora severo, era justo (v. 43a).

Os que refletissem sobre a derrocada de Jerusalém citariam o provérbio:

“Tal mãe, tal filha” (v. 43b-44). Ainda que sua vida tivesse sido poupada

pelo Senhor, ela voltou às práticas pagãs e idólatras de sua mãe

heteia (v. 45; veja o v. 3).41 A Jerusalém paganizada da época de Ezequiel

se parecia mais com a cidade cananeia pré-israelita do que com a Jerusalém

dos tempos de Davi.

O Senhor também descreve Jerusalém como tendo duas irmãs, Samaria

e Sodoma, que compartilhavam seu caráter imoral (v. 45-46). Jerusalém

copiou o comportamento imoral de suas irmãs e logo as superou (v.

47-48). Sodoma e suas filhas tinham sido orgulhosas, autoconfiantes e sem

preocupações com os pobres (v. 49).42 Seu comportamento abominável

levou o Senhor a destruí-la (v. 50). A palavra traduzida como “coisas que

eu detesto”, no versículo 50, muito provavelmente se refere à sua perversidade

sexual. O termo é utilizado em Levítico 18.26-27,29, no final de um

capítulo que relaciona todos os tipos de ato sexual perverso. Especificamente

o pecado do comportamento homossexual está em pauta (observe a

utilização do termo em Lv 18.22 e 20.13). Samaria, irmã de Jerusalém ao

norte, “não cometeu metade dos pecados” que Jerusalém cometera (v. 51a).

Na verdade, Jerusalém era tão pecadora que fez Samaria e Sodoma “parecerem

justas” em comparação (v. 51b-52). Se Deus restaurasse a sorte de

Jerusalém, era justo que também restaurasse a de Sodoma e Samaria (v. 53).

Quando Jerusalém visse suas irmãs restauradas e entendesse o princípio de

justiça de que necessitava, perceberia como tinha sido pecadora e sentiria

vergonha por seus pecados passados (v. 54-55). Jerusalém tinha se considerado

moralmente superior a Sodoma, tanto assim que nunca sequer falava o

nome de Sodoma (v. 56). Mas agora os edomitas e os filisteus, nenhum dos

quais era paradigma de comportamento moral, olhavam para Jerusalém da

mesma maneira altaneira (v. 57-58).

A conclusão da profecia dá uma virada para melhor. O Senhor foi forçado

a castigar Jerusalém na forma merecida porque ela havia rompido

41 O versículo 45 diz que a mãe heteia de Jerusalém desprezou seu marido (identificado como amorita,

nos v. 3,45) e seus filhos. A realidade além disso é incerta. A declaração pode ter apenas finalidade

dramática.

42 “Filhas” de Sodoma (v. 49) eram as cidades próximas de Gomorra, Admá, Zeboim e as outras

cidades da planície. Compare Gênesis 19.24-25 com Gênesis 14.8 e Oseias 11.8.


( 282 | Introdução aos profetas

a aliança com ele (v. 59; veja o v .8). No entanto, o Senhor se lembraria

da promessa que lhe fez quando ela era jovem e estabeleceria uma nova

e duradoura aliança com ela (v. 60). Embora sua promessa anterior não

incluísse soberania sobre Samaria e Sodoma, o Senhor lhe daria essas cidades

como súditas (“filhas”) (v. 61). Quando o Senhor renovasse sua aliança

com ela, Jerusalém o reconheceria como Javé, aquele que está presente com

seu povo para libertá-lo, protegê-lo e abençoá-lo (v. 62; veja meus comentários

anteriores sobre o cap. 6). O Senhor absolveria seus pecados, mas ela

teria tanta vergonha de suas obras passadas que ficaria sem palavras (v. 63).

Como se deve interpretar as referências à restauração de Samaria e

Sodoma neste capítulo? Quando Jerusalém foi restaurada após o exílio

babilônio, essa profecia não se cumpriu. Além disso, o desaparecimento

dos exilados do reino do norte e a amarga aniquilação de Sodoma impedem

uma interpretação literal que veja as duas cidades sendo restauradas no final

à sua condição original (como mostra o v. 55). É muito melhor procurar um

cumprimento essencial. A questão principal parece ser que a disposição de

Deus de restaurar Jerusalém, apesar da magnitude de seu pecado, oferece

esperança para outras nações pecadoras, mesmo aquelas que violam seus

padrões morais de forma descarada.

Águias e uma videira (17.1-24)

Ezequiel viu, a seguir, uma grande águia mergulhar no Líbano e levar

uma ponta de um cedro (v. 1-3). Ela o levou a uma “terra de mercadores”

e plantou-o em uma “cidade de negociantes” (v. 4). Essa águia-agricultora,

então, pegou algumas sementes da terra de Israel e plantou em terreno fértil,

em um local bem aguado, onde cresceu e se tomou uma videira saudável,

que produzia ramos e novos brotos. Os ramos cresciam na direção da águia

(v. 5-6). Mas, então, outra águia apareceu, e os galhos da videira se voltaram

em sua direção (v. 7-8). O Senhor fez uma série de perguntas retóricas

que deixaram claro que a videira seria arrancada e seu fruto, destruído.

Mesmo se fosse transplantada, secaria ao vento quente do leste (v. 9-10).

Os versículos 11-21 explicam o sentido da parábola. A primeira águia

era Nabucodonosor, rei da Babilônia, que desceu sobre o Líbano (aqui igual

a Jerusalém) e levou Joaquim e a nobreza (o ramo do cedro) para o exílio (a

terra/cidade dos negociantes) (v. 11-12, cf. os v. 3-4). Nabucodonosor fez

um tratado com Zedequias, que governou um reino enfraquecido (a videira)

(v. 13-14, cf. 5-6). Mas depois Zedequias se voltou para o Egito em busca

de socorro e mudou sua lealdade para o Faraó (de nome Ofra) (v. 15a; cf.

7-8), uma política que se provaria desastrosa para Zedequias e Jerusalém

(v. 15b-21; cf. 9-10). Quando Zedequias fez seu juramento de lealdade a

Nabucodonosor, o nome do Senhor foi invocado como garantia do tratado


Ezequiel | 283 |

(veja 2Cr 36.13). Consequentemente, quando rompeu seu juramento a

Nabucodonosor, Zedequias, com efeito, rompeu um trato com Deus. O

Senhor o castigaria severamente por sua infidelidade (v. 19-20).43

A parábola parece terminar com uma nota sombria, mas outra parábola

dá à profecia um final feliz. Usando as imagens dos versículos 3-4, o

Senhor anuncia que pegaria um ramo alto de um cedro e o plantaria não em

uma terra de negociantes, mas em uma montanha alta, que, aqui, simboliza

a terra de Israel (v. 22-23a). Cresceria um cedro alto e daria abrigo aos pássaros

(v. 23b). Nesse momento, todas as árvores da floresta reconheceriam

que o Senhor derruba as árvores altas e faz com que as árvores pequenas

cresçam. Ele seca a árvore verde e faz a árvore seca florescer (v. 24).

Nenhuma explicação é dada para essa parábola, mas o significado

parece claro. O Senhor, e não Nabucodonosor, era o soberano sobre seu

povo. Em contraste com Joaquim, o ramo de cedro levado para o exílio

(v. 3-4,12), o Senhor levantaria um governante davídico ideal. Seu reinado

se estenderia sobre muitas nações (simbolizadas pelos pássaros),

cujos povos encontrariam proteção como seus súditos. Os reis das nações

(simbolizados pelas árvores do campo, nanicas diante do poderoso cedro

de Deus) reconheceriam a soberania do Senhor sobre o mundo e sua capacidade

de levantar e destruir reinos.

Cada indivíduo é responsável (18.1-32)

Os exilados gostavam de citar um provérbio popular que sugeria que

estavam sofrendo injustamente as conseqüências dos pecados de seus pais

(18.1-2; veja Jr 31.29).44 O Senhor negava, destacando que considera que

cada indivíduo é responsável por seus próprios pecados (v. 3-4). O Senhor

ilustrou a questão com uma série de estudos de caso que tratam de situações

hipotéticas. Suponha que exista um homem justo que obedeça a lei

do Senhor (v. 5). Ele não adora ídolos, não comete pecados sexuais, não

trapaceia nem rouba. Ao contrário, paga suas dívidas, é generoso com os

pobres e tenta ser justo em tudo que faz (v. 6-8). Este homem vai viver (v.

9). Mas suponha que ele tenha um filho que mate, adore ídolos, cometa

adultério, oprima os pobres e roube (v. 10,13a). Este homem vai morrer por

seus pecados (v. 13b). Agora suponha que esse pecador tenha um filho que

repudie o estilo de vida pecador de seu pai e siga o exemplo santo de seu

43 Para essa explicação do juramento e da aliança no versículo 19, veja Allen (Ezekiel 1-19, 259),

que alega, convincentemente, que o juramento e a aliança do versículo 19 têm de ser equiparados ao

juramento e à aliança dos versículos 16 e 18. Veja também Zimmerli, Ezekiel 1, 365, e Block, Ezekiel

Chapters 1-24, 547.

44 O grupo que citava o provérbio era a comunidade exílica. Veja Joyce, Divine Initiative andHuman

Response in Ezekiel, 43, 55-56.


| 284 | Introdução aos profetas

avô (v. 14-17a). O neto não será castigado pelos pecados de seu pai, mas

viverá porque é obediente ao Senhor (v. 17b). As ilustrações mostram que o

Senhor lida com seu povo individualmente, baseado em seu próprio caráter

moral, não no de seu pai ou no de seu filho (v. 18-20).

Contudo, isso não quer dizer que os ímpios não têm esperança. Se um

ímpio repudia seu pecado e se volta para o Senhor, o Senhor poupa sua vida

(v. 21-22).45 Por um lado, o Senhor não tem prazer na morte dos ímpios, se

agrada quando eles se arrependem e pode perdoá-los (v. 23). Por outro, um

justo tem de manter seu estilo de vida justo. Se ele se afastar de Deus e se

tomar ímpio, morrerá (v. 24).

Onde os exilados se encaixam nessa imagem? Embora tenham acusado

o Senhor de ser injusto, eram eles os culpados de injustiça (v. 25,29).

Como as ilustrações anteriores deixam claro, o Senhor operava de acordo

com um princípio claro: os justos vivem e os ímpios morrem (v. 26-28).

Os israelitas correspondem ao filho ímpio que precisava se arrepender

(v. 30). Eles não eram simples vítimas do juízo de Deus sobre seus pais.

Também eram pecadores e precisavam ter responsabilidade por seus atos.

Deus, em sua graça, não os destruiu juntamente com seus pais. Ele tinha

lhes dado a oportunidade de se arrepender de sua perversidade e fazer o

que era certo. Eles precisavam deixar o pecado e exibir uma mudança de

atitude (v. 31). O Senhor não queria que morressem, mas que se arrependessem

e vivessem (v. 32).

Como reconciliar esta passagem, que enfatiza a responsabilidade

individual, com os muitos textos que ilustram o princípio da responsabilidade

corporativa? O Senhor alertou seus inimigos que seu pecado teria

conseqüências negativas para suas famílias durante toda a sua existência

(Ex 20.5; 34.7; Nm 14.18). Os filhos inocentes de Datã, Abirão e Acã

morreram juntamente com seus pais pecadores (Nm 16.27,32; Js 7.24),

e Davi, com a aprovação do Senhor, permitiu aos gibeonitas executarem

os sete filhos de Saul por causa dos crimes de seu pai contra essa cidade

(2Sm 21.1-9,14). O Senhor também tirou a vida de quatro dos filhos de

Davi por causa do pecado deste contra Urias (2Sm 12.5-6,10; cf. 12.14-

15; 13.28-29; 18.155; lRs 2.25). Alguns sugerem que há duas visões

concorrentes no antigo Israel (responsabilidade individual e responsabilidade

corporativa), enquanto outros propõem que Ezequiel 18 rejeita

o conceito corporativo e o substitui por uma nova política divina. Uma

45 A esse respeito, Zimmerli (Ezekiel 1, 387) observa: “Qualquer fatalismo que enxergue as balanças

pesadas demais pela carga de pecados antigos é partido pelo chamado para entrar pela porta aberta

da vida. Qualquer enfadonha ‘doutrina de retribuição aos justos’ é rompida por meio dessa liberdade

inédita de Deus para prometer vida, que, por si só, penetra na experiência de toda pessoa culpada e

rebelde.”


Ezequiel | 285 |

solução melhor é manter os dois princípios em equilíbrio. Os dois são

verdadeiros, e nenhum deles deve ser elevado a um status de verdade

universal de forma que o outro seja cancelado. Filhos conhecem os efeitos

dos pecados dos pais. Deus chega a castigar os filhos por causa dos

pecados dos pais em ocasiões em que considera esse castigo cabível.

Porém, nem sempre esse é o caso. Frequentemente, como no caso da

geração exílica do tempo de Ezequiel, os filhos têm a oportunidade de

obedecer ou desobedecer o Senhor. Nesse caso, eles podem ter certeza

que Deus vai avaliá-los com base em suas próprias obras, não nas de seus

pais. A esse respeito, Kaminsky conclui: “Embora Ezequiel 18 esteja

desafiando certas ideias de retribuição individualizada, esta passagem

não sinaliza uma evolução de antigas preocupações corporativas para

novas preocupações individualizadas. Uma vez que a teologia da retribuição

divina encontrada em Ezequiel 18 não é uma declaração doutrinária

sistemática sobre como Deus opera sempre, não se deve lê-la como

uma rejeição absoluta do modelo antigo, mais corporativo, de retribuição

divina. Ao contrário, deve-se vê-la como a apresentação de uma nova

visão que tenta desafiar e qualificar as antigas ideias corporativas. Em

última análise, os dois conceitos funcionam de maneira complementar,

não contraditória”.46

Um lamento pelos príncipes de Israel (19.1-14)

O Senhor deu um lamento para Ezequiel recitar aos príncipes (i.e., reis)

de Israel (19.1). O lamento contém duas parábolas. Na primeira parábola,

uma grande leoa é mostrada como a “mãe” do destinatário da mensagem,

presumivelmente um dos príncipes mencionados no cabeçalho do lamento

(v. 2).47 O candidato mais provável é Zedequias, rei de Judá na época em

que Ezequiel profetizava.48 A identidade da leoa é incerta, mas as imagens

utilizadas nos versículos 10-14 sugerem que ela representa a dinastia davídica

(veja a discussão a seguir).49

A grande leoa tinha filhotes, um dos quais cresceu e virou um leão forte

e ganhou reputação entre as nações antes de ser preso e levado para o Egito

(v. 3-4). O leão representa o rei Jeoacaz, que sucedeu Josias. Ele governou

por apenas três meses antes de o Faraó Neco capturá-lo e levá-lo para o

exílio (2Rs 23.31-33).

46 Kaminsky, Joel, Corporate Responsibility in the Hebrew Bible (Sheffield: Sheffield Academic

Press, 1995), 177-78. Veja também Joyce, Divine Initiative and Human Response in Ezekiel, 79-87.

47 O pronome em segunda pessoa que modifica “mãe” (v. 2,10) está no masculino singular em

hebraico, indicando que a mensagem é para um indivíduo, não para os príncipes como um grupo.

48 Zedequias é mencionado como um “príncipe” (em hebraico, nasi’) em 12.10,12 e 21.25.

49 Veja Zimmerli, Ezekiel 1, 393-94.


| 286 1 Introdução aos profetas

A leoa ficou desapontada, então pegou outro de seus filhotes e fez com

que ficasse forte (v. 5). Ele era um leão cheio de vícios que aterrorizava

o povo (v. 6-7). Mas as nações o atacaram, prenderam-no com uma rede

e o levaram ao rei da Babilônia, que o colocou na prisão e silenciou seu

rugido de terror (v. 8-9). A identidade desse leão é discutida. Um candidato

óbvio é Jeoaquim, sucessor de Jeoacaz.50 Seu reinado (608-598

a.C.) foi caracterizado por injustiça social e políticas opressoras (Jr 22.13-

17). Essas ações podem ser a realidade subjacente às imagens do leão

que ruge, cheio de vícios, de Ezequiel 19.6-7. Embora Jeremias o tivesse

ameaçado com morte e funeral desonrosos (Jr 22.18-19; 36.30), vemos

em 2Reis 24.6 que ele “dormiu com seus pais” e, em 2Crônicas 36.6,

como Nabucodonosor o colocou a ferros com a intenção de levá-lo para a

Babilônia (Ez 19.9). Alguns sugerem que Joaquim, que governou apenas

três meses antes de ser levado para o exílio babilônico (2Rs 24.8-15), é o

leão nesse caso, mas seu breve reinado não satisfaz as imagens dos versículos

6-7, assim como as proezas cruéis de Jeoaquim. Outros identificam

o segundo leão como Zedequias, conquanto o texto pareça descrever um

evento (como a queda de Jeoaquim ou Joaquim) que já tinha ocorrido. Se

esse lamento, como as passagens ao seu redor, data de 592-591 a.C., então

o exílio de Zedequias ainda aconteceria no futuro (8.1; 20.1).51 Contudo,

como Allen ressalta, no gênero de lamentações, eventos no futuro podem

ser descritos no passado.52 Assim como Jeoaquim, Zedequias era culpado

de injustiça social (Jr 34.8-16).

Na segunda parábola, a mãe do destinatário é comparada a uma videira

bem regada e fértil (v. 10). Seus ramos eram tão fortes que podiam ser

usados como cetro de governantes (v. 11a). As imagens aqui sugerem que

a videira seja uma fonte de realeza e aponta para a dinastia davídica como

a realidade subjacente. A videira cresceu e tinha muitos galhos (v. 11b).

Esta é, provavelmente, uma alusão à importância da dinastia davídica e ao

tamanho da casa real. Mas, de repente, foi arrancada, e um vento do leste a

ressecou, símbolo dos babilônios (v. 12; veja 17.10). Foi transplantada para

um deserto quente (v. 13, símbolo da Babilônia, onde Joaquim já era mantido

prisioneiro), mas um incêndio destruiu seus frutos e seus galhos fortes

(v. 14). A figura de linguagem descreve com habilidade a queda da dinastia

davídica e antecipa a queda de Zedequias.

50 Veja Block, Ezekiel Chapters 1-24, 604-7.

51 Os que consideram que a leoa do v. 2 seja Hamutal, esposa de Josias e mãe de Jeoacaz (o leão

dos v. 3-4), preferem ver Zedequias como referente, pois ele era irmão pleno de Jeoacaz (veja 2Rs

23.31; 24.18), enquanto Jeoaquim era apenas meio-irmâo (2Rs 23.36). Joaquim era filho de Jeoaquim

(2Rs 24.6).

52 Allen, Ezekiel 1-19, 288.


E zequiel | 287 |

Passado, presente e futuro (20.1-44)

Em agosto de 591 a.C., alguns líderes da comunidade exílica vieram a

Ezequiel para inquirir o Senhor, talvez para ver se eles voltariam logo à sua

terra natal (v. I).53 Entretanto, o Senhor se recusou a cooperar com eles (v.

2-3). Em vez disso, ele diz a Ezequiel para confrontá-los com sua história

e herança de pecado (v. 4). Quando o Senhor escolheu Israel para ser seu

povo da aliança, prometeu libertá-lo da escravidão no Egito e dar-lhe uma

terra fértil como morada (v. 5-6). Ele também exigiu lealdade e ordenou

que o povo se desfizesse dos ídolos no Egito (v. 7), mas este se recusou a

fazê-lo (v. 8a; o Pentateuco não contém referência à idolatria do povo no

Egito, mas em Js 24.14 parece haver uma alusão a essas práticas). O Senhor

estava furioso e queria dar-lhes o juízo, mas decidiu libertá-los em nome de

sua reputação (v. 8b-9).

O Senhor os guiou pelo deserto, onde lhes deu a sua lei (v. 10-11). Isso

incluía os regulamentos do sábado, que deviam servir como um lembrete

(ou sinal), de que ele os tinha escolhido para ser o seu povo especial, da

aliança (v. 12; veja Ex 31.13). Mas, enquanto ainda estava no deserto, o

povo violou sua lei e profanou o sábado (v. 13a). Mais uma vez, o Senhor

ficou tentado a destruí-lo, mas, em nome de sua reputação, temperou o juízo

com misericórdia (v. 13b-14). Os adultos não tiveram sua entrada permitida

na Terra Prometida, mas o Senhor não aniquilou a comunidade (v. 15-17).

Ele deu à nova geração uma oportunidade de viver à altura de seu ideal. Ele

a instou a repudiar os ídolos de seus pais, a obedecer a lei divina e a guardar

o sábado (v. 18-20). Contudo, os filhos se rebelaram no deserto, causando

a ira de Deus (v. 21). Mais uma vez, o Senhor segurou o juízo em nome de

sua reputação (v. 22), mas fez um juramento no deserto de que os espalharia

entre as nações (v. 23-24).

O Pentateuco parece não saber nada sobre esse episódio, mas a tradição

refletida nos versículos 23-24 pode estar por trás do salmo 106.26-27. Talvez

a melhor maneira de harmonizar os versículos 23-24 com o material

do Pentateuco seja entender que o juramento mencionado é condicional e

associar o juízo do exílio ameaçado às maldições da aliança de Levítico

28.36-37.54 Mas o versículo 24 parece indicar que a ameaça do versículo

23 é baseada em ações passadas ocorridas no deserto (v. 18-21), não em

erros futuros.

Além de anunciar o exílio futuro dessa geração desobediente, o Senhor

também lhe deu leis ruins e a profanou por meio do sacrifício de crianças

(v. 25-26). A tradução da NIV atenua o impacto desses versículos, disfarçando

53 Veja Allen, Leslie C., Ezekiel 20-48, WBC (Dallas: Word, 1990), 9.

54 Para exemplos de um juramento condicional, veja Deuteronômio 28.9 e Jeremias 22.5.


288 ) Introdução aos profetas

os verbos principais: “eu lhes dei” e “deixei que se tomassem impuros”. O

texto hebraico diz apenas “dei” e “sujei-os”, respectivamente. O texto parece

dizer que o próprio Deus foi responsável pela falência moral de Israel, inclusive

pela prática abominável do sacrifício de crianças. O que a passagem

diz e subentende, exatamente? Ao responder a essa pergunta, alguns fazem

distinção entre a vontade moral perfeita de Deus e sua vontade permissiva.

Sua vontade moral, na forma claramente declarada em sua lei, era que Israel

adorasse apenas a ele, guardasse seus mandamentos e repudiasse as práticas

do mundo pagão, incluindo o sacrifício de crianças. Entretanto, quando seu

povo o desobedeceu, ele o deixou com seus desejos de pecado e permitiu

que seguissem costumes e rituais pagãos (cf. Rm 1 para o mesmo tema). De

acordo com essa leitura, os versículos 25-26 se referem à vontade permissiva

de Deus, que existe, em última análise, para trazer o povo de volta à

razão (v. 26b). Nesse caso, o texto utiliza uma linguagem determinista para

enfatizar o controle soberano de Deus sobre o processo e sua intenção ao

deixar Israel seguir suas próprias tendências pecadoras. De fato, às vezes

as palavras da Bíblia hebraica atribuem diretamente a Deus ações que eram

simplesmente permitidas por ele ou mediadas por meio de agentes (veja, por

exemplo, 2Sm 12.8). A NIV parece refletir essa interpretação do texto.

No entanto, há uma alternativa de interpretação. Pode-se interpretar as

palavras do texto de maneira mais direta e entendê-las como a descrição

do juízo direto de Deus, em vez de simplesmente sua vontade permissiva,

como delineado no parágrafo anterior. A Bíblia hebraica às vezes mostra

Deus castigando o pecado, fazendo com que o pecador peque ainda mais.

Por exemplo, seu soberano endurecimento do coração do Faraó fez com

que o rei teimoso desobedecesse a ordem de libertar Israel da escravidão.55

Quando o pecado de Israel provocou sua furia, o Senhor castigou a nação

incitando Davi ao pecado (2Sm 24.1,10).56 Dessa forma, é possível que

o paganismo de Israel, como descrito em Ezequiel 20.25-26, tivesse sido

enviado por Deus como castigo por pecados anteriores.

Apesar de seu pecado, o Senhor deixou que o povo entrasse na Terra

Prometida, onde os judeus prontamente começaram a se envolver em rituais

pagãos (v. 27-29). A geração contemporânea tinha continuado no pecado e

perdido o direito de consultar o Senhor (v. 30-31). Neste momento, descobrimos

a razão da resposta inicial de Deus aos anciãos (v. 1-3).

55 Para uma discussão desta questão, veja Chisholm Jr., Robert B., “Divine Hardening in the Old

Testament”, BSac 153 (1996):410-34.

56 Para uma discussão mais completa desta passagem, veja Chisholm Jr., Robert B., “Does God

Deceive?”, BSac 155 (1998):21 -22. Para outras circunstâncias em que o Senhor faz com que indivíduos

ajam de forma insensata e até pecadora como castigo de pecados antigos, veja ISamuel 2.25; 2Samuel

17.14; IReis 12.15; 2Crônicas 25.20.


Ezequiel | 289 |

Entretanto, o Senhor não os deixou no escuro com relação ao futuro.

Israel queria adorar os ídolos como as outras nações faziam (v. 32a). Utilizando

imagens do êxodo, o Senhor anunciou que iria reunir seu povo exilado

e guiá-lo pelo deserto, onde o submeteria a um juízo purificador (v.

33-38). Como um pastor que conta suas ovelhas quando elas passam por

seu cajado (Lv 27.32), assim também o Senhor contaria aqueles destinados

a voltar à terra natal, enquanto, ao mesmo tempo, peneiraria os rebeldes,

que teriam sua entrada negada.

Israel continuou com a idolatria, mas o Senhor estava determinado a

purificar a nação para que não profanasse mais seu nome santo (v. 39). Um

dia, o povo traria sacrifícios santos ao Senhor em seu monte santo (v. 40).

Ele iria reuni-lo dentre as nações e revelar sua santidade a ele (v. 41). Nesse

momento, o povo lamentaria profundamente seus pecados passados e reconheceria

que Javé é o Deus fiel que perdoa seu povo (v. 42-44).

Fogo e espada (20.45-21.32)

Mais uma vez utilizando uma parábola, o Senhor disse a Ezequiel que

“pregasse contra o Sul e profetizasse contra a floresta do sul” (v. 45-46).

O Senhor estava prestes a mandar um incêndio pela floresta que consumiria

suas árvores, verdes e secas, e queimaria todos os espectadores (v.

47-48). Quando Ezequiel reclamou que o povo estava desconsiderando

as mensagens como meras parábolas (v. 49), o Senhor explicou a ele o

sentido da parábola. A floresta do sul simbolizava a terra de Israel (i.e.,

Judá), especificamente Jerusalém e seu templo (21.1-2). Não fica claro

por que o Senhor fala como se ele e Ezequiel estivessem a norte de Judá

(a Babilônia ficava a leste de Judá), mas, mais tarde no capítulo, o rei da

Babilônia é retratado invadindo a Palestina vindo do norte (v. 20-22).

Talvez o Senhor assuma a perspectiva do rei aqui, quando antecipa o

anúncio da invasão.37 O fogo na visão simboliza a espada do Senhor, que

cortaria a todos, inclusive os justos (as árvores verdes da parábola) e os

impuros (as árvores secas), de norte a sul (v. 3-5).58 Uma vez que, nos

outros pontos de Ezequiel, o juízo de Deus é seletivo (9.4-6; 18.1-20;

veja também o SI 1.6; 11.5) e promete a preservação de um remanescente

(3.21; 6.8; 12.16), esse anúncio é desconcertante. Talvez o Senhor esteja

utilizando aqui uma hipérbole, exagerando o caso para esmagar qualquer

falso otimismo em Jerusalém.59

37 Veja Zimmerli, Ezekiel 1, 423-24.

58 Em outros pontos de Ezequiel, a expressão “eliminar”, utilizada para descrever uma ação realizada

com uma espada, refere-se à morte de pessoas e animais (14.17,21; 25.13; 29.8; 35.7-8).

59 Veja Allen, Ezekiel 20-48, 25-26; Block, Ezekiel Chapters 1-24, 669-70; e Zimmerli, Ezekiel 1,

424-25.


I 290 [ Introdução aos profetas

Ezequiel devia suspirar diante do povo (v. 6). Quando lhe perguntassem

a razão disso, ele devia explicar que estava lamentando a matança iminente

retratada na profecia anterior (v. 7). A espada do Senhor estava polida e

afiada, em preparação para seu trabalho mortal (v. 8-11). Cortaria o povo e

os príncipes de Israel (v. 12-17).

Agora se descobre que a espada empunhada pelo Senhor (v. 3-5,9-17) é

a de Nabucodonosor, rei da Babilônia (v. 18-19a). Quando se aproximasse

pelo norte, ele teria duas opções (v. 19b). Ele podia desviar para a esquerda

e invadir Amom, situada a leste do rio Jordão, ou podia virar para a direita e

atacar Judá e sua capital, Jerusalém (v. 20). Ele buscaria um adivinho antes

de tomar uma decisão, pois acreditava que era por esses meios que se podia

determinar a vontade dos deuses e conhecer o futuro (v. 21a).60 Ele podia

tentar uma variedade de métodos, inclusive tirar setas marcadas de uma

aljava, buscar uma previsão de seus ídolos pessoais e ler o fígado de um

animal sacrificado (v. 21b).61 Os sinais apontariam para Jerusalém, contra

a qual Nabucodonosor montaria um cerco (v. 22). Quando o povo de Judá

ouvisse a notícia, retrucaria, dizendo que a mensagem estava errada, porque

tinha jurado lealdade ao rei da Babilônia (v. 23a, cf. 17.13). Mas o Senhor

contraporia que os judeus tinham rompido seu trato com ele e deviam ser

levados para o exílio (v. 23b, cf. 17.18). E claro, em um nível mais profundo,

eles tinham quebrado a aliança com Deus e precisavam de castigo

(v. 24). Seu “príncipe” impuro (Zedequias) os tinha levado a um caminho

mau, mas ele agora seria humilhado e destronado, como simbolizado pela

retirada de sua coroa (v. 25-26).

Normalmente, compreende-se o versículo 27 como um anúncio de que

a cidade seria completamente devastada até que um indivíduo escolhido

por Deus chegasse para restaurá-la. No entanto, essa interpretação é problemática.

A primeira declaração do versículo 27 diz, literalmente: “Ruína!

Ruína! A ruínas a reduzirei”. O pronome utilizado com o verbo “reduzir” é

feminino no texto hebraico. O antecedente mais próximo é a coroa/diadema

do versículo 26.62 Dessa forma, a declaração provavelmente retrata a coroa

sendo arruinada enquanto é pisoteada (veja o v. 26b). A segunda metade

do versículo 27 é particularmente difícil de decifrar. Ela diz, literalmente:

“Mas isso não acontecerá63 até que venha aquele a quem vou entregar a

60 Para uma discussão útil sobre a adivinhação mesopotâmica, incluindo um estudo da teoria e prática

da leitura de presságios, veja Wilson, Robert R., Prophecy and Society in Ancient Israel (Filadélfia:

Fortress, 1980), 90-110. Veja também Oppenheim, A. Leo, Ancient Mesopotamia, ed. rev. (Chicago:

University of Chicago, 1977), 206-27.

61 O termo traduzido por “ídolo” refere-se a ídolos domésticos (Gn 31.19; ISm 19.13, 16), que eram

utilizados para adivinhação. Sua utilização era proibida pelo Senhor (ISm 15.23; 2Rs 23.24; Os 3.4).

62 Os dois termos em hebraico classificam-se no feminino singular.

63 O verbo é masculino singular e não concorda com o precedente “isso”, que é uma forma neutra.


Ezequiel | 2 9 1 1

cidade”.64 A sintaxe peculiar e difícil toma praticamente impossível chegar

a uma interpretação definitiva. Talvez a parte final da declaração se refira

a Nabucodonosor (cf. 23.24, que diz, literalmente: “Virão contra ti... porei

diante deles o juízo, e julgar-te-ão segundo os seus direitos”.65

Quando o Senhor guiou Nabucodonosor a Jerusalém, e não a Amom

(v. 20-22), e permitiu que os babilônios saqueassem a cidade, os amonitas

comemoraram a queda de Jerusalém e insultaram o povo de Deus (25.3,6).

Entretanto, seus insultos seriam respondidos pela espada do Senhor. A

mesma espada que brilhou em Jemsalém atacaria os amonitas, apesar das

profecias e previsões dos amonitas dizerem o contrário (v. 28-29).

Mas, de repente, vem uma ordem para a espada voltar à bainha (v.

30a). O Senhor, então, profere um juízo contra ela.66 Na terra de origem da

espada, o Senhor executará seu juízo (v. 30b). Ele liberará sua ira contra ela

e a entregará a destruidores brutais (v. 31-32). A espada mencionada aqui

tem de ser a do rei babilônio. Empunhada pelo Senhor no juízo contra Judá

e Amom, ela agora se toma inimiga do Senhor.67

Uma vez que esse é o único ponto em que Ezequiel profetiza a queda

da Babilônia e uma vez que a previsão diz que ela se referia aos amonitas

(v. 28a), alguns interpretam a espada dos versículos 28b-32 como sendo a

dos amonitas.68 Nesse caso, os versículos 28-29 descrevem as intenções

hostis dos amonitas em relação a Judá. Mas, então, Deus ordena que abandonem

seu plano (v. 30a) e anuncia seu castigo (v. 30b-32). Contudo, as

64 O pronome depois do verbo “entregar” está no masculino singular, aparentemente referindo-se ao

substantivo precedente: “juízo, direito legal”.

65 Muitos veem em Ezequiel 21,27b uma alusão a Gênesis 49.10b, que é normalmente traduzido assim:

“Até que venha aquele a quem ele [o cetro mencionado no v. 10a] pertence” e compreendido como uma

antiga, embora cifrada, profecia messiânica. Entretanto, as conexões verbais entre os dois textos são,

na melhor das hipóteses, frouxas. Ezequiel 21.27b (o v. 32b no texto hebraico) diz: ‘ad-bo ’ 'asher-lo

ham m ishpat, “até a vinda daquele a quem se destina o juízo”, enquanto Gênesis 49.10b diz: Kad ki-bo'

shiloh, que tem sido traduzido de diversas maneiras, dependendo de como se interpreta o shiloh cifrado.

Os únicos termos que as duas passagens compartilham são a preposição 'ad, “até”, e o verbo bo \ que

aparece em uma forma infinitiva em Ezequiel 21.27 e em forma imperfeita em Gênesis 49.10. Alguns

corrigem shiloh para shello, “aquele a quem (pertence)”, uma forma que combina o pronome relativo

she- com lo (que é a preposição le- com um sufixo pronominal singular de terceira pessoa). Nesse caso,

a forma se aproximaria da construção ‘asher lo em Ezequiel 21.27, em que a forma mais comum do

pronome relativo é seguida por lo. Entretanto, à luz do paralelismo estrutural, uma leitura mais provável

de Gênesis 49.10 seria shay loh “[até] que o tributo [venha] a ele”. Nesse caso, a construção combina

o substantivo shay, “dádiva, presente”, com l". Veja Wenham, Gordon, Genesis 16-50, WBC (Dallas:

Word, 1994), 478. Em razão de problemas lexicais e gramaticais envolvidos tanto em Ezequiel 21.27

quanto em Gênesis 49.10, a tentativa de vincular os dois textos é pura especulação.

66 As formas verbais e o pronome na segunda pessoa nos versículos 30-32b (veja também o v. 29a)

estão no feminino singular no texto hebraico, indicando que a espada personificada (um substantivo

feminino em hebraico) é o destinatário da mensagem.

67 Veja Allen, Ezekiel 20—48, 28; Block, Ezekiel Chapters 1—24, 695-96; e Zimmerli, Ezekiel 1,

448-49.

68 Veja, por exemplo, Taylor, Ezekiel, 165.


292 1 Introdução aos profetas

ligações lingüísticas próximas entre os versículos 9-10 e 28 sugerem que é

a mesma espada que se menciona nos dois textos. O versículo 20 identifica

essa espada como sendo a do rei da Babilônia, enquanto os versículos 3-5

indicam que ela é empunhada pelo Senhor.

Jerusalém manchada de sangue (22.1-31)

A próxima mensagem de Ezequiel denuncia Jerusalém por sua idolatria

e pelo derramamento de sangue e anuncia o iminente juízo e humilhação

da cidade (22.1-5). Os príncipes (reis; veja o cap. 19) derramavam

sangue inocente, oprimiam os fracos e vulneráveis e profanavam o que

Deus considerava santo, inclusive o sábado (v. 6-8). Em vez de serem os

paladinos da justiça e da moralidade, toleravam a idolatria, a injustiça,

todos os tipos de crime sexual, suborno e práticas econômicas opressoras

(v. 9-12a). Embora ignorassem o Senhor, ele não ignoraria o pecado deles

(v. 12b-14). Ele acabaria com suas práticas ímpias, espalhando-os entre

as nações (v. 15-16).

Para ilustrar a condição moral do povo, o Senhor usou uma metáfora

metalúrgica. Comparou o povo à escória ou à escumalha que sobra na fornalha

depois da refinação da prata (v. 17-18). Por causa de seu pecado descarado,

o povo não tinha nenhum valor. A metáfora muda nos versículos

19-22, quando o Senhor mostra o juízo por vir. O Senhor compara o povo

ao metal bruto que é posto na fornalha para que a escória possa ser separada

do metal puro. A imagem de Deus derretendo o povo enquanto sopra com

o calor intenso de sua ira é uma ilustração competente do juízo severo que

recairá sobre a cidade.

Mais metáforas se seguem. Porque estava contaminada pelo pecado do

povo, a terra era moralmente improdutiva e sem valor, como uma terra que

tivesse sido atacada por uma seca (v. 23-24). Como leões que devoram sua

presa, os príncipes (reis) de Judá roubavam dos pobres e dos desassistidos

(v. 25).69 Os sacerdotes não distinguiam entre o que era ritualmente limpo

(santo) e impuro, nem guardavam o sábado (v. 26). As autoridades, comparadas

a lobos famintos, recorriam à violência e à injustiça para encher seus

bolsos (v. 27). Os profetas caiavam esses malfeitos e davam aos malfeitores

falsa esperança por meio de visões e oráculos que não se originavam no

Senhor (v. 28). Os líderes não eram os únicos infratores: o povo comum da

69 O texto hebraico diz “seus profetas” no versículo 25, mas a Septuaginta tem “seus príncipes”.

Este parece preferível, uma vez que os profetas são mencionados mais adiante (v. 28). Quatro grupos

são mencionados nos versículos 26- 29: os sacerdotes, os oficiais, os profetas e o povo da terra. Uma

referência dupla aos profetas seria estranha, já que nenhum dos outros grupos é mencionado duas

vezes. Uma referência aos príncipes/reis no versículo 25 se encaixaria bem à luz do foco do discurso

anterior (v. 6).


Ezequiel | 293 I

terra era desonesto e explorava os fracos e os desassistidos (v. 29). A comunidade

era como um muro derrubado que precisava desesperadamente ser

consertado. A imagem é agourenta, uma vez que antecipa o que aconteceria

em breve com os muros de Jerusalém. O Senhor procurava alguém que

consertasse o muro e fosse um paladino da justiça e da santidade, mas não

apareceu ninguém (v. 30). Consequentemente, ele foi obrigado a castigá-

-los. Quando derramasse sua fúria sobre eles, eles receberiam exatamente

o que mereciam (v. 31).

Uma parábola de duas irmãs (23.1-49)

O Senhor usou outra longa parábola para ilustrar como seu povo o tinha

abandonado. Esta é a história de duas irmãs, de nome Oolá e Oolibá (v.

2-4). Os dois nomes são derivados da palavra hebraica 'ohel, “tenda”, mas

o significado dos nomes não parece ser importante ou simbólico.70 Na parábola,

Oolá simboliza Samaria, que representa o reino do norte, Israel, e

Oolibá simboliza Jerusalém, que representa o reino do sul, Judá.

Dentro da estrutura da metáfora do casamento que é empregada aqui,

mostra-se o Senhor como tendo duas esposas, as irmãs Israel e Judá (veja

também Jr 3.6-11). Embora o texto não mencione especificamente seu casamento

com o Senhor, a passagem parece assumir isso. A expressão “quando

era minha”, no versículo 5, quer dizer, literalmente, “quando ela estava sob

meu domínio”. Em Números 5.19-20,29, a expressão “sob o seu domínio”

é utilizada para descrever uma mulher sob a autoridade do marido. No versículo

25, é o zelo do Senhor que é provocado pelo pecado de Oolibá, indicando

que ele é mostrado como seu marido. Conquanto a lei proibisse a

um homem desposar duas irmãs (Lv 18.18), não são desconhecidos esses

casamentos na Bíblia (cf. Jacó). O Senhor, aqui, utiliza uma metáfora condicionada

contextualmente para fins ilustrativos. O uso dessa ilustração não

quer dizer que o Senhor perdoe a bigamia.

Quando as irmãs eram duas meninas na terra do Egito, elas se tomaram

prostitutas e ofereciam seus seios a seus amantes (v. 3). A realidade por trás

das imagens é que Israel adorava ídolos enquanto estava no Egito (20.7-9;

Js 24.14). Oolá continuou com sua prostituição, entregando-se aos soldados

assírios (v. 5-8). A realidade subjacente é a vontade de Israel de formar

alianças com a Assíria. O Senhor, ao final, entregou Oolá a seus amantes,

os assírios, que a humilharam publicamente, roubaram seus filhos e depois

a executaram (v. 9-10). O texto se refere à queda de Samaria e ao exílio do

reino do norte, em 722 a.C.

70 Oolá pode significar “sua tenda”; Oolibá pode significar “minha tenda está nela”. A última pode

fazer uma alusão ao fato de que a “tenda” do Senhor (i.e., o templo) ficava em Jerusalém.


294 1 Introdução aos profetas

Oolibá viu tudo isso acontecer, mas ela era mais depravada do que sua

irmã (v. 11). Ela se entregou aos assírios e, depois, aos babilônios (i.e., os

caldeus) (v. 12-17a). Ela se enojou dos babilônios, mas continuou na prostituição,

com o mesmo vigor e luxúria de quando era jovem (v. 17b, 19-21). A

realidade por trás da parábola é a série de alianças que Judá fez com a Assíria,

com a Babilônia e, finalmente, com o Egito. O Senhor deixou Oolibá,

com desgosto (v. 18), e anunciou que a entregaria aos babilônios, de quem

ela se enojara (v. 22). Eles agora a odiavam e a submeteriam à sua própria

versão distorcida de justiça (v. 23-24,28-30). Como agentes da ira do

Senhor, eles iriam mutilá-la, roubar seus filhos e humilhá-la publicamente,

terminando abruptamente suas maneiras adúlteras (v. 25-27).71 Comparando

a desolação do juízo a uma bebida inebriante, o Senhor anuncia que

Oolibá teria de beber do mesmo copo de Oolá, porque, como a irmã, tinha

rejeitado seu marido por uma vida de prostituição (v. 31-35).

O Senhor, então, convida Ezequiel para testemunhar em seu nome (v.

36). Mais uma vez ele expõe seu caso. O foco muda inicialmente das alianças

estrangeiras, o primeiro pecado denunciado nos versículos 1-35, para

a idolatria e seu horror, o sacrifício de crianças. As duas irmãs adoravam

ídolos, a quem sacrificavam seus próprios filhos (v. 37). No mesmo dia em

que ofereciam esses sacrifícios humanos, tinham a audácia de entrar no

templo do Senhor e profaná-lo (v. 38-39). O tema das alianças estrangeiras

volta a mostrar sua face. As irmãs chamaram homens de longe (v. 40a). De

repente, Oolibá se toma o foco, quando o Senhor descreve a forma com

que ela preparava uma cena de sedução para a chegada de seus amantes (v.

40b-41).72 Muitos homens vinham até as irmãs e se deitavam com elas (v.

42-44). No entanto, homens justos, como Ezequiel, iriam reconhecer seu

pecado e sentenciá-las a um castigo justo (v. 45). Como marido ofendido,

o Senhor reúne uma multidão para executá-las, matar seus filhos e queimar

suas casas (v. 46-47). Somente dessa forma drástica ele levaria sua prostituição

ao fim (v. 48-49).

Colocados na panela (24.1-14)

Em 15 de janeiro de 588 a.C., o Senhor disse a Ezequiel para marcar a

data com cuidado, porque nesse dia exato tinha início o cerco babilônio a

Jerusalém (24.1-2). O Senhor, então, deu a Ezequiel outra parábola para

71 O castigo de cortar o nariz e as orelhas é atestado entre os egípcios e os heteus. Veja Zimmerli,

Ezekiel 1, 489.

72 Começando com “você se banhou”, no versículo 40b, o texto utiliza formas pronominais e verbais

no singular, sugerindo que a mensagem é para Oolibá. Veja também “dela”, no versículo 42a. No

versículo 42b, a utilização do plural sinaliza que Oolá voltou à cena. Observe “nas cabeças delas” (na

NVI, “os braços da mulher e da sua irmã” é, no texto hebraico, literalmente, “seus braços”).


E zequiel | 295 |

ser passada ao povo (v. 3 a). Ele disse ao profeta que colocasse uma panela

sobre o fogo, colocasse água nela e a enchesse com peças escolhidas de

carne, ainda nos ossos (v. 3b-4). Depois ele devia avivar o fogo sob a

panela para fazer a panela ferver e cozinhar a carne (v. 5). Esse episódio

culinário foi uma lição objeto do que o Senhor faria com a Jerusalém

sanguinária, que tinha ficado feito uma panela encrustada de ferrugem de

difícil remoção (v. 6a). A carne dentro da panela seria retirada pedaço por

pedaço (v. 6b). Isso parece mostrar o exílio dos habitantes de Jerusalém.

Os líderes opressores dentro da cidade tinham derramado sangue inocente

de forma descarada, e o Senhor não tinha permitido que a prova de seus

crimes fosse encoberta (v. 7-8). Por causa de seus inúmeros malfeitos, a

cidade estava condenada (v. 9a). O Senhor iria - por assim dizer - colocar

um fogo quente sob a panela. Quando Ezequiel avivou o fogo sob sua

panela e cozinhou bem a carne, até que os ossos estivessem torrados, ele

estava prevendo o que aconteceria a Jerusalém (v. 9b-10). A ação profetizada

aqui parece preceder a que é descrita no versículo 6b. Antes que a

carne (a população da cidade) fosse removida (v. 6b, ilustrando o exílio),

ela seria submetida ao calor (v. 9-10, mostrando o sofrimento dos habitantes

da cidade durante o cerco). Uma vez que a carne fosse esvaziada

da panela, Ezequiel devia colocá-la diretamente sobre as brasas e derreter

seus sedimentos, que, até esse momento, tinham ficado, obstinadamente,

apesar das tentativas de removê-los (v. 11-12). Essa lição objeto previa a

fase final do juízo impiedoso de Deus contra a cidade (v. 13-14).

Não chore por uma esposa morta (24.15-27)

A próxima lição objeto seria a mais difícil de todas para Ezequiel

ministrar. O Senhor anunciou que ele subitamente tiraria a vida da esposa

de Ezequiel (v. 15-16a). Mesmo assim, o profeta não teria permissão para

lamentar sua morte na maneira normal ou mesmo verter lágrimas por ela

(v. 16b). Ele poderia fazer seu luto em silêncio, mas não podia seguir

os costumes normais nesses casos (v. 17). À noite, a esposa de Ezequiel

estava morta, e, na manhã seguinte, quando as pessoas viram essa reação

estranha, aparentemente desapaixonada, supuseram corretamente que isso

tinha alguma coisa a ver com elas (v. 18-19). O profeta explicou o significado

de suas ações. Da mesma forma que a esposa de Ezequiel tinha

sido a “delícia” dos “olhos” do profeta (v. 16), assim também o templo de

Jerusalém era a “delícia” do povo de Deus e objeto de sua afeição. Mas

assim como o Senhor tinha tirado a vida da esposa de Ezequiel, assim

também ele profanaria seu próprio templo por meio do juízo e tiraria a

vida dos filhos de Jerusalém, alguns dos quais eram exilados (v. 20-21).

Assim como Ezequiel não lamentou a morte de sua esposa da maneira


I 296 1 Introdução aos profetas

normal, assim também os exilados ficariam tão chocados pela notícia da

queda de Jerusalém que iriam sentar-se em silêncio, incapazes de seguir

os costumes normais de luto (v. 22-27).

Desastre para os vizinhos de Judá (Ez 25-32)

Aproxima seção principal do livro contém previsões de juízo contra as

nações vizinhas. Sete nações são destacadas, começando a leste (Amom,

Moabe, Edom) e depois indo para o oeste (Filístia), o norte (Tiro e Sidom)

e, finalmente, para o sul (Egito). Três oráculos são proferidos contra Tiro;

sete, contra o Egito. Cada uma das sete previsões contra o Egito começa

com a fórmula “veio a mim a palavra do S e n h o r ” . A estrutura em sete

partes sugere completude e encerramento. A seção pode ser esboçada da

seguinte forma:

1. O juízo contra Amom (25.1-7)

2. O juízo contra Moabe (25.8-11)

3. O juízo contra Edom (25.12-14)

4. O juízo contra a Filístia (25.15-17)

5. O juízo contra Tiro (26.1-28.19)

a. A queda de Tiro (26.1-21)

b. O lamento por Tiro (27.1-36)

c. O deboche do rei de Tiro (28.1-19)

6. O juízo contra Sidom (28.20-26)

7. O juízo contra o Egito (29.1-32.32)

a. O Senhor se opõe a Faraó (29.1-16)

b. O saque de Nabucodonosor (29.17-21)

c. O lamento pelo Egito (30.1-19)

d. A quebra de braço do Faraó (30.20-26)

e. Cai um cedro (31.1-18)

f. O lamento por Faraó (32.1-16)

g. A derrota do exército do Egito (32.17-32)

Os oráculos contra as seis primeiras nações deixam claro que seu juízo

é em razão da maneira como maltrataram o povo de Deus e/ou se jubilaram

com sua derrota. Dessa forma, o papel principal dos oráculos parece ser

garantir aos exilados, ou ao menos a um remanescente fiel, que eles seriam

vingados e restaurados à sua terra. Os oráculos contra o Egito parecem ter um

objetivo diferente. Uma vez que Judá estava confiando no Egito para ter ajuda

contra os babilônios (17.15; 29.16), a notícia da queda do Egito (Jr 37.5-7)


Ezequiel | 297 |

confirmou a mensagem de Ezequiel. Não havia esperança para Jerusalém

no futuro imediato.73

Vários dos oráculos foram datados em 587-585 a.C., enquanto um deles

(29.1-17) vem do ano 571 a.C. Pelo menos uma das previsões sem data é

anterior à queda de Jerusalém (25.3).

Juízo para leste e para oeste (25.1-7)

Os amonitas comemoraram a queda de Jerusalém e o exílio de seu povo

(25.1-3). O Senhor anunciou que castigaria sua arrogância enviando o

“povo do leste”, provavelmente uma referência às tribos do deserto, contra

eles (v. 4a).74 Esses invasores nômades levariam os frutos e rebanhos dos

amonitas e transformariam a capital, Rabá, em terra de pastagem (v. 4b-5).

Porque os amonitas bateram palmas em júbilo quando Judá caiu, o Senhor

estenderia suas mãos de juízo contra eles (v. 6-7).

Os moabitas também se regozijaram com a derrocada de Judá, então o

Senhor traria as tribos do deserto pelas suas fronteiras também (v. 8-11). Os

edomitas trataram Judá de forma especialmente hostil (veja Ob 1-14), então

o Senhor aniquilaria Edom (v. 12-13). Nesse caso, ele usaria seu próprio

povo, Israel, como seu instrumento de vingança (v. 14; veja Ob 15-21).

Como os filisteus também tinham sido hostis a Judá, o Senhor “tomaria

grande vingança” deles (v. 15-17).

Juízo contra Tiro: a queda de Tiro (26.1-21)

Tiro ficou feliz com a queda de Judá, porque viu tudo como benéfico

para si mesma. Por causa de sua localização na costa mediterrânea,

Tiro era uma cidade próspera, engajada em intenso comércio marítimo.

Parece improvável que a queda de Jerusalém aumentasse o poder econômico

já importante de Tiro, embora isso pudesse abrir rotas de caravanas

oriundas do sul.75 Talvez as imagens do versículo 2 devam ser

entendidas em termos políticos. Sem Judá, Tiro poderia desempenhar

um papel mais importante como líder dos Estados palestinos do ocidente.76

O Senhor tinha outras ideias. Assim como as ondas do mar batiam

contra a costa (imagem bem entendida em Tiro), assim também o Senhor

73 Sobre o propósito dos oráculos egípcios, em contraste com os capítulos 25-28, veja Allen, Ezekiel

1-19, xxix-xxxi.

74 A expressão “povo do leste” é, literalmente, “filhos do leste”, uma expressão que aparece em

Gênesis 29.1; Juizes 6.3,33; 7.12; 8.10; IReis 4.30; Jó 1.3; Isaías 11.14; Jeremias 49.28.

73 Block, Daniel. The Book o f Ezekiel Chapters 25-48, NICOT (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), 36.

76 Veja Allen, Ezekiel 20-48, 75.


1298 I Introdução aos profetas

enviaria ondas de nações contra Tiro (v. 3). Destruiriam suas defesas,

e o Senhor rasparia seu cascalho, deixando apenas a rocha nua (v. 4).

Pescadores utilizariam o local para secar suas redes (v. 5a). Tiro seria

saqueada e suas aldeias mais afastadas (literalmente, “filhas”) seriam

devastadas pela espada (v. 5b-6).

Os versículos 7-14 parecem dar um relato mais detalhado de como a

profecia da queda de Tiro iria realizar-se. Nabucodonosor, rei da Babilônia,

atacaria com seu exército, vindo do norte (v. 7). Ele é chamado de “rei dos

reis” porque dominava um vasto império, constituído por muitas nações.77

Isso pode explicar por que o versículo 3 se refere a “muitas nações” vindo

em ondas contra Tiro. O exército babilônico alistou tropas de várias províncias

e consistia de soldados de muitos grupos étnicos e nações diferentes.78

Nabucodonosor iria devastar as aldeias distantes de Tiro e montar um cerco

à cidade (v. 8; cf. v. 6). Seu exército iria romper os muros de Tiro, assolar a

cidade e cortar seu povo com a espada (v. 9-11). Os babilônios iriam roubar

a riqueza de Tiro, destruir seus muros e jogar suas pedras ao mar (v. 12; cf.

v. 4,5b). O Senhor iria pôr fim às celebrações de Tiro e deixá-la uma rocha

nua, onde pescadores secariam suas redes (v. 13-14a; cf. v. 5a). Ela nunca

seria reconstruída (v. 14b).

Quando e como essa profecia da destruição de Tiro se realizou? Nabucodonosor

avançou contra Tiro em 585 a.C. e montou um cerco à cidade

que durou 13 anos. Os babilônios não reduziram a cidade a pedras (veja Ez

29.17-18, que é datado em 571 a.C.), embora as evidências sugiram que

Tiro ficou sujeita à autoridade babilônia.79 Uma vez que a cidade não foi

devastada, como explicamos o aparente fracasso da profecia?

Alguns argumentam que a profecia foi cumprida em 332 a.C., quando

Alexandre, o Grande, arrasou a cidade, deixando-a bem do jeito que Ezequiel

descreve. Os que propõem essa leitura fazem uma distinção entre as

“muitas nações” que vêm em ondas (v. 3) e o exército de Nabucodonosor

(v. 7-11). Eles também apontam para a mudança do “ele”, singular (i.e.,

Nabucodonosor) nos versículos 7-11 para o “eles”, plural (encarados como

as “muitas nações”) no versículo 12. De acordo com essa leitura, um evento

no futuro imediato, o cerco babilônio de Tiro, estava misturado com um

evento mais distante (a destruição final da cidade). Essa mistura de próximo

e distante é uma característica da profecia hebraica (veja lRs 14.14-16). Entretanto,

a distinção proposta entre as “muitas nações” do versículo 3 e o exército

77 Sobre a conexão literária óbvia entre os versículos 3 e 7, veja Block, Ezekiel Chapters 25-48, 39.

78 Isaías 8.9 e 17.12-14 utilizam linguagem semelhante para descrever o exército assírio.

79Veja Allen, Ezekiel 20-48, 109; Zimmerli, Walther, Ezekiel 2, Martin, J. D. (trad.), Hermeneia

(Filadélfia: Fortress, 1983), 23; e Ward, William A., “Phoenicians”, em Peoples o f the Old Testament

World, Hoerth, J.; Mattingly, G. L.; Yamauchi, E. M. (orgs.) (Grand Rapids: Baker, 1994), 191.


E zequiel f 299 |

de Nabucodonosor parece sutil demais, à luz da referência de Nabucodonosor

como “rei dos reis” (v. 7) e da natureza multiétnica de seu exército.

Nabucodonosor é o foco dos versículos 7-11, mas as ações descritas são

as de um exército. O sujeito das formas plurais no versículo 12 é compreendido

de forma mais natural como o “exército” coletivo (em hebraico,

lam ) do versículo 7, que, por sua vez, pode ser visto como constituído das

“muitas nações” mencionadas no versículo 3 (veja também a referência a

“nações” no v. 5).

Block examina diversas maneiras pelas quais os acadêmicos têm lidado

com o problema levantado pelo aparente fracasso da profecia. Ele sugere

muito plausivelmente que essa profecia, como muitas outras nos escritos

proféticos, era implicitamente condicional e que a “submissão de Tiro à

Babilônia constituía uma resignação à vontade e ao plano de Deus”, permitindo

que o Senhor “suspendesse as ameaças que tinha proclamado contra

a cidade, e, de fato, atrasam o cumprimento real da previsão por 250 anos,

até o tempo de Alexandre, o Grande”.80

Uma vez que tantas nações na costa mediterrânea negociavam com Tiro,

sua queda causaria grande consternação nas regiões costeiras (v. 15-16;

veja Is 23). Os parceiros de comércio com Tiro lamentariam sua derrota (v.

17-18). Esse choro poderia ser apropriado, pois Tiro estava morta. Desolada

e coberta pelas águas do mar, estava pronta para ser lançada no mundo

subterrâneo dos mortos, de onde ninguém consegue voltar (v. 19-21).

O lamento por Tiro (27.1-36)

O lamento de Ezequiel por Tiro soa mais como um discurso escamecedor

de juízo. O lamento relembra a importância e a riqueza de Tiro (27.1-

4). Todos os tipos de bem e riqueza passavam por Tiro, vindos de todas

as direções da bússola, como indica a litania dos parceiros comerciais de

Tiro (v. 5-24). Compara-se Tiro a um dos impressionantes navios mercantes

(literalmente, “navios de Társis”), que levavam seus bens por todo o

mundo mediterrâneo (v. 25). No entanto, um vento leste (talvez simbolizando

a Babilônia) destrói o navio, e toda sua riqueza vai para o fundo do

mar (v. 26-27). Os parceiros comerciais de Tiro ao longo da costa lamentam

amargamente sua derrocada, destacando que aquela que enriqueceu muitas

nações agora é alvo do escárnio dos mercadores (v. 28-36).

80 Veja Block, Ezekiel Chapters 25-48, 147-49. Um paralelo possível pode ser encontrado em

Miqueias 3.12, que profetiza a ruína de Jerusalém. Enquanto a profecia da época de Miqueias foi

contornada pelo arrependimento de Ezequias (Jr 26.17-19), a ruína de Jerusalém tomou-se realidade

em 586 a.C., quando a condição moral que provocou a profecia de Miqueias se viu dobrada na geração

seguinte e não surgiu nenhum Ezequias para contornar o juízo de Deus.


1300 I Introdução aos profetas

A zombaria com o rei de Tiro (28.1-19)

Ezequiel também debochou do governante de Tiro, que, nessa época,

era Etbaal. Etbaal tinha manias de grandeza e achava que era um “deus”

com sabedoria sobrenatural (28.1-2a).81 Na declaração “eu sou um deus”,

a palavra hebraica traduzida por “deus” é El, o nome do sumo deus cananeu.

É possível que aqui se esteja falando especificamente dessa divindade,

porque mostra-se o dominador entornado “no coração dos mares”

e detentor de grande sabedoria. Nos textos ugaríticos, El mora “nas nascentes

dos rios, entre as fontes dos dois oceanos”, e é retratado como um

sábio.82 A sabedoria do governante (aqui ele representa a própria cidade

de Tiro) ficava visível em sua capacidade de acumular riquezas por meio

do comércio (v. 4-5). Ele aparentemente pensava que podia equiparar ou

exceder a sabedoria de Daniel (ou, talvez, do lendário Danei).83 Apesar de

seu sucesso, ele era apenas um homem, não um deus (v. 2b). Por causa de

seu orgulho, o Senhor iria matá-lo, usando um exército invasor cruel (os

babilônios) como seu instrumento de juízo (v. 6-8). Quando o governante

de Tiro ficasse humilhado na frente de seu carrasco, teria muita consciência

de sua mortalidade (v. 9-10).

Outro lamento escamecedor contra Etbaal se segue, no qual Ezequiel

mostra a queda humilhante de importância do rei. Ele é comparado a um ser

que já foi um modelo de perfeição, sabedoria e beleza (v. 11-13). Embora

vivesse na montanha de Deus (v. 14), ele usava violência para expandir sua

influência e foi expulso da presença de Deus (v. 15-16; veja Am 1.9). Seu

grande orgulho levou à sua queda humilhante (v. 17-19).

Essa passagem mistura referências ao império comercial de Tiro

(v. 13,16a, 18-19) com alusões a uma tradição extrabíblica que contém ecos

de Gênesis 2-3. Se seguirmos o texto tradicional do versículo 14 (“Tu eras

querubim da guarda ungido”), então parece que o rei é comparado a um

querubim. Gênesis 3.24 fala de querubins da guarda (no plural) colocados

na entrada do Jardim do Éden, mas não fala nada da queda de um querubim

orgulhoso como o de Ezequiel 28.84 Nesse caso, devemos assumir que

81 Ter conhecimentos sobrenaturais era considerado uma das características de um ente divino. Veja,

por exemplo, Gênesis 3.5-6,22, em que o “conhecimento do bem e do mal” refere-se ao conhecimento

divino, e Provérbios 30.3, em que a “sabedoria” era definida como “conhecimento que pertence aos

santos” (o termo no plural, interpretado na NIV como plural honorífico ou majestático, refere-se a

membros da assembleia celeste; veja o SI 89.7).

82 Para textos ugaríticos relacionados, veja Gibson, Canaanite Myths and Legends, 54, 59-60. Veja

também Day, Yahweh and the Gods, 27.

83 Sobre o debate acerca da identidade de Daniel, veja meus comentários sobre 14.14,20.

84 A tradição cristã identifica a serpente do Éden como Satanás, mas a serpente é retratada como

membro do reino animal em Gênesis 3, não como querubim. Para uma crítica da opinião que vê Satanás

por trás das imagens de Ezequiel 28, veja Block, Ezekiel Chapters 25-48, 118-19.


Ezequiel | 3 0 1 1

Ezequiel recorre a uma tradição extrabíblica do Éden sobre um querubim

da guarda, que ele usa como metáfora do rei de Tiro.

No entanto, a intepretação tradicional do versículo 14 é problemática.

O versículo 14 começa com a forma hebraica 1att, que é a segunda pessoa

feminina singular do pronome independente. Em todos os versículos,

dirige-se ao rei de Tiro nas formas da segunda pessoa masculina singular.85

E possível que 3att seja aqui uma forma rara de pronome masculino,86

ou que devesse ser repontuada como 'atta, uma forma do pronome masculino

escrita de forma defeituosa (sem a vogal final he).87 No entanto,

alguns preferem seguir a Septuaginta e ler a forma como a preposição ’et,

“com”.88 Nesse caso, pode-se traduzir “com um guarda querubim ungido

te coloquei”.89 Nesse caso, o rei de Tiro é comparado ao primeiro homem,

não a um querubim. Os versículos 15-16, então, fariam alusão à criação do

primeiro homem, à queda no pecado e à expulsão do Éden. Além disso, o

versículo 12 combina bem com a tradição, refletida em Jó 15.7-8, de que o

primeiro homem era particularmente sábio.90

Apesar das semelhanças com Gênesis 2-3, também há diferenças.

Gênesis 2-3 não retrata Adão coberto de joias, nem fala de uma montanha

de Deus de onde o primeiro homem foi retirado (v. 14,16-17). Para

entender o significado desses elementos, deve-se ver a mitologia antiga do

Oriente Próximo. Um mito neobabilônico contém um paralelo contundente

das imagens da beleza física do rei.91 Quanto à referência a uma montanha

divina, devemos relembrar que o sumo deus cananeu El, talvez já mencionado

no lamento anterior (v. 2), vivia em uma montanha, “na fonte dos

85 Observe especialmente a utilização de att ah. a forma singular masculina na segunda pessoa do

pronome pessoal independente, nos versículos 12 e 15.

86 Há duas outras utilizações aparentes de ’att com masculino. Veja Deuteronômio 5.24 e Números

11.15, e também GKC 106, parágrafo 32h.

87 Veja 1Samuel 24.19; Neemias 9.6; Jó 1.10; salmo 6.3; Eclesiastes 7.22.

88 Veja, por exemplo, Allen, Ezekiel 20-48, 91; Zimmerli, Ezekiel 2, 85; e Day, Yahweh and the Gods,

176. A preposição 'et é colocada com o verbo natan em Êxodo 31.6.

89 Essa emenda exige que retiremos a conjunção que antecede o verbo, “te coloquei” (como a

Septuaginta faz). Do jeito que o texto está, lemos: “Eras um guarda querubim, ungido, e coloquei-te na

montanha sagrada de Deus, em meio às pedras de fogo sobre as quais andaste”. Como Allen (Ezekiel

20-48, 91) indica, cada um dos verbos no versículo 14b é colocado no final da oração. Se retirarmos

a conjunção do “e te coloquei”, consegue-se o mesmo estilo sintático (verbo na posição final). Em um

esforço para dar sentido à sintaxe resultante, a conjunção foi acrescentada provavelmente algum tempo

depois de a preposição ter sido confundida com um pronome. Além disso, se fizermos as correções

propostas no versículo 14, temos de seguir a Septuaginta e corrigir a difícil wa'abbedka, “e eu te

expulsei” no versículo 16 (sobre a forma, veja GKC 186, parágrafo 68k), para u>a'ibbadka, “e o guarda

querubim te expulsou”. Veja Allen, 91, e Zimmerli, Ezekiel 2, 86. Na forma do texto hebraico, devese

considerar “o guarda querubim”, que aparece logo depois do verbo com sufixo, como um vocativo

aposto ao sufixo, enquanto a leitura corrigida considera o guarda querubim como o sujeito de “expulsar”.

90 Veja Day, Yahweh and lhe Gods, 177-78, e Allen, Ezekiel 20-48, 94.

91 Veja Block, Ezekiel Chapters 25-48, 119.


| 302 | Introdução aos profetas

rios”. Embora não se diga especificamente que o Éden bíblico ficasse em

uma montanha, é a nascente de quatro rios e parece estar situado na região

montanhosa da Armênia (veja Gn 2.10-14). Além disso, há evidências de

que a montanha de El, como o Éden bíblico, fosse situada, ao menos em

algumas tradições, na nascente do Eufrates.92

Para resumir, parece que Ezequiel 28.12-17 recorre à tradição extrabíblica,

provavelmente bem conhecida em Tiro, na qual o primeiro homem

ou um querubim da guarda desempenhavam papel principal. Essa tradição,

ainda que semelhante a Gênesis 2-3, difere do relato bíblico em alguns

detalhes e também parece refletir elementos míticos mesopotâmios e cananeus.

O homem/querubim vivia no jardim do Éden, localizado na montanha

de Deus (talvez o cananeu El), e Deus o adornou com beleza e prestígio.

Mas, então, esse homem/querubim pecou e foi expulso da montanha. O uso

desse material mitológico extrabíblico tem precedente em Isaías 14.12-15,

em que Isaías, ao zombar do rei da Babilônia, utiliza imagens do contexto

religioso do próprio rei.

Juízo contra Sidom (28.20-26)

Sidom era uma cidade-Estado fenícia situada ao norte de Tiro, na costa

mediterrânea. Como as nações destinatárias dos oráculos anteriores, Sidom

tinha aparentemente demonstrado hostilidade contra o povo da aliança de

Deus (v. 24). Por isso, tinha de ser castigada (v. 20-22). O Senhor utilizaria

uma peste e a espada de um invasor como seus instrumentos de juízo

(v. 23). A eliminação de inimigos hostis como Sidom seria acompanhada

pelo retomo do povo exilado de Deus (v. 25-26). Enquanto ele o reassentava

em segurança em sua terra, castigaria seus vizinhos. Nessa época, todos

os espectadores reconheceriam a posição do Senhor como rei soberano

(cf. “quando eu me santificar entre eles” no v. 25) e seu povo perceberia

que ele é Javé, seu Deus, aquele que o liberta e protege porque é fiel à sua

promessa da aliança, de estar com ele.

Juízo contra o Egito: o Senhor se opõe a Faraó (29.1-16)

Em janeiro de 587 a.C., o Senhor instmiu Ezequiel a proferir uma profecia

relativa à queda do Egito (29.1-2). O Senhor se opôs a Faraó (de nome

Ofra), que é comparado ao “grande monstro” que se esconde nas correntes

do Egito (v. 3a). A palavra hebraica traduzida como “monstro” (tannin),93

frequentemente se refere a uma cobra (Êx 7.9-10,12; Dt 32.33; SI 91.13)

92 Veja Day, Yahweh and the Gods, 28-32.

93 O texto hebraico, na verdade, diz tannim , que significa normalmente “chacais”, que não pode ser

o referente aqui (veja também 32.2). A forma é uma ortografia alternativa ou é uma corrupção textual de

tannin, “serpente, monstro marinho”. Veja Zimmerli, Ezekiel 2, 106.


Ezequiel | 303 |

ou a criaturas imensas que vivem no mar (Gn 1.21; SI 148.7). Em diversos

textos, assume proporções míticas e é associada ou identificada com o mar

caótico ou com a criatura marinha em forma de serpente com muitas cabeças,

o leviatã (Jó 7.12; SI 74.13; Is 27.1; 51.9; Jr 51.34[?]).94 Por causa do

cenário egípcio e da referência às escamas da criatura (v. 4), a maioria identifica

a realidade por trás das imagens de Ezequiel 29.3 como um crocodilo.95

Allen vai um passo além e sugere que “esse crocodilo em particular é

maior do que a vida e investido de conotações mitológicas”.96 Mettinger

mostrou que, no Egito, o crocodilo era símbolo das forças do caos.97

Faraó considerava-se o dono do Nilo, cuja inundação era essencial

para a agricultura egípcia (v. 3b).98 Na teologia egípcia, Faraó controlava o

Nilo.99 No entanto, o Senhor iria pôr anzóis em seus queixos, tirá-lo dos rios

e depositá-lo em um deserto seco, onde ele morreria e seria comido por carniceiros

(v. 4-5). Ao final da derrocada de Faraó, os egípcios reconheceriam

a soberania do Senhor (v. 6a).

Faraó tinha prometido ajudar Judá contra a ameaça babilônica, mas ele

tinha provado ser como uma vara de junco, que se quebra fácil e fere quem

nela se apoia (v. 6b-7; veja Jr 37.5-7). O Senhor causaria a queda do Egito,

provando ao povo de Judá que somente ele é o rei soberano (v. 8-9a). Para

castigar o orgulho de Faraó, o Senhor transformaria o Egito em uma terra

desolada de norte a sul (v. 9b-10). Os egípcios iriam para o exílio, e as

cidades egípcias ficariam em ruínas por 40 anos (v. 11-12). Ao fim desse

período, o Senhor traria os exilados egípcios de volta para casa, mas o Egito

seria um reino menor e nunca mais ocuparia uma posição de destaque entre

as nações (v. 13-15). Quando o povo do Senhor testemunhasse tudo isso,

perceberia que tinha pecado ao confiar no Egito, e não no Senhor (v. 16).

Não há evidência histórica de que o Egito tenha sofrido derrota tão

devastadora na época de Ezequiel ou que seu povo tenha sido levado para o

exílio por 40 anos. Em 525 a.C., os persas conquistaram o Egito e o reduziram

a uma província.100 Pode-se pensar que Ezequiel 29.1-16 esteja antecipando

essa época usando linguagem de destruição hiperbólica, estilizada.

94 Na mitologia ugarítica, o termo é utilizado para a criatura marinha de várias cabeças, associada ou

identificada com Yam, o deus do mar. Veja Gibson, Canaanite Myths and Legends, 50.

95 Zimmerli, Ezekiel 2, 111. Observe a referência aos “pés” da criatura, em 32.2b.

96 Allen, Ezekiel 20-48, 105. Day (Yahweh and the Gods, 103), que vê a criatura como o dragão do

mar mítico, ainda vai além: “Não há base para supor que se está falando aqui de um crocodilo, como

alguns imaginam”.

97 Veja Mettinger, T. N. D., In Search o f God, Cryer, F. (trad.) (Filadélfia: Fortress, 1988), 195-98, em

que ele discute Beemote e Leviatã como mostrados em Jó 40-41.

98 Currid, John D., Ancient Egypt and the Old Testament (Grand Rapids: Baker, 1997), 240-42.

99 Ibid., 243-44.

100 Para os detalhes da invasão do Egito por Cambisses, veja Yamauchi, Edwin, Persia and the Bible

(Grand Rapids: Baker, 1996), 95-124.


| 304 I Introdução aos profetas

Entretanto, os próximos três oráculos sugerem o contrário. Todos os três

identificam Nabucodonosor como o instrumento de juízo de Deus contra o

Egito (29.19; 30.10,24-25), e o terceiro associa o exílio dos egípcios com

a invasão de Nabucodonosor (30.26; cf. 29.12). Nabucodonosor invadiu

o Egito em 568-567 a.C., mas poucos detalhes da campanha são disponíveis.101

Talvez essa invasão tenha se constituído no cumprimento essencial

da profecia, se permitirmos a presença da linguagem destrutiva estilizada.

Todavia, seria preciso rotular a linguagem como excessivamente hiperbólica,

porque o sucessor de Ofra, Amásis, que começou a governar em 570

a.C., teve um reinado pacífico e próspero.102 Uma alternativa mais provável

é que a profecia seja implicitamente condicional. Aparentemente, os

desenvolvimentos históricos e as circunstâncias levaram Deus a modificar

seu plano em algum nível para que o Egito não sofresse tanto quanto o

profeta tinha profetizado.

O saque de Nabucodonosor (29.17-21)

O cerco de Nabucodonosor a Tiro não tinha gerado a pilhagem que seus

soldados, cansados, esperavam (v. 18; veja meus comentários sobre o capítulo

26). Nesta profecia, proferida em 571 a.C., o Senhor anunciou que

daria o Egito a Nabucodonosor como prêmio de consolação porque, afinal,

o rei babilônio tinha servido como seu instrumento de juízo (v. 19-20).

Nabucodonosor saquearia o Egito e daria suas riquezas ao seu exército.

Enquanto o Egito estivesse sendo saqueado, o Senhor reavivaria o poder de

seu próprio povo (v. 21).103

O lamento pelo Egito (30.1-19)

Era hora de lamentar, porque o “dia” do juízo do Senhor tinha chegado,

trazendo consigo nuvens agourentas e uma espada cintilante (30.1-4a). A

espada cortaria o povo do Egito e das nações vizinhas estrangeiras que se

aliaram ao Egito (v. 4b-6).104 O “povo da terra da aliança” pode se referir a

uma nação não identificada que tinha se aliado, embora muitos vejam aqui

uma referência aos mercenários judeus que viviam no Egito.105 Essas terras

seriam arruinadas, obrigando as vítimas do juízo divino a reconhecerem a

101 Para um relato fragmentado desse evento, veja Pritchard, James, Ancient Near Eastern Texts

Relating to the Old Testament (Princeton: Princeton University, 1969), 308.

'“ Yamauchi, Persia and the Bible, 101.

103 Sobre o aparente fracasso da profecia, veja meus comentários sobre o oráculo anterior, em 29.1-16.

104 A “Arábia” citada na NIV provavelmente é uma tradução equivocada da expressão kol-ha ereb,

no versículo 5. Em Jeremias 25.20 e 50.37, a NIV traduz a mesma expressão por “todos os estrangeiros”.

A expressão pode se referir a mercenários estrangeiros que serviam nos exércitos das nações citadas

nesses textos. Veja Zimmerli, Ezekiel 2, 129-30.

103 Veja ibid., 130, e Block, Ezekiel Chapters 25-48, 159-60.


Ezequiel | 305 |

soberania do Senhor (v. 7-8). À medida que a hora do juízo se aproximasse,

o Senhor começaria a espalhar o terror na região, com a notícia da invasão

iminente (v. 9). Nabucodonosor chegaria com seu exército poderoso

e devastaria a terra (v. 10-11). O Senhor “secaria os rios”, um ato para

destruir a economia do Egito (v. 12). Quando as cidades caíssem uma após

a outra nas mãos do invasor, os deuses egípcios, representados por seus

ídolos e imagens, seriam expostos como fracos e infinitamente inferiores ao

Senhor soberano (v. 13-20). Os termos utilizados para descrever os “ídolos”

e “imagens” no versículo 13 são muito depreciativos. O primeiro é utilizado

39 vezes por Ezequiel para descrever ídolos pagãos. A ênfase, em muitos

contextos, está no efeito profanador que esses ídolos têm em adoradores.106

O segundo termo significa, literalmente, “coisas fracas, sem valor”.107

A quebra de braço de Faraó (30.20-26)

Em abril de 587 a.C., depois da tentativa abortada do Faraó Ofra de

aliviar Jerusalém da ameaça babilônia, o Senhor zombou do rei egípcio (v.

20). Ele se gloriou de ter “quebrado o braço de Faraó” e que o braço ferido

de Faraó ainda não tinha sarado. Na verdade, o braço de Faraó estava tão

fraco que ele não conseguiria nem empunhar uma espada (v. 21). Obviamente,

o discurso é metafórico. O “braço” de Faraó é símbolo de seu poder

militar. O Senhor não tinha acabado com Faraó. Ele pretendia quebrar o

outro “braço” do rei, deixando-o completamente incapacitado (v. 22). O

Senhor daria energia ao rei da Babilônia, que iria conquistar o Egito e levar

os egípcios para o exílio (v. 23-26).108

Cai um cedro (31.1-18)

Dois meses mais tarde, em junho de 587 a.C., o Senhor novamente

denunciou o rei do Egito (31.1). Faraó tinha orgulho de seu esplendor real

(v. 2), mas precisava aprender uma lição da história sobre o que acontece

com governantes arrogantes. A Assíria tinha sido como um cedro

bem regado, majestoso, acima de todas as árvores (v. 3-5).109 As imagens

106 Veja Preuss, H. D., TDOT 3:2-3. A derivação do termo é discutida, mas alguns teorizam

que a palavra, pelo menos na origem, significava “rolos de esterco”.

107 Como esta é a única utilização do termo em Ezequiel, alguns preferem ler 'elim, “governantes”,

um termo que aparece em outros pontos em Ezequiel (17.13; 31.11; 32.21; 34.17). Essa leitura parece

servir como base para a Septuaginta. Observe que a próxima linha se refere a um “príncipe”.

108 Sobre o aparente não cumprimento da profecia, veja meus comentários sobre o capítulo 29.

109 Eu traduzo o versículo 3a assim: “Vejam! A Assíria [era] um cedro do Líbano”. Nesse caso, os

versículos 3-17 descrevem a Assíria. Veja Block, Ezekiel Chapters 25—4 8 ,185. Alguns corrigem ashur,

“Assíria”, no versículo 3a, como te'ashur, “cipreste”, que faz um paralelo cabível com “cedro” (veja

Is 41.19; 60.13), e leem o v. 3a assim: “Vejam! Um cipreste! Um cedro do Líbano!” Nesse caso, os

versículos 3-18 se referem, em sua totalidade, ao Egito. Para essa visão, veja Zimmerli, Ezekiel 2, 141-

53, e Allen, Ezekiel 20-48, 121-27.


1306 | Introdução aos profetas

fazem alusão ao grande império assírio e à riqueza acumulada com os

tributos que recebia das nações conquistadas. O cedro tinha ramos extensos,

e todas as nações viviam sob sua sombra (v. 6). Nenhuma das outras

árvores da floresta podia rivalizar com ela em beleza (v. 7-9). Mas o cedro

ficou orgulhoso, então o Senhor o entregou nas mãos da “mais poderosa

das nações” (v. 11), provavelmente uma referência ao rei babilônio Nabopolassar,

que conquistou Nínive em 612 a.C. Ele cortou o grande cedro,

e ninguém poderia rivalizar com seu esplendor novamente algum dia

(v. 12-14). A queda do cedro e a descida à terra dos mortos provocou

lamentação em alguns rincões e medo em outros (v. 15-17). As grandes

árvores que tinham antecedido esse cedro no submundo - provavelmente

uma referência aos reinos poderosos que tinham antecedido a Assíria

na história - ficaram consoladas quando perceberam que a Assíria tinha

encontrado o mesmo destino que elas (v. 16b). Da mesma maneira, Faraó

encontraria sua derrota (v. 18).

Um lamento por Faraó (32.1-16)

Em março de 585 a.C., o Senhor revelou a Ezequiel um lamento relativo

a Faraó e sua terra (32.1-2a, 16). Faraó era como um leão poderoso ou como

o grande monstro que habitava os mares (v. 2b).110 No entanto, o Senhor

não o temia. Ele iria recrutar uma multidão de povos (referência às hordas

babilônicas; veja os v. 11-12) e caçar Faraó com sua rede (v. 3). O Senhor

lançaria o monstro do mar na terra, onde seria devorado por muitos carniceiros

(v. 4-5). O sangue da criatura correria pelos campos e sua carne seria

espalhada pelos vales e pelas colinas (v. 6). A escuridão do juízo dominaria

o cosmo, e os reis ficariam aterrorizados quando soubessem da derrota de

Faraó (v. 7-10). Com o uso do exército babilônico como instrumento de

juízo, o Senhor devastaria a terra do Egito (v. 11-15).

A derrota do exército egípcio (32.17-32)

Neste sétimo e último discurso de juízo contra o Egito, proferido em 585

a.C., o profeta foi instruído a chorar em antecipação pela iminente morte

violenta do Egito e seus aliados (v. 17-21). Quando Faraó e seus exércitos

descessem à sepultura (v. 28,31-31), outros guerreiros derrubados de nações

derrotadas estariam lá para encontrá-los. Os egípcios se juntariam aos assírios,

aos elamitas e às hordas de Meseque e Tubal, todos os quais tinham

aterrorizado a terra (v. 22-28). Os edomitas e os sidônios também estariam

lá (v. 29-30). O império assírio tinha caído entre os anos de 612-609 a.C.

Antes disso, durante o reinado do rei assírio Assurbanipal (668-627 a.C.),

ni> Sobre a última imagem, veja meus comentários sobre 29.3.


Ezequiel | 307 |

os assírios tinham devastado os elamitas.111 Meseque e Tubal (veja também

38.2) ficavam na Anatólia (onde é hoje a Turquia). Os nomes aparecem

como Mushku e Tabal nos textos assírios.112 A queda dos edomitas

e dos sidônios, embora aparentemente presumida nos versículos 29-30, é

considerada futuro em outras passagens de Ezequiel (25.12-14; 28.20-26).

Aparentemente, o profeta esperava que todas aquelas nações já tivessem

encontrado seu destino profetizado quando o Egito chegasse à terra dos

mortos. Esse cenário faz sentido, pois os babilônios marchariam por essas

regiões em seu caminho para o Egito.

A restauração de Israel (Ez 3 3 -4 8 )

A última seção principal do livro de Ezequiel antecipa o cumprimento

do ideal de Deus para a comunidade da aliança. Após uma renovação de

seu comissionamento (cap. 33), o profeta prevê um tempo quando o Senhor

pastoreará suas ovelhas e levantará um novo Davi para liderá-las (cap. 34).

Os arqui-inimigos seriam derrotados, e o Senhor restauraria a prosperidade

a Israel enquanto purificasse e transformasse seu povo (caps. 35-36). O

Senhor traria a comunidade da aliança de volta dos mortos e criaria um

povo reunido sob a liderança de um novo Davi (cap. 37). O Senhor iria

derrubar uma última ameaça das nações hostis da terra (caps. 38-39). Ele,

então, instituiria a adoração pura em Jerusalém e, mais uma vez, estabeleceria

morada entre seu povo (caps. 40—48).

O comissionamento renovado de Ezequiel (33.1-20)

O Senhor lembrou a Ezequiel seu comissionamento para ser “vigia” de

Israel (33.7; cf. 3.17-21). Ao usar a analogia de um atalaia que avisa sobre

uma invasão inimiga, o Senhor explicou que aqueles que desconsideram

o aviso são responsáveis por sua própria morte (v. 1-5). No entanto, se o

vigia falha em avisar os pecadores sobre a condenação iminente, o vigia é

responsabilizado pela morte do pecador, mesmo que o pecador receba o que

merece (v. 6). Da mesma maneira, Ezequiel devia avisar os perversos sobre

o juízo que se aproximava (v. 7-9).

O Senhor também instruiu Ezequiel a confrontar as noções erradas do

povo sobre o caráter de Deus. Os companheiros exilados do profeta sentiam-se

esmagados pelo pecado e estavam pessimistas sobre seu futuro

(v. 10). O Senhor lembrou-lhes que não tem prazer na morte dos ímpios,

mas, ao contrário, deseja que os pecadores se arrependam e vivam (v. 11;

"'V eja Roux, Georges, Ancient Iraq (Middlesex: Penguin Books, 1966), 300-04.

112 Veja Yamauchi, Edwin M., Foes from the Northern Frontier (Grand Rapids: Baker, 1982), 24-27.


1308 1 Introdução aos profetas

veja 18.23). O Senhor considera uma pessoa individualmente responsável

por seu comportamento. Se, por um lado, uma pessoa justa busca

o pecado, o Senhor deve dar a esse indivíduo seu juízo (v. 12-13; veja

18.24). Por outro, toda pessoa que responder ao alerta de Deus escapará

ao juízo e viverá (v. 14-16; 18.21-22). Os exilados acusavam Deus de

ser injusto, mas eram eles os injustos (v. 17-20; 18.25-29). Deus estava

sendo mais do que justo com eles. Eles tinham seu destino em suas próprias

mãos. Se persistissem no pecado, morreriam, mas, se voltassem

para Deus, viveriam.

A justificação de um profeta (33.21-33)

Em janeiro de 585 a.C., um refugiado chegou de Jerusalém e anunciou

a queda da cidade (v. 21), um evento que tinha acontecido meses antes,

no verão de 586 a.C. Na noite anterior à sua chegada, o Senhor libertara

o profeta da restrição que lhe tinha imposto muitos anos antes (v. 22; veja

3.26-27). Antes disso, Ezequiel só podia falar com a permissão de Deus.

Ezequiel também recebeu uma mensagem do Senhor para a ocasião.

Aqueles que tinham ficado nas ruínas em Jerusalém estavam convencidos

de que a Terra Prometida agora pertencia a eles (v. 23-24). Afinal, Abraão

tinha ganhado o título divino da terra antes mesmo de ter um filho (veja Gn

15). Em comparação a Abraão, os que ficaram na terra eram uma multidão,

então concluíram que a possuiriam. No entanto, o Senhor corrigiu seu

pensamento equivocado. Os remanescentes na terra romperam os padrões

rituais de Deus (comer carne com sangue violava o código levítico; veja Lv

19.26). Eles desobedeceram os dez mandamentos, adorando ídolos e cometendo

assassinatos e adultérios (v. 25-26). O Senhor não podia permitir que

esses pecadores possuíssem a terra. Ao contrário, o Senhor iria matá-los e

transformar a terra em um vazio devastado (v. 27-29).

Quanto aos companheiros de exílio de Ezequiel, eles pareciam se preocupar

com o que o profeta tinha a dizer, mas seu interesse na mensagem era

superficial (v. 30-31). Eles achavam o profeta divertido, mas não tinham

nenhum desejo de internalizar suas palavras e mudar suas ações e atitudes

eticamente falidas (v. 32). No entanto, quando a profecia de Ezequiel se

tomasse verdade, eles seriam obrigados a reconhecer que um verdadeiro

profeta do Senhor, e não um simples cantor, tinha estado entre eles (v. 33).

Um pastor reúne suas ovelhas (34.1-31)

O Senhor denunciou os líderes da comunidade da aliança por falharem

em levar adiante suas responsabilidades. Comparando-os a pastores e seu

povo a um rebanho, ele acusou os líderes de olharem apenas por seus próprios

interesses, e não pelo bem-estar das ovelhas (v. 1-2). Eles tiravam


Ezequiel | 309 |

leite e lã do rebanho e até matavam e comiam algumas ovelhas (v. 3). Eles

não se importavam com as ovelhas feridas nem procuravam as perdidas

(v. 4). As ovelhas foram dispersas e devoradas por feras (v. 5-6). Por essas

razões, o Senhor iria castigar os pastores, tirá-los de suas posições e libertar

suas ovelhas de seus costumes opressores (v. 7-10). O Senhor iria encontrar

suas ovelhas e reuni-las das nações para onde tinham sido dispersas (v.

11-12). Ele iria trazê-las de volta para a terra de Israel e levá-las a áreas

ricas em pastagens (v. 13-14).

A realidade por trás da metáfora do pastor é o reinado do Senhor. Como

todo bom rei, o Senhor iria promover a justiça em seus domínios. Ele iria

mostrar consideração especial às ovelhas perdidas e feridas (simbolizando

os pobres e os oprimidos), mas as “fortes e gordas” (simbolizando os opressores

dos pobres) ele destruiria (v. 15-16). Como fica claro, com a metáfora

estendida dos versículos 17-21, que havia algumas ovelhas no rebanho que

comiam o que precisavam (na melhor área da pastagem) e depois pisoteariam

o resto do campo, de forma que as demais ovelhas não teriam nada

para comer. Bebiam a água que precisavam e depois enlameavam o resto

para que os outros não conseguissem beber. Essas ovelhas bem alimentadas

e sem sede cresceram fortes e espantavam as ovelhas subnutridas.

Mas o pastor divino iria resgatar as fracas (v. 22) e deixá-las aos cuidados

de seu servo especial, Davi (v. 23-24; veja também 37.24-25). Como em

outras passagens dos profetas, o rei davídico ideal do futuro é mostrado

aqui como a segunda vinda do próprio Davi (veja meus comentários sobre

Is 11.1; Jr 30.9; Os 3.5; e Mq 5.2). Autilização do termo “príncipe” (v. 24)

não significa que esse governante seja subordinado ao rei messiânico, nem

deve ser entendido literalmente que a referência seja ao governo do Davi

ressurreto como vice-regente e sob a autoridade do Messias. Em 37.22-25,

esse “Davi” é chamado de “rei” e de “príncipe”. O termo “príncipe” é,

provavelmente, utilizado aqui para facilitar o contraste com os “príncipes”

(i.e., reis) da dinastia davídica denunciados em oráculos anteriores (7.27;

12.10,12; 19.1; 21.25; 22.6,25).'13

O Senhor faria uma “aliança de paz” com seu rebanho reunido que iria

garantir sua segurança (v. 25a; veja também Nm 25.12; Is 54.10; Ez 37.26).

As ovelhas estariam seguras porque o Senhor eliminaria os predadores perigosos

(v. 25b). O Senhor mandaria a chuva em sua estação, fazendo com

que as árvores frutíferas florescessem e as plantas crescessem (v. 26-27a).

Seu povo o reconheceria como Javé, seu salvador e protetor (v. 27b-31).

1,3 Block sugere que Ezequiel utiliza esse termo nesses primeiros textos de forma a “menosprezar

o papel dos monarcas de Israel”. Veja Block, Daniel I., “Bringing Back David: EzekiePs Messianic

Hope”, em TheLords Anointed, Satterthwaite, P. E.; Hess, R. S.; Wenham, G. J. (orgs.) (Grand Rapids:

Baker, 1995), 175.


310 I Introdução aos profetas

O pagamento de dívidas antigas (35.1-36.15)

Uma mensagem de juízo dirigida contra Edom aparece agora, sugerindo

que as “feras” da profecia anterior (v. 5,8,25,28) simbolizam as nações hostis

vizinhas, que se aproveitaram da derrocada de Judá (35.1-2). Como os

edomitas tinham mostrado tamanha hostilidade para com o povo de Deus,

o Senhor entregaria Edom à espada de um exército invasor e transformaria

as cidades de Edom em ruínas (v. 3-9). Os edomitas esperavam tomar os

territórios tanto de Judá quanto de Israel, muito embora as terras pertencessem

ao Senhor (v. 10). O Senhor iria tratá-los da mesma forma como eles

tinham tratado seu povo, despejando sua ira sobre eles (v. 11). Os edomitas

tinham se regozijado com a derrocada do povo de Deus e insultado o próprio

Senhor, mas o Senhor transformaria seu júbilo em dor, transformando

sua terra em uma ruína desolada (v. 12-15).

Outras nações tinham partilhado o desejo ganancioso de Edom de tomar

posse das montanhas de Israel. Elas saquearam e zombaram de suas vítimas

indefesas (v. 3-5). O Senhor se vingaria das nações vizinhas pelo tratamento

impiedoso dispensado ao seu povo da aliança (v. 6-7). Quanto às

montanhas de Israel, elas floresceriam novamente, pois o Senhor traria seu

povo exilado de volta à sua terra, onde cresceria em número, reconstruiria

suas cidades, conheceria prosperidade material e desfrutaria de segurança

nacional (v. 8-15).

Purificação moral (36.16-38)

O pecado de Israel era um constrangimento para Deus. Eles corromperam

a terra com sua idolatria e seus atos sanguinários. Para destacar como

era repulsivo seu pecado, ele o compara a panos imundos de menstruação

(v. 16-18).

Por essa razão, ele os espalhou pelas nações (v. 19). Sua retirada da terra

trouxe desonra a Deus, pois as nações argumentavam que eles tinham perdido

sua terra porque Deus não era capaz de defendê-los de seus inimigos

(v. 20). Portanto, por amor a seu próprio nome, o Senhor decidiu que tinha

de demonstrar seu poder soberano e restaurar sua honra entre as nações

(v. 21-23). Ele conseguiria isso restaurando seu povo à sua terra e reconstruindo

o que tinha sido destruído (v. 24, 36).

No entanto, apenas trazer seu povo pecador de volta à terra não seria suficiente.

Ele deve ser purificado e transformado em uma nova comunidade

que seria obediente a Deus. Ao utilizar as imagens da purificação ritual,

o Senhor prometia lavar sua impureza imoral e sua idolatria (v. 25). Ele

transformaria seus corações e mentes, permitindo que lhe dessem lealdade

exclusiva (v. 26; veja 11.19; 18.31). O “coração” é visto aqui como a sede

da vontade. No tempo deles, eles tinham um “coração de pedra”, isto é, um


Ezequiel | 311 j

coração morto (cf. ISm 25.37), uma imagem que sugere que eles eram teimosos

e insensíveis. Mas o Senhor iria dar-lhes um “coração de carne”, isto

é, um coração vivo, pulsante, uma imagem que sugere reatividade e vida.

Ele também colocaria seu espírito neles, permitindo que obedecessem os

seus mandamentos (v. 27). O antigo ideal da aliança, expresso na afirmação

“sereis o meu povo, e eu serei o vosso Deus” (v. 28; cf. Êx 6.7), iria tomar-

-se realidade. A comunidade transformada e obediente iria, então, conhecer

as ricas bênçãos materiais de Deus (v. 29-30), expressar contrição por seus

pecados (v. 31 -32) e reassentar-se na terra, que floresceria como o jardim do

Éden (v. 33-35). A reputação do Senhor seria recuperada quando seu povo

crescesse em número e enchesse a terra (v. 36-38).

Israel ressurreto e reunido (37.1-28)

Naquela que talvez seja sua visão mais famosa, Ezequiel foi levado a

um vale cheio de ossos secos (37.1-3). Ao comando do Senhor, Ezequiel

disse aos ossos que ouvissem a voz do Senhor (v. 4). O Senhor anunciou

que poria respiração dentro dos ossos e faria crescer carne e tendões sobre

eles (v. 5-6). Enquanto Ezequiel cumpria as ordens do Senhor, os ossos

começaram a se religar e começou a nascer-lhes carne e tendões (v. 7a).

No entanto, os corpos não respiravam (v. 7b). O Senhor ordenou que seu

sopro de vida entrasse neles e, de repente, um vasto exército de pessoas

se pôs de pé (v. 8-10).

O Senhor explica o significado da visão nos versículos 11-14. Os ossos

simbolizam “toda a casa de Israel”, que tinha desistido de qualquer esperança

de ser revivida como nação. Eles tinham sido enterrados, digamos,

nas terras estrangeiras para as quais tinham sido exilados, mas o Senhor

iria abrir suas sepulturas e trazê-los de volta à terra. Seu espírito entraria na

nação, e ela viveria novamente.

O Senhor, em seguida, instrui Ezequiel a ministrar uma lição objeto.

Ele devia escrever em um pedaço de madeira as palavras “para Judá e para

os filhos de Israel, seus companheiros” (v. 15-16a). Em outro pedaço de

madeira, devia escrever “para José, pedaço de madeira de Efraim, e para

toda a casa de Israel, seus companheiros” (v. 16b). José (Efraim era um dos

filhos de José) simboliza o reino do norte. Ezequiel devia, então, juntar os

dois pedaços de madeira em sua mão de modo que parecessem um (v. 17).

Essa ação simbolizava o que o Senhor faria por seu povo exilado. Ele traria

os exilados de Judá e de Israel de volta à terra e faria deles uma só nação

novamente, governadas por um único rei, Davi (v. 18-22,24a,25; veja meus

comentários sobre 34.23-24). Eles iriam rejeitar seus ídolos e obedecer o

Senhor, que iria purificá-los de seus pecados (v. 23,24b). O Senhor iria

fazer uma “aliança de paz” duradoura com eles e viveria com eles como


| 312 | Introdução aos profetas

seu Deus (v. 26-28; veja 34.25). Essa profecia da reunificação de Israel

não foi cumprida no tempo de Ezequiel nem no período pós-exílico. Seu

cumprimento ocorrerá quando o povo judeu se reconciliar com Deus (Rm

11.25-31, e também meus comentários sobre Is 11.12-14 e Jr 31.31-40).

A “aliança de paz” profetizada por Ezequiel é o mesmo que a “nova

aliança” prevista por Jeremias (Jr 31.31-37).* Essa aliança é feita juntamente

com a restauração dos exilados em sua terra (Jr 31.23-30; Ez 37.1-

23) e é acompanhada pelo perdão dos pecados, pela purificação espiritual e

pela realização do antigo ideal da aliança (Jr 31.33-34; Ez 36.25; 37.23,27).

A aliança anterior (a mosaica) exigia obediência, mas não oferecia capacitação

de obedecer (Jr 31.32). Essa nova aliança de paz habilita o povo de

Deus a obedecer as suas exigências (Jr 31.33-34), pois é acompanhada pelo

dom de seu Espírito vivente (Ez 36.27), que transforma sua vontade e lhe dá

um novo desejo e capacidade de obedecer (Jr 31.33; Ez 36.26-27).

Assim como a antiga aliança (a mosaica) foi inaugurada com um sacrifício

de sangue (Êx 24.4-8), assim também a nova aliança foi estabelecida

pelo derramamento do sangue de Jesus, o sacrifício ideal (Lc 22.20; ICo

11.25). Na nossa era, a igreja é a nova comunidade da aliança com Deus e

conhece a realidade dessa aliança pelo dom do Espírito (veja 2Co 3.6; G1

4.24-31; Hb 8.6-13; 9.15; 10.13-18,29; 12.22-24; 13.20). O Israel étnico,

embora atualmente afastado de Deus, um dia se reconciliará com Deus e

também conhecerá a realidade da nova aliança (Rm 11.25-27).

Superficialmente, as referências no Novo Testamento à realização da

nova aliança na era contemporânea são problemáticas, pois Jeremias e Ezequiel

falaram dessa aliança sendo feita com Israel, não com os gentios.

Alguns argumentam que a igreja é o novo “Israel”, por meio do qual a

promessa do Antigo Testamento é cumprida. Outros, insistindo em uma

distinção precisa entre Israel e a igreja, propõem que a nova aliança mencionada

no Novo Testamento é distinta daquela prometida no Antigo Testamento.

Uma solução melhor é propor um modelo “já/ainda não”, que vê

uma realização atual das promessas na igreja e um cumprimento futuro para

o Israel étnico. Somente essa visão conciliadora faz justiça às mensagens

dos profetas hebreus e do Novo Testamento. Só porque os profetas hebreus

mencionam apenas Israel como recipientes da aliança não quer dizer que

outros não possam, também, ser recipientes. Só porque o Novo Testamento

se concentra em uma realização presente por meio da igreja, isso não exclui

um cumprimento futuro para Israel.

Os profetas eram como homens que olhavam por um túnel. Na luz no

final do túnel, eles viam Deus se reconciliando com Israel. Mas, enquanto

* Texto repete o comentário na introdução a Jeremias (N. do E.).


Ezequiel | 313

caminhamos para o final do túnel e olhamos para fora, com Paulo e com o

autor da carta aos Hebreus, ganhamos visão periférica e descobrimos que a

nova aliança com Deus envolve outros, que os profetas não conseguiam ver

com sua “visão de túnel”. Ao mesmo tempo, a existência de participantes

periféricos no mundo iluminado não nos deve distrair do fato de que Israel

continua à nossa frente, exatamente onde os profetas o viram, esperando

o dia em que seu povo também se tome participante dessa nova aliança,

assim como os profetas previram.

A última batalha (38.1-39.29)

Os oráculos anteriores veem um tempo em que Israel, reunificado, desfrutaria

de prosperidade e segurança. O capítulo 38 considera esse cenário;

ele mostra Israel restaurado do exílio (38.8; veja 36.8-12; 34-35) e vivendo

em segurança sob o cuidado protetor de Deus (38.11,14; veja 34.27). No

entanto, uma coalizão de nações hostis, interpretando erradamente a sensação

de segurança de Israel como vulnerabilidade (veja a referência a cidades

sem muros, no v. 11), invade Israel e tenta destruir o povo de Deus.

O líder das nações hostis é chamado “Gogue, da terra de Magogue,

príncipe de Rôs, de Meseque e Tubal” (38.2). Tentativas de identificar

esses nomes próprios com nomes de lugares russos modernos são anacrônicas.

Talvez Gogue possa ser identificado com o Gugu mencionado

em textos assírios do século 72 a.C. Esse Gugu é conhecido pelos historiadores

como Giges, rei da Lídia na Anatólia ocidental (atual Turquia).

Meseque é a antiga região de Museu, situada na Anatólia central, enquanto

Tubal deve ser identificado com o antigo Tabal, na Anatólia oriental. Os

habitantes dessas áreas são mencionados em inscrições assírias como

resistentes aos esforços imperialistas da Assíria.114 Os nomes Magogue,

Meseque e Tubal (assim como Gômer e Togarma; veja o v. 6) aparecem

em Gênesis 10.2-3 como descendentes de Jafé. Algumas traduções interpretam

a palavra hebraica rosh (Rôs) em 38.2 como um nome próprio e

traduzem “príncipe de Rôs, de Meseque e Tubal”. Entretanto, é bem mais

provável que a palavra seja um aposto a “príncipe”.115 Gogue lidera uma

coalizão de nações que incluem a Pérsia, distante a leste, Cuxe (Etiópia)

e Pute (Líbia), distantes ao sul, assim como Gômer e Bete-Togarma,

do norte distante (v. 5-6).116 Como observado por Block, a aparição de

114 Veja Yamauchi, Foes from the Northern Frontiers, 19-27.

1,5 Veja Block, Ezekiel Chapters 25-48, 434-35, e Zimmerli, Ezekiel 2, 305.

116 Block (ibid., 439-40) prefere ver a palavra hebraica paras, normalmente traduzida por “Pérsia”,

como uma referência a um aliado ocidental do Egito (veja 27.10, em que ele é associado a Lídia e

Pute) ou talvez uma alternativa ortográfica para Patros (veja Is 11.11; Jr 44.15; Ez 29.14; 30.14), uma

designação para o sul do Egito (i.e., o Alto Egito).


I 314 I Introdução aos profetas

sete nações (Meseque, Tubal, Pérsia, Cuxe, Pute, Gômer, Bete-Togarma)

sugere “totalidade e completude”.117

Esse exército marcha contra Israel, esperando saquear e pilhar a terra

(v. 7-15). Pouco percebe que seu ataque é orquestrado pelo Senhor, que

profetizou o evento muito tempo antes e pretende demonstrar seu poder

soberano ao mundo espectador e ao seu povo, derrotando essa horda de

inimigos (v. 16-17,23; 39.1-2,7-8).118 O Senhor segura os inimigos no meio

do caminho (v. 2-3) e os aniquila de forma sobrenatural (v. 18-22; 39.3-6).

No final da batalha, o povo de Israel junta as armas do inimigo e queima

tudo como lenha (v. 9-10). Muitos corpos são devorados por carniceiros

(v. 5,17-20); o resto tem um funeral coletivo que leva sete meses para ser

concluído (v. 11-16). Em seguida a essa exibição de poder divino, a reputação

do Senhor será plenamente recuperada (v. 21-22). As nações se darão

conta de que o exílio de Israel era por causa do pecado, não por fraqueza

da parte de Deus (v. 23-24; veja 36.20-21).

Em 38.1-39.24, o profeta descreve uma batalha conclusiva que ocorre

depois que Israel tinha sido restaurado à terra após o exílio. Quando esse

oráculo termina (25-29), a perspectiva retoma ao período exílico (observe

“agora”, no v. 25).119 O Senhor promete trazer seu povo de volta do exílio,

mostrar compaixão e derramar seu Espírito sobre ele. Ele rejeitará sua condição

de pecado anterior e reconhecerá que o Senhor é o rei soberano.

Como será cumprida essa profecia? A única referência bíblica a essa

profecia coloca essa batalha no final da era do milênio (Ap 20.7-10). Isso é

coerente com o retrato em Ezequiel 38, que indica que essa invasão chega

quando a terra está habitada e em um momento de paz (38.8,11,14). O

povo foi perdoado pelo Senhor e reassentado na terra (cf. 38.3 com 36.33).

Alguns argumentam que Apocalipse 20.7 associa Gogue e Magogue a todas

as nações, e não às áreas específicas mencionadas em Ezequiel 38-39. Mas

a linguagem de João, embora abreviada, é coerente com a descrição em

Ezequiel 38-39, que retrata a coalizão de nações distantes vindas de três

ou quatro pontos cardeais. Além disso, as duas passagens (cf. Ap 20.9b; Ez

39.6) descrevem a destruição do inimigo por fogo vindo dos céus.120 Uma

m Ibid., 441.

118 Não há outras profecias na Bíblia hebraica que preveem uma invasão de Israel pelas forças

nomeadas no capítulo 38. O versículo 17 deve referir-se a profecias mais antigas e genéricas sobre como

o Senhor iria derrotar uma coalizão de nações hostis no fim dos tempos. Veja, por ex., Isaías 13.1-16;

14.26; 24.1-23; 34.1-17; 63.1-6.

1,9 Veja Block, Ezekiel Chapters 25-48, 485, que observa que o oráculo anterior se referia aos “anos

futuros” (38.8) e a “dias por vir” (38.16).

120 Acadêmicos construíram a cronologia dos eventos em Ezequiel 38-39 de várias maneiras. Muitos

colocam esses eventos pouco antes, durante ou ao final do período de sete anos de “tribulação” que

precede o remado do milênio. Veja Hoehner, Harold W., “The Progression of Events in Ezekiel 38-39”,


Ezequiel | 315 [

vez que as nações distantes mencionadas na profecia de Ezequiel desapareceram,

é melhor considerar Gogue e suas hordas como arquétipos das

nações hostis do mundo que Deus derrotará em uma batalha cósmica definitiva.121

Em outras palavras, a descrição dessa batalha por Ezequiel foi

contextualizada para seu público do século 6a a.C. Essas misteriosas nações

distantes, situadas no perímetro do mundo de Israel, tomam os arquétipos

palatáveis por causa de seu “estrangeirismo”.122

O Senhor restaura a adoração pura (40.1-48.35)

Em 573 a.C., Ezequiel foi transportado em espírito para a terra de

Israel, onde, de seu ponto de observação, no alto de um monte, teve uma

série de visões mostrando a reconciliação de Deus com seu povo (40.1-2).

Quando Ezequiel olhou para o monte do templo, viu um fiscal angelical

que o instruiu a registrar o conteúdo de suas visões (v. 3-4). Ezequiel descreve

em detalhes precisos a estrutura e as medidas do complexo do templo

reconstruído (40.4-42.20). Ele registra as dimensões para que o povo possa

construí-lo exatamente da maneira que o Senhor especificou (43.10-11).

A descrição é tão precisa que leitores modernos podem desenhar plantas e

rascunhos da estrutura.123 John Schmitt chegou a construir um modelo em

escala do complexo do templo e suas câmaras internas.124

A planta do templo reconstruído feita verbalmente por Ezequiel culmina

com uma visão excitante do retomo do Senhor à sua casa. Muitos

anos antes, Ezequiel tinha testemunhado a partida do Senhor do templo

(cap. 10), mas agora ele testemunha o retomo da glória do Senhor vindo

do leste, a direção para a qual ele tinha partido anteriormente (43.1-3;

veja 10.19; 11.23). A glória divina entra e preenche o templo (v. 4-5;

veja também 44.4). Enquanto isso acontece, o Senhor anuncia que estabelecerá

seu trono no templo e viverá lá para sempre, entre seu povo

purificado (v. 6-9). Todo o cume da montanha onde está o templo será

considerado território santo (v. 12).

Em seguida, Ezequiel dá instruções detalhadas relativas aos regulamentos

e funcionamento do templo. Ele descreve o desenho do altar (v. 13-17) e

dá instruções para os sacrifícios de consagração que deverão ser oferecidos

em Integrity ofHeart, Sklllfulness ofHands, Dyer, C. H.jZuck, R. B. (orgs.) (Grand Rapids: Baker, 1994),

82-92. Para uma pesquisa útil e crítica de vários pontos de vista, veja Alexander, Ralph H., “Ezekiel”,

em The Expositor ’s Bible Commentary, Gaebelein, F. (org.) (Grand Rapids: Zondervan, 1986), 6:937-40.

121 Para uma breve discussão do discurso arquetípico na literatura profética, veja Chisholm Jr., Robert

B., From Exegesis to Exposition (Grand Rapids: Baker, 1998), 173-74.

122 Veja Block, Ezekiel Chapters 25-48, 436.

123 Veja, por exemplo, ibid., 508-9, 520, 541, 550, 565, 572-73, e Alexander, “Ezekiel”, 961,965, 972.

124 Veja Schmitt, John W.; Laney, J. Carl, Messiah s Corning Temple: Ezekiel 's Prophetic Vision o f the

Future Temple (Grand Rapids: Kregel, 1997), 77-103, 187.


| 316 1 Introdução aos profetas

sobre ele por sete dias (v. 18-27). Depois da consagração, que envolvia

ofertas pelo pecado queimadas, o altar poderia ser utilizado para ofertas de

paz regulares. O portão oriental do pátio exterior do templo ficaria permanentemente

fechado para comemorar a chegada do Senhor quando de seu

retomo (44.1-2). Somente o “príncipe” teria permissão para se sentar por ali

e comer “na presença do S e n h o r ” (v. 3 ).

Quem é o “príncipe” identificado no versículo 3 e em diversos outros

textos subsequentes?125 A explicação mais provável é que esse “príncipe”

seja o novo Davi, profetizado em 34.23-24; 37.24-25. Esse governante ideal

davídico, chamado de “rei” e “príncipe” nessas duas passagens, coloca-se

em oposição aos “príncipes” davídicos da época de Ezequiel, mencionados

antes no livro. Entretanto, alguns acadêmicos preferem distinguir o “príncipe”

dos capítulos 44-48 do príncipe davídico mencionado anteriormente

porque a figura apresentada nos últimos capítulos parece ocupar o papel

de um líder de adoração, não de um rei (veja, especialmente, 45.17,22;

46.4,10). Contudo, esse príncipe também é mostrado como promotor de

justiça, que era uma função real (45.7-12; 46.18).126 Também é importante

lembrar que tanto Davi quanto Salomão assumiram o papel de líder de adoração

em ocasiões importantes, inclusive no retomo da arca a Jerusalém

(2Sm 6) e na consagração do templo (lRs 8). Nas duas ocasiões, o rei ofereceu

sacrifícios diante do Senhor.

O Senhor dá a Ezequiel diversos regulamentos para ordenar a adoração

no templo (44.5). Em primeiro lugar, estrangeiros são proibidos de entrar

no templo (v. 6-9). Isaías antecipa um dia em que os estrangeiros se tomariam

fiéis seguidores do Senhor e adorariam no novo templo (Is 56.6-8).

Ezequiel não está falando desses convertidos. Sua referência a estrangeiros

que são incircuncisos de coração e de came indica que ele tem em mente

os povos que não se comprometeram com o Senhor e continuam ligados às

suas práticas pagãs.

Uma segunda série de regulamentos é relativa aos levitas. Por causa

de sua infidelidade no passado, seus novos deveres seriam limitados. Eles

podem servir nos portões do templo e preparar sacrifícios, mas não teriam

permissão para tocar nenhum dos objetos ou ofertas sagrados (v. 10-14).

Somente os descendentes de Zadoque, que continuou fiel ao Senhor, teriam

permissão para entrar em seu santuário (v. 15-16). Esses sacerdotes de

Zadoque recebem regulamentos bem específicos, que devem seguir ao

desempenhar suas funções (v. 17-31).

125 Veja 45.7-9,16-17,22; 46.2,4,8,10,12,16-18; 48.21-22. Para uma discussão detalhada dessa questão,

veja Levenson, Jon Douglas, Theology o f the Program o f Restoration o f Ezekiel 40—48 (Missoula:

Scholars, 1976), 57-73.

126 A esse respeito, veja Weinfeld, Moshe, Social Justice in Ancient Israel and in the Ancient Near

East (Minneapolis: Fortress, 1995), 55-56.


Ezequiel | 317 |

Uma terceira série de regulamentos lida com as ofertas a serem feitas em

dias sagrados e durante as festas ('45.13—46.24). Como já observado, o príncipe

tem papel importante como guia do povo na adoração. Ele providencia

as diversas ofertas que “trazem expiação para o povo (45.17), oferece uma

oferta pelo pecado por si e pelo povo na Páscoa (45.22), participa da guarda

do sábado (46.2,4) e adora entre o povo durante festas indicadas” (46.10,12).

O Senhor também especifica como deve ser dividida a terra em volta do

complexo do templo (45.1-7; 48.9-22). Os sacerdotes zadoquitas ganham

terrenos contíguos ao templo, enquanto os levitas e o “príncipe” recebem

lotes contíguos ao sul e a leste/oeste, respectivamente.127 A cidade loteada

para “toda a casa de Israel” faz limite com o território levita ao sul. As

casas e os pastos estão incluídos nessa área. A cidade propriamente é um

quadrado; cada um de seus quatro muros tem três portas com os nomes das

tribos de Israel (48.30-35). O nome da cidade é “o Senhor está aí”.

Outra característica especial da visão de Ezequiel é uma corrente de

água que tem origem no templo e corre para o oriente, rumo ao mar Morto

(47.1-12). Próximo de sua nascente, passa-se pelo riacho com água pelo

tornozelo apenas, mas, ao final, toma-se um rio profundo. Árvores frutíferas

se estendem pelas margens, que correm para o mar Morto e transformam

sua água salgada em água doce. O mar tem abundância de todos os

tipos de peixe e atrai os pescadores, que se alinham em seus barrancos com

suas redes. Essa visão é um pouco diferente da de Zacarias, que descreve

rios que correm para o oriente e para o ocidente a partir do templo (veja Zc

14.8). As duas visões mostram o templo de Deus como fonte da vida e de

bênçãos renovadas, simbolizadas pela água que tem origem ali.

A profecia também descreve as fronteiras da terra e os loteamentos tribais

(47.13-48.29).128 O território restaurado de Israel se estende de Lebo

Hamate, no norte distante, até Cades, no sul longínquo. De norte a sul, a

distribuição tribal é a seguinte: Dã, Aser, Nafltali, Manassés, Efraim, Rúben,

Judá, Benjamim, Simeão, Issacar, Zebulom, Gade. O templo, a cidade e

os territórios reservados aos sacerdotes, levitas, e ao príncipe são situados

entre Judá e Benjamim.

A visão de Ezequiel de um novo templo e de uma nação restaurada não

se cumpriu no período pós-exílico. Como, então, devemos esperar que a

profecia seja cumprida? Acadêmicos têm respondido a essa pergunta de

várias formas. De um lado do espectro de interpretações temos aqueles

que encaram a visão de forma puramente simbólica, cumprida na igreja do

Novo Testamento. No lado oposto, estão os literalistas, que argumentam

127 Para um quadro que mostra o arranjo, veja Block, Ezekiel Chapters 25-48, 733.

128 Para um mapa das fronteiras e dos loteamentos tribais, veja ibid., 711.


I 318 | Introdução aos profetas

que essa visão será cumprida, exatamente como descrita, na era do milênio.

Ao tentar responder a essa pergunta, é preciso primeiro reconhecer que a

visão de Ezequiel está contextualizada para seu público do século 6Qa.C.

Ele descreve a reconciliação de Deus com seu povo em termos que teriam

significado para esse público.129 Eles naturalmente conceberiam essa reconciliação

como sendo a reconstrução do templo, a reinstituição do sistema de

sacrifícios, a renovação da dinastia davídica e o retomo e a reunificação das

12 tribos exiladas. Uma vez que o cumprimento da visão transcende esses

limites culturalmente condicionados, provavelmente devemos encará-la,

até certo ponto, de forma idealizada e buscar o cumprimento de muitas de

suas partes na essência, não de forma exata.

A visão antecipa a restauração do Israel étnico, um evento previsto por

Paulo (Rm 11.25-32). No entanto, as tribos do norte nunca retomaram à

terra e desapareceram na medida em que foram assimiladas pelas culturas

vizinhas. A visão de Ezequiel da restauração nacional será cumprida

pelo povo judeu, que é descendente de Judá, Benjamim e Levi (veja meus

comentários sobre Is 11.13-14; Jr 31.31-37; Ez 37.15-28).

A inclusão de tantos detalhes sugere que o templo descrito aqui será

realidade na Jerusalém do futuro (veja Is 2.2-4; Ag 2.9).130 Entretanto, o

sacrifício final de Jesus Cristo tomou esse sistema levítico obsoleto (Hb

9.1-10.18). Retomar a esse sistema, com suas ofertas pelo pecado e coisas

do gênero, seria um sério retrocesso.131 O público de Ezequiel teria achado

impossível conceber uma comunidade da aliança restaurada fora do sistema

sacrificial.132 Agora que o cumprimento da visão transcende esse contexto

cultural, podemos esperar seu cumprimento na essência quando o Israel do

futuro celebrar o trabalho redentor de seu Salvador em seu novo templo.133

O retrato feito por Ezequiel de um rei davídico, ou “príncipe”, também

é contextualizado em certo nível. O rei lidera a comunidade na adoração e

tem de oferecer sacrifícios por si mesmo. Ezequiel também parece antecipar

o estabelecimento de uma sucessão dinástica (45.8; 46.16-18). O público

de Ezequiel teria achado esse retrato bastante natural. No entanto, Jesus,

aquele que cumpre a visão, não terá necessidade de oferecer sacrifício, nem

instituirá uma dinastia. Ao contrário, ele reinará para sempre.

129 Veja Rooker, Mark F., “Evidence from Ezekiel”, em A Case fo r Premillennialism, Campbell, D.

K.; Townsend, J. L. (orgs.) (Chicago: Moody, 1992), 133.

m Ibid., 128-31.

131 Alguns acadêmicos alegam que o sistema sacrificial será reinstituído na era do milênio, sendo

esses sacrifícios comemorativos da obra de Cristo. Para uma defesa bem arrazoada dessa opinião, veja

Alexander, “Ezekiel”, 946-52.

132 Veja Ironside, H. A., Expository Notes on Ezekiel the Prophet (Nova York: Loizeaux, 1949), 305.

133Veja Rooker, “Evidence from Ezekiel”, 131-34.


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Daniel

Introdução

Data, autor e gênero literário

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Oseias e é classificado junto com os profetas maiores. Na Bíblia hebraica,

que é dividida em três seções (lei, profetas e escritos), Daniel está entre

os escritos. Mesmo assim, o Novo Testamento (Mt 24.15) e o historiador

Josefo chamam Daniel de “profeta”. As versões gregas antigas de Daniel

incluem matéria que não aparece no texto hebraico. A Oração de Azarias

e a Canção dos Três Jovens são incluídas no capítulo 3, enquanto as histórias

de Susana e de Bel e o Dragão são anexas ao livro. A Igreja Católica

Romana aceita esse material adicional como canônico, mas os protestantes

consideram as adições apócrifas.

Com base na prova interna do livro (veja Dn 8.1; 9.2,22; 10.2) e em

declarações no Novo Testamento, a autoria do livro é tradicionalmente

atribuída a Daniel, que viveu nos séculos 1° e 6a a.C. Os acadêmicos tradicionais

também compreendem as narrativas dos capítulos 1-6 como

relatos biográficos historicamente precisos e assumem que as profecias do

livro são genuínas. Com o surgimento de mais críticas, muitos acadêmicos

rejeitaram a posição tradicional.1A maioria dos acadêmicos modernos

data os capítulos 1-6 no século 32 a.C. e diminuem a historicidade

1 Na verdade, o filósofo Porfirio (233-304 d.C.) antecipou muitos argumentos da crítica modema.

Veja Young, Edward J., The Prophecy o f Daniel (Grand Rapids: Eerdmans, 1949), 317-20. Para uma

breve pesquisa da opinião crítica mais avançada, veja Dillard, Raymond B.; Longman III, Tremper, An

Introduction to lhe Old Testament (Grand Rapids: Zondervan, 1994), 332.


1328 1 introdução aos profetas

essencial das narrativas.2 Eles datam o material profético dos capítulos

7-12 no século 2- a.C. A maioria dos críticos entende as profecias “realizadas”

como tendo sido feitas depois do fato e as profecias “não realizadas”

como profecias genuínas, embora imprecisas. Collins chama o livro de

“apocalipse histórico” e afirma que ele é “caracterizado por profecias ex

evento [depois do fato] e por uma escatologia que é cósmica em escopo e

tem foco político”.3De acordo com Collins, outros exemplos de apocalipses

históricos incluem Jubileus, 4Esdras, 2Baruque, o Livro dos Sonhos e

o Apocalipse de semanas, em lEnoque.4

As profecias de Daniel, de fato, têm muitas características da literatura

apocalíptica, inclusive uma visão escatológica de longo alcance emergente

de um cenário histórico de opressão, uma revelação mediada por anjos,

imagens incomuns e altamente simbólicas e uma visão determinista da história.5

Muitos livros apocalípticos são pseudonímicos e utilizam a “profecia”

depois do fato.6 Esta técnica utiliza o estilo de predição (profecia) para

registrar eventos que já tinham acontecido quando o autor escreveu. Conquanto

reconheça que Daniel exibe muitas características do gênero apocalíptico,

a maioria dos evangélicos sustenta que o livro não é pseudonímico e

que suas profecias são autênticas. A esse respeito, o debate se concentra no

capítulo 11 (veja a discussão sobre esse capítulo mais adiante).

Os críticos modernos também argumentam com base lingüística em

favor de uma data mais recente do livro. Por exemplo, S. R. Driver afirmou:

“As palavras em persa pressupõem um período depois do estabelecimento

do império persa, as palavras em grego exigem, as em hebraico sustentam

e as em aramaico permitem uma data depois da conquista da Palestina por

Alexandre, o Grande (332 a.C.)”.7 Evangélicos têm questionado essa conclusão.

Archer, por exemplo, argumenta que só há três palavras emprestadas

do grego no livro, todas elas termos técnicos de instrumentos musicais.

Ele mostra que os assírios e os babilônios tinham contato com o Chipre e

a Jônia e sugere que os instrumentos em questão podiam ser conhecidos

na Mesopotâmia em uma data relativamente antiga.8As palavras em persa

2 Por exemplo, John J. Collins identifica o gênero literário dos capítulos 1-6 como “lendas da corte”.

Veja seu livro Daniel with an Introduction to Apocalyptic Literature, FOTL (Grand Rapids: Eerdmans,

1984), 42.

3Ibid., 33.

Hbid., 6-14.

5 Veja Longman e Dillard, Introduction, 342-44.

6Ibid., 344.

7 S. R. Driver, An Introduction to the Literature o f the Old Testament, 8 ed. (Edimburgo: T. & T.

Clark, 1909), 508.

8 Veja Gleason L. Archer Jr., “Daniel”, em The Expositor s Bible Commentary, F. E. Gaebelein (org.),

vol. 7 (Grand Rapids: Zondervan, 1985), 20-21.


são 15; todas termos administrativos ou governamentais que poderiam ser

conhecidos por Daniel, que serviu sob regime persa.9 Archer também conclui

com base lingüística que o hebraico e o aramaico do livro diferem

significativamente do que se vê em textos com origem nos séculos 3a e 2a

a.C., e, portanto, devem ser de um período anterior.10

Problemas históricos

O livro de Daniel apresenta diversos problemas históricos que levaram

muitos a questionar ou negar sua autenticidade:

1. Daniel 1.1 fala de uma invasão babilônia de Judá em 605 a.C., mas

não há evidência extrabíblica disso. Entretanto, as Crônicas da Babilônia

afirmam que Nabucodonosor atacou o Egito durante o verão desse

ano, após sua vitória em Carquemis, e alegam que ele conquistou “toda a

área do Hati”. Bullock argumenta: “Assim, a incursão no território montanhoso

de Judá, que resultou na captura de Daniel e de outros membros

da nobreza, ocorreu mais provavelmente enquanto o exército babilônio

estava indo para o Egito, ou pouco depois da operação egípcia, no começo

de agosto de 605 a.C.” 1

2. De acordo com alguns críticos, o relato da insanidade de Nabucodonosor

(Dn 4) é uma lenda. Por exemplo, Collins afirma: “O aspecto lendário

da história aparece nas freqüentes intrusões de maravilhas; o sonho,

a voz vinda dos céus e as transformações milagrosas do rei”.12 De acordo

com Collins, uma variação dessa tradição aparece na “Oração de Nabonido”,

cujos fragmentos foram descobertos na caverna 4, em Qumran.13

Nessa oração, Nabonido, rei da Babilônia, fala sobre como sofrerá com

uma úlcera nos últimos sete anos na cidade de Tema. Um exorcista judeu

não identificado o curou e o ordenou a louvar ao Deus verdadeiro e repudiar

a idolatria. Collins destaca que o relato de Daniel 4 e a Oração de Nabonido

“compartilham algumas características básicas”, inclusive “a humilhação e

restauração de um rei babilônico, o período de sete anos, o papel mediador

de um exilado judeu e, provavelmente, também o sonho do rei”. Collins

9 Ibid., 21-22.

wIbid., 23-24. Para um estudo recente das características lingüísticas do aramaico em Daniel, veja

Stefanovic, Zdravko, The Aramaic o f Daniel in the Light o f Old Aramaic (Sheffield: Sheffield Academic

Press, 1992).

11 Bullock, C. Hassell, An Introduction to the Old Testament Prophetic Books (Chicago: Moody,

1986), 282.

12 Collins, Daniel with an Introduction, 62.

13 Para traduções desse texto, veja Vermes, G., The Dead Sea Scrolls in English, 3â ed. (Londres:

Penguin, 1987), 274, e Rnibb, Michael A., The Qumran Community (Cambridge: Cambridge University,

1987), 203-6.


1330 | Introdução aos profetas

propõe que os dois textos “são, em última análise, baseados no relato da

retirada de Nabonido da Babilônia por dez anos para o oásis de Tema, conforme

registrado nas inscrições de Harran”.14

No entanto, as muitas diferenças de detalhes entre os dois textos tomam

essa proposta improvável.15 Na verdade, o único paralelo específico é a

referência nos dois textos à duração de sete anos da doença, mas a utilização

objeto do número sete na literatura semítica deixa bem fraca a importância

desse paralelo.16

3. Daniel 5 chama Belsazar de filho de Nabucodonosor, quando, na realidade,

ele era filho de Nabonido, que não era descendente da linhagem real

caldeia, mas foi feito rei pela aristocracia babilônica.17 Entretanto, Nabonido

pode ter se casado com uma das filhas de Nabucodonosor, fazendo de

Belsazar neto do grande rei (as palavras “pai” e “filho” podem ser utilizadas

para avô e neto, respectivamente). Outra possibilidade é que as palavras

“pai” e “fiho” sejam utilizadas de forma figurada, como na inscrição no

obelisco negro de Salmanezer III, que se refere a Jeú como “filho de Omri”,

muito embora Jeú tenha eliminado a família de Omri e estabelecido sua

própria dinastia.18

4. Alguns críticos consideram as referências a Dario, o medo, filho de

Xerxes, imprecisas e confusas (5.31; 9.1). Collins escreve: “Não há figura

histórica conhecida como Dario, o medo. Foram feitas muitas tentativas

para identificá-lo como Gobriras (Ugbaru), o general de Ciro que ocupou

a Babilônia, mas não se apresentou nenhuma razão satisfatória para ele ser

chamado de Dario, o medo. O nome Dario pode ser atribuído mais plausivelmente

a Dario I da Pérsia (522-486 a.C.). Dario teve de sufocar duas

revoltas por postulantes babilônios e é possível que essas operações fossem,

mais tarde, confundidas coma conquista original da Babilônia. Em

Daniel 9.1, lemos que Dario é o filho de Assuero (Xerxes). Na verdade,

Xerxes I era filho de Dario”.19

Todavia, a linguagem utilizada em 9.1 (“o qual foi constituído rei”)

sugere que Dario, o medo, foi indicado como regente por outro governante.

Alguns o identificam como Gubaru, governador da Babilônia

sob Ciro (que deve ser diferenciado de Ugbaru, general envolvido na

14 Collins, Daniel with an Introduction, 62.

15 Archer, “Daniel”, 15.

16 Para um estudo recente das semelhanças e diferenças entre os dois textos, veja Henze, Matthias,

The Madness o f King Nebuchadnezzar (Leiden: Brill, 1999), 63-73.

17 Veja Saggs, H. W. F., The Greatness That Was Babylon (Nova York: New American Library, 1962),

150; Flallo, William W. e Simpson, WilliamK., The Ancient Near East: A History (Nova York: Harcourt

Brace Jovanovich, 1971), 147.

18 Veja Archer, “Daniel”, 16; Baldwin, Joyce G., Daniel (Leicester: InterVarsity, 1978), 22-23.

15 Collins, Daniel with an Introduction, 69.


D aniel | 3311

conquista da Babilônia que morreu três semanas depois da tomada da

cidade) ou como o próprio Ciro.20

Estrutura literária

O livro de Daniel exibe duas estruturas concorrentes. Ao analisarmos

os gêneros literários, é possível ver claramente um corte entre os capítulos

6 e 7. Os capítulos 1-6 contêm narrativas que recontam as experiências de

Daniel e seus amigos enquanto estavam no exílio na Babilônia. Os capítulos

7-12 contêm as visões proféticas. No entanto, o material em l.l-2.4a e os

capítulos 8-12 foram escritos em hebraico, enquanto o texto de 2.4b-7.28

está em aramaico. Não há razão óbvia para essa variação, embora alguns

sugiram que a seção em aramaico se refira mais a reinos e governantes gentios.

O segmento em aramaico apresenta um leiaute simétrico que o separa

de seu contexto imediato. Os capítulos 2 e 7 contêm profecias de quatro

impérios mundiais consecutivos, tendo o último deles sido suplantado pelo

reino de Deus. Os capítulos 3 e 6 contam histórias de libertação milagrosa,

e os capítulos 4 e 5 se concentram na soberania de Deus sobre os arrogantes

governantes da Babilônia.

Deus revela seu poder na Babilônia (Dn 1-6)

Daniel no exílio (1.1-21)

Em 605 a.C., Nabucodonosor, após derrotar os egípcios em Carquemis,

marchou para o sul contra o Egito. Durante essa campanha, ele cercou

Jerusalém, carregou parte dos tesouros do templo e levou membros da

nobreza para a Babilônia (1.1-2). O rei da Babilônia pegou os melhores

jovens de Judá para servir em seu palácio (v. 3-4a). Instruiu a Aspenaz,

chefe de sua corte real, que treinasse os jovens e que lhes desse uma ração

diária de comida e bebida, das finas iguarias e do vinho da mesa do rei

(v. 4b-5). Quatro membros desse grupo seleto são destacados pelo nome:

Daniel, Ananias, Misael e Azarias (v. 6). Todos os quatro receberam novos

nomes babilônios: Daniel (cujo nome em hebraico significa “Deus é meu

juiz”) foi renomeado Beltessazar; Ananias (“o Senhor é generoso”) tomou-

-se Sadraque; Misael (“quem é como Deus?”) recebeu o nome Mesaque; e

Azarias (“Deus ajuda”) foi renomeado Abede-Nego (v. 7). Com a exceção

de Abede-Nego (que significa “servo de Nego”), o significado dos nomes

babilônios é incerto. Entretanto, a renomeação sugere que agora os jovens

eram tidos por seus raptores como súditos babilônios.

20 Para resumos dessas propostas, veja Archer, “Daniel”, 16-19; Baldwin, Daniel, 23-28; e Bullock,

Old Testament Prophetic Books, 284-85.


| 332 | Introdução aos profetas

Apesar de ganharem novos nomes, os jovens estavam determinados a

manter sua pureza ritual nesse lugar estrangeiro. Daniel pediu que eles não

fossem forçados a aceitar a comida e a bebida do rei (v. 8). Não é inteiramente

claro por que Daniel via a comida e o vinho do rei como uma profanação

ritual. Diversos motivos têm sido sugeridos.21 E improvável que

a comida do rei fosse preparada em conformidade com os padrões da lei

mosaica. Também é possível que tivesse sido oferecida a deuses babilônios

em um templo pagão.

Deus fez com que Aspenaz fosse compreensivo com Daniel, mas o

chefe dos eunucos tinha medo que a saúde dos jovens sofresse se eles não

comessem adequadamente e que ele fosse, então, severamente castigado

por negligenciar seu bem-estar (v. 9-10). Entretanto, Daniel convenceu o

guarda a quem o chefe tinha confiado os jovens a consentir com um período

de teste de dez dias (v. 11-14). Durante esse período, os jovens comeriam

apenas legumes e beberiam apenas água. Ao final de dez dias, eles pareciam

mais saudáveis do que os outros, apesar de sua dieta magra, então o guarda

não os fez mais comer os mantimentos do rei (v. 15-16).

Deus recompensou sua devoção dando-lhes conhecimento especial, e

a Daniel deu a habilidade de interpretar sonhos e visões (v. 17). Quando o

período de treinamento dos quatro terminou, o rei os entrevistou e achou-

-os superiores a todos os outros (v. 18-19). Eles foram baseados na corte e

rapidamente superaram em sabedoria todos os especialistas em adivinhação

do rei (v. 20). Daniel tomou-se fixo no palácio e serviu aos reis babilônios

por mais de 60 anos (v. 21).

Daniel interpreta o sonho do rei (2.1-49)

O evento registrado no capítulo 2 ocorreu durante o segundo ano do

reinado de Nabucodonosor. A referência cronológica levanta um problema

porque o capítulo anterior indica que houve um período de teste

de três anos entre a apresentação de Daniel na corte de Nabucodonosor

e sua aceitação oficial no serviço real (veja 1.5,18). Talvez o incidente

registrado no capítulo 2 seja um flashback desse período de três anos, mas

isso é improvável, uma vez que o capítulo 2 parece pressupor os eventos

de 1.18-20 e mostra Daniel e seus amigos como membros de pleno

direito da equipe de conselheiros reais. O problema pode ser resolvido

se entendermos a forma como os babilônios contavam o ano de ascensão

de um rei. No sistema babilônico, o ano em que o rei sobe ao trono (seu

ano de ascensão) não era contado como seu primeiro ano de reinado. Em

vez disso, seu primeiro ano completo como rei é que era designado como

21 Veja Goldingay, John E., Daniel, WBC (Dallas: Word, 1989), 18-19.


D aniel | 333 |

primeiro ano de reinado. Então, o segundo ano de reinado oficial era, de

fato, seu terceiro ano no trono.22

Nabucodonosor teve um sonho que o perturbou muito (2.10). Ele reuniu

seus sábios e pediu-lhes que interpretassem o sonho para ele (v. 2-3).

No entanto, havia uma pegadinha. Aparentemente, Nabucodonosor tinha

dúvidas quanto às suas habilidades, então exigiu que descrevessem o sonho

primeiro e depois o interpretassem (v. 4-9). Os sábios protestaram, apontando

que era humanamente impossível fazer isso (v. 10). Somente os deuses

podiam revelar o conteúdo do sonho do rei (v. 11). Irritado com sua

resposta, o rei ordenou a execução de todos os sábios, incluindo Daniel e

seus amigos (v. 12-13). Quando Daniel ouviu a notícia, pediu um tempo

antes da execução (v. 14-16). Ele e seus amigos pediram clemência divina

e, durante a noite, Deus revelou a Daniel o sonho do rei (v. 18-19). Daniel

louvou a Deus, reconhecendo-o como a fonte de toda a sabedoria, diante de

cujo olhar penetrante todas as coisas estão expostas (v. 20-23). Ele, então,

foi ao rei e contou que Deus lhe tinha revelado o sonho (v. 24-30).

Em seu sonho, o rei viu uma grande estátua com cabeça de ouro, peito

e braços de prata, barriga e coxas de cobre e pernas de ferro. Seus pés

eram uma mistura de ferro e barro (v. 31-33). Ele também viu uma pedra,

aparentemente preparada por Deus, esmigalhar os pés da estátua, fazendo

com que toda a imagem se desintegrasse (v. 34-35a). Os destroços foram

carregados pelo vento e a pedra cresceu e virou uma grande montanha que

encheu toda a terra (v. 35b).

Daniel interpretou o sonho para o rei (v. 36). A cabeça de ouro simbolizava

Nabucodonosor, a quem o Senhor tinha dado domínio generalizado

(v. 37-38). As partes de ferro, bronze e prata da imagem representavam

reinos subsequentes que viriam em sucessão a ele (v. 39-40). A quarta parte,

embora de qualidade inferior (ferro), seria a mais forte de todas e suplantaria

seus predecessores. Mesmo assim, esse reino seria dividido (v. 41).

A mistura de ferro e barro indicava que esse reino dividido, apesar de sua

força, seria vulnerável (v. 42-43). A pedra simbolizava o reino de Deus,

eterno e indestrutível, que destruiria os reinos do mundo (v. 44-45a).

Embora os metais diferentes da imagem representem quatro reinos

cronologicamente consecutivos, a estátua única sugere que esses reinos,

ainda que distintos em sua identidade, na verdade compreendem uma

entidade, um império mundial oposto a Deus. Isso explica por que toda

a estátua é mostrada destruída pela pedra com um único golpe desferido

em seus pés (v. 34-35,44b) e por que é dito que esse evento ocorreu “na

época desses reis”, isto é, dos reis dos quatro reinos simbolizados na visão

22 Veja Young, Prophecy o f Daniel, 55-56.


| 334 1 Introdução aos profetas

(v. 44a). O valor decrescente do metal enquanto se move da cabeça até

os pés (ouro - prata - bronze - ferro - ferro misturado com barro) indica

ironicamente a queda do império. Enquanto o ferro simboliza força (v.

40), a queda estável de valor indica que a substância essencial do império

mundial diminui cada vez mais. A mistura de ferro e barro nos pés revela

sua vulnerabilidade inerente.

Impressionado pelas habilidades de Daniel, Nabucodonosor o honrou

e louvou o Deus de Daniel (v. 45b-47). O rei fez de Daniel governador da

província da Babilônia e o cobriu de presentes (v. 48a). Promoveu-o a chefe

de todos os sábios e, a pedido de Daniel, elevou seus três amigos a importantes

postos administrativos (v. 48b-49).

Não há consenso acadêmico sobre a identidade dos três reinos que sucederam

Nabucodonosor.23 Uma vez que quatro indivíduos são chamados

especificamente de reis em Daniel, é possível que os quatro reinados sucessivos

sejam os de Nabucodonosor (3.1), Belsazar (5.1), Dario, o medo (6.6),

e Ciro (10.1).24 O segundo reino (simbolizado pela prata) é chamado de

“inferior” a Nabucodonosor (2.39). Isso pode sugerir que se esteja falando

dos sucessores babilônios de Nabucodonosor, particularmente Nabonido e

Belsazar. Entretanto, se seguirmos esse esquema, é difícil ver como o reinado

de Ciro foi suplantado pelo reino de Deus. Visões posteriores, coerentes

com a história, mostram o império de Alexandre, o Grande, e não o reino

de Deus, como sucessor imediato do império persa (veja os capítulos 7-8).

Por essa razão, muitos identificam o peito e os braços de prata como

sendo os medos, a barriga e as coxas de bronze como sendo os persas e as

pernas de ferro como o império grego de Alexandre, o Grande. Nessa visão,

os pés de ferro e barro simbolizam a divisão do reino de Alexandre depois

de sua morte. A mistura de duas substâncias é uma alusão ao casamento

misto dos selêucidas, da Síria, com os ptolemeus, do Egito. Essa visão é

sedutora porque visões posteriores se concentram nos sucessores de Alexandre

(especialmente os selêucidas e Antíoco IV Epifânio) e seu relacionamento

com o povo judeu (veja os capítulos 8 e 11).

Entretanto, a distinção proposta entre a Média e a Pérsia é problemática,

uma vez que Ciro reinou sobre as duas nações, fato reconhecido pelas

referências do texto a “medos e persas” como uma entidade unificada (veja

5.28; 6.8,12,15). Proponentes dessa visão respondem destacando que o

reino (ou talvez, o reinado) de Dario, o medo, deva ser distinguido do de

Ciro, o persa (6.28). Contudo, não há razão pela qual seus reinados não

23 Para uma pesquisa sobre as diversas propostas que foram feitas ao longo da história da interpretação

do texto, veja ibid., 73-75.

24 Veja Goldingay, Daniel, 51, 174.


D aniel | 335 |

possam ter sido simultâneos, sendo Dario subordinado a Ciro. De acordo

com 5.28, o reino de Belsazar foi entregue aos medos e aos persas, e 9.1 diz

que Dario foi “constituído governante do reino babilônico”, sugerindo que

ele foi designado por uma autoridade superior. Além disso, no capítulo 8,

um carneiro de dois chifres simboliza a Média e a Pérsia (v. 20), refletindo

a unidade entre esses grupos e também sua diversidade étnica.25

Parece mais provável que os braços e o peito de prata simbolizem o

império medo-persa, que superou a Babilônia. Nesse caso, a barriga e as

coxas de bronze representam o império grego de Alexandre, o Grande,

enquanto as pernas de ferro simbolizam um império subsequente. A visão

no capítulo 7 sustenta isso. Se assumirmos que há uma correlação entre

os quatro reinos consecutivos descritos nos capítulos 2 e 7 (que formam

uma inclusão para a seção aramaica do livro), então a barriga e as coxas de

bronze do capítulo 2 correspondem ao leopardo do capítulo 7 (veja 7.6).26

Este tem quatro cabeças, muito provavelmente simbolizando os quatro reinos

que surgiram do império grego de Alexandre (8.21-22), que foi dividido

entre seus quatro generais após sua morte. Uma vez que os selêucidas

recebem atenção especial nos capítulos 8 e 11, pode-se pensar que esta é a

realidade por trás do quarto reino dos capítulos 2 e 7, mas visões posteriores,

coerentes com o que a história nos conta, retratam os selêucidas tendo

origem em Alexandre (7.6; 8.21-25). Por essa razão, muitos veem o quarto

reino como um sucessor distinto do império de Alexandre, provavelmente

Roma ou um império mundial do fim dos tempos.

Se o segundo reino no sonho de Nabucodonosor é o império medo-

-persa, em que sentido ele pode ser visto como inferior ao império babilônio

(2.39)? Afinal, Ciro conquistou a Babilônia. Além disso, o império

persa durou muito mais do que a dinastia de Nabucodonosor e se estendeu

por uma área grande. Talvez a diversidade étnica dentro do reino medo-

-persa sugira uma fraqueza inerente. Uma opção mais provável é que a

declaração simplesmente reflita uma etiqueta da corte e seja adicionada

aqui como deferência a Nabucodonosor. A esse respeito, é digno de nota

que Daniel identifica a cabeça de ouro especificamente com o rei, e não

com seu reinado, e que ele chama Nabucodonosor de “rei de reis” (v. 37).

Os amigos de Daniel em uma fornalha de fogo (3.1-30)

No capítulo 1, Deus demonstra sua habilidade de abençoar seus seguidores

fiéis, mesmo quando escravizados em uma terra distante. No capítulo 2,

25 Veja Young, Prophecy o f Daniel, 285-86.

26 Goldingay (Daniel, 174) não quer concordar que os capítulos 2 e 7 precisam estar correlacionados

dessa forma.


336 I Introdução aos profetas

ele demonstra sua capacidade de saber todas as coisas, mesmo o sonho de

um rei. Ironicamente, o sonho antecipa a destruição do império mundial gentio

inaugurado por Nabucodonosor e a vinda do reino de Deus. No capítulo

3, Deus demonstra sua capacidade de proteger seus seguidores fiéis, mesmo

quando são objeto da ira de um rei poderoso.

Nabucodonosor erigiu uma enorme estátua banhada a ouro (3.1). O texto

não dá a identidade específica da imagem, mas a associação da estátua com

a adoração aos deuses de Nabucodonosor (v. 12,14) sugere que provavelmente

representava uma divindade, talvez Nabu, o deus que deu o nome

ao rei. Nabucodonosor reuniu todos os seus oficiais e exigiu que eles se

curvassem diante da imagem (v. 2-5). Qualquer um que se recusasse a fazer

isso seria queimado em uma fornalha de fogo ardente (v. 6). Quando os três

amigos de Daniel se recusaram a obedecer ao édito do rei, alguns dos oficiais

do rei os denunciaram a Nabucodonosor (v. 7-12). A notícia irritou o

rei, que chamou os três homens e deu-lhes uma chance de se conformarem

à sua ordem (v. 13-15a). Ele avisou-lhes que, se continuassem a desobedecer,

morreriam e se gabou de que nenhum deus poderia resgatá-los (v. 15b).

Os três homens fincaram pé. Eles disseram ao rei que seu Deus era

capaz de salvá-los do fogo (v. 16-17). Mesmo que ele escolhesse não fazê-

-lo, eles não iriam adorar os deuses do rei nem se curvar diante da estátua

de ouro (v. 18). No versículo 17, lemos, literalmente: “Se o nosso Deus, a

quem servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará da fornalha de fogo ardente

e das tuas mãos, ó rei”. A primeira vista, a afirmação parece expressar

dúvida sobre a existência de Deus, mas sua disposição de desobedecer o

rei e enfrentar a fornalha sugere o contrário. A fraseologia é puramente

retórica e reflete, talvez de forma sarcástica, a perspectiva deformada do

rei. Anteriormente ele tinha reconhecido o Deus de Daniel como o “Deus

dos deuses e Senhor dos reis” (2.47), mas agora ele fala como se esse Deus

soberano não existisse mais (3.15).

Dominado pelo ódio, Nabucodonosor ordenou que a fornalha fosse

aquecida em sua temperatura máxima (o significado provável de “sete vezes

mais quente”) e ordenou que seus guardas amarrassem os três homens e os

lançassem ao fogo (v. 19-21). As chamas eram tão quentes que os carrascos

morreram de calor quando lançaram os homens na fornalha (v. 22-23).

Mas os homens não foram consumidos pelo fogo. Na verdade, para surpresa

do rei, ele os viu caminhando desamarrados, acompanhados por uma

quarta pessoa (v. 24-25). Com relação a essa quarta pessoa, o rei disse: “O

quarto é semelhante a um filho dos deuses”. No versículo 28, Nabucodonosor

explica o que quis dizer ao identificar a figura como um “anjo” de

Deus (literalmente, um “mensageiro”). A identificação desse anjo como um

“filho dos deuses” é coerente com a utilização das expressões comparáveis


D aniel 1337 1

em hebraico, “filhos de Deus/dos deuses”, que se referem consistentemente,

na Bíblia hebraica, a membros da assembleia celestial de Deus (Gn 6.2,4;

Jó 1.6; 2.1; 38.7; SI 29.1; 89.6, e também Dt 32.8 nos manuscritos do mar

Morto).27 Outra referência ao “anjo” de Deus aparece em Daniel 6.22, em que

Daniel diz a Dario que Deus enviou “seu anjo” para fechar a boca dos leões.

Nabucodonosor ordenou a Sadraque, Mesaque e Abede-Nego que saíssem

da fornalha (v. 26). Eles emergiram completamente incólumes, sem

sequer o cheiro do fogo em suas roupas (v. 27). O rei louvou ao seu Deus

como aquele que liberta seus seguidores leais e corajosos (v. 28). Ele editou

um decreto segundo o qual qualquer um que falasse contra o Deus deles

fosse executado e promoveu os três homens (v. 29).

Deus humilha Nabucodonosor (4.1-37)

No capítulo 3, Deus demonstra sua superioridade sobre Nabucodonosor

ao livrar seus seguidores da fornalha do rei. No capítulo 4, ele revela

sua soberania sobre Nabucodonosor de uma maneira ainda mais notável

e direta ao humilhar o arrogante rei. O capítulo é estruturado pelo relato

autobiográfico da experiência do rei que mudou sua vida (v. 1-18,34-37),

no qual está embutido um relato em terceira pessoa do juízo e eventual restauração

do rei (v. 19-33).

O capítulo abre com a fala de Nabucodonosor aos povos da terra (4.1).

Ele afirma sua intenção de lhes contar os atos poderosos do Altíssimo Deus,

cujas grandeza e soberania universais ele agora reconhece (v. 2-3). Ele

relembra um tempo em que teve um sonho que o amedrontou (v. 4-5). Seus

homens sábios não foram capazes de interpretar o significado do sonho,

então o rei voltou-se a Daniel (conhecido na corte babilônica por seu nome

babilônio, Beltessazar) para conseguir uma explicação, porque ele sabia

que ele possuía o “espírito dos deuses sagrados” (v. 6-8,18). Em seu sonho,

o rei viu uma grande árvore que servia de abrigo para os pássaros e para os

animais do campo (v. 9-12). Um mensageiro celestial ordenou que a árvore

fosse cortada, e seu tronco e raízes fossem amarrados com ferro e bronze

(v. 13-15a). O restante da ordem do mensageiro indica que o tronco simboliza

uma pessoa. O mensageiro anuncia que aquele que o tronco representa

deve viver com os animais selvagens e agir como um animal por sete tempos

(v. 15b-16).28 O episódio demonstraria a soberania do Deus Altíssimo

sobre reinos e governantes meramente humanos (v. 17).

27 A expressão bn ’lm , “filhos de deuses” (ou talvez “filhos de El”), aparece em uma maldição

conclusiva apresentada pelo rei Azitawada em uma inscrição datada de cerca de 800 a.C. Veja Pritchard,

James, Ancient Near Eastern Texts Relating to the Old Testament (Princeton: Prínceton University, 1969),

499-500. A expressão refere-se ao panteão de divindades associadas a Baal Shamem, El, e o deus-sol.

28 Muitos presumem que a expressão “sete tempos” refere-se a sete anos, mas isso não é definitivo.


1338 I Introdução aos profetas

O sonho perturbou Daniel, mas Nabucodonosor o incentivou a revelar

seu significado (v. 18-19a). Daniel queria poder contar ao rei que o sonho

dizia respeito a seus inimigos, mas não podia (v. 19b). A árvore simbolizava

o rei em toda a sua força e esplendor (v. 20-22). Mas o rei seria humilhado

por sete “tempos”. Ele viveria afastado da sociedade dos homens e se comportaria

como um animal (v. 23-25a). No entanto, a preservação do tronco e

das raízes mantinha esperança para o futuro. Quando terminasse esse tempo

de castigo, o rei seria restaurado em seu trono se reconhecesse a soberania do

Deus Altíssimo (v. 25b-26). Daniel esperava que o castigo da visão do sonho

pudesse ser evitado pelo arrependimento. Ele orientou Nabucodonosor a se

arrepender de seus pecados e a promover a justiça em seus domínios com a

esperança de que o sucesso do rei pudesse continuar sem interrupção (v. 27).

Um ano depois, quando o rei estava refletindo sobre seu sucesso e esplendor

real, uma voz celestial anunciou que o sonho estava para se cumprir

(v. 28-32). De repente, ele foi atingido pela insanidade e, por sete tempos,

viveu afastado da sociedade humana e ficou com a aparência de uma besta

selvagem (v. 33). Ao final desse período, o Senhor restaurou sua sanidade e

sua posição real (v. 34a,36). O rei reconheceu a soberania do Altíssimo, que

governa com justiça todo o mundo e humilha os orgulhosos (v. 34b-35,37).

Alguns são tentados a considerar essa narrativa como pura lenda por

causa de seu relato bizarro de como o rei se transformou em um animal.

No entanto, essa condição é conhecida no meio médico como zoantropia,

uma insanidade em que o indivíduo pensa ter sido transformado em animal

e exibe tal comportamento. R. K. Harrison testemunhou um caso desses em

uma instituição britânica, em 1946. O paciente em questão se tomou antissocial

e, durante o dia, vagava pelo terreno da instituição e comia grama.

Mesmo durante os meses de invemo, chuvosos e frios, ele se vestia com

roupas leves, mas nunca contraiu nenhuma doença. Seu cabelo cresceu e

suas unhas cresceram grossas e rudes. Harrison observa: “Sem cuidado de

uma instituição, o paciente teria manifestado precisamente as mesmas condições

físicas mencionadas em Daniel 4.33”. Ele acrescenta: “Parece evidente

que o autor do capítulo 4 de Daniel estava descrevendo com bastante

precisão uma condição mental comprovável, ainda que bastante rara”.29

Chega o fim para a Babilônia (5.1-31)

No capítulo 5, Deus novamente demonstra sua soberania sobre reis e

reinados quando anuncia a derrocada da Babilônia de maneira sobrenatural

e surpreendente. O episódio registrado aqui ocorreu em 539 a.C., ano

em que Ciro conquistou a Babilônia. Nessa época, Nabucodonosor tinha

29 Harrison, R. K., Introduction to the Old Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1969), 1.116-17.


morrido e Belsazar governava a Babilônia. Nabonido era o rei da Babilônia,

mas tinha passado vários anos em Tema e deixado seu filho Belsazar

responsável pela Babilônia. O versículo 29 dá uma pista do estado das

coisas, informando-nos que Belsazar elevou Daniel ao posto de “terceiro

no governo do seu reino”, a posição mais alta que ele, o segundo no reino,

podia oferecer (veja também os v. 7,16).

Belsazar ofereceu um grande banquete a seus nobres (5.1). Ele ordenou

que trouxessem os cálices de ouro e prata levados do templo de Jerusalém

por Nabucodonosor à sala de banquetes para que ele e seus convidados

pudessem beber neles (v. 2-3). Enquanto bebiam dos cálices sagrados, louvavam

aos seus deuses (v. 4). Esse sacrilégio não passou despercebido.

Subitamente, surgiram dedos humanos no ar e escreveram uma mensagem

no muro do palácio (v. 5). O rosto do rei ficou branco de terror e ele quase

teve um colapso de medo (v. 6). Ele chamou seus sábios e ofereceu a posição

de “terceiro mais poderoso no reino” àquele que conseguisse interpretar

a mensagem (v. 7). Para desgosto do rei, nenhum dos sábios conseguiu

fazer isso (v. 8-9). No entanto, a rainha-mãe lembrou-se de Daniel, que

devia estar com 80 anos, e disse ao rei que o chamasse (v. 10-12). O rei ofereceu

presentes a Daniel e a posição de terceiro mais poderoso no reino se

ele pudesse interpretar a mensagem (v. 13-16). Daniel recusou os presentes

do rei, mas concordou em ler a mensagem (v. 17). Mas, primeiro, lembrou

a experiência humilhante de Nabucodonosor e como ele tinha subsequentemente

reconhecido a soberania do Deus Altíssimo (v. 18-21). Em contraste

com Nabucodonosor, Belsazar foi orgulhoso. Ele ofendeu a Deus profanando

os cálices sagrados e se recusando a prestar homenagem ao Deus

único e verdadeiro (v. 22-23). Por essa razão, seu reino cairia, como estava

anunciado na mensagem escrita no muro (v. 24).

A mensagem em si era curta, sendo pronunciada mene ’ m ene’ teqel

uparsin (v. 25). Em termos superficiais, as palavras significam literalmente

“uma mina, uma mina, um siclo, meios siclos”. Essas unidades de

medida sugeriam uma imagem de pesos monetários sendo colocados em

uma balança. Dessa forma, cada palavra tinha duplo significado. O termo

m ene5tinha o som do verbo m enah, que significa “contar”. Deus tinha

contado os dias do reinado de Belsazar, e o tempo do rei tinha acabado (v.

26). A palavra tequel tem o som do verbo teqal, que quer dizer “pesar”.

Belsazar tinha sido pesado nas balanças de Deus e sido encontrado em falta

(v. 27). O termo parsin (combinando a conjunção “e” e o plural deperes,

meio siclo) tem o som do verbo peras, “partir em dois”. O reino de Belsazar

tinha sido partido e seria entregue aos medos e aos persas (v. 28).

Fiel à sua palavra e contrário à objeção de Daniel (v. 16-17), o rei vestiu

Daniel de púrpura, pôs uma corrente de ouro em seu pescoço e promoveu-o


| 340 | Introdução aos profetas

oficialmente à posição de terceiro no reino (v. 29). Mas os presentes do rei

eram insignificantes. Nessa mesma noite, a Babilônia caiu, o rei foi morto

e Dario, o medo, subiu ao trono (v. 30-31).30

Daniel na cova dos leões (6.1-28)

Como no capítulo 3, o Senhor, mais uma vez, demonstra sua capacidade

de proteger seus seguidores fiéis. Dario sabia quando encontrava um

talento, e designou Daniel para uma importante posição administrativa em

seu regime (6.1-2). Daniel se distinguiu tanto que Dario planejava promovê-

-lo à posição de primeiro-ministro (v. 3). Os outros administradores, cheios

de inveja, tramaram para destruir Daniel (v. 4-9). Sabendo que Daniel orava

fielmente a seu Deus, convenceram o rei a editar um decreto proibindo orações

a qualquer deus ou homem que não o rei por um período de um mês.

Os violadores, como punição, seriam oferecidos como alimento aos leões.

O vaidoso rei fez do decreto uma lei real, que não podia ser alterada. Como

seus inimigos suspeitavam, a lei não evitou que Daniel orasse a Deus três

vezes ao dia (v. 10). Os inimigos invadiram seus aposentos enquanto Daniel

orava e, após convencerem Dario a reiterar que a lei era inalterável, relataram

o ato de desobediência de Daniel ao rei (v. 11-12). Apesar dos esforços

para encontrar uma brecha na lei, Dario foi obrigado a lançar Daniel na cova

dos leões (v. 13-16a). Enquanto fazia isso, orou ao Deus de Daniel para que

resgatasse seu servo fiel (v. 16b). O narrador da história aumenta o suspense

recusando-se a contar, de imediato, o que aconteceu. Em vez disso, ele nos

informa que a cova dos leões foi selada com o próprio anel do rei (v. 17) e

que o perturbado rei passou a noite em claro em seu palácio (v. 18).

Pela manhã, o rei se apressou à cova dos leões e chamou Daniel, perguntando-lhe

se seu Deus tinha sido capaz de salvá-lo das bestas (v. 19-20). Para

o alívio do rei e nosso, Daniel respondeu informando que o anjo de Deus

tinha mantido a boca dos leões fechada e o havia protegido, pois era inocente

(v. 21-22). Contente por Daniel estar bem, o rei ordenou sua soltura. Ele

também ordenou que os inimigos de Daniel, junto com suas esposas e seus

filhos, fossem atirados aos leões, que devoraram suas vítimas vivas antes

mesmo que chegassem ao solo (v. 23-24). A execução das esposas e dos

filhos dos malfeitores pode parecer injusta e cruel, mas ela reflete os princípios

de solidariedade corporativa, que eram tão comuns no mundo bíblico.31

O destino deles faz contraste acentuado com o de Daniel, que prosperou nos

reinados concomitantes de Dario e de seu superior, Ciro (v. 28).

30 Sobre o problema histórico da identificação de Dario, o medo, veja minhas observações introdutórias

anteriores.

31 Veja meus comentários sobre Oseias 4.5-6 e Amós 7.17, e também o importante estudo de Joel S.

Kaminsky, Corporate Responsibility in the Hebrew Bible (Sheffield: Sheffield Academic Press, 1995).


D aniel | 341

Mais uma vez a autorrevelação de Deus incitou o louvor de um rei

pagão. Dario editou um decreto ordenando que todos em seu reino adorassem

o Deus de Daniel porque ele é o rei eterno e soberano do mundo e

tem a capacidade de resgatar do mal seus fiéis seguidores (v. 25-27). A progressão

do louvor nos capítulos 2-6 é digna de nota. No capítulo 2, Daniel

louva a Deus como fonte de toda a sabedoria (2.20-23). Suas habilidades na

interpretação levam Nabucodonosor a render homenagens a Daniel e a louvar

o Deus de Daniel como o “Deus dos deuses e Senhor dos reis” (2.47).

No capítulo 3, Nabucodonosor, depois de testemunhar o livramento dos

amigos de Daniel da fornalha ardente, louva o seu Deus e proíbe qualquer

blasfêmia contra ele (3.28-29). Após sua humilhação e restauração, Nabucodonosor

edita um anúncio formal de louvor por todo o seu reino e chama

o Deus de Daniel de “Deus Altíssimo” e de “Rei dos Céus” (4.1-3,34-37).

O capítulo 5 não registra nenhuma palavra de louvor vinda do condenado

Belsazar, que parece mais impressionado com as habilidades de Daniel do

que com o Deus que o capacita. Dario, o medo, como Nabucodonosor, edita

um decreto formal de louvor por todo o seu reino (6.25-27). Ele louva o

“Deus vivo” e vai um passo além de Nabucodonosor ao ordenar que seu

povo “tema e reverencie” o Deus de Daniel.

Deus revela seu plano para o futuro (Dn 7-12)

Deus estabelece seu reinado (7.1-28)

A visão registrada neste capítulo aconteceu durante o primeiro ano do

reinado de Belsazar (7.1). Uma vez que Belsazar governou sob o domínio

de Nabonido, a referência deve ser ao ano em que ele foi designado para

seu posto de vice-regente. Um texto babilônico indica que Nabonido, que

governou de 556-539 a.C., fez essa nomeação em seu terceiro ano (aproximadamente

553).

Daniel viu os quatro ventos do céu agitarem o mar, de dentro do qual

subiram quatro grandes bestas (v. 2-3). A primeira lembrava um leão, mas

também tinha as asas de uma águia. Quando suas asas foram arrancadas,

ele foi posto em pé, como homem, e lhe foi dada a mente de um homem

(v. 4). A segunda besta parecia um urso (v. 5). Levantou-se sobre “um dos

lados”. Talvez isso signifique que estivesse agachado ou indo para trás,

como se estivesse pronto para atacar. Também tinha “três costelas entre

os dentes”, como se tivesse acabado de devorar um animal.32 No entanto,

o retrato é meio vago e é possível que a criatura fosse horrendamente

32 Uma opinião alternativa é que o termo normalmente traduzido por “costelas” se refira a dentes, ou presas.

Nesse caso, esse aspecto da descrição simplesmente realça a capacidade da besta de destruir e devorar.


| 342 1 Introdução aos profetas

deformada.33 De qualquer forma, diziam a essa besta com jeito de urso

que se levantasse e devorasse carne. A terceira besta parecia um leopardo,

embora também tivesse quatro asas e quatro cabeças (v. 6). A quarta besta,

que não se parecia com nenhum animal conhecido por Daniel, era a mais

aterradora e poderosa de todas as quatro (v. 7). Tinha dentes de ferro e

esmagava com os pés o que sobrava de suas vítimas. Tinha também dez

chifres, mas um pequeno chifre nasceu dentre eles e arrancou três dos

outros chifres (v. 8a). Esse pequeno chifre tinha olhos de homem e falava

de forma insolente.

A cena subitamente muda. Montam-se tronos e o “Ancião de Dias”

se assenta. Sua roupa e seu cabelo eram brancos como a neve. Seu trono

tinha rodas e consistia de fogo ardente, que corria como um rio diante dele

(v. 9b-10a). Enquanto milhares de atendentes lhe serviam, os outros membros

do tribunal se assentaram e se abriram livros (v. 10b). Enquanto o

pequeno chifre continuava a vomitar seu palavrório, a besta foi morta e

lançada ao fogo (v. 11). Das outras bestas já tinha sido tirada a autoridade

(v. 12). Enquanto Daniel continuava a assistir, “um como o filho do homem”

chegou em nuvens do céu e se aproximou do Ancião de Dias, que lhe deu

autoridade real duradoura sobre toda a terra (v. 13-14).

Perturbado com o que viu, Daniel perguntou a um dos espectadores o

que tudo aquilo significava (v. 15-16). O intérprete explicou que as quatro

bestas simbolizavam quatro reis que se elevariam na terra, mas o reino

eterno de Deus, entregue como uma dádiva aos “santos do Altíssimo”,

suplantaria esses reinos terrenos (v. 17-18).34 Daniel quis saber mais sobre

a quarta besta e seus chifres (v. 19a). Nesse ponto, Daniel dá mais detalhes

sobre o que viu. Lemos que a besta tinha garras de bronze (v. 19b) e que o

pequeno chifre tinha tido sucesso na guerra contra os santos de Deus, até

que o Ancião de Dias decretou sua vitória (v. 20-22). O intérprete explicou

que a quarta besta seria única na capacidade de conquistar e destruir

(v. 23). Os dez chifres simbolizam dez reis que surgiriam desse reinado.

Outro rei se levantaria e subjugaria três desses dez governantes (v. 24). Ele

faria guerra contra Deus e oprimiria seus santos por “um tempo, e tempos,

e a metade de um tempo”, talvez significando três anos e meio (v. 25).35

33 A esse respeito, Porter traça paralelos entre as bestas descritas em Daniel 7 e 8 e os nascimentos humanos

e animais deformados mencionados nos textos de adivinhação mesopotâmios. Um desses textos descreve

a deformidade na qual o ombro esquerdo ou direito é elevado. A criatura como o urso de Daniel 7.5

é descrita como se tivesse um lado “levantado”. Um dos textos de adivinhação fala de uma deformidade

em que os pulmões ficam na boca, como as costelas da besta urso na visão de Daniel. Veja Porter, Paul A.,

Metaphors and Monsters: A Literary-Critical Study o f Daniel 7 and 8 (Lund: CWK Gleerup, 1983), 17.

34 O verbo traduzido como “receberão” é utilizado em 2.6 para o recebimento de um presente em

troca de serviços prestados e, em 5.31, para Dario, o medo, “receber” o reino da Babilônia.

35 Em 4.16,23,25,32, a expressão “sete vezes” aparece, embora não esteja certo se isso se refere a sete anos.


D aniel | 343

Mas então o tribunal celestial decretaria sua derrocada, e os reinos da terra

seriam entregues “ao povo dos santos do Altíssimo”, que governariam para

sempre (v. 26-27). Daniel ficou visivelmente abalado com essa experiência,

mas guardou o assunto para si (v. 28). Se, por um lado, a explicação do

intérprete da visão esclarece seu sentido geral, por outro muitas perguntas

ficam sem resposta:

1. Porque as bestas são mostradas saindo do mar? Essa pergunta levanta

outra ainda mais fundamental: qual o pano de fundo para as imagens desta

visão? Parece que muito das imagens da visão tem raízes na antiga mitologia

semítica ocidental e também no simbolismo bíblico arcaico. Na mitologia,

o deus do mar se opõe ao domínio de Baal, enquanto, na Bíblia hebraica,

o mar simboliza as forças caóticas que tentam destruir a ordem criadora de

Deus e sua comunidade da aliança. Não é surpresa, então, que esses reinos

monstruosos e destrutivos saiam do mar na visão de Daniel.36 Há outras

ligações com a literatura mitológica. Como observado por Day, o Ancião de

Dias “é uma reminiscência do deus supremo cananeu El, que é chamado de

‘pai dos anos’ e tem cabelos grisalhos”.37 Nos mitos, o deus Baal recebe sua

autoridade para governar de El, assim como aquele como o filho do homem

recebeu seu dom de governar do Ancião de Dias na visão de Daniel. Além

disso, como Day destaca, um como o filho do homem vem com as nuvens

dos céus, assim como o apelido de Baal era “cavaleiro das nuvens”.38 A

cena retratada nos versículos 9-10 também é uma reminiscência da assembleia

divina dos mitos e da assembleia divina descrita em IReis 22.19-22.

2. Qual a identidade precisa dos quatro reinos? Como no capítulo 2, não

há consenso sobre a identidade dos quatro reinos mostrados aqui. Se assumirmos

que eles correspondem aos do capítulo 2, então o leão representa o

império babilônico, que ainda estava no poder na época da visão. A imagem

do leão transmite força e ferocidade, enquanto as asas da águia sugerem velocidade.

Talvez a retirada das asas e a transformação do leão em homem reflitam

a restauração de Nabucodonosor de sua condição animal (veja o cap. 4).

Como no capítulo 2, alguns identificam o segundo reino como sendo a

Média, o terceiro como a Pérsia e o quarto como a Grécia. No entanto, a

distinção proposta entre a Média e a Pérsia é problemática, já que o texto

Em Daniel 12.7, uma expressão hebraica equivalente (“um tempo, tempos e meio tempo”) é utilizada para

um período de 1.290 ou 1.335 dias (v. 11-12). Apocalipse 11.2-3 e 13.5, ambos os quais parecem antecipar

o remado opressivo do chifre pequeno descrito em Daniel 7, parecem interpretar a expressão “um tempo,

tempos e meio tempo” como sendo 42 meses/l .260 dias (meses lunares de 30 dias), isto é, três anos e meio.

36 Veja Collins, John J., Daniel, First Maccabees, Second Maccabees (Wilmington: Michael Glazier,

1981), 72-76.

37 Day, John, Yahweh and the Gods and Goddesses o f Canaan (Sheffield: Sheffield Academic Press,

2000), 106.

,sIbid.


1344 1 Introdução aos profetas

vê “os medos e os persas” como uma entidade única (5.28; 6.8,12,15), e um

carneiro de dois chifres, refletindo a diversidade dentro da unidade, simboliza

a Média e a Pérsia, em 8.20. Se a criatura com jeito de urso simboliza

o império medo-persa, então as costelas em sua boca, presumivelmente os

restos de uma refeição, provavelmente simbolizam as nações devoradas.

Talvez se fale da Lídia, da Babilônia e do Egito, todos os quais foram conquistados

pelos medo-persas entre 546-525 a.C. A terceira besta, um leopardo

de asas, é um símbolo adequado para Alexandre, o Grande, famoso

por suas conquistas rápidas. As quatro cabeças provavelmente representam

os quatro reinos que surgiram do império de Alexandre após sua morte

(8.21).39 Se a Grécia é o terceiro império, então o quarto reino é, muito

provavelmente, um sucessor, talvez o império romano e/ou uma potência

mundial do final dos tempos (mas veja a discussão a seguir sobre os dez

chifres e o pequeno chifre).

3. Quem são especificamente os dez chifres e o pequeno chifre que brota

entre eles? Muitos, incluindo alguns que consideram o império grego de

Alexandre como sendo a terceira besta, entendem que os dez chifres são

os sucessores de Alexandre na região da Síria (conhecidos como os selêucidas).

Os selêucidas desempenham importante papel nas visões seguintes

de Daniel (veja as referências ao “rei do norte”, no capítulo 11) e foram

especialmente hostis aos judeus. Um membro em particular dessa dinastia,

Antíoco IV Epifânio, que governou de 175-163 a.C., ganha atenção

especial e é mostrado como arqui-inimigo de Deus e de seu povo (8.9-

14,23-25; 11.21-39). Em 8.9-10, ele é simbolizado por um chifre pequeno

que cresce e fica tão poderoso que consegue derrubar alguns das hostes

celestiais. Há quem correlacione essa imagem com a do capítulo 7, argumentando

que o chifre pequeno, nos dois casos, é Antíoco IV.

Quanto aos dez chifres de 7.8,20, os primeiros sete podem ser vistos

como predecessores de Antíoco IV:

Seleuco I Nicator (312-280 a.C.)

Antíoco I Sóter (280-262)

Antíoco II Teos (262-246)

Seleuco II Calínico (246-226)

Seleuco III Cerauno (226-223)

Antíoco III Magno (223-187)

Seleuco IV Filopáter (187-175)

39 Aqueles que veem um império persa distinto como a terceira besta às vezes identificam as quatro

cabeças como os quatro governantes persas mencionados em 11.2. Veja Lacocque, Andre, The Book o f

Daniel. Pellauer, D. (trad.) (Atlanta: John Knox, 1979), 140.


D aniel | 345 |

Nesse esquema, os três chifres deslocados podem ser identificados como

sendo Demétrio I (filho mais velho de Seleuco IV), Antíoco (filho mais

novo de Seleuco IV) e Heliodoro. Todos os três aspiravam ascender ao

trono, mas foram impedidos por Antíoco IV.40

Alguns dos detalhes da visão cabem bem com a visão de que Antíoco

IV é o chifre pequeno. Antíoco fez guerra contra o povo de Deus e o oprimiu

(v. 21-22,25a). Ele mudou “os tempos” e a “lei” dos judeus (v. 25b),

forçando-os a desistir de muitas tradições e práticas religiosas arraigadas

(veja IMac 1.44-49). Em 167 a.C., ele profanou o templo em Jerusalém

(IMac 1.54-55; veja Dn 8.11-14). O templo continuou em condição ritual

corrompida por três anos e dez dias (cf. IMac 1.54 com 4.52) antes de o

vitorioso Judas Macabeu ordenar que fosse purificado ritualmente e reconsagrado,

um evento que é celebrado até hoje como o Chanucá (que quer

dizer “dedicação”).41

No entanto, há alguns problemas com essa linha de interpretação: (1) A

visão parece ver os dez chifres da quarta besta como governantes contemporâneos,

não sucessivos. (2) Há diferenças significativas entre o pequeno

chifre do capítulo 7 e o pequeno chifre do capítulo 8.42 O pequeno chifre do

capítulo 7 é associado à quarta besta, que, diferentemente das três primeiras,

não é comparada a um animal específico. Ele cresce entre dez outros

chifres e suplanta três deles. O pequeno chifre do capítulo 8 cresce em um

cabrito. Nasce de um de quatro chifres.43 (3) Há uma pressão forte para

explicar como o reino eterno de Deus foi inaugurado pelos Macabeus em

conjunção com a queda de Antíoco IV.

Por essas razões, muitos preferem identificar os dez chifres como sendo

um reino mais recente, seja o Império Romano ou uma potência mundial

do fim dos tempos, vista por alguns como uma extensão ou renascimento

de seu predecessor romano.44 Os que propõem essa abordagem tipicamente

40 Veja Goldingay, Daniel, 179-80, para uma discussão dessa abordagem, e também Buchanan,

George Wesley, The Book o f Daniel (Lewiston: Mellen Biblical, 1999), 173. Alguns identificam um dos

chifres deslocados com Ptolomeu IV do Egito, que Antíoco derrotou em batalha.

41 De acordo com 7.25b, o pequeno chifre iria oprimir os santos por “um tempo, tempos e meio

tempo”, o que sugere um período de três anos e meio. Se Antíoco estivesse em vista aqui, essa figura

não seria restrita ao período durante o qual o templo foi profanado, mas incluiria os meses que levaram

a esse sacrilégio máximo.

42 Veja Young, Prophecy o f Daniel, 275-79.

43 Goldingay (Daniel, 174) sabe dessas diferenças, mas não acha que “em qualquer ponto os retratos

do pequeno chifre são incompatíveis”. Ele afirma: “Elespodem denotar reis diferentes, mas - justapostos

no mesmo livro - esse não é o entendimento natural”. Goldingay alega que Antíoco IV é a realidade

por trás do pequeno chifre nos dois capítulos. Ele argumenta que “as imagens e os detalhes diferentes

complementam uns aos outros”.

44 Em Apocalipse 17.12-14, dez chifres são identificados como futuros reis que se oporão a Cristo.

Esses chifres crescem de uma besta de sete cabeças cavalgada por uma mulher de nome “Babilônia”

(isto é, Roma).


1346 j Introdução aos profetas

identificam o pequeno chifre do capítulo 7 com a figura conhecida como o

anticristo (veja lJo 2.18). Paulo se refere a esse indivíduo como o “homem

da iniqüidade” (2Ts 2.3-9), e o Apocalipse o retrata como uma besta que

exibe a mesma hostilidade para com Deus e seu povo que o pequeno chifre

de Daniel 7.45 Semelhanças entre Antíoco IV e o anticristo são explicadas

como de natureza tipológica.46

1. Quem é o Ancião de Dias e por que ele é retratado com vestes brancas

e de cabelos brancos (v. 9)? O Ancião de Dias é o Deus Altíssimo,

retratado aqui como o rei soberano do mundo, que concede autoridade a

seu vice-regente e pronuncia juízo contra o pequeno chifre (v. 13-14,21-

22). Suas vestes alvas como a neve apontam para a pureza de seus juízos.

Seu título e seus cabelos brancos mostram-no idoso, sugerindo que ele é

extremamente sábio.

2. Quem é “um como o filho do homem”?47 A aparência humana dessa

figura apresenta forte contraste com os animais ilustrados antes nesta visão.

Sua chegada nas nuvens do céu também entra em contraste com as bestas de

antes, que saíram do mar. Alguns identificam essa figura como sendo o anjo

Miguel, que é mostrado em uma visão posterior como o “grande príncipe”

(12.1; veja também 10.13,21).48 Os que propõem essa abordagem destacam

que a figura é como um filho do homem, indicando que ele tem uma aparência

humana, mas não é humano em essência. Em outras passagens em

Daniel, seres angelicais são chamados de homens (9.21; 10.5; 12.6-7) e são

descritos como tendo a aparência de homens (8.15; 10.16,18).49 Entretanto,

se, por um lado, não há dúvidas de que o livro de Daniel dá a Miguel um

papel importante como defensor do povo de Deus (12.1), por outro, não o

mostra como o eterno rei do mundo (cf. 7.14).

Outros interpretam aquele “um como o filho do homem” em um sentido

representativo ou corporativo e entendem a referência como sendo “o povo

dos santos do Deus Altíssimo”, mencionado no versículo 27. O paralelismo

entre os versículos 13-14 e 26-27 sustenta essa visão, pois tanto o “um

como o filho do homem” e o “povo dos santos do Deus Altíssimo” recebem

um reino eterno.50 No entanto, uma vez que a expressão “um como o filho

45 As imagens de Daniel 7 influenciaram a descrição da besta por João; ela emerge do mar e se parece

com um leopardo, um urso e um leão.

46 Veja Archer, “Daniel”, 99.

47 Para um estudo minucioso da identidade dessa figura, veja Casey, Maurice, Son o f Man: The

Interpretation and Influence o f Daniel 7 (Londres: SPCK, 1979).

48 Os que propõem essa visão também veem os “santos do Altíssimo” (v. 18,21-22,25,27) como seres

angelicais.

49 Observem, no entanto, que a expressão equivalente em hebraico a “filho do homem” é utilizada

para Daniel em 8.17.

50 No versículo 27b, os pronomes no singular são mais bem entendidos como uma referência ao


D aniel I 347

do homem” sugere de forma mais natural que se trata de um indivíduo, é

mais provável que se refira ao governante do povo a quem o reino é entregue.

O povo recebe o reino (v. 22-27) por meio de seu representante real (v.

14). Embora a utilização de “como” (v. 13) possa sugerir que a figura apenas

tenha aparência humana, e não seja realmente humana, deve-se notar

que uma símile, às vezes, aponta para a realidade subjacente à metáfora.51

Em casos assim, a preposição ke-, normalmente traduzida por “como”, tem

a força de “em todos os aspectos como”, ou “de toda forma como”.52

Se entendermos o pequeno chifre da visão como Antíoco Epifânio (como

já visto), podemos identificar “um como o filho do homem” como sendo Judas

Macabeu, que liderou a revolta dos judeus contra Antíoco, entre 168-164 a.C.

(veja nossa discussão anterior sobre a identidade do pequeno chifre).53 Entretanto,

Judas não inaugurou um reino eterno (7.14). No final, Jesus se apropria

do título, anunciando que ele, “o filho do homem”, virá, como a figura descrita

em Daniel 7.13, “nas nuvens do céu, com poder e grande glória” (Mt

24.30, veja também Mt 26.64; Mc 13.2; 14.62; Lc 21.27).

3. Quem são os santos do Altíssimo? Alguns identificam esse grupo

como sendo a assembleia de anjos, enquanto outros entendem que é o povo

da aliança de Deus (note a tradução da NIV, “santos”). Tanto na parte em

hebraico quanto na parte em aramaico do livro, os anjos são chamados de

“santos” (4:13,17,23; 8:13), e a expressão é utilizada para seres angelicais

em outras passagens na Bíblia hebraica (Dt 33.3; Jó 5.1; 15.15; SI 89.5,7;

Pv 30.3; Zc 14.5). Contudo, a expressão também pode se referir ao povo de

Deus (SI 34.9).

A evidência no capítulo 7 é ambígua. O pequeno chifre, que simboliza

um governante humano, luta contra os santos e os oprime (7.21,25). Uma

vez que o pequeno chifre é humano, é natural pensar que suas vítimas também

o são. Contudo, em 8.9-10, mostra-se o pequeno chifre (simbolizando

“povo” mencionado no versículo 27a, não ao Altíssimo (uma comparação com os v. 13-14 favorece

isso). Uma vez que “povo” é um substantivo coletivo, os pronomes que se referem a ele podem estar no

singular, mesmo com o sentido de plural. Para evitar confusão, podemos traduzir o versículo 27b assim:

“O reino deles [i.e., do povo] será um reino eterno, e todos os governantes os adorarão e lhes obedecerão

[i.e., ao povo]”. VejaYoung, Prophecy o f Daniel, 162.

31 Veja E. W. Bullinger, Figures o f Speech Used in the Bible (reimpressão, Grand Rapids: Baker,

1968), 728-29.

52 Veja Bruce K. Waltke e M. 0 ’Connor, An Introduction to Biblical Hebrew Syntax (Winona Lake:

Eisenbrauns, 1990), 203. Por exemplo, em Joel 1.15, diz-se que o dia do Senhor “virá como [i.e.,

exatamente como] destruição da parte do Todo-Poderoso”, o que quer dizer que será, de fato, um caso

de destruição divina. Veja também Isaías 1.7-8, em que as expressões “devastados como a ruína que os

estrangeiros costumam causar” (literalmente, “[exatamente] como uma devastação por estrangeiros”)

e “[exatamente] como uma cidade sitiada” indicam que Judá foi, de fato, devastada por invasores

estrangeiros e que Jerusalém estava, de fato, sitiada.

53 Veja Buchanan, The Book o f Daniel, 231.


I 348 | Introdução aos profetas

Antíoco) realmente lançando ao chão alguns das hostes estelares (simbolizando

anjos) e pisoteando-os.

De acordo com 7.18, os santos recebem o reino, assim como o “povo

dos santos” o faz no versículo 27. Isso pode sugerir que o povo e os santos

devem ser identificados, mas a expressão “povo dos santos”, no versículo

27 (veja também o equivalente hebraico em 8.24), parece indicar que o

“povo” seja distinto dos santos. Os santos (entendidos como anjos) podem

ser vistos como protetores do povo de Deus e como co-herdeiros do reino

(veja a ilustração de Miguel, em 10.21 e 12.1). No entanto, “povo” e “santos”

podem muito bem estar em justaposição no versículo 27, significando

“o povo dos santos”.54

A visão do carneiro de chifres (8.1-27)

Dois anos mais tarde, durante o terceiro ano de Belsazar (aproximadamente

551 a.C., veja 7.1), Daniel recebeu outra visão na qual ele viu a si

mesmo na cidadela elamita de Susã, uma importante cidade provinciana

da Pérsia (Ne 1.1; Et 1.2) (8.1-2). Essa visão referia-se ao “tempo do fim”

(v. 17b), ao “tempo determinado do fim” (v. 19b) e ao “futuro distante”

(v. 26b). O anjo Gabriel interpretou a visão para Daniel, sobre quem teve

impacto perturbador (v. 15-19,26-27).

Daniel viu um carneiro ao lado do rio Ulai, próximo a Susã (v. 3a).

O carneiro tinha dois longos chifres; um era maior do que o outro, muito

embora tivesse nascido depois (v. 3b). O carneiro dava marradas para o

norte, e para o sul, e para o oeste, derrotando todos que se opunham a

ele (v. 4). Como descobrimos no versículo 20, esse carneiro simbolizava o

Império Medo-Persa. O chifre mais longo representava os persas, que cresceram

em importância depois dos medos, mas, eventualmente, tomou-se o

dominante dos dois.

Enquanto Daniel ponderava o significado do carneiro, ele viu um bode

com um chifre grande cruzar a terra vindo do oeste (v. 5). O bode atacou

o carneiro, quebrou seus dois chifres e pisoteou o carneiro (v. 6-7). O bode

ficou muito poderoso, mas, do alto de seu poder, o chifre grande foi quebrado

(v. 8a). Quatro chifres cresceram em seu lugar (v. 8b). O versículo 21 nos fala

que o bode simbolizava a Grécia e o chifre grande era seu rei, o grande conquistador

Alexandre, que morreu prematuramente. Seu reino acabou dividido

54 Outros exemplos de “povo” seguido por um substantivo plural incluem Êxodo 1.9 (literalmente,

“o povo dos filhos de Israel” = “o povo, isto é, os filhos de Israel”); salmo 95.10 (literalmente, “o povo

daqueles que têm coração perverso” = “o povo que tem coração perverso”); Jeremias 31.2 (literalmente,

“o povo dos que escaparam à espada” = “o povo que escapou à espada”); Daniel 11.15 (literalmente, “o

povo dos escolhidos” = “o povo escolhido”); Daniel 11.32 (literalmente, “o povo daqueles que conhecem

seu Deus” = “o povo que conhece seu Deus”).


D aniel | 349 |

entre seus generais, simbolizados pelos quatro chifres que cresceram no lugar

do chifre grande (v. 22). Cassandro governou a Macedônia, Lisímaco controlou

a Trácia e a Ásia Menor, Seleuco ficou com a Síria, e Ptolomeu levou

o Egito.55 Essa diversidade geográfica explica por que os quatro chifres são

descritos como crescendo com os quatro ventos do céu (v. 8b).

Um chifre pequeno brotou em um dos quatro chifres do bode. Apesar de

pequeno no início, cresceu para o sul e para o leste e ameaçou até a Palestina,

aqui chamada de “formosa” (v. 9). Esse mesmo termo é utilizado mais tarde

para a Palestina (11.16,41) e para o monte do templo (11.45).56 Esse chifre

poderoso chegou a puxar algumas estrelas do céu e pisoteá-las. Ele se via

como se fosse o “príncipe do exército” (talvez se referindo ao anjo Miguel;

veja 12.1) (v. 10-1 la). Ele profanou o templo por um período de 2.300 tardes

e manhãs (v. llb-14).57 Descobrimos nos versículos 23-25 que esse chifre

simboliza um rei perverso em particular, que declararia guerra ao povo de

Deus, mas seria destruído de maneira sobrenatural (v. 25b).

O pequeno chifre mostrado no capítulo 8 é Antíoco IV Epifânio,

governante do reino selêucida de 175-163 a.C. A visão faz alusão à sua

conquista do Sul (Egito, veja IMac 1.16-19), submissão da Palestina

(IMac 1.60), profanação do templo (IMac 1.44-49,54-59) e atrocidades

contra o povo (IMac 1.60). Seu ataque a Deus tomou a forma de

incentivar a desobediência à lei de Deus, sacrificar porcos em altares

sagrados, queimar cópias da lei de Deus e executar qualquer um que

guardasse cópias. As palavras dos versículos 10-11 a, por um lado hiperbólicas,

refletem precisamente sua arrogância. Em 2Macabeus 9.10, ele

é descrito como alguém que pensou que “podia tocar as estrelas no céu”,

e suas moedas tinham uma estrela sobre sua efígie.58 Como na profecia

de Daniel 8.25b, Antíoco encarou sua derrota por ação não humana. De

acordo com IMacabeus 6.1-16, ele morreu de dor, após saber das vitórias

dos macabeus sobre suas tropas. Uma tradição alternativa, em 2Macabeus

9, dá um relato mais detalhado da morte do rei. De acordo com os

versículos 5-6, o Senhor “feriu-o com um mal implacável e misterioso”

que provocou-lhe severas dores abdominais. Ele, então, caiu de seu carro

e ficou severamente ferido (v. 7-8). A ferida ficou infestada de vermes

e seu corpo começou a apodrecer. O fedor era tão terrível que ninguém

55 Para uma breve pesquisa histórica sobre esse período, veja Hoehner, Harold W., “History and

Chronology of the New Testament”, em Foundations fo r Biblical Interpretation. Dockery, D. S.;

Mathews, K. A.; Sloan, R. B. (orgs.) (Nashville: Broadman & Holman, 1994), 458-59.

56 Em Ezequiel 20.6,15, a Terra Prometida (Israel) é chamada de “a mais linda de todas as terras”.

57 Isso pode referir-se a 2.300 dias (dias e noites) ou a 1.150 dias completos. Para uma discussão das

alternativas, veja Young, Prophecy o f Daniel, 173-75.

58 Veja Goldingay, Daniel, 210.


| 350 | Introdução aos profetas

conseguia chegar perto dele (v. 9-11). Ele confessou seus pecados, mas

foi rejeitado por Deus e morreu miseravelmente (v. 12-29).

A prece de Daniel é atendida (9.1-27)

Muitos anos depois, no primeiro ano do governo de Dario, o medo (539-

538 a.C.), Daniel estava lendo, ou, ao menos, refletindo sobre a profecia

de Jeremias, de que Jerusalém ficaria desolada por 70 anos (9.1-2). Duas

passagens em Jeremias afirmam isso. Em 25.11-12 (em uma mensagem

datada de 605 a.C.), o Senhor declarou que todo o país ficaria desolado e

serviria ao rei da Babilônia por 70 anos. Em 29.10 (em carta datada algum

tempo depois de 597 a.C.), o Senhor prometeu que traria seu povo de volta

ao lar “logo que se cumprirem para a Babilônia setenta anos”. Se o começo

desse período era 605 a.C., quando Daniel foi para o exílio, então tinham

se passado 66 anos, e o período profetizado estava chegando ao fim. Se o

começo do período é considerado como sendo 597 ou 586 a.C., então o

número “setenta” é, mais provavelmente, metafórico, sugerindo uma existência,

uma vida inteira.59 De qualquer maneira, a partir da perspectiva de

Daniel, o período estava se aproximando do final.

Ciente de que o Senhor tinha anunciado sua intenção de restaurar seu

povo depois do tempo de castigo designado, Daniel decidiu orar pela intervenção

prometida por Deus (v. 3). Isso sugere que ele pode não ter visto o

período profetizado como gravado na pedra. Deus pretendia que o exílio

terminasse depois desse período, mas a ação de Daniel sugere que ele pode

ter entendido que o arrependimento fosse um pré-requisito para o cumprimento

da profecia. Daniel se dirigiu ao Senhor como o Deus da aliança

fiel ao seu povo obediente (v. 4). É claro, o povo de Deus não tinha sido

obediente, então, Daniel, falando em nome da nação exilada, confessou sua

culpa corporativa e reconheceu que eles tinham rejeitado os servos proféticos

do Senhor (v. 5-6). Antes de seu justo juízo, toda a comunidade exilada

estava coberta de vergonha e culpa (v. 7-1 la). O juízo bem merecido,

ameaçado na lei de Moisés, tinha recaído sobre o povo e deixado Jerusalém

em ruínas (v. 1 lb-14). Lembrando ao Senhor sua libertação passada da

nação do Egito, Daniel pediu que ele mostrasse misericórdia a Jerusalém e

perdoasse o pecado que a levou à ruína (v. 15-19a). Afinal, Jerusalém era

a cidade do Senhor, e o povo exilado carregava seu próprio nome (v. 19b).

Assim que Daniel começou a orar, o Senhor deu uma resposta à sua

prece porque ele era “mui amado” por Deus (v. 23). Gabriel entrou em

cena para dar a Daniel conhecimento do plano de Deus para Jerusalém

(v. 20-22).

59 Para uma discussão da questão, veja meus comentários sobre Jeremias 25.11.


D aniel | 351

Antes de discutir os detalhes desse plano, apresentamos uma tradução

comentada dos versículos 24-27:

24 Setenta “semanas”60 estão determinadas sobre o teu povo

e sobre a tua santa cidade, para fazer cessar a transgressão,61

para dar fim62 aos pecados, para expiar a iniqüidade, para trazer

a justiça eterna,63 para selar a visão e a profecia64 e para ungir

o Santo dos Santos.65 25 Sabe e entende: desde a saída da

ordem66 para restaurar e para edificar Jerusalém, até ao Ungido,

ao Príncipe, sete semanas e sessenta e duas semanas;67

as praças e as circunvalações se reedificarão, mas em tempos

angustiosos. 26 Depois das sessenta e duas semanas,

será morto o Ungido e já não estará;68 e o povo de um prín­

60 A palavra hebraica sh a b u a , que aparece no versículo 24 no plural, quer dizer, literalmente, “um

período de sete”. Em outras passagens, é utilizada para designar uma semana (um período de sete dias) (Gn

29.27-28 [cf. Jz 14.12]; Êx 34.22; Lv 12.5; Nm 28.26; Dt 16.9-10,16; 2Cr 8.13; Jr 5.24; Dn 10.2-3). Aqui

em Daniel 9.24-27, normalmente, considera-se que ela se refira a sete “semanas” de anos, isto é, um período

de sete anos. As “setenta semanas”, então, constituem 490 anos. Entretanto, veja a discussão abaixo.

61 O texto consonantal hebraico (ketib) lê o verbo k a la ’, que quer dizer “restringir, conter”. A

tradução segue a leitura marginal dos escribas (qeré), que tem o verbo kalah, que quer dizer (no tronco

piei) “dar um fim”.

62 O texto consonantal hebraico (ketib) lê o verbo katam , que quer dizer “lacrar”. A tradução segue

a leitura marginal dos escribas (gere), que tem o verbo tam am , que quer dizer (no tronco hiphit) “levar

ao fim”. A leitura ketib foi provavelmente influenciada pelo surgimento do verbo “lacrar” mais adiante

no versículo.

63 O plural é utilizado provavelmente para dar ênfase.

64 O texto traz, literalmente, “uma visão e um profeta”, mas a expressão é provavelmente uma

hendíade, em que a segunda palavra qualifica a primeira.

65 O referente preciso não está indicado, mas a expressão é utilizada invariavelmente em outras

passagens para objetos, lugares ou sacrifícios santos, não para pessoas.

60 Literalmente, “uma palavra”. Aqui se fala de um decreto formal que anuncia ou permite a reconstrução

da cidade.

67 O texto traz, literalmente, “sete semanas, e sessenta e duas semanas”. Alguns combinam os números

e entendem que o texto quer dizer: “até [que chegue] um ungido, um governante, [haverá um período

de] sessenta e nove semanas”. Entretanto, esta seria uma maneira estranha de expressar o número 69.

Em outras passagens, números nessa faixa de “sessenta” são expressos pela combinação de 60 com

outro número. Por exemplo, 62 é, literalmente, “dois mais sessenta” (Dn 5.31) ou “sessenta mais dois”

(Dn 9.25-26), 65 é “sessenta mais cinco” (Is 7.8), 66 é “sessenta mais seis” (Gn 46.26; Lv 12.5), e 68 é

“sessenta mais oito” (lC r 16.38). A pontuação tradicional dos escribas em Daniel 9.27 marca uma pausa

clara entre “sete semanas” e “sessenta e duas semanas”. Essa última expressão é mais bem interpretada

como uma expressão adverbial temporal que inicia a oração seguinte. A referência a “sessenta e duas

semanas” (e não a “sete semanas mais sessenta e duas semanas”) no versículo 26 mostra que as 62

semanas são consideradas de forma distinta das sete semanas. Para uma defesa da opinião aqui expressa,

vejaMcComiskey, Thomas E., “The Seventy ‘Weeks’of Daniel against the Background of Ancient Near

Eastern Literature”, WTJ 47 (1985): 19-25. McComiskey apresenta evidência gramatical contundente

para sustentar a pontuação tradicional no texto hebraico.

68 O texto hebraico traz, literalmente, “e nada [haverjá] para ele” isto é, “ele não terá nada”. Alguns

corrigem o texto, acrescentando o substantivo “maldade”. Nesse caso, o texto traria “embora ele não

tivesse maldade” .


352 | Introdução aos profetas

cipe que há de vir destruirá a cidade e o santuário, e o seu

fim será num dilúvio, e até ao fim haverá guerra; desolações

são determinadas. 27 Ele fará firme aliança com muitos, por

uma semana; na metade da semana, fará cessar o sacrifício

e a oferta de manjares; sobre a asa69 das abominações virá

o assolador,70 até que a destruição, que está determinada, se

derrame sobre ele.

A compreensão da sintaxe do versículo 25 na forma esboçada acima

significa que as 70 “semanas” (ou “setes”) são divididas em três períodos

distintos de sete semanas, 62 semanas e uma semana. O primeiro período,

de sete semanas, começa com uma ordem de reconstrução de Jerusalém

e termina com a chegada de um príncipe ungido, cuja tarefa parece ser

cumprir o decreto. Segue, então, um período de 62 semanas, durante o

qual a cidade é reconstruída e depois do qual um ungido (não mencionado

como governante) será morto. Jerusalém será destruída pelo povo (ou pelo

exército) de um príncipe que virá. A guerra segue até o fim, quando um

indivíduo não identificado (presumivelmente o príncipe que há de vir) fará

aliança com muitos por uma semana, mas profanará o templo antes de

encontrar a destruição.

Quando foi dada a ordem de reconstrução de Jerusalém?71 A maioria

tenta identificar a ordem como um decreto real emitido por um governante

persa. As quatro opções são os decretos de Ciro (em 538 a.C.), Dario (519

ou 518 a.C.), de Artaxerxes a Esdras (458 ou 457 a.C.) e de Artaxerxes a

Neemias (444 a.C.). Os decretos de Ciro (2Cr 36.22-23; Ed 1.1-4; 6.3-5) e

Dario (Ed 6.1-12) dizem respeito à reconstrução do templo, não da cidade

toda. Da mesma forma, o decreto de Artaxerxes para Esdras (Ed 7.11-26)

não faz menção à reconstrução da cidade. Em Neemias 2.1-9, há referências

a cartas de Artaxerxes para Neemias autorizando a reconstrução da cidade.

Utilizando essa data (444 a.C.) como um ponto inicial, alguns calculam

que houve um período de 69 semanas (ou 483 anos) entre a ordem para

reconstruir a cidade e a entrada triunfal do ungido, Jesus, o Messias, que,

69 O referente exato não é claro. Como está o texto, o termo parece combinar com a palavra seguinte,

“a asa das abominações”, mas o que isso pode significar não é claro. Alguns veem o referente como

a “asa do templo” (Mt 4.5), mas como isso se relacionaria com um sacrifício não está claro. Outros

consideram que se trata das projeções de altar em forma de chifre.

70 Uma comparação com 11.31 e 12.11 indica que a palavra sh.iqqu.tsim, “abominações”, combina com

o termo seguinte, “aquele que assola” (um particípio singular). A forma plural deve ser lida, provavelmente,

como singular para concordar com o particípio singular seguinte (a forma singular shiqquts também

aparece em 11.31 e em 12.11). O m em final é, provavelmente, ditográfico ou enclítico.

71A discussão seguinte não é capaz de levantar todas as interpretações da profecia das 70 “semanas”.

Para um levantamento útil das principais opiniões sustentadas na atualidade, veja Miller, Stephen R.,

Daniel, NAC (Nashville: Broadman & Holman, 1994), 252-57.


D aniel I 353 I

então, é “eliminado”.72 No entanto, se a análise sintática de Daniel 9.25 antes

proposta está correta, essa visão não se pode sustentar, pois o “ungido” do

versículo 25 teria de surgir por volta de 396 a.C. (assumindo, como esse sistema

de contagem o faz, que sete semanas é o equivalente a 49 anos).

Uma vez que Daniel tinha ciência da profecia de Jeremias relativa à

desolação de Jerusalém, é mais provável que a ordem à qual Gabriel se

refere seja encontrada também na profecia de Jeremias. Pode-se encontrar

essa ordem profética em Jeremias 30.18, uma passagem que pode ser datada

entre 597-586 a.C. (veja 29.1-2) e está ligada tematicamente à mensagem

registrada no capítulo 29. Se considerarmos o primeiro período de sete

semanas como equivalente a 49 anos, como muitos fazem, podemos esperar

a chegada de um príncipe ungido algum tempo entre 548 e 539 a.C. Foi

durante esse período que o persa Ciro, a quem Daniel servia na época em

que fez sua prece, começou a ganhar impulso em sua investida de construir

um império. Em Isaías 45.1, Ciro é chamado, de fato, de “ungido” de Deus,

logo após ser mostrado ordenando a reconstrução de Jerusalém (44.28).73

Deve ser notado que o “ungido” a que se refere Daniel 9.25 (também chamado

de “príncipe” aqui) e 9.26 não precisa ser o mesmo indivíduo. Se o

príncipe mencionado no versículo 26b pode ser diferente do príncipe no

versículo 25, como muitos sustentam, então o “ungido” do versículo 25 não

precisa ser o mesmo “ungido” do versículo 26.

Se o período de 70 semanas inteiro começa em algum momento entre

597-586 a.C. e o período inicial de sete semanas termina em algum momento

entre 548-539 a.C., quando termina o segundo período, de 69 semanas? Se

usarmos o método de cálculo literal (isto é, uma semana igual a sete anos),

o período seria equivalente a 434 anos. Contando a partir da época de Ciro,

chegamos a uma data entre 114-105 a.C. Utilizando esse sistema, Pierce

conclui que os eventos profetizados nos versículos 26-27 foram cumpridos

durante os reinados dos hasmoneanos Aristóbulo I e Alexandre Janeu.74

Entretanto, uma vez que essas figuras históricas não têm nenhum outro

papel em Daniel, essa proposta parece improvável.

A maioria prefere não calcular as 62 semanas de maneira tão literal. Em

vez disso, correlacionam os eventos descritos nos versículos 26-27 com o

reinado de terror de Antíoco IV Epifânio. Alguns entendem que o “ungido”

72 Para uma apresentação detalhada dessa visão, veja Hoehner, Harold W., “Daniel’s Seventy Weeks

and New Testament Chronology”, em Vital Old Testament Issues. Zuek, R. B. (org.) (Grand Rapids:

Kregel, 1996), 171-86.

73 Para uma defesa da visão que se propõe aqui (a de que o decreto para reconstruir a cidade se

encontra no contexto de Jr 29 e que Ciro é o ungido de Dn 9.25), veja McComiskey, “The Seventy

‘Weeks’ of Daniel”, 25-29.

74 Veja Pierce, Ronald W., “Spiritual Failure, Postponement, and Daniel 9”, TJ 10 (1989):211-22.


I 354 I Introdução aos profetas

do versículo 26 seja o sumo sacerdote Onias III (mencionado provavelmente

em Dn 11.22), que foi morto em 171 a.C. (veja 2Mac 4.33-36). O

cenário desenhado nos versículos 26-27 se encaixa nos eventos de 171-

164 a.C., especialmente a segunda metade do período, quando Antíoco (o

“príncipe” do versículo 26) destruiu Jerusalém, fez uma aliança com os

judeus helenizados, queimou a cidade e profanou o templo (IMac 1.30-61).

Essa visão é sedutora por causa da forma como correlaciona o texto com

outras passagens no contexto imediato que diz respeito a Antíoco IV (veja

especialmente 8.9-14 e 11.31-32). Antíoco erigiu “a abominação da desolação”

(um altar pagão; veja IMac 1.54, 59) no templo (11.31). A expressão

pode até ser um jogo de palavras com o nome Baal Shamen (ou Zeus), uma

divindade adorada por Antíoco.75

Uma vez que Jesus falou da abominação profetizada por Daniel como

tendo cumprimento futuro (Mt 24.15), muitos preferem ver o príncipe

hostil mostrado em Daniel 9.27 como o anticristo. Nessa visão, Jesus é

considerado o “ungido” que é “eliminado” e os romanos são o “povo” do

futuro príncipe que destrói Jerusalém (v. 26). Os que propõem essa visão

são forçados a ver um intervalo entre os eventos do século lc d.C. (v. 26)

e a 70a, a última semana (v. 27). McComiskey evita esse problema vendo

os dois versículos, 26 e 27, como sendo a profecia da queda do anticristo,

que é tanto o “ungido” que é eliminado quanto o “príncipe que virá”. Ele

correlaciona essa passagem com 7.26 e com 11.45, ambas as quais, em sua

opinião, profetizam a queda do anticristo.76

Talvez a comparação de Antíoco IV com o anticristo não seja a forma de

resolver esse problema de interpretação. Se o pequeno chifre do capítulo 8

(Antíoco) é o prenúncio do anticristo (o pequeno chifre do capítulo 7), então

é possível que as duas personagens estejam misturadas em 9.26-27 e que

a passagem tenha um cumprimento duplo.77 Nesse esquema, os versículos

26-27 mostrariam as atrocidades e a queda do anticristo/Antíoco (também

descrito no capítulo 7). A referência de Jesus a uma abominação futura como

profetizado por Daniel exige que haja um cumprimento futuro da profecia,

mas não exclui um cumprimento anterior, parcial. De fato, a maioria concordaria

que Daniel 11.31 descreve a abominação da desolação (cf. o v. 27) nos

tempos de Antíoco IV. Nessa visão, um pensamento tipológico está por trás

da utilização da passagem por Jesus. Antíoco é uma sombra do anticristo, e

o período de 171-164, com suas atrocidades e sacrilégios, é uma sombra do

período de tribulações, quando esses feitos se repetirão.

73 Veja Day, Yahweh and the Gods, 83-84.

16 McComiskey, “The Seventy ‘Weeks’ of Daniel”, 29-35.

77 Alguns argumentam que Antíoco e o anticristo também estão intimamente associados no capítulo

11. Veja a discussão a seguir.


D aniel J355 |

Como é que os eventos profetizados cabem no esquema de 70 semanas?

Obviamente, se (a) entendemos a gramática de 9.25 como uma distinção

entre um período de sete semanas e outro de 62 semanas; (b) consideramos

a ordem do versículo 24 como a profecia de Jeremias de que a cidade seria

reconstruída; e (c) identificamos Ciro, o persa, como o “ungido” que virá

ao final das sete semanas, então o período de 70 semanas não pode referir-

-se a um período literal de 490 anos. Ciro chegou aproximadamente 49

anos depois da ordem, e há indicações textuais de que a 70a semana tem

sete anos de duração.78 Mas um período de 434 anos (o período intermediário

de 62 semanas) não cabe em um esquema cronológico preciso em

que uma semana seja equivalente a sete anos. O período de Ciro a Antíoco

(aproximadamente de 539 a 171 a.C.) é menor do que 434 anos, enquanto

o período de Ciro até Cristo ou o anticristo (dependendo da identidade do

“ungido” do v. 26) é maior do que isso.

Por essa razão, é melhor considerar a designação de 70 semanas de

maneira simbólica. Como McComiskey destaca, o termo “semana” simplesmente

denota uma unidade de sete, não necessariamente uma “semana”

de sete anos.79 A imagem de 70 unidades de sete (ou “semanas”) é, provavelmente,

calendárica, com o simbolismo de sete e 70 sugerindo completude.

A utilização objeto do número sete e de múltiplos de sete no antigo

Oriente Próximo é bem documentada.80 A utilização de sete semanas para

designar o primeiro período (a partir da ordem de Ciro) sugere um período

pleno. Mas esse foi apenas o começo do programa de Deus, pois o plano

completo englobava 70 semanas. McComiskey explica:

As sete semanas podem ser compreendidas como sendo a

representação de uma medida completa de tempo, mas não a

medida mais completa. Esta é denotada pelo conceito numérico

“setenta”, que é dez vezes sete. Isto é, o sete numérico

pode ter sido aplicado ao primeiro período da estrutura porque

representava um período completo - que foi o período

de exílio de Israel na Babilônia. O numeral sete significa a

totalização desse período. Indica que a desolação de Jerusalém

durante o tempo do exílio chegaria ao final e que o povo

retomaria. No entanto, Daniel aprendeu, a partir da visão, que

o sete representava apenas um penúltimo final às desolações

78 Daniel 9.27 diz que a abominação é colocada “no meio dos sete”, enquanto Daniel 12.7,11

indica que a profanação continuará por “um tempo, tempos e meio tempo”, isto é, 1.290 dias, ou,

aproximadamente, três anos e meio.

19 Ibid., 40-41.

80 Ibid., 37-40.


1356 | Introdução aos profetas

de Jerusalém. A desolação cessaria, em última análise, apenas

quando as setenta [semanas] tivessem seguido seu curso e o

supremo desolador tivesse sido destruído.81

É bem natural que a consumação final do programa de Deus se concentrasse

em uma única 70a semana. As 62 semanas designam o período longo

entre Ciro e o começo da semana culminante. Embora esse período de 62

semanas possa ser desproporcional ao primeiro período de sete semanas,

isso só é um problema para aqueles que exigem precisão matemática. No

entanto, essa precisão pode ser estranha a um gênero literário apocalíptico.

No intertestamental Apocalipse de Semanas, encontrado em lEnoque, a

história é dividida em semanas sucessivas que são medidas pela datação

fornecida no Livro de Jubileu, desproporcional em duração.82

A visão final de Daniel (10.1-12.13)

A visão final é datada no “terceiro ano de Ciro, rei da Pérsia” (10.1). Isso

provavelmente se refere ao terceiro ano do reinado de Ciro sobre a cidade

conquistada da Babilônia (isto é, 536 ou 535 a.C.).

Daniel encontra um visitante angelical (10.1-11.1)

A visão de Daniel se referia a uma guerra no futuro e deixou-o de luto

por três semanas (v. 2-3). No 24a dia do primeiro mês (nisan, quer dizer,

março-abril), enquanto estava de pé às margens do rio Tigre, ele viu um

“homem” de branco radiante e que falava em voz alta (v. 4-6). A visão dessa

figura angelical só fez paralisar Daniel, que entrou em um sono como um

transe (v. 7-9). O anjo disse a Daniel que tinha sido enviado com uma mensagem

para ele e garantiu-lhe que não precisava temer (v. 10-12). Embora

o anjo tivesse sido despachado assim que Daniel orou, ele tinha encontrado

oposição ao longo do caminho, fazendo com que sua chegada fosse retardada

por 21 dias, o tempo exato durante o qual Daniel tinha pranteado (v.

13; veja o v. 3). Um inimigo poderoso, chamado aqui de “príncipe do reino

da Pérsia”, bloqueara seu caminho. Miguel, “um dos primeiros príncipes”,

interveio e lhe permitiu completar sua missão. Não nos é dito exatamente

por que esse príncipe se opôs ao anjo enviado a Daniel, mas parece provável

que ele quisesse evitar a entrega da mensagem anunciando a queda do

império persa (veja 11.2-3).83 Esse “príncipe” era, muito provavelmente, um

poder angelical hostil. Conquanto o termo “príncipe” (em hebraico, sar) às

%lIbid., 41.

82 Ibid., 43-44.

83 Veja Goldingay, Daniel, 292.


D aniel | 357 1

vezes se refira, em Daniel, a príncipes humanos (veja 9.6,8; 11.5), também

é utilizado para designar poderes angelicais (10.13,21; 12.1). Uma vez que

o “príncipe” angelical Miguel aqui se opõe ao príncipe da Pérsia, é provável

que este seja um poder angelical também.84

Essa passagem misteriosa, mas esclarecedora, faz alusão ao dissenso e ao

conflito entre a assembleia celestial de Deus. Deus deu jurisdição a membros

de sua assembleia celestial sobre as nações, mas algumas dessas autoridades

delegadas abusaram de sua posição e se rebelaram contra Deus. O texto original

de Deuteronômio 32.8 diz: “Quando o Altíssimo distribuía as heranças

às nações, quando separava os filhos dos homens uns dos outros, fixou os

limites dos povos, segundo o número dos filhos de Israel”.85 Mas, no salmo

82, Deus denuncia esses “deuses” por falharem na promoção da justiça sobre

a terra. O Novo Testamento deixa claro que esses anjos rebeldes, sob a autoridade

de Satanás, se opõem à obra de Deus sobre a terra (Ef 6.12) e lutam

contra os anjos que permaneceram leais a Deus (Ap o 12.7).

O anjo tinha sido enviado a Daniel para explicar a ele o significado da

visão que ele tinha tido anteriormente (v. 1), em especial porque dizia respeito

a Israel (v. 14). Mesmo assim, Daniel foi tão dominado pela presença

do mensageiro angelical que caiu sobre o rosto, calado (v. 15). O anjo tocou

os lábios de Daniel, permitindo-lhe que falasse, mas Daniel só conseguia

dizer quão aterrorizado estava (v. 16-17). O anjo fortaleceu Daniel, deixando-o

pronto para ouvir o que tinha a dizer (v. 18-19). O anjo repetiu que

sua tarefa era a de revelar o futuro a Daniel (v. 21). Também ressaltou que

teria de voltar ao combate espiritual contra os anjos que tinham recebido

jurisdição sobre os reinos da Pérsia e da Grécia. Esse embate já durava três

anos (v. 10.20; 11.1).

Os reis do norte e do sul entram em colisão (11.2-45)

O anjo delineou eventos futuros para Daniel. Ele explicou que mais três

reis surgiriam na Pérsia, seguidos por um quarto, cujo poder excederia o

de seus predecessores (v. 2). Esse quarto rei também lançaria uma campanha

contra a Grécia. A identidade desses quatro príncipes da Pérsia não

84 Veja Stevens, David E., “Daniel 10 and theNotion of Territorial Spirits”, BSac 157 (2000):411-18.

O versículo 13b se refere aos príncipes humanos da Pérsia, mas utiliza um termo diferente, traduzido

por “rei”, nesse caso. Na verdade, a forma plural é utilizada no versículo 13b (contrariamente à NIV),

que podemos traduzir como “eu fui deixado lá perto dos reis da Pérsia”. A razão para o plural é incerta.

Talvez Ciro e seu filho Cambisses sejam os referentes. Veja Stevens, 425.

85 O texto hebraico traz “filhos de Israel”, mas essa é uma má interpretação da expressão “filhos de

Deus”, uma leitura que é certificada em um manuscrito do texto de Qumran. A Septuaginta diz “anjos

de Deus”, interpretando corretamente a expressão como uma referência à assembleia celestial de Deus.

Veja Heiser, Michael S., “Deuteronomy 32:8 and the Sons of God”, BSac 158 (2001):52-74, e também

Chísholm Jr., Robert B., From Exegesis to Exposition (Grand Rapids: Baker, 1998), 26-27.


| 358 I Introdução aos profetas

é totalmente certa. Doze reis seguiram-se a Ciro no trono persa antes que

Alexandre, o Grande (v. 3-4), levasse a dinastia ao fim. Então, a referência

a apenas quatro reis aponta para uma lista seletiva. Xerxes I (486-465 a.C.)

parece ser o quarto rei. Ele foi poderoso e fez campanha contra a Grécia.

Se Xerxes é o quarto rei, então os três primeiros seriam seus predecessores

Cambisses (530-522 a.C.), Esmérdis (522 a.C.) e Dario (522-486 a.C.).

Uma vez que Esmérdis foi um personagem menor, é possível que Cambisses,

Dario I e Xerxes I sejam os três primeiros reis, e Artaxerxes I (465-426

a.C.) seja o quarto. No entanto, uma vez que as duas propostas deixam um

intervalo cronológico considerável entre o quarto rei da Pérsia e Alexandre

(336-323 a.C.), que é mencionado no versículo 3, alguns preferem identificar

o quarto rei como sendo Dario III (336-330 a.C.).

O versículo 3 mostra a grandeza de Alexandre, enquanto o versículo 4

se concentra na eventual desintegração de seu reino. Alexandre derrotou a

Pérsia, mas morreu prematura e subitamente, sem deixar herdeiro legítimo

ao seu trono. Seu império não foi passado a descendentes, mas foi dividido

entre seus generais (veja 8.22). Cassandro ficou com a Macedônia, Lisímaco

controlou a Trácia e a Ásia Menor, Seleuco ficou responsável pela

Síria e Ptolomeu levou o Egito e o sul da Palestina.

Dois desses reinos, a Síria e o Egito, têm papel importante no restante

do capítulo 11, que descreve como os reis do norte (os selêucidas da Síria)

entraram em colisão com os reis do sul (os príncipes ptolomeus do Egito).86

Os títulos “rei do norte” e “rei do sul” se referem, de forma genérica, aos

príncipes selêucidas ou ptolemeus, respectivamente. O quadro a seguir

mostra os príncipes específicos mencionados nesses versículos:

Rei do sul

Rei do norte

v. 5 Ptolomeu 1(322-285 a.C.) Seleuco 1(312-280 a.C.)87

6 Ptolomeu II (285-246) Antíoco II (262-246)

7-9 Ptolomeu III (246-221) Seleuco II (246-226)

10

Seleuco III (226-223)

Antíoco III (223-187)88

11-19 Antíoco III

86 Para um estudo útil de Daniel 11 e de como ele se relaciona com a história do Oriente Próximo, veja

Price, Walter K., In the Final Days (Chicago: Moody, 1977).

87 O rei do norte não é identificado especificamente como tal neste ponto, mas o versículo 6 deixa

claro sua identidade.

88 Nenhum dos dois é chamado de “rei do norte” no v. 10, mas está claro que ambos são filhos do rei

do norte do v. 9.


D aniel I 359 |

(11-12) Ptolomeu IV (221-203)

(14-17) Ptolomeu V (203-180)

Rei do sul

Rei do norte

20 Seleuco IV (187-175)89

21-35 Antíoco IV (175-163)90

(25) Ptolomeu VI (180-145)

36-45 ?

(40) 7

Ptolomeu I era um rei poderoso, mas, ao final, Seleuco I, que tinha

fugido para o Egito sob pressão e tinha servido como um dos generais de

Ptolomeu, reclamou seu território perdido e superou Ptolomeu em poder

(v. 5). Muitos anos depois, por volta de 250, Ptolomeu II e Antíoco II

fizeram uma aliança (v. 6). Em uma tentativa de consolidar o tratado, Ptolomeu

deu a Antíoco sua filha Berenice como esposa. Antíoco se divorciou

de sua esposa, Laódice, em favor de Berenice e deserdou os dois filhos de

Laódice. Em pouco tempo, Antíoco voltou para Laódice, mas ela o matou,

e também a Berenice e ao filho que Berenice tinha gerado para Antíoco.

O irmão de Berenice, Ptolomeu III, tomou-se rei do Egito, em 246 (v.

7a). Ele invadiu a Síria e promoveu uma grande leva de saques e pilhagens

(v. 7b-8). Seleuco II tentou retaliar, mas sua campanha contra Ptolomeu não

teve sucesso (v. 9). Seus filhos Seleuco III e Antíoco III renovaram as hostilidades

contra o Egito (v. 10), mas Ptolomeu IV reuniu um grande exército

e derrotou as forças de Antíoco em Rafia, em 217 a.C. (v. 11-12).

Em 202, Antíoco invadiu a Palestina, em uma época em que o Egito,

enfraquecido por disputas internas, não estava em posição de resistir com

eficácia (v. 13-14a). Alguns judeus tentaram resistir a Antíoco, mas fracassaram

(v. 14b).91 As forças de Antíoco derrotaram os egípcios, que se

retiraram para Sidom, onde se renderam (v. 15). Antíoco agora controlava a

Palestina (v. 16). Ele fez um tratado com o Egito e deu sua filha Cleópatra

89 Ele não é chamado de “rei do norte” aqui, mas é mencionado como o sucessor do rei do norte

descrito nos versículos anteriores.

90 Antíoco IV é mencionado como um de dois reis no versículo 27, mas essa seção nunca o chama,

realmente, de “rei do norte”. Na NIV, o rei do norte do versículo 28 é questão de interpretação; o texto

hebraico não tem a expressão. O governante descrito no versículo 26a é Ptolomeu, não Antíoco. Além

disso, a palavra “rei” não aparece no texto hebraico (de forma oposta à NIV).

91 Goldingay sugere que, aqui, fala-se dos tobíadas, pró-egípcios. Veja Daniel, 297.


1360 ( Introdução aos profetas

em casamento a Ptolomeu V, esperando que isso lhe permitisse controlar o

rei egípcio (v. 17a). O plano foi abandonado, pois Cleópatra se alinhou com

o marido, não com seu pai (v. 17b).

Com o desejo de expandir seu poder ainda mais, Antíoco III voltou-se

para o oeste e invadiu a Grécia, mas um exército romano o derrotou e o forçou

a recuar (v. 18). Ele se tomou súdito de Roma, que exigiu dele tributos.

Ele tentou roubar um templo em Elimaidae e foi assassinado por alguns

habitantes irados (v. 19). Seleuco IV sucedeu Antíoco e tentou levantar fundos

para pagar os tributos exigidos pelos romanos. Ele enviou um coletor

de impostos chamado Heliodoro para roubar o templo de Jerusalém. Ao

final, esse mesmo Heliodoro assassinou Seleuco (v. 20).

Em 175, Antíoco IV, irmão de Seleuco IV, tomou o trono, embora o

filho de Seleuco, Demétrio, prisioneiro político em Roma, fosse o legítimo

herdeiro (v. 21). O texto descreve Antíoco como uma “pessoa desprezível”,

uma avaliação que é sustentada e ilustrada por historiadores antigos.92 Ele

deu a si mesmo o título Teo Epifânio, “Deus revelado”, conquanto seus inimigos

o chamassem Epimanes (louco). Ele controlou a Palestina e retirou o

poder do sumo sacerdote Onias III, provavelmente o “príncipe da aliança”

mencionado aqui (v. 22). Ele fez um trato com Jasom, irmão de Onias. Em

troca da posição de sumo sacerdote, Jasom concordou em promover os interesses

de Antíoco, que incluíam forçar a cultura helenística sobre o povo

judeu (v. 23-24; veja 2Mac 4.7-20).

Antíoco lançou uma campanha contra o Egito e foi derrotado pelas forças

de Ptolomeu VI (v. 25-26; veja IMac 1.17-19). Os egípcios colocaram

o irmão de Ptolomeu no trono, levando Antíoco a tramar com Ptolomeu VI

para reassumir o trono (v. 27). Antíoco, vitorioso, voltou para casa, mas,

no caminho, parou para saquear o templo em Jerusalém e aterrorizar a

população (v. 28; veja IMac 1.20-28). Logo depois, invadiu o Egito, mas,

dessa vez, os egípcios, com ajuda dos romanos, mandaram-no de volta (v.

29-30a). Amargurado com seu fracasso, levou sua ira para Jerusalém, profanando

o altar do templo e cometendo atrocidades contra o povo (v. 30b-

31; veja 8.9-14,23-25; IMac 1.54-60). Ainda que alguns judeus tenham

apoiado Antíoco, outros resistiram a ele (v. 32). Certamente líderes santos,

aqui chamados de “sábios”, conclamaram muitos a se oporem a Antíoco

(v. 33a). Isso provavelmente se refere ao sacerdote Matatias e seus

filhos (conhecidos como Macabeus), que organizaram um exército de

guerrilha (IMac 2.1-28). Eles sofreram alguns revezes (v. 33b), mas, ao

final, saíram vitoriosos. Eles receberam uma “ajudinha” de uma aliança

com Roma (veja IMac 8), embora alguns impostores também tenham se

92 Veja Price, In the Final Days, 56-72.


D aniel | 3 6 1 1

infiltrado em suas fileiras (v. 34).93 Alguns dos líderes (os “sábios”) foram

até martirizados (v. 35a; veja IMac 9.14-27). No entanto, essa sua morte

aparentemente trágica é vista pelos olhos da fé como sendo purificadora

“até o tempo do fim”, quando eles seriam justificados e recompensados (v.

35b; veja o v. 40 e 12.2-3).94

Os versículos 32-35, que resumem os primeiros anos da revolta macabeia,

levam-nos a alguns anos após a morte de Antíoco IV. Mas os versículos

36-39 parecem fazer a descrição de suas obras blasfemas iniciada nos versículos

31-32. Como seu pai antes dele (veja o v. 16), ele fazia o que queria

(v. 36a). Ele alegava ser divino, agigantava a si mesmo diante dos deuses

pagãos e chegava a blasfemar contra o Deus único e verdadeiro (v. 36b-37).

A referência a alguém “desejado pelas mulheres” (v. 37) está em código.

Aparentemente, refere-se a uma divindade que era particularmente sedutora

para as mulheres, talvez o deus Tamuz (veja Ez 8.14). Antíoco rendia honras

especiais a um deus em particular quando lançava ataques a cidades fortificadas

(v. 38-39; veja o v. 24). Esse “deus de fortalezas” era provavelmente

Zeus, que Antíoco tomou o deus patrono dos selêucidas.95

Alguns argumentam que os versículos 36-39 descrevem o anticristo

(identificado como o pequeno chifre do capítulo 7), não Antíoco IV. A

descrição de sua blasfêmia arrogante no versículo 36 encontra paralelo na

descrição do pequeno chifre, em 7.25. Alguns argumentam que Antíoco

não se agigantava diante de todos os deuses.96 No entanto, há que se conceder

aqui algum espaço para a hipérbole.97 Em 2Macabeus 9.8, temos a

afirmação de que Antíoco pensava que “podia comandar as ondas do mar”

e “pesar as grandes montanhas em uma balança”, como se fosse o soberano

criador e rei do mundo.

Talvez a melhor maneira de resolver essa questão de interpretação seja

não comparar Antíoco com o anticristo. Muito provavelmente, Antíoco é

93 Veja Buchanan, The Book o f Daniel, 354-59.

94 Se traduzirmos a preposição ‘ad como “até”, temos a impressão de que os eventos do período

macabeu, descritos nos versículos anteriores, são cronologicamente distintos daqueles durante “o tempo

do fim”. Nesse caso, os eventos profetizados em 11.36-12.4 teriam de acontecer depois da época de

Antíoco e dos macabeus. Entretanto, 8.17 indica que a carreira de Antíoco está incluída no período

designado como “o tempo do fim”. Portanto, é melhor entender que a expressão “até o tempo do fim”,

em 11.35, tem o sentido de “até que o tempo do fim esteja terminado” ou “durante o tempo do fim”.

A preposição 'a d tem a nuance de “até o fim, durante” no aramaico bíblico (veja BDB 1105; cf. Dn

6.7,12; 7.12,25) e, às vezes, no hebraico bíblico (BDB 724, 2b). Nesse caso, “o tempo do fim” em

Daniel engloba a carreira de Antíoco (8.17,19; 11.40) e também os eventos culminantes escatológicos,

incluindo a ressurreição dos mártires macabeus (11.35; 12.4,9-10).

95 Veja Goldingay, Daniel, 304-5, e Lacocque, The Book o f Daniel, 231-32. Zeus provavelmente era

o deus sírio Baal Shamem. Veja Day, Yahweh and the Gods, 83-85.

56 Veja, por exemplo, Archer, “Daniel”, 144.

97 Uma hipérbole semelhante é utilizada em Isaías 14.12-15, que mostra o arrogante rei da Babilônia

como uma divindade mesquinha que tenta suplantar os deuses e usurpar a posição de Deus.


1362 I Introdução aos profetas

um tipo do anticristo, assim como seu altar abominável (11.31; veja IMac

1.54,59) era um prenúncio da profanação do templo (Mt 24.15).98 Seu desrespeito

para com Deus prenunciava a atitude do homem da iniqüidade descrito

por Paulo (2Ts 2.3-9).

A história parece continuar nos versículos 40-45, que contam como o rei

do norte iria revidar outro ataque pelo rei do sul, invadir a Palestina, conquistar

o Egito e armar suas barracas entre o mar Morto e o Mediterrâneo

antes de encontrar a derrota. No entanto, esses versículos não correspondem

aos eventos históricos durante os últimos dias de Antíoco IV. Depois

de profanar o templo, ele não se engajou em outra batalha com o rei do sul

nem morreu na Palestina. Como se explica, então, essa aparente não realização

da profecia?

A maioria dos acadêmicos modernos argumenta que Daniel 11 foi

escrito em 165 a.C. Os versículos 2-39 são vistos como “profecia após o

fato” (escrito em estilo profético, mas estabelecendo datas futuras para os

eventos que pretensamente predizem), enquanto os versículos 40-45 contêm

profecias genuínas, mas não realizadas. Por exemplo, Collins escreve

a respeito do capítulo 11:

O principal foco de atenção é Antíoco IV Epifânio, a cujo

reinado mais de metade do capítulo é dedicada. A revisão precedente

da história helênica faz a ponte entre a suposta época

de Daniel e a composição real do livro. E apresentada como

uma previsão e segue o estilo cifrado da profecia. Dessa maneira,

sugere que o curso da história foi determinado de antemão.

Também dá credibilidade à profecia real com a qual a

passagem termina. Se as “previsões” foram exatas até então,

é provável que elas também sejam confiáveis para o futuro.

De fato, a profecia final, sobre a morte do rei, não se realizou

e Daniel 11 dá uma indicação clara do tempo em que o livro

foi escrito."

A maioria dos evangélicos rejeita esse consenso e trata o capítulo 11

como profecia genuína entregue no tempo de Daniel. Tipicamente eles

argumentam que o referente muda de Antíoco IV para o anticristo, seja no

versículo 36 (com a referência ao “rei”) ou no versículo 40 (com a referência

a “no tempo do fim”). Nesse caso, o anticristo é descrito como um personagem

como Antíoco, que traz ao ápice toda a hostilidade expressa por

98 Veja meus comentários sobre Daniel 9.26-27.

"Collins, John J., TheApocalypticImagination (Nova York: Crossroad, 1987), 88.


D aniel 1363

seu predecessor tipológico e histórico. Ele é identificado com o pequeno

chifre do capítulo 7, que é distinto do pequeno chifre do capítulo 8. Para dar

suporte a essa tese, seus proponentes apelam para declarações de (a) Jesus,

que antecipou uma abominação futura de desolação como a do tempo de

Antíoco (cf. Mt 24.15 com Dn 11.31); (b) Paulo, que previu a vinda de um

homem da iniqüidade que se opõe a Deus (2Ts 2.3-9); e (c) o apóstolo João,

que falou da vinda de um anticristo (lJo 2.18) e teve a visão de um governante

que emerge do mar (Ap 13.1-10). Defensores dessa visão também

destacam que os eventos descritos em 11.40-45 ocorrem “no tempo do fim”

e culminam com a ressurreição (12.1-4).

Os críticos se contrapõem a essa interpretação de Daniel 11. Por exemplo,

Collins afirma:

O argumento conservador de que os versos finais se referem

ao anticristo de um apocalipse distante é gratuito: o texto

não dá nenhuma indicação de uma mudança na referência. O

autor é ciente das duas campanhas de Antíoco no Egito, da

profanação do templo em Jerusalém e da fortificação de Akra,

mas não da reconsagração do templo ou da verdadeira morte

do rei em 164 a.C.100

Em resposta a essas objeções, há diversas considerações a serem feitas:

1. As mudanças de referência não estão indicadas de forma consistente

nesse capítulo. As mudanças de referência ocorrem nos seguintes versículos:

Versículos 5-6: o rei do sul é Ptolomeu no versículo 5 e Ptolomeu II no

versículo 6, mas nenhuma mudança é indicada. O rei poderoso do versículo

5 é Seleuco I, e o rei do norte no versículo 6 é Antíoco II, mas não há

nenhuma indicação disso.

Versículos 6 e 7-9: o rei do sul é Ptolomeu II no versículo 6 e Ptolomeu

III nos versículos 7-9. Há uma mudança de referência implícita no versículo

7. O rei do norte é Antíoco II no versículo 6 e Seleuco II nos versículos 7-9,

mas não há nenhuma indicação disso.

Versículos 7-9 e 10-19: o rei do sul é Ptolomeu III nos versículos 7-9,

Ptolomeu IV nos versículos de 11-12 e Ptolomeu V nos versículos 14-17, mas

as mudanças de referência não são indicadas. O rei do norte é Seleuco II nos

versículos 7-9 e Antíoco III nos versículos 11-19, mas, embora os filhos de

Seleuco II sejam mencionados no versículo 10, não está totalmente claro se o

rei do norte nos versículos 11-19 é Seleuco II ou um de seus filhos.

100 Collins, Daniel wiíh an Introduction, 101.


1364 1 Introdução aos profetas

Versículos 19-20: o texto deixa claro que o príncipe do versículo 20

(Seleuco IV) é o sucessor do rei do norte (Antíoco III) dos versículos 11-19.

Versículos 20-21: o texto deixa claro que o príncipe dos versículos 21-35

(Antíoco IV) é o sucessor de Seleuco IV (v. 20).

Versículos 14-17 e 25: o rei do sul é Ptolomeu V no versículo 17 e Ptolomeu

VI no versículo 25, mas não há indicação de mudança de referência.

2. A referência ao “rei” no versículo 36 pode sinalizar uma transição

de Antíoco IV para outro príncipe ou pelo menos sugere que a descrição

agora é tipológica e transcenda Antíoco. Embora Antíoco tenha conquistado

o reino do norte (v. 21) e seja um dos “dois reis” mencionados no

versículo 27, ele nunca é chamado especificamente de “o rei”, ou mesmo

de “o rei do norte” nos versículos 21-35. Como anteriormente observado,

na NIV, o “rei do norte” do versículo 28 depende de interpretação: o texto

hebraico não tem a expressão. O príncipe descrito no versículo 26a é Ptolomeu,

não Antíoco. Além disso, a palavra “rei” não aparece no texto

original (contrário ao que temos na NIV). A ligação literária íntima entre

o versículo 36 (observe o “fará segundo a sua vontade”) e descrições anteriores

do império medo-persa (8.4), de Alexandre, o Grande (11.3), e de

Antíoco III (11.16) podem sugerir que o rei dos versículos 36-39 sintetize

o orgulho e o poder desses reis anteriores e transcenda historicamente

Antíoco IV. Se for assim, o título “rei” (que só aparece aqui em Dn 11) é

bastante apropriado.

Alguns argumentam que o versículo 40 descreve um ataque dos reis

do norte e do sul contra “o rei” dos versículos 36-39. Se esse é o caso,

então “o rei” não pode ser Antíoco, pois este é visto como usurpador do

reino do norte. No entanto, é mais provável que o versículo 40 descreva

um conflito entre o rei do sul e o rei do norte (“o rei” dos v. 36-39). Isso

seria coerente com o padrão de conflito já estabelecido antes neste capítulo

e com o retrato dos versículos 40b-43, que descrevem um invasor que

devasta da Palestina ao Egito.

3. Areferência ao “tempo do fim” no versículo 40 (veja também o v. 35 e

12.4,9) pode marcar uma transição da época de Antíoco IV para um período

culminante. Entretanto, esse argumento não é tão forte quanto parece inicialmente,

pois a expressão “tempo do fim” é utilizada em 8.17 com referência

à carreira de Antíoco (veja também o v. 19). Por essa razão, a presença

dessa expressão, na verdade, favorece a visão de que os versículos 40-45 se

refiram a Antíoco (veja uma discussão mais detalhada a seguir).

4. O propósito deste capítulo não é dar um relato completo das carreiras

de vários reis. Em vez disso, ele esboça a escalada do poder dos reinos do

norte e, com ele, o aumento da opressão do povo de Deus. Nos versículos

5-12, o rei do sul domina a cena, mas, a começar pelo versículo 13, há uma


D aniel | 365 |

virada de mesa e o rei do norte prevalece. Antíoco IV recebe mais atenção

porque violou o templo. Seu desdém pelo povo de Deus o toma um candidato

perfeito para uso tipológico. Não seria necessário descrever sua morte

aqui porque (a) sua morte já tinha sido anunciada; e (b) o fracasso final de

seu programa de opressão estaria implícito na destruição daquele que ele

tipifica (11.45).

5. Essa padronização tipológica é documentada em outros pontos da

Bíblia. Por exemplo, diversos profetas falam da volta de Israel do exílio

como um segundo êxodo. Isaías retrata o servo do Senhor como um novo

Moisés que lidera esse retorno da escravidão. Alguns profetas chamam o

rei messiânico de “Davi”, porque ele irá governar no espírito e no poder

de seu ilustre ancestral. Essa padronização tipológica às vezes resulta na

fusão de dois eventos paralelos, embora distintos, nas visões proféticas.

Por exemplo, muitos profetas colocam o juízo de Deus sobre nações específicas

de sua época no conjunto de um juízo cósmico, final, anterior à

inauguração do reino de Deus (veja Is 13-27). O próprio Jesus emprega

essa técnica no Sermão do Monte, quando mistura, em uma visão, cenas da

queda de Jerusalém em 70 d.C. e eventos culminantes do fim dos tempos

(veja Mt 24 e Lc 21).

As duas abordagens esboçadas acima entendem que os versículos

36-45 (ou, no mínimo, 40-45) estão em seqüência cronológica com o que

vem antes. Mas será esse o caso, necessariamente? Será que esses versículos

poderiam ser uma recapitulação de eventos anteriores, mais do que

uma seqüência cronológica do que está rascunhado nos versículos anteriores?

Buchanan argumenta que os versículos 40-45, na verdade, dizem

respeito a Antíoco III, cuja carreira é esboçada nos versículos 11-19. Ele

teoriza que o editor final do livro tinha duas versões complementares das

proezas de Antíoco III. Em vez de juntar as duas em um relato único, ele

simplesmente incluiu uma delas (v. 40-45) como um apêndice ao capítulo.

Intérpretes mais recentes não reconheceram isso, levando à confusão de

interpretação que vemos hoje.101

No entanto, há problemas com a proposta de Buchanan. O versículo

40 parece relacionar o rei do norte com o príncipe retratado nos versículos

36-39. O pronome “ele” na afirmação “arremeterá contra ele” refere-

-se mais naturalmente ao rei descrito nos versículos 36-39 (que Buchanan

acredita ser Antíoco IV). Além disso, a referência ao “tempo do fim” no

versículo 40 luta contra essa proposta, pois a expressão é aplicada à carreira

de Antíoco IV em 8.17.

101 Buchanan, Book o f Daniel, 363-67, 420-23. Para fazer funcionar essa proposta, ele alega que o

versículo 45 não se refere ao fim da vida de Antíoco III, mas a um declínio de sua influência e poder.


) 366 I Introdução aos profetas

Uma proposta mais provável é que os versículos 36-45 recapitulem

a carreira de Antíoco IV, pois a referência ao “tempo do fim” no versículo

40, como observado antes, está associada com o reinado de terror de

Antíoco em 8.17.102 Nessa visão, os versículos 36-39 resumem sua atitude

arrogante e seu militarismo (v. 24,31-32). Como no versículo 24, eles o

mostram como alguém que ataca “fortalezas”. Os versículos 40-43 reveem

seus sucessos contra o Egito e a dominação da Palestina (v. 21-26). A descrição

de seu exército no versículo 40 é quase idêntica àquela que temos

em IMacabeus 1.17: “Entrou, pois, no Egito com um poderoso exército,

com carros, elefantes, cavalos e uma numerosa esquadra”. O versículo

44 provavelmente se refere a um episódio no final da segunda campanha

egípcia de Antíoco (veja o v. 29). Quando um boato da morte de Antíoco

chegou a Jerusalém, irrompeu uma rebelião quando Jasom, que tinha

sido superado por Menelau como sumo sacerdote, tentou reconquistar seu

cargo. Quando relatos da rebelião chegaram a Antíoco, ele marchou para

Jerusalém. Em 2Macabeus 5.11, lemos: “Quando a notícia desses acontecimentos

chegou aos ouvidos do rei, ele concluiu que a Judeia queria desertar.

Trazendo seu exército do Egito, com o ânimo enfurecido, conquistou

a cidade de assalto”. Seguiram-se atrocidades, pois Antíoco ordenou que

suas tropas matassem o povo (2Mac 5.12-14). O versículo 45a descreve

a presença opressora de Antíoco na Palestina, enquanto o versículo 45b

olha adiante, para sua derrocada final. E quanto ao fato de Antíoco não

ter morrido na Palestina? Na verdade, isso não chega perto do problema

que alguns levantaram. Esses versículos dão um perfil muito simplificado

da carreira de Antíoco. O versículo 45 não precisa significar ou implicar

que ele morreria na Palestina. Simplesmente esclarece que, apesar de seus

planos para Jerusalém e para a Judeia, ele, ao final, cairia.103

Eventos culminantes (12.1-13)

Logo quando a situação parecia mais desesperadora para o povo

de Deus, Miguel, o protetor angelical de Israel, iria intervir e libertá-

-lo (12.1). Aqueles que veem o anticristo como referência em 11.36-45

102 Albert Bames argumentou que os versículos 40-45 recapitulam a carreira de Antíoco IV. Veja,

dele, Daniel. Frew, R. (org.), 2 vols. (reimpressão, Grand Rapids: Baker, 1979), 2:246-47.

103 Mesmo que essa afirmação pretenda dizer que Antíoco morreria na Palestina, o fato de ele morrer

em outro lugar não é tão problemático quanto se pensa. As vezes, algumas profecias são cumpridas na

essência, mas não com a exatidão que se poderia esperar. Por exemplo, em IReis 21.19, Elias profetiza

para Acabe: “No local onde os cães lamberam o sangue de Nabote, lamberão também o seu sangue; isso

mesmo, o seu sangue!” A profecia foi cumprida (lRs 22.38), embora os cães tenham lambido o sangue

de Acabe em Samaria, e não em Jezreel, onde Nabote foi executado (veja lRs 21.1-14). Ironicamente, a

profecia, talvez em uma versão revisada, parece ter recebido um cumprimento mais literal quando Jeú

assassinou o filho de Acabe, Jorão, e lançou seu cadáver nos campos pertencentes a Nabote (2Rs 9.24-26).


D aniel | 367 |

entendem esse versículo como sendo relativo ao período de tribulação

descrito no livro de Apocalipse, durante o qual Miguel desempenha papel

importante (Ap 12.7). No entanto, se os versículos anteriores dizem respeito

a Antíoco, é mais provável que 12.1 se refira aos transtornos por que

passou Jerusalém em 167-164 a.C. A opressão de Antíoco, por causa de

sua profanação dos sacrifícios no templo e da matança generalizada, pode

bem ser vista como a pior época de perseguição já experimentada pelo

povo de Deus até ali (IMac 1.20-62; 2Mac 5).

A referência à intervenção de Miguel não necessariamente indica um

acontecimento do fim dos tempos. De acordo com a tradição judaica, a

intervenção angelical é o ponto alto das guerras macabeias de independência.

De acordo com 2Macabeus 10.29-30, “cinco magníficos guerreiros,

montados em cavalos”, desceram do céu em uma batalha e protegeram de

forma sobrenatural Judas Macabeu da morte. Eles “lançavam dardos e raios

sobre os inimigos, cegando-os, gerando entre eles a confusão, pondo-os em

desordem”. Antes de sua batalha contra Lísias, Judas pediu ao Senhor que

mandasse “um bom anjo para salvar Israel” (2Mac 11.6). Quando seu exército

se preparava para a batalha, “apareceu diante deles um cavaleiro vestido

de branco, empunhando armas de ouro” (v. 8). A visão deu energia aos

homens, que atacaram destemidamente e derrotaram o inimigo (v. 9-12).

Lísias “concluiu que os hebreus eram invencíveis porque o Deus poderoso

combatia com eles” (v. 13). Antes de sua batalha com Nicanor, Judas pediu

novamente que o Senhor enviasse “um bom anjo” para dominar o inimigo,

assim como tinha feito com o exército de Senaqueribe nos dias de Ezequias

(2Mac 15.22-23). Os homens invocavam o Senhor enquanto lutavam

e tiveram vitória decisiva, que os deixou alegres com a manifestação de

Deus (v. 26-27).

A vitória de Miguel culminaria com a ressurreição dos mortos, alguns

para a vida eterna e outros para vergonha eterna (v. 2). Nesse tempo, os

“sábios”, muitos dos quais tinham sido martirizados (11.33-35), seriam justificados

e honrados (v. 3). Alguns veem a ressurreição aqui de forma metafórica,

referindo-se ao restabelecimento da sorte das nações (Is 26.19; Ez

37.1-14). Entretanto, a referência a malfeitores também se levantando dos

mortos e a ligação literária com 11.33-35, em que há a visão da morte literal

dos mártires, indicam que uma ressurreição literal dos mortos está em questão.

A profecia pula da era macabeia até a futura ressurreição dos mortos,

de maneira a deixar claro que aqueles que deram suas vidas resistindo ao

ímpio Antíoco não morreram em vão. Sua justificação virá.

Aqueles que veem 11.36-45 como uma referência ao anticristo podem

pensar que essa referência favorece sua opinião, uma vez que não houve

ressurreição em conjunto com a vitória macabeia. No entanto, em resposta


I 368 1 Introdução aos profetas

há que se destacar que a mistura de eventos que estão separados na história

é uma característica da profecia. Na verdade, eles mesmos propõem que

essa mistura ocorre entre 11.35 e 11.36.

O anjo instruiu Daniel a encerrar o rolo que continha a visão (v. 4a),

assim como tinha dito depois de sua primeira visão da carreira de Antíoco

(8.26). A retenção da revelação divina faria com que muitos perambulassem

em busca de uma palavra de Deus (v. 4b).104 No entanto, a visão não se

completou totalmente. Daniel viu mais duas figuras angelicais, uma de um

lado do rio (o Tigre; veja 10.4), a outra, do lado oposto (v. 5). Uma delas

perguntou ao anjo vestido de linho (com quem Daniel vinha falando; veja

10.5) quanto tempo levaria para que os eventos profetizados se realizassem

(v. 6). A pergunta é semelhante à feita por um anjo em 8.13. A resposta (v.

7a, “um tempo, dois tempos e metade de um tempo”) é uma reminiscência

de 7.25, que afirma que o pequeno chifre iria oprimir o povo de Deus pelo

mesmo período, provavelmente três anos e meio. O povo de Deus seria

quebrantado pela opressão, mas a libertação prometida chegaria (v. 7b).

Daniel pediu esclarecimento da mensagem (v. 8). O anjo disse a Daniel

para seguir seu caminho e assegurou que ele, um dia, receberia sua herança

por ter sido um seguidor justo do Senhor (v. 9,13). O juízo que viria purificaria

os santos, que, em contraste com os ímpios, teriam o entendimento

de como esses acontecimentos se encaixariam no programa divino (v. 10).

Depois que o altar de abominação fosse instituído, haveria um período

de 1.290 dias, seguido por outro período de 45 dias (v. 11-12). Aparentemente,

o primeiro desses números é relativo a um período de perseguição,

enquanto os 45 dias adicionais são o tempo que levaria para a restauração

e purificação totais ocorrerem. O número 1.290 provavelmente é o período

que corresponde a “um tempo, dois tempos e metade de um tempo”, ou

três anos e meio. Se utilizarmos um calendário lunar (30 dias por mês, por

42 meses), três anos e meio somam 1.260 dias (Ap 11.2-3; 13.5), mas o

número, aqui, pode incluir um mês intercalado, acrescido para o calendário

corresponder ao ano solar.105

Se a opressão de Antíoco está em questão, então esse período começou

quando Antíoco proibiu sacrifícios no templo (IMac 1.44-45), algum

tempo antes de profaná-lo, em 167 a.C. De acordo com IMacabeus, o

templo permaneceu em condição ritualmente poluída por três anos e dez

dias (cf. IMac 1.54 com 4.52), antes que o vitorioso Judas Macabeu ordenasse

que fosse purificado ritualmente e reconsagrado. Isso soma 1.090

dias (1.120 dias, se incluirmos um mês intercalado), e não 1.290, mas o

104 Veja Goldingay, Daniel, 309.

105 Veja ibid., 309-10.


D aniel | 369 |

período em questão provavelmente inclui o tempo entre o decreto proibindo

sacrifícios e a montagem do altar da abominação, ambos mencionados no

versículo 11. Não é claro se os números fornecidos aqui têm relação com as

2.300 tardes e manhãs (1.150 dias?) mencionadas em 8.14 como o tempo

que passaria antes que o templo pudesse ser reconsagrado.

Aqueles que identificam o anticristo como o rei opressor de 11.36-45

preferem ver essa visão final como uma referência ao período de tribulação.

Se o pequeno chifre do capítulo 7 é o anticristo, então a referência a “um

tempo, dois tempos e metade de um tempo”, tanto em 7.25 quanto em 12.7,

dá alguma sustentação a essa proposta. No entanto, em Apocalipse 11.2-3

e 13.5, o controle da besta sobre Jerusalém dura 42 meses/l.260 dias, e

não 1.290 dias. Não importa como se interprete Daniel 12, é aparente que

a opressão de Antíoco, que durou mais ou menos três anos e meio em sua

fase mais intensa, prenuncia um período semelhante de perseguição pelo

anticristo antes do período de tribulação. Se o pequeno chifre do capítulo

7 é, de fato, o anticristo, então essa relação tipológica entre os períodos de

opressão já está aparente no livro de Daniel.


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Profetas Menores

Introdução

Dá-se o nome de Profetas Menores aos últimos 12 livros do Antigo Testamento.

Na Bíblia hebraica, que é dividida em três seções (Lei, Profetas

e Escritos), esses livros proféticos aparecem entre os Profetas, em que são

conhecidos de forma coletiva como “os Doze”.

Esses livros tiveram origem em diferentes períodos ao longo de cerca

de 300 anos. Oseias, Amós e Miqueias profetizaram no século 8a a.C.,

enquanto Naum, Sofonias e Habacuque anunciaram suas mensagens no

século 1~ a.C., provavelmente perto do final do século. Ageu, Zacarias e

Malaquias são livros claramente pós-exílicos. Os ministérios de Ageu e

Zacarias são datados especificamente no final do século 6- a.C.; Malaquias

pode ter origem até a metade do século 52 a.C.

A data de origem dos livros de Joel e Obadias é discutida entre os acadêmicos.

Alguns veem esses livros como os primeiros dos Doze e consideram

sua datação no século 9° a.C., mas evidências internas sugerem

que ambos tiveram origem muito depois. Joel provavelmente tem origem

no início da era pós-exílica, talvez no final do século 6a a.C., enquanto

Obadias foi, provavelmente, escrito durante o exílio (século 6a a.C.,

embora possa ter se originado até a metade do século 5a a.C. Uma vez

que a disposição dos Doze parece seguir uma ordem cronológica aproximada,

alguns veem a colocação de Joel e Obadias na primeira metade

do volume como prova de sua data mais antiga, entretanto, é provável

que a colocação desses dois livros reflita semelhanças temáticas com o

livro de Amós, e não fatores cronológicos. Joel 4.16 é muito semelhante


I 378 1 Introdução aos profetas

a Amós 1.2, e Obadias, com sua denúncia de Edom, desenvolve muito

bem Amós 9.12.1

O livro de Jonas é único entre os profetas menores. Ele é, basicamente,

biográfico, mais do que exortatório. Ele conta a história de um profeta,

enquanto os outros livros dos Doze, em sua maior parte, registram mensagens

distribuídas pelos profetas a Judá e/ou Israel. Embora o ministério

de Jonas seja datado mais adequadamente no século 8a a.C., não é certo

quando o livro de Jonas foi, na verdade, escrito.

A restauração de uma esposa rebelde (Oseias)

Introdução

Oseias profetizou durante o século 82 a.C. De acordo com o cabeçalho

do livro, sua carreira começou enquanto Jeroboão II governava Israel

(ele reinou de 793-753 a.C.) e Uzias era rei de Judá (792-740 a.C.). Seu

ministério profético continuou nos reinados dos reis judaicos Jotão (750-

731 a.C.) e Acaz (735-715 a.C.) e terminou em algum momento do reinado

de Ezequias (715-686 a.C.). Estranhamente, o cabeçalho não menciona os

seis reis israelitas que sucederam Jeroboão. A razão para isso não está clara;

a omissão de seus nomes pode indicar que o editor final do livro os tenha

considerado insignificantes.

O livro de Oseias não exibe uma macroestrutura sofisticada; parece ser

uma antologia solta de pregações, mais do que uma reunião rigidamente

estruturada. Os capítulos 1 e 3 descrevem as negociações de Oseias com

Gômer, que são lições práticas sobre o amor de Deus por Israel (cap. 2).

Os capítulos 4-14 são uma reunião de discursos que têm origem provavelmente

em épocas diferentes da longa carreira do profeta. Embora não haja

uma estrutura abrangente, alguns padrões estruturais mais soltos podem

ser observados. Os capítulos 4 e 5 começam, ambos, com um chamado

para “ouvir”, sugerindo que possam conter discursos paralelos, o primeiro

endereçado a Israel em geral (veja 4.1), o segundo, aos sacerdotes, à “casa

de Israel” (na NIV, “israelitas”) e à casa real (5.1). O chamado ao arrependimento

de 6.1-3 (observe: “Vinde, e tomemos para o S e n h o r ” , no v . 1)

parece concluir essa seção com uma nota positiva. O chamado do profeta

para “retomar” ao Senhor, em 14.1, parece corresponder a esse chamado

ao arrependimento e sinaliza o desfecho otimista do livro. As duas exortações

a “retomar” ao Senhor ecoam a profecia de 3.5 (“tomarão os filhos de

Israel, e buscarão ao S e n h o r ” ), que encerra a seção introdutória do livro.

1 Veja Wolff, Hans W., Joel and Amos, Hermeneia, Trad. Janzen, W. et al. (Filadélfia: Fortress, 1977),

3-4, e, do mesmo autor, Obadiah and Jonah, Trad. Kohl, M. (Minneapolis: Augsburg, 1986), 17.


P rofetas M enores [ 379

Uma questão de família (1.1-2.1)

No início do ministério de Oseias, o Senhor lhe deu umas instruções

estranhas. Ele ordenou que o profeta tomasse “uma mulher adúltera e filhos

da infidelidade” (v. 2). Eles seriam parte de uma lição objeto sobre a infidelidade

de Israel para com o Senhor. Oseias desempenhou o papel do Senhor

nesse drama arrasador da vida real, enquanto sua esposa desempenhava o

papel do Israel adúltero. Os filhos nascidos durante essa época receberam

nomes simbolizando a rejeição de Deus ao seu povo.

Em obediência à ordem de Deus, Oseias casou-se com uma mulher chamada

Gômer (v. 3). Por que Oseias escolheu Gômer? Ela já tinha reputação

como mulher perdida? Era uma prostituta? Alguns acham que sim, mas o texto

não responde a essas perguntas. A expressão “mulher adúltera” do versículo

2, em vez de descrever a condição de Gômer quando se casou com Oseias,

mais provavelmente antecipa o que Gômer se tomaria - uma esposa adúltera.

O simbolismo parece exigir esse entendimento da expressão. A subsequente

infidelidade de Gômer a seu marido virou uma lição objeto sobre a falta de

compromisso de Israel com seu “esposo”, o Senhor. Assim como a esposa de

Oseias o enganava e violava seus votos de casamento, da mesma forma Israel

rompeu sua aliança com o Senhor e cometeu adultério espiritual (veja 2.2;

4.12; 5.4). Obviamente, se, por um lado, a expressão “mulher adúltera” não

significa necessariamente que Gômer fosse sexualmente ativa quando Oseias

a desposou, é bastante possível que ele tenha escolhido uma mulher assim

para assegurar que o propósito declarado do Senhor se cumprisse. Alguns

argumentam que Gômer devia ser pura quando se casou para que o simbolismo

funcionasse adequadamente. Afinal, Israel era “puro” quando entrou

em aliança com o Senhor (veja 2.15a esse respeito). No entanto, não é necessário

que uma metáfora seja tão exata (é uma metáfora). A infidelidade subsequente

de Gômer, não importa qual sua condição na época do casamento,

era suficiente para satisfazer o simbolismo pretendido.

Quem eram os “filhos da infidelidade” (v. 2) e em que sentido eles podem

ser rotulados assim? Se Gômer era uma prostituta quando se casou, podiam

ser filhos ilegítimos que ela trouxe consigo para o casamento. As palavras

do texto podem até sugerir isso, pois “filhos”, assim como “esposa”, é

objeto do verbo “tomar”, que aqui parece ter a nuance “assumir”. Entretanto,

parece mais provável que os filhos em questão sejam os três mencionados

no contexto seguinte. Se for assim, as palavras do versículo 2

devem ser uma elipse (o verbo “ter” não está expresso, mas é assumido)2 e

proléptica (antecipa a geração de filhos por Oseias e Gômer).

2 Poderíamos esperar que o texto dissesse: “Tome para si uma esposa adúltera e tenha filhos de

infidelidade”. Veja Jeremias 29.6, que diz, literalmente: “Casem-se e tenham filhos e filhas”.


| 380 1 Introdução aos profetas

Em que sentido eles são “filhos da infidelidade”? O termo qualificante,

“infidelidade”, refere-se, muito provavelmente, à mãe, não a eles.

A expressão inteira pode ser parafraseada como “filhos (nascidos de uma

mãe) de infidelidade”.3 Será que isso quer dizer que eles não eram de

Oseias? No caso do primeiro filho, Jezreel, o texto indica especificamente

que Gômer “concebeu e deu-lhe um filho” (v. 3), mas o texto não identifica

Oseias especificamente como sendo o pai de Lo-Ruama (v. 6) ou de

Lo-Ami (v. 8). Por essa razão, alguns argumentam que esses dois filhos

eram de outros pais. Essa opinião é sustentada em 2.4-5, que fala de filhos

concebidos “em desgraça” e repudiados, e em 5.7, em que Israel é acusado

de gerar filhos bastardos.

Embora se possa defender essa posição, ela não é totalmente convincente.

A omissão de qualquer referência a Oseias em 1.6,8 não o impede

de ser o pai do segundo e do terceiro filho. Em Gênesis 29.32-35, o nome

de Jacó é omitido no anúncio do nascimento dos filhos de Lia porque o

contexto deixa claro que Jacó era o pai. Pode-se argumentar que o versículo

3 dá essa clareza contextual em Oseias 1. A declaração em 2.5 foi

mal traduzida na NIV. O texto hebraico diz, literalmente, “aquela que os

concebeu agiu de forma vergonhosa”. Não significa necessariamente que

ela os concebeu em um ato vergonhoso (isto é, adúltero). Eles bem podiam

ser filhos legítimos, mas a conduta desonrosa de sua mãe põe em xeque a

legitimidade dos filhos.

Provavelmente, é melhor respeitar a ambigüidade do texto. Ainda que

o primeiro filho seja de Oseias, o comportamento subsequente de Gômer

lança uma sombra sobre os filhos seguintes. Em uma aplicação metafórica

da situação em 2.4-5, essa incerteza leva o pai (nesse caso, o Senhor) a

ameaçar rejeitar os filhos.

Como instruído pelo Senhor, Oseias deu o nome de Jezreel a seu filho

com Gômer (v. 3-4). O nome era um presságio da derrocada da dinastia real

israelita. Terminaria em violência, da mesma forma que subira ao poder

várias décadas antes por meio de um violento golpe em Jezreel. Em 841

a.C., Jeú, incitado por Deus e seus profetas, derrubou a dinastia Omrida,

que tinha governado Israel desde 885 a.C. Jeú assassinou o sucessor do

rei Acabe, Jorão, matou a rainha-mãe, Jezabel, e eliminou os descendentes

de Acabe (lRs 19.17-18; 2Rs 9-10). Jeú assassinou Jorão fora dos muros

de Jezreel, com uma flecha em seu coração. Entrou em Jezreel e mandou

que os servos do palácio lançassem Jezabel pela janela nas ruas, onde seu

corpo se espatifou contra o piso, foi pisoteado por cavalos e comido por

3 Uma construção semelhante ocorre em Gênesis 44.20, em que a expressão “filho da velhice” quer

dizer “um filho nascido para um pai já velho quando do nascimento da criança”.


P rofetas M enores 13 8 1 1

cachorros. Ele enviou uma carta às autoridades reais em Samaria, ordenando

a execução dos filhos de Acabe, e mandou suas cabeças a Jezreel.

Quando a ordem foi cumprida, as cabeças, que chegaram em cestas, foram

colocadas em duas pilhas no portão da cidade de Jezreel.

Como se pode ver prontamente, o golpe de Jeú foi um incidente violento

e sangrento. Mas agora, ironicamente, a violência e o banho de sangue

que mancharam as ruas de Jezreel seriam repetidos. Dessa vez, a dinastia

de Jeú seria a vítima. A profecia foi cumprida em 752 a.C., quando Salum

assassinou Zacarias, o quarto descendente de Jeú a governar em seu trono

(2Rs 15.10).

Oseias 1.4 é frequentemente interpretado como um castigo à dinastia de

Jeú pelo derramamento de sangue e pela violência espalhada em Jezreel.

Isso é um problema, é claro, porque o próprio Deus incumbira Jeú de eliminar

a casa de Acabe (2Rs 9.6-10) e o recompensou quando a missão foi

cumprida (2Rs 10.30).

O texto original de Oseias 1.4 exige um olhar mais aprofundado.

No texto hebraico, a afirmação literal é “visitarei o banho de sangue de

Jezreel sobre a casa de Jeú”. O que quer dizer essa afirmação? Muitas

vezes na Bíblia hebraica encontramos a expressão “visitar a iniqüidade

[ou o pecado] sobre [alguém ou algum lugar]”.4 Quando essa expressão

é utilizada, quer dizer “castigar [a pessoa ou o lugar] pela iniqüidade”.

Oseias 1.4 é diferente, porque o objeto do verbo “visitar” não é “iniqüidade”,

mas “banho de sangue”. Em quatro outras passagens temos

outro termo diferente de iniqüidade como objeto do verbo visitar em

um contexto em que há juízo (isto é, uma visita hostil) em questão.5 Em

Jeremias 15.3, lemos, literalmente, “visitá-los-ei [os pecadores denunciados

nos v. 1-2] com quatro destruidores”. Nesse caso, o objeto do

verbo “visitar” identifica o instrumento do juízo divino. Em Jeremias

51.27, pode-se ler “visite [ou talvez indique, ordene] sobre ela [Babilônia]

um capitão”. Novamente, o objeto do verbo identifica o instrumento

do juízo divino. Em Oseias 2.13 (v. 15 no texto hebraico), lemos “visitá-

-la-ei [a nação de Israel, desobediente] pelos dias dos baalins”. Nesse

caso, os “dias dos baalins”, uma alusão à infidelidade de Israel, identifica

o motivo da visitação. Uma vez que se considera uma iniqüidade

subjacente, pode-se traduzir: “Vou castigá-la pelos dias dos baalins”.

4 Quando essa expressão é utilizada na Bíblia hebraica, qualquer um dos diversos termos para

“iniqüidade” (ou “pecado”) pode aparecer como objeto direto do verbo “visitar”; o termo ‘aw on,

“iniqüidade”, é utilizado com mais frequência.

3 A construção em pauta tem o verbo “visitar”, acompanhada de um objeto direto e uma expressão

preposicional introduzida por ‘a/, “sobre”. Em quatro dos cinco exemplos a serem discutidos, a

expressão preposicional aparece antes do objeto direto. Oseias 1.4 é a exceção.


| 382 1 Introdução aos profetas

Finalmente, em Oseias 4.9 pode-se ler “visitarei sobre ele [o pecador

representado mencionado na linha anterior] seus caminhos [i.e., seus

atos pecaminosos]”. Como a linha seguinte deixa claro (veja também

Os 12.2, em que lemos “segundo seu proceder”), “seus caminhos” identifica

a razão da visitação. A iniqüidade está em tela, então, pode-se

traduzir: “Vou puni-lo segundo seus caminhos.”

O que se deve concluir de Oseias 1.4? Banho de sangue é simplesmente

o instrumento de castigo, por assim dizer, ou o termo dá uma pista da razão

por trás do juízo iminente? Pode-se defender a primeira opção. Parece que a

ideia fundamental da construção “visitar sobre” nos cinco textos relevantes

é “fazer [re]aparccer” (na experiência de quem sofre o juízo).6 Em dois dos

textos (Os 2.13; 4.9), é uma transgressão anterior que reaparece, por assim

dizer, como um motivo para o juízo. Mas, nos dois textos de Jeremias, é

um instrumento de juízo que aparece. Pode-se argumentar que o “banho

de sangue de Jezreel” irá reaparecer na experiência da dinastia real como

instrumento de juízo. Como McComiskey explica: “Se entendemos Oseias

1.4 dessa forma, a afirmação é que o banho de sangue de Jezreel irá reaparecer

assombrosamente na dinastia de Jeú, levando-a ao fim”.7 Nesse caso,

há grande ironia, pois a dinastia termina da mesma forma que começou,

sugerindo que tinha sido tão culpada e profana quanto a dinastia que ela

substituiu de forma tão violenta.

Entretanto, a maioria prefere ver o “banho de sangue” de Jezreel no

sentido de “culpa de sangue” e entender isso como um motivo subjacente

do juízo divino sobre a dinastia de Jeú. Afinal, as duas outras utilizações

da construção gramatical em Oseias funcionam assim, e “banho de sangue”

é visto frequentemente como um ato de pecado na Bíblia hebraica.

Se escolhermos interpretar a passagem dessa forma, o conflito aparente

com o relato de 1 e 2Reis é inevitável. Como antes observado, o relato

de Reis mostra claramente a revolta sangrenta de Jeú como tendo sido

autorizada e recompensada pelo próprio Senhor. Por essa razão, alguns

argumentam que Oseias 1.4 reflete uma visão alternativa da revolta de

Jeú, que interpreta seu golpe em um sentido negativo.8 Andersen e Freedman

sugerem que Oseias viu a revolta de Jeú por duas luzes, assim como

os profetas veem a Assíria e a Babilônia como instrumentos de castigo do

6 A esse respeito, veja McComiskey, Thomas, “Hosea”, em The Minor Prophets: An Exegetical and

Expositional Commentary. McComiskey, T. (org.), vol. 1 (Grand Rapids: Baker, 1992), 20-21.

1 Ibid., 21. Embora o termo “banho de sangue” possa sugerir malfeitos (“culpa de sangue”), não

precisa ter essa conotação. Talvez, aqui, tenha simplesmente a nuance de “massacre”. Veja Stuart,

Douglas, Hosea-Jonah, WBC (Waco: Word, 1987), 29, e também McComiskey, “Hosea”, 21-22.

8 Veja, por exemplo, Mays, James L., Hosea, OTL (Filadélfia: Westminster, 1969), 27-28, e Harper,

William R., A Criticai and Exegetical Commentary on Amos and Hosea, ICC (Edimburgo: T. & T.

Clark, 1905), 211.


P rofetas M enores 1383 I

Senhor, mas, depois, viram à direita e condenam essas nações cruéis por

seus excessos e sua atitude altiva.9

O nome Jezreel também serviria como um sinal da derrocada dos exércitos

de Israel, que iria sofrer uma derrota esmagadora no vale de Jezreel

(v. 5). A profecia foi cumprida em 733 a.C., quando o rei assírio Tiglate-

-Pileser III derrotou uma aliança israelo-arameia. Ele executou o rei Rezin

de Damasco e fez da Síria uma província assíria (veja 2 Rs 16.9). Em Israel,

Oseias assassinou o rei Peca e virou um rei marionete assírio (veja 2 Rs

15.29-30). O território de Israel foi enormemente reduzido, pois as regiões

do norte da nação viraram províncias assírias.10 E provável que tenham

ocorrido operações militares no vale de Jezreel durante essa campanha.11

O Senhor instruiu Oseias a dar o nome de Lo-Ruama, que quer dizer

“Não amada” (v. 6), à menina fruto da segunda gravidez de Gômer. Esse

nome prenuncia a rejeição de Israel pelo Senhor, que é retratada em detalhes

mais vividos no próximo capítulo (veja 2.2-13).

Embora o Senhor fosse conter sua compaixão pelo reino do norte,

ele continuaria a estender seu favor a Judá (v. 7). Ele interviria pessoalmente

e libertaria Judá de seus inimigos de forma sobrenatural, sem

usar armas ou carros. Essa promessa da preservação de Judá antecipa

a libertação milagrosa de Jerusalém, em 701 a.C. Como essa referência

a Judá aqui parece meio intrusiva, alguns a consideram um acréscimo

editorial posterior.12 Contudo, é possível que essa afirmação prepare o

terreno retórica e teoricamente para a mudança de tom que ocorre nos

versículos 10-11 e monte o cenário para o tema principal dos capítulos 2

e 3. O futuro do reino do norte, quisesse ou não admiti-lo, estava entrelaçado

com o destino de Judá. Um dia as nações seriam reunificadas (1.11)

sob um rei davídico (3.5). Por esse motivo, faz sentido uma referência à

preservação de Judá aqui.

Por ordem divina, o terceiro filho de Gômer foi chamado Lo-Ami, que

quer dizer “Não meu Povo” (v. 8-9). Assim como Lo-Ruama, o nome desse

menino prenunciava a rejeição de Israel pelo Senhor. Em uma reversão

9 Veja Andersen, Francis I.; Freedman, David Noel, Hosea, AB (Garden City, N. Y.: Doubleday,

1980), 178-80. Eles também levantam a possibilidade de que o ataque de Jeú sobre a casa real pode

ter sido considerado excessivo. A esse respeito, veja Chisholm Jr., Robert B., Interpreting the Minor

Prophets (Grand Rapids: Zondervan, 1990), 24.

10 Para relatos mais detalhados da invasão assíria do oeste em 734-732 a.C., veja Pitard, W.T., Ancient

Damascus (Winona Lake: Eisenbrauns, 1987), 186-89, e Otzen, B., “Israel under the Assyrians”, em

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11Veja Aharoni, Yohanan, The Land o f the Bible: A Historical Geography, Trad. e org. Rainey, A. F.,

rev. ed. (Filadélfia: Westminster, 1979), 372-74.

12 Veja, por exemplo, Davies, G. I., Hosea, NCB (Grand Rapids: Eerdmans, 1992), 47, e Harper,

Amos and Hosea, 213.


I 384 ) Introdução aos profetas

trágica do ideal da aliança (Êx 6.7; Lv 26.12), o Senhor romperia essa relação

com Israel e não seria mais seu Deus.13

Embora o Senhor fosse rejeitar Israel, a separação não seria definitiva.

Ao final, o Senhor restauraria seu favor e Israel se tomaria a grande nação

imaginada na promessa de Deus a Abraão (v. 10a; veja Gn 22.17; 32.12).

Aqueles antes chamados de “não meu povo” seriam renomeados para

“filhos do Deus vivo” (v. 10b), um Deus que derrota os inimigos de seu

povo e lhes dá terra (Js 3.10). Israel e Judá se reunificariam sob um líder (v.

11a), o rei davídico (Os 3.5). Muito mais do que um sinal prodigioso negativo

associado a um local geográfico, o nome Jezreel, que quer dizer “Deus

planta”, assumiria novo significado (v. 11b). Israel e Judá reunificados se

enraizariam e brotariam do chão, por assim dizer, pois o Senhor restituiria

sua terra e renovaria suas bênçãos (veja 2.14-23, em especial o v. 23, no

qual “semear” traduz o verbo zara , o mesmo verbo que aparece no nome

Jezreel).’4 Apesar de Deus ter rejeitado Israel antes, os cidadãos dessa nova

nação seriam seu povo e conheceriam seu amor (2.1).

Para efeito retórico, alguns desses filhos do futuro são, de fato, público destinatário

da mensagem em 2.1. São convocados a chamarem seus “irmãos” e

“irmãs” (o resto da comunidade da aliança restaurada do futuro). “Meu povo”

(em hebraico, am m i) e “minha amada” (em hebraico, ruham ah), respectivamente.

Esses nomes, o inverso evidente dos nomes dados aos filhos de

Oseias, simbolizam a relação renovada de Deus com seu povo.

Disciplina radical traz transformação radical (2.2-23)

O Senhor continua a falar para esses filhos no versículo 2. No versículo

anterior, eles ouvem para chamar seus irmãos e irmãs, e aqui eles são instruídos

a repreender sua “mãe”. Essa “mãe”, que também é a “esposa” do

Senhor, personifica a terra de Israel (1.2). Ela pode ser vista como a mãe

daqueles filhos do futuro, porque eles brotariam de seu solo, por assim dizer

(veja 1.11).

13 O texto em hebraico da última linha do versículo 9 lê: “e eu, eu não serei por vocês”. É provável que

tenha ocorrido algum erro dos escribas e que a expressão “seu Deus” tenha sido omitida acidentalmente.

O texto deve ser reconstruído para dizer: “e eu, eu não serei Deus de vocês”, o que quer dizer: “Eu não

serei seu Deus”. Veja Jeremias 11.4; 24.7; 30.22; 32.38; Ezequiel 11.20; 14.11; 34.24; 36.28; 37.23; e

Zacarias 8.8 com a mesma construção ou semelhante (embora o verbo não esteja na negativa como em

Os 1.9). Alguns mantêm o texto em hebraico e, vendo uma alusão a Êxodo 3.14, traduzem assim: “eu

não sou, eu sou por vocês”. Veja Mays, Hosea, 22, 29.

14 A NIV traz “e se levantarão da terra”, no versículo 11, como se o texto estivesse descrevendo um

retomo do exílio. Observe a referência, em 2.15, a Israel “saindo do Egito”. Alguns veem “a terra” em

1.1 como uma referência ao Egito, visto simbolicamente como o lugar do exílio de Israel (veja 8.13;

9.3, 6; 11.5). Entretanto, é mais provável que “a terra” se refira à terra de Israel (como em 1.2; 2.18, 23;

4.1,3) ou à superfície do solo (como em 2.21-22 e 6.3, em que o termo é traduzido por “terra” na NIV).

O povo do Israel reunificado com Judá é visto como plantas que crescem da terra e repovoam o país.


P rofetas M enores I 385 |

O Senhor instrui seus filhos futuros, em seu papel dramático, a fazerem

uma acusação formal contra sua mãe em seu nome (v. 2a). O verbo

“repreender” se refere aqui a uma acusação legal, formal, contra uma parte

infratora, não só uma simples palavra de reprimenda (veja Os 4.1, em que

a forma relatada é traduzida por “acusação”). A acusação começa com

uma afirmação desconcertante (“ela não é minha mulher, e eu não sou seu

marido”), que parece soar como se o relacionamento já tivesse terminado,

mas o contexto seguinte deixa claro que não é esse caso. Uma exortação à

nação adúltera segue imediatamente (v. 2b), à qual são anexadas um alerta

severo sobre as conseqüências de continuar na desobediência (v. 3-4) e uma

descrição das medidas disciplinares que o Senhor planeja para resgatar sua

esposa desobediente (v. 5-13). Uma vez que o Senhor pretende claramente

recuperar sua esposa, a afirmação do versículo 2a deve ser vista como um

exagero para chocar a audiência.

Israel deve abandonar seus caminhos de adultério. O versículo 2b, que

diz, literalmente, “para que ela afaste as suas prostituições de sua presença

e os seus adultérios de entre os seus seios”, pode ser uma alusão à

maquiagem e joias que eram usadas pela nação para atrair seus amantes.15

O Senhor ameaçou castigá-la severamente se não mudasse seus procedimentos

(v. 3). Ele a humilharia tirando toda a sua roupa e deixando-a nua.

O castigo era apropriado a um crime sexual e, às vezes, era preliminar à

execução de uma adúltera (Ez 16.36-40). O Senhor também ameaçou retirar

sua fertilidade, tornando-a como um deserto árido. O pano de fundo

das imagens pode ser o fim dos direitos conjugais, e, com isso, da possibilidade

de ter filhos legítimos. As imagens de uma terra fértil se transformando

em um deserto é especialmente apropriada nesse caso, porque

a terra personificada aqui é alçada ao papel de esposa de Deus (1.2). E,

por último, mas não menos importante, o Senhor iria retirar seu amor de

seus filhos, porque seu comportamento adúltero lançava dúvida sobre sua

legitimidade (v. 4-5a). Os “filhos” mencionados aqui não são os filhos do

futuro a quem se dirige a mensagem dos versículos 1-2, mas, ao contrário,

a geração contemporânea de Oseias (o mesmo grupo a quem se dirige a

mensagem de 1.9).

Apesar dessa ameaça de tratamento severo, o Senhor não estava pronto

para desistir de sua esposa adúltera. Na verdade, ele tinha uma estratégia

nítida para reconquistá-la. Como ela estava obcecada com seus amantes,

que ela considerava a fonte de suas vestes e de sua comida (v. 5b), o Senhor

seria forçado a fazer algo drástico. Ele “cercaria seu caminho” e “levantaria

muros” contra ela, tornando impossível o acesso a seus amantes

,5Veja Stuart, Hosea-Jonah, 47, e Andersen e Freedman, Hosea, 224-25.


1386 [ Introdução aos profetas

(v. 6). Com seus esforços para encontrá-los frustrados, ela voltaria à razão

e retornaria para o marido (v. 7).

Nesse ponto, a realidade afasta a metáfora, quando o Senhor acusa Israel

de ingratidão e idolatria. Israel não reconhecia o Senhor como fonte de suas

bênçãos, que incluíam o básico para viver e também as grandes riquezas (v.

8a). Em vez disso, insistia em adorar Baal, o deus cananeu da tormenta e da

fertilidade, porque pensava que ele era a fonte de sua prosperidade (v. 8b).

Por essa razão, o Senhor tiraria as plantações e os rebanhos de Israel

(v. 9a). Sem lã e sem linho, Israel, agora retratado novamente como uma

mulher, não teria roupas para vestir e seria forçada a andar nua diante de

seus amantes (v. 9b-10). As festas religiosas, que tinham sido corrompidas

pelo paganismo (v. 13), chegariam ao fim (v. 11), e os vinhedos e pomares de

figos, considerados bênçãos de Baal, virariam matagais habitados por bestas

selvagens (v. 12). O castigo seria proporcional ao crime. Israel tinha adorado

Baal de forma a assegurar plantações e rebanhos abundantes. De forma

apropriada, o Senhor, esquecido, retiraria toda essa abundância (v. 13).

Privar sua esposa adúltera de seus amantes e de suas bênçãos era apenas

o primeiro passo da estratégia do Senhor para reconquistá-la. Depois de

levá-la ao desespero (v. 7b), ele a levaria a um local isolado e faria avanços

românticos em direção a ela (v. 14).

A referência ao Senhor levar Israel para o deserto antecipa o exílio da

nação, mas também olha para trás, para um período mais antigo da história

de Israel, quando o povo vagava pelo deserto. Embora a tradição do

Pentateuco apresente esse episódio por uma ótica negativa (veja também

Ez 20.10-21), a tradição mais recente o vê como um tempo primitivo da

história da nação, quando Israel, como uma noiva, expressava seu amor

pelo Senhor e, em troca, tinha sua proteção (Os 13.5; Jr 2.2-3). O Senhor,

aqui, explora essa visão nostálgica para fins retóricos. O “deserto” claramente

tem conotação positiva, pois é um local de romance renovado entre

o Senhor e sua esposa.

A imagem é forte; o Senhor fala de forma sedutora e romântica com sua

esposa em um esforço de reconquistar seu favor. O verbo traduzido como

“atrair” é utilizado em outras passagens em contextos românticos, descrevendo

um homem que seduz uma mulher jovem (Êx 22.16) e uma jovem

convencendo seu amante (Sansão, nos dois casos) a revelar seu segredo

(Jz 14.15; 16.5). A expressão “falar ao coração” também tem conotação

romântica (Gn 34.3; Jz 19.3).

Com o relacionamento reavivado, o Senhor iria restaurar a prosperidade

agrícola da nação (simbolizada pelos “vinhedos”) e guiá-la de volta ao lar

(v. 15). Como no tempo da conquista israelita, a porta da esperança para a

terra era o vale de Acor (Js 7). Naquela ocasião anterior, esse vale era um


P rofetas M enores ( 387 |

lugar de “dificuldade” (significado do nome Acor), pois foi lá que Israel

executou Acã, que tinha pecado contra o Senhor ao roubar algumas riquezas

de Jericó. Israel fez uma pilha de pedras sobre o corpo de Acã e nomeou

o lugar como Vale de Acor, nome que permaneceu (veja Js 7.26) como um

lembrete de como o pecado pôs em risco o futuro de Israel. No entanto,

tudo isso mudaria no futuro. O vale da “dificuldade” seria transformado em

uma “porta da esperança”, pois Israel, restaurado, responderia favoravelmente

às aberturas de amor do Senhor.16

A nação de Israel novamente reconheceria o Senhor como seu marido

(v. 16). Iria chamá-lo de “meu marido” (em hebraico, 5ishi) e não “meu

senhor” (em hebraico, bali), pois esta forma de tratamento, embora seja

uma maneira comum de se referir ao marido na sociedade patriarcal israelita

antiga,17 tinha conotação negativa. Uma vez que o antigo amante de Israel

era o deus cananeu Baal (em hebraico ba al, que quer dizer “senhor”), chamar

o Senhor de “meu senhor” poderia resgatar memórias dolorosas para

ambas as partes, e o Senhor estava determinado a eliminar todos os traços

do passado adúltero de Israel (v. 17).

O Senhor iria restaurar a segurança de Israel (v. 18). Ele iria negociar

um acordo, por assim dizer, entre Israel e os animais para que estes deixassem

de devorar as vinhas e árvores de Israel (v. 12). Os exércitos invasores

também seriam rechaçados. A promessa diz, literalmente: “Da terra quebrarei

o arco, e a espada, e a guerra”. Este é um eco da antiga profecia de

juízo “quebrarei o arco de Israel” (1.5) e chama a atenção para a inversão da

situação de Israel. O Senhor uma vez quebrara o poderio militar de Israel,

mas no futuro destruiria o poder de potenciais invasores.

Nos versículos 19-20, o Senhor fala de seu relacionamento renovado

com Israel em termos de noivado, como se o passado não existisse.

Depois de conseguir o objeto de seu amor (v. 14), ele agora estava pronto

para se casar. No antigo Israel, o noivado era um compromisso legal de

união para o casamento (Dt 22.23-24), no qual o futuro marido pagaria

um preço para garantir sua futura esposa (2Sm 3.14). Como pagamento

pelo dote de noivado, o Senhor oferece seu cuidado protetor, amor misericordioso

e compromisso imperecível.18 Em troca de sua lealdade, ele

16 O verbo hebraico canah normalmente quer dizer “responder, reagir”. No versículo 15, a NIV o

traduz por “cantar”, aparentemente entendendo o verbo aqui como um homônimo (veja HALOT 854,

que, contudo, não relaciona Os 2.15 sob essa raiz verbal).

17 O texto de 2Samuel 11.26 mostra que os termos 'ish, “marido”, e ba al, “mestre”, eram sinônimos

intercambiáveis quando se referiam ao marido de uma mulher. A passagem diz, literalmente: “Quando a

esposa de Urias ouviu que Urias, seu marido ( 5ish ), estava morto, ela pranteou por seu senhor (b a a iy \

Veja também Deuteronômio 24.3-4.

18 Os termos traduzidos por “retidão” e “justiça” referem-se à justificação pelo Senhor da justa causa

de Israel por meio de proteção e livramento dos inimigos.


1388 | Introdução aos profetas

antecipa a devoção de Israel. O verbo traduzido como “conhecer” (em

hebraico, yada , “conhecer”) é utilizado aqui em seu sentido de aliança,

de “reconhecer como Senhor”. Esse reconhecimento da soberania exigia

fidelidade demonstrada concretamente por meio da obediência aos mandamentos

do Senhor. Em Oseias 4.1-6, a ausência desse reconhecimento

é associada ao fracasso em manter as exigências da aliança feitas na lei de

Moisés (veja também 8.1-2).

A reconciliação do Senhor com sua esposa seria marcada pela volta da

prosperidade agrícola. O juízo iminente privaria Israel do básico da vida (v.

8-9), mas o Senhor iria devolver tudo (v. 21-22). Com a utilização da personificação,

o Senhor ilustra vividamente essa renovação da bênção divina.

Jezreel (aparentemente utilizado aqui como um nome para Israel; veja o

v. 23, em que o Senhor diz: “Semearei Israel”) é descrito como falando às

plantas, talvez pedindo que aparecessem. As plantas, por sua vez, conversam

com o solo no qual devem crescer. O solo, então, fala com os céus, a

fonte das chuvas doadoras de vida, que, por sua vez, dirigem-se ao Senhor.

O Senhor responde aos céus, ordena que caia a chuva para que as plantas

possam crescer novamente e dar a Jezreel o básico para a vida.

As imagens agrícolas continuam no versículo 23, mas com uma ligeira

alteração. Em um jogo de palavras com o nome Jezreel (que quer dizer

“Deus planta”), o Senhor anuncia que semeará Israel na terra, implicando

que a nação irá enraizar-se e produzir, por assim dizer, uma safra de filhos

(1.11).19 Como em 1.11-21, o Senhor inverte o simbolismo negativo ligado

aos nomes dos filhos de Gômer. Em um futuro próximo, Jezreel seria o

local da derrota militar de Israel (1.5), mas o nome também antecipava

o dia da restauração depois do juízo, quando Deus iria replantar Israel

(1.11). Lo-Ruama (“Não amada”) e Lo-Ami (“Não meu povo”) eram lembretes

de que o Senhor rejeitaria seu povo por um tempo (1.6,9), mas viria

o dia em que Deus iria restaurar seu amor e tratar Israel novamente como

seu povo (2.1). Nesse ponto, uma metamorfose ocorre quando os filhos

de pecado da geração de Oseias (público-alvo em 1.9 e mencionado em

2.4) se tornam os filhos abençoados do futuro (mencionados em 1.10 e

público-alvo em 2.1-2).

19 Andersen e Freedman (Hosea, 288) alegam que “plantá-la” significa aqui “inseminá-la”, e que esse

versículo se refere à consumação do casamento antecipado nos versículos 19-20. Em Números 5.28,

utilizam-se imagens de plantio para inseminação, Esse texto diz, literalmente: “Ela poderá ser semeada

com sementes”. A mulher é vista como um campo em que a semente (= sêmen) é semeada. Entretanto,

é improvável que essas imagens estejam presentes em Oseias 2.23, em que Israel (i.e., Jezreel) não é

o campo, mas a semente semeada (observe “na terra”). Uma construção semelhante ocorre em Oseias

10.12, em que o Senhor conclama o povo: “Semeiem a retidão para si [comparem “para mim”, em

2.23]”. Nesse caso, “retidão”, como Jezreel em 2.23, corresponde à semente plantada no campo.


P rofetas M enores I 389 |

A recuperação de uma esposa (3.1-5)

Em seu relato autobiográfico, Oseias conta como o Senhor o instruiu a

recuperar Gômer, sua esposa desobediente. Ao renovar seu relacionamento

com Gômer e buscar seu amor, Oseias iria se tomar uma lição objeto do

amor de Deus pela idólatra Israel (v. 1). Alguns acadêmicos argumentam

que Gômer não é a mulher em tela aqui, mas a analogia exige que Oseias

recupere sua esposa desobediente, não que escolha uma nova mulher.20

O relacionamento de Oseias e Gômer tinha se rompido, provavelmente

pelo divórcio.21 O versículo 2 deixa claro que ela se tornou propriedade

de outro homem, pois Oseias teve de pagar um preço para tê-la. Isso não

seria necessário se ele ainda fosse casado com ela e a possuísse. O texto

não dá a identidade de seu novo dono. Uma vez divorciada de Oseias,

Gômer pode ter se voltado para um de seus amantes ilícitos para garantir

o sustento. No entanto, é possível que ela tenha retomado à casa de seu

pai (Lv 22.13; Jz 19.2).

Na tradução da NIV, o versículo 1 parece indicar que o dono de Gômer

era um de seus amantes (observe a expressão “amada por outro”), mas

essa interpretação é duvidosa. O texto hebraico diz literalmente “amada de

seu amigo”. O termo hebraico “amigo” pode se referir a alguém que não

Oseias, mas é mais provável que Oseias seja a referência. Em Jeremias

3.20, a palavra é utilizada para o marido de uma mulher infiel. A NASB

reflete essa interpretação de Oseias 3.2: “Ame uma mulher que é amada

por seu marido”.

Se Oseias já tivesse se divorciado de Gômer, como ela pode ser chamada,

de forma legítima, de adúltera neste ponto (v. 1)? Se, por um lado,

as palavras podem parecer tecnicamente incorretas, não há necessidade de

uma consideração tão exageradamente técnica. Ela caracteriza Gômer a

partir da perspectiva de Oseias e reflete o que ela havia feito no passado.

Se Oseias tiver se divorciado de Gômer, então uma referência e ele como

“amigo [i.e., marido]” de Gômer também parece problemática. Mas, novamente,

as palavras não precisam ser consideradas de forma tão técnica; o

termo pode ser equivalente aqui a “antigo marido”.

Depois de pagar o preço estipulado para garantir a posse de Gômer (v. 2),

Oseias deu-lhe instmções claras (v. 3).22 Ela devia esperar “muitos dias”

20 Veja Harper, Amos and Hosea, 216-17. O texto hebraico de 3.1a não é tão claro sobre essa questão

quanto a NIV. O texto hebraico díz, literalmente: “Vá novamente, ame uma mulher amante de um amigo e

adúltera”. Como o texto se refere simplesmente a “uma mulher”, há quem alegue que isso se refere a uma

mulher diferente de Gômer. Mas a palavra “mulher” não aparece isolada; é modificada por “amada por

outro” (uma referência provável a Oseias; veja meus comentários sobre o v. 2) e acrescentada a “adúltera”.

21 Embora a ameaça em 2.2-4 seja feita pelo Senhor, é provável que ela reflita a experiência de Oseias.

22 Se Oseias comprou Gômer de seu pai, a prata e a cevada foram o preço do dote.


390 | Introdução aos profetas

para que Oseias se casasse com ela.23 Durante esse período de noivado,

ela devia se abster de continuar em relações adúlteras ou de se casar com

qualquer outro.24 Enquanto ela esperasse por esse período de experiência,

Oseias se dedicaria ao seu cuidado.25

O tratamento dispensado por Oseias a Gômer refletia, é claro, a estratégia

anunciada pelo Senhor para reconquistar Israel (2.14-15) e antecipava

a experiência de Israel no exílio (v. 4). Por “muitos dias”, Israel no

exílio seria privada de sua independência (simbolizada pelo “rei” e “príncipe”)

e teria negada a oportunidade de oferecer sacrifícios a Deus em um

centro de adoração autorizado. Mas essa experiência não seria tão ruim

quanto parece, pois Israel também seria separada das influências pagãs da

terra de Canaã, incluindo as “pedras sagradas” utilizadas na adoração de

Baal (Os 10.1; e também Lv 26.1; Dt 16.22, 2Rs 3.2; 10.26-27; 17.10; Mq

5.13) e dispositivos de adivinhação não autorizados, como o “éfode” e o

“ídolo”. O termo “éfode” às vezes se refere a uma peça de vestuário utilizada

por sacerdotes, mas, outras vezes, refere-se a um objeto utilizado

para receber revelações diretamente de Deus (ISm 23.9; 30.7-8). Esses

objetos podem ser facilmente mal utilizados, como fica claro em Juizes

8.27, que se refere a um éfode dourado que acabou tornando-se objeto

de adoração idólatra. Aqui em Oseias 3.4, a referência a uma “estola”

tem conotação negativa, por causa de sua associação com um “ídolo”. O

termo traduzido por “ídolo” se refere a ídolos domésticos (Gn 31.19; ISm

19.13,16) que eram utilizados para adivinhação (Ez 21.21). Sua utilização

era proibida pelo Senhor (ISm 15.23; 2Rs 23.24). Tanto uma estola

quanto um desses ídolos são mencionados em Juizes 17-18, em que

são listados entre os objetos do altar doméstico de Mica (17.5; 18.14).

23 A primeira fala de Oseias para Gômer em hebraico é, literalmente: “Você permanecerá [ou “se

sentará”] por mim por vários dias”. A expressão idiomática (o verbo yashab, “sentar-se”, colocado com

a preposição le-, “por”) aqui quer dizer “esperar por”, como em Êxodo 24.14; Juizes 16.9 e Jeremias 3.2.

Veja Andersen e Freedman, Hosea, 301 (embora quatro dos cinco exemplos de expressão idiomática

que eles citem sejam inválidos).

24 O texto hebraico diz, literalmente, “você não será mais prostituta nem será de nenhum outro

homem”. A expressão “ser de um homem” (o verbo hayah, “ser”, colocado com le'ish, “de um

homem”) quer dizer “ser casada” (veja Lv 22.12; Nm 30.7; Dt 21.15).

25 A última oração do versículo 3 é especialmente problemática. Ela quer dizer, literalmente: “e

também eu, para você”. A presença do advérbio gam , que frequentemente tem a nuance de “também”,

sugere algum tipo de simetria com o que vem antes (veja Andersen e Freedman, Hosea, 304-5). Aqui, o

advérbio é mais bem entendido como elemento de destaque para o que se segue (“e acima de tudo”) ou

como apresentação de um clímax retórico (“e certamente”). O verbo hayah, “ser”, pode ser emprestado

da linha anterior (uma elipse). Normalmente, o resultado hayar 'el, “estar com”, tem a nuance “estar

contra” ou “vir para” (quando “palavra” for o sujeito), mas nenhuma das ideias faz sentido aqui. Em

Ezequiel 45.16, a justaposição significa “ser responsável por, obrigado a”, referindo-se à obrigação de

o povo contribuir para as ofertas do templo. Veja Leslie C. Allen, Ezekiel 20-48, WBC (Dallas: Word

Books, 1990), 240, 247, e também as outras fontes citadas aqui.


P rofetas M enores | 391 [

Os danitas, ao final, roubaram-nos e fizeram deles parte de seu centro de

adoração não autorizado (Jz 18.17-18,20).

Libertados do feitiço do paganismo, os israelitas cairiam em si (2.7).

Eles buscariam o favor do Senhor e reconheceriam o rei davídico como

seu governante divinamente escolhido (v. 5). Ao experimentar a disciplina

do Senhor, eles exibiriam um temor sadio de seu poder e gozariam de suas

renovadas bênçãos.

A referência a “Davi, seu rei” não deve ser entendida de maneira literal

demais. Os profetas veem o governante davídico ideal como a segunda

vinda de Davi (Is 11.1-10; Mq 5.2) e chegam a chamá-lo de Davi às vezes

(Jr 30.9; Ez 34.23-24; 37.24-25). Esse “Davi” desempenha funções reais

que não podem ser diferenciadas das que são atribuídas ao rei messiânico.

Outros textos deixam claro que esse “Davi” é, na verdade, um descendente

de Davi (Jr 23.5-6; 33.15-16) que vem com o espírito e o poder de

seu ancestral, como João Batista veio com o espírito e o poder de Elias e,

assim, cumpriu a profecia de Malaquias 4.5 (Mt 11.10-14; 17.11-12; Mc

1.2-4; Lc 1.17,76; 7.27).

Uma aliança rompida (4.1-19)

O profeta chamou os israelitas para ouvirem a acusação formal do

Senhor contra eles (v. Ia). Israel era infiel: não tinha mais compromisso

com o Senhor e não reconhecia mais sua autoridade (v. lb). A expressão

“conhecimento de Deus” se refere ao reconhecimento da autoridade do

Senhor no contexto da relação da aliança que ele estabeleceu com Israel.

Esse reconhecimento era demonstrado pela obediência (Jr 22.16).

Mas Israel demonstrou que não reconhecia a autoridade do Senhor, pois

tinha violado flagrantemente as leis da aliança, inclusive os dez mandamentos,

que eram o núcleo central da aliança. O versículo 2, especificamente,

menciona violações de cinco dos dez mandamentos (veja Êx 20.1-17; Dt

5.6-21). “Perjúrio”, aqui, não se refere a palavras obscenas, mas ao mau uso

de juramentos e imprecações. Uma imprecação era uma maldição formal,

feita em nome de uma divindade, em que uma pessoa invocava alguma

calamidade sobre outra (Jó 31.29-30). Essas imprecações eram permitidas

se aquele que as pronunciava tivesse causa justa (por exemplo, Nm 5.19-

23; Jz 9.20,56-57), mas maldições injustificadas feitas em nome do Senhor

eram uma violação do terceiro mandamento (Êx 20.7).

Como o povo tinha rompido a aliança com suas maldições e feitos

violentos, o Senhor puniria a terra severamente (v. 3).26 A imagem da

26 Formas verbais imperfeitas em hebraico no versículo 3 são mais bem traduzidas como futuro, pois

o versículo descreve o juízo iminente sobre o país. Veja Oseias 2.9-12.


| 392 1 Introdução aos profetas

terra em luto e ressequida indica uma seca que destruiria as plantas da terra

e faria com que a vida morresse. Essa seca foi uma das formas de juízo

ameaçada nas listas de “maldições” da lei mosaica (Lv 26.19; Dt 28.23-

24). Adequadamente, aqueles que mataram seus compatriotas (observe as

referências a “matar” e “homicídios”, no v. 2) assistiriam a sua terra, por

assim dizer, morrer. Aqueles que rogaram pragas sobre outros conheceriam

a “praga” de Deus.

O juízo seria severo, mas o povo não tinha o direito de acusar Deus

de ser injusto (v. 4a).27 No que toca a Deus, esses rebeldes eram tão

descarados quanto aqueles que tiveram coragem de acusar formalmente

um sacerdote, uma das autoridades designadas por Deus (v. 4b). Esse

desafio da autoridade sacerdotal era um crime capital, de acordo com a

lei (Dt 17.12).

Os sacerdotes mereciam respeito, mas não eram imunes à punição

divina se abusassem de seu ofício e negligenciassem sua responsabilidade

dada por Deus. Na verdade, Deus se dirige aos sacerdotes nos versículos

4-6 (veja especialmente o v. 6) e os acusa de ignorar sua lei.28

Seu fracasso em oferecer liderança espiritual adequada foi parcialmente

responsável pela fracasso do povo em reconhecer a autoridade do Senhor.

Os sacerdotes, assim como a maioria dos profetas, não eram melhores do

que o povo. Em razão de sua posição elevada e da sua grande responsabilidade,

os sacerdotes seriam alvo especial da ira do Senhor (a quem muito

se dá, muito se pede). Como o povo sob sua liderança foi destruído por seu

fracasso em reconhecer a autoridade de Deus, o Senhor destruiria as mães

dos sacerdotes (v. 5b-6a). Como os próprios sacerdotes tinham rejeitado

a autoridade de Deus, o Senhor os rejeitaria (v. 6b). Como os sacerdotes

tinham ignorado a lei de Deus, o Senhor iria ignorar seus filhos (v. 6c),

impedindo a continuação de seu ofício sacerdotal.29 Para a mente ocidental,

pode parecer injusto que mães e filhos devessem ser punidos pelos

pecados dos sacerdotes. Mas o conceito de culpa e castigo corporativo era

comum no antigo Israel e aparece frequentemente na Bíblia hebraica. Por

27 O texto hebraico do versículo 4a diz: “Ninguém discuta, ninguém faça acusação”. A NIV presume

que aqui se fala de fazer acusações contra outros seres humanos. Nesse caso, a questão seria que os

israelitas não têm o direito de levar um ao outro à corte, pois todos têm culpa. Entretanto, parece mais

provável que se esteja falando aqui de uma réplica contra Deus. Ele tinha feito uma acusação contra eles

(v. 1), mas eles não tinham defesa legítima e não tinham direito de reclamar que o castigo anunciado

era injusto.

28 No texto hebraico dos versículos 4-6, o Senhor utiliza formas verbais e pronominais no masculino

singular da segunda pessoa ao se dirigir aos sacerdotes. O singular é utilizado de forma coletiva (o

sacerdócio é tratado como grupo ou instituição; veja os v. 7-9) ou de maneira representativa (um

sacerdote típico é tratado como representante de todo o grupo).

29 A repetição verbal destaca a natureza apropriada da punição. Veja Miller Jr., Patrick D., Sin and

Judgment in the Prophets (Chico: Scholars Press, 1982), 12-14.


P rofetas M enores | 393 |

causa de sua íntima associação biológica, eles compartilhavam a culpa

dos sacerdotes e também seriam castigados.30

O juízo do Senhor sobre o povo pecador e sobre os sacerdotes seria

severo, mas justo e adequado (v. 7-1 la). Ambos seriam recompensados

segundo seus atos pecaminosos (v. 9). Os sacerdotes se alimentavam dos

pecados do povo (v. 8), no sentido de que incentivavam o povo a multiplicar

seus sacrifícios hipócritas (Os 6.6; 8.11-13), parte dos quais eram levados

pelos sacerdotes. Adequadamente, tanto sacerdotes quanto o povo seriam

privados de comida (v. 10a). Os versículos 8 e 10 usam o verbo hebraico

3a kal, “alimentar, comer”. A repetição de palavras chama a atenção para a

correlação entre crime e castigo e sugere que o castigo é apropriado.31 Com

a aparente aprovação dos sacerdotes, o povo passou por cima dos limites da

lei de Deus (v. 2b). Ele chegou a se voltar para ritos de fertilidade pagãos

que incluíam prostituição “sagrada”, em um esforço para assegurar uma

boa colheita e aumentar a população da nação (v. 10). Adequadamente,

a terra não produziria comida suficiente para todos, e o povo não aumentaria

em número. Mais uma vez, a repetição de palavras é utilizada para

sugerir a ideia de justiça poética. O versículo 2 utiliza a palavra hebraica

parats, “arrombar/violar”, para descrever como as pessoas “arrombam/

violam todos os limites” (o texto diz literalmente “há arrombamentos”). O

versículo 10 utiliza esse mesmo verbo para descrever sua incapacidade de

multiplicar-se em número.

Os ritos pagãos de fertilidade aos quais Israel aderiu são descritos em

mais detalhes nos versículos 11-14. Para ganhar o favor do deus da fertilidade,

Baal, e da deusa Aserá, os cananeus se envolviam com prostituição

“sagrada”, que envolvia atos sexuais rituais com prostitutas “sagradas”.

Esses rituais aconteciam em altares especiais localizados em montanhas

sob a sombra de árvores e pretendiam promover a fertilidade na terra. Esses

rituais incluíam beber vinhos inebriantes, consultar deuses pagãos por meio

de adivinhação e oferecer sacrifícios. Os israelitas incentivavam suas filhas

a visitar os altares, esperando que sua participação em sexo ritual com os

sacerdotes de Baal e Aserá incentivasse esses deuses a lhes dar inúmeros

filhos. Mas seus pais eram culpados da mesma forma, pois eles também

visitavam os altares e tinham relações sexuais com as sacerdotisas, em um

esforço para aumentar sua própria virilidade.

30 As maldições antigas eram, muitas vezes, transgeracionais, como era o juízo divino na Bíblia

hebraica. Veja os comentários sobre o versículo 5b por Andersen e Freedman, Hosea, 352. Para um

estudo mais generalista da responsabilidade corporativa pelo pecado na Bíblia hebraica, veja Kaminsky,

Joel S., Corporate Responsibility in the Hebrew Bible (Sheffield: Sheffield Academic, 1995).

31 Veja Miller, Sin and Judgment, 14-15.


j 394 1 Introdução aos profetas

Sendo o reino do norte tão corrupto, sempre seria possível que Judá, o

vizinho ao sul, fosse contaminado pelo pecado de Israel. O profeta interrompeu

sua acusação a Israel para alertar Judá a não seguir o exemplo de

Israel (v. 15a). O povo de Judá deve se afastar dos centros de adoração

profanos de Israel (v. 15b).32 Embora Gilgal, o lugar onde Israel renovou

sua aliança com o Senhor depois de cruzar o rio Jordão (Js 5.1-9), tivesse

um lugar importante na história da nação, agora era caracterizada pela hipocrisia

religiosa (Os 9.15; 12.11; Am 4.4; 5.5). Betei, antes “a casa de Deus”

(Gn 28.17), era tão corrompida pelo pecado e pelo paganismo que o profeta

deu-lhe um novo nome, Bete-Aven, que quer dizer “casa da perversidade”.

Que isso é um nome depreciativo para Betei fica evidente em 10.5, que

menciona o ídolo colocado lá por Jeroboão I (lRs 12.28-33).

Era imperativo que Judá evitasse Israel, porque este estava condenado.

Sua persistência no paganismo ativaria o vento poderoso do juízo de Deus,

que o varreria para o exílio (v. 16-19). Mais uma vez, o profeta emprega a

repetição de palavras para destacar a natureza adequada do castigo. O substantivo

traduzido como “vento” no versículo 19 também aparece no versículo

12, em que descreve “o espírito da prostituição” que estava desviando

Israel (veja também 5.4). O próprio “espírito” (em hebraico, ruakh) infiel

estava desviando Israel de Deus; um “vento” {ruakh) enviado por Deus

terminaria o serviço que Israel tinha começado, causando sua destruição.

Um leão pronto para saltar (5.1-15)

O Senhor se dirigiu a Israel como um todo, apesar de destacar os sacerdotes

e a casa real. Essas autoridades civis e religiosas tinham desviado o

povo ao incentivá-lo a se envolver em adorações hipócritas e talvez mesmo

idólatras, em Mispa e Tabor (v. 1). A identificação exata de Mispa, aqui, é

incerta. Pode-se estar falando de Mispa de Gileade ou Mispa de Benjamim.

Tabor se refere à montanha com esse nome localizada no norte de Israel,

a sudoeste do mar da Galileia. Os nomes foram escolhidos provavelmente

para representar os diversos locais religiosos espalhados pelo país. Se falamos

de Mispa em Gileade, então o nome se refere a locais de culto tanto

a leste quanto a oeste do Rio Jordão. Se falamos de Mispa em Benjamim,

então o nome se refere a locais de culto do sul ao norte.33

32 Há quem não veja essa exortação a Judá como parte da mensagem original de Oseias. No entanto,

esse apelo ao vizinho do sul de Israel é retoricamente muito eficaz. Ao alertar Judá para ficar longe de

Israel, o profeta destacou o grau do pecado de Israel e a magnitude do juízo próximo. Mas também

não podemos presumir que a mensagem de Oseias era restrita a Israel. Por toda a sua longa carreira,

ele também exerceu seu ministério em Judá e pode ter adaptado suas mensagens anteriores para que

tivessem relevância para uma audiência sulista.

33 O versículo 2 pode acrescentar um terceiro nome à lista. A NIV traduz a primeira linha como “os

rebeldes estão fundo na matança”, mas há quem corrija o texto para “cavaram uma cova funda em


P rofetas M enores j 395 I

O engano de Israel ocorreu apesar dos esforços do Senhor em corrigir

seu povo (v. 2). A NIV, como a maioria dos comentaristas, interpreta a

segunda metade do versículo como uma resposta futura de Deus ao pecado

de Israel. No entanto, o texto hebraico diz, literalmente: “e eu [fui? sou?

serei?] disciplina para todos eles”. A declaração é uma oração sem verbo,

que pode ser traduzida no tempo passado, presente ou futuro, dependendo

das exigências do contexto. Muitos intérpretes observam que a palavra traduzida

por “disciplina” frequentemente tem conotação positiva na Bíblia

hebraica, referindo-se às instruções e à disciplina que um pai impõe aos

seus filhos. Por essa razão, muitos reparam que o termo pode ser muito

leve para descrever o juízo severo que Deus estava para impor sobre Israel

(v. 8-14). Portanto, parece mais provável que a declaração se refira aos

esforços passados do Senhor para disciplinar Israel. A oração, que pode ser

considerada como concessiva, é mais bem traduzida assim: “Mesmo que

eu tenha sido [fonte de] disciplina para todos eles”. Refere-se ao esforço do

Senhor para corrigir Israel antes que fosse tarde demais (veja Am 4.6-12).

Infelizmente, seus esforços se provaram inúteis.

Israel não tinha como esconder seu pecado de Deus (v. 3a). Apesar de

seus esforços hipócritas para adorá-lo (v. 6a), sua culpa era transparente

feito água. O povo tinha cometido adultério espiritual e tinha se tomado

“corrupto” (v. 3b), palavra utilizada em Números 5.20,27-28 para descrever

a mulher adúltera. Os israelitas até mesmo tinham gerado “filhos ilegítimos”

(v. 7a). O texto pode ser puramente metafórico, mostrando o que acontecia

tipicamente quando uma mulher era infiel a seu marido. No entanto, pode

haver uma alusão à participação de Israel em rituais de fertilidade pagãos

(4.13-15), que, provavelmente, geraram esses muitos filhos. Israel fez tudo

isso com uma atitude desavergonhada. Não podia disfarçar sua arrogância,

que “testemunhava” contra ele e, como sempre o orgulho faz (Pv 16.18),

tinha feito com que tropeçasse e caísse (v. 5). Ficou obcecado por seus falsos

deuses, recusou-se a reconhecer a autoridade do Senhor e foi além do

ponto de arrependimento (v. 4). Por essa razão, o Senhor se retirou da presença

do povo (v. 6b) e em breve o destruiria (v. 7b). A NIV traduz a última

linha do versículo 7 assim: “Agora, suas festas de lua nova os devorarão

com seus campos”. Contudo, a afirmação soaria melhor assim: “Agora, [o

Senhor] os devorará e a seus campos [no tempo] do festival da lua nova”.34

O texto é cheio de ironias. Os festivais da lua nova eram ocasiões para

Sitim”. Sitim se situava a leste do Jordão (Nm 25.1). A referência a uma “cova” metafórica daria um

bom paralelo para as metáforas de um “laço” e uma “rede”, ou “armadilha” no versículo 1. Veja Stuart,

Hosea-Jonah, 88, e Wolff, Hans W., Hosea, Stansell, G. (trad.), Hermeneia (Filadélfia: Fortress, 1974),

94. No entanto, Andersen e Freedman argumentam contra essa correção. Veja Hosea, 386-88.

34 Veja Davies, Hosea, 145.


1396 1 Introdução aos profetas

Israel celebrar a presença protetora de Deus em seu meio (Nm 10.10), mas

logo seriam transformados em dias de juízo.

A ironia continua no versículo 8. Tocavam as trombetas para celebrar

a chegada dos festivais da lua nova (Nm 10.10), mas o juízo iminente de

Deus faria com que soasse um sinal diferente das trombetas. Tocariam as

trombetas, mas elas sinalizariam uma batalha iminente, não um festival.

Essas trombetas de alerta seriam ouvidas em Gibeá e Ramá, as duas localizadas

em território bejaminita, algumas milhas ao norte de Jerusalém,

e também em Bete-Aven (isto é, Betei, veja 4.15), localizada perto da

fronteira sul de Israel.35 Como Gibeá, a mais próxima das três cidades, é

relacionada primeiro e Betei, a mais distante de Jerusalém entre as três,

é citada por último, alguns veem uma alusão a uma invasão de Israel

pelo sul. No entanto, não é necessário ver uma ordem de marcha mencionada

aqui. E mais provável que Oseias mostre um invasor marchando por

Efraim para o norte (v. 9) e, depois, ameaçando as próprias fronteiras de

Judá. Afinal, Judá tinha rejeitado o aviso do Senhor e seguido o exemplo

de Israel (5.5). O juízo do Senhor desceria sobre o reino do norte e também

sobre o reino do sul.

Em cumprimento a um decreto divino, Efraim seria devastada (v. 9) e

Judá seria inundada por uma enchente de ira divina (v. 10b). Em Judá, a

injustiça social era crescente (v. 10a). Ao comparar os príncipes de Judá

àqueles que mexiam em marcos, o Senhor os acusava de furto e injustiça.

Os marcos de pedra marcavam o limite legal entre as propriedades. Ao

movê-los, podia-se mudar o limite e roubar uma parte da terra de um vizinho.

A prática era condenada na lei (Dt 19.14; 27.17).

Na verdade, Deus já tinha começado o juízo de Efraim e Judá, ambas

comparadas a quem foi dominado por uma doença séria (v. 11,13a). Como

uma traça comedora de roupas (Jo 13.28; Is 50.9; 51.8), estava comendo

o próprio tecido de Israel. Como uma doença óssea progressiva (veja Pv

12.4; 14.30; Hc 3.16), roubava silenciosamente a força de Judá.

Sentindo sua situação desesperadora, Israel formara uma aliança com

a Assíria, pensando que isso iria restaurar sua estabilidade como nação (v.

13b). Isso pode se referir às políticas pró-Assíria de Menaém, que governou

Israel de 752-742 a.C., ou às políticas de Oseias, que governou de

732-722 a.C. como um rei fantoche assírio. Entretanto, a Assíria não podia

35 A última linha do versículo 8 (traduzido na NIV como “lidere, ó Benjamim”) é, literalmente:

“depois de ti, Benjamim”. O significado dessa declaração cifrada é incerto. A mesma expressão aparece

em Juizes 5.14 e descreve, aparentemente, como Efraim seguiu Benjamim até Tabor para lutar por

Baraque contra as forças cananeias de Sísera. Talvez, em Oseias 5.8, deva ser interpretada junto com o

que vem a seguir. O profeta, escrevendo da perspectiva de alguém em Judá, vê Efraim na retaguarda de

Benjamim. Avisa a Benjamim que um invasor se aproxima pela direção de Efraim.


P rofetas M enores | 397 |

curar a doença de Israel. O Senhor daria um bote sobre Israel e Judá como

um leão poderoso, retalhando-os em pedaços e levando-os para serem

devorados (v. 14). Ele voltaria para seu covil e não voltaria até que ambos

os reinos se arrependessem de seus pecados (v. 15). Essa profecia antecipa

a queda de Israel em 722 a.C. e a invasão assíria de Judá, em 701 a.C.

Um chamado ao arrependimento (6.1-3)

Uma súbita mudança de humor acontece aqui, quando um orador não

identificado, talvez o profeta falando como representante do povo, chama

a comunidade da aliança ao arrependimento. Como o Senhor denuncia a

hipocrisia de Israel e Judá no discurso seguinte (v. 4), há quem argumente

que os versículos 1 -3 não devem ser levados ao pé da letra. Mais do que

um sincero chamado ao arrependimento, alguns entendem que o discurso

é uma tentativa mal orientada de atrair o favor de Deus. Nessa visão, a

referência à restauração do povo pelo Senhor “depois de dois dias... ao

terceiro dia” (v. 2) é considerada prova da cegueira do povo. O povo acha

seu pecado tão leve que pensa que Deus irá restaurá-lo, bastando para isso

que faça um movimento simbólico em sua direção.36 Deus repreende seus

esforços rasos no versículo 4 (veja também 8.2).

Esse entendimento dos versículos 1 -3 como manifestação de cinismo

deve ser rejeitado. Aqui, não são os pecadores contemporâneos de Oseias

que estão falando. A perspectiva é de uma geração futura que conheceria

o juízo severo de Deus (compare o v. 1 com 5.14). O profeta incluiu

essa oração como modelo para essa geração que viria após o juízo recair

sobre Israel. Ao perceber que Deus não irá restaurar sua graça até que o

povo o busque arrependido (5.15), o orador conclama o povo a retomar

para o Senhor e conhecer sua cura. No passado, eles tinham se recusado

a reconhecer o Senhor e tinham sido incapazes de retornar a ele (5.4),

mas o orador confia que esse compromisso renovado com o Senhor trará

a renovação das bênçãos divinas. A confiança do orador, e não presunção,

tem raiz na misericórdia de Deus, que, de súbito, substitui a noite escura

do juízo pela luz da libertação (SI 30.5), e na promessa da aliança antiga

com o Senhor, feita com Moisés (Dt 30.1-10). A repreensão do versículo

4 não deve ser considerada como a resposta do Senhor a esse discurso.

Ela é mais bem interpretada como uma retomada da diatribe dos capítulos

4-5 depois do breve interlúdio dos versículos 1-3. Uma mudança semelhante

do foco do juízo para a salvação e de volta ao juízo acontece em

1.9-2.2 e em 11.7-12.

36 Veja, por exemplo, Harper, Amos and Hosea, 281-83.


I 398 1 Introdução aos profetas

Falta de lealdade (6.4-lla)

Com um tom meio exasperado, o Senhor pergunta retoricamente: “Que

te farei, ó Efraim? Que te farei, ó Judá?” (v. 4a). O Senhor exigia devoção

de seu povo, mas qualquer lealdade que eles pudessem mostrar rapidamente

desaparecia, como a névoa da manhã ou o orvalho sobre a grama

(v. 4b). O termo hebraico traduzido por “amor” refere-se ao compromisso

ou à devoção ao Senhor que é baseado no reconhecimento de sua autoridade

soberana e é demonstrado pela obediência às suas leis de aliança.

Deus desejava essa lealdade sobre todas as coisas, mais do que sacrifícios

(veja o v. 6, em que “misericórdia” traduz a mesma palavra do hebraico).37

O povo, porém, tinha rompido a aliança (v. 7), levando Deus a lhe dar

juízo severo (v. 5). Por meio de seus profetas ele tinha, inicialmente, anunciado

juízo e, depois, fez de suas ameaças uma realidade. Ele utilizou os

profetas como uma espada para cortar seu povo. A punição foi apropriada,

pois o povo, e mesmo os sacerdotes, eram culpados de derramar sangue

em violação ao sexto mandamento do Decálogo (v. 8-9; veja Êx 20.13).

Ironicamente, esses crimes tiveram lugar em cidades como Ramote-Gileade38

e Siquém, ambas designadas por Josué como cidades de refugio, onde

alguém que tivesse acidentalmente cometido um homicídio poderia encontrar

asilo contra um vingador sanguinário (Js 20.1-2,7-8).

Na forma traduzida na NIV, o versículo 7 faz uma comparação entre o

Israel rebelde e Adão, que desobedeceu a Deus ao comer o fruto proibido

no jardim do Éden. Entretanto, é altamente improvável que o texto faça

essa comparação. Como o advérbio “lá” [NVI] na próxima linha exige um

antecedente, é razoável supor que Adão seja um topônimo, referindo-se a

uma cidade localizada perto do rio Jordão (Js 3.16).39 Também aparecem

topônimos no versículo seguinte.

Se homicídio não fosse ruim o bastante, Israel completava sua rebeldia

contra Deus com um pecado ainda pior, chamado de “coisa horrenda” (ou

talvez “detestável”) (v. 10).40 A referência é à idolatria, uma violação do

37 A primeira linha no versículo 6 pode ser interpretada como se Deus rejeitasse o sacrifício como

um todo, em favor da lealdade. Mas o exagero é empregado aqui, como fica claro na segunda linha.

Essa linha deve ser traduzida assim: “Conhecimento de Deus mais do que holocaustos”. Os sacrifícios

tinham seu lugar na relação de Israel com Deus, mas só quando oferecidos pelo povo obediente. Deus

dava mais prioridade à obediência.

38 Gileade (v. 8) era uma região, não uma cidade. Uma vez que o versículo 8 chama Gileade especificamente

de “cidade”, provavelmente estamos falando da cidade de Ramote-Gileade, situada a leste

do rio Jordão.

35 A leitura proposta “em Adã”, em oposição a “como Adão”, exige uma ligeira correção da preposição

hebraica ke-, “como”, para be-, “em”. As letras kaph e beth são facilmente confundidas. Veja

Brotzman, Ellis, Old Testament Textual Criticism (Grand Rapids: Baker, 1994), 109, e McCarter, P.

Kyle, Textual Criticism (Filadélfia: Fortress, 1986), 44.

40 Um termo hebraico relacionado é empregado em Jeremias 29.17 para figos podres, impossíveis de

serem comidos.


P rofetas M enores | 399 j

segundo mandamento do decálogo (v. 10; Êx 20.4). Embora a idolatria não

seja mencionada especificamente nos versículos imediatamente anteriores,

a metáfora da “prostituição” certamente aponta nessa direção (4.10-18), da

mesma forma que a referência à contaminação de Israel (o termo utilizado

em hebraico é o mesmo que é traduzido em 5.3, em que provavelmente

mostra Israel como uma mulher adúltera).

Como anteriormente observado, Judá estava seguindo as pegadas morais

de Efraim (5.5,10; 6.4). Como conseqüência, ele também conheceria o juízo

de Deus (v. 11a, veja 5.14), que é comparado aqui a uma colheita, porque foi

agendado para uma época específica e envolveria o povo ser cortado por uma

foice, por assim dizer, e levado para ser pisado (veja Jr 51.33; J13.13).41

Confusão dentro e fora (6.11b-7.16)

Deus estava desejoso de restaurar e sarar seu povo, mas os pecados de

Israel impediam a reconciliação (6.11b-7.2). O furto, outra violação do

decálogo (Ex 20.15), é destacado aqui. Até a corte real incentivava o pecado

e a enganação (v. 3). De cima a baixo, a nação estava cheia de “adúlteros”,

que tinham sido infiéis a Deus e a seus padrões morais (v. 4a). O profeta

compara sua paixão pelo pecado ao fogo de forno aceso pelo padeiro que

foi deixado sem cuidar e está quentíssimo (v. 4b).

De 752-732 a.C., quatro dos reis de Israel foram assassinados (2Rs 15).

Essa confusão política é o cenário para os versículos 5-7, que descrevem

como os conspiradores e os assassinos tipicamente levaram adiante seus

planos contra o rei. Em uma ocasião festiva, eles esperavam até que o rei

ficasse bêbado e o atacavam rapidamente. Usando as imagens do versículo

4, o profeta os compara a um forno que dormita a noite inteira e, depois,

na hora certa, é atiçado até virar uma chama ardente. Da mesma forma, os

conspiradores preparavam seus planos e esperavam pacientemente até a

hora oportuna, quando executavam seus planos assassinos.

A instabilidade política de Israel o deixou vulnerável, mas ninguém

buscou o Senhor para pedir segurança nacional (v. 7b, 10). Em vez disso,

Israel formou alianças com as superpotências da época, o Egito e a Assíria

(v. 11b). Da mesma forma que aqueles bolos assando são uma mistura de

farinha e óleo, assim também Israel tinha se misturado com estrangeiros

(v. 8a), mas essa estratégia seria um tiro pela culatra. Israel seria arruinado,

como um bolo que, sem ser virado, queima de um lado e tem de

ser jogado no lixo (v. 8b). Os senhores estrangeiros de Israel exigiam tributos

pesados que sangravam as finanças do país (v. 9a). Israel era como

41 Sobre as práticas de colheita e separação no antigo Israel, veja Borowski, Oded, Agriculture in Iron

Age Israel (Winona Lake: Eisenbrauns, 1987), 57-65.


I 400 I Introdução aos profetas

um homem que não consegue perceber que está ficando velho porque os

sinais de envelhecimento, como os cabelos agrisalharem, apareciam lentamente

(v. 9b). A tentativa de Israel de achar segurança por meio dessas

nações poderosas era mal orientada e estava fadada ao fracasso. Como

uma pomba, não tinha sentido (v. 1 la) e seria facilmente enredada na rede

de juízo do Senhor (v. 12).

O Senhor tinha desejo de libertar seu povo, mas o povo havia se desviado

dele e se rebelado contra sua autoridade (v. 13). Sua rebelião talvez

fosse mais claramente percebida em seu paganismo. Em vez de buscar o

Senhor para obtenção de grãos e vinho, engajou-se nos rituais pagãos da

adoração de Baal. A NIV traduz o versículo 14 como “eles se ajuntam por

grãos e vinho novo”, mas o texto hebraico, aqui, sofreu uma corrupção.

Alguns manuscritos hebraicos medievais e a Septuaginta preservam o texto

original desse versículo, que diz “eles se cortam por grão e vinho novo”.42 A

automutilação era praticada por adoradores do deus da fertilidade, Baal, nos

tempos de seca (lRs 18.28). De acordo com a crença cananeia, a seca acontecia

quando Baal era temporariamente subjugado por seu arqui-inimigo

Mot, o deus da morte. Para facilitar a volta de Baal à terra dos vivos, seus

adoradores tinham de chorar sua morte e se cortar.43 Nos mitos ugaríticos, o

deus El chora a morte de Baal jogando terra sobre a cabeça, vestindo-se de

panos de saco, rapando os pelos da face e cortando seu corpo.44 Oseias 7.14

retrata os israelitas se dedicando a esses rituais de luto. Eles pranteavam e

se cortavam em um esforço para fazer Baal ressuscitar para que pudesse

restaurar as plantações que o Senhor tinha levado no juízo (2.9).

No passado, o Senhor tinha “treinado” e “fortalecido” seu povo (v. 15a).

O texto parece mostrar o Senhor dando a Israel a força para vencer batalhas

(veja 2Rs 14.25-28). Em Ezequiel 30.24-25, a expressão “fortalecer os

braços” (expressão literal da afirmação traduzida por “fortaleci” na NIV)

descreve como o Senhor fortaleceu o rei da Babilônia militarmente, capacitando-o

a derrotar o rei do Egito. Israel retribuiu os esforços do Senhor com

hostilidade (v. 15b). Ao utilizar outra metáfora militar, o profeta compara

Israel, infiel e moralmente não confiável, a um “arco defeituoso” que não

funciona corretamente no calor da batalha (v. 16a; veja o SI 78.57).

A insolência de Israel levaria à humilhação e à destruição. Seus líderes

cairiam pela espada e o Egito, uma das nações que eles tinham procurado

para conseguir ajuda (v. 11), zombaria de sua derrota (v. 16b).

42 Para uma discussão das questões envolvidas na crítica textual aqui, veja Chisholm, From Exegesis

to Exposition, 21-22.

,3 Cortar a si mesmo está associado a prantear pelos mortos em Deuteronômio 14.1; Jeremias

16.6; 47.5.

44 Veja Gibson, J. C. L., Canaanite Myths and Legends, 2a ed. (Edimburgo: T. & T. Clark, 1978), 73.


Profetas M enores I 401

Eles colhem o que plantam (8.1-14)

Dirigindo-se a um sentinela não identificada (talvez Oseias), o Senhor

faz com que soe o alarme em Israel (v. Ia; veja 5.8). Uma águia poderosa

(simbolizando o exército assírio) estava circundando a nação, pronta para

mergulhar e capturá-la em suas garras poderosas (v. lb; veja Dt 28.49, que

pode fornecer o pano de fundo literário para essa imagem). Embora Israel

alegasse ser leal ao Senhor, tinha infringido sua lei, levando o Senhor a

enviar um inimigo contra ele (v. lb-3).

Israel tinha rejeitado a autoridade do Senhor de várias maneiras. Eles

mudavam de um rei para outro sem buscar a orientação do Senhor para

isso (v. 4a). Pior ainda, eles adoravam ídolos, incluindo o bezerro de

Samaria (v. 4b-6). Por essa razão, Samaria, aqui, provavelmente se refere

ao reino do norte como um todo (lRs 13.32), e o bezerro em questão é,

provavelmente, aquele colocado em Betei por Jeroboão I (Os 10.5). O

Senhor achou esse ídolo particularmente repulsivo e avisou que o destruiria.

Israel tinha “rejeitado o que é bom” (o Senhor e sua lei) (v. 3); agora,

apropriadamente, ele rejeitaria seu bezerro amado (v. 5). A NIV traduz a

primeira linha do versículo 5a assim: “Rejeitei teu bezerro, ó Samaria!”

Entretanto, o texto hebraico tem, na verdade, uma forma verbal na terceira

pessoa: “Ele rejeitou (o verbo é o mesmo traduzido como “rejeitou”

no v. 3) teu bezerro, ó Samaria”.45

Israel receberia exatamente o que merecia (v. 7a). Por sua adoração idólatra,

tinha semeado “vento”, que, aqui, simboliza o que não tem substância

nem valor, e colheria “tormenta”, que simboliza o juízo divino destruidor

(veja o SI 83.15; Is 29.6). Ao utilizar as imagens de plantio e colheita, o

Senhor deixa claro que Israel plantou as sementes de sua própria destruição

quando se voltou para os ídolos.

As imagens agrícolas continuam na segunda metade do versículo 7. As

tentativas idólatras de obter prosperidade foram inúteis. Elas são comparadas

a uma haste sem grãos e que, portanto, não produz farinha. Mesmo

que os esforços da nação produzissem algum grão (prosperidade), nações

estrangeiras o comeriam. Isso também seria apropriado e irônico, pois

Israel estava buscando segurança por meio de alianças com essas nações (v.

8). Submeteu-se voluntariamente à Assíria e ao Egito, mas seus esforços se

provariam ser um tiro pela culatra (v. 9-10).

Apesar da idolatria de Israel e de suas alianças estrangeiras, a nação teve

a audácia de oferecer sacrifícios ao Senhor (v. 11a). Entretanto, como Israel

43 Alguns corrigem a forma verbal para o imperativo, porque é estranho encontrar uma referência

a Deus na terceira pessoa em um discurso divino. Entretanto, essa inconsistência na flexão pessoal é

atestada em outras passagens em discursos de Deus em Oseias (1.7; 4.10-12; 8.13). Sobre o significado

do jogo de palavras envolvendo “rejeitou”, veja Miller, Sin and Judgment in the Prophets, 17-18.


| 402 1 Introdução aos profetas

tinha rejeitado a lei do Senhor (v. 12), o Senhor via sua “adoração” como

uma hipocrisia pecaminosa (v. 11b) e recusou-se a aceitar suas ofertas

(v. 13 a). Como Israel tinha se esquecido de seu “Criador”, daquele que fez

dele uma nação ao libertá-lo da escravidão no Egito, o Senhor o mandaria

de volta para a escravidão (v. 13b-14a). Eles, por assim dizer, “retomariam

ao Egito”. E claro que a Assíria, e não o Egito, foi o destino do Israel exilado,

mas o “Egito” é utilizado aqui como um símbolo da escravidão, para

indicar que a história de salvação da nação seria revertida.

O juízo de Deus sobre Israel respingaria sobre Judá. Embora Judá

tivesse “fortificado muitas cidades” para ficar a salvo de uma invasão, o

Senhor enviaria o fogo do juízo sobre a nação (v. 14b). Como em Oseias

5.14, a profecia dos versículos 13b-14 antecipa a queda e o exílio de

Israel, em 722 a.C., assim como a invasão de Judá pelos assírios em 701

a.C., quando Senaqueribe conquistou 46 das “cidades fortes” e dos “fortes

murados” de Judá.46

Choro pelas crianças (9,1-17)

Israel não tinha de se regozijar em antecipação de uma colheita abundante

(v. Ia). Como Israel tinha buscado Baal para conseguir comida, seria

privado de grãos e vinho (v. lb-2). A adoração de Baal por Israel é comparada

à prostituição. Ele se deu a Baal em troca de pagamentos por prostituição,

isto é, a prosperidade agrícola que erroneamente pensou que Baal

pudesse proporcionar (2.5), mas os lagares ficariam vazios e Israel seria

enviado para o exílio (v. 3). Símbolo e realidade se misturam, pois são

mencionados o Egito (o local onde Israel tinha sido escravizado antes) e

a Assíria (destino dos futuros exilados). Aprisionado em uma terra estrangeira,

Israel teria de comer comida “impura” do ponto de vista cerimonial

(veja Ez 4.13) e não conseguiria oferecer sacrifícios aceitáveis a Deus,

nem observar algumas festas religiosas (v. 4-5). O povo morreria em uma

terra estrangeira, enquanto as riquezas deixadas para trás em Israel ficariam

amontoadas nas ruínas de seus lares, cobertas de moitas e espinhos, que

cresceriam de forma selvagem sobre tudo (v. 6). Com um toque retórico, o

profeta alertou que a cidade egípcia de Mênfis, famoso local de sepultamentos

do Egito, seria o cemitério dos exilados.

Os muitos pecados de Israel exigiam retribuição (v. 7a,9b). A hostilidade

de Israel contra Deus talvez fosse vista com mais clareza na forma

como a nação rejeitou os profetas do Senhor (v. 7b-8). Os profetas eram

as “sentinelas” de Israel, enviados por Deus para alertar o povo sobre

46 Para o relato altamente divulgado de Senaqueribe sobre a invasão, veja Pritchard, James, Ancient

Near Eastern Texts Relaíing to the Old Testament (Princeton: Princeton University, 1969), 287-88.


P rofetas M enores 1403

a condenação iminente. Mas o povo os considerava tolos insanos e os

ameaçava com violência. O Senhor considerou essa hostilidade comparável

ao pecado horrível cometido em Gibeá por uma geração anterior

(v. 9a). O profeta, aqui, faz alusão ao incidente registrado em Juizes 19,

que conta como os benjaminitas de Gibeá tentaram abusar de um levita

que buscou abrigo em sua cidade para passar a noite. Eles aceitaram sua

concubina, que foi abusada a noite toda.

O Senhor não tinha achado Israel tão repulsivo sempre. Na verdade, no

começo de seu relacionamento, ele olhava com grande prazer para Israel,

como alguém que encontra uvas no deserto ou vê o primeiro fruto de uma

figueira (v. 10a). Este era considerado uma delícia saborosa e irresistível (veja

Is 28,4; Jr 24.2; Mq 7.1). Contudo, a opinião do Senhor sobre Israel mudou

rapidamente, pois, em Baal Peor, os israelitas adoraram outros deuses e se

engajaram em rituais de fertilidade com mulheres estrangeiras (Nm 25.1-5).

A geração de Oseias tinha repetido esses pecados, esperando que Baal

fosse lhes dar muitos filhos. O Senhor daria a eles juízo severo, mas adequado.

Ele impediria as mulheres israelitas de conceber e dar à luz (v. 11).

Ele faria que as mulheres que concebessem abortassem (v. 14) e entregaria

a invasores cruéis quaisquer bebês que nascessem (v. 12-13,16). Como um

marido que tivesse decidido se divorciar de uma mulher infiel, ele tiraria o

povo de sua casa e o faria vagar pelas nações (v. 15, 17).

Essa acusação contra Israel utiliza de forma eficaz os recursos literários

da ironia e da alusão literária. O nome “Efraim”, que predomina nos versículos

11-16, é escolhido por uma razão específica. O nome, que se pensava

popularmente significar “fruta em dobro” (veja Gn 41.52), sugere o

conceito de fertilidade e frutificação. Ironicamente, Efraim, “duplo fruto”,

terminaria como uma raiz ressecada e não geraria nenhum fruto (v. 16a). A

referência a Gilgal, juntamente com a ameaça de exílio, também é irônica.

Gilgal foi o primeiro local de acampamento de Israel depois de cruzarem

o rio Jordão com Josué (veja Js 4). Como tal, simbolizava a posse, por

Israel, da Terra Prometida. Mas agora os pecados cometidos lá exigiam a

expulsão de Israel da terra. O mesmo verbo (em hebraico garash, “expulsar”)

utilizado na expulsão dos cananeus (veja Dt 33.27, por exemplo) é

utilizado aqui para descrever como Deus “lançaria seu povo para fora” de

sua casa (v. 15). Esse verbo também é utilizado em Gênesis 4.14 sobre a

expulsão de Caim da presença de Deus. Pode-se pretender uma analogia,

já que a hostilidade dos israelitas contra os profetas era comparável ao

ódio de Caim por seu irmão, Abel. Como Caim, Israel se tomaria um povo

errante. A palavra traduzida por “errantes” (uma forma do verbo hebraico

nadad, “vaguear”) em Oseias 9.17, também é utilizada para descrever o

destino de Caim em Gênesis 4.12,14.


I 404 1 Introdução aos profetas

O jugo do pecado e o juízo (10.1-15)

Com um toque de nostalgia, o profeta se recorda da prosperidade de

antes em Israel, quando se espalhava feito uma vinha na Terra Prometida

(v. Ia, veja o SI 80.8-11; Ez 19.10-11). Entretanto, o realismo rapidamente

entra em cena quando o profeta também se recorda de como Israel, hipócrita

e ingrato, acabou se voltando para a idolatria (v. lb). Os altares mencionados

aqui simbolizam o formalismo vazio que caracterizava a religião

de Israel (8.11), enquanto as pedras sagradas simbolizam sua idolatria pagã

(3.4). Suas tentativas insinceras e vazias de adorar o Senhor transformou-os

em culpados de hipocrisia (v. 2a). Por essa razão, o Senhor destruiria tanto

os altares quanto as pedras sagradas (v. 2b).

O juízo iminente privaria Israel de sua independência, simbolizada pela

figura do rei. O povo reconheceria sua incapacidade de mostrar temor ao

Senhor como causa dessa calamidade, que seria tão devastadora que nem

mesmo um rei poderia reverter (v. 3).

O engodo que caracterizava a relação de Israel com o Senhor (veja os

v. 1-2) também impregnou as relações do povo entre si (v. 4). As pessoas

quebravam suas promessas e mostravam total desrespeito pelos juramentos

feitos. Isso levou a uma erupção de processos legais, que o profeta compara

a ervas daninhas em um campo plantado.

O juízo do Senhor atingiria Israel em seu coração pagão. O povo era devoto

especialmente do “bezerro de Bete-Áven” (isto é, Betei), mas os assírios o

levariam para o exílio, deixando o povo e os sacerdotes humilhados a prantear

sua partida (v. 5-6). O termo raro traduzido como “sacerdotes idólatras” é

utilizado em outras passagens para designar os sacerdotes de Baal (2Rs 23.5;

Sf 1.4). O rei de Samaria sairia flutuando para o exílio, como uma lasca de

madeira carregada pela correnteza de um rio (v. 7; veja também o v. 15). Os

altares pagãos seriam destruídos e cobertos por mato e espinheiros (v. 8a).

Quando todo o seu mundo desmoronasse ao seu redor, o povo pediria que

as montanhas caíssem sobre ele para terminar seu sofrimento (v. 8b).

Durante séculos, desde o crime horrível cometido contra a concubina do

levita em Gibeá (veja 9.9; Jz 19), Israel tinha permanecido no pecado

(v. 9). O Senhor anunciou que era chegada a hora do castigo (v. 10).

Tomando emprestadas imagens do campo da agricultura, o Senhor compara

Israel a um bezerro que foi treinado para pisar grãos, separando-lhe a casca

(v. 11). Esse trabalho era relativamente fácil, porque o animal podia comer

parte do grão do lagar (veja Dt 25.4). Contudo, os dias fáceis de Israel

tinham acabado. O Senhor colocaria um jugo sobre Efraim e Judá e os faria

mudar para a árdua tarefa de arar o campo.

O profeta estende as imagens de arar a terra nos versículos 12-13 a. Ele

conclama o povo a arar e plantar na esfera moral e ética. Diz a eles que


Profetas M enores | 405 |

plantem justiça. Se reagissem positivamente, o Senhor mandaria chuvas

de salvação,47 que, por sua vez, produziriam a colheita de seu “amor infalível”.

É claro que essa visão de prosperidade potencial se opunha à realidade.

O povo tinha, na verdade, plantado perversidade e colheria frutos

de maldade e engano.

Em vez de confiar sua segurança ao Senhor, Israel confiou em seu próprio

poderio militar (v. 13b). Por essa razão, o Senhor destruiria seu exército

e permitiria que um invasor arrasasse a terra (v. 14-15). As cidades

fortificadas de Israel seriam devastadas, o povo seria vítima de atrocidades

horríveis, Betei (onde estava o bezerro) cairia e o rei de Israel seria deposto.

O profeta comparou o desastre que se formava à cruel conquista de

Bete-Arbel por Salmã, um acontecimento aparentemente conhecido pela

audiência de Oseias (v. 14). Infelizmente, estudos acadêmicos modernos

não foram capazes de encontrar outras referências e esse evento na literatura

bíblica ou extrabíblica. Tanto a identidade de Salmã quanto a localização

precisa de Bete-Arbel são incertas.48

A grande compaixão de Deus (11.1-11)

Mais uma vez, o Senhor recorda com saudade a história primitiva de

Israel (v. 1; veja 9.10 e 10.1). Israel era “filho” de Deus, objeto especial de

seu amor paterno. O ato supremo de amor do Senhor foi o êxodo, quando

ele tirou seu “filho” da escravidão no Egito de maneira a estabelecer uma

relação de aliança com ele.49 Mas Israel se voltou para os ídolos, especialmente

os baalins, apesar do cuidado protetor do Senhor (v. 2-4).50

A rebelião de Israel tomou o juízo inevitável. Seria conquistado pela

Assíria e levado para o exílio (simbolizado novamente como um retorno

ao Egito, v. 5; veja 8.13; 9.3). Oseias usa um jogo de palavras aqui para

47 A NIV traduz o termo hebraico como “retidão”, mas a palavra provavelmente se refere, aqui, ao

livramento de Deus. Veja Oseias 2.19.

48 Para discussão de diversas opções apresentadas pelos acadêmicos, veja Wolff, Hosea, 188, e

Davies, Hosea, 248-49.

49 Sobre a aplicação tipológica deste versículo a Cristo por Mateus, veja meus comentários sobre

Isaías 7.14, sob o título “Emanuel como tipo”.

50 A tradução e a interpretação do versículo 2a são especialmente problemáticas. O texto hebraico

diz, literalmente, “chamavam a eles, mas eles se afastavam de diante deles”. Muitos entendem o sujeito

plural de “chamar” como sendo os profetas, por meio de quem o Senhor chamava Israel à fidelidade.

Andersen e Freedman (Hosea, 577-78) sugerem uma alusão ao incidente de Baal-Peor (veja Os 9.10),

em cujo caso o sujeito de “chamavam” pode ser “mulheres pagãs”, que convidavam os israelitas para

seus rituais de fertilidade (veja Nm 25.2, em que a NIV emprega “convidavam” para o mesmo verbo

hebraico traduzido como “chamavam” em Os 11.2). Eles alteram a segunda linha de Oseias 12.2a para

“eles se afastavam da minha frente”, considerando a combinação he-mern no final da forma como

um pronome masculino plural independente em terceira pessoa que combina com a próxima linha. A

Septuaginta mantém essa alteração textual. A NIV segue a Septuaginta e lê “eu o chamava” no começo

da linha e “de mim” no final.


| 406 I Introdução aos profetas

enfatizar que esse castigo seria apropriado. Israel se recusava a “se arrepender”

(em hebraico, shub, retomar), então retomaria (em hebraico,

shub) à escravidão. As espadas inimigas brilhariam nas cidades israelitas,

provocando um fim abrupto aos planos arrogantes e deixando-as indefesas

diante do juízo (v. 6-7).51

Subitamente, o Senhor passa por uma mudança em seu coração, o que o

leva a temperar seu juízo com misericórdia (v. 8). Utilizando perguntas retóricas,

ele deixa claro que nunca poderia destruir totalmente seu povo, como

fizera com Admá e Zeboim, que foram eliminadas juntamente com Sodoma e

Gomorra (Dt 29.23; veja também Gn 10.19; 14.2,8). Essas cidades perversas

tinham sido “derrubadas” pelo juízo de Deus (veja Gn 19.25, em que a NIV

tem a tradução do verbo como “derrubar”), mas, no caso de Israel, o coração

do Senhor, considerado o centro de suas emoções, ficaria “comovido” (na

NIV, como “mudado”, o mesmo verbo traduzido por “derrubado”, em Gn

19.25) e sua compaixão substituiria sua ira. O Senhor não atacaria Efraim

com uma ira cega; ele pararia antes de aniquilá-lo (v. 9). Seres humanos às

vezes se deixam tomar de ira de tal forma que não conseguem demonstrar

nenhuma restrição ou misericórdia quando buscam vingança. Mas o Senhor,

o “Santo”, é Deus, não um homem.52 Ele tem a capacidade de mostrar misericórdia

e é capaz de manter suas emoções em perfeito equilíbrio.

Alguns teólogos argumentam que Deus não tem emoções. E claro

que, para fazer tal afirmativa, eles têm de considerar os muitos textos

bíblicos que atribuem emoções a Deus como sendo antropopático. Oseias

11.9 demonstra que essa visão da natureza de Deus é errônea e não é

bíblica. Deus, como os seres humanos feitos à sua imagem e semelhança,

é capaz de ter uma vasta gama de emoções, mas Deus, diferentemente

dos homens, expressa suas emoções em perfeito equilíbrio. A diferença

entre Deus e os homens não está em uma suposta ausência de emoção

divina, mas na capacidade divina de controlar suas emoções e expressá-

-las apropriadamente.

Depois de afirmar que preservaria seu povo, o Senhor antecipou um

tempo em que este o seguiria prontamente (v. 10-11). Antes, o Senhor tinha

se mostrado como um leão poderoso, prestes a estraçalhar seu povo (5.14).

Aqui ele usa a imagem de um leão de forma completamente diferente.

51A tradução e a interpretação do versículo 7b são problemáticas. Como está, o texto hebraico desafia

o sentido, dizendo, literalmente, “e para cima eles o chamam, juntos ele não os exalta”. ANIV presume

que o termo em hebraico ‘a l, “acima” é uma forma abreviada do nome divino “Altíssimo”. Nesse

caso, Israel é retratado clamando desesperadamente ao Senhor, apenas para ter seu pedido de socorro

rejeitado. Outros preferem corrigir ‘al, “acima”, para ba al, “Baal”. Nesse caso, eles gritam por Baal,

mas ele não é capaz de livrá-los do juízo de Deus. Veja Wolff, Hosea, 192, e Mays, Hosea, 150, 156.

52 O título “o Santo”, aqui, mostra Deus como um ser transcendente e absolutamente único.


P rofetas M enores | 407 |

Chegaria o dia em que o Senhor rugiria feito um leão para chamar seu povo.

Com temor genuíno ao Senhor (observe a referência a “tremendo”), o povo

responderia seu chamado e retomaria à Terra Prometida, onde o Senhor

o reassentaria. O Senhor, antes, tinha mostrado Israel como insensato e

fácil de enganar, como uma pomba que é enganada pelo caçador (7.11).

Mas aqui ele utiliza a imagem da pomba de forma diferente, comparando o

futuro retomo de Israel à Terra Prometida ao voo suave da pomba.

Lições do passado (11.12-12.14)

Depois desse rápido voo ao futuro, o Senhor retoma ao presente frio

e duro. Apesar da fidelidade de Deus, Israel e Judá tinham se rebelado

contra seu rei, aqui chamado de “Santo”, título que enfatiza sua posição

soberana como seu rei e autoridade moral (11.12).53 O povo prosseguiu

um estilo de vida enganoso que era vazio e autodestrutivo. O profeta o

compara a comer ao vento, uma prática que, ao final, faz com que se passe

fome (12.1a). A injustiça social (observe a referência a “mentiras e destruição”)

campeava no país, e seus líderes, em vez de buscar a segurança

no Senhor, procuraram garantia em alianças com estrangeiros (v. lb). O

Senhor não podia deixar esse pecado sem castigo. Ele estava fazendo uma

acusação formal contra seu povo. Depois de demonstrar sua culpa, ele iria

retribuir seus feitos pecaminosos (v. 2).

A acusação inicial começa com uma aula de história (v. 3-5). O povo

enganoso de Deus (veja 11.12-12.1) era igual a Jacó, pai da nação.54

Enquanto ainda estava no ventre materno, o caráter enganoso e ganancioso

de Jacó era evidente. Em seu nascimento, ele agarrou o calcanhar de seu

irmão, Esaú, aparentemente em um esforço para evitar que Esaú fosse o

primogênito (Gn 25.26). Esse ato prenunciou seu conflito com Esaú, no

qual Jacó usou o engodo em seu esforço para alcançar segurança e prosperidade.

Depois de vários anos de conflito com seu tio Labão, Jacó finalmente

começou a perceber que a bênção sobrenatural de Deus, e não seu próprio

arranjo, era a única forma para conseguir êxito (Gn 31.42). Com a perspectiva

de encontrar um Esaú irado, o conflito interior de Jacó terminou numa

luta corporal com o anjo de Deus (Gn 32.22-32).55 O conflito terminou com

53 No texto hebraico, a forma traduzida como “o Santo” aparece aqui no plural para enfatizar a

soberania do Senhor. O hebraico às vezes emprega o plural para indicar o grau ou a magnitude de uma

qualidade ou característica inerente ao substantivo.

54 A mesma palavra hebraica traduzida como “engano” em Oseias 11.12 é empregada para o

tratamento enganoso de Jacó com seu pai, em Gênesis 27.35.

53 De acordo com o relato de Gênesis, Jacó lutou com o próprio Deus; Oseias parece refletir uma

tradição alternativa, menos antropomórfica, segundo a qual Jacó lutou com um anjo enviado por Deus.

Talvez as palavras de Jacó em Gênesis 48.15-16, em que ele parece referir-se a Deus como um “anjo”,

tenham influenciado a tradição expressa em Oseias.


I 408 I Introdução aos profetas

Jacó exigindo e recebendo uma bênção divina segundo a promessa anterior

de Deus (Gn 28.13-15). No começo de sua vida, Jacó fez uma barganha

com Deus (Gn 28.20-22), mas chegou a um ponto em que reconheceu sua

dependência da ajuda de Deus (Gn 32.26).

Os descendentes do fraudulento Jacó deveriam ter seguido seu exemplo.

O profeta os conclamou ao arrependimento, à promoção de justiça social e

à confiança em Deus para terem segurança e prosperidade (v. 6). Isso exigia

uma mudança radical, pois as práticas econômicas do país eram corruptas e

os burocratas reais tinham orgulho de sua riqueza (v. 7-8).56 Se não houvesse

mudanças, o Senhor retiraria o povo da terra e o faria viver em um deserto,

assim como tinha feito depois de tirá-lo do Egito (v. 9). Israel comemorava

essa experiência com a Festa dos Tabemáculos, quando as pessoas viviam

em abrigos temporários por uma semana (Lv 23.33-43). Ironicamente, a celebração

viraria realidade severa quando as peregrinações pelo deserto fossem

reencenadas no exílio. O Senhor tinha enviado seus profetas para confrontar

e alertar o povo (v. 10), mas o povo continuava em pecado e se engajava em

adoração hipócrita em lugares como Gilgal (v. 11a). De forma apropriada,

o juízo iminente reduziria os altares nesses oratórios a “pilhas de pedras”

(v. 11b). A afirmação é mais chamativa no texto hebraico, em que a palavra

traduzida como “pilhas de pedras” (em hebraico, g allim ) tem o mesmo som

que Gilgal (observem os sons “g” e “1” em ambos os termos).

Mais aulas de História estavam a caminho. O destino da nação estava

nas mãos do Senhor. Se Israel, de alguma forma, pensava que era imune ao

exílio, devia ter considerado a experiência de seu patriarca Jacó. Após enganar

Esaú, ele teve de deixar a Terra Prometida e viajar para a casa de seu

tio, onde foi forçado a trabalhar duro e por muito tempo para conseguir uma

esposa (v. 12). Mais tarde, depois que Jacó e sua família foram forçados a ir

ao Egito por causa da fome, o Senhor libertou seu povo da escravidão por

meio de um profeta (v. 13). Israel tinha ignorado os profetas, mas devia ter

percebido que frequentemente os profetas eram instrumentos de Deus para

realizar seu propósito para seu povo (veja o v. 10; também 9.8). Israel não

podia escapar ao controle providencial de Deus. Ele o tinha enraivecido

com sua violência e agora sofreria as conseqüências de seu pecado (v. 14).

A morte recebe um convite (13.1-16)

Houve um tempo em que Efraim, a tribo mais importante do reino do

norte, exercia liderança em Israel e era altamente respeitada. O primeiro rei

de Israel, Jeroboão I, era de Efraim (lRs 11.26; 12.25). Mas, então, Efraim

56 Para um estudo do cenário socioeconômico da época, veja Dearman, John A., Property Rights in

the Eighth-Century Prophets, SBLDS 106 (Atlanta: Scholars, 1988).


P rofetas M enores ) 409 |

se voltou para a adoração a Baal e “morreu”, por assim dizer (v. 1). Essa

afirmação é altamente irônica, pois a adoração a Baal era para promover a

vida e a fertilidade. Na mitologia pagã, o arqui-inimigo de Baal era Mot,

o deus da morte. Efraim adorou Baal de forma a conseguir a vida; em vez

disso, conseguiu a morte.

A situação foi de mal a pior quando o povo pecou ainda mais e continuou

a fabricar e adorar ídolos (v. 2). Sua devoção a seus falsos deuses era

mais bem ilustrada pela prática de beijar os bezerros como sinal de homenagem

(lRs 19.18). Imaginem o absurdo de seres humanos, feitos à imagem

de Deus, beijando as imagens de bezerros feitas pelas suas próprias mãos.

A tradução do versículo 2 na NIV, que fala de sacrifícios humanos, é

questionável. O texto hebraico diz, literalmente, “sacrificadores dos homens,

beijem os bezerros”. Alguns acham que isso quer dizer “aqueles que sacrificam

homens, beijem os bezerros”, considerando “homens” como objeto

de “sacrificam”. De acordo com essa visão, os israelitas estavam oferecendo

sacrifícios humanos juntamente com a adoração a Baal. Os israelitas,

aparentemente, ofereceram, sim, crianças em sacrifício ao deus Moloque

(veja Lv 18.21; 20.2-5; 2Rs 23.10), uma prática que estava associada, de

alguma maneira, à adoração a Baal (Jr 32.35). No entanto, é improvável que

essa prática abominável esteja em questão aqui em Oseias 13.2. O termo

hebraico traduzido por “homens”, mais provavelmente, refere-se a adultos,

não a crianças. A construção “sacrificadores dos homens” é, provavelmente,

uma expressão idiomática, em que “homens” identificam uma

categoria mais ampla, da qual os sacrificadores fazem parte. É como na

expressão “pobre dos homens”, significando os “pobres entres os homens”,

ou “homens que são pobres” (veja Is 29.19). Ao utilizar essa construção, o

profeta chama a atenção para o absurdo de homens beijarem bezerros.

Por causa de sua idolatria, Israel logo sairia de cena (v. 3). Quatro metáforas

são utilizadas para retratar isso. A nuvem dissipada pela luz do sol

da manhã, o orvalho que cedo evapora, a palha lançada ao vento e fumaça

saindo por uma janela. Além de retratar a rapidez com que Israel desapareceria,

as metáforas também sugerem que faltava ao idólatra Israel a substância

espiritual que concede a estabilidade.

O Senhor apresentou uma defesa de seus atos. Ele libertou seu povo

da escravidão no Egito, demonstrando que ele é o único deus digno de

sua adoração (v. 4). Ele cuidou de seu povo quando vagava pelo deserto e

o assentou em uma terra onde foi bem alimentado e se fartou (v. 5-6a).57

57 O versículo 6 não menciona especificamente a entrada de Israel na Terra Prometida, mas é provável que

as referências ao Senhor alimentando seu povo sejam uma alusão ao período depois da conquista, quando o

Senhor assentou Israel na terra. Veja Wolff, Hosea, 226; Mays, Hosea, 175; e Davies, Hosea, 290.


1410 I Introdução aos profetas

Apesar da bondade do Senhor, o povo ficou arrogante e “esqueceu-se” do

Senhor (v. 6b).

O Senhor não toleraria essa ingratidão de seu povo. O Senhor iria atacá-

-lo como um animal selvagem e despedaçá-lo (v. 7-8; veja 5.14). O único

que podia ajudar Israel tinha se tomado seu inimigo, e ninguém, nem

mesmo seu rei, poderia impedir o juízo divino (v. 9-10a). Afinal, em primeiro

lugar, o Senhor tinha relutado em dar a Israel um rei, e ele certamente

tinha autoridade para tirar o que tinha dado (v. 1 Ob-11).

Não é certo se o versículo 11 se refere a um evento histórico específico

ou se é uma afirmação genérica sobre os tratos de Deus com Israel. Como

está traduzido na NIV, o versículo se refere a um rei em particular, talvez

Saul (ISm 8-31) ou Jeroboão I (veja lRs 12-14). No entanto, as formas verbais

utilizadas aqui podem ser traduzidas igualmente como presentes genéricos:

“Na minha ira te dou um rei, e no meu furor eu o tiro de ti”. Nesse

caso, o versículo resume a história dos tratos de Deus com o reino do norte.

Reis desobedientes, um após o outro, vieram e se foram.58 Esse padrão seria

repetido com o rei do momento (v. 10). As acusações do Senhor contra

Israel não eram queixas vagas, sem fundamento. Os pecados de Israel estavam

documentados, por assim dizer, no livro de registros de Deus, prontos

para serem produzidos como provas na hora apropriada (v. 12).

O estágio inicial do juízo de Deus já estava evidente, sinalizando um

castigo mais severo por vir. O Senhor comparou isso às dores do parto, que

sinalizam o nascimento de uma criança (v. 13a). Estendendo a metáfora,

ele comparou Israel a um bebê que não consegue sair do ventre da mãe

quando chega a hora de nascer (v. 13b). Essa demora pode, é claro, ser fatal.

A metáfora ilustra a falta de sabedoria e sensibilidade espiritual de Israel.

Embora o juízo de Deus já estivesse sobre ele, ele não conseguia ver, por

assim dizer, os alertas “escritos no muro”.

Depois de demonstrar a culpa e a insensibilidade da nação, o Senhor

convida a morte para ser seu instrumento de juízo contra Israel (v. 14).

Na forma em que foi traduzida na NIV, a primeira metade do versículo

14 soa como uma promessa de salvação. Se, por um lado, a tradução é

possível, por outro, é altamente improvável nesse contexto, pois os versículos

imediatamente a seguir mostram juízo severo e duro. É verdade que

Oseias, às vezes, sofre bruscas mudanças de humor (1.10-11; 2.2; 6.1,4;

11.8,12), mas essa mudança parece prematura aqui. A profecia não muda

para melhor até o chamado ao arrependimento, no início do capítulo 14. Por

essa razão, é preferível traduzir as duas declarações no versículo 14a como

perguntas retóricas na esperança de uma resposta negativa. “Será que eu

58 Para essa interpretação do versículo 11, veja Wolff, Hosea, 221, 227; e Davies, Hosea, 293.


P rofetas M enores | 411 j

vou resgatá-los do poder do inferno? Será que eu os remirei da morte?”59 As

duas perguntas que se seguem, então, tomam-se convites para que a morte

faça seu trabalho destruidor como instrumento do juízo divino.

Paulo usa Oseias 13.14b em lCoríntios 15.55. Depois de afirmar que a

morte será tragada pela vitória (v. 54), ele faz uma provocação desafiadora.

As perguntas podem ser parafraseadas assim: “Onde, ó morte, está tua vitória

agora? Onde está agora, ó morte, o teu aguilhão?” Do jeito que Paulo empregou,

a pergunta aponta para a derrota da morte, que ele chama de “o último

inimigo” (v. 26). Paulo pode estar propositalmente dando um toque irônico à

pergunta, embora seja possível que a utilização do texto simplesmente reflita

uma interpretação mais recente do texto. Nesse caso, a interpretação de Paulo

não reflete o significado de Oseias 13.14b em seu contexto original, mas utiliza

as palavras das Escrituras como são compreendidas tradicionalmente.

Deus não desistiria de enviar juízo. A NIV traduz a última linha do

versículo 14 assim: “Eu não terei compaixão”. O texto diz, literalmente:

“O arrependimento está escondido de meus olhos”, aparentemente significando

que Deus não mostraria compaixão enquanto faria recair o juízo

sobre seu povo. Essa declaração parece contradizer Oseias 11.8, em que o

Senhor indica que sua compaixão seria provocada, evitando que ele destruísse

totalmente seu povo. Os termos traduzidos por “compaixão” nesses

textos, conquanto ligeiramente diferentes, são derivados do mesmo verbo

em hebraico (n a kh a m ). Em alguns contextos, esse verbo significa “ser

tocado pela piedade, mostrar compaixão” (Jz 2.18; 21.6,15; SI 90.13).

Essa variante do significado parece estar por trás do substantivo utilizado

em Oseias 11.8. No entanto, muitas outras vezes o verbo tem a ideia de

“arrepender-se, desistir, mudar de opinião”. Essa variante de significado

pode estar por trás do termo empregado em 13.14. Nesse caso, o Senhor

está dizendo que não “desistiria” de enviar o juízo anunciado. Entretanto,

essa decisão de enviar o juízo não o impede de mostrar alguma compaixão.

Deus não mudaria de opinião com relação à sua decisão de castigar

seu povo, mas, de acordo com 11.8-9, ele temperaria esse juízo com misericórdia

e não permitiria que excedesse seus próprios limites.

Ainda que temperado pela misericórdia de Deus, o juízo ainda seria

muito severo (v. 15-16). O profeta retratou esse juízo como um vento leste,

quente, que sopra do deserto e seca todas as fontes de água, mesmo aquelas

que normalmente são alimentadas por correntes subterrâneas.60 Os invasores

roubariam os armazéns de Israel e, pior ainda, matariam até crianças

Veja Wolff, Hosea, 221, e Stuart, Hosea-Jonah, 207. Para uma afirmação sobre a posição contrária

(de que o v. 14a é uma promessa de salvação), veja McComiskey, “Hosea”, 223-24.

60 Sobre as características e efeitos desse vento do leste, veja Stadelmann, Luis I. J., The Hebrew

Conception o f the World (Roma: Pontificai Biblical Institute, 1970), 102-7.


| 412 | Introdução aos profetas

e mulheres grávidas. Esse aviso, embora doloroso de ler e imaginar, é um

lembrete sóbrio de que as crianças, às vezes, sofrem as conseqüências dos

pecados de seus pais. Normalmente, consideramos - com propriedade - o

assassinato de bebês um crime bárbaro, mesmo em um contexto de guerra.

No entanto, como essa passagem ilustra, Deus, às vezes, mata bebês como

ato de juízo sobre pecadores rebeldes (observe o v. 16a). Esse assassinato

judicial, mesmo quando envolve crianças, é justificável do ponto de vista de

Deus, autoridade moral do universo.

Um último chamado ao arrependimento (14.1-9)

A imagem hedionda de crianças arremessadas ao chão e de mulheres

grávidas sendo fatiadas se mistura com o pano de fundo, abrindo caminho

para um chamado final ao arrependimento (v. 1). O profeta conclama Israel,

pecador, a voltar para o Senhor; ele chega a dar um modelo de oração para

ser utilizado na confissão de seus pecados (v. 2-3). Se o povo pedisse perdão,

seria capaz de oferecer louvor genuíno e puro a Deus. Eles também

precisavam repudiar suas alianças estrangeiras e seus falsos deuses e reconhecer

o Senhor como sua única fonte de auxílio.

Nesse ponto, o Senhor se intrometeu e prometeu restaurar seu povo se

ele se arrependesse. Ele prometeu apartar-se de sua ira e estender seu amor

ao povo (v. 4). O Senhor se comparou ao orvalho (v. 5-7) e prometeu restaurar

a vitalidade de Israel. Israel iria florescer como o lírio (veja Ct 2.2) e se

enraizaria profundamente, como os grandes cedros do Líbano. As metáforas

sugerem atração e estabilidade. Várias metáforas botânicas se seguem.

Israel seria exuberante como uma oliveira, perfumada como o cedro e daria

frutos como uma parreira. Essas imagens vibrantes de vida ilustram a restauração

das bênçãos de Deus.

Lembrando a Israel de que era sua fonte de vitalidade, o Senhor prometeu

responder as suas orações e “cuidar” (em hebraico shur) dele (v. 8).

Essa promessa se põe em forte contraste com a ameaça proferida em 13.7,

em que o Senhor alertou que ficaria de tocaia (em hebraico, shur) no caminho,

como um leopardo perigoso, pronto para pular sobre seu povo. A utilização

da mesma palavra hebraica nos dois textos (embora com significados

diferentes) chama a atenção para o contraste. Em pecado, Israel conheceria

o Senhor como um leopardo “de tocaia”; arrependido, Israel o conheceria

como um protetor cuidadoso.

O profeta encerrou sua mensagem com uma afirmação proverbial (v. 9).

Ele destaca que aqueles que forem sábios reconhecerão estes princípios:

(1) os caminhos do Senhor (referindo-se aos seus mandamentos) são retos;

(2) os justos andarão neles (i.e., obedecerão); e (3) os rebeldes pecadores

encontrarão neles pedra de tropeço que levará à sua destruição.


P rofetas M enores | 413 |

O dia do Senhor está próximo! (Joel)

Introdução

O cabeçalho deste livro simplesmente identifica o profeta, sem dar uma

ambientação histórica de seu ministério. Por causa da posição canônica do

livro, entre Oseias e Amós, sendo que os dois profetizaram no século 82

a.C., alguns supõem que o ministério de Joel deve ter ocorrido durante esse

mesmo período, talvez até mais cedo. Entretanto, esse argumento é inconclusivo,

porque a posição de Joel pode ser devida aos paralelos literários

entre Joel 3 e Amós 1, e não a considerações cronológicas.61 As evidências

internas do livro sugerem que ele foi escrito no início do período pós-

-exílico. Em 3.2-3, o Senhor anunciou que puniria as nações pela forma

como tinham espalhado seu povo, dividido sua terra e vendido as crianças

para escravidão. As formas verbais em hebraico são consideradas narrativas

aqui, descrevendo eventos que já tinham ocorrido.62 Uma vez que diversos

textos se referem ao templo como uma construção de pé (veja 1.14,16;

2.17), Joel deve ter proferido a profecia depois que o segundo templo foi

construído, em 515 a.C. Várias outras características internas, como a referência

ao tráfico de escravos com os gregos (3.6) e a ausência de qualquer

referência a um rei de Judá, são coerentes com uma data pós-exílica.

O livro de Joel tem duas seções principais, com a virada acontecendo

em 2.18. Na primeira metade do livro, o profeta conclama o povo a lamentar

os efeitos devastadores de uma recente invasão de gafanhotos (1.2-20),

alerta que mais gafanhotos estão vindo (2.1-11) e chama a comunidade ao

arrependimento (2.12-17). A segunda metade do livro, tendo observado que

o Senhor se apiedou de seu povo (2.18), registra a promessa do Senhor de

cancelar a invasão ameaçada, restaurar os cultivos da nação e justificar seu

povo humilhado (2.19-3.21).63

Desastre sem precedentes (1.1-20)

O profeta chamou a atenção do povo e de seus líderes (chamados de

“anciãos”), pois a terra tinha sofrido um desastre sem precedentes, que seria

61 Veja Wolff, Joel and Amos, 3-4.

62 Proponentes de uma data anterior, às vezes, sugerem que 2Crônicas 21.16-17 dá o pano de fundo

para a descrição de Joel 3.2-3, mas o exílio da família real descrito na primeira passagem dificilmente

atende à descrição de Joel. Proponentes de uma data mais antiga também explicam as formas verbais

em Joel 3.2-3 como sendo futuro perfeito, mas essa explicação é tendenciosa.

63 ANIV traduz 2.18-19a com o futuro do indicativo, como se o texto tivesse declarações designadas

para motivar uma resposta positiva ao chamado ao arrependimento. Mas as formas verbais no texto

hebraico são mais naturalmente consideradas como narrativas e relatos de como o Senhor se apiedou

de seu povo na época de Joel, aparentemente como resultado de uma resposta positiva à exortação

do profeta.


| 414 I Introdução aos profetas

assunto de conversas por gerações e gerações no futuro (v. 2-3). Nuvens de

gafanhotos tinham varrido a terra, destruindo sua vegetação (v. 4).64

São utilizados quatro termos diferentes em hebraico para “gafanhotos”

no versículo quatro. Os termos podem ser sinônimos, embora alguns achem

que se refiram a espécies diferentes ou a estágios de desenvolvimento diferentes

dos insetos. No versículo 4, a variação de termos dentro de uma

estrutura repetitiva (observem o padrão “o que deixou [...] comeu-o”) provavelmente

mostra nuvens e nuvens de gafanhotos, cada uma deixando

cada vez menos vegetação para a próxima, até que tudo fora devorado.

Com um toque sarcástico, mas retórico e eficaz, o profeta diz aos bêbados

para chorarem e lamentarem, pois não haveria mais vinho (v. 5). Com

a capacidade de morder e rasgar de um leão, as inúmeras nuvens tinham

devorado os vinhedos e arrancado até mesmo a casca das figueiras, deixando

os galhos brancos (v. 6-7).

Em seguida, Joel conclama a nação65 a lamentar, como uma jovem

noiva choraria a morte de seu marido (v. 8).66 Em particular, os sacerdotes

deviam chorar porque a destruição da vegetação da terra significava

que não haveria ofertas de grão, que incluía farinha e óleo, e não haveria

oferta de bebidas - incluindo o vinho (v. 9-10,13; veja Nm 28.5,7). A

destruição de grãos e frutas era especialmente devastadora para os fazendeiros,

que foram instados a se juntar aos sacerdotes no lamento pelo

desastre (v. 11-12). A longa lista de destruição chama a atenção para sua

extensão. Oito itens são especificados, sugerindo que os gafanhotos foram

mais do que minuciosos. Uma lista sétupla teria indicado completude,

mas, ao adicionar um oitavo item à lista, o profeta reforçou a destruição

total e absoluta causada pelos gafanhotos.67

A extensão desse desastre pedia mais do que lamentações. Joel instruiu

os sacerdotes a convocarem uma “assembleia solene”, na qual o povo iria

64 Para relatos de testemunhas de invasões de gafanhotos, veja Driver, S. R., Joel and Amos,

2* ed. (Cambridge: Cambridge University, 1915), 40, 89-93; Smith, George A., The Book o f the

Twelve Prophets, ed. rev., 2 vols. (Nova York: Harper & Brothers, s.d.), 2:391-95; e Whiting,

John D., “Jerusalem’s Locust Plague”, National Geographic 28, December 1915, 511-50. Para um

levantamento útil das características dos gafanhotos, veja Dillard, Raymond B., “Joel”, em The

Minor Prophets: An Exegetical & Expositional Commentary. T. E. McComiskey (org.), vol. 1 (Grand

Rapids: Baker, 1992), 255-56.

65 O verbo traduzido por "prantear” está no feminino singular no texto em hebraico, sugerindo que

aqui se fala da terra personificada (veja 2.18).

66 O termo traduzido por “virgem” pode referir-se, aqui, a uma mulher que ficou noiva de um rapaz

apenas para vê-lo morrer antes do casamento. Veja Deuteronômio 22.23-24, que se refere a uma mulher

noiva como “virgem” e “esposa” de um homem.

61 Os oito itens incluem trigo, cevada, vinho, a figueira, a romã, a palmeira, a macieira e todas as

árvores do campo. A expressão “colheita do campo”, no versículo 11b, não é tratada como um item

separado porque refere-se ao trigo e à cevada, mencionados na oração anterior.


P rofetas M enores j 415

jejuar e clamar ao Senhor por misericórdia (v. 14). O jejum era associado

frequentemente ao arrependimento (ISm 7.6; Ne 9.1-2; Jn 3.5). Essa resposta

de quebrantamento e arrependimento era necessária porque os gafanhotos

eram somente um prenuncio do juízo divino iminente (v. 15), da

mesma forma que a praga de gafanhotos tinha sido no Egito (Êx 10-11). As

“maldições” deuteronômicas também alertaram que uma invasão de gafanhotos

acompanharia o juízo divino (Dt 28.38-42).

O “dia do Senhor” estava próximo (v. 15a). Essa expressão, que aparece

frequentemente na Bíblia hebraica, refere-se a um dia em que o Senhor

vai intervir no mundo com juízo sobre seus inimigos. A frase é aplicada a

vários eventos. Aqui, refere-se a um dia de juízo sobre os contemporâneos

de Joel.68 Esse “dia” traria a destruição (em hebraico, shod) por parte do

Todo-Poderoso (em hebraico, shaddai) (v. 15b). A semelhança do som

entre os termos principais chama a atenção para a seriedade da situação e

contribui para o retrato de Deus como juiz. O nome shaddai mostra Deus

como o rei soberano que é capaz de proteger ou julgar.69

O profeta assume um lamento em que descreve os efeitos devastadores

da invasão de gafanhotos e clama ao Senhor por auxílio (v. 16-20). Ele se

concentra nos celeiros vazios e no rebanho faminto e utiliza imagens de

fogo para mostrar a seca e a fome resultantes da invasão.

Um exército em marcha (2.1-11)

Assumindo o papel de sentinela, o Senhor faz soar as trombetas em

alarme para Sião, pois um tempo de guerra era iminente (v. 1). O “dia” do

Senhor (1.15) estava se aproximando, trazendo consigo as nuvens negras da

condenação e da destruição iminente (v. 2a). O país tinha sido invadido por

gafanhotos, e agora aproximava-se um invasor ainda mais aterrorizante. O

próprio Senhor iria liderar um exército poderoso contra o país (v. 2b, 11).

Como fogo incontrolável, devoraria toda a vegetação em seu caminho, deixando

atrás de si um deserto (v. 3). Esse exército, que tinha aparência de

cavalos e soava como carros de combate, movia-se com grande velocidade,

fazendo com que as nações no caminho entrassem em pânico (v. 4-6). Suas

divisões marchavam adiante com precisão, e nenhuma defesa podia resistir

a elas (v. 7-9). Esse exército aterrador assustava até o cosmos, fazendo com

que a terra tremesse e as luzes se apagassem (v. 10).

Que tipo de “exército” está sendo referido aqui? Alguns argumentam

que se fala de outra invasão de gafanhotos, mais devastadora do que a invasão

que já tinha ocorrido. Várias características do texto parecem sustentar

68 Para uma discussão mais detalhada do conceito, veja meus comentários sobre Isaías 13.6.

69 Para uma discussão mais detalhada do nome divino, veja meus comentários sobre Isaías 13.6.


| 416 I Introdução aos profetas

essa interpretação. Os invasores fazem o céu escurecer e devoram a vegetação,

assim como as nuvens de gafanhotos. São comparados a um exército

humano, sugerindo que não são humanos (veja v. 4-5, 7). Invadem edifícios,

mas não se descreve que matem ninguém. De acordo com o versículo

20, esse exército é destruído, ao final, ao ser levado para o mar. Testemunhas

oculares de nuvens de gafanhotos na Palestina descrevem como são

levadas pelo vento leste para o mar Mediterrâneo.70

Outros sustentam que o invasor, embora mostrado “como gafanhoto”,

seja, de fato, um exército humano. Em outros textos que mostram o dia do

Senhor, exércitos são, literalmente, os instrumentos de juízo divino (veja,

por exemplo, Is 13). O invasor é esperado do norte (v. 20), mas gafanhotos

normalmente invadem a Palestina vindo do sul ou do sudeste. Conquanto

tenham ocorrido invasões de gafanhotos vindos do norte, parece mais provável

que o retrato de um “exército do norte” indique um exército de verdade,

pois os invasores normalmente entravam na Palestina vindo dessa direção

(Is 14.31; Jr 6.1,22; Ez 26.7; 38.15). Outros elementos na descrição (o escurecimento

do céu, as plantações devoradas, a ilustração do exército como

gafanhotos) podem ser entendidos como discurso estereotipado de juízo.71 As

comparações nos versículos 4-5,7 pareceriam impedir a identificação do invasor

literalmente como um exército, mas, em hebraico, às vezes, uma analogia

indica uma realidade por trás de uma metáfora.72 Nesses casos, a preposição

ke-, normalmente traduzida “como”, carrega a força de “exatamente como”

ou “de toda forma como”.73 Por exemplo, em Joel 1.15 está dito que o dia do

Senhor “vem como [i.e., exatamente como] assolação do Todo-Poderoso”, o

que quer dizer que seria, de fato um caso de destruição divina.74

Uma terceira visão entende que o discurso de 2.1-11 descreve um exército

de “criaturas apocalípticas como gafanhotos”, semelhantes às criaturas

descritas em Apocalipse 9.2-11.75 Nesse caso, as imagens são utilizadas

provavelmente para causar choque e enfatizar a realidade aterradora do

juízo iminente.

70 Veja Driver, Joel and Amos, 62-63; Smith, Twelve Prophets, 2:411.

71 Veja, por exemplo, Isaías 1.7; 5.30; 13.10; Jeremias 51.27. Para textos antigos do Oriente Próximo

que comparam exércitos a gafanhotos, veja Thompson, J. A., “Joel’s Locusts in the Light of Near

Eastern Parallels”, JANES 14 (1955):52-55.

72 Veja Bullinger, E. W., Figures o f Speech Used in the Bible (reimpressão, Grand Rapids: Baker,

1968), 728-29.

73 Veja Waltke, Bruce K. e 0 ’Connor, M., An Introduction to Biblical Hebrew Syntax (Winona Lake:

Eisenbrauns, 1990), 203.

74 Veja também Isaías 1.7-8, em que as expressões “como devastados por estrangeiros” (literalmente,

“[exatamente] como uma devastação por estrangeiros”) e “[exatamente] como uma cidade sitiada”

apontam para o fato de que Judá foi, de fato, destruída por invasores estrangeiros e que Jerusalém

estava, de fato, sitiada.

75 Veja Wolff, Joel and Amos, 42.


P rofetas M enores I 417

Aviso urgente! Arrependei-vos (2.12-17)

Esse exército aterrador crescia e se agigantava, exigindo uma resposta

urgente. O Senhor convocou seu povo a retornar para ele e demonstrar sua

humildade “com jejuns, com choro e com pranto” (v. 12). O profeta continuou

a exortação do Senhor, explicando que seu arrependimento tinha

de ser genuíno e íntimo, não um mero show externo (v. 13a). Ele incentivou

o povo, lembrando-lhe a natureza “compassiva e misericordiosa” de

Deus, que o leva a ser paciente com os pecadores, a estender seu amor a

eles e a desistir de enviar o juízo (v. 13b). Essa descrição do caráter de

Deus tem raízes em Êxodo 34.6-7, em que Deus é descrito de maneira

semelhante depois de desistir do juízo sobre Israel após o pecado com o

bezerro de ouro (Êx 32.14).

Algumas pessoas consideram as referências bíblicas a Deus “desistir”

do juízo como sendo antropomórficas, argumentando que um Deus imutável

nunca mudaria de opinião depois de anunciar suas intenções. Por um

lado, é verdade que Deus não se desvia de um curso de ação, uma vez anunciado

um decreto incondicional, formal (Nm 23.19; ISm 15.29; SI 110.4).

Com frequência se descreve o Senhor “mudando de opinião” em contextos

em que emitiu apenas um alerta ou fez uma afirmação condicional sobre o

que vai fazer.76 Uma vez que Joel 2.13 lista a capacidade de Deus “mudar

de opinião” como um de seus atributos fundamentais (veja também Jn 4.2),

não se pode considerar essa característica como antropomórfica. Como diz

Richard Rice, “formulações como essa demonstram que o arrependimento

não é uma ação excepcional da parte de Deus, algo fora de seu caráter. Ao

contrário, é típico de Deus desistir do castigo [...] Na verdade, é de sua própria

natureza fazer isso. Apropriadamente, Deus não se arrepende, apesar

do fato de ser Deus; ele se arrepende precisamente porque ele é Deus”.77

No entanto, Joel não estava querendo, a essa altura, presumir a graça

de Deus e garantir que o arrependimento levaria Deus a desistir do castigo.

O chamado do Senhor ao arrependimento certamente fez com que

ele sentisse que esse era o caso (v. 12), mas, uma vez que a exortação não

tinha nenhuma promessa ligada a ela, não se pode ter plena certeza. Por

essa razão, Joel pergunta: “Quem sabe?”, antes de repassar a possibilidade

de libertação e bênção renovada (v. 14). Deus tinha dado a Joel uma visão

de condenação iminente, mas não estava claro se esse juízo tinha sido

decretado. Ao seguir a orientação do Senhor, Joel conclamou o povo a se

76 Veja minha discussão sobre Jeremias 18.7-10, e também Chisholm Jr., Robert B., “Does God

Change His Mind?”, BSac 152 (1995):387-99. Uma versão resumida desse artigo aparece em Kindred

Spirit 22, vol. 2 (verão 1998):4-5.

77Rice, Richard, “Biblical Support for a New Perspective”, em The Openness o f God, Pinnock, C. et

al. (orgs.) (Downers Grove: InterVarsity, 1994), 31.


I 418 1 Introdução aos profetas

arrepender, com a esperança de que o juízo ameaçado provaria ser condicional

e seria revertido.78

Continuando a partir da segunda metade da exortação do Senhor (v.

12b), Joel convocou uma assembleia formal do povo, para jejum e oração

pela libertação da parte do Senhor (v. 15-17). Ninguém estava isento, nem

mesmo as crianças de peito nem os recém-casados. Em suas preces por

misericórdia divina, o povo devia apelar para a preocupação de Deus com

sua própria reputação. Se ele castigasse seu povo e o fizesse novamente

“objeto de escárnio”, as nações poderiam ter a impressão errada de Deus,

concluindo, talvez, que ele não estivesse interessado em seu povo ou talvez

fosse incapaz de ajudá-lo. Esse tipo de oração pode parecer uma tentativa

de manipular Deus, mas esses argumentos tipicamente aparecem nas orações

de lamentação na Bíblia hebraica (SI 42.3; 79.10; veja também Êx

32.12; SI 74.11).

Misericórdia e promessa (2.18-27)

Aparentemente, o povo respondeu positivamente ao alerta do profeta,

pois o versículo 18 nos informa que a devoção (ou “zelo”) de Deus por

seu país reacendeu-se e ele se compadeceu de seu povo.79 O Senhor se

transformaria de inimigo em defensor e levaria para o mar o exército que

vinha guiando (v. 20). Também prometeu que restauraria as plantações que

os gafanhotos tinham devorado (v. 19a,21-22,24-26a). Em lugar de seca e

fome, ele enviaria as chuvas no tempo certo (v. 23).80 Seu povo o reconheceria

como único Deus verdadeiro e nunca mais seria submetido a juízo tão

humilhante (v. 19b, 26b-27).

78 O rei Davi respondeu de maneira semelhante (2Sm 12.22) à profecia de juízo de Natã, que soava

incondicional, mas não era formalmente marcada assim (2Sm 12.14). Nesse caso, o lamento de Davi

não foi eficaz, pois a profecia provou ser um decreto, tornando incondicional o juízo profetizado. O

rei ninivita respondeu de maneira semelhante (Jn 3.9) à profecia de Jonas sobre o juízo contra Nínive

(Jn 3.4). Nesse caso, a profecia, embora aparentemente incondicional no tom proferido, provou ser

condicional e Deus desistiu do juízo em resposta ao arrependimento dos ninivitas (Jn 3.10). Isso irritou

Jonas, que reclamou que essa resposta é típica de Deus (Jn 4.2).

79 Como anteriormente observamos, as formas verbais no texto hebraico são mais facilmente

consideradas como narrativas (ao contrário da NIV).

80 O significado da expressão hebraica traduzida por “chuvas de outono, conforme a sua justiça”,

pela NIV, é incerto. Uma vez que a palavra moreh pode significar “professor”, há quem veja referência

aqui a uma figura escatológica, que é rotulada, então, como “o professor/mestre da justiça”. Essa

interpretação fantasiosa não se sustenta no contexto ou no uso em nenhuma outra passagem na Bíblia

hebraica. Outros veem a referência à “chuva” (veja a linha seguinte) como um “instrutor na justiça”,

no sentido que essa restauração da bênção divina ilustra a importante lição de que um comportamento

santo compensa. Entretanto, é mais provável que moreh, aqui, refira-se às “primeiras chuvas”, assim

como mais adiante no versículo e no salmo 84.6. Nesse caso, a expressão “conforme sua justiça” quer

dizer “de acordo com o que é razoável”, isto é, de acordo com o princípio da aliança segundo o qual o

arrependimento traz a restauração da bênção. Veja Allen, Leslie C., Joel, Obadiah, Jonah, and Micah,

NICOT (Grand Rapids: Eerdmans, 1976), 93-94.


P rofetas M enores 1419 I

O povo de Deus foi humilhado sucessivamente em diversas ocasiões,

fazendo essa promessa soar bem vazia. Entretanto, da mesma forma que

os alertas de juízo de Deus são frequentemente condicionais e podem ser

revertidos pelo arrependimento, assim também suas promessas de prosperidade

são frequentemente dependentes de seus seguidores permanecerem

leais a Deus (veja Jr 18.7-10). A promessa feita aqui, embora fosse óbvia

e implicitamente condicional, era uma afirmação honesta do compromisso

de Deus com seu povo. Se eles tivessem sustentado sua devoção renovada

a ele, ele teria sustentado suas bênçãos. Como observa Allen: “Aqui temos

a expressão de um desejo divino, uma vontade implícita de que o povo, de

sua parte, pudesse ter sempre consciência de suas obrigações.”81

Um derramamento do Espírito (2.28-32)

O Senhor foi além do futuro imediato e anunciou que, algum tempo

depois da restauração da bênção, descrita nos versículos 19-27, ele derramaria

seu Espírito sobre a comunidade da aliança (v. 28-29). A referência

a “todo o povo” (literalmente, “toda a carne”) no versículo 28 pode

sugerir um derramamento universal do Espírito divino, mas a afirmação

imediatamente após deixa claro que se está falando de todas as classes de

pessoas dentro da comunidade da aliança, independentemente de idade,

gênero ou classe social (veja também Ez 39.29; Zc 12.10). No passado,

o Espírito era derramado sobre alguns poucos, basicamente os profetas.

Mas esse futuro derramamento do Espírito marcaria o nascimento de uma

nova era e cumpriria o desejo de Moisés, que, na ocasião, disse a Josué:

“Tomara todo o povo do S e n h o r fosse profeta, que o S e n h o r lhes desse

o seu Espírito!” (Nm 11.29).

Juntamente com o derramamento do Espírito, sinais ameaçadores nos

céus (escurecimento das luzes) e na terra (sangue, fogo e fumaça são todos

marcas registradas da guerra) sinalizariam a proximidade do juízo do dia do

Senhor (v. 30-31). Entretanto, a destruição do juízo divino não seria indiscriminada:

todos em Jerusalém que buscassem ao Senhor com fé genuína

seriam salvos (v. 32). Esses seguidores leais do Senhor são, presumivelmente,

os que receberão o Espírito, na forma descrita nos versículos 28-29.

De acordo com o apóstolo Pedro, a profecia do derramamento do Espírito

foi cumprida, pelo menos em parte, no dia do Pentecostes, quando o

Espírito do Senhor desceu sobre uma grande multidão de judeus e deu-lhe,

de forma sobrenatural, o dom de falar em outras línguas (At 2.1-21).82 É

81 Ibid., 96. Allen encontra um paralelo adequado em Deuteronômio 5.29.

82 Observe que Pedro não diz que esse evento é meramente “como” aquele profetizado por Joel. Em

vez disso, ele diz: “Isso [o derramamento do Espírito no Pentecostes] é o que foi dito pelo profeta Joel”

(At 2.16).


420 | Introdução aos profetas

claro que muitos se apressarão em apontar que os eventos descritos em Joel

2.30-32 não ocorreram no Pentecostes. Pedro estava errado? Ele simplesmente

teria se deixado levar por sua exuberância? Pedro viu corretamente o

derramamento do Espírito como o início do cumprimento da profecia. Ele

conclamou o povo a se arrepender para que a promessa pudesse ser plenamente

realizada (At 2.33,38-39) e pudessem chegar os “tempos de refrigério”,

culminando com a volta de Jesus (veja 3.19-21). Mas a liderança

judaica rejeitou a oferta de Deus (At 4). Ao final, Pedro veio a perceber que

a descrença judaica retardaria o retomo de Jesus e que os gentios também

receberiam o dom do Espírito (At 10.44-48). À luz desses acontecimentos

posteriores, podemos dizer que o cumprimento da profecia de Joel foi suspenso

(podemos dizer que o vídeo profético está “pausado”). Entretanto,

uma vez que Jesus dá seu Espírito a cada novo crente na era presente, é

provavelmente melhor considerar que Joel 2.28-29 está sendo cumprido

gradualmente durante nosso tempo, e os versículos 30-32 estão aguardando

concretização no final dos tempos (nesse caso, o vídeo profético ainda está

se movendo, mas em “câmera lenta”). Joel teve a visão do derramamento

do Espírito como se fosse restrito aos judeus, mas, com progresso da revelação

e da história, descobrimos que os gentios também estão incluídos,

pois também foram incorporados na nova comunidade da aliança.83

Tempo de acerto (3.1-21)

Se, por um lado, o dia do Senhor iria trazer a restauração do destino de

Judá e de Jerusalém, por outro, seria hora de juízo para aqueles que levaram

o povo de Deus para o exílio e o espalharam por entre as nações (v. 1-3).

O juízo aconteceria no “vale de Josafá” (veja também o v. 12), um local

desconhecido por outro motivo que não esse.84 O nome é provavelmente

simbólico e foi escolhido porque seu significado, “o Senhor julga”, encerra

o que vai acontecer lá. Se, como as referências temporais do versículo 1

podem sugerir, esse juízo vai ocorrer juntamente com os eventos culminantes

descritos em 2.28-32, então o juízo não pode ser literal, pois as nações

responsáveis pelo exílio e Judá saíram de cena. Em vez de descrever um dia

literal de juízo, é mais provável que a profecia fosse cumprida gradualmente

pela história à medida que essas nações saíssem de cena.85 Nesse caso, pode-

-se entender o texto no versículo 1 (“naqueles dias e naquele tempo”) como

83 Para uma discussão mais completa sobre como as promessas da nova aliança encontram sua

realização tanto na era presente quanto na era por vir, veja meus comentários sobre Jeremias 31.31-34.

84 Para um levantamento de tentativas de localizar esse vale, veja Dillard, “Joel”, 300-301.

85 Isso não significa que a geração de Joel teria compreendido a profecia dessa forma. Com base na

descrição dada no capítulo 3, eles provavelmente teriam antecipado um evento único, quando Deus

julgaria todas as nações pelas atrocidades cometidas contra Judá.


P rofetas M enores [ 421 j

uma referência muito genérica a todo o período seguinte ao tempo de Joel.

A utilização de “depois” em 2.28 faz a mesma sugestão. Isso significa que a

visão do futuro de Joel no capítulo 3, como a profecia em 2.28-32, engloba

eventos que ocorrem, na realidade, durante vários séculos. Parte da visão já

se cumpriu, enquanto outros aspectos aguardam realização plena.86

No final da queda de Jerusalém para os babilônios em 586 a.C. alguns

dos povos vizinhos, incluindo os fenícios e os filisteus, tinham explorado a

situação, saqueando a riqueza de Judá e vendendo refugiados como escravos

(v. 4-6).87 Mas o Senhor viraria a mesa desses estrangeiros gananciosos.

O povo de Judá, um dia, iria vender os descendentes dos fenícios e dos

filisteus como escravos (v. 7-8). Se, como já sugerido, pode-se entender o

juízo profetizado nos versículos 2-3 como algo que vem sendo realizado

por toda a história, então essa profecia pode ter sido cumprida no século 4a

a.C., juntamente com as conquistas de Alexandre, o Grande.88

Joel, agora, encena o juízo iminente sobre as nações. Ele convoca tanto

as nações quanto o Senhor para a guerra (v. 9-11). O Senhor, então, fala,

desafiando as nações a se congregarem no vale de Josafá para o juízo (v.

12). Comparando as nações a uma colheita madura e a uvas no lagar, o

Senhor ordena que seus guerreiros “lancem a foice” e “pisem as uvas” (v.

13). O profeta descreve a cena quando as nações se amontoam no “vale

da decisão” (v. 14). As luzes celestes se escurecem (v. 15; veja 2.31) e o

Senhor surge como um leão rugindo de Jerusalém, fazendo com que todo o

cosmos trema diante dele (v. 16a). Mas seu povo não precisa temer, pois ele

vem para protegê-lo de seus inimigos (v. 16b; veja 2.32). Embora as nações

sejam identificadas de forma clara antes no capítulo como aquelas responsáveis

pelo exílio e pela humilhação (veja os v. 2-3), a dimensão cósmica do

juízo e as ligações temáticas com 2.30-32 sugerem que a visão de Joel pode

ir além dos juízos históricos de Deus sobre os fenícios, os filisteus e outros

povos antigos, e mostre o juízo culminante das nações.89

A intervenção de Deus iria demonstrar de forma vivida para seu povo

que ele separou Jerusalém e fez dela seu lugar de morada especial (v. 17a).

Nunca mais haveria invasão de estrangeiros (v. 17b) e Judá teria prosperidade

agrícola novamente (v. 18). Essa visão hiperbólica e estilizada do

futuro fala de vinho e leite brotando dos montes e montanhas, de água em

S6 Veja como um paradigma a profecia em IReis 14.10-16, que foi cumprida em estágios que se

estenderam por 200 anos (veja IRs 14.17-18; 15.25-30; 2Rs 17.7-23).

87 Os “gregos” mencionados no versículo 6 eram, na verdade, Jônios, que viviam ao longo da costa

da Ásia Menor e faziam negócios com cidades fenícias durante o século 6a a.C. Veja Kapelrud, Arvid

S., Joel Studies (Uppsala: A. B. Lundequistska Bokhandeln, 1948), 154, e também Ezequiel 27.13,19.

88 Veja Allen, Joel, Obadiah, Jonah, and Micah, 114.

89 Para essa mesma técnica, veja Isaías 13-14, 24—27, 34.


422 | Introdução aos profetas

abundância em rios não perenes e de uma fonte, simbolizando a fertilidade

e a vida, que sai do templo e rega o “vale das acácias”, cuja localização é

incerta (para visões semelhantes, veja Ez 47.1-2; Zc 14.8). Uma vez que

acácias crescem normalmente em regiões secas, a visão mostra uma transformação

de terras áridas.

Em contraste, o Egito e Edom, inimigos tradicionais do povo de Deus,

continuariam desolados, pois tinham explorado e oprimido Israel (v. 19).

O texto faz alusão às atrocidades dos edomitas ao final da invasão babilônia

de Judá, em 586 a.C. (veja Ob), e talvez também à invasão de Judá

pelo Faraó Neco, não muito antes disso (2Rs 23.29-35). Jerusalém e Judá

seriam habitadas (v. 20) e desfrutariam da segurança garantida pela presença

do Senhor (v. 21b), mas o Egito e Edom pagariam por seus crimes

(v. 21a). A tradução da NIV do versículo 21 parece soar como se o Senhor

estivesse anunciando que perdoaria Judá e Jerusalém. Entretanto, é mais

provável que a “culpa do sangue” se refira aos crimes cometidos pelo

Egito e por Edom contra Judá (v. 19). Faz mais sentido traduzir o versículo

21a assim: “E vou deixar o derramamento do sangue deles [i.e.,

o sangue derramado do povo de Deus] sem castigo? Não deixarei sem

castigo!”.90 Esse aspecto da profecia pode referir-se à queda de Edom e

ao declínio do Egito em poder e influência. Se insistirmos que a situação

descrita no versículo 19 está no mesmo escopo da restauração final de

Judá, mostrada no contexto imediato, então o cumprimento da profecia

deve ser considerado na essência, não de forma exata, e Egito e Edom

são arquetípicos.91 Nesse caso, mais do que descrever as realidades geopolíticas

dessa época futura de forma literal, o texto defende que Israel,

restaurado no futuro, será dominante no cenário mundial e estará a salvo

das ameaças de nações potencialmente hostis.92

Um leão a rugir (Amós)

Introdução

O cabeçalho do livro afirma que Amós teve suas visões na época em

que Uzias era rei de Judá e Jeroboão II reinava sobre Israel. Uzias, depois

de uma corregência longa com seu pai, Amazias, governou Judá de 767-

740 a.C., enquanto Jeroboão II, que também foi corregente durante um

9(1Para uma defesa dessa proposta e uma tradução ligeiramente diferente da declaração, veja Allen,

Joel, Obadiah, Jonah, and Micah, 117.

91 Observe que outros profetas descrevem a situação escatológica do Egito de forma diferente. Isaías

19.19-25 mostra os egípcios como adoradores do Senhor de pleno direito, enquanto Zacarias 14.18-19

toma a bênção divina acessível ao Egito, mas dependente de sua adoração ao Senhor.

92 Veja meus comentários sobre Isaías 11.13-14 e Amós 9.12.


P rofetas M enores 1423 1

tempo, governou Israel de forma independente de 782-753 a.C. Portanto,

parece que o ministério de Amós teve lugar entre 767-753 a.C. O cabeçalho

também nos informa que Amós profetizou dois anos antes de um

terremoto particularmente conhecido. Parece haver prova arqueológica

em Hazor de um terremoto durante esse período genérico, embora seja

impossível assinalar sua data.93

O livro de Amós exibe certa macroestrutura. Após o cabeçalho e a descrição

introdutória do Senhor na qualidade de juiz (1.1-2), aparece uma

série de oráculos de juízo (1.3-2.16), cada um dos quais começando com

as seguintes palavras: “Por três transgressões de [nome da cidade ou do

país] e por quatro, não sustarei o castigo”. A lista termina com o reino do

norte, Israel. O profeta, então, profere três discursos de juízo contra Israel,

cada um começando com as palavras: “Ouvi a palavra” (3.1-15; 4.1-13;

5.1-17). Dois oráculos de lamentação dão força a esses discursos (5.18-27;

6.1-14). Segue uma série de visões (7.1-9; 8.1-3), com um relato biográfico

do encontro do profeta com Amazias, o sacerdote de Betei, inserido entre a

terceira e a quarta visões (7.10-17). A primeira, a segunda e a quarta visões

começam com as palavras “isso é o que o S e n h o r soberano me mostrou”, e

a terceira, apenas com “isso é o que ele me mostrou”. A seção final do livro

contém um discurso de juízo (8.4-14), outra visão (introduzida simplesmente

por “vi”), à qual se acrescenta um discurso de juízo (9.1-10) e uma

descrição de uma época além do juízo por vir, quando Deus iria restaurar o

prestígio e a prosperidade de seu povo da aliança (9.11-15).

Um mau presságio (1.1-2)

O cabeçalho do livro não nos diz apenas quando Amós profetizou, mas

também oferece validação de seu ministério. Amós não era profeta de profissão,

era pastor e agricultor (7.14) que vivia em Tecoa, situada em Judá,

aproximadamente oito quilômetros ao sul de Belém. Ainda assim, o Senhor

o incumbiu de viajar ao reino do norte e alertar Israel sobre o juízo iminente

(7.15). Ao dar a Amós ocupação e domicílio, o cabeçalho autentica

seu ministério. Afinal, por que alguém iria deixar seu trabalho, viajar para

território hostil e incitar autoridades com um discurso impopular (7.10-17),

se não fosse chamado por Deus?

A referência ao terremoto também autentica a mensagem de Amós. Nesta

cultura, um terremoto não seria visto como um simples fenômeno natural,

mas como um sinal de juízo. Amós tinha alertado que o Senhor faria a

terra tremer (8.8; 9.1,5; também 4.12-13). Quando o terremoto aconteceu,

93 Veja King, Philip J., Amos, Hosea, Micah—An Archaeological Commentary (Filadélfia:

Westminster, 1988), 21.


| 424 | Introdução aos profetas

dois anos após Amós proferir sua mensagem, isso sinalizava que o Senhor

estava pronto para tomar realidade as palavras de Amós.

O versículo introdutório (v. 2) reforça isso, ao mostrar Deus como um

leão a rugir (3.8). O rugido poderoso do Senhor, que emana de seu templo

em Jerusalém, não só faz a terra tremer, mas também faz murchar a vegetação

que cresce nos pastos e nas regiões bem arborizadas (como o Carmelo).

Essa imagem de seca sugere uma condição amaldiçoada, provocada pelo

juízo divino (Dt 28.23-24).

O laço é colocado no pescoço de Israel (1.3-2.16)

O povo do reino do norte antecipou a chegada do dia do Senhor (Am

5.18). Os israelitas esperavam que esse fosse um dia de glória, quando o

Senhor derrotaria as nações vizinhas, iniciando uma nova era de prosperidade

para Israel. De fato, Jeroboão II, o rei de Israel durante esse tempo,

começou a reviver o destino de Israel e, com a aprovação do Senhor, teve

grande sucesso nesse propósito (2Rs 14.25-28). Primeiro, os oráculos de

juízo de Amós parecem refletir o otimismo de Israel. Ele anunciou que o

Senhor estava a caminho para fazer recair o juízo sobre as nações vizinhas.

A litania do juízo começa com os estrangeiros diretos (os arameus, os filisteus,

os fenícios), continua com os parentes distantes (edomitas, amonitas

e moabitas)94 e parece culminar com Judá, irmã de Israel, situada imediatamente

ao sul. Judá, a sétima nação mencionada, parece coroar a lista,

completando-a. Israel deve ter folgado em saber da notícia do juízo sobre

Judá, pois os dois reinos tinham dado início a hostilidades militares pouco

antes disso (2Rs 13.12; 14.8-14) e Judá agora estava se aquecendo sob o rei

Uzias (2Cr 26).

Mas nem tudo era como parecia. Jeroboão era um rei perverso que insistia

nos pecados de seus antepassados (2Rs 14.23-24). Embora o Senhor o

usasse para dar a seu povo sofrido algum alívio, a força renovada de Israel

seria temporária. Subitamente, Amós expande sua lista de sete para oito,

acrescentando Israel. Apesar do que o povo pensava, o dia do Senhor que

se aproximava seria um tempo de trevas, não de luz, para Israel. Em vez de

ser o beneficiário do juízo do Senhor contra as nações vizinhas, Israel seria

o foco da ira do Senhor.

Uma leitura atenta dos oráculos mostra que o profeta estava dando pistas

disso o tempo todo. Cada um dos oráculos começa com a fórmula: “Por três

transgressões de [nome da cidade ou da nação] e por quatro, não sustarei

94 Os edomitas eram descendentes de Esaú (Gn 36), enquanto os amonitas e os moabitas eram

descendentes de Ló (Gn 19.30-38).


P rofetas M enores | 425 |

o castigo”.95 Baseado em paralelos estruturais com declarações proverbiais

que utilizam o padrão numérico “três e quatro” (Pv 30.15-16,18-19,21-

23,29-31), espera-se encontrar uma lista de quatro pecados em cada oráculo.

Mas isso nunca acontece nas primeiras sete previsões. Depois de

especificar um ou dois pecados, o profeta rompe a lista, anuncia o juízo e,

então, segue adiante para a próxima nação, como se o alvo real da ira de

Deus repousasse sobre outro lugar. Esse recurso estilístico não se revela um

mau presságio para Israel até que a lista dos pecados de Judá fica truncada,

sugerindo que outra nação, que acaba por se provar ser Israel, seguirá.

As previsões podem ser descritas da seguinte forma:

1. Oráculo contra Damasco (os arameus) (1.3-5)

a. Fórmula introdutória (1.3a)

b. Lista de pecados (1.3b; um pecado listado)

“Porque trilharam a Gileade com trilhos de ferro”.

c. Anúncio de juízo (1.4-5)

2. Oráculo contra Gaza (os filisteus) (1.6-8)

a. Fórmula introdutória (1.6a)

b. Lista de pecados (1.6b; um pecado listado)

“Porque levaram em cativeiro todo o povo, para o entregarem

a Edom”.96

c. Anúncio de juízo (1.7-8)

3. Oráculo contra Tiro (os fenícios) (1.9-10)

a. Fórmula introdutória (1.9a)

b. Lista de pecados (1.9b; dois pecados listados)

(1) “Porque entregaram todos os cativos a Edom, e

(2) não se lembraram da aliança de irmãos”

c. Anúncio de juízo (1.10)

95 A fórmula introdutória lê, literalmente, “por três pecados de [nome da cidade ou da nação], e ainda

mais por quatro, não [o] trarei de volta”. O referente do objeto pronominal do verbo “trazer de volta” é

incerto. A NIV presume que seja a ira de Deus (Is 5.25; 9.12,17,21; 10.4). A expressão “trazer a ira de

volta” aparece em outras passagens (Ed 10.14; Jó 9.13; SI 78.38; 85.3; Pv 24.18; 29.8), embora não se

mencione especificamente “ira”. O pronome pode referir-se ao decreto de juízo ou à punição anunciada

em seguida (veja Paul, Shalom M., Amos, Hermeneia [Minneapolis: Fortress, 1991], 46-47). Nesse

caso, a fórmula aparente marca o juízo anunciado como um decreto incondicional e irreversível. Outra

opção é compreender o pronome como uma referência à cidade ou nação mencionadas: “Não a trarei

de volta” (veja Barré, Michael L., “The Meaning of Usybnw in Amos l:3-2:6”, JBL 105 [1986]:622).

Nesse caso, o Senhor anuncia que não vai reatar relações pactuais com a cidade/nação mencionada.

96 A NIV traz “e as vendeu a Edom”, mas essa linha é apresentada com uma construção infinitiva,

indicando uma oração final subordinada à oração principal, anterior. Uma vez que são descritas duas

ações (seqüestro e tráfico de escravos), podia-se ver dois pecados aqui, mas a estrutura gramatical

sugere que trata-se de um crime, composto de duas ações relacionadas.


| 426 I Introdução aos profetas

4. Oráculo contra Edom (1.11-12)

a. Fórmula introdutória (1.11a)

b. Lista de pecados (1.11b; dois pecados listados com

ênfase)97

(1) “Porque perseguiu o seu irmão à espada e baniu

toda a misericórdia;98

(2) sua ira não cessou de despedaçar, e reteve a sua

indignação para sempre.”

c. Anúncio de juízo (1.12)

5. Oráculo contra Amom (1.13-15)

a. Fórmula introdutória (1.13a)

b. Lista de pecados (1.13b; um pecado listado)

“Porque rasgaram o ventre às grávidas de Gileade, para

dilatarem os seus próprios limites.”99

c. Anúncio de juízo (1.14-15)

6. Oráculo contra Moabe (2.1-3)

a. Fórmula introdutória (2.1a)

b. Lista de pecados (2.1b; um pecado listado)

“Porque queimou os ossos do rei de Edom, até os reduzir

a cal.”

c. Anúncio de juízo (2.2-3)

7. Oráculo contra Judá (2.4-5)

a. Fórmula introdutória (2.4a)

b. Lista de pecados (2.4b; dois pecados listados com

ênfase)100

(1) “porque rejeitaram a lei do Se n h o r e não guardaram

os seus estatutos,

(2) as suas próprias mentiras os enganaram, e após

elas andaram seus pais.”

c. Anúncio de juízo (2.5)

8. Previsão contra Israel (2.6-16)

a. Fórmula introdutória (2.6a)

97 Somente dois pecados são listados, mas a repetição por meio de um paralelismo sinonímico

enfatiza os crimes de Edom.

98 A NIV diz “reprimiu toda a compaixão”, mas o texto é mais bem interpretado como uma segunda

referência à hostilidade de Edom contra seus antigos aliados. Veja a discussão sobre esses versículos no

comentário que vem a seguir.

99 Uma vez que são descritas duas ações (atrocidades de guerra e imperialismo), pode-se ver dois

pecados aqui, mas a estrutura gramatical sugere que se trata de um crime, composto de duas ações

relacionadas.

100 Somente dois pecados estão listados, mas a repetição por meio do paralelismo sinonímico enfatiza

os crimes de Judá.


Profetas M enores j 427 [

b. Lista de pecados com uma intervenção para lembrar

feitos da bondade de Deus (2.6b-12; quatro pecados

listados com ênfase)101

(1) “Porque os juizes vendem o justo por dinheiro

e condenam o necessitado por causa de um par

de sandálias. Suspiram pelo pó da terra102 sobre

a cabeça dos pobres e pervertem o caminho dos

mansos.”

(2) Um homem e seu pai coabitam com a mesma jovem

e, assim, profanam o meu santo nome.103

(3) Deitam ao pé de qualquer altar sobre roupas empenhadas

e, na casa do seu deus, bebem o vinho dos

que foram multados.104

(4) Mas vós aos nazireus destes a beber vinho e aos

profetas ordenastes, dizendo: Não profetizeis.105

c. Anúncio de juízo (2.13-16)

Os oráculos consideram as nações como súditos do Senhor que violaram

uma aliança com ele. O substantivo traduzido por “pecados” na fórmula

introdutória se refere a “atos de rebeldia” contra aquele que está no poder

(veja seu uso em lRs 12.19; 2Rs 1.1; 3.5,7; 8.22). A utilização desse substantivo

sugere que as cidades e as nações para as quais se fala sejam súditos

rebeldes que violaram o estipulado na aliança com seu divino rei. Isso fica

evidente de pronto no caso de Judá e Israel, que tinham violado a lei de Moisés,

mas que arranjos da aliança as nações vizinhas tinham violado? Alguns

sugerem que as nações tinham ofendido o Senhor ao atacar Israel, mas as

atrocidades cometidas contra Israel só são mencionadas nos oráculos contra

Damasco e Amom (1.3,13). O rei moabita é denunciado por cometer crimes

contra Edom, não contra Israel (2.1). E mais provável que o pacto noético,

registrado em Gênesis 9.5-7, seja a base para o indiciamento pelo Senhor. No

pacto com Noé (que se aplica, por extensão, a toda a raça humana), o Senhor

proíbe o assassinato porque representa um ataque descarado à imagem de

101 O paralelismo sinonímico utilizado de 6b-8,12 enfatiza os crimes de Israel.

102 A NIV diz “pisam”, mas a forma hebraica é, na verdade, um particípio substantivo que identifica

o sujeito do verbo “eles vendem”.

103 Uma vez que são descritas duas ações (utilização da mesma jovem e profanação do nome do

Senhor), podíamos ver dois pecados, mas a estrutura gramatical sugere que se trata de um crime,

composto por duas ações relacionadas.

104 Novamente, duas ações (deitar e beber) são descritas, mas trata-se de um crime, abusar do sistema

de penhores e multas.

105 Mais uma vez, são descritas duas ações (fazer os nazireus beber vinho e proibir os profetas de

falar), mas trata-se de um crime, desrespeito por líderes religiosos.


I 428 1 Introdução aos profetas

Deus no homem. Cada uma das nações indiciadas em Amós 1-2 tinha violado

esse pacto, pelo menos em princípio, ao cometer atrocidades e empreender

guerras contra seus vizinhos.106

Oráculo contra Damasco (1.3-5)

A primeira previsão indicia Damasco, capital dos arameus, que viviam

a nordeste de Israel. O Senhor entraria em juízo contra os arameus por

causa das atrocidades cometidas contra Gileade durante a segunda metade

do século 9- a.C. (2Rs 10.32-33). O Senhor comparou os feitos dos arameus

a trilhar com “trilhos de ferro”.107 As imagens vêm do lagar, onde uma prancha

de madeira com pregos afiados embutidos na parte de baixo é arrastada

sobre os grãos, de forma a separá-los da palha.108

Muitos substantivos próprios mencionados nos versículos 4-5 exigem um

comentário. Hazael foi rei de Damasco pela maior parte da segunda metade

do século 9- a.C., enquanto Ben-Hadade, aqui mencionado, pode ter sido seu

filho e sucessor (2Rs 13.3,22-25).109 O “vale de Áven”, que quer dizer “vale

da Maldade”, é provavelmente um nome depreciativo para o vale de Biqueate,

no Líbano, enquanto Bete-Éden, provavelmente, refere-se a Bit Adini, um

Estado arameu localizado no rio Eufrates, a 300 quilômetros a norte-nordeste

de Damasco.110 Essas referências apresentam os limites sul e norte do reino

arameu. Finalmente, Quir, cuja localização exata é desconhecida, foi o primeiro

lar dos arameus (Am 9.7).111 Ao final da derrota dos arameus, eles

seriam deportados de volta a Quir. Essa profecia foi cumprida em 732 a.C.,

quando o rei assírio Tiglate Pileser III conquistou Damasco (2Rs 16.9).

Oráculo contra a Filístia (1.6-8)

O Senhor também entraria em juízo contra os filisteus, que viviam a

sudoeste de Israel, ao longo da costa mediterrânea. Quatro das cinco principais

cidades são mencionadas aqui (a ausência de Gate aqui é notável,

mas veja 6.2). Os filisteus tinham conduzido ataques contra as comunidades

vizinhas (provavelmente em Judá; veja 2Cr 21.16-17; 28.18), raptado

Veja também meus comentários sobre Isaías 24.5, outra passagem que parece responsabilizar as

nações por infrações do mandado de Noé.

107 Outras passagens comparam a conquista militar ao ato de trilhar. Veja 2Reis 13.7; Isaías 41.15;

Miqueias 4.13; Habacuque 3.12.

108 Veja Borowski, Agriculíure in Iron Age Israel, 64-65.

109 Para um estudo detalhado desses dois reis, veja Pitard, Ancient Damascus, 145-75.

110 Veja Paul, Amos, 52-54, e também Andersen, Francis I.; Freedman, David N., Amos, AB (Nova

York: Doubleday, 1989), 255-56. Alguns preferem entender Bete-Éden, que podia ser interpretado

como “Casa de prazer”, como um título sarcástico do palácio do rei arameu.

111Quir, aparentemente, situava-se na Mesopotãmia. Isaías 22.6 menciona Quir juntamente com Elão,

que ficava a leste da Babilônia. Veja Paul, Amos, 55, e Andersen e Freedman, Amos, 257.


P rofetas M enores I 429 I

e vendido o povo como escravos aos edomitas. Por essa razão, o juízo de

fogo de Deus varreria o território filisteu, levando destruição em seu rastro.

Essa profecia foi cumprida mais tarde, no século 82, quando os reis de Judá,

Uzias e Ezequias, invadiram a Filístia (2Cr 26.6-7; 2Rs 18.8) e quando uma

seqüência de conquistadores assírios capturaram essas cidades.112 Tiglate

Pileser III (que governou de 745-727 a.C.) incluiu Ascalom e Gaza entre

seus súditos, enquanto Sargão III conquistou Asdode em 712 a.C. e tomou-

-a uma província assíria. Em 701 a.C., Senaqueribe deportou o desleal rei

de Ascalom e conduziu uma campanha exitosa contra Ecrom.

Oráculo contra Tiro (1.9-10)

O juízo divino também recaiu sobre a cidade-Estado de Tiro, situada

ao norte de Israel, na costa mediterrânea. Como os filisteus, Tiro tinha raptado

comunidades inteiras e vendido o povo como escravos aos edomitas.

O crime de Tiro era ainda mais condenável, porque incluía o rompimento

de um tratado. A expressão “aliança de irmãos” se refere a um tratado de

paridade entre Tiro e um Estado vizinho não identificado. No antigo Oriente

Próximo, reis vizinhos estabeleciam, às vezes, esses tratados de comércio

e segurança nacional. Exemplos bíblicos incluem o acordo entre Hirão de

Tiro e Salomão (lRs 9.13) e o tratado entre Ben-Hadade de Damasco e

Acabe (2Rs 20.32-33). Esses tratados deviam ser caracterizados por relações

pacíficas.113

Quando e como essa profecia foi cumprida não é claro. Embora muitos

reis tenham atacado e cercado Tiro, a cidade só foi, de fato, destruída em

332 a.C., quando Alexandre, o Grande, a conquistou.

Oráculo contra Edom (1.11-12)

O Senhor, a seguir, volta sua atenção para Edom, já implicada no tráfico

de escravos mencionado nos dois oráculos anteriores. Como Tiro, Edom

violara uma aliança entre irmãos quando se voltou impiedosamente contra

seu antigo parceiro com furia incontida. Como Esaú, progenitor dos edomitas,

era irmão de Jacó, alguns veem Israel ou Judá como o referente de “seu

irmão”. Entretanto, parece mais provável que o termo “irmão” seja utilizado

em sentido idiomático de “parceiro de tratado” (como no v. 9). Essa linha

paralela (traduzida na NIV como “sufocou toda compaixão”) sustenta essa

interpretação. O termo hebraico traduzido por compaixão na versão NIV é

112 Para relatos das vitórias assírias no oeste, veja Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, 282-88, e

também King, Amos, Hosea, Micah—An Archaeological Commentary, 52-54.

113 Veja, por exemplo, o tratado de paridade feito entre Ramsés II, do Egito, e o rei heteu Hattusilis.

Veja Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, 199.


I 430 I Introdução aos profetas

mais bem compreendido como uma referência aos “aliados” de Edom.114

Como no caso de Tiro, os detalhes precisos de quando e como essa profecia

foi cumprida permanecem confusos, mas Edom aparentemente foi devastada

no tempo de Malaquias (Ml 1.3), talvez pelos babilônios.115

Oráculo contra Am om (1.13-15)

Amom também tinha violado o padrão moral do Senhor e conheceria

seu juízo ardente. Em um esforço para estender suas fronteiras para Gileade

(situada ao norte de Amom), os amonitas tinham cometido atos genocidas

contra os habitantes de Gileade (provavelmente israelitas). Chegaram a

estripar mulheres grávidas. Essa forma de atrocidade militar é mencionada

em outras passagens na Bíblia hebraica (2Rs 8.11-12; 15.16; Os 13.16) e

na literatura do antigo Oriente Próximo.116 A capital de Amom, Rabá, seria

queimada quando a tempestade do juízo divino passasse por suas fortalezas.

O rei amonita e sua corte real seriam levados para o exílio. Mais uma

vez os detalhes precisos do cumprimento da profecia nos escapam, mas os

babilônios aparentemente conquistaram Amom no século 6a a.C.117

Oráculo contra Moabe (2.1-3)

Moabe é o próximo na série de previsões de juízo. Os moabitas eram

culpados de profanar um túmulo real edomita. Eles levaram os ossos de

um dos reis edomitas falecidos e os queimaram. Leitores modernos podem

não apreciar as implicações desse tipo de ação, que seriam consideradas na

antiga Palestina como uma medida extrema que expressava hostilidade gravíssima

(veja 2Rs 23.15-16). Ter um funeral digno era considerado muito

importante nessa cultura, e os túmulos eram protegidos por maldições inscritas

neles.118 Essa atrocidade resumia o ódio e a crueldade dos moabitas.

O Senhor devastaria Moabe e destruiria seus líderes, e, tal como nas profe­

114 Veja Fishbane, Michael, “The Treaty Background ofAmos 1, 11 and Related Matters”, JBL 89

(1970):313-18, e, do mesmo autor “Additional Remarks on rhm yrn (Amos 1:11)”, JBL 91 (1972):391-

93. Veja também Barré, Michael L., “Amos 1:11 Reconsidered”, CBQ 47(1985):420-27. Andersen e

Freedman (Amos, 266-67) traduzem “aliados”, mas veem isso como um duplo entendimento, referindose

a Israel/Judá e refletindo “tanto o parentesco quanto as associações em alianças”. Outra opção é

oferecida por Paul (Amos, 43, 64-65), que entende o termo como uma referência a jovens mulheres (ele

relaciona a forma ao termo encontrado em Jz 5.30) e traduz “mulheres”.

115 Veja Hoglund, Kenneth G., “Edomites”, em Peoples o f the Old Testament World. Hoerth, A. J.;

Mattingly, G. L.; Yamauchi, E. M. (orgs.) (Grand Rapids: Baker, 1994), 342.

116 Veja Cogan, Mordechai, ‘“ Ripping Open Pregnant Women’ in Light of an Assyrian Analogue”,

JAOS 103 (1983):755-57.

117 Veja Younker, Randall W., “Ammonites”, em Hoerth, Mattingly e Yamauchi, Peoples o f the Old

Testament World, 314.

1,8 Para exemplos dessas inscrições tumulares com maldições para os profanadores, veja Pritchard,

Ancient Near Eastern Texts, 661-62.


P rofetas M enores | 4311

cias contra Edom e Amom, detalhes precisos do cumprimento da previsão

não são disponíveis, mas Moabe caiu, de fato, para os babilônios no século

sexto a.C.119

Oráculo contra Judá (2.4-5)

O profeta chegou mais perto de casa quando se voltou para o vizinho de

Israel ao sul e anunciou o juízo iminente sobre Judá. Assim como as nações

pagãs tinham violado sua relação de aliança com Deus, também Judá tinha

rompido a aliança mosaica, que Deus fez com seu povo no monte Sinai.

Não está claro quais infrações específicas Amós tinha em mente. O texto

hebraico do versículo 4b diz, literalmente, “suas mentiras, atrás das quais

seus pais andaram os fizeram desviar”. Muitos identificam essas “mentiras”

com falsos deuses ou ídolos. Embora o termo hebraico não se refira a ídolos

ou a deuses em nenhuma outra passagem na Bíblia hebraica, a expressão

“andar após” ou “andar atrás” é utilizada para indicar idolatria em diversos

textos (veja, por exemplo, Dt 6.14; 8.19; 13.3; 28.14; Jz 2.12). Como

“mentiras” se refere mais comumente a falsas profecias, outros preferem

identificar as “mentiras” como as palavras enganosas de falsos profetas.120

Oráculo contra Israel (2.6-16)

A litania do juízo culmina com Israel. Uma burocracia militar real governava

Israel nessa época. A medida que a burocracia se expandia, conseguia

mais e mais terra e gradualmente comandava a economia e o sistema legal.

Em vários níveis administrativos, convidava à corrupção e a outras práticas

desonestas. O povo comum, fora dos centros administrativos, foi sendo

desprestigiado, perdendo gradualmente suas terras por meio de tributação,

confisco, taxas de juros excessivas e outras medidas opressoras. Com isso,

perdeu também seus meios de subsistência e seus direitos de cidadania.

Amós denunciou essas práticas opressivas, que incluíam vender devedores

como escravos e negar qualquer tipo de recurso legal (v. 6b-7a). Os

opressores confiscavam até as roupas dos pobres como garantia de dívidas

e cobravam impostos do povo na forma de vinho (v. 8).121 Depois de virtualmente

extorquir esses itens dos pobres, tinham a audácia de levá-los consigo

quando iam oferecer sacrifícios. Não é claro se o versículo se refere a

1,9 Veja Mattingly, Gerald L., “Moabites”, era Hoerth, Mattingly, e Yamauchi, Peoples o f the Old

Testament World, 328.

120 Veja Andersen e Freedman, Amos, 301-6.

121 Sobre o cenário socioeconômico desses versículos, veja Dearman, Property Rights, 19-25. Também

há alusão a essas práticas em 2Reis 4.1-7. Para um texto extrabíblico referente ao confisco ilegal de

roupas, veja Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, 568, e Parker, Simon B., Stories in Scripture and

Inscriptions (Nova York: Oxford University Press, 1997), 15-18.


I 432 | Introdução aos profetas

“seu Deus” (isto é, o Senhor), em cujo caso a hipocrisia é o crime em questão,

ou a “seus deuses” (isto é, deuses pagãos), em cujo caso eles juntavam

o pecado da injustiça social ao da idolatria.

Não está claro como o versículo 7b se encaixa na acusação do profeta. O

texto hebraico diz, literalmente, “um homem e seu pai vão à mesma moça,

assim, profanando meu santo nome”. A maioria entende essa declaração

como uma referência a um pai e seu filho terem relações sexuais com a

mesma moça, normalmente entendida como sendo uma escrava, membro da

classe oprimida ou uma prostituta cultuai. No entanto, a expressão hebraica

traduzida como “vão” (em hebraico halak 'el. em contraste com bo; ‘el,

“vir”) não é utilizada em nenhuma outra passagem na Bíblia hebraica para

designar relações sexuais. Parece mais provável que esse versículo se refira

ao banquete pagão marzeah, uma tradição mencionada em Amós 6.4-7

(veja também Jr 16.5-9) e que encontra referências em outros textos na literatura

antiga.122 O banquete marzeah aparentemente era um tipo de clube

social religioso em que patronos ricos iam para comer e beber em excesso,

talvez juntamente com cerimônias de velório de mortos. De acordo com

Barstad, a “moça” mencionada aqui era a recepcionista desses banquetes.123

Por esse ponto de vista, o versículo 7b, em vez de denunciar promiscuidade

sexual, mostra pai e filho freqüentando esse tipo de banquete. Sua presença

resume o tipo de vida que eles desfrutam à custa dos pobres e ilustra sua

disposição de aceitar costumes pagãos.

Antes de concluir sua acusação, o Senhor revisitou o passado de Israel,

lembrando como ele tinha libertado Israel do Egito, como o tinha guardado

no deserto e como tinha derrotado os poderosos amorreus para que Israel

pudesse ocupar a Terra Prometida (v. 9-10). Ele também instituiu profetas,

por meio dos quais revelou sua vontade à nação, e nazireus, cujos votos

religiosos (Nm 6.2-21) eram um modelo de dedicação ao Senhor (v. 11).

Mas a nação foi ingrata: o povo tentou silenciar os profetas e incentivou os

nazireus a violar seus votos de abstinência e beber vinho (v. 12). A nação

pecadora tinha se tomado um fardo pesado para o Senhor, que é mostrado

arfando sob o peso de seu pecado, assim como uma carroça geme e verga

quando carregada de grãos (v. 13).124

122 Veja King, Amos, Hosea, Micah, 137-61, em que ele discute o cenário de Amós 6.4-7. King,

porém, não interpreta Amós 2.7b contra esse pano de fundo.

123 Barstad, Hans M., The Religious Polemics ofAmos (Leiden: Brill, 1984), 33-36.

124 O significado do versículo 13 é notoriamente difícil. Eu estou presumindo que a forma verbal

hiphil é intransitiva e que a raiz está relacionada a um cognato árabe que quer dizer “gemer”. Nesse

caso, podemos traduzir assim: “Eu gemerei sob vocês, como a carroça cheia de grãos geme”. Muitos

comentaristas preferem ver essa afirmação como um anúncio de juízo, em vez de um comentário sobre

o pecado da nação (veja Paul, Amos, 94, para um levantamento de opiniões). A NIV (“amassarei como

uma carroça amassa”) reflete esse entendimento do versículo.


P rofetas M enores j 433 )

Por todas essas razões, o juízo divino recairia sobre Israel. O Senhor

pulou o anúncio formal da intervenção divina e passou direto a uma descrição

dos efeitos do juízo. Os versículos 14-16 contêm uma série de afirmações

descritivas, sugerindo que o juízo seria extenso e completo. O exército

de Israel, incluindo a infantaria, os arqueiros e os cavaleiros, seria inteiramente

destruído.

Ovelha despedaçada e altares quebrados (3.1-15)

O povo de Deus, que ele tinha libertado da escravidão no Egito, ocupava

uma posição privilegiada entre as nações do mundo. O Senhor o tinha escolhido

como seu povo especial da aliança (v. 1-2a).125 Ele esperava que Israel

fosse uma sociedade modelo caracterizada pela justiça social. Ao obedecer

os mandamentos de Deus, exaltaria o Senhor e sua lei entre as nações (Dt

4.5-8). Mas o povo de Deus falhou, e, assim, o Senhor iria castigá-lo por

seus pecados (v. 2b). A quem muito se dá muito se pede.

Antes de descrever o juízo iminente, Amós validou sua mensagem e

seu papel como porta-voz profético do Senhor. Fez uma série de perguntas

retóricas que estabelecem o princípio de causa e efeito. As perguntas nos

versículos 3-5 esperam a resposta “não, claro que não”. A pergunta no versículo

6a espera a resposta “sim, claro que sim”. A pergunta no versículo 6b

(que é a sétima da lista) deixa claro que um padrão de causa e efeito também

está em ação quando uma calamidade atinge uma cidade. Quando o

desastre recai sobre uma cidade, o Senhor é a causa por trás disso. Isso provavelmente

se refere ao desastre iminente profetizado por Amós, embora

possa ser também uma referência aos juízos que já tinham acontecido (veja

4.6-11, em especial, a referência à fome em toda a cidade, no v. 6). Aparentemente,

o povo, por causa de sua compreensão errada da proximidade

do dia do Senhor (5.18-20), pensava que fosse imune ao juízo (9.10). Mas,

dentro do contexto teocrático do antigo Israel, o desastre podia vir, de fato,

como resultado do pecado, e o povo podia ter certeza de que, se assim fosse,

o Senhor era a fonte.126

As ilustrações nos versículos 3-6 são escolhidas cuidadosamente. A

unidade começa com uma imagem de duas pessoas caminhando juntas,

mas essa imagem é subitamente substituída pela visão de leões rugindo,

125 O texto hebraico diz, literalmente, “conheci apenas vocês”. Obviamente, isso não significa que

Deus só conhecia o povo de Israel. O verbo “conhecer”, aqui, é empregado no sentido de “reconhecer

de forma especial”, que, por metonímia, pode significar “escolher” (veja a NIV).

126 O versículo 6 não deve ser entendido como uma lição de pancausalidade divina. Fredrik Lindstrõm

observa: “A intenção da passagem em Amós 3.6b é forçar seu público a reconhecer a conexão entre as

ações de yhwh e as catástrofes que afetaram Israel, no norte... Não há nada no texto que sugira que o

profeta esteja tentando ligar todos os desastres em geral à ação de yhwh”. Veja, de sua autoria, God and

the Origin ofEvil (Lund: CWK Gleerup, 1983), 237.


434 | Introdução aos profetas

aves sendo capturadas e o desastre engolindo uma cidade. Mas o Deus

que ordena o juízo de desastre também é misericordioso e normalmente

revela suas intenções antes de mandar a destruição. Ele faz assim por

meio de seus servos profetas, como Amós (v. 7). Quando Deus, mostrado

aqui como um leão a rugir (v. 8,12), anuncia o juízo iminente, a resposta

adequada é o temor, que implica arrependimento nesse contexto. Quanto

ao profeta, ele não tem alternativa, a não ser proclamar o que o Senhor

falou (v. 8).

Depois de deixar claro que falou compelido por Deus, Amós estava

pronto para proclamar a palavra do Senhor. Com um toque de sarcasmo,

o Senhor convidou os filisteus (veja a referência a Asdode, uma das principais

cidades filisteias) e os egípcios para se congregarem nas montanhas

de Samaria para testemunhar a injustiça social entre o povo de Deus (v. 9).

Fazer esse tipo de convite para esses dois grupos era adequado, pois ambos

eram opressores tradicionais do povo de Deus. Eles certamente gostariam

de ver a crueldade que caracterizava a sociedade israelita. Esse convite é

sarcástico, pois sugere que os israelitas tinham a mesma conduta imoral

desses odiados pagãos (seria como um militante contra o aborto convidar

Hitler e seus aliados nazistas para virem ver o morticínio que ocorre nas

“clínicas” de aborto dos EUA. Essa técnica retórica sugere fortemente que

as “clínicas” são semelhantes aos fomos de Auschwitz).

O Senhor denunciou a ganância dos ricos opressores, que guardavam

as riquezas retiradas de suas vítimas (v. 10). Adequadamente, um inimigo

iria destruir a terra e saquear essas riquezas (v. 11). Os opressores iriam

descobrir, em primeira mão, como era ser roubado. O juízo seria devastador,

comparável a um leão que faz uma ovelha em pedaços. Quando isso

aconteceu, um pastor tentava salvar um osso ou um pedaço de orelha para

provar ao patrão que a ovelha sumida fora, de fato, morta, não roubada (Êx

22.13). Ao final do juízo de Deus, Israel pareceria esse animal.127

Ao se dirigir novamente aos egípcios e aos filisteus, o Senhor os convidou

para serem testemunhas contra seu povo (v. 13). Especialistas em brutalidade,

eles com certeza saberiam reconhecer a injustiça quando a vissem.

Ao colocá-los na posição de testemunhas, o Senhor insinuava que eles eram

moralmente superiores a Israel.

O juízo do Senhor teria como alvo os “altares de Betei”, cujos “chifres”

seriam cortados (v. 14). Os israelitas pensavam que suas tradições

e rituais religiosos, em que Betei tinha papel tão importante, iriam

127 A ironia é especialmente evidente no texto hebraico. O verbo traduzido por “salva” e “salvou”

frequentemente traz uma conotação positiva de “resgatar”, mas aqui quer dizer, simplesmente, “salvar”.

Israel não seria resgatado do juízo iminente; somente alguns restantes, rasgados e despedaçados,

seriam “salvos”.


P rofetas M enores | 435 j

imunizá-los contra o juízo. Mas esse anúncio desconcertante indica o

contrário. Apesar de seu passado glorioso (veja Gn 28), Betei era cena de

um formalismo religioso hipócrita (4.4) e seria devastada no juízo por vir

(5.5-6). Os “chifres” de um altar eram as projeções em seus quatro cantos.128

Fugitivos que buscassem asilo podiam segurar nos chifres e obter

justiça e segurança (Ex 21.14; lRs 1.50-51; 2.28). Ao mostrar os chifres

do altar sendo cortados, o Senhor deixou claro que Israel não encontraria

onde se abrigar do juízo iminente.

O Senhor também ia demolir as mansões da classe rica de Israel, que

tinham sido construídas e decoradas à custa de suas vítimas (v. 15). Essas

mansões tinham painéis de marfim e eram decoradas com mobília com

incrustações de marfim.129 Alguns dos mais ricos tinham residências de

verão e de inverno, um luxo normalmente limitado a reis no antigo Oriente

Próximo.130 Mesmo alguns reis não tinham dois palácios. Em uma inscrição

semítica do século 8a a.C., o rei Barrakab, de Samal, refere-se a seus antecessores

tendo um único palácio, que tinha de servir tanto como residência

de verão quanto de inverno.131

Persistência no pecado (4.1-13)

O profeta continua seu ataque verbal contra os ricos e se volta para

as esposas dos ricos burocratas que moravam em Samaria. Ele se dirigiu

sarcasticamente a elas como “vacas de Basã”. Como o rebanho criado na

região transjordaniana de Basã (veja Dt 32.14; SI 22.12; Ez 39.18), essas

mulheres eram bem alimentadas por seus maridos, que satisfaziam os desejos

de suas esposas gananciosas com a exploração dos pobres da nação

(v. 1). E claro que a metáfora está cheia de ironia, pois a insinuação é que

essas “vacas de Basã” estavam sendo engordadas para o abate. Ao utilizar

uma metáfora diferente, o profeta retrata uma época em que essas mulheres

seriam levadas para o exílio como peixes para o mercado (v. 2-3). Embora

o significado exato do versículo 2b não seja totalmente claro, S. Paul faz

uma boa defesa da tradução a seguir: “Serão transportadas em cestos. E os

últimos de todos, em samburás”.132

O tom sarcástico do discurso se intensifica quando o Senhor instrui

Israel a ir para Betei e Gilgal e continuar em pecado (v. 4a). O Senhor,

é claro, não queria que seu povo pecasse, mas utiliza esse sarcasmo cortante

para esclarecer uma questão. O povo gostava de visitar centros de

128 Para uma imagem de um altar desses, veja King, Amos, Hosea, Micah, 103.

129 Veja ibid., 139.

130 Veja ibid., 64-65.

131 Veja Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, 501.

132 Veja Paul, Amos, 128-35.


436 I Introdução aos profetas

adoração tradicionais, como Betei e Gilgal, e fazer ofertas a Deus (v. 4b-5).

Pensava que esse tipo de ritual religioso conquistaria o favor de Deus

e garantiria sua bênção. Quando chama essas práticas de “pecado”, o

Senhor deixa claro que sua religião não passava de hipocrisia vazia. Até

que rejeitassem suas práticas socioeconômicas injustas, ele rejeitaria suas

tentativas de adorá-lo (5.21-24).

Em seguida, o Senhor relembra suas tentativas infrutíferas de conseguir

a atenção de Israel (v. 6-11). A lei mosaica alertava que a desobediência

persistente levaria ao juízo na forma de seca, fome, quebra de safra, gafanhotos,

doenças contagiosas e revezes militares (Lv 26; Dt 28). O Senhor

tinha feito recair todos esses juízos sobre a nação, mas o povo tinha se

recusado a se arrepender.

Tinha chegado a hora de uma confrontação direta entre o Deus de Israel

e seu povo pecador (v. 12). Depois de anunciar que interviria em juízo, ele

instruiu Israel: “Prepara-te ó Israel, para te encontrares com o teu Deus”.

O profeta, então, descreve esse Deus com quem Israel tinha um encontro

(v. 13). Ele é o criador das montanhas e do vento. Talvez as montanhas

representem o que é tangível ou estável, e o vento represente o que é transitório

e intangível. Juntos, representam a totalidade da realidade.133 Esse

criador soberano intervém como juiz no mundo. Antes de entrar em juízo,

revela suas intenções por intermédio de seus profetas.134 Então ele desce

em tempestade e transforma o claro amanhecer em escuridão aterradora135 e

pisa sobre as montanhas da terra. As imagens são de nuvens de tempestade,

que mascaram a presença de Deus (SI 18.9,11), movendo-se pelo cimo dos

montes. O profeta coroa sua descrição do juiz divino identificando-o pelo

nome - ele é o “ S e n h o r Deus Todo-Poderoso” (literalmente, o “ S e n h o r

Deus dos Exércitos”). O título “Deus dos Exércitos” é especialmente apropriado

aqui, pois mostra o Senhor como um rei guerreiro poderoso que

lidera seus exércitos na batalha.

Alguns acadêmicos ficam intrigados pelo fato de que Deus, embora

afirme “isto te farei” (v. 12), não dá uma descrição especificada do que

faria neste ponto. Essa afirmação pode estar ligada ao juízo previsto

em 3.11-15 ou antecipar a devastação descrita no discurso seguinte.

133 Ibid., 154.

134 A declaração “revela seus planos a seus servos” refere-se à revelação por Deus de seus planos,

um tema articulado em um discurso anterior (3.7). Entretanto, há quem entenda que o pronome “seus”

refira-se a “servos”, em cujo caso a afirmação faz alusão à capacidade de Deus ler os pensamentos dos

seres humanos.

!3- O significado do texto hebraico não é totalmente claro; diz, literalmente, “transforma a alvorada

em trevas”. Outra opção é ler “ele faz a alvorada e as trevas”, em cujo caso a declaração é um lembrete

de que o Senhor é a fonte da vida/bênção (simbolizadas pela alvorada) e morte/juízo (simbolizados

pelas trevas).


P rofetas M enores | 437 |

Entretanto, é possível que o Senhor tenha deixado a declaração em aberto

por questões retóricas, permitindo à audiência imaginar com pavor o que

o juízo causaria.136

A morte ali na esquina (5.1-17)

Antecipando os efeitos destruidores do juízo divino, o profeta inicia um

lamento por Israel, comparando-o a uma jovem indefesa que foi derrubada

para nunca mais se levantar (v. 1-2). A imagem trágica mostra uma jovem

pronta para entrar na vida adulta, mas que, subitamente, tem sua vida tirada

de si. A realidade por trás da imagem é a derrota militar devastadora de

Israel, em que a nação conheceria mortalidade de 90% das tropas (v. 3).

Mesmo diante da condenação iminente, a misericórdia de Deus era evidente.

Antes de entrar em juízo, o Senhor convida Israel ao arrependimento

(v. 4-6). Ele conclama o povo a buscá-lo para viver. Não fazê-lo traria,

inevitavelmente, o juízo ardente de Deus sobre a terra.

Quando o povo ouviu Deus dizer “buscai-me”, ele se sentiu tentado a

ir para um dos santuários bem conhecidos da nação, como Betei, Gilgal ou

Berseba. Betei, nome que significa “a casa de Deus”, era um lugar óbvio

para se esperar encontrar Deus. Foi ali que Deus se revelou a Jacó, pai da

nação (Gn 28), e oficialmente mudou o nome do patriarca para Israel (Gn

35). Gilgal, primeiro acampamento depois de cruzar o rio Jordão nos tempos

de Josué (Js 4.19-24), foi o lugar onde uma nova geração de israelitas

se submeteu ao rito da circuncisão e se comprometeu com Deus (Js 5).

Berseba, situada bem ao sul do país, no território de Judá, também era um

importante sítio religioso, pois foi ali que Abraão adorou a Deus (Gn 21.33)

e que Deus se revelou a Isaque (Gn 26.23-25) e a Jacó (Gn 46.1-4) e reiterou

sua promessa a eles.

Mas Deus não estava interessado nos rituais religiosos de Israel (4.4-5).

Na verdade, se o povo não se arrependesse, esses lugares famosos conheceriam

o juízo como o resto do país. Ironicamente, mesmo os habitantes de

Gilgal, que simbolizava a posse da terra por Israel, iriam para o exílio. Para

destacar a ironia, o profeta utilizou um jogo de sons. O texto hebraico diz:

haggilgal galoh yigleh, “Gilgal irá para o exílio, com certeza”. A declaração

“irá para o exílio, com certeza” (galoli yigleh) soa como o nome

Gilgal. A repetição dos sons “g” e “1” chama a atenção para a afirmação.

Nem mesmo Betei estava imune ao juízo divino. Ironicamente, a “casa de

Deus” seria “reduzida a nada”.

136 A esse respeito, veja ibid., 149-50. Andersen e Freedman (Amos, 450-52) entendem a forma verbal

na primeira pessoa como pretérito (tempo passado) e a parafraseiam assim: “Porque assim fiz contigo,

ó Israel. Porque [ou visto que] não retomastes para mim, prepara-te para encontrar-te com teu Deus, ó

Israel!”. Nesse caso, o verbo se refere aos juízos descritos em 4.6-11.


1438] Introdução aos profetas

Mais do que o ritual religioso, o Senhor queria arrependimento genuíno,

que incluía buscar e amar o que era “bom” e rejeitar o que era “perverso”

(v. 14-15). Ao correlacionar os versículos 4-5 com 14-15 descobrimos

que buscar o Senhor significa, em primeiro lugar e mais importante que

tudo, buscar sua vontade moral. Mais especificamente, significa restabelecer

e promover a justiça legal e socioeconômica no país. Os burocratas

reais, ricos, baixaram uma carga tributária opressiva sobre os fazendeiros

(v. 11a). Os juizes aceitavam suborno para dar decisões favoráveis (v. 12)

e pervertiam a justiça, transformando-a em algo amargo e desagradável

para suas vítimas (v. 7). Qualquer um que ousasse se erguer por justiça era

tratado com desprezo (v. 10). A situação tinha ficado tão ruim que qualquer

um com alguma sensatez virava para o lado e ficava quieto (v. 13) - exceto

o Senhor e seu profeta Amós, é claro.

Usando o estilo descritivo de um hino, Amós lembra a Israel mais uma

vez que o povo tinha um encontro com seu rei soberano, que governa os

ciclos da natureza (v. 8). As constelações Sete-Estrelo e Órion eram associadas

à mudança de estações.137 O versículo 8 retrata Deus como aquele

que estabelece as estações, regula o dia e a noite e envia a chuva no tempo

apropriado. Certamente esse rei soberano possui tanto a autoridade quanto

o poder para destruir pecadores arrogantes e transformar a sociedade

injusta que tinham criado (v. 9). Esse juiz soberano ameaçou privar o rico

de suas “casas de pedra lavrada” e “vinhas do desejo” adquiridas à custa

dos pobres (v. 11b). Ele passaria pelo país, trazendo a morte e a dor em seu

rastro (v. 16-17).

A única esperança da nação era atentar para o chamado do Senhor ao

arrependimento. Se o povo se arrependesse, poderia conhecer a misericórdia

do Senhor (v. 15b). Contudo, apesar do apelo do Senhor nos versículos

4-5, a graça de Deus só é concedida como uma possibilidade no versículo

15, não como uma garantia (observe “talvez”, no versículo 15b). Israel tinha

caído tão profundamente em pecado que qualquer atraso poderia fechar a

porta que Deus tinha deixado só um pouquinho aberta.

Alguns acadêmicos, argumentando que os versículos 8-9 não cabem

direito no discurso e parecem interromper a acusação dos versículos 7 e 10,

propõem que os versículos 8-9 não são originais no discurso. Entretanto,

essa proposta evita a questão real, pois é evidente que alguém (um editor

posterior, na visão deles) sentiu que essa descrição em hino era adequada

aqui. Na verdade, a própria estranheza desses versículos chama a atenção

para ele e destaca seu conteúdo. Além disso, como diversos acadêmicos

observaram, esse discurso é arranjado de forma quiástica. Os versículos 8 e 9

137 Veja Paul, Amos, 168.


Profetas M enores | 439 |

ocupam a posição central de pivô. Pode-se esboçar a estrutura do discurso

da seguinte forma:

A A derrocada de Israel merece um lamento (v. 1-3)

B O povo tem de se arrepender, pois o juízo está próximo

(v. 4-6)

C E ele é culpado de injustiça (v. 7)

D Encontrará o juiz divino (v. 8-9)

C’ O povo é culpado de injustiça e o juízo se aproxima

(v. 10-13)

B’ Então o povo tem de se arrepender (v. 14-15)

A’ O juízo divino trará lamento universal (v. 16-17)

A estrutura quiástica deixa a segunda metade do discurso um tanto repetitiva,

pois os elementos B’ eA ’ esclarecem e elaboram sobre os elementos

B e A, respectivamente. A seção C’ traça com mais detalhes (v. 10-13) a

injustiça mencionada em C (v. 7), enquanto a seção B’ (v. 14-15) esclarece

o que significa buscar ao Senhor (a seção B, nos v. 4-6, indica apenas o que

não significa). O elemento A’ estende a lamentação do profeta (veja o v. 1,

na seção A) a toda a sociedade (v. 16-17). A lógica interna pode ser esboçada

da seguinte forma:

A A morte está ali na esquina (v. 1-3)

B Vocês têm de se arrepender (v. 4-6)

C Porque vocês são culpados e condenados diante de

Deus (v. 7)

D O juiz soberano, todo-poderoso (v. 8-9)

C’ Vocês são culpados e condenados diante de Deus

(v. 10-13)

B’ Então vocês têm de se arrepender (v. 14-15)

A’ Ou encontrarão a morte logo ali na esquina (v. 16-17)

O funeral de Israel (5.18-27)

Os versículos 16-17 mostram dor e lamentação universais. É bem apropriado,

então, que os próximos dois discursos (5.18; 6.1) comecem com a

palavra “ai”. Esse termo era utilizado no antigo Israel como um choro no

luto em funerais (1 Rs 13.30; Jr 22.18-19). De fato, uma forma alternativa da

palavra aparece no versículo 16, em que a NIV traduz “gritos de angústia”.

Quando o público de Amós ouviu essa palavra, imagens de morte devem

ter surgido em sua mente. Ao prefaciar suas observações com essa palavra,

o profeta sugere que o funeral da nação rebelde estava próximo.


| 440 | Introdução aos profetas

Como anteriormente observado, o Israel do tempo de Amós antecipava

a chegada do dia do Senhor. O povo esperava que fosse um dia de glória,

quando o Senhor derrotaria as nações vizinhas, dando início a uma nova

era de prosperidade para Israel. De fato, Jeroboão II, rei de Israel durante

esse tempo, levantou-se para reavivar a sorte de Israel, e, com a aprovação

do Senhor, teve grande sucesso (2Rs 14.25-28). Mas, como Amós deixou

claro, essa era de bênção renovada seria curta. O “dia do Senhor” se aproximava,

mas, para Israel, seria um dia negro de destruição inescapável, não

um dia ensolarado de salvação (v. 18,20). Para ilustrar o fato, o profeta

comparou Israel a um homem que foge de um leão perigoso apenas para

encontrar um urso igualmente perigoso. Ele, então, se lança dentro de uma

casa e encosta em uma parede, apenas para ser mordido por uma cobra (v.

19). Da mesma forma, Israel não seria capaz de evitar o dia do juízo.

Com o desenvolvimento de temas apresentados em discursos anteriores,

o Senhor denuncia em termos fortes (observe “Eu odeio e desprezo”) os

rituais sem sentido e o formalismo religioso hipócrita de Israel (v. 21-23;

veja 4.4-5; 5.5). No discurso anterior, Amós acusou o povo de detestar

aqueles que se levantavam por justiça e o conclamava a detestar, ao contrário,

seus modos perversos (5.10,15). Agora, o Senhor declara seu ódio

por seu formalismo religioso (5.21). A repetição do verbo “odiar” chama a

atenção para a correspondência entre seu pecado e a resposta de Deus a ele.

Os israelitas odiavam ajustiça social; em troca, Deus detestava sua religião

hipócrita, que era uma falsa substituta do viver ético. Deus não desejava as

ofertas de Israel, mas, em vez disso, exigia o estabelecimento e a promoção

da justiça por todo o país (v. 24; veja 5.15). Um esforço de mentirinha

não valeria. Ajustiça tinha de se tomar uma característica permanente do

cenário, como um rio que flui continuamente, em contraste com correntes

sazonais, que secam durante o tempo quente.

O Senhor utilizou uma lição da história para mostrar quão ineficazes

eram os sacrifícios (v. 25). Relembrando o período em que vagaram pelo

deserto, ele perguntou: “Apresentastes-me, vós, sacrifícios e ofertas de

manjares no deserto por quarenta anos, ó casa de Israel?” A pergunta prevê

uma resposta negativa. Isso levanta um problema, pois o Pentateuco mostra

claramente Israel fazendo sacrifícios a Deus durante esse período. A pergunta

pode ser exagerada para causar efeito. Embora Moisés tenha dado

a Israel muitas leis sobre sacrifícios e ofertas, o sistema de sacrifícios de

per si não podia ser plenamente implementado até que o povo se assentasse

no país. Conquanto importantes, os sacrifícios nunca foram a essência

do relacionamento de Deus com seu povo. A lealdade, expressa por meio

da obediência, sempre foi a prioridade mais alta. Sacrifícios tinham significado

somente quando ofertados por alguém comprometido com Deus


P rofetas M enores j 4411

e obediente à sua vontade moral.138 Pode-se reescrever a pergunta assim:

“Vocês só me trouxeram sacrifícios e ofertas?” A resposta implícita seria:

“Não, eu queria e ainda exijo algo mais básico de vocês - obediência”.

Outra opção é subordinar a pergunta do versículo 25 à declaração do

versículo seguinte e traduzir assim: “Quando trouxestes sacrifícios e ofertas

de manjares no deserto por quarenta anos, ó casa de Israel, levaram

também Sicute, vosso rei, e Quium, vossa imagem...?”139 Nesse caso, a

questão pode ser parafraseada da seguinte forma: “Vocês pensam que os

sacrifícios são importantes porque eles tiveram início no comecinho de

sua história. Mas quando me ofereciam sacrifícios lá atrás, vocês também

adoravam ídolos como fazem hoje? Não! Embora seja uma parte importante

de seu relacionamento comigo, seus sacrifícios não farão bem algum

por causa de sua idolatria.”

E claro que nem todos os acadêmicos acham que o versículo 26 está

olhando para trás. Muitos o combinam com o versículo 27 e o consideram

premonitório. Nesse caso, pode-se traduzi-lo assim: “Vocês levantarão

Sicute, seu rei, e Quium, seu ídolo... e eu os mandarei para o exílio”. Os

ídolos de Israel não seriam capazes de resgatá-lo do juízo de Deus, mas,

mesmo quando o povo estivesse marchando para o exílio, seu compromisso

com deuses falsos permaneceria inabalável.

Independentemente de considerarmos o versículo 26 como uma previsão

do futuro ou uma revisão do passado, está claro que a adoração israelita,

além de ser caracterizada por um formalismo hipócrita, também era

idólatra. Dois deuses são mencionados aqui - Sicute e Quium. Sicute era

uma divindade mesopotâmica identificada com Ninurta em uma lista de

deuses encontrados em Ugarite. Quium era outro deus mesopotâmico, associado

ao planeta Saturno.140 A vocalização apropriada dos nomes é Sacute e

Caiamanu, respectivamente. Os dois nomes ganharam um padrão vocálico

“i-u” no texto hebraico, provavelmente para mimetizar o padrão vocálico

de shiqquts, “coisa detestável” eg illu l, “ídolo”.14;

Exílio e derrota (6.1-14)

Segue um oráculo, outro “ai”, dirigido aos ricos burocratas reais de Judá

e de Israel (v. 1). Uma vez que o ministério e a mensagem de Amós se

138 Veja Jeremias 7.21-23, que diz o mesmo que este texto. Veja também os comentários de Paul,

Amos, 193-94; Niehaus, Jeffrey, “Amos”, em The Minor Prophets: An Exegetical and Expositional

Commentary. McComiskey, T. E. (org.), vol. 1 (Grand Rapids: Baker, 1992), 433; Kaufmann, Yehezkel,

The Religion o f Israel. Greenberg, M. (trad.). (Chicago: University of Chicago Press, 1960), 365; e de

Vaux, Roland, Ancient Israel, 2 vols. (Nova York: McGraw-Hill, 1965), 2:428.

139Veja Thomas J. Finley, Joel, Amos, Obadiah (Chicago: Moody, 1990), 253-54.

140 Veja Paul, Amos, 194-97.

141Veja ibid., 196, e Andersen e Freedman, Amos, 533.


1442 | Introdução aos profetas

concentravam no reino do norte (v. 6,14), é possível que a referência a

“Sião” (Jerusalém), no versículo 1, represente uma adaptação posterior da

mensagem do profeta para o público do sul. Entretanto, o juízo iminente

incluiria Judá (2.4-5), então a referência pode bem ser original.142

Esses líderes complacentes se sentiram seguros e esqueceram o desastre

que se aproximava (v. 2-3). O versículo 2 pode conter uma citação

do que esses líderes diziam para seu povo (veja o v. lb).143 Nesse caso,

as perguntas retóricas podem ser entendidas assim: “Por acaso, são [i.e.,

Calné, Hamate e Gate] melhores do que estes reinos [i.e., Judá e Israel]?

Não! O território deles é maior do que o de vocês? Não!” No que toca

aos líderes de Judá e de Israel, esses outros reinos eram inferiores.144 No

entanto, uma vez que não há uma declaração introdutória indicando que

são os líderes falando aqui, muitos preferem entender o versículo 2 como

palavras do profeta para os líderes.

Afinal, o profeta fala tanto no versículo 1 quanto no 3. Nesse caso, as

perguntas retóricas podem ser entendidas assim: “Por acaso, são vocês [i.e.,

Israel e Judá] melhores do que estes reinos [i.e., Calné, Hamate e Gate]?

Não! Serão conquistados assim como eles o foram! O território deles é maior

do que o seu? Não! E, da mesma forma, o seu território será reduzido!”145

No entanto, essa interpretação parece pressupor que esses outros reinos já

tinham sido conquistados. Talvez o profeta se refira às campanhas assírias

de Salmanezer III, no século 9- a.C.146 Esses reinos também foram derrotados

por Tiglate-Pileser III mais tarde, no século 8a a.C., bem depois do

ministério profético de Amós. Por essa razão, muitos consideram esse versículo

uma adição posterior ao texto.

As ricas autoridades governamentais ignoraram a calamidade que se

aproximava e preferiam “viver pra valer” (v. 4-6).147 Elas descansavam em

camas de marfim, comendo carnes, ouvindo música e bebendo vinho em

grandes taças, normalmente utilizadas em sacrifícios. As festas descritas

aqui eram provavelmente banquetes religiosos pagãos.148

142 Veja ibid., 199-200, e Andersen e Freedman, Amos, 553-59.

143 Para uma defesa dessa visão, veja Hubbard, David A., Joel and Amos, TOTC (Downers Grove:

InterVarsity, 1989), 190-91.

144 Calné e Hamate ficavam na Síria, uma distância significativa a norte-nordeste de Israel, enquanto

Gate ficava em território filisteu.

145 Veja Finley, Joel, Amos, Obadiah, 263.

146 Veja Paul, Amos, 203.

147 A expressão “ruína de José”, no versículo 6, refere-se ou ao juízo iminente contra Israel ou à

desintegração social de Israel, provocada pelas práticas injustas das autoridades.

148 A utilização do termo hebraico m irzakh, “banquetes”, no versículo 7, sugere que esses banquetes

podem ter estado associados à instituição do m arzeah (veja meus comentários anteriores sobre Am

2.7). Para uma discussão mais detalhada, veja Barstad, Religious Polemics ofAmos, 127-42, e King,

Amos, Hosea, Micah, 137-61.


P rofetas M enores | 443 I

As festas chegariam a um final abrupto (v. 7). Um exército inimigo

(os assírios) iria invadir o país e levar esses cidadãos importantes para

o exílio. Amós utiliza jogo de sons para destacar a natureza apropriada

do juízo de Deus. As autoridades ricas pensavam ser os líderes da nação

mais importante (em hebraico, re shit, v. 1) e usavam as loções mais finas

(de novo, re^shit, v. 6). Sua atitude parecia ser “apenas o melhor para os

melhores”. Quão apropriado, então, era que o Senhor tivesse reservado

um lugar especial para eles bem na primeira linha dos exilados! Afinal,

era adequado que eles fossem os primeiros (em hebraico, ro'sh, v. 7a,

que deriva da mesma raiz que o termo re’shit, “principais”, “excelentes”)

a serem levados, uma vez que foi a falha deles em obedecer a Deus que

tinha levado à derrocada de Israel em primeiro lugar. Com habilidade poética,

o profeta também anunciou que cessariam (em hebraico, sar, v. 7b)

os “banquetes” (em hebraico, serukhim , v. 7b). O jogo de sons (as duas

palavras têm a seqüência de sons “s-r”) chama a atenção para a afirmação

e contribui para o tema da justiça poética.149

Com uma fórmula de juramento solene, o Senhor denunciou o orgulho

de Israel e anunciou que entregaria Samaria a um inimigo (v. 8). O juízo

devastador decretado por Deus traria morte e destruição generalizadas (v.

9-11). Quando os poucos sobreviventes fossem se encarregar de enterrar os

mortos, teriam cuidado de não mencionar o nome de Deus, com medo de

que isso pudesse deflagrar outro acesso da ira divina.

Novamente, o Senhor atinge a raiz do problema quando expõe a perversão

da justiça de Israel (v. 12). A primeira parte do versículo pode, provavelmente,

ser traduzida assim: “Podem cavalos correr na rocha? Pode-se

arar o mar com um boi?”150 As duas perguntas apresentam imagens bizarras,

ridículas, e esperam a resposta: “É claro que não!” Essas ações seriam

irracionais. Entretanto, Israel tinha feito algo igualmente absurdo no campo

da lei ao perverter ajustiça. Os tribunais tinham se tomado locais de exploração

dos desvalidos pelos poderosos.

Embora a sociedade israelita estivesse se desintegrando, Israel se

gabava de suas recentes vitórias militares sob a liderança de Jeroboão II

(2Rs 14.25,28). O povo se vangloriava de ter conquistado Camaim, um

149 Veja Miller, Sin and Judgment, 23.

150 O texto hebraico diz, literalmente: “Os cavalos correm sobre os rochedos? Poderá alguém arar com

bois?” Enquanto a primeira pergunta espera a resposta “é claro que não”, a segunda parece esperar uma

resposta positiva “sim, normalmente, ara-se com bois”. É óbvio que o paralelismo poético, assim como

a segunda metade do versículo, exige uma segunda pergunta igualmente absurda. Por essa razão, muitos

redividem o texto hebraico, mudando babbeqarim, “[pode-se arar] com bois” para babbaqar yam ,

“[pode-se arar] o mar com bois”. Outra opção é entender que a palavra empregada para “rochedos”

está implícita na segunda linha: “Podem cavalos correr sobre os rochedos? Poderá alguém ará-los [aos

rochedos] com bois?” Essa interpretação é subjacente na tradução NIV.


1444 1 Introdução aos profetas

nome que significa “chifre duplo”, ou “dois chifres”. Uma vez que o chifre

de um touro era utilizado normalmente como símbolo de força (Dt 33.17),

os israelitas aparentemente sentiam que essa vitória era uma demonstração

especialmente significativa de seu poderio militar. Mas o Senhor também

pode fazer trocadilhos com nomes. Ele destacou que eles também bravateavam

a vitória em Lo-Debar, nome que quer dizer “nada”. No que toca ao

Senhor, toda essa bravata era só bazófia vazia, pois Israel não tinha conseguido

nada de importância duradoura. Um invasor inimigo assolaria o país,

vindo do norte (Lebo Hamate) até o sul (vale de Arabá), apagando rapidamente

as explorações militares de Israel (a esse respeito, veja 2Rs 14.25).

Acaba a paciência de Deus (7.1-8.3)

Em seguida, Amós registra uma série de quatro visões que recebeu do

Senhor. Um relato do encontro hostil de Amós com o sacerdote Amazias

é inserido entre a terceira e a quarta visão. As estruturas da primeira e da

segunda visão são semelhantes:

Descrição da visão (7.1,4)

Resposta de Amós (7.2,5)

Réplica do Senhor (7.3,6)

As duas visões parecem filmes quando mostram em detalhes horríveis

a devastação do país. Na primeira visão, nuvens de gafanhotos arruinam

as plantações, deixando o povo sem o que comer, destinado a morrer de

inanição. Na segunda visão, o fogo devora tudo que há sobre a terra.

As duas visões, por se concentrarem nos efeitos terríveis do juízo, suscitam

uma resposta emocional do profeta, que, obviamente, era solidário

ao povo. Ele clama ao Senhor e pede que não envie o juízo. Depois da

primeira visão, ele pede ao Senhor para “perdoar”, sugerindo já saber que

o castigo era merecido. Entretanto, depois da segunda visão, ele simplesmente

grita: “Pare!”. Nos dois casos, o Senhor se compadece (ou “muda

de opinião”) e anuncia que suspenderia o juízo. A paciência e a misericórdia

de Deus são evidentes.

A terceira visão difere das duas primeiras de diversas maneiras (v. 7-9).

Em vez de dar a Amós outro videoclipe de juízo, Deus apresenta uma cena

simbólica que parecia um instantâneo, uma foto sem movimento. Dessa vez,

Deus inicia o diálogo e deixa claro que não podia mais evitar o juízo. Aparentemente

convencido da necessidade do juízo, Amós não faz objeção.

Tradicionalmente, entende-se essa visão como se o Senhor estivesse de

pé ao lado de um muro (simbolizando Israel) que foi construído no prumo.

Ele segura um fio de prumo (talvez simbolizando os padrões morais de


P rofetas M enores I 445 |

Deus), que revela que o muro agora está inclinado e prestes a cair (simbolizando

a incapacidade de Israel se colocar à altura do padrão de Deus). Ao

prender a atenção de Amós na razão do juízo, e não em seus efeitos, Deus

convence Amós da necessidade do juízo.

Entretanto, muitos acadêmicos modernos rejeitam essa interpretação. O

significado da palavra traduzida como “prumo” ou “fio de prumo” não é

exato. Tradicionalmente, pensava-se que queria dizer chumbo, sugerindo

que se falava de um fio de prumo, ao qual se prende um peso de chumbo.

Mas pesquisas recentes parecem indicar que a palavra se refere a “estanho”,

e não a chumbo.151 Nesse caso, o texto seria assim: “Isso é o que me mostrou:

(7 ) “O S e n h o r estava sobre [ou ao lado de] um muro de estanho, com

estanho nas mãos. (8) O Senhor me disse: ‘o que vês, Amós?’ Respondi:

‘Estanho’. Então o Senhor disse: ‘Veja, vou colocar estanho no meio de

meu povo, Israel. Não o pouparei de novo”’.

Mas qual o valor simbólico do estanho na visão? Infelizmente, os acadêmicos

não foram capazes de oferecer uma explicação convincente, embora

tenham tentado várias propostas. Uma vez que muros de metal (feitos de

ferro ou bronze) às vezes simbolizam força na literatura antiga do Oriente

Próximo e na Bíblia hebraica (veja Jr 1.18; Ez 4.3), um muro de estanho

podia simbolizar fraqueza e vulnerabilidade ao ataque.152 No entanto, qual

seria o significado do estanho na mão do Senhor e qual a implicação de

colocar estanho no meio do povo? Alguns sugerem que o estanho, utilizado

para formar o bronze, simbolize armas, mas certamente o Senhor poderia

ter descrito armas de bronze de uma maneira mais direta. Outra possibilidade

é que estejamos diante de um jogo de palavras, como na quarta visão

(veja 8.1-3 adiante). No hebraico pós-bíblico existe um homônimo que

significa pesar. Talvez o versículo 8 utilize esse homônimo. Nesse caso, o

muro de estanho (a palavra em hebraico é pronunciada 5anak) e o estanho

(1anak) na mão do Senhor prenunciavam, de forma agourenta, o dia em que

o Senhor traria “pesar” (também pronunciado 5anak) no meio do povo.153

Apesar das incertezas em torno do simbolismo da visão, é evidente

que seus detalhes apontam para um juízo iminente. O Senhor destruiria os

centros religiosos corruptos do país e lançaria um ataque direto contra a

dinastia (ou casa) do rei Jeroboão. A profecia foi cumprida em 752 a.C.,

quando, logo depois da morte de Jeroboão, seu filho Zacarias foi assassinado

(2Rs 15.8-12).

151 O termo em questão, que só ocorre aqui na Bíblia hebraica, normalmente é compreendido como

uma palavra emprestada ao acádio, annaku, “estanho”.

152 Veja Paul, Amos, 235.

133 Veja Andersen e Freedman, Amos, 759. Eles veem, de fato, três homônimos nos versículos 7-8.

Apelando para outra raiz pós-bíblica, eles entendem o muro como sendo um muro “rebocado”.


1446 I Introdução aos profetas

Embora Amós fosse solidário com Israel e inicialmente se opusesse ao

plano de Deus de entrar em juízo com a nação, ele finalmente chegou ao

ponto de concordar com a decisão de Deus. Talvez sua experiência pessoal

tenha ajudado a convencê-lo de que o juízo era inevitável. O relato biográfico

que segue a terceira visão conta como Amós ficou cara a cara com a

estrutura de poder real do reino do norte (v. 10-17). Em seu encontro com

Amazias, sacerdote do santuário real em Betei, Amós viu em primeira mão

quanto a liderança de Israel tinha se corrompido.154

Obviamente aborrecido com a mensagem de Amós, Amazias enviou

uma carta a Jeroboão acusando Amós de agitar o povo para se revoltar

contra o rei (v. 10). Ele fez um relatório resumido da mensagem de Amós,

alegando que Amós tinha profetizado que Jeroboão morreria pela espada e

que Israel seria levado para o exílio (v. 11). A segunda parte da acusação é,

certamente, precisa (5.5,27; 6.7), mas a primeira parte da declaração representa

erradamente a mensagem do profeta. De acordo com 7.9, o próprio

Senhor atacaria a dinastia de Jeroboão, mas Amazias omitiu qualquer referência

à autoridade divina de Amós e alegou que Amós disse que o próprio

rei morreria pela espada. Ao modificar a mensagem de Amós dessa maneira

súbita, Amazias fez com parecesse que Amós era opositor do rei.

Amazias, então, voltou sua atenção para Amós e exigiu que ele retornasse

a Judá e morasse lá (v. 12), insinuando que os motivos de Amós eram

primariamente mercenários. Ele lembrou a Amós que Betei era santuário

real (v. 13), o que significava que Amós tinha de respeitar a autoridade do

rei e reconhecer a religião oficial do Estado como legítima. A resposta de

Amós foi rápida e certeira. Ele destacou que não era profeta de nascimento

ou de formação, mas, sim, um pastor de ovelhas e agricultor (v. 14).155 Ele

deixou seu trabalho como pastor quando Deus o chamou para desempenhar

uma missão profética em Israel (v. 15).

Em resposta à exigência de Amazias de que parasse de profetizar contra

Israel, Amós proclamou uma profecia contra Amazias (v. 16-17). Ele usou

a versão de Amazias de sua mensagem (v. 11b), deixando a segunda metade

da mensagem intacta (compare o v. 17b com 11b), mas retirando a primeira

metade relativa a Jeroboão e substituindo-a por um anúncio de juízo contra

Amazias. O juízo de Deus atingiria Amazias e sua família mais próxima.

154 Uma vez que se fala de Amós na terceira pessoa nos versículos 10-17 (em contraste com 5.1; 7.1-

8; 8.1-3; 9.1), é possível que o editor final do livro, talvez um dos discípulos do profeta, tenha inserido

esse relato biográfico.

155 A afirmação de Amós no versículo 14 pode ser traduzida assim: “Eu não era profeta, nem filho

de profetas”, em cujo caso ele enfatizou que não era profeta de nascença ou por educação, mas que se

tornara profeta por meio de um chamado especial. Outra opção, no entanto, é traduzir empregando o

presente do indicativo: “Eu não sou profeta, nem filho de profetas”. Nesse caso, ele nega ser um profeta

no sentido profissional, embora estivesse desempenhando uma missão profética por ordem divina.


P rofetas M enores | 447 I

Ao final do juízo mais abrangente sobre Israel, a esposa de Amazias viraria

prostituta apenas para se manter viva. Seus filhos e filhas, como a dinastia

de Jeroboão (v. 9), morreriam pela espada, levando ao fim a dinastia do próprio

sacerdote. Amazias perderia sua riqueza e morreria no exílio, em uma

terra “pagã” (literalmente, impura). O castigo é especialmente irônico, uma

vez que eram os sacerdotes que deviam distinguir o que era puro do que era

impuro e evitar serem profanados para o ritual (Lv 10.10).

Leitores modernos podem se perguntar por que a família de Amazias

teria de sofrer por seus pecados, mas o princípio de solidariedade corporativa

fazia parte do pensamento israelita. Embora os ocidentais modernos

tendam a enfatizar o individualismo, os israelitas antigos tinham plena

consciência de que as ações dos indivíduos afetavam outros profundamente

em seu contexto social e que o contexto social impacta o indivíduo positiva

ou negativamente.156

O relato biográfico fornece evidência tangível da necessidade de juízo.

Ele explica por que Deus não podia mais abrandar o juízo (a questão nas

três primeiras visões) e estabelece bases sólidas para a quarta visão da série.

Como na terceira visão (7.7-9), o Senhor mostrou a Amós uma natureza

morta (8.1). Mais uma vez, Deus iniciou o diálogo, explicou o simbolismo

da visão e deixou claro que não podia mais conter o juízo (v. 2). Dessa

vez, Amós viu uma cesta de frutos de verão. Essas frutas (incluindo figos e

romãs) eram colhidas no final da estação agrícola, durante agosto e setembro.157

O termo traduzido como “frutos de verão” (em hebraico, qayits),

por soar como a palavra hebraica qets, “fim”, pode ser utilizado, aqui,

para prenunciar o destino de Israel. Quando Amós, em resposta à pergunta

do Senhor, disse que viu uma cesta de frutos de verão (qayits), o Senhor

respondeu: “Chegou o fim [em hebraico, qets] para o meu povo de Israel”

(v. 2). Como na terceira visão, o Senhor anunciou que não podia mais poupar

Israel. Ele, então, descreveu a conclusão do juízo, quando os cantores

do templo chorariam os muitos cadáveres espalhados pelo chão (v. 3).

O silêncio de Deus (8.4-14)

O profeta, em seguida, dirige-se aos opressores do povo (v. 4). Ele os

mostra como mercadores gananciosos que esperavam impacientemente

que os dias sagrados terminassem para que pudessem retomar suas práticas

156 O princípio é ilustrado de forma razoável em Josué 7, em que Deus acusa Israel de ter pecado

(v. 11), embora um indivíduo (Acã) fosse o verdadeiro culpado. Os animais e os filhos de Acã foram

executados juntamente com ele. Para uma discussão do princípio teológico da responsabilidade

corporativa, veja Kaminsky, Corporate Responsibüity in the Hebrew Bible.

157 Veja Borowski, Agriculture in Iron Age Israel, 31, 38, 115. O mês da colheita do fruto no verão

está relacionado por último no calendário Gezer. Veja Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, 320.


448 | Introdução aos profetas

comerciais desonestas (v. 5-6). Dois de seus truques favoritos eram “diminuir

o peso” e “aumentar o preço” (literalmente, diminuir o efa e aumentar

o siclo). Ao pesar grãos, eles usavam um peso menor do que o efa (unidade

de peso padrão) para que o consumidor recebesse menos do que pensava

estar comprando. Ao mesmo tempo, usavam um siclo mais pesado do que o

padrão para medir o preço da compra, de forma que o consumidor pagasse

mais do que devia. Para coroar, esses mercadores utilizavam balanças adulteradas

e misturavam palha com o grão vendido. Sua consciência era tão

insensível que eles chegavam a vender pessoas.

O Senhor não pretendia deixar esse comportamento passar sem conferência

(v. 7). Ele jurou solenemente que não deixaria passar seus feitos

opressivos e desonestos. Fez o juramento pela “glória de Jacó”. Embora

alguns entendam essa expressão como um título divino, é mais provável

que o Senhor se refira à atitude arrogante de Israel, expressa pelo desafio

à sua própria lei. Em Amós 6.8, a expressão “soberba de Jacó” se refere à

autoconfiança de Israel, enquanto em Oseias 5.5 e 7.10 temos a denúncia

da “soberba de Israel”. Uma vez que, normalmente, jura-se por alguém ou

alguma coisa que não muda e é constante, essa declaração expressa sarcasticamente

a avaliação do Senhor do caráter moral de Israel. No que lhe toca,

sua soberba era praticamente inata.

O Senhor enviaria o juízo sobre o país. A terra tremeria diante da aproximação

do juiz divino (v. 8; veja 1.1) e o céu escureceria, sinalizando pavorosamente

a morte e destruição que viriam (v. 9). As celebrações religiosas seriam

substituídas por lamentações amargas, como quando se perde um filho único

(v. 10). Para piorar as coisas, a palavra profética do Senhor, que Israel tinha

rejeitado (veja 2.12; 7.10-17), cessaria (v. 11-14). Comparando o silêncio de

Deus à fome, o profeta retrata o povo idólatra em busca desesperada por uma

palavra de Deus, como se buscasse comida ou água. Mas sua busca seria em

vão, e mesmo os mais fortes da nação cairiam mortos de fome e sede.158

O juízo inescapável (9.1-10)

Mais uma vez, Amós teve uma visão do Senhor (v. 1; veja 7.7). Dessa

vez, ele estava de pé ao lado do “altar”, provavelmente uma referência a

Betei (7.13), que resumia o ritualismo vazio de Israel (3.14). O Senhor

deu uma ordem para que todo o santuário fosse demolido, matando os que

lá estivessem adorando. Se alguém tentasse escapar, o Senhor os cortaria

com sua espada. O povo de Deus em pecado não seria capaz de escapar do

juízo iminente, pois o domínio de Deus é global (v. 2-3). Se eles fossem se

158 Embora se faça alusão à idolatria de Israel no versículo 14, a identidade exata dos deuses envolvidos

não é certa. Veja Barstad, Religious Polemics, 143-201.


P rofetas M enores I 449 (

enterrar nas profundezas de Seol, a terra subterrânea dos mortos no pensamento

israelita antigo, a mão de Deus os encontraria. Se subissem ao céu ou

se se escondessem no alto das montanhas, Deus ainda os acharia. Mesmo

se nadassem até o fundo do mar, Deus ordenaria que uma serpente marinha

venenosa os mordesse com suas presas mortais.159 Israel iria para o exílio,

mas mesmo lá continuaria a experimentar o castigo divino (v. 4).

Neste ponto, Amós, usando um estilo descritivo hínico, retratou o juiz

com quem Israel deve se acertar (v. 5-6; veja4.13; 5.8-9). O profeta utilizou

o título “ S e n h o r Todo-Poderoso” (literalmente, “ S e n h o r dos Exércitos”),

que mostra Deus como um rei guerreiro poderoso. Quando entra em juízo,

o Senhor é capaz de provocar perturbações cósmicas que abalam a própria

superfície da terra (v. 5; veja 8.8). Seu palácio real engloba a terra e ele

controla os ciclos da natureza (v. 6).

Falando diretamente para Israel, o Senhor afirma mais uma vez sua

intenção de entrar em juízo com seu povo (v. 7-10). Por causa da posição

privilegiada de Israel diante de Deus (3.2), Israel pensava ser imune ao

juízo e destinado à glória (v. 10b; veja 5.18). O Senhor desmancha essa

arrogância com uma simples pergunta retórica surpreendente, que insinua

que os israelitas, a seus olhos, não eram diferentes dos cuxitas da África (v.

7a). O Senhor controla a história de todas as nações, inclusive de Israel (v.

7b). Ele fez de Israel o seu povo da aliança, mas seu status privilegiado era

o resultado de sua escolha soberana, não de uma imaginária superioridade

inerente. Na verdade, suas vantagens especiais o faziam mais responsável

aos olhos de Deus. Por essa razão, ele castigaria a nação por seus pecados

(v. 8-10). Ainda assim, o juízo do Senhor é sempre discriminatório. Por um

lado, os pecadores seriam destruídos; por outro, o Senhor preservaria um

remanescente. O juízo discriminatório de Deus é comparado a uma peneira

utilizada para separar o grão da palha e de pedras.160

Dias melhores à frente (9.11-15)

A mensagem de Amós termina com uma nota positiva, quando o profeta

mostra uma era gloriosa além do juízo iminente. Como se afasta tão radicalmente

do tom consistentemente negativo da profecia até esse ponto, muitos

acadêmicos rejeitam a originalidade desses versículos e os atribuem a um

editor posterior que quis dar ao livro um final feliz. No entanto, se um editor

159 Uma vez que essa criatura é chamada de “a serpente”, há quem a identifique com leviatã, um

monstro marinho em forma de serpente que simboliza o caos na mitologia ugarítica e na poesia bíblica

(veja Jó 26.13; Is 27.1). No entanto, o artigo hebraico pode ser empregado para indicar uma serpente

genérica (veja 5.19 e observe a tradução da NIV aqui, “uma serpente”).

160 Sobre o tipo de peneira empregada aqui, veja Borowski, Agriculture in Iron Age Israel, 66-67, e

Paul, Amos, 286.


I 450 I Introdução aos profetas

posterior pudesse considerar esse tipo de adição apropriada, porque uma

mensagem de salvação seria tão contrária ao pensamento de Amós? Afinal,

Moisés antecipou o retomo de Israel do exílio (Dt 30.1-10), e as promessas

de Deus a Davi e a Abraão (mencionadas nos v. 11 e 15) exigiam a restauração

de Israel.161Outros profetas do século 8a a.C. (Isaías, Oseias, Miqueias)

combinavam mensagens de juízo com visões de um futuro glorioso para

Israel. Então, por que Amós não?162

Esta visão de uma era de ouro por vir tem duas cenas. Os versículos

11-12 mostram uma época em que Israel, exilado, seria restaurado à sua

terra e desfrutaria de prosperidade e segurança.

No tempo de Amós, a dinastia davídica, aqui comparada a um abrigo

dilapidado, tinha caído em tempos difíceis e não desfrutava mais da glória e

do respeito da era davídico-salomônica. Aproximadamente 170 anos antes,

as tribos do norte tinham se separado da casa de Davi. Desde esse tempo,

tanto o reino do norte (Israel) quanto o do sul (Judá) tinham lutado para

manter sua independência contra povos vizinhos e potências mais distantes.

Quisessem ou não admitir, uma nação unificada seria mais poderosa e

segura em um mundo hostil. Tais unidade e segurança chegariam quando o

Senhor revivesse a dinastia davídica, o que incluía a reunificação da nação

(veja Is 9.1-7; 11.10-14; Os 1.11; 3.5). O Senhor tinha tomado Edom e

outras nações sujeitas ao mando de Davi (2Sm 8.1-14; 10.1-19; lRs 11.15),

mas, quando o reino se dividiu, elas acabaram reconquistando sua independência

(veja, por exemplo, 2Rs 8.20-22). No entanto, a casa de Davi conquistaria

todas essas nações e restabeleceria o império davídico.163 Como

em Isaías 11.12-14, que também mostra um império davídico revivido conquistando

seus inimigos tradicionais, devemos esperar um cumprimento

essencial dessa profecia, não exato.164

161 É claro que os críticos normalmente negam a autoria mosaica de Deuteronômio e consideram

Deuteronômio 30 como posterior à época de Amós.

162 Para uma defesa da autenticidade de Amós 9.11-15, veja Paul, Amos, 288-90; Hayes, John H.,

Amos (Nashville: Abingdon, 1988), 223-28; e Hasel, Gerhard F., Understanding the Book o f Amos

(Grand Rapids: Baker, 1991), 116-20.

1 a Em Atos 15.16-17, Tiago emprega uma forma alternativa deste texto para sustentar seu argumento

de que Deus sempre quis salvar os gentios. O texto hebraico de Amós 9.12a diz: “Para que conquistem

o remanescente de Edom e todas as nações que levam meu nome”. A antiga tradução grega da passagem

interpreta equivocadamente “possuir” (em hebraico y a ra sh) como “buscar” (em hebraico, darash),

confunde “Edom” com “humanidade” (em hebraico, 'adam ) e faz de “remanescente de Edom e todas

as nações que levam meu nome” o sujeito do verbo, não seu objeto. O resultado é que “para que os

remanescentes dos homens e de todas as nações, que levam meu nome, possam buscar” precisa de um

objeto. Testemunhos gregos mais modernos apresentaram um objeto (ou “a mim” ou “ao Senhor”). A

citação de Tiago segue a última das leituras secundárias e transforma uma passagem militarista em uma

profecia sobre os gentios buscarem a Deus. Em seu contexto original, a passagem antecipa uma nova era

de imperialismo davídico. E claro que, de uma perspectiva israelita, as nações devem ter visto a sujeição

ao rei davídico de forma positiva (veja o SI 2).

164 Veja meus comentários anteriores sobre Isaías 11.12-14.


Profetas M enores 14511

A segunda cena na visão final do profeta mostra Israel desfrutando das

bênçãos do Senhor. Depois de retomar e reconstruir suas cidades devastadas,

o povo plantaria novamente e desfrutaria de colheita abundante. Com

uma explosão de hipérboles, o Senhor mostra um tempo em que a safra seria

tão abundante que os ceifadores (que normalmente trabalhavam em abril e

maio) ainda estariam colhendo quando começasse o novo plantio (outubro-

-novembro). As vinhas seriam tão abundantes que transbordariam os tonéis

e desceriam pelos montes. Em um jogo de imagens de plantio nesses versículos,

o Senhor coroa a cena declarando que também plantaria seu povo em

sua terra, para nunca mais ser arrancado de lá de novo (veja Os 2.23).

A vingança é minha (Obadias)

Introdução

O cabeçalho do livro identifica seu autor sem dar qualquer informação

sobre sua ambientação histórica. Por causa de sua colocação depois de

Amós (que profetizou no século 8fl a.C. e antes de Jonas, que viveu durante

o mesmo período), alguns datam a profecia no período pré-exílico, sugerindo

que sua origem pode ter ocorrido ao final da rebelião edomita contra

Judá, no século 9° a.C., durante o reinado de Jorão (2Rs 8.20-22; 2Cr 21.8-

10). No entanto, os eventos desse período não comportam a imagem da

derrocada de Judá descrita em Obadias 1-14. Embora os filisteus e as tribos

árabes tenham invadido Judá e saqueado o palácio real durante o reinado

de Jorão, o relato em 2Crônicas 21.16-17 não faz menção ao envolvimento

edomita, nem dá nenhuma indicação de que Judá tenha sido devastada no

grau descrito em Obadias.

E bem mais provável que Obadias tenha profetizado ao final da destruição

de Jerusalém pelos babilônios, em 586 a.C., que culminou com o exílio

de grande parte da população. Como Obadias, outros textos dessa mesma

época denunciam o envolvimento de Edom na derrocada de Judá (veja o

SI 137.7; Lm 4.21-22; Ez 25.12-14; 35.1-15). Na verdade, Obadias pode

ter tomado emprestado algo do profeta Jeremias, que também profetizou a

queda de Edom (cf. Ob 1-4 com Jr 49.14-16; Ob 5-6 com Jr 49.9-10; Ob 8

com Jr 49.7; e Ob 16 com Jr 49.12).165

Essa pequena profecia é uma diatribe contra a arrogância de Edom e os

maus-tratos a Judá. Nos versículos 1-9, o Senhor denuncia a arrogância de

Edom e anuncia o juízo iminente sobre essa nação. Nos versículos 10-14,

165 Os que propõem a prioridade de Obadias alegam que Jeremias tomou emprestado de Obadias, não

o contrário. Para uma discussão útil sobre as semelhanças e diferenças entre Obadias e Jeremias 49, veja

Stuart, Hosea-Jonah, 414-16.


1452 1 Introdução aos profetas

ele apresenta acusações formais contra Edom. No dia da angústia de Judá,

os edomitas se aliaram aos inimigos de Judá e exploraram sua fraqueza para

seu próprio benefício. Nos versículos 15-21, o Senhor estabelece o juízo

sobre Edom contra o pano de fundo do “dia do Se n h o r ” . A o final do juízo

de Deus sobre as nações, Jerusalém seria rejuvenescida, enquanto a terra de

Edom seria devastada. O povo de Deus reocuparia sua terra e tomaria posse

também do território edomita.

O orgulho precede a queda (1-14)

Depois do cabeçalho, que sugere que a profecia veio a Obadias por meio

de uma visão, a fórmula introdutória deixa claro que Deus tem algo a dizer

a Edom (v. 1 a). Essa palavra divina começa no versículo 2, em que o Senhor

se dirige diretamente a Edom. No entanto, antes disso, um grupo não identificado

(provavelmente o profeta e os exilados que ele representa) declara

que também recebeu uma “mensagem” do Senhor (v. lb). Em seguida a

essa declaração, há um relato sobre o envio de um mensageiro às nações

para convocá-las para a guerra contra Edom. A “mensagem” ouvida pelo

grupo pode ter sido a que foi entregue pelo mensageiro enviado às nações,

em cujo caso o versículo lb é parentético. Outra opção é que a “mensagem”

ouvida pelo grupo é a mesma que começa no versículo 2. Nesse caso, pode-

-se traduzir o versículo lb assim: “Ouvimos uma mensagem do S e n h o r ,

enquanto um mensageiro foi enviado às nações para dizer: ‘Levantai-vos, e

levantemo-nos contra Edom, para a guerra”’. Em qualquer caso, a entrega

da mensagem a Edom é simultânea à missão do enviado. Quando o Senhor

anuncia a condenação iminente, ele já tinha convocado seus instrumentos

de juízo para desempenharem a tarefa que lhes foi atribuída.

Edom sentia-se seguro e invulnerável em suas montanhas rochosas

inexpugnáveis, que o profeta comparou a um ninho de águia inacessível,

localizado em um penhasco bem alto.166 Mas a confiança de Edom provaria

ser uma ilusão, pois o Senhor iria derrubar os edomitas de seu “ninho”

e humilhá-los entre as nações (v. 2-4). Os invasores saqueariam Edom e

roubariam toda sua riqueza, inclusive seus tesouros escondidos (v. 5-6).

Normalmente, ladrões fazem o que querem, deixando para trás itens que

desprezam. Até os que colhem uvas normalmente deixam passar ou cair

algumas uvas. Mas os invasores de Edom não abririam mão de nada e não

deixariam nada para trás. Edom seria saqueada rigorosamente. Para piorar

as coisas, os próprios aliados trairiam Edom, mas seus sábios não perceberiam

a traição até ser tarde demais (v. 7-8). Aí, seus guerreiros seriam

tomados de terror e cairiam diante do juízo do Senhor (v. 9).

166 Para uma descrição da topografia de Edom, veja Aharoni, Land o f the Bible, 40.


P rofetas M enores | 453 |

O juízo recairia sobre Edom por causa da forma como tinha tratado o

povo de Judá (v. 10-14). Quando os babilônios invadiram e saquearam Jerusalém,

os edomitas cantaram a derrota de Judá e participaram da pilhagem.

Para piorar as coisas, eles caçaram os refugiados de Judá e os entregaram

aos babilônios. Para obter efeito dramático, o profeta utiliza uma série de

ordens negativas nos versículos 12-14, como se estivesse realmente vendo

a queda de Jerusalém em primeira mão e seu encerramento. Enquanto testemunha

as ações de Edom, ele grita em protesto, conclamando-os a se

absterem desse tipo de hostilidade. Os atos de Edom eram especialmente

desprezíveis porque os edomitas eram descendentes do irmão de Jacó, Esaú,

e, portanto, primos distantes de Judá. Mas o juízo de Deus seria adequado.

Edom receberia o que merecia (v. 15b). Assim como os edomitas tinham

“exterminado” os fugitivos de Judá (v. 14), também seriam “exterminados”

(v. 9) e “destruídos” (v. 10).167

Vingança e retorno (15-21)

O juízo de Deus não ficaria restrito a Edom. Edom certamente seria castigado

na medida justa por seus malfeitos, mas o “dia” do juízo do Senhor

também englobaria as nações (v. 15). Esse juízo é comparado a um vinho

intoxicante, que as nações são obrigadas a continuar bebendo (v. 16). Assim

como uma bebida intoxicante acaba fazendo com que aquele que a bebe

fique desorientado e cambaleie, assim também o juízo de Deus faria com

que as nações, tomadas de pânico, tropeçassem, confusas.

A identificação do público-alvo do versículo 16a é incerta. À primeira

vista, parece ser Edom, a quem se dirige o versículo 15b e toda a profecia.

No entanto, quando Edom é o público-alvo, o texto hebraico utiliza as

formas da segunda pessoa do singular. No versículo 16a, o verbo “beber”

aparece em uma forma plural em hebraico, sugerindo que Edom não é

mais o público-alvo, ou, pelo menos, não exclusivamente. Talvez Edom e

as nações, mencionadas no versículo 15a, sejam o público-alvo no versículo

16a. Contudo, uma vez que as nações são tratadas na terceira pessoa

no versículo 16b, parece improvável que elas sejam o público-alvo. Outra

opção é considerar o m em final na forma verbal em hebraico (shetitem )

como uma partícula enclítica e revocalizar a forma como verbo no singular

(sh a tita) dirigido a Edom. Nesse caso, o versículo 16a faria alusão

ao tempo em que Edom celebrou a derrota de Jerusalém no monte Sião, o

“monte sagrado” de Deus. O versículo 16b teria a ironia de que, da mesma

forma que Edom bebeu na vitória, as nações (e Edom também) beberiam

da taça do juízo. No entanto, essa interpretação é problemática porque

167 Na NIV, “destruídos” no v. 10 traduz a mesma palavra traduzida por “derrubados” nos v. 9 e 14.


1454 1 Introdução aos profetas

precisa considerar a metáfora da bebida de maneiras diferentes (como

celebração e, depois, de juízo) dentro do mesmo versículo. Outra opção é

que o povo exilado de Judá é o público-alvo. Assim como o povo de Deus

foi obrigado a beber o vinho intoxicante do juízo divino, assim também

as nações, incluindo aquelas que humilharam Judá, seriam obrigadas a

beber o mesmo vinho. Tudo que vai volta. No entanto, o povo de Deus

não é o público-alvo em nenhum outro ponto da profecia, o que torna essa

proposta problemática.168

Enquanto as nações entrariam em juízo, o povo de Deus seria rejuvenescido.

O Senhor iria restaurar o monte Sião como seu monte sagrado, e o

Israel reunificado (aqui chamado de “casa de Jacó”) teria posse novamente

de sua terra (v. 17). Os israelitas (inclusive os do norte, como a expressão

“casa de José” indica) aniquilariam os edomitas, sem deixar sobreviventes

(v. 18). O juízo é apropriado, pois os edomitas tinham maltratado os sobreviventes

de Judá após a queda de Jerusalém (v. 14). Os exilados, em seu

retomo, repovoariam Israel e Judá e também as regiões vizinhas, incluindo

os territórios edomita e filisteu (v. 19-20).169 Os governantes de Judá, aqui

chamados de “salvadores”, teriam domínio sobre esse reino a partir do

monte Sião (v. 21).

A profecia de Obadias foi realizada? No tempo de Malaquias (aproximadamente

450 a.C.), Edom tinha sofrido uma derrota devastadora (Ml

1.1-4), embora não na magnitude prenunciada por Obadias.170 A descrição

que Obadias faz do juízo sobre Edom é, provavelmente, estilizada e exagerada

em certo grau. Entretanto, a dimensão cósmica da profecia transcende

desenvolvimentos históricos e aponta para um juízo no fim dos tempos de

proporções mundiais. Visto nesse contexto escatológico maior, Edom serve

como arquétipo de todos os inimigos de Deus, que serão esmagados pela ira

de seu juízo (veja também Is 34 e 63.1-6).

Um profeta desobediente aprende uma lição (Jonas)

Introdução

Diferentemente dos outros livros proféticos, o livro de Jonas é uma

biografia profética. Fala da história de Jonas, um profeta israelita de Gate

168 A única forma masculina plural na segunda pessoa ocorre no v. 1, em que se ordena às nações

que “levantem” e preparem-se para atacar Edom. Como observamos, uma chamada às nações no v. 16

é problemática.

169 Alguns dos outros nomes de lugares nos versículos 19-20 pedem um comentário. Gileade ficava a

leste do rio Jordão, enquanto Zarefate ficava na costa mediterrânea, ao sul de Sidom. A identificação de

Sefarade é incerta. As opções incluem Espanha, Sardes (situada na Ásia Menor) e Saparda, uma região

da Média para onde podem ter sido levados os exilados israelitas (veja 2Rs 17.6).

170 Veja Hoglund, “Edomites”, em Peoples o f the Old Testament World, 342-43.


P rofetas M enores j 455 I

Hefer, situada no reino do norte, na fronteira com o território da tribo de

Zebulom (veja Js 19.13). Jonas é mencionado em outra passagem da Bíblia

hebraica. De acordo com 2Reis 14.25, ele profetizou os sucessos militares

do rei Jeroboão II, que governou de 793-753 a.C.

Tradicionalmente, o livro de Jonas vem sendo entendido como um relato

histórico de um episódio na vida do profeta. A maioria dos acadêmicos

modernos rejeita essa noção e considera o livro uma lenda, uma alegoria ou

uma parábola.

Eles argumentam que diversos elementos do livro são fantásticos demais

para ser algo além de ficção. Por exemplo, Jonas é mantido vivo dentro

de uma criatura marinha gigantesca por três dias e três noites e chega a

orar (em lindos versos poéticos hebraicos) de dentro das entranhas do peixe.171

Quando ele prega em Nínive, que parece ser retratada muito maior

do que realmente era (veja Jn 3.3), os ninivitas se arrependem em massa.

Além disso, a história secular não apresenta evidências desse reavivamento

espiritual entre os assírios. Em apenas algumas décadas, eles construiriam

novamente seu império com crueldade sem precedentes.172

Apesar do consenso entre os acadêmicos de que o livro é de ficção,

muitos evangélicos continuam a defender sua historicidade em bases filosóficas

ou em pressuposições, argumentando que um compromisso com a

historicidade, com a inspiração bíblica e com o suprarracional exige essa

visão.173 Defensores da historicidade do livro argumentam que seus elementos

de alegada fantasia podem ser atribuídos à intervenção divina. De fato,

algumas histórias sobre profetas (Moisés, Elias, Eliseu e Balaão) também

171 Alguns defensores da historicidade do livro tentaram encontrar outros casos em que homens

foram preservados após serem engolidos por animais marinhos, mas provou-se que pelo menos alguns

desses paralelos eram “histórias de pescador”. Veja Uriel Simon, Jonah. Schramm, L. J. (trad.), JPSBC

(Filadélfia: Jewish Publication Society, 1999), xvi, e Harrison, R. K., Introduction to the Old Testament

(Grand Rapids: Eerdmans, 1969), 907-8. Embora Harrison afirme que “nem todos esses devem ser

descartados como ridículos”, ele destaca que Jonas “estava plenamente consciente e coerente, tanto

emocional quanto mentalmente, e era capaz de compor um salmo de penitência e adorar ao seu Deus

antes de ser regurgitado pelo grande peixe”. Ele acrescenta: “Essa é uma experiência muito diferente da

de qualquer contraparte moderna de Jonas, e, por si só, levanta um obstáculo notável à aceitação de uma

interpretação literal da profecia” (908).

172 Para apresentações mais vigorosas do caso contra a historicidade do livro, veja Fretheim, Terence

E., The Message o f Jonah (Minneapolis: Augsburg, 1977), 61-72, e Allen, Joel, Obadiah, Jonah, and

Micah, 175-81.

173 Veja, entre outros, Stuart, Hosea-Jonah, 440-42; Chisholm, Interpreting the Minor Prophets, 119-

21; e Bullock, C. Hassell, An Introduction to the Old Testament Prophetic Books (Chicago: Moody,

1986), 44-48. Alexander T. D. (“Jonah and Genre”, TynB 36 [1985]:35-59) tenta demonstrar que o livro

se encaixa no padrão de narrativa histórica, embora reconheça que também exiba elementos didáticos

e literários óbvios. Veja Dillard, Raymond B. e Longman III, Tremper, An Introduction to the Old

Testament (Grand Rapids: Zondervan, 1994), 392-93.


I 456 1 Introdução aos profetas

registram alguns incidentes incomuns.174 Também apontam que Jesus assumiu

sua autenticidade quando falou da provação de Jonas na barriga do

peixe e contrastou os ninivitas arrependidos com a geração infiel de seu

próprio tempo (Mt 12.39-42; Lc 11.29-32).175

A discussão sobre a autenticidade do livro certamente vai continuar,

porque, para alguns, essa é uma prova de fogo para verificar se alguém

é comprometido ou não com o cristianismo histórico. É óbvio que essa

atitude faz uma “tempestade” filosófica de uma “gota d’água” literária.

Diferentemente do êxodo e da ressurreição de Jesus, a historicidade do

livro de Jonas não é basilar para a história redentora e para a fé bíblica.176

Infelizmente, o debate sobre a historicidade do livro tem distraído

os intérpretes de se concentrarem em sua mensagem teológica, que não

é afetada pela maneira como se entende o gênero literário do livro. Sem

importar se o livro é rotulado como narrativa histórica, lenda, parábola ou

algo parecido com um romance histórico, seus temas parecem evidentes.

Ele assume que o Deus de Israel é soberano sobre as nações. Também

afirma que ele é misericordioso e compassivo e não deseja que ninguém

pereça sem ter a oportunidade de se arrepender. Mais profundamente, o

livro deixa claro que ajustiça de Deus tem de ser temperada e equilibrada

por sua misericórdia para que o mundo de Deus continue a existir.177 Também

é possível que o livro seja uma polêmica contra o estado de pecado

de Israel, representado pelo profeta desobediente. Apesar de tudo que sabe

de Deus, Jonas, por causa de sua obsessão por justiça, não quer cumprir as

ordens de Deus e se alinhar com seu plano, em contraste com os pagãos,

que respondem imediatamente e de forma adequada à vontade revelada de

Deus e exibem temor genuíno diante dele.178

174 Em resposta a essa linha de argumentação, Fretheim afirma que há que se distinguir entre “o que

Deus podia ter feito” e “o que ele realmente fez”. Ele aponta que os elementos fantásticos do livro

(por exemplo, o arrependimento dos ninivitas) não são atribuídos de forma consistente à intervenção

divina (Fretheim, Jonah, 63). Allen observa que “os milagres não caem no padrão de referência em

que milagres bíblicos tendem a circundar pontos cruciais da história, o êxodo, o ministério de profetas

engajados na repulsa ao baalismo ou no envolvimento secular de políticas de poder e a inauguração do

cristianismo” (Joel, Obadiah, Jonah, and Micah, 176 n. 5).

175Em resposta, Allen afirma que o uso da história por Jesus pode refletir o “entendimento popular

judaico”. Ele compara a referência de Jesus a Jonas a um pregador moderno desafiando sua “congregação

com uma referência a Lady Macbeth ou Oliver Twist” (Joel, Obadiah, Jonah, and Micah, 180; veja

também Fretheim, Jonah, 62-63). Uma vez que Jonas realmente viveu, uma analogia mais adequada

podia ser um professor de escola empregar um incidente lendário da história de George Washington para

motivar seus alunos a seguirem o exemplo do respeitado fundador dos Estados Unidos.

176 Para um estudo útil da relação entre a historicidade bíblica e a fé, veja Long, V. Philips, The Art o f

Biblical History (Grand Rapids: Zondervan, 1994), especialmente 88-119.

177 Para uma discussão excelente desse tema, veja Simon, Jonah, xii—xiii.

178 Para um tipo semelhante de contraste com emprego de um estrangeiro, veja 2Reis 5, em que o

general estrangeiro Naamã responde com fé ao Deus de Israel, enquanto Geazi (simbolizando o Israel

pecador?) é castigado por sua desobediência. De forma semelhante, Rute, a moabita, se destaca como


P rofetas M enores ] 457 I

O livro exibe um desenho simétrico, em que os capítulos 1-2 se colocam

paralelos aos capítulos 3-4.179 Diversos elementos na primeira parte

têm elementos correspondentes na segunda parte, como indica o esboço da

estrutura da narrativa abaixo:

Primeira parte (capítulos 1-2)

A O Senhor comissiona Jonas (1.1-2)

B Jonas rejeita seu comissionamento (1.3)

C O Senhor soberano revela seu poder (1.4)

D Os marinheiros se submetem ao Senhor e revertem o desastre

(1.5-16)

E O Senhor utiliza um peixe para resgatar Jonas (1.17)

F Jonas ora, agradecendo ao Senhor por salvar sua vida

(2.1-9)

G O peixe vomita Jonas (2.10)

Segunda parte (capítulos 3-4)

A’ O Senhor comissiona Jonas (3.1-2)

B’ Jonas aceita sua comissão (3.3)

C’ O Senhor soberano revela seu plano (3.4)

D’ Os ninivitas se submetem ao Senhor e revertem o desastre

(3.5-10)

E’ Jonas ora, reclamando de o Senhor ter salvado Nínive

(4.1-3)

F’ O Senhor usa uma planta e um verme para dar uma lição

em Jonas (4.4-11)

A simetria entre os capítulos 1 e 3 é evidente de pronto. Os dois capítulos

começam com uma resposta de Jonas ao seu comissionamento e depois

concentram-se na reação de estrangeiros à revelação de Deus. Embora o

paralelismo estrutural entre os capítulos 2 e 4 não seja tão amarrado, os dois

capítulos contêm uma oração de Jonas e se concentram na reação do profeta

à intervenção do Senhor. Há um contraste nítido entre o capítulo 2, em que

Jonas agradece ao Senhor por tê-lo salvado, e o capítulo 4, em que ele se

opõe a Deus salvar os ninivitas pagãos. Por causa de seu estilo poético e da

aparente incongruência com a apresentação do autor do caráter de Jonas,

uma luz brilhante contra o pano de fundo moral negro do período dos juizes. Embora não tenha nascido

israelita, ela se torna, mais pelas ações do que pelas palavras, uma verdadeira seguidora do Deus de

Israel, em oposição ao povo de Israel, pagão e rebelde.

179 Veja Trible, Phyllis, Rhetorical Criticism: Context, Method, and the Book o f Jonah (Filadélfia:

Fortress, 1994), 109-17, e também Fretheim, Jonah, 55, e Simon, Jonah, xxiv-xxv.


458 [ Introdução aos profetas

muitos acadêmicos veem a canção de graças em 2.2-9 como uma adição

posterior ao livro. No entanto, como o esboço citado indica, é parte integral

da estrutura do livro e faz, por assim dizer, um contraste com a prece de

reclamação, em 4.2-3.180

Um profeta em fuga (1.1-16)

O Senhor comissionou Jonas para alertar Nínive que breve viria o juízo

por causa dos malfeitos da cidade (v. 2). Jonas se recusou a aceitar essa

incumbência e foi para direção oposta, embarcando em um navio que ia

para o distante porto de Társis (v. 3). Para destacar a audácia do desobediente

Jonas, o autor nos informa duas vezes que Jonas fugiu “da presença

do Senhor” e nos diz três vezes que estava indo “para Társis” (cf. o texto

hebraico). O autor não revela, nesse ponto, o motivo de Jonas fugir do

Senhor; ele guarda essa informação até mais tarde (veja 4.2), quando permite

ao próprio Jonas explicar seus motivos.

Embora a identidade precisa de Társis seja incerta, aparentemente ficava

em algum ponto da costa do mar Mediterrâneo. O nome Társis foi dado em

honra de um dos filhos de Javã, que eram ancestrais dos “povos marítimos”

mencionados em Gênesis 10.5. Era uma terra costeira distante (SI 72.10; Is

23.6,10; 66.19), conhecida por produzir e comercializar prata, ferro, estanho

e chumbo (Jr 10.9; Ez 27.12; 38.13). Os “navios de Társis” (Is 2.16;

23.1; Ez 27.25) eram grandes navios de comércio capazes de viajar para

portos por toda a região mediterrânea. Acadêmicos sugeriram Tarsus, na

Ásia Menor, como um local possível, mas é mais provável, com base em

uma inscrição assíria, que Társis seja uma e Tarsus, outra, e Társis fosse

situada em algum lugar a oeste de Chipre e das terras dos jônios. Talvez

deva ser identificada com uma colônia fenícia situada na antiga Tartesso, a

sudoeste da Espanha.181

O Senhor não deixaria Jonas se esquivar de seu dever tão facilmente.

Ele lançou um forte vento sobre o mar, provocando uma tempestade que

ameaçava partir o navio em pedaços (v. 4). Para enfatizar a gravidade da

tempestade, o autor usa o recurso da personificação e retrata o navio acreditando

realmente que seria destruído. A NIV traduz a última versão do

versículo 4 dizendo que “o navio ameaçou se partir”, mas o texto hebraico

diz, literalmente, “o navio pensou que [ele] ia se partir”. Os marinheiros,

tomados de pânico, começaram a invocar seus deuses e a jogar a

carga pela borda do navio (v. 5a). No entanto, enquanto os marinheiros

180 Para uma discussão mais completa sobre como a canção contribui para o desenvolvimento

temático do livro e para a caracterização de Jonas, veja o comentário a seguir.

181 Para uma discussão sobre a localização de Társis, incluindo uma análise da evidência assíria, veja

Wolff, Hans W., Obadiah and Jonah. M. Kohl (trad.) (Minneapolis: Augsburg, 1986), 100-101.


P rofetas M enores j 459

tentavam, freneticamente, salvar o navio e a si mesmos, Jonas estava no

porão do navio, dormindo (v. 5b).182 Assim como a viagem de Jonas para

Társis foi interrompida pela tempestade, assim também foi interrompido

seu sono pelo capitão (v. 6), que exigiu que ele levantasse e invocasse

(literalmente, “levanta e clama”) o seu Deus. As palavras do capitão

devem ter soado estranhamente familiares a Jonas, pois elas copiam o

comissionamento de Deus, que, literalmente, diz: “Levanta-te\ Vai a

Nínive... e clama...” (v. 2).

Os marinheiros decidiram lançar a sorte, de forma a isolar o indivíduo

que era responsável pela calamidade que tinha advindo sobre eles (v. 7).

Eles supunham, nesse caso acertadamente, que tempestade tão poderosa

era expressão da ira divina por um pecador. Mais uma vez, o texto esbanja

ironia. Jonas tinha sido mandado a Nínive para confrontar pagãos por sua

“malícia” (em hebraico, ra ah, utilizado aqui com sentido moral). Tendo

se esquivado de seu dever, ele trouxe a calamidade (em hebraico ra ah de

novo, utilizado em seu sentido não moral, de castigo resultante do pecado)

sobre si e sobre os marinheiros pagãos. Aquele escolhido para eliminar a

maldade humana do mundo pagão era, agora, o catalisador de um derramamento

de castigo divino sobre o mesmo mundo.

A forma precisa de lançar a sorte não está clara aqui. Talvez os marinheiros

tenham feito algo parecido com jogar dados ou tirar no palitinho.

Essa prática pode parecer, para a mente moderna, uma maneira estranha e

imprecisa de determinar os fatos de um caso, mas, nessa cultura, era visto

como um meio pelo qual um deus poderia revelar informação vital (Pv

16.33; ISm 14.41-42).

Certo o bastante, a “sorte caiu sobre Jonas”, que, em resposta às perguntas

dos marinheiros com relação à sua identidade e ocupação, explicou

que estava fugindo do Senhor (v. 8-10). A ironia do relato não deve passar

em branco. Em uma confissão teológica de som maravilhoso, Jonas alega

que ele “teme” (a NIV traduz o termo hebraico por “adora”) “ao S e n h o r , o

Deus do céu, que fez o mar e a terra” (v. 9). Se é esse o caso, contudo, por

que ele tentaria fugir desse Deus? Afinal, se o Senhor vê tudo de seu ponto

de observação celestial e é soberano do mar que ele criou, como é que o

profeta podia pensar que conseguiria escapar? Seus atos fazem as palavras

soarem vazias.

182 O texto hebraico enfatiza o contraste entre os marinheiros frenéticos e Jonas, inativo, com o

emprego de uma oração disjuntiva em que o nome de Jonas aparece antes do verbo (veja a NIV, “mas

Jonas tinha descido”). O emprego da forma verbal perfeita deixa incerto se Jonas tinha descido antes

das ações dos marinheiros ou ao mesmo tempo em que a atividade deles começou. Para uma discussão

da questão, veja Simon, Jonah, 7.


1460 1 Introdução aos profetas

Sem saber o que fazer, os marinheiros pediram a Jonas que lhes desse

algum conselho (v. 11). Ele disse que o lançassem ao mar (v. 12). De início,

isso parecia uma resposta nobre, mas um exame mais cuidadoso revela o

contrário. A resposta adequada teria sido Jonas se arrepender e concordar

em ir para Nínive. Mas, apesar da exortação do capitão (v. 6), Jonas não ora

nessa cena, ao menos pelo que sabemos. Suas instruções para os marinheiros

revelam sua recusa obstinada em obedecer o Senhor.183

E como se Jonas estivesse dizendo: “Certo, se ele não me deixa ir a Társis,

então vou morrer no mar! Mas eu não vou para Nínive!”.184

Os marinheiros não estavam dispostos a recorrer a medida tão drástica.

Em vez disso, tentaram remar para a costa, mas a tempestade ficou ainda

mais severa (v. 13). Finalmente, desistiram e oraram para o Deus de Jonas,

reconhecendo seu poder soberano e pedindo-lhe que não os considerasse

responsáveis pelo que estavam prestes a fazer (v. 14). Quando Jonas caiu na

água, a tempestade parou (v. 15), e os marinheiros, dominados pelo temor,

ofereceram sacrifícios e fizeram promessas a Deus (v. 16).

Nesse episódio, os marinheiros representam um fracasso de Jonas. Diferentemente

de Jonas, que pregava, mas não orava, os marinheiros fazem

preces a Deus. Em oposição a Jonas, que diz que teme o Senhor, mas age de

uma forma que é inconsistente com sua alegação, os marinheiros, que mal

conheciam o Deus de Jonas, responderam a ele com temor genuíno.

Prece dentro do peixe (1.17—2.10)

Jonas pode ter pensado que conseguiria escapar de sua incumbência

com sua morte, mas, mais uma vez, o Senhor frustrou sua estratégia. Preparou

um grande peixe, que o engoliu e o carregou na barriga por três dias

e três noites (1.17), antes de vomitá-lo em terra seca (2.10). No antigo

Oriente Próximo, a viagem ao mundo subterrâneo dos mortos era vista

como uma jornada de três dias.185 E possível que o texto mostre o peixe

dando uma viagem de ida e volta do mundo subterrâneo, ao qual tinha

descido por sua própria admissão (2.2-6). Outra opção é que a referência

temporal indique simplesmente quanto tempo o navio tinha viajado mar

adentro; o peixe levou três dias e três noites para devolver Jonas ao seu

183 A esse respeito, veja os comentários inspirados de Trible, Rhetorical Criticism, 147, e também os

de Wolff, Obadiah and Jonah, 118.

184 Poderíamos perguntar por que Jonas simplesmente não se lançou ao mar por iniciativa própria.

Mas, como Simon (Jonah, 13) destaca, há outros exemplos de “suicídio passivo” na Bíblia hebraica

(veja Jz 9.54 e 1 Sm 31.4-5). As ações de Saul sugerem que pode ter sido considerado menos condenável

morrer por “suicídio assistido” do que pela própria mão.

185 Landes, George M., “The ‘Three Days and Three Nights’ M otif in Jonah 2:1”, JBL 86

(1967):246-50.


P rofetas M enores | 4 6 1 1

ponto de partida.186 É claro, é possível que o peixe tenha deixado Jonas

em um ponto na costa do Mediterrâneo ao norte de Canaã, de maneira a

facilitar sua viagem para Nínive. Nesse caso, a referência temporal indica

quanto tempo o peixe levou para viajar do ponto onde engoliu Jonas até

o local onde o vomitou.

De dentro da barriga do peixe, Jonas orou ao Senhor (2.1). A oração

toma a forma de ação de graças e utiliza jargão e gírias. Jonas lembrou

seu tempo de necessidade desesperada, sua prece de salvação, e a intervenção

salvadora do Senhor (v. 2-7). Diferenciando-se dos idólatras

pagãos (v. 8), ele prometeu agradecer ao Senhor publicamente e cumprir

as promessas que tinha feito quando buscou o auxílio do Senhor (v. 9).

Concluiu o cântico com a seguinte declaração: “Ao S e n h o r pertence

a salvação!” A oração de Jonas é surpreendente. Esperamos um salmo

de penitência em que o profeta confesse seus pecados, mas, muito para

nossa surpresa, ele não reconheceu sua desobediência. Simplesmente

celebrou sua salvação, em uma bravata sobre sua superioridade aos

pagãos, e fez promessas.

Como o salmo parece incongruente em seu contexto, muitos rejeitam

sua autenticidade. Entretanto, a prece, na verdade, contribui para a ironia

da história e para a caracterização do autor do livro. Podemos considerar a

experiência de ser engolido por um peixe como uma forma cruel de tortura

e como um prelúdio da morte. Mas Jonas presumiu, talvez por sua posição

privilegiada como profeta e como israelita, que tinha sido salvo. Mais do

que isso, apesar de sua decisão anterior de escolher o suicídio assistido,

em vez do arrependimento, ele estava bem feliz por estar vivo. Depois de

estar frente a frente com o horror da morte, ele apreciou imensamente a

salvação misericordiosa de Deus. Poderíamos esperar que sua luta com a

morte pudesse gerar alguma solidariedade pelos apuros dos ninivitas e uma

consideração maior pela tarefa que Deus lhe dera. Entretanto, o desdém que

ele mostrou pelos pagãos prenunciou a atitude que demonstraria na cena

final da história.

Os ninivitas se arrependem (3.1-10)

Por meio da provação de Jonas na barriga do peixe, o Senhor tinha conseguido

a atenção do profeta. Dessa vez, quando o Senhor ordenou que

Jonas fosse a Nínive, o profeta obedeceu (v. l-3a). Antes de nos contar o que

aconteceu ali, o autor para e nos lembra que “grande cidade” era Nínive. Ele

186 O versículo 13 parece militar contra essa opção, pois indica que os marinheiros pensaram ser

possível remar para terra, sugerindo que o navio estava perto da terra. No entanto, embora pudessem

estar perto de uma ilha ou da costa, não é necessário que seu ponto de partida tenha sido Canaã.


462] Introdução aos profetas

descreve literalmente “uma cidade muito grande; demorava-se três dias para

visitá-la”. O adjetivo “grande” se refere ao tamanho da cidade, enquanto a

expressão “diante de Deus” provavelmente quer dizer “mesmo nos padrões

de Deus”.187 A expressão “uma jornada de três dias” tem sido considerada

uma referência ao diâmetro da cidade, isto é, quanto tempo levaria para cruzar

a cidade. Isso significaria que o diâmetro da cidade era de cerca de 80

quilômetros.188 Embora Nínive fosse grande pelos padrões da Antiguidade,

nem chegava perto desse tamanho.189 Por esse motivo, alguns acadêmicos

apontam essa descrição exagerada do tamanho da cidade como evidência

do caráter ficcional do livro de Jonas. No entanto, outros propõem que as

dimensões não são propriamente da cidade, mas de todo o distrito administrativo

do qual Nínive fazia parte. Nesse caso, estamos falando de uma

Grande Nínive.190 Stuart traduz a expressão como “uma cidade de três dias

de visita”, considerando uma referência à importância da cidade como centro

administrativo ou uma alusão ao fato de que uma cidade grande como

Nínive demandaria três dias de pregação do profeta para assegurar que toda

a população ouvisse a mensagem.191 Marcus sugere que a expressão não se

refira ao tamanho de Nínive, mas à distância que Jonas tinha de viajar para

chegar lá. A distância não deve ser entendida literalmente, mas como uma

expressão idiomática para uma longa jornada, pois Jonas teria precisado de

mais de três dias para viajar da costa mediterrânea até Nínive.192

A mensagem de Jonas era simples - em 40 dias, Nínive seria destruída

pelo juízo divino (v. 4).193 A mensagem soa incondicional, mas a referência

a “quarenta dias” sugere que pode haver uma janela de oportunidade

187 Outras referências a uma “grande cidade” ou “grandes cidades” na Bíblia hebraica se relacionam

com o tamanho físico (Gn 10.12; Nm 13.28; Dt 1.28; 6.10; 9.1; Js 10.2; 14.12; lRs 4.13; Jr 22.8).

Sobre o significado da expressão “para Deus”, veja Allen, Joel, Obadiah, Jonah, and Micah, 221, e

Wolff, Obadiah and Jonah, 148. Alguns preferem ver a expressão “grande cidade para Deus” como uma

referência à importância da cidade aos olhos de Deus. Veja Stuart, Hosea-Jonah, 487, e Alexander, T.

Desmond, “Jonah”, em Obadiah, Jonah, Micah, por Baker, David W., T. Desmond Alexander, e Waltke,

Bruce K. (Downers Grove: InterVarsity, 1988), 119.

188Veja Allen, Joel, Obadiah, Jonah, and Micah, 221.

1S9 Ibid. Antes do reinado de Senaqueribe (705-681 a.C.), a circunferência da cidade era menor do que

cinco quilômetros, mas Senaqueribe expandiu a circunferência da cidade para 12 quilômetros.

190 Alexander, “Jonah”, 57-58.

1,1 Stuart, Hosea-Jonah, 487-88.

192 Marcus, David, “Nineveh’s ‘Three Days’ Walk’ (Jonah 3:3): Another Interpretation”, em On the

Way to Nineveh: Studies in Honor o f George M. Landes, Cook, S. L.; Winter, S. C. (orgs.) (Atlanta:

Scholars, 1999), 42-53. Nessa visão, o versículo 4 defende que Jonas chegou a Nínive depois de uma

jornada de apenas um dia, expressão idiomática para designar um breve espaço de tempo. De acordo

com Marcus, a questão é que ele chegou lá “num vapt-vupt” (47).

193 O versículo 4a afirma literalmente: “E Jonas começou a ir para a cidade uma jornada de um

dia”. Em se tratando do diâmetro da cidade/distrito, então o texto descreve Jonas percorrendo um

terço do caminho.


Profetas M enores 1 463 1

para Nínive se arrepender e ser poupada.194 Os ninivitas receberam o aviso

de coração e expressaram seu sofrimento vestindo luto e decretando um

jejum em toda a cidade (v. 5). Quando a notícia chegou ao rei, ele trocou

seus robes reais por panos de saco e emitiu uma proclamação de que todas

as pessoas e animais deveriam fazer jejum, vestir panos de saco, clamar a

Deus e, mais importante de tudo, abandonar seu comportamento perverso

(v. 6-8). Embora ele não tivesse certeza se o anúncio de juízo era incondicional

ou não, argumentou que Deus podia mostrar misericórdia pela

cidade e desistir de enviar o juízo (v. 9).195 Quando Deus viu a resposta

sincera de Nínive, de fato respondeu com compaixão e desistiu de enviar o

juízo anunciado (v. 10).

Um profeta teimoso (4.1-11)

A decisão de Deus de poupar Nínive irritou e desgostou Jonas (v. 1).

Aparentemente, ele detestava os ninivitas e acreditava que eles mereciam

a rápida justiça de Deus, não sua misericórdia. Jonas foi enviado em uma

missão para avisar aos ninivitas que Deus estava prestes a julgar seu mal

moral (em hebraico, ra a h ). Sua missão teve êxito: os ninivitas se arrependeram,

levando Deus a desistir de enviar a calamidade (em hebraico,

ra ah, de novo). Entretanto, em vez de celebrar a misericórdia de Deus (a

mesma misericórdia que ele tinha conhecido quando foi salvo da morte),

Jonas ficou aborrecido e dominado pela ira. A afirmação “desgostou-se

Jonas” diz, literalmente: “Jonas desgostou-se com grande desgosto”. Ironicamente,

o termo hebraico ra ah, traduzido aqui por “desgosto”, é utilizado

para descrever o estado emocional de Jonas. No começo da história, o

termo caracterizou os ninivitas como perversos; no final da história, aplica-

-se a Jonas - em mais de uma maneira, como veremos (veja o v. 6).

Neste ponto, descobrimos por que Jonas rejeitou o comissionamento no

início e fugiu para Társis (v. 2). Ele sabia que Deus, por causa de sua natureza

amorosa e compassiva, estenderia sua misericórdia aos ninivitas se

eles se arrependessem. Jonas não queria tomar parte na reclamação moral

de uma cidade tão pervertida, então, recusou-se a ir lá e pregar.

A caracterização que Jonas faz da compaixão de Deus não é exclusiva;

a mesma descrição ocorre em Joel 2.13 e tem raiz em Êxodo 34.6-7, em

que Deus é descrito de forma semelhante depois de desistir do juízo, após

1.4 Sobre a condicionalidade implícita de muitos anúncios de juízo, veja minhas observações sobre

Jeremias 26.18 e Miqueias 3.12, e também Chisholm, “Does God Change His Mind?” 389-91.

1.5 Observem que o rei pergunta retoricamente: “Quem sabe?” Para outros exemplos de alguém

respondendo dessa maneira a um anúncio de juízo, veja 2Samuel 12.22, em que o anúncio provou

ser um decreto alterável, e Joel 2.14, em que o anúncio provou ser condicionado e o juízo ameaçado

foi revertido.


(4641 Introdução aos profetas

o pecado de Israel com o bezerro de ouro (Êx 32.14). Alguns desconsideram

referências bíblicas a Deus “desistir” do juízo como sendo antropomórficas,

argumentando que o Deus imutável nunca mudaria de opinião,

uma vez que tivesse anunciado suas intenções. Mas tanto em Jonas 4.2

quanto em Joel 2.13 vemos a capacidade de Deus “mudar de opinião”

como um de seus atributos fundamentais, que deriva de sua compaixão e

demonstra seu amor.196

A dupla moral de Jonas é assustadora. Ele sabia que Deus era misericordioso

pois tinha estendido sua compaixão a Israel em pecado e ao próprio

profeta desobediente. Mas, no caso de Nínive, Jonas não queria deixar Deus

ser Deus. Ele sentia que os ninivitas não mereciam misericórdia, mesmo se

eles se arrependessem de seus pecados. É normal que Deus perdoe Israel

em pecado, mas não os pecadores pagãos.

Jonas decidiu que preferia morrer a viver com o conhecimento de que

Nínive tinha sido poupada, então pediu a Deus que tirasse sua vida (v. 3). O

Senhor respondeu com uma pergunta retórica, perguntando a Jonas se era

adequado ele estar tão irado (v. 4).197 Sem responder a pergunta do Senhor,

o profeta foi para um local a leste da cidade, fez um abrigo e esperou para

ver o que aconteceria (v. 5). Talvez ele desejasse que Deus decidisse entrar

em juízo contra Nínive, ou que os ninivitas voltassem a pecar, levando a

uma explosão da ira divina. Ou talvez Jonas pensasse que sua ira traria

Deus de volta aos sentidos e o levaria a fazer o que era justo.

Jonas nem percebeu que a agenda do Senhor tinha novo foco. Depois de

persuadir Nínive a se afastar de seus caminhos perversos, o Senhor agora

voltava sua atenção para o profeta teimoso, zangado, com o desejo de matar

em seus lábios. Ele decidiu realizar uma lição objeto para Jonas, de maneira

a libertar o profeta de sua maneira errada de pensar. O Senhor fez com que

uma planta crescesse sobre o abrigo de Jonas para que ele tivesse mais sombra,

“a fim de o livrar do seu desconforto” (v. 6, literalmente, “para livrá-lo

de seu desconforto”). Mas há mais aqui do que se pode ver. A palavra traduzida

por “desconforto” é o hebraico ra ah, o mesmo termo utilizado antes

para descrever a “malícia” dos ninivitas (1.2; 3.8) e também o desgosto de

Jonas com a decisão de Deus de poupar a cidade (4.1). Superficialmente,

o termo parece se referir, no versículo 6, ao “desconforto” físico de Jonas.

156 Para uma discussão detalhada, veja Joel 2.13 e também Chisholm, “Does God Change His Mind?”

387-99. Uma versão resumida desse artigo aparece em KindredSpirit 22 (verão 1998):4-5.

197 No texto hebraico, a pergunta do Senhor diz, literalmente: “Você faz bem em ter raiva?”

A expressão “fazer bem” normalmente é entendida no sentido de “é certo [você estar com raiva]?”

Nesse caso, o Senhor questiona a propriedade moral da raiva de Jonas. No entanto, é possível que a

expressão indique grau ou intensidade. Nesse caso, podemos traduzir assim: “Você está profundamente

irado?” Veja Simon, Jonah, 38. Nesse caso, a pergunta do Senhor parece expressar surpresa, ou, talvez,

indignação, pelo nível da ira de Jonas.


P rofetas M enores ] 465 1

Mas se Deus se preocupasse apenas com o conforto físico de Jonas não

teria destruído a planta tão rapidamente (v. 7). Deus deu e depois tirou a

planta por uma razão mais importante. Ele a utilizou como lição objeto

para livrar Jonas de algo mais importante do que o desconforto físico, a

saber, sua atitude moral. A palavra ra a h tem duplo sentido aqui. No nível

mais raso, refere-se ao desconforto físico de Jonas, mas, em um nível mais

profundo, refere-se ao seu modo “perverso” de pensar, expresso por seu

desgosto (4.1) com a misericórdia de Deus.

Estranhamente, Jonas, que pouco antes tinha pedido para morrer, estava

exultante com a sombra extra que a planta lhe dera (v. 6b). O calor intenso o

tinha levado, como sua experiência anterior no mar, perto da morte. Depois

de encarar a morte olho no olho, o profeta ficou feliz quando veio o alívio

da planta. Poderíamos esperar que isso lhe desse alguma pista de por que

Deus queria poupar os ninivitas.

Quando Deus fez com que um verme matasse a planta, deixando Jonas

sem abrigo extra dos elementos da natureza, o profeta mais uma vez pediu

para morrer (v. 8). Descobrimos, então, que foi sua raiva pela perda da

planta que o levou a esse ponto (v. 9). Deus lhe perguntou se era razoável

ficar tão irado por causa de uma planta. Jonas, dessa vez, respondeu a

pergunta de Deus; afirmou que tinha todo o direito de ficar irado - até ao

ponto de desejar que estivesse morto. A resposta de Jonas caiu direitinho

nas mãos de Deus. Usando um argumento de menor para maior, Deus

explicou que Jonas sentia tristeza pela perda de uma planta que ele não

produzira ou cultivara (v. 10). Se Jonas, agindo em benefício próprio,

pôde desenvolver essa ligação com uma simples planta, quanto mais Deus

deveria sentir tristeza pela possibilidade de perder uma grande cidade

cheia de gente e de animais (v. 11).

Ao elaborar esse argumento, Deus destaca que havia 120 mil pessoas em

Nínive que não sabem “discernir entre a mão esquerda e a direita”. Alguns

entendem que isso seja uma referência às crianças que ainda não tinham

atingido a idade do discernimento moral.198 No entanto, o termo hebraico

utilizado aqui ( 1adam ) se refere mais naturalmente a toda a população da

cidade, especialmente quando está coordenado com o termo “animais” (traduzido

por “gado” na versão NIV).199 Sua incapacidade de discernir “sua

mão esquerda da direita” deve se referir á sua ignorância moral. Embora

responsáveis por seus malfeitos e sujeitos ao juízo divino (1.2), os ninivitas

não tinham a vantagem de ter uma revelação divina especial relativa

158 Veja, por exemplo, ibid., 47.

m Veja Levítico 27.28; salmo 36.6; Jeremias 32.43; 36.29; Ezequiel 14.13,17,19; 25.13; 29.8; 36.11;

Sofonias 1.3; e Zacarias 2.4.


] 466 I Introdução aos profetas

à vontade moral de Deus. Falando ética e moralmente, eram como crianças.200

Sua ignorância relativa, embora não desculpe seu comportamento,

deixou Deus predisposto a conceder-lhes uma janela de oportunidade e a

ser misericordioso quando eles se arrependessem.

O livro termina abruptamente, sem nos contar como Jonas respondeu o

argumento final do Senhor. Isso é razoável, pois o que Jonas podia dizer?

Sua obsessão pela justiça tinha sido exposta como uma teimosia, e o Senhor

tinha fechado questão em mostrar misericórdia.

O castigo do pecado e o cumprimento de promessas

(Miqueias)

Introdução

Miqueias, contemporâneo de Isaías, profetizou no final do século 8a

a.C., durante os reinados dos reis judaicos Jotão (750-731 a.C.), Acaz (735-

715) e Ezequias (715-686). Ele era da cidade de Moresete (provavelmente

a mesma Moresete-Gate mencionada em 1.14), situada a sudoeste de Jerusalém.

Além disso, não sabemos nada do passado do profeta.

O livro de Miqueias não tem nenhuma estrutura abrangente, parece ser

uma antologia de discursos organizados de forma livre. O livro se divide em

três seções principais: capítulos 1-3, 4-5 e 6-7. Os primeiros três capítulos

se concentram no pecado de Judá e na condenação iminente. O discurso

inicial (1.2-16) olha para o futuro imediato e antecipa a queda de Samaria

e também a invasão de Judá. O próximo discurso (2.1-11) se concentra no

tempo presente e denuncia os pecados dos líderes de Judá, incluindo os

falsos profetas. Ao final do capítulo 2 (v. 12-13), o tom muda abruptamente

quando o profeta olha para depois do juízo próximo, para o futuro distante,

e mostra a eventual libertação de Israel do exílio. No capítulo 3, Miqueias

continua de onde parara antes do breve interlúdio. Ele retoma ao presente

e novamente expõe o pecado dos líderes e falsos profetas de Judá (v. 1-11).

O capítulo termina (v. 12) com o anúncio de que Jerusalém será devastada,

levando a um clímax a invasão mostrada no capítulo 1.

No início do capítulo 4 há outra mudança temática abrupta, quando o

profeta olha para além do juízo próximo, para um tempo em que o Senhor

irá governar a partir de Jerusalém e estabelecer seu reinado de paz em todo

o mundo (4.1-5). O restante do capítulo 4 e o capítulo 5 descrevem como

essa visão seria cumprida. Jerusalém e a dinastia davídica passariam por

humilhação no futuro imediato, e o Senhor retiraria as fontes de falsa segurança

do povo. Mas o Senhor acabaria por levantar um novo Davi para

liderar seu povo rumo a uma nova era de glória.

200 Veja Allen, Joel, Obadiah, Jonah, andMicah, 234-35.


P rofetas M enores | 467 |

A seção final do livro contém um discurso de juízo (6.1-16) e um

lamento profético sobre a triste condição moral de Judá (7.1-7). Contudo,

a tristeza se transforma em alegria quando o profeta retrata uma época em

que Sião seria restaurada. O povo exilado de Deus voltaria para casa, e o

Senhor mostraria misericórdia para com seu povo em cumprimento de sua

promessa feita aos patriarcas (7.8-20).

O Senhor está no caminho da guerra (1.2-16)

O profeta chama a atenção das nações e anuncia que o Senhor está pronto

para testemunhar contra elas (v. 2). No entanto, há algo bastante estranho,

pois a mensagem que se segue não denuncia as nações nem descreve seu

castigo. Em vez disso, o foco é sobre Israel e Judá. Por que, então, Miqueias

abriu seu discurso dessa maneira? Muito provavelmente, esse é um recurso

retórico para capturar a atenção da audiência. Ele faz parecer que seria feito

um discurso contra os inimigos de Israel e de Judá. Uma mensagem dessas

certamente seria bem recebida por Israel e por Judá. Mas, depois de ganhar

sua atenção, ele se volta contra seus ouvintes. Sim, Deus estava vindo para

entrar em juízo com as nações, mas a comunidade da aliança não estava

isenta. Na verdade, era o foco do juízo de Deus.

O profeta descreve a chegada em cena do juiz soberano (v. 3-4). O

Senhor desce de sua morada celestial e caminha pelo topo das montanhas,

que se desintegram debaixo dele. As montanhas derretem como cera ao

fogo, e as rochas deslizam pelas encostas dos montes, ligeiras, como se

fossem água. Nesse ponto, o profeta monta sua armadilha. Foi a rebelião

contra seu Senhor da aliança que suscitou o juízo (v. 5). Essa rebelião foi

resumida na idólatra Samaria, capital do reino do norte, e em Jerusalém,

capital de Judá.

O profeta, primeiro, descreve o juízo de Deus sobre Samaria (v. 6-7).

O Senhor reduziria a cidade a um monte de cascalho e um lugar para se

plantar vinhas. Suas pedras rolariam para o vale abaixo, as próprias fundações

da cidade seriam expostas, e seus ídolos, despedaçados e queimados.201

Os ídolos são comparados ao salário de uma prostituta, pois eram

feitos de metal doado ao templo samaritano pelos idólatras que iam adorar

lá. No entanto, esses ídolos seriam derretidos e utilizados “como salários

de prostitutas”. O significado preciso dessa declaração não é claro. Talvez

isso signifique que os soldados inimigos iriam utilizar o metal para alugar

prostitutas ou que doariam o metal para seus próprios deuses.

Após descrever a queda de Samaria, o profeta estava pronto para falar

de Jerusalém. Lamentou o que estava para acontecer, pois percebeu que

201 Samaria ficava sobre um monte, aproximadamente 100 m acima do vale abaixo. Veja King, Amos,

Hosea, Micah—An Archaeological Commeníary, 36.


[ 468 | Introdução aos profetas

a corrupção moral de Samaria tinha infectado também Judá e tinha chegado

até a Jerusalém (v. 8-9). Entretanto, antes de anunciar a devastação

iminente de Jerusalém (3.12), ele mostrou a invasão inimiga do campo

judaico (v. 10-15). O profeta começou sua descrição da invasão com as

palavras: “Não o anuncieis em Gate” (v. 10a). Davi utilizou as mesmas

palavras quando lamentou as trágicas mortes de Jônatas e de Saul nas mãos

dos filisteus (2Sm 1.20). Nesse tempo, Gate era uma das principais cidades

filisteias; Davi não queria que as notícias da tragédia de Israel se tomassem

públicas em território inimigo. Na época de Miqueias, Gate podia estar nas

mãos de Judá (2Cr 26.6), mas isso é imaterial. Miqueias estava utilizando

um ditado popular para deixar claro que a derrocada de Judá não deveria

se tomar pública. A humilhação seria ruim o bastante sem que as nações

vizinhas tomassem as coisas piores.

Os invasores conquistariam as cidades de Judá uma a uma, até que chegassem

ao portão da própria capital. Para causar mais impacto retórico, o

profeta usou jogo de sons e ironia em sua descrição. Ele instou o povo de

Bete-Leafra (que pode ser entendido como “casa do pó”) a revolver-se no

pó como expressão de seu sofrimento (v. 10b; veja Jr 25.34). As mulheres

de Safir (que significa “belas”) seriam expostas publicamente e humilhadas,

enquanto as mulheres de Zaanã (que soa como o verbo em hebraico “sair”)

seriam aprisionadas em sua própria cidade e ficariam incapazes de “sair” (v.

11a).202 Tudo que Bete-Ezel, que significa “a casa vizinha”, podia fazer era

assistir e chorar (v. 11b). As expectativas de Marote (um nome que tem o

som da palavra hebraica m arah, que quer dizer “amargo”) não se realizariam

(v. 12) enquanto os que estivessem em Laquis arriassem os cavalos (a

palavra hebraica traduzida por “corcéis” se parece com o nome de Laquis)

a seus carros em preparação para a batalha (v. 13).203 Laquis daria adeus aos

cidadãos de Moresete-Gate, como um pai que dá à sua filha “presentes de

despedida” no casamento (v. 14a). O nome Moresete soa como a palavra

hebraica “noiva”, facilitando a descrição da cidade como uma filha prestes

a deixar a casa dos pais. A cidade de Aczibe provaria ser “enganosa” (a

palavra “enganosa” soa como o nome Aczibe) para os reis de Judá (v. 14b).

Maressa seria invadida por um conquistador (a palavra hebraica traduzida

como “conquistador” se parece com o nome Maressa), forçando a “glória

de Israel”, provavelmente uma referência aos homens de posição em Judá,

a fugir para Adulão em busca de segurança, assim como Davi, no passado

202 No texto hebraico, o feminino singular é empregado para se dirigir ao “habitante de Safir” e

ao “habitante de Zaanã”. Aparentemente, o singular é coletivo, ou se está falando com uma mulher

específica como representante da cidade.

203 Mais uma vez, o feminino singular é utilizado, aparentemente em sentido coletivo ou representativo,

ao se fazer referência ao “habitante de Marote” e ao se dirigir ao “habitante de Laquis”.


P rofetas M enores | 469 |

(v. 15).204 À luz dessa tragédia que se aproximava, o profeta conclama os

moradores de Maressa a chorarem o exílio de seus filhos (v. 16).205

Os líderes de Judá são denunciados (2.1-3.12)

Utilizando um discurso de morte e lamentação, o profeta encena antecipadamente

o funeral dos líderes pecadores. A interjeição “ai” era um grito

de dor ouvido em funerais (lRs 13.30; Jr 22.18; Am 5.16). Ao utilizar essa

palavra, o profeta sugere que eles morreriam logo. Eles são caracterizados

como “aqueles que, no seu leito... maquinam o mal” e depois levam adiante

seus esquemas quando chega a manhã (2.1). Ele os acusa de roubar a terra

e as casas do povo. Como anteriormente observado (veja meus comentários

sobre Is 1.16-17), uma burocracia militar real opressora gigantesca tinha se

desenvolvido em Judá. A medida que aumentava de tamanho, começou a

explorar o povo e, por meio de uma combinação de medidas opressoras, a

tomar-lhe a terra.206

O Senhor não deixaria eles se safarem com essas práticas injustas.

Enquanto os malfeitores planejavam seus esquemas de pecado (v. 1), o

Senhor fazia seus planos próprios e enviaria o desastre sobre eles (v. 3).

Eles perderiam a terra que tinham roubado (v. 4) e seriam excluídos de

qualquer distribuição futura de terras (v. 5).

O discurso do profeta é realçado pelo jogo de palavras. A repetição da

palavra “plano” enfatiza que a resposta do Senhor é adequada. A palavra

utilizada para descrever seus malfeitos (v. 1, em hebraico, r a ) é quase

idêntica à palavra ra a h , utilizada no versículo 3 para o “desastre” planejado

pelo Senhor e para a “calamidade” que assolaria os pecadores. Aqueles

que “tomam” (em hebraico, nasa \ literalmente, “levantam”) as casas das

vítimas (v. 2) seriam objeto de escárnio, pois os homens iriam ridicularizá-

-los (em hebraico, n a sa 1m ashal, literalmente, “provocar escárnio”, v. 4).

Haveria uma virada de mesa quando os opressores se tomassem vítimas de

opressão. Esses opressores transformados em vítimas lamentariam: “Estamos

inteiramente arruinados” (v. 4, em hebraico, shadod neshaddunu).

204 A NIV interpreta “glória de Israel” como referência a um indivíduo, talvez o rei, mas a expressão

se refere mais provavelmente aos líderes em geral, incluindo o rei. Veja Isaías 5.13, em que “a elite” é,

literalmente, “sua glória”.

205 Os pronomes e verbos na segunda pessoa no versículo 16 estão no feminino singular. E possível

que se esteja falando para Sião, personificada com uma mulher jovem (v. 13), mas é mais provável que

se esteja falando aos habitantes de Maressa. O texto hebraico do versículo 15 diz, literalmente, “trarei

um conquistador contra você [feminino singular], ó habitante [feminino singular] de Maressa”. Uma

residente específica de Maressa, representando a cidade como um todo, é a destinatária da mensagem.

E natural presumir que continue a ser no versículo 16. Esse mesmo estilo é empregado nos versículos

11-13 (veja comentários acima).

206 Para um estudo do cenário socioeconômico da época, veja Dearman, Property Rights in the

Eighth-Century Prophets.


| 470 | Introdução aos profetas

Até mesmo essas palavras testemunham sua culpa, pois têm o som da palavra

“campos” (v. 2, em hebraico, sadot) e nos lembram que a terra pelas

quais eles choram foi adquirida de forma injusta.207

Esses malfeitores rejeitaram os profetas que os confrontaram com suas

ações pecaminosas. Eles queriam ouvir promessas de prosperidade (simbolizadas

pelo vinho e pela bebida forte, veja o v. 11). Eles disseram aos profetas

do Senhor que parassem com sua retórica apaixonada de juízo, pois

tinham confiança de que o Senhor não humilharia seu povo (v. 6-7a). Em

resposta ao seu raciocínio errado, o Senhor lembrou a eles que só recompensa

aqueles que lhe obedecem (v. 7b), não aqueles que tratam seus conterrâneos

como inimigos e roubam suas propriedades (v. 8-9). Seu pecado

traria o desastre à nação (v. 10).

Antes de terminar seu discurso de juízo contra os líderes de Judá, Miqueias

fez uma breve pausa para incentivar os justos (v. 12-13, veja o v. 7). Embora

o exílio fosse iminente (1.16; 2.10), o Senhor um dia reuniria o restante de

Israel como ovelhas e o livraria do exílio (4.6; 7.14-15).

Como esse oráculo, considerado pelo lado positivo, não se encaixa direito

em seu contexto imediato, alguns consideram que ele contém as palavras dos

falsos profetas (mencionados no versículo 11). Outros alegam que o oráculo

mostra o cerco assírio a Jerusalém, em 701 a.C. Nesse caso, mostra os restantes

de Judá sendo pastoreados para Jerusalém, apenas para serem libertos

pelo Senhor enquanto ele ataca o inimigo fora dos muros da cidade.208

Uma vez que Miqueias parece ter uma visão desse evento em 4.11-13,

esta interpretação de 2.12-13 é certamente possível. Entretanto, nesse caso,

a referência ao Senhor “subindo” de Jerusalém seria estranha.209 Além

disso, o oráculo em 2.12-13 é parte de um discurso maior, que antecipa

a destruição de Jerusalém (3.12). Como veremos em nossa discussão de

3.12, esse juízo foi revertido quando Ezequias se arrependeu. Nesse ponto,

a visão do futuro de Miqueias, como a de Isaías, mudou, e ele profetizou

a queda de Jerusalém para os babilônios, e não para os assírios (veja 4.10

e também Is 39.6-7). Defender que, em 2.12-13, há a profecia dos eventos

em 701 significa negligenciar essa progressão na mensagem de Miqueias.

No capítulo 3, o profeta continuou sua diatribe contra os líderes de Judá.

Ele comparou seus feitos opressores e cruéis ao canibalismo (3.1-3) e avisou

que chegaria um dia em que haveria uma virada de mesa (v. 4; veja

2.3-5). Quando esse tempo chegasse, os opressores clamariam ao Senhor

por ajuda, mas suas orações não seriam ouvidas.

207 Para um estudo útil desta passagem, veja Miller, Sin and Judgment in the Prophets, 29-31.

208 Veja, por exemplo, Allen, Joel, Obadiah, Jonah, and Micah, 301-3.

209 Veja Hillers, Delbert R., Micah, Hermeneia (Filadélfia: Fortress, 1984), 39.


P rofetas M enores | 4 7 1 1

Muitos profetas também tinham comprometido sua posição como porta-

-vozes de Deus e orientado o povo erradamente (v. 5). Se recebessem

comida em quantidade adequada, esses profetas gananciosos prometiam a

seus clientes paz, mas, se não fossem pagos razoavelmente, profetizavam

calamidade. É razoável que viesse o dia em que o Senhor fecharia os canais

de revelação profética genuína. Todos os métodos utilizados pelos profetas,

incluindo visões (que eram legítimas) e lançar sortes (que não era um meio

autorizado de receber revelações do Senhor), deixariam de gerar informação,

deixando os profetas silenciosos e desgraçados (v. 6-7).

Miqueias parou nesse ponto para defender a autenticidade de seu próprio

ministério (v. 8). Ele possuía o espírito do Senhor, a fonte da profecia genuína.

Ele era paladino da causa da justiça e confrontava os pecados de Israel. Em

contraste, os líderes de Judá perverteram a justiça (v. 9-10), enquanto os

sacerdotes e profetas estavam preocupados apenas com ganhos materiais

(v. 1 la) e negavam, ingenuamente, que o juízo recairia sobre a nação (v. 11b).

Por esse motivo, Jerusalém cairia (v. 12). Depois de devastar os campos

de Judá, os invasores reduziriam Sião, como Samaria, a um monte de

pedras. Até o templo seria destruído. Essa profecia da derrocada de Jerusalém

não foi cumprida, ao menos nos dias de Miqueias. Descobrimos por

que em Jeremias 26. Como Miqueias fizera antes dele, Jeremias profetizou

que Jerusalém e o templo seriam destruídos (Jr 26.6). Quando alguns

líderes exigiram que Jeremias fosse executado, alguns anciãos deram uma

lição de história. Eles lembraram a profecia de Miqueias sobre a queda de

Jerusalém e depois destacaram que o juízo tinha sido revertido quando o

rei Ezequias se arrependeu (Jr 26.17-19). Isso demonstra que a profecia de

Miqueias, embora tivesse tom incondicional, era implicitamente condicional.210

Com o arrependimento de Ezequias, o juízo profetizado foi adiado.211

Dias melhores à frente (4.1-5.15)

Mais uma vez, o tom de Miqueias muda de repente, quando ele olha

para depois do juízo imediato, para uma nova era caracterizada pela justiça

e pela paz mundial. Em um texto que é quase idêntico a Isaías 2.2-4,

Miqueias teve a visão de um tempo em que o monte do templo em Jerusalém

seria o foco do mundo (4.1-3).212

As nações acorreriam a Jerusalém para aprender as leis do Senhor e submeter

suas disputas a seu juízo sábio e justo. As guerras cessariam quando

210 Veja Chisholm, “Does God ‘Change His Mind’?”, 391, 397, e também meus comentários sobre

Jeremias 26.19.

211 A visão de Miqueias da queda de Jerusalém se tomou realidade em 586 a.C.

212 Não é certo se Miqueias se baseou em Isaías, ou o contrário. Talvez ambos tenham bebido em uma

fonte comum, desconhecida.


1472 I Introdução aos profetas

as nações dedicassem suas energias a esforços mais pacíficos e compensadores.

Nessa época, todos plantariam sem ter de se preocupar com invasores

inimigos (v. 4).213 Essa visão excitante do futuro levou o profeta a falar

em nome de Deus e declarar sua lealdade ao Senhor (v. 5).

Após descrever o destino final de Jerusalém, Miqueias, em seguida,

explica como seria essa nova era (v. 6-8). O Senhor iria reunir os exilados

e tomá-los uma grande nação. A realeza seria restaurada em Sião, quando o

Senhor estabelecesse seu mando sobre seu povo. Jerusalém é chamada de

“torre do rebanho”, porque o Senhor inspecionaria e protegeria seu povo a

partir de seu trono.

Nos versículos 9-10, o profeta chegou mais perto de seu próprio tempo

(observe “agora”, no versículo 9, em contraste com “nos últimos dias”, do

versículo 1 e “naquele dia”, no versículo 6). Falando para uma Sião personificada,

ele a mostra como uma mulher com dores de parto. A dor de Sião

é causada pela perspectiva de perder seu rei e ser levada para o exílio. Mas

esse desastre em dobro não aconteceria imediatamente. Miqueias menciona

especificamente a Babilônia como local do exílio. Como Isaías, ele prevê que

Deus livrará Jerusalém da ameaça assíria (v. 11-13), mas também percebe

que o exílio virá (Is 39.6-7). Essa revisão da mensagem de Miqueias veio no

despertar do arrependimento de Ezequias (veja meus comentários sobre 3.12).

No capítulo 5, o profeta repete e expande os temas principais de 4.6-10,

só que na ordem reversa. Isso cria uma estrutura quiástica para a parte central

do discurso, que pode ser esboçada da seguinte forma:

A O Senhor fortalece o remanescente (4.6-7a)

B Restauração do domínio (4.7b-8)

C Sião e seu rei são humilhados (4.9-10)

D Sião é salva da crise presente (4.11-13)

C’ Sião e seu rei são humilhados (5.1)

B’ Restauração do domínio (5.2-6)

A’ O Senhor fortalece o remanescente (5.7-9)

Continuando no tema de 4.9-10, o profeta retratou Sião sob cerco (5.1).

Esse cerco não é o mencionado em 4.11, do qual Sião será livrado. Em

verdade, é acompanhado pela humilhação do rei de Sião, um tema presente

em 4.9, em que a perda da realeza é associada ao exílio de Sião (4.10).

A imagem é do rei de Sião atacado pelo inimigo com um cetro, normalmente

um símbolo de mando (SI 2.9), mas que, aqui, é um instrumento

de humilhação.

213 O versículo 4 é exclusivo de Miqueias.


P rofetas M enores | 473 |

Mas nem tudo está perdido, pois o domínio voltaria a Sião. Na primeira

parte do discurso, o profeta falou do Senhor governando Sião (4.7b), mas

aqui fica claro que o Senhor exerceria seu domínio com um rei humano,

apresentado como outro Davi, ou talvez como a segunda vinda do próprio

Davi (v. 2-6). Esse rei é apresentado na forma de charada, como alguém

que vem de Belém-Efrata, lar de Davi.214 A afirmação final do versículo 2

descreve o futuro rei como aquele “cujas origens estão no passado distante,

em tempos antigos”. A referência temporal indica antiguidade. A expressão

“desde os tempos antigos” refere-se, em outras passagens, à antiguidade em

geral (Is 45.21; 46.10; Hc 1.12) e, mais especificamente, à história primitiva

de Israel (SI 74.12; 77.11), incluindo a era davídica (Ne 12.46). A expressão

“desde os dias da eternidade” (literalmente “dias da antiguidade”), da

mesma forma, refere-se à história primitiva de Israel (Is 63.9; Mq 7.14; Ml

3.4), incluindo a época de Davi (Am 9.11). O termo hebraico traduzido por

“origens” pela NIV significa, literalmente, “saídas”. O termo pode se referir,

aqui, às raízes genealógicas do futuro rei. Nesse caso, o termo o retrata

como parte de uma longa linhagem real que se estende, no passado, até Davi

(veja também Jr 23.5; 33.15). Outra opção é considerar a palavra como

uma referência ao aparecimento do futuro rei.215 Nesse caso, o rei é descrito

como uma figura real do passado que iria reaparecer - a segunda vinda de

Davi, por assim dizer. Uma vez que outros profetas falam do rei do futuro

como “Davi”, essa interpretação é certamente possível aqui (veja Jr 30.9; Ez

34.23-24; 37.24-25; Os 3.5). Entretanto, mesmo considerando dessa forma,

o discurso é arquetípico e não deve ser compreendido de forma literal. Esse

“Davi” desempenha funções reais que não podem ser diferenciadas daquelas

designadas ao rei messiânico. Ele é, na verdade, um descendente de Davi

que vem no espírito e na força de seu ancestral, assim como João Batista

veio no espírito e na força de Elias e, assim, cumpriu a profecia de Malaquias

4.5 (veja Mt 11.10-14; 17.11-12; Mc 1.2-4; Lc 1.17, 76; 7.27).

Em 4.10, o profeta descreve Sião como uma mulher em trabalho de

parto. Ele continua a partir dessas imagens novamente em 5.3, quando antecipa

uma época em que ela finalmente daria à luz. A realidade por trás das

imagens é a restauração do povo da aliança de Deus à sua terra abandonada.

Nessa ocasião, os “irmãos” do futuro rei, aparentemente uma referência aos

seus companheiros judeus, iriam juntar-se aos israelitas para formar um

reino unido e revivido.

Com a energia do poder do Senhor, o rei tomaria conta do povo como um

pastor e estabeleceria um ambiente seguro e pacífico para eles (v. 4-5a).216

214 Efrata parece ser um nome alternativo para Belém. Veja Gênesis 35.19; 48.7; Rute 4.11.

215 Um termo relacionado tem a nuance de “aparecimento” no salmo 65.8 e Oseias 6.3.

216 Observe como o tema do pastoreio em 5.4 corresponde às imagens de 4.8.


1474 | Introdução aos profetas

Com o apoio de outros líderes competentes, ele iria revidar e conquistar

potências imperialistas agressivas, como os assírios (v. 5b-6). A referência

aos “sete pastores, talvez oito líderes de homens” utiliza os números sete/

oito para simbolizar completude. O rei teria o auxílio de um complemento

ideal de associados que, com autoridade delegada pelo rei, derrotariam e

governariam os inimigos de Israel.

A visão de Miqueias de um império israelita não foi realizada nessa

época. Enquanto isso, os assírios tinham desaparecido havia muito tempo

do cenário internacional. Somente um intérprete literalista iria sugerir que

um império assírio iria reaparecer durante a era messiânica. A Assíria aqui

é um arquétipo. Em termos que teriam sido muito inspiradores e significativos

para uma audiência do século 8a a.C., Miqueias assegura ao povo de

Deus que estava vindo uma época em que, diferentemente de seu próprio

tempo, eles não mais seriam ameaçados por nações poderosas e hostis. Em

outras palavras, a visão que Miqueias teve do futuro de Israel está contextualizada

de forma que seus contemporâneos pudessem apreciá-la inteiramente.

A questão essencial é que a nova era será de paz e segurança para o

povo de Deus, quando o rei ideal de Deus evitará que os leões “assírios” do

mundo aterrorizem as ovelhas indefesas.

Em 5.7-9, o profeta retomou ao tema do remanescente, visto em 4.6-

7. Ele utilizou duas imagens aparentemente contraditórias para ilustrar o

remanescente. Na primeira, ele comparou o remanescente ao orvalho e à

chuva sobre a relva, enquanto, na segunda, comparou-o a um leão poderoso

que “pisará e despedaçará” suas vítimas. A segunda imagem é militarista,

como fica claro no versículo 9. Mas qual o motivo de compará-lo com o

orvalho e com a chuva? A afirmação final do versículo 7 é a chave para

interpretar a metáfora. O motivo é que tanto o orvalho quanto a chuva estão

além do controle dos homens. Da mesma forma, os animais da floresta não

podem resistir ao poderoso leão (v. 8b). A questão, nas duas metáforas,

parece ser que o remanescente se tomaria uma nação poderosa, cujos inimigos

não conseguiriam resistir ao seu poder (v. 9).217

Na era messiânica, o Senhor reveria todas as falsas fontes de segurança

nas quais seu povo mal orientado tinha confiado, incluindo carruagens, cidades

fortificadas, adivinhação e ídolos (v. 10-14). No antigo Oriente Próximo,

os exércitos usavam carros puxados por cavalos em batalha, mas o Senhor

esperava que seu povo confiasse em seu poder protetor sobrenatural, não

em um exército modernizado (Dt 20.1-4). Os pagãos usavam adivinhações

como forma de descobrir as intenções dos deuses, mas o Senhor proibia

isso (Dt 18.10-12) e revelava sua vontade e suas intenções por intermédio

217 O orvalho é utilizado como uma metáfora militar em 2Samuel 17.12.


P rofetas M enores [ 475 I

de seus profetas. Israel finalmente perceberia que a segurança verdadeira se

encontra no Senhor, pois ele é soberano sobre as nações (v. 15).

O que quer o Senhor (6.1-16)

Utilizando o discurso de um tribunal, o Senhor confronta formalmente

seu povo e o desafia a se defender das acusações que ele estava para fazer

(v. 1). Ele convoca as montanhas personificadas, que sempre existiram,

desde o começo dos tempos, para servirem como testemunhas, pois elas

podiam testemunhar precisamente quanto ao relacionamento de Deus com

seu povo (v. 2). Contrariando a queixa de que o tinha maltratado, o Senhor

lembra ao seu povo que o tinha livrado da escravidão no Egito, tinha lhe

dado líderes, tinha lhe protegido da hostilidade de Balaque, de Moabe

(Nm 22-24), e que o tinha guiado para a Terra Prometida (v. 3-5).218 No

versículo 3, o Senhor pergunta: “Povo meu, que te tenho feito? E com

que te enfadei?” Ele não tinha, é claro, feito nada de ruim. Ao contrário,

ele o tinha livrado de uma escravidão penosa. No versículo 4, o Senhor

declara: “te fiz sair da terra do Egito”. A semelhança de som entre os verbos

hebraicos traduzidos como “enfadei” e “te fiz sair” chama a atenção

pelo contraste entre suas falsas acusações e a realidade, ou, como Allen

afirma, entre “teoria selvagem” e “fato sóbrio”.219

Então, Miqueias entra em cena. No papel de adorador, ele pergunta:

“Com que me apresentarei ao S enhor e me inclinarei ante o Deus excelso?”

(v. 6a). Muitos de seus conterrâneos israelitas terão pensado imediatamente

em termos de sacrifícios. Com certeza, o Senhor esperava ofertas queimadas

daqueles que o adoravam (v. 6b). Imagine como ele ficaria satisfeito

se alguém trouxesse milhares de carneiros, ou um primogênito (v. 7). Mas

Miqueias rejeita essa abordagem e lembra ao povo que Deus já tinha revelado

quais eram suas prioridades (v. 8). Antes de qualquer coisa, Deus quer

que seu povo pratique a justiça, que se dedique com paixão ao bem dos

outros e que, humildemente (ou cuidadosamente), submeta-se aos padrões

do Senhor em todas as áreas da vida. É isso que é bom e que o Senhor exige,

fundamentalmente, de seu povo. A palavra hebraica traduzida por “misericórdia”

se refere mais amplamente a “lealdade, fidelidade, compromisso,

devoção”. Este é o termo central desta passagem, pois essa dedicação aos

outros é prova da submissão de alguém à autoridade de Deus, bem como

o fundamento para o estabelecimento de uma sociedade justa. “Amar” a

devoção sugere paixão; aqueles que “amam a devoção” buscam ativamente

2,8 Sitim foi o acampamento dos israelitas antes de cruzarem o Jordão, enquanto Gilgal foi seu

primeiro acampamento após a travessia. Veja Josué 2.1; 3.1; 4.19-5.10.

219 Allen, Joel, Obadiah, Jonah, and Micah, 366.


| 476 1 Introdução aos profetas

o bem dos outros.220 No Novo Testamento, o próprio Jesus se toma a síntese

e o padrão desse amor sacrificial.

Como o discurso de Miqueias se relaciona com as palavras do Senhor,

que o precedem, e com o discurso de juízo, que o sucede? Aparentemente,

o povo sentia que o Senhor estava sendo injusto. Os israelitas tinham oferecido

muitos sacrifícios, mas, ainda assim, o Senhor parecia desgostoso com

eles. Talvez houvesse quem pensasse que o Senhor queria sobrecarregá-los

com mais sacrifícios. Miqueias refutou esse tipo de pensamento, demonstrando

que as prioridades de Deus são a justiça, a lealdade e a obediência,

não o sacrifício. Lembrar a Israel essa verdade fundamental prepara o discurso

de juízo que vem a seguir (v. 9-16), em que o Senhor acusa seu povo

de ser injusto e anuncia que recairia juízo sobre aqueles que desconsideraram

suas prioridades.

O discurso de juízo caracteriza Judá como a “casa do ímpio”, onde

“tesouros da impiedade” foram escondidos (v. 10a). Na violação da lei de

Deus (Lv 19.35-36; Dt 25.13-16), os mercadores utilizavam meios desonestos

para aumentar seus lucros (v. 10b-11), e os ricos opressores recorriam

à violência e ao engano para seguirem adiante (v. 12). Como os reis

israelitas Omri e Acabe, do século anterior, eles abusavam de seu poder (v.

16a).221 O juízo de Deus seria razoável. Um invasor inimigo varreria o país,

privando esses pecadores gananciosos de seus frutos (v. 14-15) e fazendo

deles objeto de escárnio entre as nações (v. 16b).

O profeta lamenta (7.1-7)

Enquanto examinava o cenário moral de Judá, Miqueias lamentava. Comparava-se

a alguém que anda por um vinhedo ou por um pomar com esperança

de achar um cacho de uvas ou um figo delicioso. Mas os segadores já

tinham passado, e não há fruta a ser encontrada (v. 1). De forma semelhante,

os justos desapareceram da terra, que agora é dominada por homens desonestos

e violentos (v. 2-3). Não se podia achar nenhum “fruto”, só havia espinhos

e espinheiros (v. 4a). O juízo de Deus era inevitável. Em breve, as sentinelas,

tomadas de pânico nos muros da cidade, anunciariam sua chegada (v. 4b). A

situação tinha se deteriorado ao ponto que ninguém podia confiar nos vizinhos,

nos amigos ou mesmo na própria família (v. 5-6). Entretanto, o profeta

não tinha perdido a esperança. Ele continuava a orar e esperar por seu Deus,

que, no final, justificaria os poucos que sobrassem (v. 7).

220 Para uma discussão útil da importância do conceito de “lealdade” no argumento de Miqueias, veja

Sakenfeld, Katharine D., Faithfulness in Action: Loyaliy in Biblical Perspective (Fortress: Filadélfia,

1985), 101-4.

221 Omri governou o reino do norte de 885 a 874 a.C., enquanto Acabe, de 874 a 853 a.C. O tratamento

dispensado por Acabe aNabote resume sua atitude (IRs 21).


P rofetas M enores I 477

Olhar o futuro com confiança (7.8-20)

O livro termina com uma nota positiva, quando tanto Sião personificada

quanto a nação olham com confiança para o futuro, e oráculos de salvação

afirmam que suas expectativas serão realizadas. A estrutura desta seção

pode ser esboçada da seguinte forma:

Confiança: Sião antecipa a justificação do Senhor (v. 8-10).

Oráculo de salvação: a justificação virá de fato (v. 11-13).

Oração: possa Deus pastorear novamente seu povo (v. 14).

Oráculo de salvação: o Senhor revelará seu poder novamente

(v. 15).

Confiança: a nação antecipa a justificação do Senhor (v. 16-17).

Hino: a nação louva a Deus por sua misericórdia e fidelidade

(v. 18-20).

Sião não é identificada especificamente como quem fala nos versículos

8-10, mas muitas pistas contextuais sugerem que seja. Nos versículos 10b-

11, em que se fala para quem discursa nos versículos 8-10a, utilizam-se

pronomes femininos singulares no texto hebraico (veja “teu Deus” e “teus

muros”). Sião, é claro, normalmente é descrita como uma mulher na literatura

profética (Mq 1.13; 4.10). A referência a “muros” no versículo 11

sugere que se fala de uma cidade, e a humilhação mencionada no versículo

8 corresponde, tematicamente, aos apuros de Sião como descritos em 4.9-

10. Falando a seus inimigos, Sião reconhece que tem sofrido por causa de

seu pecado, mas que tem confiança de que o Senhor defenderá sua causa e

a remirá. O oráculo (v. 11-13) assegura que seus muros serão reconstruídos,

que seu povo exilado retomará do sul e do norte e que as nações serão castigadas

por suas obras.

Então surge uma oração em nome da nação (v. 14). Não se identifica

quem fala, mas o contexto a seguir sugere que a nação está orando

ao Senhor (observe os pronomes na primeira pessoa do plural, “nosso” e

“nós”, nos versículos 17,19-20, em que é, claramente, a nação que está

falando). A nação pede que o Senhor “apascente” seu povo, como fizera em

tempos antigos. Mostra-se Israel isolado e vulnerável, mas ele espera poder

comer, por assim dizer, em terra fértil, simbolizada por Basã e Gileade, na

Transjordânia. As duas regiões eram bem conhecidas como áreas férteis

de pastagem (Nm 32.1-4; Dt 32.14; Jr 50.19). O oráculo (v. 15) assegura à

nação que o Senhor intervirá por seu povo, na verdade, de forma milagrosa,

como tinha feito nos dias de Moisés.

Com essa palavra de garantia, a nação antecipa uma época em que as

nações arrogantes serão silenciadas e forçadas a se curvarem diante do povo


478 I Introdução aos profetas

do Senhor (v. 16-17). A nação se maravilha com a incomparável misericórdia

do Senhor. Ele deseja perdoar seus pecados para que isso não seja mais

uma barreira ao seu relacionamento com seu povo (v. 18). Duas metáforas

são utilizadas para demonstrar o perdão do Senhor (v. 19). Na primeira, o

Senhor esmaga com os pés seus pecados, como faria com um inimigo. Na

segunda, lança todos os pecados nas profundezas do mar, de onde nunca

mais pode ser retirado. O que leva o Senhor a mostrar essa misericórdia ao

seu povo? A resposta vem no versículo 20. O Senhor perdoa a nação em

nome de Jacó e Abraão. Ele prometeu aos patriarcas, em juramento, que

multiplicaria seus descendentes, que lhes daria a Terra Prometida e que

faria deles um paradigma da bênção divina (Gn 12.2-3; 22.15-18; 28.13-15;

35.11-12). Para que essas promessas se cumpram, Deus tem de continuar a

estender misericórdia aos descendentes de Abraão até que eles finalmente

venham para o lugar onde obedecerão o Senhor (Gn 18.18-19a). Só então

as promessas serão inteiramente cumpridas (Gn 18.19b).

A queda de Nínive (Naum)

Introdução

Naum profetizou entre a queda da cidade egípcia de Tebas, em 663

a.C., e a queda de Nínive, em 612 a.C. Falava da primeira como um fato

histórico (3.8-10) e da segunda como um evento futuro.222 Por que a queda

de Nínive foi tão importante para Naum e para o povo de Judá? Desde

a metade do século 8e a.C., os assírios eram o “inimigo público número

um”. Quando os assírios começaram a expandir seu império para a Palestina,

Judá, sob o mando do tolo rei Acaz, inicialmente se aliou a eles

contra Israel e os arameus (veja Is 7). Quando o rei Ezequias se rebelou

contra a Assíria, Senaqueribe invadiu Judá e devastou a zona rural, antes

de ser refreado pelo Senhor do lado de fora dos muros de Jerusalém (Is

36-37 e lRs 18-19). Embora derrotado, ele acabou levando muitos de

Judá para o exílio. Depois, os assírios retornaram e transformaram o povo

de Judá em seus súditos. Eles chegaram a levar o perverso rei Manassés

para o exílio (2Cr 33.11). Uma das inscrições do rei Esar-Hadom, que

governou de 681 a 669 a.C., relaciona “Manassés, rei de Judá”, como um

dos súditos assírios.223 Resumindo, para Judá, a queda de Nínive, uma

das principais cidades do império assírio, significava liberdade da mão

222 Por diversas razões, J. J. M. Roberts prefere uma data entre 640 e 630 a.C. Veja, de sua autoria,

Nahum, Habakkuk, and Zephaniah, OTL (Louisville: Westminster John Knox, 1991), 38-39. Richard D.

Patterson optou por uma data entre 660 e 654 a.C. Veja, de sua autoria, Nahum, Habakkuk, Zephaniah

(Chicago: Moody, 1991), 5-7.

223 Veja Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, 291.


P rofetas M enores I 479 |

opressora da Assíria. Judá não teria mais de passar pela experiência humilhante

e economicamente desastrosa de pagar tributo a um tirano estrangeiro

exigente e impiedoso.

A introdução do livro toma a forma de uma teofania em estilo hínico

(v. 2-6), à qual é anexado um discurso de juízo (v. 7-11). O corpo principal

da profecia, que é apresentado pelas palavras “assim diz o S en h o r”, exibe

uma estrutura quiástica:224

A Rei assírio insultado/Judá convocado a celebrar (1.12-15)

B Chamado dramático e alarmante (2.1-10)

C Insulto (2.11-12)

D Anúncio do juízo (2.13)

E Oráculo de dor (3.1-4)

D’ Anúncio de juízo (3.5-7)

C’ Insulto (3.8-13)

B’ Chamado dramático e alarmante (3.14-17)

A’ Rei assírio insultado enquanto outros celebram (3.18-19)

Nos chamados de alarme (B/B’), o profeta faz o papel de uma sentinela

nos muros de Nínive. Ele conclama a cidade a se preparar para

um ataque e depois descreve sua derrocada. Os insultos (C/C’) começam

com questões retóricas e expõem o orgulho de Nínive. Os anúncios de

juízo (D/D’) começam com as palavras “eis que eu estou contra ti, diz o

S en h o r dos Exércitos”.

Surge o guerreiro divino (1.2-11)

O tema central da profecia é claro desde o início. Naum afirma que o

Senhor é um Deus de vingança que libera sua ira furiosa contra seus inimigos

(v. 2). A NIV traduz a primeira sentença assim: “O S enhor é Deus

ciumento e vingador”. Embora o termo hebraico traduzido por ciumento

possa se referir a ciúmes, nesse contexto, em que Deus aparece como um

guerreiro zangado voltado para a vingança, a palavra mais provavelmente

quer descrevê-lo como alguém que é “zeloso” ou “tomado de ira”.225

Naum adapta uma declaração credal no versículo 3a. Ele descreve o

Senhor como sendo “tardio em irar-se, mas grande em poder”, e observa

que o Senhor “jamais inocenta o culpado”. Em outros textos, quando a

224 Para uma análise intensiva da estrutura do livro, incluindo a disposição quiástica das unidades

formais esboçadas aqui, veja Johnston, G. H., “A Rhetorical Analysis of the Book of Nahum”.

Dissertação de doutorado. Dallas Theological Seminary, 1992, 46-214.

225 Veja também Isaías 42.13; 59.17; Ezequiel 36.5-6; 38.19; Sofonias 1.18; 3.8, em que um termo

intimamente relacionado (derivado da mesma raiz) se refere ao “zelo” do guerreiro divino.


(480 1 Introdução aos profetas

expressão “tardio em irar-se” é utilizada para Deus, é seguida pela expressão

“abundante em amor” (Êx 34.6; Nm 14.18; Ne 9.17; SI 86.15; 103.8;

145.8; J1 2.13, Jn 4.2). A afirmação “jamais inocenta o culpado” também

aparece em Êxodo 34.7 e em Números 14.18, nos dois casos após uma

referência ao desejo de Deus de perdoar. Naum altera a formulação tradicional,

mudando de “abundante em amor” para “grande em poder” e

omitindo qualquer referência à natureza perdoadora de Deus. Deus tinha

sido paciente com Nínive, mas seu amor e desejo de perdoar tinham se

exaurido. Nínive conheceria seu poder sem freio e sua justiça quando ele

despejasse as nuvens de juízo (v. 3b).226

Quando entra em cena, o Senhor dá um berro, ou um grito de guerra,

que seca o mar e os rios e faz com que até regiões como Basã e Carmelo

enfrentem a seca (v. 4). O verbo hebraico traduzido como “repreender”,

às vezes, refere-se a resmungar ou repreender (Gn 37.10; Rt 2.16; Zc 3.2),

mas, em contextos militares como este, é mais provável que se refira a

um grito de guerra que aterroriza e paralisa o inimigo.227 As montanhas,

normalmente vistas como síntese de estabilidade, e todos os habitantes da

terra tremem diante do Senhor, pois percebem que nada pode resistir a seu

ataque furioso (v. 5-6).

A visão teofânica dos versículos 2-6, com certeza, é aterrorizante, mas

reflete apenas um lado do caráter de Deus. O juiz guerreiro irado também é

o protetor de seu povo (v. 7). A mensagem de Naum se concentra no juízo

de Deus contra Nínive, mas há o outro lado da moeda. O juízo contra Nínive

significaria livramento e liberdade para Judá (v. 12-13,15). O Senhor é bom

e prova ser “fortaleza no dia da angústia” que “cuida daqueles que nele

confiam”.228 O verbo traduzido como “cuidar” é, literalmente, “conhecer”.

O Senhor conhece seus seguidores fiéis no sentido de que reconhece sua

lealdade e os recompensa por ela.

Depois de equilibrar seu retrato de Deus, o profeta retoma ao tema do

juízo de Deus. Quando o Senhor vem como juiz, ele extermina seus inimigos

e os persegue com trevas, que, aqui, simbolizam a morte (v. 8b; veja

226 Para comentários úteis sobre a técnica retórica de Naum aqui, veja Roberts, Nahum, Habakkuk,

and Zephaniah, 50.

227 Veja Caquot, A., “1VJ”, TDOT 3:53, e observe o emprego do verbo no salmo 68.30; 106.9 e também

do substantivo relacionado, em Jó 26.11; salmo 9.5; 76.6; 104.7; Isaías 50.2; 51.20; 66.15. O tema

do poderoso grito de guerra do guerreiro é bastante comum na literatura do antigo Oriente Próximo.

Veja exemplos em Chisholm, Interpreting the Minor Prophets, 169-70.

228 A tradicional divisão em versículos entende a primeira linha do versículo 8 combinando com

o que segue, mas é provável que tenha a ver com o que vem antes e corresponda à expressão “em

tempos de angústia”, na estrutura poética. Nesse caso, podemos traduzir os versículos 7-8a assim:

“O S e n h o r é bom, refúgio em tempos de angústia; ele protege os que nele confiam quando vier a

inundação destruidora”. A questão nas duas linhas é a mesma: pode vir a angústia, mas o Senhor

protege seu povo do perigo.


P rofetas M enores | 481

Jó 18.18).229 A forma verbal traduzida como “perseguir” realça a determinação

do Senhor, indica a intensificação das atividades e sugere uma

perseguição persistente. Falando diretamente aos inimigos do Senhor, o

profeta assegurou que o Senhor iria frustrar seus esforços e destruí-los

rapidamente (v. 9-10).230

No versículo 11, a audiência se toma mais específica quando o profeta

fala da Nínive personificada. Embora Nínive não seja, de fato, mencionada

(na NIV, “Nínive” é interpretativa), o profeta agora utiliza uma forma singular

na segunda pessoa feminina, que provavelmente é mais bem entendida

como uma mensagem para a cidade (2.1-10). O Senhor fala aqui do

rei da Assíria como alguém que “saiu” da cidade e “maquina o mal contra

o Senhor”.

Alívio para Judá (1.12-15)

O corpo principal da profecia começa com o Senhor emitindo uma série

de mensagens para Judá (1.12-13), para o rei da Assíria (1.14) e, depois,

para Judá de novo (1.15). Ele utiliza as formas pronominais na segunda pessoa

feminina singular do hebraico nos versículos 12-13, quando fala para a

Judá personificada. Embora Judá não seja especificamente citada aqui (“O,

Judá”, no v. 12, é interpretativo), o versículo 15 deixa claro que Judá é o

público-alvo. Judá é chamada pelo nome no versículo 15, e cinco formas

pronominais e verbais na segunda pessoa feminina singular do hebraico

são empregadas. O versículo 14 é claramente dirigido a um inimigo, não ao

povo do Senhor. Ainda que a NIV considere que o público-alvo é Nínive, é

mais provável que o rei da Assíria seja o destinatário aqui. Quando Nínive

é o público-alvo em outras passagens do livro, as formas pronominais e verbais

utilizadas no texto hebraico estão na segunda pessoa feminina singular

(1.11; 2.13; 3.5-8,11-17), mas o versículo 14 utiliza as formas pronominais

e verbais na segunda pessoa masculina singular. Em 3.18-19, o rei assírio

é mencionado especificamente, e a forma masculina singular é empregada.

Isso sugere que o rei também é o público-alvo em 1.14. O conteúdo do discurso

de juízo em 1.14 também favorece essa interpretação (veja os comentários

a seguir).

229 A NIV traduz a segunda linha do versículo 8 como “dará um fim a Nínive”. Contudo, “Nínive”

não é mencionada especificamente aqui. O texto hebraico diz “dará um fim ao seu lugar”. Uma vez que

não há antecedente para o pronome “seu”, é melhor seguir a antiga tradução grega e ler “aqueles que se

levantam contra ele”. Essa leitura exige apenas uma pequena correção do texto tradicional em hebraico

e tem a vantagem de oferecer um paralelo melhor com “seus inimigos”, na linha seguinte. Embora a

letra vav no começo do versículo 8 possa militar contra essa proposta, ela pode ser facilmente explicada

como ditográfica. Observe a letra vav na forma final do versículo 7.

230 A forma verbal traduzida por “tramam” no versículo 9a está, na verdade, na segunda pessoa do

plural no texto hebraico. Os inimigos mencionados no versículo 8b são o destinatário mais provável.


| 482 | Introdução aos profetas

Embora tenha castigado o povo de Judá no passado, o Senhor agora

assegura que seu tempo de aflição acabou e que ele o livrará dos assírios

(v. 12-13). Voltando-se para o rei da Assíria, o Senhor anuncia que vai erradicar

a dinastia real, destruir os ídolos no templo real e profanar a tumba

real (v. 14).231 Profanar um túmulo significava intensa hostilidade (2Rs

23.15-16; também meus comentários sobre Am 2.1-3). Receber um funeral

adequado era considerado muito importante nessa cultura, e os túmulos

eram protegidos por maldições neles inscritas.232 Ao violar o túmulo do rei

assírio, o Senhor mostraria seu mais ácido desdém tanto pelo rei quanto

pelos deuses responsáveis pela sua proteção.

Voltando-se para Judá, o Senhor manda olhar para as montanhas, pois

se aproxima um mensageiro. Ele traz consigo boas-novas sobre a queda da

Assíria (v. 15). Os assírios nunca mais invadiriam a terra de Judá. O povo

estava livre para celebrar suas festas e cumprir os votos que tinha feito ao

Senhor em suas preces por livramento.

A invasão de Nínive (2.1-3.19)

No papel de sentinela no muro da cidade, o profeta anuncia que se aproxima

um inimigo e conclama a cidade a ficar em guarda e preparar-se para

a batalha (2.1). Antes de descrever a queda da cidade (v. 3-10), ele pausa

para reiterar o tema de 1.12-15. A queda de Nínive sinaliza uma nova era

para Israel, cujo esplendor será restaurado (v. 2).

O relato de Naum é escrito como se ele fosse testemunha ocular do

evento (v. 3-10). Podemos ver os escudos e lanças dos soldados, e também

os carros de guerra correndo pelas ruas e praças. Os soldados assírios

cor "em para defender o muro da cidade, mas o inimigo invade e saqueia

os tesouros de Nínive enquanto o povo se dissolve com temor. A visão da

derrocada de Nínive foi cumprida em 612 a.C., quando as forças combinadas

dos babilônios e dos medos conquistaram Nínive após um cerco de

dois meses.233 Uma fonte babilônica descreve a queda da cidade assim: “A

cidade foi conquistada e uma grande derrota ele [o rei da Babilônia, Nabopolassar]

infligiu a toda a população [...] muitos prisioneiros da cidade,

mais do que se podia contar, foram levados e a cidade se transformou em

montes de ruínas e entulho”.234

231 Na última linha do versículo 14, o texto hebraico diz: “Eu porei [i.e., prepararei] seu túmulo”. Mas

uma pequena correção do texto dá a seguinte versão: “Eu desolarei seu túmulo”.

232 Para exemplos dessas inscrições tumulares com maldições para os profanadores, veja Pritchard,

Ancient Near Eastern Texts, 661-62.

233 Roux, Georges, Ancient Iraq (Middlesex England: Penguin Books), 341-42.

234 Pritchard, Ancient Near Eastern Texts, 304-5.


P rofetas M enores I 483 1

Depois de prever a queda de Nínive, Naum faz uma pergunta retórica:

“Onde está, agora, o covil dos leões?” (v. 11). Os poderosos assírios tinham

sido como leão entre ovelhas por muitos anos, encurralando e devorando

quem quer que desejassem (v. 12), mas, agora, o “covil” estava vazio; o

S enhor Todo-Poderoso (v. 13; em hebraico, S enhor dos Exércitos) iria

destruir os “leõezinhos” de Nínive.

Naum proclama uma previsão de dor contra a “cidade sanguinária, toda

cheia de mentiras e de roubo e que não solta a sua presa” (3.1). O grito

“ai!” sugere que o funeral de Nínive está prestes a acontecer, enquanto a

descrição de Nínive que segue faz alusão a seus crimes contra a humanidade.

Mais uma vez, o profeta mostra a invasão da cidade (v. 2-3). Chicotes

estalam, carros voam pelas ruas, cavaleiros se lançam à cidade, espadas

cintilam, lanças brilham e os cadáveres de Nínive formam pilhas tão altas

que os sobreviventes, apavorados, tropeçam sobre eles quando tentam fugir

para um local seguro. Embora a cena pareça despertar simpatia pelas vítimas,

o profeta nos lembra que o destino de Nínive é bem merecido, pois ela

tomava escravos de outras nações (v. 4).

O Senhor fala novamente, mais uma vez declarando a Nínive: “Eu estou

contra ti” (v. 5, veja 2.13). Ele mostra Nínive como uma prostituta (veja o

v. 4) e anuncia que vai humilhá-la publicamente, expor sua nudez e lançar

imundícies sobre ela (v. 5-6). Os que virem a cidade fugirão dela aterrorizados,

deixando-a abandonada e sem ninguém que a console (v. 7).

Nínive pensou que era invencível, mas o profeta tira uma lição da própria

história da Assíria para ilustrar que ela enganava a si mesma. A cidade

de Tebas também parecia invencível, mas, em 663 a.C., o exército assírio

conquistou essa fortaleza egípcia e levou seu povo para o exílio (v. 8-10).235

Se foi possível acontecer com Tebas, podia e iria acontecer com Nínive.

Aterrorizada e confusa, Nínive iria cambalear como um bêbado e fugir em

busca de abrigo (v. 11). Suas fortalezas seriam presas fáceis para o inimigo

(v. 12), pois os defensores de Nínive seriam como mulheres desamparadas

diante dos invasores (v. 13).

Naum novamente está no papel de sentinela quando conclama a cidade

a se preparar para um cerco e a fortalecer suas defesas (v. 14). Entretanto,

os esforços de Nínive se mostrarão inúteis, pois a cidade será destruída

pelo fogo e pela espada quando os soldados inimigos a assolarem como

gafanhotos (v. 15a). O profeta sarcasticamente orienta o povo de Nínive a

se multiplicar como gafanhotos (v. 15b). Ele compara os muitos comerciantes

da cidade a uma nuvem de gafanhotos que deixa a terra nua e depois

235 Para um relato da conquista assíria de Tebes, veja Luckenbill, Daniel D., Ancient Records o f

Assyria and Babylonia, 2 vols. (Chicago: University of Chicago Press, 1926-1927), 2:351, par. 906.


1484 | Introdução aos profetas

vai embora voando (v. 16). Da mesma maneira, os comerciantes, depois de

fazerem lucro durante sua era de ouro, fugirão da cidade antes da queda.

Naum também compara os inúmeros guardas e autoridades a besouros que

se escondem nas paredes em um dia frio e depois saem voando quando sai o

sol (v. 17). Da mesma maneira, os líderes de Nínive, que, uma vez sentiram-

-se seguros dentro da cidade, desaparecerão.

Naum conclui a profecia se dirigindo ao rei da Assíria mais uma vez (v.

18-19, cf. 1.14). Antecipando a queda de Nínive, ele compara os líderes da

cidade a pastores que dormem no serviço, permitindo que suas ovelhas, que

representam o povo da cidade, sejam espalhadas pelas montanhas, onde são

vulneráveis aos predadores. O profeta mostra o rei como alguém que foi

ferido de morte. Todos que ouvirem sobre a morte do rei celebrarão, porque

todos foram vítimas de sua crueldade.

Um panorama do futuro (Habacuque)

Introdução

Habacuque profetizou no final do século 1- a.C., embora seja impossível

apontar a data exata de sua mensagem. Por um lado, Habacuque anunciou

a ascensão dos babilônios como se fosse uma surpresa (1.5-6). Isso parece

pressupor uma data anterior a 605 a.C., quando os babilônios derrotaram

os egípcios na batalha de Carquemis e, em seguida, invadiram Judá (veja

Dn 1.1-2). Contudo, a profecia parece presumir que os babilônios já tinham

construído uma reputação como potência imperialista (1.6-11,15-17; 2.5-

17). Isso parece pressupor os eventos depois da batalha de Carquemis, pois

foi só depois dessa data que os babilônios viraram uma potência dominante.

É possível que essa descrição dos babilônios seja puramente proléptica,

antecipando o que eles se tomariam. Mas a forma mais natural de ler o texto

é presumir que os babilônios já tinham estabelecido sua reputação. Talvez

a melhor forma de resolver o problema seja compreender o livro como

um conjunto de mensagens de períodos diferentes na carreira do profeta.236

Por exemplo, o discurso em 1.5-11 combina o anúncio original do Senhor

da ascensão da Babilônia, um pouco antes de 605 a.C., com uma descrição

posterior do imperialismo babilônio, depois de 605 a.C. Uma vez que

Habacuque esperava uma invasão iminente que devastaria o país (3.16-19),

o livro em sua forma final deve ter sido composto pouco antes da segunda

invasão de Judá por Nabucodonosor, em 597 a.C. (2Rs 24.10-17) ou pouco

236 Veja Roberts, Nahum, Habakkuk, and Zephaniah, 82-84. Roberts alega que “alguns dos oráculos

são anteriores a 605 a.C. e outros, posteriores a 597 a.C.”. Ele sugere que a forma final do livro reflete

a “perspectiva pós-597 a.C.” do profeta.


P rofetas M enores 1485 1

antes de sua terceira e mais devastadora invasão, em 588-586, quando Jerusalém

foi destruída e saqueada (2Rs 25).

O livro exibe um padrão de diálogo, que pode ser descrito da seguinte

maneira:

Cabeçalho (1.10)

Lamento de Habacuque (1.2-4) - Por quanto tempo triunfará

o injusto?

A resposta do Senhor (1.5-11) - Ajustiça está a caminho.

A resposta de Habacuque (1.12-2.1) - Chama a isso justiça?

A resposta do Senhor (2.2-20) - Ajustiça vai prevalecer na

hora certa.

A resposta de Habacuque (3.1-19)- “Ouvi... e me alegrarei! ”

Aprece no capítulo 3 consiste de três partes: (1) uma petição ao Senhor

para que renove seus atos históricos poderosos e tempere sua ira com

misericórdia (v. 1-2); (2) um relato de uma teofania, na qual o Senhor vem

como um guerreiro poderoso e extermina seus inimigos (v. 3-15); e (3)

um cântico de confiança, no qual o profeta declara sua fé na capacidade de

Deus proteger seu povo nos difíceis tempos que se aproximam (v. 16-19).

A teofania é um relato detalhado do que o profeta tinha ouvido sobre o

Senhor.237 Ela não descreve um evento em particular, mas é uma imagem

poética de vários eventos em que o Senhor interveio na história primitiva

de Israel. Alguns argumentam que os versículos 3-15 são estritamente

uma visão do futuro, mas as formas verbais em hebraico utilizadas nesses

versículos indicam, na maior parte, ação completada, favorecendo a

ideia de que se trata de um relato histórico.238 E claro que, uma vez que o

profeta pede ao Senhor para “renovar” suas obras (v. 2b), podemos ver o

relato também como uma previsão do juízo vindouro e como sendo profético.

A história se repetiria.

Como o capítulo 3 é distinguido com instruções musicais e exibe um

estilo poético arcaico, alguns argumentam que isso não é parte da profecia

original. A ausência do capítulo 3 no comentário de Habacuque encontrado

em Qumran sustenta essa conclusão. Entretanto, o capítulo completa

o padrão de diálogo dos capítulos 1 e 2 e resolve o problema colocado

no início do livro. A reclamação é transformada em confiança, quando o

profeta, certo do cuidado protetor de Deus, antecipa o derramamento da

237 No versículo 2, ele declara “ouvi falar”. Nos versículos 3-15, ele relata o que ouviu, e, então, no

versículo 16, depois de compartilhar o relato, diz, novamente: “Ouvi”.

238 Observe como a NIV emprega o pretérito perfeito de forma coerente ao traduzir os versículos 3-15.


I 486 | Introdução aos profetas

justiça divina. As instruções musicais podem, de fato, ter sido acrescidas

depois, mas o estilo poético pode indicar simplesmente que o profeta usou

tradições poéticas primitivas. A ausência do capítulo no comentário de

Qumran pode refletir preocupações sectaristas. Além disso, o capítulo 3

aparece em um texto de Murabb’at, datado do século 2- d.C. e no manuscrito

dos profetas menores em grego encontrados em Nahal Hever, datado

do século Ia d.C.239

A perversão da justiça (1.2-4)

Habacuque lamentou que a sociedade na qual vivia tinha sido destroçada

pela injustiça. Ele utilizou seis termos diferentes para descrever a situação:

“violência”, “injustiça”, “errado”, “destruição”, “contenda” e “conflito”.

Retratou uma justiça “paralisada”.* O termo traduzido por “paralisada” é

utilizado em outras passagens para um coração, ou para a mão que perde a

força (Gn 45.26; SI 77.2). Quando isso acontece, a parte do corpo afetada

não pode funcionar normalmente. Da mesma maneira, as leis que Deus

estabeleceu para regular a vida socioeconômica da comunidade da aliança

estavam sendo ignoradas, fazendo com que a lei ficasse incapacitada, por

assim dizer. O profeta também retratou a justiça como “pervertida”. Esse

termo retrata como os justos padrões de Deus foram “torcidos” ou “dobrados”

pelos ímpios.

Alguns identificam os ímpios descritos aqui com uma potência estrangeira,

os assírios ou os babilônios, mas os assírios não são mencionados em

nenhuma outra passagem do livro, e os babilônios são apresentados como a

solução de Deus para o problema, nos versículos 5-11. A referência à “lei”

paralisada/frouxa deixa mais provável que o profeta tivesse em mente os

perversos dentro de Judá que estavam explorando e oprimindo seus compatriotas.

Jeremias, contemporâneo de Habacuque, também expôs e lamentou

a injustiça que caracterizava Judá nessa época (Jr 7.3-6; 9.1-6; 12.1-4;

15.10; 20.7-8; 22.3,13-17).

Com grande coragem, Habacuque desafiou Deus a intervir e reclamou

que o Senhor parecia esquecido de suas preces e do tecido social de Judá,

que se desintegrava. Embora o Senhor fique em silêncio às vezes, enquanto

malfeitores dominam a sociedade, esse silêncio nunca deve ser interpretado

como um sinal de que ele não tem consciência do que está acontecendo ou

de que ele não ligue para a justiça. Ao final, ele responderá e intervirá, como

Habacuque descobriu.

239 Veja Haak, Robert D., Habakkuk (Leiden: Brill, 1992), 3, 5.

* Frouxa, na ARA (N. do T.).


P rofetas M enores I 487 j

A solução de Deus (1.5-11)

Habacuque reclamou que o Senhor fez com que visse a injustiça (v. 3),

mas, subitamente, o Senhor lhe disse para olhar para as nações, pois ele

estava prestes a fazer o inesperado e surpreendente (v. 5). Ele levantaria

os babilônios para serem seu instrumento de justiça (v. 6a). Como antes

observado, esse anúncio inicial da ascensão da Babilônia ao poder foi preenchido

mais tarde com uma descrição da máquina de guerra babilônica

(v. 6b-ll). Os babilônios estavam empenhados na conquista do mundo.

Eles impunham medo no coração das outras nações, pois não estavam

sujeitos a nenhuma lei, a não ser à sua própria. Moviam-se suavemente

e atacavam suas vítimas como um abutre. Zombavam daqueles que lhes

tentavam resistir. Um exército desses, sem lei e tão violento, seria um instrumento

razoável de juízo divino contra aqueles em Judá que oprimiam

com violência seus compatriotas e ignoravam a lei de Deus.

A resposta de Habacuque (1.12-2.1)

Habacuque não podia mais acusar Deus de ser inativo, mas a solução

de Deus parecia não ser o que o profeta tinha em mente. Ele não estava

totalmente satisfeito com o plano do Senhor. Antes de registrar sua objeção,

entretanto, ele se dirige ao Senhor como alguém que esteve ativo na história

de Israel desde os tempos antigos (v. 12). A expressão hebraica traduzida

como “desde a eternidade” é mais bem traduzida “desde a antiguidade”. Em

outras passagens, refere-se à antiguidade em geral (Is 45.21; 46.10) e, mais

especificamente, à história primitiva de Israel (SI 74.12; 77.11), inclusive

à era davídica (Mq 5.2; Ne 12.46). Habacuque era mais preocupado com o

envolvimento do Senhor na vida da nação desde os tempos mais remotos

(3.2-16) do que na eternidade de Deus em algum sentido filosófico.240 O

profeta também se dirige a Deus como “Santo”, reconhecendo a posição

soberana do Senhor como autoridade moral do mundo, e como “Rocha”,

indicando que ele é o protetor de seu povo (veja Is 17.10; 26.4; 30.29; 44.8).

Habacuque sabia claramente seu credo teológico: o Senhor é o governante

justo e protetor de seu povo e não pode tolerar o mal e a injustiça

(v. 13a). Mas foi esse mesmo credo que continuou a causar esse problema

para o profeta. Se Deus era, realmente, o rei justo, então como podia fazer

os babilônios ficarem tão importantes? Sim, porque os babilônios iriam

240 Aproxima linha também pode afirmar a transcendência de Deus sobre a história. O texto tradicional

em hebraico diz “nós não morreremos” (veja a NIV), mas uma antiga tradição dos escribas sugere que

o texto original pode ter dito “tu [referindo-se a Deus] não morrerás”. Há quem teorize que essa última

versão foi alterada para que a ideia da morte não fosse associada a Deus de nenhuma maneira. Veja

Roberts, Nahum, Habakkuk, and Zephaniah, 100-101. Para uma defesa da leitura tradicional (“não

morreremos”), veja Haak, Habakkuk, 48-49.


1488 1 Introdução aos profetas

distribuir violência sobre os opressores impuros de Judá, mas o que dizer das

pessoas inocentes que seriam engolidas nesse processo (v. 13b)? Falando

de forma prática, como é que uma invasão babilônia seria melhor para o

povo inocente do que a opressão que vinham experimentando de seus próprios

compatriotas? De fato, ao permitir que os babilônios construíssem

um império, Deus parecia estar mostrando pouca consideração pelo valor

da vida humana. Os babilônios eram como pescadores que utilizam redes

para puxar peixes da água quando querem (v. 14-15). Em outras palavras,

no plano de Deus parecia que as nações não tinham nenhum valor. Elas só

existem para satisfazer o apetite dos babilônios. Para tomar as coisas piores,

os pagãos babilônios nem sequer se reconheciam como instrumentos de

Deus. Em vez disso, adoravam seu próprio poder, simbolizado pelas redes

(v. 16-17). Depois de fazer seu último protesto, o profeta esperou ansiosamente,

pronto para oferecer sua contestação (2.1).

Uma palavra de garantia (2.2-20)

O Senhor respondeu a objeção de Habacuque assegurando que a justiça

divina prevaleceria no final. O Senhor considerou essa mensagem tão

importante que instruiu Habacuque a escrevê-la em tábuas (v. 2-3). Antes

do cumprimento da profecia, o registro formal da promessa de Deus iria

servir como um lembrete de garantia ao remanescente fiel de que ele, no

fim, seria justificado. Depois de cumprida a promessa, serviria como prova

da fidelidade de Deus, bem como de um testemunho incriminador contra

aqueles que o tinham rejeitado.241

A mensagem propriamente dita começa com uma declaração em estilo

proverbial que coteja os destinos dos ímpios e dos santos (v. 4). O versículo

apresenta desafios especiais à interpretação e tem sido traduzido de diversas

maneiras. ANIV traduz a primeira linha assim: “Eis o orgulhoso; sua alma

241 O versículo 3a é mais bem traduzido assim: “Pois a visão é uma testemunha no tempo certo, de

fato, uma testemunha do fim, e não mente”. O texto tem sido traduzido normalmente mais ou menos

assim: “Pois a visão ainda é para um tempo determinado, e apressa [literalmente, anseia pelo] o fim,

e não mente”. Essa leitura presume queyapeakh é uma forma verbal hiphil da raiz p u a k h , “respirar,

soprar”, mas essa interpretação da forma é incorreta. Na verdade, é um substantivo, que quer dizer

“testemunha”. Aparece em ugarítico, em que as leituras atestadas mais claramente empregam a palavra

para apresentar os nomes de testemunhas em contratos legais. Aparece em diversas passagens em

Provérbios, em que é um paralelo ao substantivo led, “testemunha” (6.19; 12.17; 14.5,17.3; 19.5,9).

Nessas passagens, a tradição massorética parece compreender a forma como verbo, pois é destacada

com uma vogal tema hireq-yod. O substantivo proposto se encaixa muito bem em Habacuque 2.3a,

em que seria uma referência de a visão funcionar como testemunha. Se a interpretação dsya p eakh for

correta, é possível que 'od, “ainda”, na linha paralela, seja uma interpretação equivocada de um 'ed

consonantal original, “testemunha”, que faz par com yapeakh nas passagens de Provérbios citadas

acima. Para uma discussão mais completa do problema textual, veja Haak, Habakkuk, 55-57, e Roberts,

Nahum, Habakkuk, and Zephaniah, 105-6.


P rofetas M enores | 489 I

não é reta”.242 Nesse caso, a afirmação é um comentário sobre o orgulho e os

desejos incorretos de um sujeito não identificado. Entretanto, uma tradução

melhor seria: “Vede: aquele cujos desejos não são retos desmaia”. Essa tradução

presume uma emenda ao verbo ‘upelah, para ullepah (nesse caso,

o texto hebraico tradicional é produto de uma transposição acidental das

letras pe e lamed), com significado de “desmaiar”,243 e considera “aquele

cujos desejos não são retos” o sujeito do verbo “desmaiar” (possivelmente

um eufemismo para a morte). Isso produz um paralelismo mais encaixado

com a segunda linha:

Vede: aquele cujos desejos não são retos desmaia, mas o

justo vive pela sua fé.

O versículo 4b diz, literalmente, “e o justo viverá pela sua integridade”.

O antecedente do pronome “sua” tem sido discutido. O pronome podia

se referir à profecia (veja os v. 2-3), em cujo caso poderíamos traduzir a

expressão por “sua confiabilidade”.244 Outra opção é que o pronome se refira

a Deus. Nesse caso, a expressão pode ser traduzida por “sua fidelidade”.245

Entretanto, o antecedente mais próximo e provável é o “justo”, mencionado

imediatamente antes. Nesse caso, a questão é que o justo seria sustentado

no juízo que se aproximava por seu caráter reto.

Cada um dos termos no versículo 4b pede consideração. O termo traduzido

por “justo” (em hebraico, tsaddiq), utilizado coletivamente aqui,

provavelmente se refere, neste contexto, às pessoas inocentes e justas que

estavam sendo oprimidas. O mesmo termo hebraico é utilizado em 1.4 para

as vítimas inocentes da opressão em Judá e em 1.13 para os inocentes que

seriam engolidos pelos babilônios.246 O verbo “viver” (em hebraico yikhyeh,

de khayah) é utilizado aqui em seu sentido mais básico de “viver fisicamente”.

Neste contexto, refere-se a ser preservado ou sustentado durante

a invasão que viria, que deixaria a terra sem fontes de comida (3.17). O

termo traduzido por “integridade” é o substantivo hebraico 1em unah.

Embora normalmente traduzido por “fé”, aqui, com base na utilização da

passagem no Novo Testamento, o termo é mais bem traduzido por “integridade”,

“fidelidade” ou “lealdade”. O significado primário do termo é

242 Nesta visão, a forma verbal em hebraico ‘ upelah, traduzida por “envaidecido”, é derivada de uma

raiz, certificada posteriormente em hebraico e em árabe, que quer dizer “ser impudente, tolo”.

243 A raiz verbal 'alap é atestada no tronco pual (a forma proposta aqui) em Isaías 51.20 e no tronco

hithpael em Amós 8.13 e em Jonas 4.8.

244 Veja Haak, Habakkuk, 59, e Roberts, Nahum, Habakkuk, and Zephaniah, 111-12.

245 A esse respeito, observe que a Septuaginta lê pisteos mou, que pode ser traduzido por “minha

fidelidade [referindo-se a Deus]”.

246 Veja também o emprego do termo em Isaías 3.10; 57.1; Oseias 14.9; Malaquias 3.18.


1490 | Introdução aos profetas

“firmeza, estabilidade” (Êx 17.12). Quando utilizado para o caráter ou conduta

humana, refere-se à confiabilidade (Pv 12.17,22; Is 59.4; Jr 5.3; 9.3)

e à integridade (2Rs 22.15; 22.7; Jr 5.1). Não é utilizada em nenhum ponto

como “fé” ou “crença” de per si. No contexto de Habacuque 2.4, o termo

provavelmente se refere ao respeito à lei pelos oprimidos, que se recusavam

a violar a lei de Deus e seguir o exemplo dos violentos e enganadores. A

declaração do Senhor assegurou a Habacuque que essas pessoas inocentes

não seriam alvo de seu juízo.

Habacuque 2.4b é uma das passagens mais conhecidas dos profetas, sem

dúvida porque é citado três vezes no Novo Testamento. Em Romanos 1.17,

Paulo faz a citação como prova de sua tese de que a “justiça” de Deus

vem “pela fé”. Em Gálatas 3.11, ele cita Habacuque 2.4b para provar que

a justificação vem pela fé, não pela lei mosaica. Nos dois casos, Paulo não

inclui o pronome “sua” com a palavra “fé”. Talvez mais significativo, ele

parece dar um significado à palavra hebraica 5em unah que não é atestado

em nenhuma passagem na Bíblia hebraica. Como observamos acima, na

Bíblia hebraica o termo se refere ao caráter e estilo de vida de alguém,

não à sua “crença”, no sentido em que Paulo se refere. No entanto, pode-

-se argumentar que um estilo de vida justo era baseado, mesmo no Antigo

Testamento, em um compromisso inabalável com Deus, juntamente com

a promessa de Deus de recompensar e proteger seus leais seguidores. Em

outras palavras, fé e fidelidade eram dois lados da mesma moeda. Talvez

essa conexão íntima entre os dois conceitos esteja por trás do pensamento

de Paulo, embora seja possível que sua utilização da passagem reflita simplesmente

uma tradição interpretativa de Habacuque 2.4 comum em sua

época.247 Habacuque 2.4 também é citado em Hebreus 10.38, conquanto

em um texto diferente, que coloca o pronome “meu” antes de “justo” e

omite o pronome “sua” antes de “fé”.248 O autor de Hebreus utiliza Habacuque

2.4 de uma maneira que reflete seu significado original. Ele conclama

os leitores a permanecerem fiéis, apesar de suas provações, pois Deus vai

recompensar sua perseverança no final. De maneira semelhante, o Senhor

lembrou a Habacuque que persistir na santidade sustentaria os inocentes

nos tempos difíceis que viriam pela frente.

A declaração sobre os ímpios no versículo 4a é muito genérica; descreve

o que acontece tipicamente aos perversos. E genérica o bastante para englobar

tanto os perversos de Judá quanto os cruéis babilônios. No entanto, o

versículo 5b deixa claro que a referência primeira é aos babilônios, como

247 Para uma discussão útil do emprego, por Paulo, de Habacuque 2.4b em Romanos 1.17, veja Moo,

Douglas, Romans 1-8 (Chicago: Moody, 1991), 71-73.

248 Hebreus 10.37-38, na verdade, cita Habacuque 2.3b-4, essencialmente, na forma textual da

Septuaginta, mas com uma inversão das linhas no versículo 4.


P rofetas M enores j 491

indicam as referências a conquistas globais (cf. 1.6). O Senhor caracterizou

os babilônios como intoxicados com o orgulho e com a ganância. Como um

bêbado que quer cada vez mais vinho, os sucessos militares dos babilônios

fizeram com que eles quisessem se expandir para incluir cada vez mais

nações. Como o túmulo que deseja ter cada vez mais corpos, assim também

os babilônios desejavam cada vez mais vítimas.249 Em resumo, o Senhor

concordou com a avaliação de Habacuque sobre a ganância e a soberba dos

babilônios (1.14-17) e não iria perdoar ou ignorar seus atos. Na verdade,

depois que tivesse utilizado os babilônios para atingir seus objetivos, entraria

em severo juízo com eles.

Os babilônios encontrariam a derrota e, no final de seu juízo, todas as

suas vítimas zombariam de seu opressor com uma canção fúnebre mordaz

com cinco estrofes (v. 6a). A canção pode ser descrita na forma que se

segue: 6b-8-, 9-11, 12-14, 15-17, 18-20. Cada uma das quatro primeiras

estrofes começa com “ai” (veja os v. 6b, 9, 12, 15). Como antes observamos,

essa palavra é um grito de lamento ouvido em funerais (lRs 13.30; Jr

22.18-19; Is 1.4; Am 5.16). Seu surgimento aqui indica que os babilônios

estavam à beira da morte. O termo também aparece dentro da estrofe final

(v. 19), que começa com uma pergunta retórica denunciando os ídolos e

os idólatras (v. 18). A variação estrutural é, provavelmente, uma forma de

indicar o fechamento do cântico.

Os babilônios tinham construído um império com roubo e assassinato

(v. 6,9a-10). Deixaram atrás de si um rastro de sangue e cidades arruinadas

(v. 8,12,17b). Em sua arrogância, chegaram a invadir a grande floresta do

Líbano e saquearam suas árvores e animais (v. 17a, veja Is 14.8).250 Como

uma águia que constrói seu ninho em um lugar alto, pensavam que estavam

muito seguros (v. 9b), mas um dia de ajuste de contas chegaria. O império

babilônio parecia uma casa sólida, mas as próprias pedras e as madeiras

(simbolizando a riqueza tirada de terceiros) eram testemunho de seus crimes

(v. 11). As vítimas da babilônia se levantariam como credores impiedosos

e exigiriam a devolução, tratando os babilônios como eles tinham

tratado os outros (v. 7).251 O Senhor Todo-Poderoso (literalmente, “Senhor

dos Exércitos”), e não a Babilônia, governa a terra e frustra os esforços

imperialistas de nações como ela (v. 13-14). Ele daria à Babilônia o que

ela havia dado aos outros. Babilônia é retratada como alguém que obriga

os outros a tomarem bebida intoxicante até que estejam tão bêbados e tolos

245 Sobre a personificação da morte e seu apetite voraz, veja meus comentários sobre Isaías 25.8.

230 Nabucodonosor transportou madeira do Líbano para seus projetos arquitetônicos. Veja Roux,

Ancient Iraq, 345-46, 359-60.

251 A forma hebraica traduzida por “devedores” na NIV (v. 7) é mais bem entendida como uma

referência a “credores”.


| 492 ] Introdução aos profetas

que se exponham, para sua diversão e escárnio (v. 15). A realidade subjacente

pode ser a prática de humilhar publicamente os prisioneiros expondo

sua nudez.252 Mas agora era a vez de a Babilônia ser humilhada (v. 16). A

mão direita do Senhor, simbolizando sua força, estava passando a taça de

bebida intoxicante para a Babilônia. A Babilônia seria obrigada a beber até

o ponto em que, bêbada e tola, expusesse sua nudez. As palavras do versículo

16 são muito mais gráficas do que a maioria das traduções indica. A

segunda linha diz, literalmente: “Agora, você beba, e exponha sua pele!”253

Enquanto a glória do Senhor se estende por toda a terra (v. 14), a glória da

Babilônia se tomaria em vergonha e desgraça. Os babilônios confiavam em

seus ídolos, que seriam incapazes de protegê-los do juízo divino (v. 18-19).

Em contraste com esses “deuses” sem vida, artesanais, o Senhor governa

a terra de seu palácio celestial (v. 20a). Em sua presença, toda a terra deve

ficar em silêncio, atemorizada (v. 20b). Esse silêncio pode bem ser o prelúdio

de sua chegada em juízo (veja o cap. 3; também Sf 1.7).

Prece para que a história se repita (3.1-15)

Habacuque respondeu a profecia da derrocada da Babilônia com uma

prece (v. 10). Ele tinha ouvido sobre os feitos poderosos do Senhor no passado

de Israel. Na verdade, o relato era tão impressionante que tomou o

profeta de temor (v. 2a).254 Ele pediu ao Senhor que reavivasse sua obra em

seu próprio tempo, mas também pediu que temperasse seu juízo de ira com

misericórdia (v. 2b).

O que, exatamente, esse relato continha? Por que instilou tanto medo

no profeta? Nos versículos 3-15, Habacuque dá uma descrição detalhada

do relato que tinha ouvido. Esse relato tem duas partes. Os versículos 3-7

falam do Senhor na terceira pessoa e mostram sua marcha a partir do sul.

Nos versículos 8-15, o profeta fala diretamente ao Senhor quando relembra

o que o relato disse a seu respeito. As referências ao Senhor marchando

sobre o mar com seus cavalos fecham a unidade.

O Senhor se aproxima, vindo de Temã e do monte Parã (v. 3). Temã era

uma cidade edomita (veja Am 1.12; Ob 9) situada a sudoeste de Judá. O

monte Parã era uma serra situada ao sul de Judá, perto do golfo de Áqaba.

Os habitantes de Midiã e Cusã, situadas ao sul da Cisjordânia, reagem com

temor, percebendo que estavam no caminho da marcha desse guerreiro

232 Roberts, Nahum, Habakkuk, and Zephaniah, 124.

253 O texto retrata a Babilônia personificada como incircuncisa. Uma leitura alternativa, encontrada

nos manuscritos do mar Morto e na Septuaginta, lê “... e cambaleie”. Para uma defesa do texto

tradicional em hebraico, veja Miller, Sin and Judgment in the Prophets, 63-64, e também Roberts,

Nahum, Habakkuk, and Zephaniah, 116.

254 O versículo 2a diz, literalmente: “O S e n h o r , ouvi falar de tua fama e temo tua obra, ó S e n h o r ” ,


P rofetas M enores | 493 |

poderoso (v. 7). A imagem do Senhor vindo do sul lembra descrições poéticas

mais antigas de sua marcha vindo da mesma área. Deuteronômio 33.2

descreve-o vindo do Sinai, de Seir (isto é, Edom) e do monte Parã para

abençoar as tribos israelitas e levá-las até a Terra Prometida. Em Juizes 5.4,

ele vem de Seir/Edom para lutar contra o exército cananeu de Sísera.

Quando o Senhor entra em cena, o brilho de seu esplendor real é ofuscante

e arranca louvores de quem o vê. De acordo com a NIV, o versículo 4

compara sua glória aos raios de sol da manhã. Entretanto, é possível que a

imagem seja a de um raio.255 O texto diz, literalmente: “E seu resplendor é

como a luz, dois chifres saem de sua mão”. O termo hebraico traduzido por

“luz” pode se referir à luz do sol, mas, às vezes, refere-se a um relâmpago

(Jó 36.32; 37.3,11,15). A referência a “dois chifres” pode estar falando de

um relâmpago bifurcado. As vezes, menciona-se que os deuses mesopotâmios

usavam “relâmpagos” como arma, e um texto ugarítico parece chamar

o raio do deus da tormenta, Baal, de “chifre”.256 O versículo 9 retrata o

Senhor lançando flechas, que são frequentemente utilizadas como metáfora

de raios em textos teofânicos (veja o SI 8.14; 77.17-18; 144.6; Zc 9.14).

O Senhor é acompanhado de peste e pestilência personificadas, consideradas

aqui parte de sua comitiva real. Diante desse trio assustador, a

terra treme, as nações se sacodem e as montanhas primitivas, conhecidas

por sua estabilidade, desintegram-se (v. 6). O termo hebraico reshep, aqui,

é traduzido normalmente por “pestilência” porque vem acompanhado do

termo deber, “praga”, na estrutura paralela do versículo. A palavra também

se refere a pestilência em Deuteronômio 32.24 e provavelmente no

salmo 78.48.257 Em alguns textos bíblicos, o termo reshep quer dizer simplesmente

“flechas” (SI 76.3; Ct 8.6). Esse significado secundário pode ser

explicado pelo fato de que, no antigo Oriente Próximo, Reshef era uma

divindade guerreira cujas flechas transportavam pestilência.258

2,5 Roberts, Nahum, Habakkuk, and Zephaniah, 152-53.

236 Veja van Buren, E. D., Symbols o f the Gods in Mesopotamian Art (Roma: Pontificai Biblical

Institute, 1945), 70-73, e Gibson, Canaanite Myths and Legends, 51.

257 Pode-se criar um bom caso ao corrigir o termo hebraico barad, “relâmpago”, no versículo 4a, para

deber, “praga”, em cujo caso reshapim (a forma plural de reshep), no versículo 48b, não se refere

a relâmpagos, mas aos filhos de Reshef (veja Jó 5.7), que traz a peste. Esses filhos de Reshef podem

ser os “anjos de destruição” mencionados no versículo 49. Veja Day, John, Yahweh and the Gods and

Goddesses o f Canaan (Sheffield: Sheffield Academic, 2000), 200-201.

258 Veja ibid., 197-99, 202-4. A evidência iconográfica mostra Reshef como um guerreiro. Veja

Comelius, Izak, The Iconography o f the Canaanite Gods Reshef and B a ’al (Friburgo: Fribourg

University, 1994). Em Ugarite, ele era equiparado a Nergal, o deus mesopotâmio do submundo e da

peste. Um texto ugarítico o descreve tirando a vida da esposa de um rei. Veja Day, Yahweh and the Gods,

198, e Gibson, Canaanite Myths and Legends, 82 (text 14 i 18-19). Reshef também ajuda o deus Baal

em sua guerra contra Yam, o deus do mar. Veja Day, John, “New Light on the Mythological Background

of the Allusion to Resheph in Habakkuk III 5”, VT 29 (1979): 353-55.


494 | Introdução aos profetas

O versículo 8, por meio de uma série de perguntas, obriga a uma reflexão

sobre o objeto da ira de Deus. O Senhor subiu em seu carro para entrar em

combate, mas contra quem? A ira dele é contra os rios e o mar? De início,

a pergunta pode parecer estranha, mas o versículo 15 mostra, de fato, os

cascos dos cavalos do carro do Senhor batendo sobre as ondas do mar. Fica

evidente, quando a visão continua, que o mar é objeto da ira do Senhor (veja

também o v. 10b). As imagens lembram o êxodo, quando o Senhor secou o

mar. Mas o mar é apenas um símbolo poético das nações hostis (v. 12).

O relato mostra o Senhor como um guerreiro armado com várias armas

(v. 9-14). Quando se prepara para lançar suas flechas, ele as incumbe pessoalmente

de cumprirem sua missão mortal (v. 9a). ANIV traduz a segunda

linha do versículo 9 como “pediste muitas flechas”, mas o texto hebraico

(que diz, literalmente, “as setas [estão] conjuradas com uma palavra”) é

mais bem traduzido por “dás ordens a tuas flechas” (veja a NET).259 No

antigo Oriente Próximo, os guerreiros às vezes davam poderes às suas

flechas com palavras mágicas.260 Aqui, mostra-se o Senhor fazendo algo

semelhante (veja também Jr 47.6-7).

Como observamos acima, às vezes, flechas são utilizadas em teofanias

como uma metáfora para raios. Provavelmente esse é o caso aqui, pois as

imagens de tormentas dominam os versículos 9b-10. Uma chuva torrencial

faz com que as correntes inundem as margens e corram pelos campos, de

forma que a terra parece fendida com rios. A matança é tão aterrorizante

que as montanhas tremem e as profundezas levantam as mãos (provavelmente

uma referência às ondas produzidas pelo vento forte que acompanha

a tempestade) e pedem misericórdia em voz alta.261 As palavras lembram o

salmo 77.16-18, um relato poético da libertação de Israel no mar Vermelho

que mostra o Senhor vindo como uma tempestade e subjugando o mar para

que pudesse guiar seu povo de forma segura na travessia. O brilho das flechas

e da lança do Senhor (duas metáforas para relâmpagos) paralisa o Sol

e a Lua (v. II).262 Aqui, as palavras são reminiscências de Josué 10.12-14,

259 O termo hebraico m attot é a forma plural de m atteh, que, normalmente, refere-se a um cetro ou

uma clava. Entretanto, neste contexto, em que se menciona um arco na linha paralela, o termo se refere

às setas das flechas dos guerreiros. O cognato ugarltico de m atteh é empregado em um texto mitológico

para as “setas” (isto é, flechas) que a deusa guerreira Anate dispara de seu arco. Veja Gibson, Canaanlte

Myths andLegends, 47.

260 Veja Haak, Habakkuk, 95. Nos mitos ugaríticos, as armas de Baal ganham uma incumbência

formal de destruir Yam, o deus do mar e inimigo mortal de Baal. Veja Gibson, Canaanite Myths and

Legends, 43-44.

261 Erguer as mãos acompanhava, às vezes, pedidos de misericórdia. Veja o salmo 28.2 e Lamentações 2.19.

262 Um texto mitológico ugarítico descreve Baal assim: “Sete raios ele lança, oito paióis de trovão,

ele brande uma lança de relâmpago”. Sobre esse texto, veja Pope, Marvin H. e Tigay, Jeffrey H., “A

Description of Baal”, UF 3 (1971): 118; e Cross Jr., Frank M., Canaanite Myth and Hebrew Epic

(Cambridge: Flarvard University, 1973), 147-48.


P rofetas M enores 1495 I

que mostra o Sol e a Lua imóveis para que as forças israelitas pudessem

exterminar seus inimigos cananeus antes do anoitecer.

O primeiro propósito do Senhor é livrar seu povo e o rei davídico, aqui

mencionado como o “ungido” do Senhor (v. 13-14a). As palavras parecem

relembrar as vitórias militares de Davi, que derrotou muitas nações

enquanto contava com livramento e proteção sobrenaturais no campo de

batalha (2 Sm 22).

O Senhor concentra seu ataque sobre “a terra” (literalmente, “casa”) do

perverso. Neste ponto, a dimensão profética do relato preenche a história,

pois a expressão “casa do perverso” faz alusão a 2.9-11, em que o império

babilônico é comparado a uma casa construída com ganhos injustos, e a

1.13, em que os babilônios são caracterizados como “perversos”. O ataque

do Senhor a esta “casa” perversa é violento e decisivo. Os versículos

lb-14a são mais bem traduzidos assim: “Feres a cabeça da casa do perverso,

deixando-a aberta dos pés ao pescoço. Com suas flechas, perfuras as cabeças

de seus soldados”.263 A “casa dos perversos” é personificada aqui como

o rival do Senhor na batalha. Com a clava de batalha, o Senhor esmaga a

cabeça dos inimigos e, depois, com sua espada, abre seu corpo. Tirando as

flechas de seu inimigo, o Senhor acerta as cabeças dos soldados inimigos.264

Habacuque olha para o futuro com confiança (3.16-19)

Depois de compartilhar o relato dos feitos históricos do Senhor, o profeta

descreve novamente o temor que se instalou nele (v. 16a; veja o v. 2a).

Essa demonstração da ira divina não deixa de aterrorizar os observadores,

mesmo que não sejam objeto da ira divina.

No final do livro, Habacuque sabia que o passado do Deus de Israel

ainda estava vivo e pronto para renovar sua obra poderosa entre as nações.

Entretanto, a situação em Judá ficaria pior antes que a justificação final

acontecesse. Por um lado, era inspirador refletir sobre o passado e perceber

que Deus reavivaria suas obras; por outro, a invasão de Judá estava

no horizonte imediato (v. 16b). Ainda assim, Habacuque podia encarar o

futuro com confiança, pois sabia que Deus sustentaria seus leais seguidores

(veja 2.4b). Mesmo que a comida desaparecesse, Habacuque se alegraria

no Deus que livra seu povo dessas crises (v. 17-18). De alguma

maneira, o Senhor permitiria que ele transpusesse os obstáculos perigosos

adiante, da mesma forma que uma ágil corsa consegue correr em terreno

pedregoso (v. 19).

263 Essa tradução entende o termo hebraico ro ’sh , “cabeça(s)”, como atrelado à expressão seguinte,

“seus guerreiros”. Há quem ligue “seus guerreiros” (a NIV, por exemplo) com o que segue.

264 Na NIV, “sua própria lança” traduz uma forma hebraica que quer dizer, literalmente, “suas setas”.

No versículo 9, entretanto, o termo parece se referir a flechas.


1496 1 Introdução aos profetas

O juízo que purifica (Sofonias)

Introdução

De acordo com o cabeçalho do livro, Sofonias profetizou durante o remado

de Josias (640-609 a.C.). Ele antecipou a queda de Nínive, em 612 a.C. (2.13-

15), e sua descrição da corrupção religiosa de Judá (1.4-18) parece ser anterior

às reformas de Josias, que aconteceram em 622-621 a.C. (2Rs 22-23).

Sofonias pode ter sido de descendência real. O cabeçalho traça seus ancestrais

quatro gerações antes. Uma vez que os cabeçalhos dos livros normalmente

dão apenas o nome do pai do profeta (veja Is 1.1; Jr 1.1; Ez 1.1; Os 1.1;

J11.1) ou, no máximo, duas gerações (Zc 1.1), deve haver alguma razão para

a genealogia mais extensa que aparece no caso de Sofonias. A melhor explicação

para isso é que Sofonias fosse descendente do famoso rei Ezequias.

O livro é composto de três seções principais (1.2-18; 2.4-3.7; 3.8b-20),

conectadas por duas exortações tradicionais (2.1-3; 3.8a). A estrutura do

livro pode ser esboçada da seguinte maneira:

Primeira parte

Anúncio de juízo universal (1.2-3)

Anúncio de juízo contra Judá/Jerusalém (1.4-6)

Proclamação do dia do Senhor, que se aproxima (1.7)

Anúncio de juízo contra Jerusalém (1.8-13)

Proclamação do dia do Senhor, que se aproxima (1.14a)

Anúncio de juízo universal (1.14b-18)

Transição: exortação (2.1-3)

Segunda parte

Anúncio de juízo contra a Filístia (2.4-7)

Anúncio de juízo contra Moabe e Amom (2.8-11)

Anúncio de juízo contra Cuxe (2.12)

Anúncio de juízo contra a Assíria (2.13-15)

Previsão de lamento contra Jerusalém (3.1-7)

Transição: exortação (3.8a)

Terceira parte

Anúncio de juízo universal (3.8b)

Anúncio de salvação universal (3.9-10)

Anúncio de salvação para Jerusalém (3.11-20)

Na primeira parte, as referências ao “dia do Se n h o r , que se aproxima”

aparecem nos versículos 7 e 14, dividindo a seção em três subunidades


P rofetas M enores | 497 |

(v. 2-6-7-13-14-18). Nos versículos 2-6, o Senhor anuncia que vai entrar

em juízo contra todo o mundo, e, mais especificamente, contra Judá e Jerusalém.

Os versículos 7-13 desenvolvem um tema posterior (o juízo contra

Jerusalém), enquanto os versículos 14-18 expandem o tema do juízo universal.

As imagens do juízo universal (v. 2-3,17-18) formam um colchete

em tomo da seção.

A primeira exortação (2.1-3) fomece uma conclusão que se encaixa no

anúncio do iminente dia do Senhor (cf. v. 3 com 1.7,14,18). Ainda assim, é

claramente transicional, pois a partícula hebraica kiy, “pois, porque”, aparece

no início do versículo 4 (a NIV erra na tradução do termo), indicando

uma conexão lógica entre a exortação e a previsão de juízo que se segue.

Os discursos de juízo na segunda parte sustentam o tema do juízo universal,

apresentado na primeira parte. As nações representativas dos quatro

pontos cardeais são escolhidas: Filístia (a oeste de Judá), Moabe e Amom

(a leste), Cuxe (ao sul) e a Assíria (ao norte; veja 2.13a).265 A lista culmina

com Jerusalém. Como no primeiro capítulo, o juízo do Senhor é universal

em alcance, mas se concentra na própria comunidade da aliança de Deus

como seu alvo primário. Entretanto, a mensagem não é inteiramente negativa,

pois avisos de salvação para Judá (2.7,9b) e também para as nações

(2.11) aparecem, antecipando o tema dominante da terceira parte.

A segunda exortação (3.8a) é transicional e está conectada logicamente

com o que a precede (observe “pois”, no começo do versículo) e com o

que segue (observe “para”, no v. 8b). A terceira parte começa com outro

juízo universal, continuando o tema primário das partes primeira e segunda.

Mas o humor muda quando o tema salvação, apresentado rapidamente na

segunda parte, passa a dominar.

O destruidor está chegando (1.2-6)

O juízo do Senhor devastaria toda a superfície da terra, incluindo a

humanidade e os animais. Até as aves do céu e os peixes no mar seriam

destruídos, e a extensão da devastação rivaliza com a da inundação noética,

que é mencionada (cf. as palavras dos v. 2-3 com as de Gn 6.7; 7.4,23).

Esse juízo se constitui em desfazer a criação em ordem inversa. O versículo

3a fala da eliminação da humanidade e dos animais (criados no sexto dia),

seguida pela das aves e dos peixes (criados no quinto dia).

O significado exato do versículo 3b não é claro. O texto hebraico diz,

literalmente, “e as pedras de tropeço juntamente com os perversos”, ou

“e as coisas que fazem os perversos tropeçarem”. Uma opção é que o

265 A Assíria ficava, na verdade, a nordeste de Judá, mas os exércitos assírios invadiram a Palestina

vindos do norte. Veja Isaías 14.31.


1498 I Introdução aos profetas

substantivo traduzido por “pedras de tropeço” se refira a ídolos feitos à

imagem de animais. Isso explicaria por que o juízo tem tão longo alcance.

Se a humanidade insiste em adorar imagens de animais, então Deus irá

eliminar a inspiração para essas imagens. A questão não é se os animais

tinham culpa no pecado da humanidade, mas que a humanidade idólatra

tinha corrompido o reino animal, valendo-se dele de uma maneira que

nunca foi imaginada pelo criador. Outra opção é que o termo hebraico

não se refere a pedras de tropeço de algum tipo, mas às “ruínas” (forma

causativa do verbo kashal, “tropeçar”, pode significar “derrubar, reduzir

a ruínas”) das cidades da humanidade. Isaías 3.6, o único outro texto

em que o substantivo aparece na Bíblia hebraica, refere-se a uma cidade

que tinha sido reduzida a ruínas. Nesse caso, o texto alerta que o Senhor

devastaria as cidades da terra quando liberasse seu juízo contra a humanidade

perversa.

Esse retrato do juízo divino em uma escala cósmica fornece a estrutura

para o juízo mais concentrado anunciado nos versículos 4-6. O alvo primário

do juízo de Deus seria o seu próprio povo, que o tinha rejeitado e

abraçado práticas e deuses pagãos. A segunda metade do versículo 5 diz,

literalmente: “Os que adoram ao Se n h o r e juram por ele e também por

seu rei”. Aparentemente, isso não se refere a dois grupos diferentes (leais

seguidores do Senhor e idólatras), mas a apenas um grupo, que se envolveu

na adoração sincrética do Senhor e de um deus pagão mencionado como

“seu rei”. A identidade desse deus não é clara, embora Baal (v. 4), o deus

amonita Milcom (em hebraico, m alkam , “seu rei”, pode ser um trocadilho

deliberado com o nome desse Deus), ou Moloque (veja NIV) sejam os

primeiros candidatos. Esses deuses eram populares durante o reinado de

Josias, que tentou eliminar a adoração a todos os três por meio de reformas

(veja 2Rs 23.4-5,10,13).266

O d/a do Senhor está próximo (1.7-18)

A resposta apropriada a esse anúncio de juízo foi um silêncio aterrador

(v. 7a; veja Hc 2.20), pois essa revelação do poder do Senhor em juízo era

iminente. Sofonias se referiu a esse irromper do juízo divino como “o dia do

Se n h o r ” . A expressão aparece frequentemente na Bíblia hebraica.267 Conquanto

se aplique a diversos eventos, no sentido mais básico é um dia em

266 Contrariamente à NIV, 2Reis 23,13 tem “Milkom” no texto em hebraico, e não Moloque (que é

mencionado no v. 10).

267 Veja meus comentários sobre Isaías 13. Para estudos da origem e emprego da expressão, veja

Von Rad, Gerhard, “The Origin of the Concept of the Day of the Lord”, JSS 4 (1959):97-108; Everson,

A. J,, “The Days of the Yahweh”, JBL 93 (1974):329-37; e Stuart, Douglas, “The Sovereign’s Day of

Conquest”, BASOR 220/221 (dez. 1975-fev. 1976): 159-64.


Profetas M enores 1499 (

que o Senhor intervirá no mundo para entrar em juízo com seus inimigos.

Aqui, engloba tanto a conquista babilônica de Judá, em 586 a.C., quanto

um juízo de mais longo alcance, em escala mundial. Sofonias comparou

esse “dia” a um sacrifício, pois o Senhor mataria suas vítimas como os

sacerdotes matam animais para sacrifício (v. 7b). Essas vítimas incluiriam

os membros da família real, cujas vestes entregavam seu paganismo (v. 8),

e também aqueles responsáveis pela injustiça social em Judá (v. 9).

Esse último grupo é descrito literariamente como “aqueles que pulam a

soleira e enchem de violência e engano a casa dos seus senhores”. A referência

a pular a soleira pode ser uma alusão a um costume pagão. De acordo

com 1 Samuel 5.5, depois do incidente com a arca do Senhor, os sacerdotes

filisteus no templo do deus Dagom, em Asdode, evitavam pisar na soleira.

Outros sugerem que evitar a soleira reflete uma crença pagã segundo a qual

demônios vivem perto da soleira de uma casa. Outra opção, ainda, é que a

declaração descreve a rapidez com que esses opressores entravam na casa

de suas vítimas ou a ansiedade que demonstravam quando voltavam para

casa com as riquezas que tinham tomado com violência e enganação. Na

segunda metade da descrição, a identidade de “seus senhores” é incerta.

Pode-se estar falando de deuses pagãos (veja a NIV), mas é mais provável

que a expressão se refira àqueles que enviaram esses indivíduos em

sua missão de violência e enganação. Se considerarmos que o plural indica

majestade, então pode-se estar falando de uma autoridade de alta patente

ou mesmo um rei.

O juízo do Senhor privaria os ricos de seus ganhos ilícitos, o que, por

sua vez, causaria lamentação generalizada, especialmente dos comerciantes

que estavam explorando as políticas socioeconômicas opressivas da burocracia

real (v. 10-13). Muitas pessoas tinham ficado autoconfiantes demais,

pensando que o Senhor ficaria imóvel e indiferente ao que estava acontecendo.

O Senhor as compara a vinho que fica repousando tempo demais e

fica grosso e xaroposo. Da mesma maneira, essas pessoas tinham se arraigado

em seus costumes e não tinham intenção de reformar sua sociedade de

acordo com os padrões de Deus. Mas o Senhor ensinaria a esses ateus uma

lição, caçando-os onde quer que tentassem se esconder. A esse respeito, ele

se compara a homens com lanternas que procuram em cada esquina e cada

beco para encontrar o que procuram.

Novamente, o profeta enfatiza como está próximo esse dia de juízo (v.

14a). Nesse dia, os gritos de terror das vítimas seriam entrecortados pelos

cantos de guerra dos guerreiros (v. 14b). Esse dia é retratado como um

dia de ira divina, caracterizado pelo pânico, pela ruína, por trevas e pelos

sons da guerra (v. 15-16). Pecadores tomados de pânico tropeçariam cegamente

e seriam atingidos pela espada, deixando a terra encharcada por seu


(500) Introdução aos profetas

sangue e toda suja com suas vísceras (v. 17). Eles não seriam capazes de

comprar o Senhor com suas riquezas, pois sua ira consumiria o mundo

como o fogo (v. 18).

Preparem-se para o juízo! (2.1-3)

O profeta interrompe sua descrição do dia do juízo neste ponto e proclama

uma exortação ao povo de Deus. A primeira parte da exortação é endereçada

de forma generalizada à nação em pecado (v. 1-2). Ele os conclama a se ajuntarem

como gravetos antes da chegada do dia do juízo.268 A imagem sugere

inflamabilidade; o juízo ardente do Senhor iria consumi-los (veja 1.18).269

A segunda parte da exortação é dirigida aos fiéis seguidores do Senhor

(v. 3). O profeta os conclama a obedecer humildemente o Senhor, pois, se

assim o fizessem, poderiam encontrar abrigo no dia do juízo que se aproximava.

A inclusão da palavrinha “talvez” é um pouco perturbadora. Era de

se esperar, com base nas palavras de garantia a Habacuque (Hc 2.4b) e na

confissão de fé do profeta (Hc 3.16-19), que o Senhor preservasse os fiéis

durante o juízo. No entanto, Sofonias “talvez” esteja nos lembrando que

os justos, mesmo poupados da plena ira de Deus, vão conhecer os efeitos

do juízo em algum grau, porque vivem em uma comunidade de pecadores.

Apesar de sua confiança, até Habacuque previu que passaria fome (Hc

3.17). Também é possível que Sofonias tenha incluído “talvez” por retórica.

Se nem os justos tinham qualquer garantia absoluta de que seriam poupados,

o que isso queria dizer para os ímpios? Eles eram, de fato, gravetos

esperando para serem queimados (cf. v. 1-2).

Destruição generalizada (2.4-15)

O profeta, em seguida, mostra o juízo de Deus recaindo sobre diversas

nações, representando os quatro pontos cardeais. A oeste, as quatro principais

cidades da Filístia seriam reduzidas a ruínas desabitadas e utilizadas como

pastagem por aqueles em Judá que sobrevivessem ao juízo (v. 5-7). A leste, os

moabitas e os amonitas, ambos fruto das relações incestuosas de Ló com suas

filhas (Gn 19.30-38), seriam aniquilados (v. 8-11). Tinham ameaçado e insultado

Judá, por isso o Senhor faria deles como Sodoma e Gomorra e entregaria

seu território aos restantes de seu povo. A referência a Sodoma e Gomorra é

altamente irônica, pois Moabe e Amom eram lembranças de que Ló havia

escapado à destruição dessas cidades antigas. Mas, agora, por assim dizer,

esse juízo alcançaria Ló. Ao sul, os cuxitas, habitantes da Etiópia, seriam

cortados pela espada (v. 12), enquanto ao norte a arrogante Nínive, uma das

268 q vert,0 hebraico empregado aqui é derivado de um substantivo que quer dizer “palha” e expressa

a ideia de “juntar gravetos”. Veja Roberts, Nahum, Habakkuk, and Zephaniah, 186.

269 Veja Berlin, Adele, Zephaniah, AB (Nova York: Doubleday, 1994), 96.


Profetas M enores | 5 0 1 1

principais cidades da Assíria, seria reduzida a um monte de pedras habitadas

por rebanhos na engorda e animais selvagens (v. 13-15).

Apesar da predominância do tema do juízo nesta seção, há um forro de

prata nessas nuvens negras. O texto empregado no versículo 7b é bem mais

esperançoso do que o do versículo 3b, pois retrata o Senhor cuidando dos

restantes de Judá e mudando sua sorte. Ele dá a seu povo o território anteriormente

nas mãos dos filisteus (v. 7a) e dos moabitas/amonitas (v. 9b, veja

Is 11.14). O versículo 11b antecipa as nações distantes adorando o Senhor

na conclusão de seu juízo. Esse brilho de esperança explode em um raio de

salvação no próximo capítulo.

O funeral de Jerusalém (3.1-7)

Inicialmente, podemos pensar que o oráculo de lamento, no início do

capítulo 3, continua o anúncio de juízo contra Nínive (2.13-15). Talvez

a cidade mencionada no versículo 1 seja a mesma “cidade que exultava”

(Nínive) de 2.15. Mas descobre-se rapidamente que não é esse o caso. A

cidade rebelde e opressora é nada mais, nada menos, do que a própria Jerusalém,

cuja população tinha rejeitado o Senhor (v. 2). A liderança de Jerusalém

era completamente corrupta. Suas autoridades, comparadas a leões e

lobos vorazes, exploravam os fracos e os pobres (v. 3), seus profetas eram

arrogantes e enganadores (v. 4a) e seus sacerdotes profanavam o templo de

Deus e infringiam sua lei (v. 4b). O Senhor, que vivia no templo, exigia justiça,

mas os líderes da cidade pervertiam desavergonhadamente os padrões

justos do Senhor (v. 5). O juízo do Senhor contra outras nações deveria ter

causado algum impacto em Jerusalém, convencendo-a de que ele retribui

a injustiça de forma adequada. Mas não teve nenhum efeito; o povo continuou

a buscar avidamente seus caminhos injustos (v. 6-7).

Após uma acusação tão longa, espera-se que essa previsão de lamento

se encerre com um anúncio de juízo formal. “Por isso”, no começo do

versículo 8, parece sinalizar essa transição, mas, de novo, temos uma surpresa

(veja meus comentários sobre 3.1 acima). Em vez de um “anúncio

de juízo”, o Senhor exorta um grupo não identificado a “esperar” por ele,

porque o juízo universal anunciado e descrito anteriormente (veja especialmente

os capítulos 1 e 2) estava para chegar. E provável que o Senhor

fale aqui a seus seguidores obedientes, que ele tinha mencionado em uma

exortação anterior (2.3) e a quem se refere na terceira pessoa logo depois

disso (3.12).270 A exortação a “esperar” tem uma conotação positiva, em que

270 A exortação para “esperar”, em 3.8, é uma forma na segunda pessoa masculina singular no texto

hebraico, assim como as formas verbais empregadas em 2.3. Essa forma é diferente das formas na

segunda pessoa feminina plural empregadas em 3.11 -19 para se dirigir à Jerusalém personificada.


1502 [ Introdução aos profetas

carrega a nuance de “esperar na fé” (veja também o SI 33.20; Is 8.17; 30.18;

64.4; Hc 2.3). Essa expectativa esperançosa vai sustentar o povo de Deus

durante os tempos difíceis que virão, quando a ira de Deus será despejada

sobre as nações.

Dias melhores virão (3.9-20)

A fé dos justos seria recompensada, pois o juízo do Senhor teria um

efeito purificador e seria seguido por um tempo de salvação para as duas

nações e para Jerusalém. Ao desenvolver um tema já iniciado em 2.11b, o

Senhor antecipa uma época em que iria “purificar os lábios dos povos”, permitindo

que adorassem o Senhor em uníssono e servissem a ele (v. 9-10).

A profecia retrata um tempo em que o povo da terra falaria novamente uma

só língua. Naquele tempo, “no mundo todo havia apenas uma língua [literalmente,

lábios], um só modo de falar” (Gn 11.1, cf. o v. 6). Mas o Senhor

“confundiu a língua [literalmente, lábios] de todo o mundo” (Gn 11.9). No

entanto, no dia da salvação, descrito em Sofonias 3.9, o Senhor daria ao

povo “lábios purificados”. O surgimento da palavra “lábios” para fazer

referência à linguagem remonta ao episódio de Babel, e o termo berurah,

“purificado”, joga com o som do termo balai, “confuso”, empregado em

Gênesis 11. A referência ao povo ser “disperso” (v. 10) também faz alusão

ao evento de Babel, pois o termo utilizado aqui aparece três vezes em

Gênesis 11 para descrever como o Senhor dispersou o povo (v. 4,8-9). Em

Babel, o povo rebelde juntou forças para construir uma torre até o céu. Foi

punido pela confusão de suas línguas e pela dispersão por todo o globo. Em

um tempo futuro, retomaria dessas terras distantes, para onde foi disperso,

e juntaria forças (observe “ombro a ombro” em Sf 3.9) e, com uma língua

unificada, adoraria o Senhor que desafiara antes.

Em seguida, o Senhor se vira para a Jerusalém personificada e assegura

que ela seria restaurada.271 Os temas dos versículos 11-19 são dispostos de

forma quiástica:

A A vergonha de Jerusalém será removida (v. 11a)

B O Senhor vai preservar e proteger o remanescente

(v. llb-13)

C Jerusalém conclamada a se alegrar com a presença

salvadora do Senhor (v. 14-15)

C’ Jerusalém conclamada a se acalmar com a presença

salvadora do Senhor (v. 16-17)

271 As formas verbais e pronominais nos versículos 11-19 estão na segunda pessoa feminina singular

no texto hebraico.


P rofetas M enores | 503 [

B ’ O Senhor vai restaurar o remanescente (v. 18-19a)

A’ A vergonha de Jerusalém é removida (v. 19b)

Nos versículos 14-17, alguns termos-chave ocorrem em padrão quiástico:

A Canta (v. 14a)

B Alegra-te (v. 14b)

C ele fez retroceder os teus inimigos (v. 15 a)

D O Senhor... está em teu meio (v. 15b)

E nunca mais temerás perigo algum (v. 15c)

E’ Não temas (v. 16a)

D’ O Senhor... está em teu meio (v. 17a)

C’ poderoso para salvar (v. 17b)272

B’ Ele se regozijará em ti (v. 17c)273

A’ Ele se regozijará em ti com brados de alegria (v. 17d)

O povo pecador de Jerusalém, mencionado como “os que se regozijam

em seu orgulho”, seria removido, deixando que os mansos e os humildes se

refugiem na cidade. O Senhor protegeria esse remanescente e, em contraste

com os pecadores arrogantes de uma época anterior, Jerusalém se “alegraria”

(v. 14) com o livramento do Senhor (cf. o v. 15). Os exilados que voltassem,

comparados a ovelhas aleijadas e dispersas, retomariam à cidade e se

juntariam às fileiras dos justos. O livro encerra com uma palavra de garantia

a esses exilados, que recebem a promessa de honra e louvor (v. 20).274

O amanhecer de uma nova era (Ageu)

Introdução

Ageu profetizou em 520 a.C., o segundo ano do reinado do rei Dario,

da Pérsia (Ag 1.1). O livro contém cinco mensagens, quatro das quais têm

especificação de data:275

272 Embora o elemento C ' não repita uma palavra ou expressão da seção C, os temas se correlacionam

intimamente. O Deus que refreia o inimigo prova que é poderoso para salvar.

273 A NIV diz aqui: “Ele se regozijará em você”, mas o texto hebraico diz literalmente: “Ele se

regozijará em você com alegria”.

274 Os pronomes na segunda pessoa, no versículo 20, estão no masculino plural no texto hebraico,

indicando que o destinatário da mensagem mudou da Jerusalém personificada (v. 11-19) para os

exilados.

275 Para as datas, veja Meyers, Carol L. e Meyers, Eric M., Haggai, Zechariah 1-8, AB (Garden City,

N. Y.: Doubleday, 1987), xlvi.


I 504 I Introdução aos profetas

Primeira mensagem (1.1-11)

Segunda mensagem (1.13)

Terceira mensagem (2.1-9)

Quarta mensagem (2.10-19)

Quinta mensagem (2.20-23)

Sexto mês, primeiro dia = 29 de agosto

Sexto mês, entre o dia primeiro e 24 =

29 de agosto - 21 de setembro

Sétimo, mês, dia 21 = 17 de outubro

Nono mês, dia 24 = 18 de dezembro

Nono mês, dia 24 = 18 de dezembro

Em 520 a.C., um grupo de exilados tinha retomado a Judá, que tinha se

tomado uma província persa. A reconstrução do templo, iniciada em 536

a.C. (Ed 3.8-13; 5.16), tinha sido suspensa por 16 anos. Nesse meio-tempo,

o povo não tinha tido prosperidade. Ageu o confronta por sua negligência

e prioridades mal estabelecidas. Em resposta à sua mensagem, os judeus

retomaram o proj eto (1.12,14-15). Ageu assegurou que uma nova era estava

nascendo, na qual a glória de Deus preencheria o templo e a dinastia davídica

seria elevada a alturas sem precedentes.

Prioridades mal estabelecidas (1.1-12)

Em 536 a.C., sob pressão de povos vizinhos hostis (Ed 4.1-5,24), os exilados

que tinham regressado tinham parado de trabalhar no templo, argumentando

que ainda não era o tempo certo para completar o projeto (v. 2). Mesmo

assim, tinham construído belas casas para si mesmos. O Senhor questionou

suas prioridades (v. 3-4). Ele também apontou que sua negligência do templo

tinha resultado em tempos econômicos difíceis (v. 5-11). Embora tivessem

trabalhado duro no plantio, a colheita era pequena porque o Senhor tinha

enviado uma seca sobre a terra. Ironicamente, a palavra hebraica traduzida

por “seca” (v. 11, khorab) soa como a palavra utilizada para descrever a condição

arruinada do templo (na NVI, “destruída”, nos v. 4,9, traduz a palavra

hebraica khareb). A condição de seus campos refletia a do templo. Mas tudo

isso podia mudar se o povo retomasse a reconstrução do templo. Mais uma

vez, emprega-se um jogo de palavras por retórica. O povo tinha “colhido”

(v. 6; literalmente, “trazido”, do hebraico bo ’) pouco e tinha perdido o que

“trouxe” (v. 9, do hebraico bo ' novamente) para casa. Essa situação seria

revertida se ele subisse ao monte e “trouxesse” (v. 8, do hebraico bo \ de

novo) madeira para construir o templo. O povo respondeu positivamente

à mensagem de Ageu (v. 12). Liderados pelo governador Zorobabel e por

Josué, o sumo sacerdote, os judeus obedeceram e asseguraram a madeira.276

276 Uma vez que o versículo 15 indica que a construção foi retomada, de fato, 24 dias após Ageu proclamar

sua primeira mensagem, o versículo 12 deve se referir à consecução da madeira necessária ao projeto.


P rofetas M enores | 505 |

Uma palavra de incentivo (1.13-15)

Satisfeito com a resposta positiva do povo, o Senhor assegurou sua

presença protetora (v. 13). Ele também “agitou” Zorobabel, Josué e o

povo a começarem a reconstruir a estrutura do templo (v. 14). O projeto

foi retomado em 21 de setembro (v. 15). A expressão “encorajar” é a

mesma utilizada em 2Crônicas 36.22-23 para descrever como o Senhor

moveu Ciro, diversos anos antes, a decretar que o templo fosse reconstruído.

Essas referências ao Senhor mover o coração dos homens para

realizar sua vontade certamente atestam sua soberania. No entanto, é

digno de nota que a ação divina sobrenatural descrita em Ageu 1.14 vem

em resposta e é posta em ação pela resposta obediente do povo ao desafio

que lhe foi apresentado. A seqüência do desafio divino - resposta

humana (obediência) e resposta divina (garantia e capacitação) - é instrutiva.

Deus não é retratado aqui como alguém que manipula pessoas

tal como marionetes, mas como um rei soberano que recompensa a obediência

dando um impulso.

A glória que virá (2.1-9)

Em 17 de outubro, cerca de um mês depois de o povo retomar o

projeto do templo, o Senhor falou com ele novamente (v. 1-2). Os que

tinham idade suficiente para se lembrar da grandiosidade do templo de

Salomão, que tinha sido destruído 66 anos antes, ficaram desmotivados

quando olharam para o templo reconstruído. Comparado ao esplendor

da estrutura salomônica, esse templo reconstruído não se parecia em

nada (v. 3). Mas o Senhor não queria que o povo ou seus líderes ficassem

desmotivados com essas comparações. Assegurando-lhes sua presença,

ele os lembrou seu legado como seu povo da aliança. Assim como

tinha vivido entre a geração de Moisés, seu Espírito também estava com

a comunidade pós-exílica (v. 4-5). Eles eram o vínculo entre o passado

e o futuro. Em pouco tempo, o Senhor iria perturbar a ordem mundial

e fazer de seu templo o foco de seu reino mundial de paz (v. 6-9). As

nações trariam tributos ao Senhor e a glória de seu templo excederia a

do templo salomônico.

Alguns entendem a afirmação “o desejado de todas as nações virá” (v. 7)

como uma profecia messiânica. Entretanto, essa interpretação parece

improvável. O verbo “virá” é plural no texto hebraico, sugerindo que

o sujeito seja gramaticalmente plural. Por essa razão, a forma feminina

singular khem dat, “coisa desejada”, deve ser considerada como coletivo,

ou modificada para kh a m u d o t, “as [coisas] desejadas”, de acordo

com a Septuaginta, que tem um substantivo plural aqui. Essas “coisas


1506 i Introdução aos profetas

desejáveis” são identificadas no versículo 8 como a prata e o ouro das

nações (veja também Is 60.5-9; Zc 14.14).277

Embora alguns vejam essa profecia se cumprindo na expansão do

segundo templo ou na aparição de Jesus lá, é mais provável que o cumprimento

aguarde uma era futura em que Deus derrubará as nações e estabelecerá

seu domínio sobre a terra (v. 6-7a). E claro que isso levanta um

problema, pois o segundo templo foi destruído no ano 70 d.C. No entanto,

é importante observar que o versículo 3 (observe “este templo em seu primeiro

esplendor”) parece ver o templo de Salomão e o segundo como um

só, não como estruturas diferentes. Da mesma maneira, um templo futuro

pode ser considerado como uma fase posterior desse templo histórico.

Entretanto, há um problema mais difícil que precisa ser discutido. Todas

essas propostas presumem seu cumprimento muito tempo depois de Ageu,

apesar do fato de as palavras “dentro de pouco tempo” sugerirem um cumprimento

mais imediato dessa profecia (v. 6).278 Contudo, os eventos profetizados

aqui não se materializaram no período pós-exílico ou na história

judaica subsequente, muito menos no tempo de Ageu. A profecia falhou?

As palavras do profeta devem ser consideradas como se fossem apenas pensamento

positivo? Alguns pensam que sim, mas há explicações melhores

que preservam a integridade da profecia. O texto pode ser arquetípico e

contextualizado. Talvez o profeta tenha utilizado objetos visíveis para a

comunidade pós-exílica (o templo reconstruído e o governador Zorobabel;

veja os v. 20-23) para ajudar a visualizar realidades concretas. Uma opção,

talvez mais atraente, é que a profecia deve ser considerada por seu valor em

si, com o entendimento de que seu cumprimento estivesse implicitamente

dependente desde o início. O Senhor desejava fazer com que a profecia se

realizasse no futuro imediato, mas acontecimentos subsequentes dentro da

comunidade pós-exílica adiaram a realização para um futuro mais distante

e transformaram a realidade literal em arquetípica.279

277 Para uma discussão mais detalhada desta questão, veja Verhoef, Pieter A., Haggai and Malachi,

NICOT (Grand Rapids: Eerdmans, 1987), 103-4; e Petersen, David L., Haggai and Zechariah 1-8, OTL

(Filadélfia: Westminster, 1984), 67-68.

278 O significado exato das palavras é incerto. O texto hebraico diz, literalmente: “Um ainda, pouco

é”. A construção não ocorre em nenhuma outra passagem na Bíblia hebraica. E provável que seja uma

fusão de duas variáveis: (a) “Ainda assim, é um pouco” (em hebraico, ‘od m è a t h i ', omitindo 1a khat)

e (b) “Ainda assim, de uma vez por todas” (em hebraico, ‘od 'akhat, omitindo m è a t hi ’). A primeira

significaria que a terra tremeria e assim por diante em breve. A expressão “Ainda um pouco” (em

hebraico, ‘od m è a t) quer dizer “em breve, logo, quase”, em Êxodo 17.4; salmo 37.10; Isaías 10.25;

29.17; Jeremias 51.33; e Oseias 1.4. A segunda afirmação, quando combinada com o que se segue, diria:

“Ainda assim, de uma vez por todas farei tremer a terra”. A palavra 'akhat tem esse sentido no salmo

89.36. Se seguirmos essa leitura, o oráculo não tem o imediatismo sugerido pela tradução tradicional.

219 A esse respeito, observe como Isaías 55 oferece à comunidade no exílio a oportunidade de renovar

sua aliança com o Senhor e conhecer suas bênçãos. Várias passagens em Isaías 40-55 parecem retratar


P rofetas M enores I 507 ]

A bênção está a caminho (2.10-19)

Em 18 de dezembro, cerca de três meses depois que o povo começou a

reconstruir o templo, o Senhor o incentivou com uma promessa de bênção

renovada (v. 10). Ele começou com uma ilustração da lei ritual. De acordo

com as leis rituais do sistema mosaico, a carne consagrada tomava uma

veste que a levava sagrada (Lv 6.27). Entretanto, a santidade não poderia

ser transferida de uma veste para outro objeto que, por acaso, tocasse

(v. 11-12). A impureza ritual acontecia de forma diferente. Se um homem

tocasse um objeto ritualmente impuro, como um cadáver, ele ficava impuro

e, por sua vez, transmitia a condição a qualquer objeto que tocasse (v. 13;

cf. Nm 19.22). Da mesma forma, a comunidade pós-exílica, por causa de

suas prioridades mal orientadas (veja o cap. 1), tinha se tomado espiritualmente

imunda aos olhos de Deus. Por essa razão, suas obras e suas

ofertas estavam imundas, tomando-as inaceitáveis diante do Senhor (v.

14). Como prova disso, ela só tinha de considerar o que tinha acontecido

antes de retomar o trabalho 110 templo. Seus campos só tinham tido uma

produção fraca porque 0 Senhor tinha atingido suas plantações com doenças

e granizo (v. 15-17). Mas tudo isso mudaria. Embora os fracassos

agrícolas do passado significassem que não tinham sementes nem frutos

no presente, 0 Senhor iria abençoá-los agora que tinham retomado a construção

do templo (v. 18-19).

A estrutura literária dos versículos 15-19 parece um pouco confusa à

primeira vista. O melhor esboço é o que segue abaixo:280

Versículo 15a: “De hoje em diante, reconsiderem.”

Versículos 15b-17: “Como eram as coisas antes que se

colocasse pedra sobre pedra no templo do Senhor? Quando

alguém chegava a um monte de trigo procurando vinte medidas,

havia apenas dez. Quando alguém ia ao depósito de

vinho para tirar cinqüenta medidas, só encontrava vinte. Eu

destruí todo o trabalho das mãos de vocês, com mofo, ferrugem

e granizo, mas vocês não se voltaram para mim, declara

o S e n h o r . ”

0 retomo do exílio como o amanhecer de uma nova era de bênção divina e paz. Mas a visão não se

materializou dessa forma, pois a comunidade exílica como um todo fracassou em se agarrar à promessa

de Deus, e a comunidade pós-exílica, conforme antecipado em Isaías 56-66, fracassou em manter os

padrões de Deus. Veja também meus comentários sobre a oferta do reino aos judeus por Pedro (At 2-4)

juntamente com nossa discussão do cumprimento de Joel 2.28-32.

280 Esta tradução é baseada na NIV, mas foram feitas mudanças para refletir minha interpretação da

lógica do argumento do Senhor.


1508 1 Introdução aos profetas

Versículo 18a: “A partir de hoje, dia vinte e quatro do

nono mês, atentem.”

Versículos 18b-19a: “Do dia em que as fundações do

templo do Se n h o r foram lançadas. Reconsiderem: Ainda há

alguma semente no celeiro? Até hoje a videira, a figueira, a

romeira e a oliveira não têm dado fruto.”

Versículo 19b: “De hoje em diante, abençoarei vocês.”

Os versículos 15b-17 são parentéticos. Antes de completar o pensamento

iniciado no versículo 15a, o Senhor conclama o povo a se lembrar da

quebra de safra que caracterizou o período anterior à retomada do projeto

do templo. No versículo 18a, o Senhor retoma brevemente o pensamento

iniciado no versículo 15a, mas uma vez mais dirige a atenção do povo para

o passado. Nos versículos 18b-19a ele os leva a lembrar como as coisas

aconteceram nos últimos 16 anos (isto é, “do dia em que os fundamentos

do templo do Se n h o r foram lançados”). A ausência de frutos e de semente

resume o período. Finalmente, no versículo 19b, o Senhor completa a frase

começada no versículo 15a e retomada no versículo 18a. Depois de montar

o cenário para um contraste entre o passado e o futuro, ele anuncia que irá

abençoar seu povo “daquele dia” (isto é, 18 de dezembro) em diante.281

O anel de selar do Senhor (2.20-23)

Ageu proclamou uma segunda mensagem em 18 de dezembro, dessa vez

para Zorobabel, governador de Judá e descendente do rei Davi (1 Cr 3.18-

19; Mt 1.12). Mais uma vez ele anunciou sua intenção de perturbar a ordem

mundial (v. 21; veja o v. 6). O Senhor derrubaria os reinos poderosos da terra

e faria tremer seu poderio militar (v. 22). Naquele tempo, ele elevaria Zorobabel,

seu governante escolhido, a uma posição de importância (v. 23). O

governador se tomaria o anel de selar do Senhor, por assim dizer. No antigo

Oriente Próximo, o anel de selar de um rei continha o selo real e era utilizado

para autorizar documentos reais e decretos (lRs 21.8; Et 8.8,10). De forma

semelhante, Zorobabel seria autorizado como representante do Senhor na

terra. Essa promessa reverteu o juízo pronunciado contra o avô de Zorobabel,

Joaquim (Jr 22.24-30) e restaurou a esperança para a dinastia davídica.

Mas a profecia nunca foi cumprida. Deus não derrubou os reinos do

mundo nos dias de Zorobabel, nem o governador se tomou um grande rei

281 Na interpretação apresentada, “o dia em q u e as fundações do templo do S e n h o r foram lançadas”

(v. 18) é referente ao início das fundações do templo, em 536 a.C. Esdras 3.8-13 favorece essa visão.

Entretanto, outros preferem ver o versículo 18 como uma referência à cerimônia de refundação, em 18

de dezembro de 520 a.C. Veja Meyers e Meyers, Haggai, Zechariah 1-8, 63-64; e Petersen, Haggai and

Zechariah 1-8, 93. Zacarias 8.9 pode referir-se a essa cerimônia.


P rofetas M enores I 509 |

governando em nome de Deus. A profecia falhou? Como no caso do templo

reconstruído (2.1-9), é possível que Zorobabel seja um arquétipo do rei

davídico ideal, que seria seu descendente. Nesse caso, o profeta utilizou o

governador, e também o templo reconstruído, para ajudar o povo a visualizar

realidades concretas. Talvez a profecia devesse ser considerada por seu valor,

mas com um elemento implícito de dependência anexo. O Senhor pode ter

desejado restaurar a glória do trono davídico na época de Zorobabel, apenas

para que desdobramentos dentro da comunidade pós-exílica o fizessem adiar

o evento, tomando, assim, Zorobabel um arquétipo do grande rei que viria.

A restauração de Sião e de seus líderes (Zacarias)

Introdução

Zacarias, como seu contemporâneo Ageu, foi ministro na comunidade

pós-exílica. Os primeiros oito capítulos contêm três mensagens com data

entre 520-518 a.C.282 As datas exatas são:

Primeira mensagem (1.1-6)

Segunda mensagem (1.7-6.15)

Terceira mensagem (7.1-8.23)

Segundo ano, oitavo mês, outubronovembro

de 520 a.C.

Segundo ano, dia 24, décimo primeiro

mês = 15 de fevereiro de 519 a.C.

Quarto ano, dia 4 do nono mês = 7 de

dezembro de 518 a.C.283

Os dois “oráculos” nos capítulos finais do livro (veja 9-11, 12-14)

não estão datados. O consenso acadêmico moderno é de que Zacarias não

escreveu esses capítulos, que são normalmente atribuídos a um anônimo

“Segundo Zacarias”.284 Por um lado, parte do material nos capítulos 9-14

parece refletir um cenário pré-exílico. Por exemplo, o Egito e a Assíria

são apresentados como inimigos do povo de Deus e há a previsão (10.10-

12) da queda da Assíria (que ocorreu em 612-609 a.C., quase cem anos

antes do ministério de Zacarias). Por outro lado, algumas referências, por

exemplo, a uma guerra entre o povo de Deus e os gregos (9.13), parecem

282 As primeiras duas mensagens têm origem em 520-519 a.C., segundo ano do reinado de Dario, o

persa, enquanto a terceira mensagem é datada do quarto ano desse rei (518 a.C.).

283 Para as datas, veja Meyers e Meyers, Haggai, Zechariah 1-8, xlvi.

284 Para um levantamento da história da interpretação, veja Hanson, Paul D., The Dawn o f Apocalyptic,

ed. rev. (Filadélfia: Fortress, 1979), 287-90, e Smith, Ralph L., Micah-Malachi, WBC (Waco: Word

Books, 1984), 169-73, 242-49. Para um resumo e uma avaliação úteis da evidência por uma perspectiva

evangélica, veja Dillard e Longman, Introduction to the Old Testament, 429-32.


510 1 Introdução aos profetas

apontar para uma data bem depois do tempo de Zacarias. Como podemos

explicar a evidência? Embora qualquer teoria tenha de ser rotulada como

especulação, é possível que Zacarias tenha utilizado material mais antigo

ao compor essas profecias e/ou que um autor/editor posterior tenha suplementado

o trabalho.285

Um chamado ao arrependimento (1.1-6)

O livro começa com um chamado breve, mas poderoso, ao arrependimento.

Falando em outubro-novembro de 520 a.C. (v. 1), logo depois da

retomada do projeto do templo (em 21 de setembro; veja Ag 1.14-15), o

Senhor intimou seu povo a renovar seu compromisso com ele e com seus

padrões da aliança. Seus ancestrais tinham conhecido a ira do Senhor (v. 2),

mas o Senhor recebeu bem uma relação renovada com sua nova geração.

Ele conclamou: “Voltem para mim”, prometendo que, se voltassem, ele voltaria

para eles (v. 3). O Senhor não especificou o que significava retomar

para eles, mas uma mensagem posterior sugere que o Senhor estava especialmente

interessado em que a comunidade estabelecesse a justiça social

dentro de suas fileiras (7.8-10; 8.16-19).

Para sustentar essa mensagem, o Senhor deu à comunidade uma breve

aula de história (v. 4-6). A geração pré-exílica tinha ignorado os profetas,

por intermédio de quem o Senhor conclamou o povo a se arrepender de seu

estilo de vida perverso. Ainda que essa geração e os profetas que tinham

pregado para ela já tivessem passado, sua experiência continuava a ensinar

uma lição. Os avisos do juízo de Deus tinham ultrapassado seus ancestrais

impenitentes; o exílio tinha vindo, assim como Deus tinha previsto. Mas,

felizmente, muitos dos exilados tinham se arrependido, reconhecendo que

seus pecados tinham sido punidos de forma justa. O Senhor tinha restaurado

os restantes de seu povo na terra natal. A comunidade pós-exílica tinha

a chave do futuro da nação. Se guardassem a palavra do Senhor, o futuro

seria brilhante.

Visões de um futuro brilhante (1.7-6.15)

Nessa longa mensagem, proclamada em 15 de fevereiro de 519 a.C. (v. 7),

o Senhor deu ao profeta uma série de oito visões noturnas, culminando

com instruções a respeito de uma lição objeto simbólica que Zacarias devia

ministrar (6.9-15). Em todas as visões, Zacarias interagia com um anjo que

interpretava o simbolismo para ele. As visões mostram, entre outras coisas,

a reconstrução de Jerusalém, o crescimento da comunidade pós-exílica, a

restauração dos líderes sacerdotais e reais e a limpeza espiritual da terra.

285 Veja o comentário a seguir para uma discussão dos problemas levantados por passagens específicas.


P rofetas M enores | 5111

Primeira visão: um hom em entre pés de murta (1.8-17)

Zacarias viu um homem montado em um cavalo vermelho entre as murtas

em uma campina (v. 8a). A medida que a visão prossegue, toma-se

evidente que esse “homem” é o anjo do Senhor (v. 11). Atrás dele havia

cavaleiros montados em cavalos vermelhos, marrons e brancos (v. 8b).

Esses cavaleiros eram observadores que tinham retomado de uma missão

de reconhecimento que os tinha levado por toda a terra (v. 9-10). Eles relataram

que “todo o mundo” estava “descansando e em paz” (v. 11). O anjo

do Senhor, então, perguntou ao Senhor por quanto tempo ele represaria a

sua misericórdia para com Jerusalém e as cidades de Judá (v. 12). Desde a

destruição de Jerusalém, em 586 a.C., até o tempo da visão, em 519 a.C., um

período de cerca de 70 anos, elas tinham ficado em ruínas.286 Em resposta à

pergunta do anjo, o Senhor anunciou que estava comprometido com o bem-

-estar de Jerusalém e tinha transferido sua ira para as nações responsáveis

por fazê-la sofrer mais do que Deus pretendia (v. 13-15). Ele proclamou a

boa-nova de que retomaria a Jerusalém e viveria no templo reconstruído.

Jerusalém seria reconstruída e as cidades de Judá conheceriam novamente

as bênçãos do Senhor (v. 16-17).

Alguns escritores tentaram encontrar simbolismo nos muitos detalhes da

visão, incluindo as várias cores dos cavalos, as murtas, o desfiladeiro. No

entanto, uma vez que o próprio texto não oferece explicações, nem mesmo

pistas a esse respeito, essas interpretações são puramente especulativas e

devem ser desconsideradas. Aparentemente, esses detalhes específicos

foram incluídos apenas para dar realismo e vivacidade à visão.

Segunda visão: quatro chifres e quatro artesãos (1.18-21)

Em sua segunda visão, Zacarias viu quatro chifres, que representavam

as nações que tinham levado Judá para o exílio (v. 18-19,21). Isso incluía

a Babilônia e também os amonitas, os moabitas, os edomitas e os filisteus,

todas que tiraram vantagem da derrota de Judá (2Rs 24.2; Ez 25.1-17;

Ob). O número quatro provavelmente se refere aos quatro pontos cardeais,

sugerindo que os inimigos do povo de Deus atacaram de todas as direções.

O versículo 2.6 sustenta isso, quando fala dos exilados “espalhados... aos

quatro ventos da terra”. Talvez os chifres da visão sejam chifres de animais,

que frequentemente simbolizam a força e o poder militar na Bíblia

hebraica (Dt 33.17; ISm 2.10; SI 75.10; 89.17,24; 92.10; 112.9; Jr 48.25;

Lm 2.17; Ed 29.21).

286 O número “setenta” é um arredondamento aqui; o tempo real que se passou entre a destruição de

Jerusalém e a época da visão foi de sessenta e sete anos. Os “setenta anos" mencionados aqui diferem

dos “setenta anos” de exílio sobre os quais Jeremias falou (veja 25.11-12; 29.10), um período que se

encerrou em 539-538 a.C. Veja 2Crônicas 36.20-23; Esdras 1.1; Daniel 9.2.


| 512 ] Introdução aos profetas

O profeta, a seguir, viu quatro artesãos, cujas tarefas eram “aterrorizar”

e “quebrar” os chifres (v. 20-21). O motivo pelo qual surgem os artesãos

como instrumentos de juízo de Deus não é inteiramente claro. Pode ser uma

alusão aos “artesãos da destruição”, de Ezequiel (21.31; NVI, “homens

brutais, acostumados à destruição”), ou possivelmente mencionam-se os

artesãos porque forjariam armas para serem utilizadas contra os chifres (Is

54.16-17). Talvez a metáfora mude neste ponto, com os chifres de animais

se tomando os chifres de um altar (veja Êx 27.2). Os artesãos que fizeram o

altar com chifres agora vieram para destruir seus chifres (veja Am 3.14).287

A visão é, pelo menos parcialmente, retrospectiva, porque os persas já

tinham conquistado a Babilônia 20 anos antes disso.

Terceira visão: um hom em com uma corda de m edir (2.1-13)

Na terceira visão de Zacarias, ele viu um homem com uma corda de

medir, que anunciou que ele estava pronto a medir Jerusalém em preparação

para reconstruir os muros da cidade (v. 1-2). No entanto, um anjo

correu atrás dele e lhe disse que não se preocupasse em tomar medidas,

pois Jemsalém seria uma cidade sem muros. Sua população seria grande

demais para caber dentro de uma cidade murada (v. 3-4). Mais do que isso,

o Senhor anunciou que ele mesmo seria um muro de fogo em tomo dos

limites da cidade, protegendo-a de seus invasores (v. 5). O texto é claramente

exagerado. Isaías retratou a Jemsalém da nova era com muros construídos

pelas nações antes hostis (60.10-11), mas Zacarias vai além disso

e mostra uma cidade desmurada. Os dois profetas, à sua própria maneira,

enfatizam a mesma verdade básica - a Jemsalém do futuro estaria segura

contra invasões.

O Senhor falou aos exilados e os conclamou a retomar da Babilônia e de

outros lugares para onde tinham sido dispersos (v. 6). Ele chega a se dirigir

a Sião como se estivesse no exílio e como se dissesse a ela para escapar da

Babilônia (v. 7). Sião tinha todas as razões para se alegrar, pois o Senhor

estava voltando e fixaria residência dentro da cidade de novo (v. 10). Outras

nações seriam incorporadas à comunidade da aliança, quando Judá e Jerusalém

fossem elevadas a uma importância especial (v. 11-12). Quando o

próprio Senhor se levantasse para entrar em ação, a resposta razoável da

humanidade seria reverência e espanto silencioso (v. 13).

A interpretação dos versículos 8-9 é difícil. A fórmula introdutória (v. 8a)

dá a impressão de que tudo que se segue é dito pelo Senhor (veja a NIV),

mas a oração final do versículo 9, em que o orador diz que foi enviado

pelo Senhor, cria um problema. É melhor ver dois oradores - Zacarias e o

287 Veja Petersen, Haggai and Zechariah 1-8, 165-66.


Profetas M enores | 513 |

Senhor - nesses versículos. Observe que o profeta, antes, na visão, fala na

primeira pessoa (veja os v. 1-3). Se seguirmos essa proposta, há algumas

maneiras para esboçar e traduzir/parafrasear os versículos 8-9:

Opção A

Zacarias: “Pois é isso que o Se n h o r Todo-Poderoso diz (em

sua glória ele me enviou)288 a respeito289 das nações que saquearam

vocês (pois quem toca em vocês toca na pupila de

seu olho).”

O Senhor: “Certamente levantarei minha mão contra eles, de

forma que seus escravos os saquearão.”

Zacarias: “(Quando isso acontecer), então vocês saberão que

o Se n h o r Todo-poderoso me enviou.”

Opção B

Zacarias: “Pois é isso que o Se n h o r Todo-Poderoso diz (em

sua glória ele me enviou às nações que saquearam vocês,290

pois quem toca em vocês toca na pupila de seu olho).”

O Senhor: “Certamente levantarei minha mão contra eles, de

forma que seus escravos os saquearão.”

Zacarias: “(Quando isso acontecer), então vocês saberão que

o Se n h o r Todo-Poderoso me enviou.”291

Em qualquer caso, o Senhor anunciou que castigaria as nações de forma

adequada, pois tinham atacado seu povo, que é comparado à pupila (normalmente

traduzida como “menina”) dos olhos para enfatizar seu grande

valor aos seus olhos. Aqueles que saquearam seu povo seriam, por sua vez,

saqueados. Quando isso acontecesse, Zacarias seria justificado como porta-

-voz do Senhor.

288 O texto hebraico diz, literalmente, “enviou-me na glória”. O significado da afirmação não é claro.

A tradução oferecida aqui assume que se trata da glória de Deus e que é a meta da missão do profeta.

285 Apreposição hebraica empregada aqui, embora frequentemente signifique “para”, pode ter o sentido

de “com relação a, com referência a”. Veja Mitchell, H. G., “A Criticai and Exegetical Commentary on

Haggai and Zechariah”, em A Criticai and Exegetical Commentary on Haggai, Zechariah, Malachi,

andJonah, ICC (Nova York: Charles Scribner’s Sons, 1912), 146.

2.0 Nesse caso, a preposição traduzida por “para” é interpretada junto com “enviou-me”.

2.1 Estendendo essa proposta ao que se segue, vemos que o versículo 11 contém palavras tanto do

Senhor quanto do profeta. Primeiramente, o Senhor, continuando o discurso iniciado no versículo 10,

diz: “Muitas nações se juntarão ao S e n h o r nesse dia e se tomarão meu povo. Viverei entre vocês”. E

então o profeta acrescenta: “E saberão que o S e n h o r dos Exércitos me enviou”.


(5141 Introdução aos profetas

Quarta visão: a purificação das vestes de Josué (3.1-10)

Zacarias, a seguir, viu o sumo sacerdote Josué de pé diante do anjo

do Senhor (v. 1). A sua direita, um acusador (veja o SI 109.6), chamado

aqui de “adversário” (em hebraico, hassatan). O termo satan, quando

utilizado sem o artigo definido, normalmente se refere a um adversário

humano.292 Quando o termo aparece com o artigo, como aqui e em Jó 1-2,

é um título para um ser que parece servir como advogado de acusação na

corte celestial. Em Jó 1-2, ele é impertinente para com Deus e exibe uma

atitude hostil indevida contra Jó. Ele coloca em questão os motivos de Jó

e a justiça de Deus. Aqui em Zacarias 3.1-2, ele não fala, mas a resposta

apaixonada do Senhor à sua simples presença sugere que o adversário tem

intenções hostis. No progresso da revelação bíblica, à medida que o caráter

desse “adversário” fica mais nítido, seu título na Bíblia hebraica se

toma um nome próprio, Satanás. Embora sua natureza maligna não seja

plenamente revelada na Bíblia hebraica, ele parece malevolente. Enquanto

esse papel como promotor na corte divina parece ser legítimo, ele parece o

inspetor Javert, o antagonista no romance de Victor Hugo Les misérables

(Os miseráveis), que persegue incansavelmente o condenado arrependido

Jean Valjean. A obsessão de Javert com a “justiça” e com o “direito” o

transforma em um monstro maligno, que não tem lugar para a misericórdia

em seu coração.

O anjo do Senhor, falando como representante do Senhor,293 repreende o

adversário, deixando claro que era hora de salvação, não de juízo (v. 2). O

Senhor se dedicava a Jerusalém e tinha livrado o sumo sacerdote, que representava

a cidade e a comunidade pós-exílica, da destruição, assim como

se rira um galho do fogo antes que seja consumido. O anjo ordenou que se

tirassem as roupas imundas de Josué e as substituíssem por vestes nobres

e um turbante (v. 3-5). O Senhor não estava cego aos pecados antigos da

comunidade. O termo traduzido por “imundo” retrata as vestes do sacerdote

como se estivessem manchadas de excrementos.294 Mas o passado não é

barreira para o futuro quando se fala da misericórdia de Deus. Fora aberta a

292 A única exceção é em Números 22.22,32, em que o anjo do Senhor assume o papel de adversário

de Balaão. Em 1 Crônicas 21.1, o termo provavelmente se refere a uma nação próxima, embora alguns

prefiram considerar a palavra, neste contexto, como um substantivo próprio, “Satanás”. Para argumentos

contra considerar o termo como um substantivo próprio, veja Japhet, Sarah, I & II Chronicles: A

Commentary, OTL (Filadélfia: Westminster, 1993), 374-75.

293 O versículo 2 dá a impressão de que o próprio Senhor falou ao adversário (observe “o S e n h o r

falou a Satanás”). No entanto, o orador se refere “ao S e n h o r ” na terceira pessoa duas vezes, sugerindo

que é alguém distinto do Senhor. E provável que o Senhor tenha falado por meio do anjo mencionado no

versículo 1. Uma vez que o anjo representa o Senhor, a fórmula introdutória pode atribuir suas palavras

diretamente ao próprio Senhor.

294 O termo hebraico empregado no versículo 4 só aparece aqui, mas palavras relacionadas, derivadas

da mesma raiz, referem-se, em outras passagens, a excrementos (Dt23.13; 2Rs 18.27 = Is 36.12; Ez4.12).


Profetas M enores [ 515 |

porta para uma nova era. Se Josué obedecesse os mandamentos do Senhor

e cuidasse do templo de forma apropriada, desfrutaria de importância na

comunidade (v. 6-7).

A purificação de Josué e a nova oportunidade prenunciavam a transformação

de toda a comunidade. Ele e seus associados (fossem seus colegas

sacerdotes ou os líderes civis) eram símbolos de dias melhores à frente

(v. 8-10). O Senhor levantaria um servo, aqui chamado de “Renovo”, para

purificar a terra de sua condição de pecado e para restaurar a prosperidade

da comunidade. Embora o “Renovo” não seja especificamente identificado

aqui, aqueles que estão familiarizados com as profecias de Jeremias reconheceriam

nele o governante davídico ideal que viria (veja 23.5; 33.15).

No tempo de Zacarias, essa promessa era vinculada à pessoa de Zorobabel,

um descendente de Davi e governador de toda a comunidade, que seria

instrumental na reconstrução do templo (4.6-12; 6.9-15; e também Ag

2.20-23). No entanto, as realizações de Zorobabel dificilmente satisfazem

o retrato dado por Jeremias. No progresso da história, surge Jesus Cristo

como o governante ideal previsto por Jeremias, relegando Zorobabel a um

mero arquétipo.

O Senhor apontou para uma pedra que tinha colocado à frente de Josué

(v. 9). A pedra tinha sete “olhos” e teria uma inscrição gravada em breve. A

identidade e o significado da pedra são incertos. Conquanto os acadêmicos

tenham proposto diversas interpretações, parece mais provável que a pedra

seja a cumeeira do templo reconstruído (4.7) Nesse caso, os “sete olhos”

provavelmente simbolizam o cuidado vigilante do Senhor (4.12), enquanto

a inscrição identificaria a estrutura como sendo do Senhor. Outra proposta

atraente considera que a “pedra” seja a placa de ouro presa no turbante

do sumo sacerdote, com a inscrição das palavras “Santo ao Se n h o r ” (E x

28.36-37).295 Como a pedra da visão de Zacarias, essa placa de ouro era

associada à remoção do pecado (Ex 28.38). Nesse caso, os “sete olhos”

seriam as faces da pedra.296

Quinta visão: um candelabro e duas oliveiras (4.1-14)

Na visão seguinte de Zacarias, ele viu um candelabro dourado com

um vaso e sete lâmpadas (v. 1-2). A última parte do versículo 2 diz, literalmente,

“sete e sete [eram] canos [ou talvez ‘tubos’] para as lâmpadas

no topo”. O que isso quer dizer é incerto. Pode descrever sete canos,

295 Petersen, Hciggai andZechariah 1-8, 211-12.

296 A palavra hebraica traduzida por “olho” refere-se ocasionalmente ao brilho de metais ou de

joias. Veja Ezequiel 1.4,7,16,22; 8.2; 10.9; Daniel 10.6. Observe também a expressão y n 'n, “vinho

borbulhante” (literalmente, “vinho de um olho”), em ugarítico. Para o texto pertinente (CTA 6 iv 42),

veja Gibson, Canaaniíe Myths andLegends, 78.


1516 | Introdução aos profetas

ou tubos, conectando o vaso com as lâmpadas (NIV), mas, nesse caso,

a repetição de sete é problemática. E mais provável que as sete lâmpadas

estivessem dispostas em volta da borda do vaso e que cada lâmpada

dessas contivesse sete tubos ou fendas, em cada uma das quais havia um

pavio.297 Em cada lado do candelabro havia uma oliveira que abastecia o

vaso de azeite (v. 3; veja os v. 11-12).

O que simbolizam os diversos elementos da visão? O anjo nunca explicou

o significado do candelabro, mas, uma vez que a visão se refere à

reconstrução do templo (v. 7-10), é possível que ele represente o templo.

A palavra hebraica traduzida por “candelabro” (m enorah) é utilizada em

outras passagens (à exceção de 2Rs 4.10) para designar o candelabro no

tabemáculo, ou os candelabros no templo de Salomão. As sete lâmpadas

representam os “olhos do Se n h o r , que sondam toda a terra” (v. 10b). Em

outras palavras, as lâmpadas são uma lembrança da sabedoria do Senhor e

da sua soberania sobre o que acontece no mundo. O fato de que as lâmpadas

estavam posicionadas no candelabro sugere que o Senhor estava presente

no templo. As oliveiras nunca foram identificadas. Zacarias pergunta o que

elas simbolizam (v. 11), mas, antes que o anjo pudesse responder, o profeta

reparou dois ramos de oliveiras por onde descia o azeite para dois canos de

ouro que levavam o óleo para o vaso (v. 12).29S Quando pergunta sobre eles,

o anjo os identifica especificamente como: “São os dois filhos de óleo que

foram ungidos para servir ao Senhor de toda a terra” (v. 14). A expressão

“filhos de óleo” é normalmente interpretada com o significado de que os dois

indivíduos mencionados foram ungidos com óleo como servos especiais do

Senhor (veja a NIV). Entretanto, a palavra utilizada aqui para “óleo” (em

hebraico, yitshar) não se refere a óleo de unção em nenhuma outra passagem

(a palavra hebraica para esse óleo é shem en), mas a óleo fresco, que

simboliza a abundância agrícola do país.299 É mais provável, então, que os

indivíduos sejam chamados aqui de “filhos de óleo” porque, sob sua liderança,

o Senhor restauraria a prosperidade agrícola ao país (veja 3.10, e

também Ag 2.19). Esses “filhos de óleo” eram, é claro, o sumo sacerdote

Josué e o governador Zorobabel (3.1-10; 4.7-10; 6.9-15). Por meio do poder

sobrenatural do seu Espírito (4.6), o Senhor capacitaria Zorobabel a superar

todos os obstáculos e concluir o projeto do templo (v. 7-10). Por meio do

297 Sobre a estrutura do candelabro, do vaso e das lâmpadas, veja Baldwin, Joyce G., Haggai,

Zechariah, Malachi, TOTC (Londres: InterVarsity, 1972), 119-20; Petersen, Haggai and Zechariah

1-8, 220-23; e Meyers e Meyers, Haggai, Zechariah 1-8, 234-38.

298 A palavra hebraica traduzida por “ramos”, na NIV, em outras passagens se refere a “espigas de

grãos”, e não a ramos de árvores. O termo é mais bem interpretado como um homônimo que quer dizer

“corrente”. O termo se refere a correntes de óleo que fluem da árvore para os tubos. Veja Petersen,

Haggai and Zechariah 1-8, 235-36.

295 Ibid., 230-31.


P rofetas M enores | 517 |

ministério de Josué, as atividades religiosas do templo seriam retomadas

(3.7). Por serem, os dois, os líderes que seriam instrumento da restauração

da adoração no templo, podem ter sido retratados fornecendo o óleo que

acenderia as lâmpadas no candelabro do templo.300

Sexta visão: o pergam inho voando (5.1-4)

Zacarias viu, em seguida, um pergaminho enorme desenrolado (nove

metros por quatro metros e meio) voando pelo céu (v. 1-2). O pergaminho

é identificado especificamente como “a maldição que está sendo derramada

sobre toda a terra” (v. 3). Ela é chamada de “maldição” porque anunciava

o juízo contra malfeitores. Em um lado do pergaminho estavam escritas as

palavras “todos os ladrões serão expulsos”, enquanto o outro lado continha

o alerta: “todos que juram em falso serão expulsos”. O Senhor enviaria o

pergaminho às casas dos ladrões e daqueles que faziam juras em falso, onde

ele apodreceria a madeira e as pedras, deixando a casa em ruínas (v. 4). As

palavras no pergaminho faziam alusão a dois dos dez mandamentos. O terceiro

mandamento proibia fazer juramentos em falso, e o oitavo condenava

o roubo. A preocupação subjacente dos dois mandamentos era a de que o

povo de Deus não trapaceasse nem roubasse uns aos outros. A visão era um

lembrete para a comunidade pós-exílica de que eles, como seus pais, ainda

estavam sujeitos aos padrões de conduta social de Deus, na forma expressa

no decálogo. Fracassar na aderência a esses padrões levaria à destruição

demorada, mas certa.

Sétima visão: a m ulher no cesto (5.5-11)

A próxima visão de Zacarias era especialmente bizarra. Ele viu uma

mulher dentro de um cesto, que personificava a perversidade e o pecado

da terra (v. 5-8). A pesada tampa do cesto foi fechada. Aí, apareceram duas

outras mulheres; as duas tinham asas como cegonhas, agarraram o cesto,

voaram pelo céu e partiram para a Babilônia (literalmente, Sinar), onde

depositariam o cesto (v. 9-11). Talvez as mulheres tenham sido comparadas

a cegonhas porque essas aves são impuras, segundo a lei (Lv 11.19;

Dt 14.18). Mulheres como cegonhas seriam carregadores adequados a

um cesto contaminado. Da mesma forma, Sinar, a terra distante e impura

onde os exilados viviam, era um destino apropriado para o pecado personificado.301

O objetivo da visão é claro. O Senhor não toleraria o pecado

na comunidade pós-exílica. Aqueles que violassem seus padrões seriam

enviados de volta ao exílio.

'M Ibid., 233-34.

301 Para o conceito de uma terra estrangeira ser impura, veja Amós 7.17.


| 518 1 Introdução aos profetas

Oitava visão: quatro carruagens (6.1-8)

Nesta visão final, Zacarias viu quatro carruagens surgindo do meio

de duas montanhas de bronze. Os cavalos que puxavam cada carruagem

tinham cores diferentes (v. 1-4). O anjo identificou as quatro carruagens

como “os quatro espíritos do céu”, representando os quatro pontos cardeais (v.

5 veja a margem da NIV e também 2.6).302 As cores diferentes dos cavalos,

em vez de terem algum valor simbólico, simplesmente ajudam a distinguir

as respectivas carruagens e estão incluídas na descrição para dar nitidez.

O simbolismo das montanhas de bronze não é explicado. O bronze sugere

força (Is 45.2; Jr 1.18) e é possível pensar que as montanhas gêmeas espelhem

o templo de Salomão, que tinha dois pilares de bronze situados em sua

entrada (lRs 7.15-22).

Quando as carruagens emergiram da presença de Deus, a que era puxada

por cavalos negros foi para o norte, seguida pela que era puxada por cavalos

brancos.303 A carruagem puxada por cavalos malhados foi para o sul, e a

com cavalos vermelhos não é mencionada. Aparentemente, foi reservada

para depois. A missão das carruagens parece ser militarista. De fato, Jeremias

49.36 indica que os quatro espíritos (que as carruagens simbolizam;

veja o v. 5) servem como instrumentos do juízo divino. Aquelas que foram

para o norte aplacaram a ira de Deus trazendo o juízo sobre as regiões

do norte.304 Uma vez que isso incluía, sem dúvida nenhuma, a Babilônia

(2.6-7), a visão é, em algum nível, retrospectiva (veja também 1.18-21). Os

persas tinham conquistado a Babilônia 20 anos antes.

Uma corolição objeto (6.9-15)

Essa mensagem longa (que começou em 1.7) termina com instruções

para Zacarias realizar uma corolição objeto do sumo sacerdote Josué. Com

prata e ouro coletados de três dos exilados que voltavam, Zacarias devia

302 Algumas traduções entendem aqui a palavra hebraica rukhot como “espíritos”, mas o aparecimento

da mesma expressão em 2.6 sugere que, aqui, trata-se de ventos. Veja Meyers e Meyers, Haggai,

Zechariah 1-8, 322-23.

303 A NIV dá a impressão de que o carro com os cavalos brancos foi para oeste. O texto hebraico diz,

literalmente, “e os brancos foram para depois deles”. A expressão ’el 'akhare, “para depois”, em outras

passagens, quer dizer “para/em um lugar atrás” (veja 2Sm 5.23; 2Rs 9.18-19). Isso sugere que os cavalos

brancos seguiram os pretos para o norte. No entanto, muitos, supondo que os quatro ventos precisam se

mover na direção dos quatro pontos cardeais, preferem corrigir o texto para “e os brancos seguiram para

o lado do mar”, o que significaria que foram para oeste. Os que defendem essa visão também alegam

que uma referência ao quarto carro indo para leste deve ter sido omitida acidentalmente do texto. Veja

Baldwin, Haggai, Zechariah, Malachi, 131-32; e Petersen, Haggai and Zechariah 1-8, 263-64.

304 A NIV traduz o versículo 8: “Veja, os que foram para a terra do norte deram repouso ao meu

Espírito naquela terra”. Entretanto, é mais provável que a palavra hebraica ruakh, que frequentemente

se refere ao Espírito divino (veja Zc 4.6), aqui se refira à disposição da ira de Deus, que é apaziguada

pelo juízo derramado sobre os objetos de sua ira (veja 1.15). Para exemplos em que o termo hebraico se

refere à ira, veja Jó 15.13; Provérbios 29.11; Eclesiastes 10.4.


P rofetas M enores 1519 1

fazer uma coroa e colocá-la sobre a cabeça de Josué (v. 9-11). Depois de

entregar uma mensagem referente à reconstrução do templo e à unificação

da realeza e do sacerdócio (v. 12-13), Zacarias devia colocar a coroa no

templo, em um memorial para os exilados que tinham doado a prata e o

ouro dos quais tinha sido feita (v. 14).305 Sua contribuição prenunciou a participação

de outros exilados em regresso na reconstrução do templo (v. 15).

A mensagem que acompanha a corolição objeto exige atenção especial.

A medida que Zacarias colocasse a coroa sobre a cabeça de Josué ele devia

anunciar que aquele chamado de “Renovo” reconstruiria o templo e ocuparia

um trono (v. 12-13a). Primeiramente, parece que Josué era identificado

como o “Renovo”, mas isso parece improvável, já que a quarta e a quinta

visões, quando correlacionadas, identificam Zorobabel como o Renovo que

reconstruiria o templo (3.8; 4.7-10). A mensagem de Zacarias, na verdade,

era relativa a ambos, Josué e Zorobabel, e antecipava seu relacionamento

cooperativo como líderes da comunidade da aliança. Os versículos 11-13

apresentam uma característica quiástica.306

A Josué é coroado como o governante sacerdotal da comunidade

(v. 11)

B Zorobabel (o Renovo) reconstruirá o templo (v. 12-13a)

B’ Zorobabel será o novo governante civil da comunidade

(v. 13b)

A’ Josué será o governante sacerdotal da comunidade

(v. 13c)307

Conclusão: Haverá harmonia entre os dois governantes (13d).

Justiça, e não ritual (7.1-8.23)

O povo de Betei enviou uma delegação a Jerusalém para perguntar se

deviam continuar a prática do luto durante o quinto mês para comemorar

a destruição de Jerusalém em 586 a.C., um evento que tinha ocorrido

durante o quinto mês do ano (v. 1-3; veja 2Rs 25.8; Jr 52.12). Em resposta

a essa consulta, o Senhor deu a Zacarias uma mensagem para o povo na

305 Dois dos nomes apresentados no versículo 10 são diferentes no versículo 14. No texto hebraico

do versículo 14, Heldai é chamado de Helem, enquanto o filho de Sofonias, Josias, é chamado de Hem.

E provável que Helem seja uma corruptela textual ou um nome alternativo para Heldai. Veja Meyers

e Meyers, Haggai, Zechariah 1-8, 340. “Hem” pode nem ser um substantivo próprio, mas um título

dado a Josias (o título real é lekhen, que quer dizer “mordomo”. Veja Petersen, Haggai and Zechariah

1-8, 278 n. 8).

306 O esboço incluído no texto é baseado no de Eugene H. Merrill, Haggai, Zechariah, Malachi

(Chicago: Moody, 1994), 199.

307 A NIV (“ele será sacerdote no trono”) faz com que pareça que o Renovo dos versículos 12-13a é

o referente aqui, mas o texto hebraico é mais bem traduzido por “haverá um sacerdote em seu trono”.


[520 1 Introdução aos profetas

qual enfatizava que a justiça social tem prioridade sobre o ritual. A estrutura

dos capítulos 7-8 apresenta uma disposição quiástica dos temas principais,

embora os elementos centrais (veja D/D’-F -F ’ abaixo) apresentem

alguma variação:

A Mensageiros de Betei vêm para suplicar (em hebraico,

lekhallot) ao Senhor (7.1-3)

B O Senhor denuncia jejuns sem significado (7.4-7)

C Aprioridade do Senhor é ajustiça social (7.8-12)

D O Senhor enviou seu povo para o exílio (7.13-14)

E O Senhor vai restaurar Jerusalém (8.1-3)

F O Senhor abençoará o remanescente

(8.4-6)

D’ O Senhor trará os exilados de volta (8.7-8)

F’ O Senhor abençoará o remanescente

(8.9-13)

E’ O Senhor restaurará Jerusalém (8.14-15)

C’ Aprioridade do Senhor é ajustiça social (8.16-17)

B’ O Senhor restaurará jejuns com significado (8.18-19)

A’ Muitas nações virão suplicar (em hebraico, lekhallot) ao

Senhor (8.20-23)

A questão colocada pela delegação de Betei (v. 3) era natural. Afinal,

um grupo de exilados tinha reocupado a terra e o templo estava sendo

reconstruído. Será que as pessoas podiam presumir que o exílio estava

oficialmente encerrado e que não era mais necessário comemorar a queda

de Jerusalém quase 70 anos antes? Podiam presumir que Deus restauraria

sua bênção e que não era mais necessário lamentar o passado? A resposta

do Senhor (v. 4-6) revela o pensamento raso do povo e sua incapacidade

de reconhecer a prioridade de Deus. O Senhor questionou os motivos de

quem tinha guardado jejum no quinto e no sétimo mês nos últimos 70

anos.308 Fazendo jejum ou comendo normalmente, o povo o fazia por interesse

próprio. Deviam saber que Deus não dava tanta prioridade a jejuns

e rituais, pois os profetas pré-exílicos, cujos ensinamentos os exilados

deviam conhecer, tinham deixado isso claro (v. 7; veja especialmente Jr

14.12).309 O Senhor não estava tão preocupado com jejuns e rituais quanto

308 O jejum no sétimo mês provavelmente comemorava a morte do governador Gedalias, que foi

assassinado por um fanático no sétimo mês do ano de 586 a.C. (veja 2Rs 25.25- 26). Sua morte teve

repercussão negativa entre o povo de Judá (veja Jr 40.7-41.18).

309 Como está, o texto hebraico do versículo 7 parece ser elíptico e ininteligível. Diz, literalmente:


P rofetas M enores | 5211

com padrões éticos e justiça. Ele conclamou a comunidade pós-exílica a

promover a justiça e a mostrar compaixão, especialmente pelos vulneráveis

na sociedade (v. 8-10). Eles têm de ser diferentes de seus antepassados,

que rejeitaram teimosamente os mandamentos da lei de Deus e

os alertas dos profetas, levando o juízo irado de Deus a recair sobre eles

(v. 11-12). Como eles não obedeceram quando Deus os chamou ao arrependimento,

Deus não ouviu seu pedido de ajuda (v. 13). Em vez disso,

dispersou-os entre as nações, deixando a terra em ruínas (v. 14).

No entanto, o juízo de Deus não era definitivo. Ele estava comprometido

com Jerusalém e iria, mais uma vez, habitar na cidade, transformando-a

na “cidade da verdade” e no “monte sagrado” (8.1-3). Os sinais de uma

cidade vibrante se fariam presentes, quando os idosos se sentassem nas

ruas, observando as crianças brincarem (v. 4-5). Embora a restauração da

cidade possa confundir a imaginação do povo, o Senhor não compartilhava

dessa estranheza, pois nada está além da sua capacidade (v. 6).

O texto dos versículos 5-6 faz alusão ao relato de Gênesis 18, em que

Sara “riu” (v. 12, em hebraico, tsakhaq) quando ouviu que teria um

filho. O Senhor a repreendeu, perguntando: “Existe alguma coisa impossível

[em hebraico, p a la ’] para o S e n h o r ? ” ( v . 14). Quando a criança

nasceu, Sara o chamou Isaque (em hebraico yitskh a q , “ele ri”), explicando:

“Deus me encheu de riso, e todos os que souberem disso rirão

comigo” (Gn 21.6). Em Zacarias 8.5-6, as palavras-chave do relato de

Gênesis aparecem. No versículo 5, as crianças são descritas brincando

(literalmente, “rindo”, do hebraico sakhaq, uma forma alternativa

de tsakhaq), enquanto, no versículo 6, a questão é que mesmo esses

desenvolvimentos notáveis não parecem maravilhosos (em hebraico,

“Não são essas as palavras que o Senhor proclamou por meio dos antigos profetas quando Jerusalém

era habitada e em paz, e suas cidades ao redor e o Neguebe e o Sefelá eram habitados”. O texto

hebraico coloca o sinal do acusativo antes de “as palavras”, indicando ser o objeto de um verbo,

mas o verbo não aparece. Algo parece ter sido omitido acidentalmente na transmissão do texto. Eu

proponho a leitura corrigida a seguir, no início do v. 7: h a lo ’ ’attem h a sh o m e im ’et-haddebarim ,

“não foram vocês os que ouviram as palavras...?” Nesse caso, o texto hebraico existente pode ser

facilmente explicado como resultado de um erro acidental do escriba. Depois de escrever as duas

primeiras letras (a/e/e íav) do pronome masculino plural de segunda pessoa, 'attem, o olho do escriba

pulou acidentalmente para o alef-tav do sinal do acusativo, deixando de fora as letras intervenientes.

Além de dar sentido ao texto, a correção proposta também tem a vantagem de criar uma estrutura

sintática que reflete, ao menos parcialmente, a construção do versículo 6b, em que h a lo ’ é seguido

pelo pronome masculino plural na segunda pessoa, 'attem, e um particípio plural com o artigo (“não

foram vocês os que comeram?”). O verbo sh a m a , “escutar, ouvir”, é proposto na correção porque

é frequentemente colocado com a(s) palavra(s) do Senhor. Nesse caso, a geração exílica (veja o v. 5)

tinha ouvido as palavras dos profetas pré-exílicos, não diretamente, mas por meio da tradição profética

e seus parentes. Entretanto, podemos propor um verbo diferente na elipse, como m a'as, “rejeitar”,

ou shakakh, “esquecer”. Nesse caso, o Senhor reclama de seu comportamento por ser contra os

princípios estabelecidos pelos profetas pré-exílicos.


I 522 1 Introdução aos profetas

p a la ’) para o Senhor. Como o riso alegre de Sara por seu bebê recém-

-nascido, o riso de Jerusalém seria prova de que nada é surpreendente

demais para o Senhor fazer. Da mesma forma que deu um filho à estéril

Sara, também pode reviver a terra desolada (veja 7.14).

O Senhor traria os exilados de volta para o país e formaria deles

uma comunidade de adoradores leais (v. 7-8). Os tempos tinham sido

difíceis, mas o Senhor faria seu povo prosperar e lhe daria plantações

abundantes (v. 9-11).310 O povo de Deus tinha se tornado uma maldição

entre as nações, mas se transformaria em exemplo perfeito de uma

nação abençoada por Deus (v. 13). O versículo 13 diz, literalmente:

“Assim como vocês foram uma maldição para as nações, ó Judá e Israel,

também os salvarei e vocês serão uma bênção”. Para Judá e Israel, ser

uma maldição significou que seus nomes apareceram em fórmulas de

maldição.311 Como Judá e Israel eram exemplos de povo amaldiçoado,

quem pronunciasse uma maldição chamaria um destino semelhante para

seus inimigos. Para Judá e Israel, serem uma bênção significaria que

seus nomes seriam utilizados em fórmulas de bênção.312 Seriam reconhecidos

como exemplos clássicos de um povo abençoado por Deus.

Quem pronunciasse uma bênção pediria que o objeto da bênção prosperasse

como Judá e Israel.

O Senhor prometeu reverter os efeitos de juízos passados e restaurar

seu favor a Judá e Jerusalém (v. 14-15), mas também esperava que o povo

se comprometesse com seus padrões éticos. Eles tinham de promover a

justiça na comunidade e evitar a perversidade e as práticas desonestas (v.

16-17). Uma vez que o povo acertasse suas prioridades e conhecesse as

bênçãos renovadas de Deus, seus jejuns seriam transformados em festas

alegres (v. 18-19).313 O povo de toda a terra buscaria o Senhor de coração, e

a eles se juntariam estrangeiros de terras distantes (v. 20-23).

310 O versículo 9 menciona a época em que as fundações do templo foram lançadas. Parece se referir à

época em que a reconstrução do templo foi iniciada, em 536 a.C. (veja Ed 3.13). Entretanto, o versículo

10 se refere a uma época anterior ao lançamento das fundações, quando os salários eram baixos. Essa

situação parece corresponder ao que é descrito em Ageu 1.6, ocorrendo antes de 520 a.C., quando foi

retomada a obra do templo. Talvez Zacarias 8.9 se refira, então, a uma segunda cerimônia de lançamento

das fundações, em 520 a.C. Se for assim, Ageu e Zacarias provavelmente são os profetas mencionados

no versículo 9.

311 Para um exemplo de fórmula de maldição, veja Jeremias 29.22.

312 Para exemplos de fórmulas de bênçãos, veja Gênesis 48.20 e Rute 4.11.

313 Quatro jejuns são mencionados no versículo 19. Como já observado, o jejum no quinto mês

lembrava a destruição de Jerusalém em 586, enquanto o do sétimo mês relembrava a morte de Gedalias

(veja 7.3,5). O jejum no quarto mês provavelmente lembrava a invasão babilônica de Jerusalém em 586

(veja 2Rs 25.3-4; Jr 39.2; 52.6-7), enquanto o do décimo mês provavelmente relembrava o começo do

cerco de Jerusalém, em 588 a.C. (2Rs 25.1-2; Jr 39.1; 52.4; Ez 24.1-2).


P rofetas M enores j 523 |

O Senhor estabelece seu reino (9.1-14.21)

Como observamos, os capítulos finais de Zacarias contêm dois oráculos.

O primeiro (caps. 9-11) mostra uma glória futura para o povo de Deus, realçada

pela derrota dos inimigos tradicionais da nação (9.1-8), a chegada do

rei escolhido de Deus (9.9-10), o retomo dos exilados (9.11-12; 10.8-12),

o rejuvenescimento sobrenatural do poder militar de Israel (9.13-15; 10.3-

7; 11.1-3) e a restauração da bênção divina (9.16-17; 10.1-2). No entanto,

essa descrição do futuro é equilibrada por um relato altamente simbólico

que mostra a rejeição do domínio de Deus por seu povo e um tempo de

juízo (11.4-17). O segundo oráculo (caps. 12-14) continua a história. Jerusalém

é cercada por nações hostis, mas o Senhor protege a cidade de forma

sobrenatural (12.1-9). O povo lamenta sua rejeição a Deus e ele perdoa

seus pecados, purifica-o e renova sua aliança com ele (12.10-13.9). Contudo,

Jerusalém sofre muito antes de o Senhor intervir, no último momento

(14.1-7,12-15; cf. 13.7b-8). Após sua grande vitória, o Senhor estabelece

seu reino universal, e as nações o adoram (14.8-11,16-21).

O rejuvenescimento do povo de Deus (9.1-11.3)

O primeiro oráculo começa com um anúncio de juízo contra os arameus,

a nordeste (9.1), os fenícios, ao norte (v. 2-4), e os filisteus, a oeste (v. 5-7).

Alguns veem o cumprimento dessa profecia nas conquistas de Alexandre, o

Grande, no século 4a a.C., mas é mais provável que essas nações em particular

sejam mencionadas por serem inimigas tradicionais do povo de Deus.

Além disso, sua derrota garantiria as fronteiras de Israel e de Judá (v. 8) e

pavimentaria o caminho para a expansão da nação a seus limites idealizados

(vejaDt 1.7; Js 1.3-4).314

Embora Jerusalém tivesse sido privada de sua independência desde sua

queda, em 586 a.C., a realeza seria restaurada na cidade. O Senhor conclama

a cidade personificada a se alegrar e depois dirige sua atenção para

a chegada de seu rei (v. 9a). Como quem está falando nesse contexto é o

Senhor (veja os v. 6-8,10-13), o rei de quem se fala deve ser um governante

humano, sem dúvida, um descendente de Davi (veja 12.8). O rei é descrito

como “justo e vitorioso” (NIV, “justo e tendo a salvação”) e “montado

num jumento” (v. 9b).315 Reis frequentemente montavam em jumentos no

antigo Oriente Próximo, então esse meio de transporte não era inerentemente

depreciativo para a realeza.316 Entretanto, montar num jumento, e

314 Veja Hanson, Dawn o f Apocalyptic, 317, e também os comentários de Merrill, Haggai, Zechariah,

Malachi, 247-48.

3,3 Outra opção é entender o termo hebraico tsaddiq, “justo”, no sentido de “justificado” ou

“legítimo” aqui. Veja Merrill, Haggai, Zechariah, Malachi, 254.

316 Veja Baldwin, Haggai, Zechariah, Malachi, 165-66.


| 524 | Introdução aos profetas

não numa carruagem ou num cavalo de guerra, reflete seu caráter “humilde”

(na NIV, “gentil”) e a natureza pacífica de seu governo (veja o v. 10).317 A

profecia encontra seu cumprimento parcial na entrada triunfal de Jesus em

Jerusalém, pouco antes de sua crucificação (Mt 21.1-11; Mc 11.1-11; Lc

19.28-38; Jo 12.12-15). Entretanto, como a nação judaica rejeitou Jesus

nessa época, o cumprimento pleno da profecia (especialmente as promessas

feitas no v. 10) espera o segundo advento.

Depois de anunciar a chegada do rei, o Senhor promete a Sião que

libertará seu povo do cativeiro em cumprimento à promessa da aliança (v.

11-12).318 É possível que a expressão “sangue da minha aliança” seja uma

alusão a Êxodo 24.8, em que é utilizada para designar o sacrifício que ratificou

a aliança de Deus com Israel no Sinai. Entretanto, é difícil ver como

essa aliança, pelo menos na superfície, tenha sido feita com Sião ou como

ela antecipa um retomo do exílio.319 É mais provável que Zacarias faça uma

alusão aqui a Ezequiel 16.8, em que o Senhor relembra que fez uma aliança

com Sião quando ela era uma jovem (veja também o v. 60). E possível que a

aliança mosaica seja subjacente à metáfora de Ezequiel porque Sião parece

representar a nação. Nesse caso, Zacarias 9.11, se, de fato, for uma alusão

a Ezequiel 16.8, provavelmente se refere à promessa (adicionada à versão

deuteronômica da aliança) de um eventual retomo do povo de Deus do

exílio (Dt 30.1-10). No entanto, parece mais provável que a escolha de Sião

por Deus como seu local de morada (uma decisão tomada durante o reinado

de Davi) sirva de base para a metáfora de Ezequiel. Nesse caso, Zacarias

9.11, se for baseado em Ezequiel 16, pode ser uma alusão às promessas do

salmo 132.13-17, que são intimamente associadas à aliança de Deus com

Davi (veja os v. 11-12).

Zacarias também mostra a reunificação de Judá e Israel, aqui representadas

por sua tribo mais preeminente, Efraim (v. 13a). Os filhos de Sião atacariam

os filhos de Javã (Grécia) (v. 13b). Escudado por seu poder protetor, o

povo de deus derrotaria seus inimigos (v. 14-15) e desfrutaria de renovadas

bênçãos (v. 16-17).

Alguns veem a referência à Grécia (literalmente “Javã”) como uma indicação

de uma data posterior de autoria para esse oráculo ou como evidência

de que essa afirmação é uma adição posterior à profecia. Mas o simples

nome da Grécia (Javã) não exige essa conclusão, pois referências a Javã

também aparecem em Gênesis 10.2,4; Isaías 66.19; e Ezequiel 27.13. Mais

317 A esse respeito, compare Absalão, que veio sobre ura carro (2Sm 15.1), com Salomão, que montou

numa mula para sua coroação (lRs 1.33).

318 As formas verbais e os pronomes na segunda pessoa no versículo 11 estão no feminino singular,

indicando que a Sião personificada ainda é a destinatária da mensagem (veja o v. 9).

319 Êxodo 23 antecipa a conquista da terra, não um retomo do exílio.


P rofetas M enores 1525

pertinente é que uma guerra entre o povo de Deus e os filhos de Javã é descrita.

Para alguns, isso antecipa ou reflete os conflitos entre os macabeus

e os selêucidas, no século 22 a.C. (veja Dn 8.21-25), mas talvez Javã seja

utilizado aqui como representante das nações distantes que seriam incorporadas

ao reino do Senhor.320

Zacarias interrompe sua descrição do futuro e conclama sua audiência a

buscar o Senhor por bênçãos renovadas (10.1). A comunidade pós-exílica

não tinha conhecido prosperidade agrícola (veja Ag 1.5-11; 2.16-17), mas

um compromisso renovado com Deus e seus padrões éticos traria chuvas e

faria com que os campos gerassem colheitas abundantes (veja 8.12). Nesse

ponto, os temas principais de 9.11-16 estão repetidos em ordem reversa,

criando uma estrutura quiástica:

A O Senhor livra os exilados (9.11-12)

B O Senhor dá forças a Judá e Efraim para a batalha

(9.13-15)

C O Senhor pastoreia e abençoa seu povo (9.16-17)

D A oferta da bênção no presente (10.1)

C’ O Senhor pastoreia seu povo (10.2-3b)

B’ O Senhor dá força a Judá e Efraim para a batalha

(10.3c-7)

A’ O Senhor livra os exilados (10.8-11.3)

O povo devia buscar o Senhor como fonte de bênçãos, não os especialistas

em adivinhação e seus recursos (v. 2a).321 Na verdade, por causa dessas

práticas pagãs, a comunidade da aliança de Deus estava como ovelhas perdidas,

sem pastor para guiá-las e protegê-las (v. 2b). Aqueles responsáveis

por pastorear o povo de Deus tinham negligenciado seus deveres e seriam

disciplinados severamente pelo Senhor (v. 3a).322 A identidade desses “pastores/carneiros”

não é clara. Eles podem representar governantes estrangeiros

opressores (veja 9.8; 10.5b,11), mas é mais provável, à luz da forma

como o tema do pastor é empregado em 11.4-17 e em 13.7, que se esteja

falando de líderes da comunidade da aliança.

320 Veja Baldwin, Haggai, Zechariah, Malachi, 169.

321 Os “ídolos” mencionados no versículo 2 eram utilizados em adivinhações. O termo traduzido por

“ídolos” (em hebraico, terapim ) refere-se a ídolos domésticos (Gn 31.19; ISm 19.13,16) que eram

usados para adivinhações (Ez 21.21; Os 3.4). Sua utilização era proibida pelo Senhor (ISm 15.23; 2Rs

23.24). Esses ídolos são mencionados em Juizes 17-18, em que são relacionados entre os objetos do

santuário doméstico de Mica (17.5; 18.14). Os danitas acabaram por roubá-los e incorporá-los ao seu

centro de adoração não autorizado (Jz 18.17-18,20).

322 O termo hebraico traduzido por “líderes” na NIV se refere literalmente a “carneiros” que, normalmente,

dão o passo do rebanho (Jr 50.8). Aqui temos uma metáfora para governantes.


I 526 | Introdução aos profetas

Insatisfeito com os líderes incompetentes que designou sobre seu povo,

o próprio Senhor assumiria a posição de pastor de Judá (10.3b). Ele transformaria

Judá em uma poderosa força militar, comparada aqui a um cavalo

de batalha (v. 3c). O poder do Senhor daria a Judá estabilidade e capacitaria

o povo a derrotar seus inimigos (v. 4- 5).323 O reino do norte (representado

pelos “efraimitas” da “casa de José”) retomaria do exílio e se reunificaria

com Judá (v. 6-8). Os exilados israelitas tinham sido espalhados entre as

nações, mas retornariam da Assíria e do Egito (símbolo de escravidão e

exílio; veja Os 8.13; 9.6), habitariam em Gileade e no Líbano e se tomariam

leais seguidores do Senhor (v. 9-10,12). Com a utilização de imagens

do passado, o Senhor retrata seu povo passando com segurança pelo mar

perigoso, como tinha feito nos tempos de Moisés (v. 11a). Ele derrubaria a

arrogância da Assíria e o poder real do Egito (v. 11b). Os assírios, é claro,

tinham desaparecido do cenário internacional na época de Zacarias. E possível

que Zacarias tenha utilizado uma fonte pré-exílica neste ponto, mas

essa proposta não é necessária para responder pela referência anacrônica.

Como a Assíria e o Egito eram inimigos tradicionais de Israel, o profeta

estava, provavelmente, utilizando-os aqui como palavras em código para

as nações poderosas de seu próprio tempo ou como arquétipos para as

nações hostis em geral.

A queda da Assíria e do Egito é mostrada em termos altamente poéticos

em 11.1-3. O fogo varre as florestas do Líbano e a região de Basã (situada

a leste do Jordão), destruindo árvores e pastagens. Enquanto os pastores

lamentam a perda de suas áreas de pastagem, o fogo continua a seguir rumo

ao rio Jordão, queimando o matagal e tirando os leões de suas moradas.

A realidade subjacente por trás das imagens não é identificada especificamente,

mas, como esses versículos seguem imediatamente o anúncio

da derrota da Assíria e do Egito, é razoável associar o fogo com o juízo

323 O significado exato do versículo 4 é incerto. O texto hebraico diz, literalmente, “dele, a pedra

fundamental, dele, a estaca da tenda, dele, o arco de guerra, dele vêm todos os governantes [ou

“opressores”?]”. Não é certo quem, ou o que, é o antecedente do pronome masculino singular na terceira

pessoa. As opções incluem (v. 3) “o Se n h o r dos Exércitos”, “seu rebanho [do Senhor]”, e “a casa de

Judá” (veja a NIV). Em minha opinião, o antecedente é o rebanho do Senhor ou a casa de Judá. As

primeiras três linhas deixam claro que o rebanho do Senhor/a casa de Judá conheceria estabilidade

renovada (simbolizada pela pedra fundamental e pela estaca da tenda) e poderio (simbolizado pelo

arco). Talvez uma figura real seja vista emergindo de Judá (a metáfora da pedra fundamental é utilizada

em outras passagens para indicar líderes. Veja Jz 20.2 [na NIV, líderes]; ISm 14.38 [na NIV, líderes];

Is 19.13). O significado da quarta linha é questionado. Uma vez que a pedra fundamental, a estaca da

tenda e o arco parecem ser imagens positivas da estabilidade e do poderio renovados de Judá, há quem

queira interpretar os governantes da quarta linha como líderes do povo de Deus. Entretanto, o termo

utilizado aqui (em hebraico, noges) refere-se a tiranos opressores em outros textos (veja especialmente

Zc 9.8). Por essa razão, a quarta linha provavelmente se refere à remoção dos governantes opressores

do rebanho de Deus/da casa de Judá.


P rofetas M enores ) 527

de Deus contra as nações que elas simbolizam. Isaías utiliza os cedros do

Líbano e os carvalhos de Basã para simbolizar os objetos de orgulho do

juízo divino (2.13). Isaías comparou a Assíria às árvores do Líbano (10.33-

34), e Ezequiel retratou tanto a Assíria quanto o Egito como grandes árvores

da floresta do Líbano (31.1-18).

O rebanho rejeita seu pastor (11.4-17)

A referência à lamentação de pastores (v. 3) fornece a transição para a

seção de encerramento deste oráculo, que contém uma alegoria sobre pastores

e ovelhas. O foco da previsão até aqui foi o futuro glorioso de Judá

e de Israel, mas nos versículos 4-5 o humor muda, quando começamos a

ler sobre pastores inúteis que não se preocupam nada com seu rebanho. O

tema já apareceu rapidamente no oráculo. Em 10.2b-3a, o Senhor retratou

seu povo como ovelhas desgarradas, vagando, e denunciou os pastores

que as tinham abandonado. Em 11.4-17, ele desenvolve o tema em muito

mais detalhes.

O Senhor pediu ao profeta que fizesse o papel de um pastor e o instruiu

a “pastorear o rebanho marcado à matança” (v. 4).324 O Senhor denunciou

três grupos - aqueles que vendem o rebanho para ficar ricos, aqueles que

compram as ovelhas para matá-las para comer, e os pastores que não fazem

nada para proteger o rebanho (v. 5). O Senhor anuncia, então, que não mostraria

mais piedade pelo povo (simbolizado pelas ovelhas) e que permitiria

que cada um fosse oprimido por “seu vizinho” (uma referência às nações da

vizinhança?) e “seu rei” (referindo-se a um líder da comunidade?) (v. 6). O

profeta pastoreou o rebanho usando duas varas, uma chamada Favor e outra

chamada União (v. 7). Ao longo de um mês, ele se livrou de três pastores

(provavelmente os pastores negligentes mencionados no v. 5), mas o rebanho

se voltou contra ele (v. 8), levando-o a renunciar à sua missão e deixar

as ovelhas morrerem (v. 9). Ele quebrou a vara chamada Favor, que simbolizava

as relações pacíficas com as nações (v. 10-11), jogou fora a pouca

prata que lhe fora paga pelo trabalho (v. 12-13) e quebrou a vara chamada

União, que simbolizava a unificação de Judá e Israel (v. 14). Neste ponto, o

Senhor instruiu o profeta a fazer outro papel - o de um pastor insensato, que

não cuida de suas ovelhas nem um pouco (v. 15). Isso prenunciava um líder

que seria levantado, ironicamente, pelo próprio Senhor. Não só ele negligenciaria

suas ovelhas, mas também iria matá-las e comê-las (v. 16). No

entanto, um oráculo de juízo é pronunciado contra esse pastor inútil (v. 17).

324 Não está certo como, se é que o profeta desempenhou sua missão. Talvez ele tenha pastoreado um

rebanho de verdade para fins simbólicos, mas é possível que o que está escrito nos versículos 4-17 tenha

ocorrido em uma visão ou sonho.


528 I Introdução aos profetas

Esses versículos, que estão entre os mais cifrados da Bíblia, têm desafiado

os esforços dos intérpretes para desvendar seu significado. Por essa

razão, as interpretações apresentadas aqui devem ser consideradas provisórias

e, até certo ponto, especulativas. Alguns entendem a alegoria, pelo

menos nos versículos 4-14, como a descrição da história de Israel antes e

durante o exílio.325 Israel (o rebanho) estava contaminado por líderes irresponsáveis

(pastores). Quando o Senhor tentou ajudar as ovelhas removendo

esses pastores, seu povo o rejeitou. Então, ele permitiu que as nações oprimissem

seu povo e dividiu sua comunidade da aliança em dois reinos. O

juízo do Senhor culminou com seu povo sendo entregue a um pastor insensato,

que possivelmente simboliza as potências estrangeiras responsáveis

pelo exílio do povo de Deus, embora esse pastor possa ser um líder que

viria depois do tempo de Zacarias.326

Outros veem os versículos 4-17 no cenário do início do período pós-

-exílico, sobre o qual sabemos muito pouco. Se Zacarias é o autor destes

versículos, então talvez eles reflitam um tempo posterior em sua carreira,

quando o tecido sociopolítico da comunidade começou a se desintegrar e

a liderança da comunidade pós-exílica se tomou irresponsável (um cenário

já antecipado em Is 56-66). Quando o Senhor interveio, a comunidade o

rejeitou, levando o Senhor a se afastar dela e a entregá-la a vizinhos opressores.

A reunificação da nação, presente na visão de profetas mais antigos,

tomou-se um ideal despedaçado. Pior ainda, o Senhor entregaria o rebanho

a um líder insensato escolhido por ele mesmo, que oprimiria seu povo, mas,

ao final, seria atingido pelo juízo divino. A derrocada desse governante está

mostrada em 13.7, em que o Senhor ordena que ele seja ferido.327 Sua morte

faria com que as ovelhas se espalhassem. O próprio Senhor atacaria as

ovelhas e devastaria a terra, deixando apenas o remanescente. Como Deus

chama esse governante de “meu pastor” e “o homem perto de mim”, ele

pode ser um descendente de Davi que governou a comunidade pós-exílica

em algum momento.328

O Senhor liberta Jerusalém (12.1-9)

O segundo oráculo começa com um tom mais positivo, quando vemos

o Senhor intervindo em favor de seu povo, livrando-o das nações hostis.

325 Veja, por exemplo, o tratamento que Merrill dá aos versículos 4-14 (Haggai, Zechariah, Malachi,

287-301).

326 Merrill, embora interprete os versículos 4-14 como um olhar de volta aos tempos pré-exílicos,

entende que os versículos 15-17 olham para o futuro. Em sua opinião, eles descrevem “toda a liderança

coletiva de Israel da época de Zacarias para frente, culminando, ao final, na síntese do despotismo ateu,

o indivíduo identificado no Novo Testamento como o Anticristo” (veja ibid., 303).

327 Hanson, Dawn o f Apocalyptic, 350.

3111Ibid., 349-50.


P rofetas M enores 1529 1

O Senhor é mostrado como o criador do mundo, inclusive da humanidade.

Como tal, ele tem tanto a autoridade quanto a capacidade de intervir nos

negócios das nações (v. 1). As nações atacam e cercam Judá e Jerusalém,

mas são repelidas e derrotadas (v. 2-3,9). Jerusalém é comparada a uma taça

cheia com uma bebida intoxicante, que faz com que aqueles que a bebem

cambaleiem, e a uma rocha inamovível, que resiste aos esforços de quem

tenta movê-la. O Senhor intervém na batalha e fere os cavalos dos atacantes

com cegueira, levando os líderes de Judá a reconhecer sua presença protetora

e sua dedicação a Jerusalém (v. 4-5). Esses mesmos líderes devoram

seus inimigos, como o fogo faz com uma pilha de madeira (v. 6). Todos

de Judá, e não apenas Jerusalém e a casa de Davi, serão salvos (v. 7). Os

habitantes de Jerusalém são capacitados pelo poder de Deus, de forma que

mesmo o mais fraco deles tenha o poderio militar do grande guerreiro Davi.

Quanto à casa de Davi, ela exibe uma valentia sobre-humana na batalha,

como se fosse o próprio Deus ou um anjo do Senhor (v. 8).

O povo retorna para o Senhor (12.10-13.9)

O dia da libertação seria também um dia de purificação e reconciliação.

O Senhor, em um ato de graça soberana, levou seu povo a se voltar para ele

(12.10a). Ele tinha rejeitado sua proteção pastoral (11.8), mas agora tinha

de lamentar pelo que tinha feito, como alguém que lamenta a morte de um

filho único ou de um primogênito (v. 10b-ll).329 A cerimônia formal de

lamentação seria liderada pela casa real e pelos sacerdotes (v. 12-14).

Por causa da citação do versículo 10b pelo apóstolo João (veja Jo 19.37),

alguns o veem como um oráculo messiânico. No texto hebraico, a segunda

metade do versículo diz: “Olharão para mim, aquele a quem traspassaram,

e chorarão por ele como quem chora a perda de um filho único, e lamentarão

amargamente por ele como quem lamenta a perda do filho primogênito”.

No texto hebraico, a oração relativa a “aquele a quem traspassaram” vem

precedida pelo sinal acusativo, que especifica que quem fala (observe “para

mim”) e “aquele a quem traspassaram” são uma única pessoa.330 A utilização

do pronome na terceira pessoa do singular mais adiante no versículo (observe

“por ele”) faz parecer que aquele a quem traspassaram e por quem lamentam

é uma pessoa distinta de quem fala, mas é mais provável que a mudança para

329 O versículo 11 compara a lamentação à de Hadade Rimom na planície de Megido. Hadade Rimom

pode ser o nome de um lugar, talvez o local onde foi velada a morte de Josias, que ocorreu na planície

de Megido (veja 2Cr 35.24-25). Outra opção é que o versículo 11 se refira aos rituais de velório para

Hadade Rimom, nome do deus cananeu da tempestade. Para uma discussão sobre as opções, veja

Merrill, Haggai, Zechariah, Malachi, 323-24.

330 Para outros exemplos desse emprego específico do sinal acusativo, veja Jeremias 38.9 (“para

Jeremias, o profeta, aquele que jogaram na cisterna”); Ezequiel 14.22; 37.19.


| 530 | Introdução aos profetas

a terceira pessoa seja puramente gramatical. O pronome na terceira pessoa se

refere a “aquele a quem traspassaram”, que, por sua vez, é equiparado a quem

fala (“mim”).331 Nesse contexto, no qual o falante é considerado, mais naturalmente,

como o próprio Deus (veja os v. 2-4,6,9-10), o ato de traspassar é puramente

metafórico, referindo-se à rejeição do povo a seu pastor divino (11.8).

Quando o soldado romano furou o lado de Jesus com a lança, João viu

nesse ato o cumprimento da declaração de Zacarias (Jo 19.37). Mas se a

declaração em seu contexto original é puramente metafórica e o próprio

Deus é aquele que é traspassado, como se justifica a utilização do texto?

De que forma se “cumpre” a declaração de Zacarias? A citação de João não

implica necessariamente que ele tenha considerado a passagem como um

oráculo direto da experiência do Messias. Seu entendimento da profecia e

seu relacionamento com Jesus é mais sutil do que isso. A crucificação de

Jesus, coroada pelo ferimento a lança, era um exemplo específico da rejeição

de Deus por Israel. Mais do que isso, era a expressão definitiva dessa

rejeição - o ato culminante de uma longa história de rejeição. Ao rejeitar

Deus e executar Jesus, a nação levou à morte o Deus feito carne. Como tal,

o evento põe carne no discurso de Zacarias quando a metáfora se toma realidade.

A verdade geral expressa em Zacarias é realizada de forma tangível

na crucificação de Jesus, dando às palavras uma qualidade literal que não

tinha em seu contexto literário original.332

Em resposta ao arrependimento do povo e da casa real, o Senhor iria

“purificá-los do pecado e das impurezas” (13.1). Isso incluía eliminar seus

ídolos e os falsos profetas (v. 2; veja 10.2). A devoção ao Senhor seria tão

intensa que os pais de um falso profeta iriam, de boa vontade, executar o

filho, em obediência à lei de Moisés (v. 3; Dt 13.6-11). Os falsos profetas se

tomariam tão impopulares que aqueles que antes tinham se envolvido nessa

atividade disfarçariam o fato (v. 4-6). O Senhor também purificaria a casa

de Davi, eliminando o pastor insensato e inútil que tinha levantado (v. 7;

veja meus comentários sobre 11.15-17). A eliminação desse pastor seria a

primeira fase de seu juízo contra toda a nação. Ele liberaria seu juízo sobre

o povo, dois terços do qual morreriam (v. 8a). Mas o Senhor preservaria o

terço restante e faria dele sua comunidade de aliança (v. 8b-9).

O versículo 7 é uma passagem bem conhecida, principalmente porque

Jesus o citou na noite de sua prisão, quando previu que os discípulos o abandonariam

(Mt 26.31; Mc 14.27). Jesus não era, é claro, o pastor insensato

331 Veja ibid., 320.

332 João 19.37 também utiliza o salmo 34.20 de forma semelhante, dando à linguagem metafórica do

salmista uma virada mais literal. Sobre o uso do salmo 34.20 por João, veja Chisholm, Robert B., “A

Theology of the Psalms”, em Zuck, R. B. (org.). A Biblical Theology o f the Old Testament (Chicago:

Moody, 1991), 291.


Profetas M enores 1531

e inútil da visão de Zacarias. Então por que ele citou esse versículo como

se parecesse citar o que aconteceria no Getsêmani? Como acontece com a

citação de Zacarias 12.10 por João, a utilização desta passagem por Jesus

não implica necessariamente que ele a visse como uma previsão direta

do que aconteceria com ele. E mais provável que ele a tenha utilizado de

maneira proverbial. Em outras palavras, quando um pastor é eliminado,

suas ovelhas normalmente são espalhadas. Da mesma forma, a prisão de

Jesus faria com que suas ovelhas, confusas e atemorizadas, se espalhassem

em todas as direções.333

O Senhor é vitorioso (14.1-21)

O capítulo final do livro amarra vários fios temáticos dos capítulos

anteriores. O juízo do Senhor sobre o país (13.8) incluiria Jerusalém. As

nações iriam capturar a cidade, saquear suas casas, violentar suas mulheres

e levar metade de seus habitantes para o exílio (14.1-2). A cena apresentada

aqui difere imensamente daquela descrita em 12.1-9, em que Jerusalém

parece ser impenetrável. As visões podem parecer mostrar dois eventos

diferentes, mas parece mais provável que 14.1-2 seja um suplemento da

profecia anterior e deixe claro que Jerusalém sofreria inicialmente antes de

conhecer o livramento.

Quando toda a esperança parecia ter acabado, o Senhor interviria subitamente

com seu exército angelical (chamado de “seus santos”). Sua chegada

ao monte das Oliveiras causaria um terremoto que racharia o monte em

dois, abrindo um caminho de escape para os moradores da cidade (v. 3-5).

Todo o cosmos seria perturbado e o ciclo normal do dia e da noite seria

severamente alterado (v. 6-7).

Antes de continuar seu relato da vitória do Senhor sobre as nações (v.

12-15), o profeta descreve as condições que existiriam depois que o Senhor

estabelecesse seu domínio sobre todo o mundo (v. 9).334 Jerusalém se tornaria

a fonte da água da vida, com uma corrente fluindo para leste até o

mar Morto, e outra correndo para oeste até o Mediterrâneo (v. 8). A área ao

sul de Jerusalém seria plana como o Arabá (a área ao sul do mar Morto),

enquanto a cidade, agora habitada e segura para sempre, seria elevada para

que todos a vissem (v. 10-11).

333 Para uma declaração resumida e útil dessa visão da utilização do texto por Jesus, veja Merrill,

Haggai, Zechariah, Malachi, 339. Merrill, entretanto, parece querer ir além dessa explicação e ver a

passagem como uma profecia messiânica (339-40). E possível, é claro, que o emprego do texto por

Jesus reflita uma interpretação messiânica que pode ter sido comum em sua época.

334 O texto hebraico do versículo 9b diz, literalmente: “Nesse dia, o Se n h o r será um, e seu nome

[será] um”. O termo “um” é utiiizado aqui no sentido de “único, sem paralelos”. Sobre esse emprego do

predicativo “um”, veja também Cantares 6.8.


I 532 1 Introdução aos profetas

O profeta, agora, retoma à cena de batalha. O Senhor atingirá os exércitos

estrangeiros fora de Jerusalém com uma praga que apodreceria seus

olhos e suas línguas (v. 12) e mataria seus animais (v. 15). Os exércitos

invasores seriam tomados de pânico e atacariam uns aos outros (v. 13). O

povo de Judá se juntaria aos moradores de Jerusalém para recolher o ouro,

a prata e as roupas deixadas pelos inimigos derrotados (v. 14).

Depois de subjugar as nações, o Senhor governaria sobre todas elas.

Os sobreviventes das nações seriam obrigados a fazer uma peregrinação

anual a Jerusalém para a Festa dos Tabemáculos, que celebrava a colheita

das frutas (v. 16; veja Dt 16.13-15). Aqueles que se recusassem a cumprir

a obrigação seriam castigados pela seca e privados de colheita (v. 17-19).

Jerusalém se tomaria uma cidade sagrada. Mesmo itens comuns, como os

sinos dos cavalos e as panelas, seriam tratados como sagrados, como se fossem

vasos consagrados no templo (v. 20-21 a). O templo reconstruído não

seria mais contaminado pela presença de estrangeiros (v. 21b).335

A purificação de uma comunidade (Malaquias)

Introdução

Além do seu nome (que quer dizer “meu mensageiro”), sabemos

quase nada sobre o profeta Malaquias. Alguns consideram “Malaquias”

um título, não um nome próprio, mas a analogia com outros livros proféticos,

todos eles incluindo o nome do autor em seu cabeçalho, sugere

o contrário. A ausência de informações do passado não é exclusiva de

Malaquias e não exige que se considere o nome como um título (veja Ob

1; Hc 1.1; Ag 1.1).

A profecia não tem data específica, mas evidências internas sugerem

que tenha se originado no período pós-exílico, provavelmente no século 52

a.C. O termo “governador” (1.8, em hebraico,pekhah) é utilizado no livro

de Neemias para designar governadores persas e, em Ageu, para designar

Zorobabel (veja 1.1,14; 2.2,21). Outros paralelos entre Malaquias e Esdras-

-Neemias incluem referências ao casamento com esposas estrangeiras (veja

Ml 2.11; Ed 9-10; Ne 13.23-27), o não pagamento do dízimo (Ml 3.8-10;

Ne 13.10-14) e a injustiça social (Ml 3.5; Ne 5.1-13). Embora a profecia

provavelmente seja do mesmo período em que viveu Neemias, Neemias

335 O texto hebraico do versículo 21b diz, literalmente: “E, naquele dia, nunca mais haverá um cananeu

na casa do Se n h o r dos Exércitos”. Há quem veja “cananeu” como um termo étnico aqui, mas é mais

provável que a palavra tenha um significado secundário de “mercador, comerciante”, provavelmente se

referindo a comerciantes estrangeiros em geral (veja o emprego do termo em Jo 41.6; Pv 31.24; Is 23.8;

e Os 12.7). Podem também ser babilônios, pois Ezequiel 16.29 e 17.4 se referem à Babilônia como

“terra de mercadores”.


P rofetas M enores | 533 |

não era o governador mencionado em 1.8, pois ele se recusava a receber

ofertas do povo (Ne 5.14,18).

A estrutura do livro apresenta um padrão recorrente de debate arranjado

em seis unidades argumentativas. Cada um dos seis argumentos inclui uma

afirmação pelo Senhor ou pelo profeta, a resposta do povo e uma conclusão:

Argumento Introdução Resposta Conclusão

(1) 1.2-5 1.2a 1.2b 1.2c-5

(2) 1.6-2.9 1.6a, 7a 1.6b,7b 1.7c-2.9

(3) 2.10-16 2.10-13 2.14a 2.14b-16

(4) 2.17-3.5 2.17a 2.17b 2.17C-3.5

(5) 3.6-12 3.6-70,83 3.7c,8b 3.8C-12

(6) 3.13-4.3 3.13a 3.13b 3.14-4.3

Um breve apêndice (4.4-6) contém uma exortação (v. 4) e um anúncio

do reaparecimento de Elias (v. 5-6).

O Senhor ama Jacó (1.2-5)

O livro começa com um tom positivo quando o Senhor afirma seu amor

por “Jacó”, que, aqui, refere-se aos descendentes de Jacó, a comunidade

pós-exílica (v. 2a). No entanto, o povo responde com ceticismo, exigindo

que o Senhor apresente provas de seu amor confesso (v. 2b). As provações

e a humilhação do exílio aparentemente tinham feito com que o povo de

Deus se tomasse cínico sobre o interesse de Deus por ele. Como prova do

amor duradouro de Deus, o povo só precisava comparar sua situação com

a de Edom (v. 2c-5). Enquanto o Senhor tinha preservado seu povo por

meio da provação do exílio e o tinha restaurado ao seu antigo território,

ele entrou em juízo severo contra os descendentes de Esaú, os edomitas.

Esse juízo é visto como evidência do ódio (i.e., da oposição) de Deus aos

edomitas, em contraste com seu amor (i.e., compromisso permanente) aos

descendentes de Jacó. Os edomitas planejavam reconstruir suas cidades

devastadas, mas o Senhor se oporia aos seus esforços e demoliria qualquer

coisa que eles construíssem. Nesse tempo, o povo do Senhor seria forçado

a reconhecer sua soberania, que se estende além das fronteiras de Israel e

engloba todas as nações.

A denúncia de sacrifícios impuros (1.6-2.9)

Neste segundo debate (o mais longo do livro), o Senhor denuncia um

sacerdócio impuro. Espera-se que um filho honre seu pai, ou que um servo


! 534 1 Introdução aos profetas

honre seu mestre, mas os sacerdotes demonstravam apenas desprezo por

seu mestre divino, oferecendo sacrifícios contaminados, impuros (1.6-7).

Embora a lei mosaica proibisse especificamente o sacrifício de animais

cegos, aleijados ou doentes ao Senhor (Lv 22.17-25; Dt 15.21), esses sacerdotes

lhe traziam sacrifícios defeituosos (v. 8,12-13). Se o próprio governador

da comunidade não considerava essas ofertas como tributo legítimo,

como é que os sacerdotes podiam esperar que o Senhor, soberano governante

do mundo, as aceitasse (v. 8-9,14b)? O Senhor, um dia, seria adorado

por todas as nações, que reconheceriam sua grandeza e ofereceriam

incenso e sacrifícios puros a ele (v. 11). Oferecer sacrifícios contaminados

ao grande rei do universo era insultuoso e degradante. Os sacerdotes fariam

melhor fechando as portas do templo, pois sacrifícios impuros eram uma

ofensa ao Senhor, davam prova da natureza enganadora do sacerdote e traziam

uma maldição sobre quem os oferecia (v. 10,12,14a).

Uma vez que não há indicadores temporais no versículo 11, alguns traduzem

o versículo no tempo presente (“grande é o meu nome... ofertas puras

são trazidas... grande é o meu nome entre as nações”), em vez de utilizar o

tempo futuro. Alguns veem nisso uma referência à adoração judaica entre

os exilados, mas a expressão “entre as nações” sugere um referente mais

amplo. Outros argumentam que este versículo legitima a adoração pagã

sincera como se fosse dirigida, na verdade, ao Deus único e verdadeiro.

Entretanto, essa noção é antitética ao monoteísmo militante que permeia a

teologia j avista de Israel. Os profetas tinham visões da adoração universal

do Senhor como uma característica de um tempo futuro, não do presente (Is

2.2-4; 19.19-21; 24.14-16; 42.6; 45.22-24; 66.18-21; Mq 4.1-3; Sf 3.8-9;

Zc 8.20-23; 14.16). Por essa razão, o versículo 11 é mais bem traduzido no

futuro do indicativo e interpretado como uma profecia do que vai acontecer

quando Deus estabelecer seu reino na terra.336

O Senhor deu aos sacerdotes um ultimato (2.1-3). Se eles não mudassem

sua forma de agir, a “maldição” do Senhor, que já tinha sido proclamada

contra eles, recairia sobre eles com força total. As bênçãos sacerdotais que

proferissem sobre os outros (Lv 9.22-23; Nm 6.23-26; 2Cr 30.27) seriam

ineficazes (isto é, amaldiçoadas), os descendentes dos sacerdotes seriam

rejeitados e os próprios sacerdotes seriam humilhados.337 Com imagens vividas

e repugnantes, o Senhor os avisou que esfregaria os restos dos animais

336 Para uma análise mais detalhada desse problema, veja Verhoef, Haggai and Malachi, 227-28;

Merrill, Haggai, Zechariah, Malachi, 399-401; e Beth Glazier-McDonald, Malachi (Atlanta: Scholars,

1987), 60-61.

337 O verbo traduzido por “rejeitar” no versículo 3 é, aqui, sinônimo de “amaldiçoar” e quer dizer

“suprimir a vitalidade ou eficácia de um objeto”. Veja Glazier-McDonald, Malachi, 66-67. O verbo

carrega essa mesma força no salmo 106.9; Naum 1.4; Zacarias 3.2; e Malaquias 3.11.


P rofetas M enores | 535

sacrificiais no rosto dos sacerdotes e os levaria para fora do santuário, onde

esses restos seriam queimados (Êx 29.14; Lv 4.11-12; 8.17; 16.27).

Ao confrontar e, se necessário for, castigar os sacerdotes, o Senhor esperava

motivá-los a se arrepender e, assim, preservar sua aliança antiga com

os descendentes de Levi (v. 4). Embora não haja registro dessa aliança no

Pentateuco, isso deve se referir à escolha de Deus pelos levitas, especialmente

Aarão, para servi-lo como sacerdote (Nm 3.12). Uma aliança formal

com os levitas, também mencionada em Jeremias 33.21 e em Neemias

13.29, aparentemente foi feita nessa ocasião.338 O Senhor prometeu a Levi

“vida e paz” em troca de respeitosa obediência (v. 5). Em contraste com

os sacerdotes desobedientes do tempo de Malaquias, que tinham violado a

aliança levítica (v. 8-9), os antigos levitas tinham levado suas responsabilidades

sacerdotais a sério e dado ao povo de Deus orientação moral (v. 6-7).

Alguns sugerem que o profeta faz alusão, aqui, aos incidentes registrados

em Êxodo 32.26-29 e Números 25.11-13. Entretanto, nessas ocasiões os

sacerdotes empunhavam a espada da disciplina divina, enquanto Malaquias

2.6 parece se referir à instrução verbal oferecida pelos sacerdotes, não a

medidas punitivas contra os companheiros israelitas.

A denúncia do divórcio (2.10-16)

Nesse terceiro debate, o profeta acusa os homens da comunidade por

sua infidelidade a Deus e a suas esposas. A comunidade da aliança de Deus

era uma família, trazida à vida por seu divino Pai e Criador (v. 10a).339

Dessa forma, os judeus deviam demonstrar lealdade a Deus e fidelidade

em suas relações uns com os outros (v. 10b). Mas a comunidade tinha violado

esse princípio da vida em aliança (v. 11). Muitos dos homens tinham

se casado com a “filha de um deus estrangeiro”. Alguns entendem essa

expressão como uma referência figurativa a uma deusa pagã, mas parece

mais provável que o casamento com mulheres estrangeiras esteja em pauta.

Esdras 9-10 deixa claro que esses casamentos não autorizados aconteceram

durante o período pós-exílico. Esses casamentos, por sua própria natureza,

ameaçavam destruir a pureza étnica e a identidade da comunidade da

aliança e levavam o povo à idolatria (Êx 34.15-16; Dt 7.3-4; Jz 3.6-7; lRs

11.1-6). Por essa razão, o Senhor rejeitaria aqueles que se casassem com

338 Números 18.19 menciona uma “aliança de sal” entre o Senhor e os levitas, mas isso tem a ver

com a porção destinada aos sacerdotes de um sacrifício, não ao serviço sacerdotal em geral. A aliança

de Números 25.12-13 foi feita com Fineias e seus descendentes, não com toda a tribo de Levi. Era

uma promessa incondicional que recompensava a lealdade de Fineias, enquanto a aliança em pauta em

Malaquias 2.4 era um acordo bilateral em que a bênção dependia da lealdade (veja o v. 5).

339 Baldwin, (Haggai, Zechariah, Malachi, 237) identifica o “pai” como Abraão (veja Is 51.2), mas

a estrutura de paralelismo sinonímico sugere que se fala do Pai divino da nação. Veja Merrill, Haggai,

Zechariah, Malachi, 414 n. 1.


1536 1 Introdução aos profetas

mulheres estrangeiras, mesmo se lhes trouxessem ofertas e lamentassem

copiosamente a ira de Deus (v. 12-13). Eles eram condenáveis aos olhos

de Deus, especialmente aqueles que tinham se divorciado de suas esposas

para se casar com essas estrangeiras (v. 14). O Senhor considerava o casamento

um contrato que devia ser honrado pelas partes envolvidas (v. 15). O

Senhor se opunha veementemente ao divórcio e o considerava equivalente

a um ato de violência (v. 16).

O significado exato do versículo 16 é incerto. A tradição que aparece

em muitas das traduções (“eu odeio o divórcio”) não reflete o texto

hebraico tradicional, que diz, literalmente, ‘“pois ele odeia o divórcio’,

diz o S e n h o r Deus de Israel, ‘e ele cobre suas vestes com violência’,

diz o S e n h o r dos Exércitos”. Desse jeito, o texto não faz sentido, pois

parece indicar que alguém que odeia o divórcio é culpado de violência. A

Septuaginta entende um verbo em segunda pessoa dirigido a alguém culpado

de divorciar-se de sua esposa: “‘Se você a odeia e a repudia’, diz o

S e n h o r Deus de Israel, ‘seus pensamentos estarão cobertos de injustiça’,

diz o S e n h o r dos Exércitos”. Nesse caso, é aquele que se divorcia de sua

esposa que é culpado de ódio. E difícil imaginar que o texto hebraico, se

corrompido, derive dessa leitura. E provável que isso seja a tentativa do

tradutor para o grego de obter sentido de um texto corrompido. Talvez o

texto original hebraico dissesse: “Pois aquele que odeia [sua esposa] se

divorcia [de sua esposa]... e cobre suas vestes com violência”.340 Nesse

caso, como na tradução para o grego, aquele que se divorcia de sua esposa

é culpado de ódio. Outra opção é reconstruir o texto hebraico de forma

que ele gere a tradução tradicional: “Pois eu odeio o divórcio e... aquele

que cobre de violência as suas vestes”.341

Afirmando a justiça divina (2.17-3.5)

Em seguida, o Senhor acusa seu povo de cansar o Senhor ao negar seu

caráter justo (v. 17). Isso veio de duas maneiras. Alguns alegavam, de fato,

que Deus aprovava os que fazem o mal, enquanto outros meramente sugeriam

que ele não se interessava pelos assuntos dos homens. Em resposta a

essa acusação, o Senhor anunciou que interviria no mundo e demonstraria

340 Nesse caso, é preciso (a) revocalizar o termo hebraico sane', um perfeito na terceira pessoa no

masculino singular, para sone', um particípio ativo no masculino singular, com função substantiva, e

(b) revocalizar shallakh, uma construção no infinitivo, para shilleakh, um perfeito piei na terceira

pessoa no masculino singular.

341 Nesse caso, temos de reconstruir a primeira oração como ki 'anoki sone' shallakh. A construção

ki 'anoki + particípio é atestada em Deuteronômio 4.22. Se fosse original aqui, então o pronome

'anoki podia ter caído do texto acidentalmente por homoioteleuto, com uma alteração subsequente do

so n e' seguinte para sa n e'. Na segunda oração, precisamos entender uma oração relativa virtual. Sobre

a questão gramatical, veja GKC 488, para. 155n.


P rofetas M enores I 537 1

sua justiça para todos (3.1-5). O juízo divino, comparado aqui ao “fogo do

ourives” e ao “sabão do lavadeiro” (v. 2), iria purificar os levitas (v. 3a) e

destruir todos os malfeitores, incluindo aqueles que oprimiam os fracos e

privavam os necessitados da justiça (v. 5). Na conclusão desse juízo purificador,

os justos ofereciam sacrifícios aceitáveis ao Senhor (v. 3b-4), em

oposição aos hipócritas do tempo de Malaquias (veja 2.12-13).

No versículo la, o Senhor menciona um mensageiro que seria enviado

para preparar o caminho para a chegada do Senhor. Em 4.5-6, esse mensageiro

é identificado como o profeta Elias. O versículo 1 segue e descreve

como “o Senhor” viria a “seu templo” e como aquele chamado de “mensageiro

da aliança” chegaria. No texto hebraico, o paralelismo, que é quiástico

e sinonímico, sugere fortemente que “o Senhor” e o “mensageiro da

aliança” sejam a mesma pessoa. O texto diz, literalmente:

E então, de repente, ele virá ao seu templo,

o S e n h o r a quem vocês buscam;

e o mensageiro da aliança, aquele que vocês desejam,

vejam, ele está vindo.

Primeiramente, pode-se pensar que “meu mensageiro” e o “mensageiro

da aliança” se referem ao mesmo indivíduo, mas a estrutura paralela sugere

diferente. Na verdade, os títulos “o Senhor” (em hebraico, haadori) e o

“mensageiro da aliança” parecem se referir ao mesmo indivíduo, que é diferente

do precursor.342 Os dois títulos utilizados aqui são exclusivos desta

passagem.343 Embora alguns vejam o rei messiânico como sendo o proprietário

dos títulos, é mais provável que o referente seja o próprio Senhor, pois

o texto o retraía vindo para “seu templo” (veja o SI 27.4; Ez 43.1-9). Mas

em que sentido o Senhor é um “mensageiro da aliança”? Qual a conotação

exata desse título? O título pode mostrar o Senhor como aquele que reforça

a aliança, abençoando os justos e castigando os ímpios (v. 3-5). A utilização

de “mensageiro” pode ser uma alusão a uma tradição antiga que mostra o

Senhor como um anjo protetor (Gn 48.15-16; Os 12.4) ou, pelo menos, que

o associa intimamente a esse anjo (Êx 23.20-23; Is 63.9).344

342 Veja Verhoef, Haggai and Malachi, 288-89. Para uma defesa da visão de que “meu mensageiro” e

“o mensageiro da aliança” se referem ao mesmo indivíduo, distinto do “Senhor”, veja Merriíl, Haggai,

Zechariah, Malachi, 431 -32.

343 O título haadori, “o Senhor”, aparece em sete outros textos, mas sempre com o nome Javé depois

dele. Somente aqui aparece isolado.

344 Para uma discussão mais extensa sobre o significado da expressão “o mensageiro da aliança”, veja

Verhoef, Haggai and Malachi, 289, e Glazier-McDonald, Malachi, 130-32.


| 538 I Introdução aos profetas

Roubara Deus (3.6-12)

O Senhor começa a próxima disputa com uma afirmação de sua fidelidade:

“Eu, o S e n h o r , não mudo” (v. 6a). Essa declaração não deve ser considerada

de forma excessivamente filosófica, como se estivesse se referindo

à pessoa ou à natureza essencial de Deus. Deus é imutável (i.e., imodificável)

em sua pessoa e natureza essencial, mas não é essa a questão aqui. O

contexto indica que o que está em pauta aqui é a fidelidade de Deus, mais

especificamente sua fidelidade à relação de aliança que estabeleceu com seu

povo (v. 6b-7a).345 Apesar da rebeldia de seu povo, o Senhor permaneceu

fiel às suas promessas e não o destruiu completamente. Continuou a estender

a mão para a nação desobediente. Ofereceu a ela a oportunidade de se

arrepender e prometeu que ele, por sua vez, restauraria sua relação com ela.

No caso do povo, o arrependimento deve começar com um compromisso

renovado com as exigências da aliança com Deus. O povo tinha

negligenciado o pagamento do dízimo e das ofertas exigidas pela lei (Nm

18.8,11,19,21-24). O Senhor, que considerava essa falha equivalente ao

roubo, deixou a nação sob uma “maldição” (v. 8-9). Ele intimou o povo a

trazer “todo o dízimo” para ele. Se o povo obedecesse, ele prometeu derramar

bênçãos (v. 10-12). Mandaria a chuva e protegeria suas plantações.

Quando as nações vizinhas vissem sua prosperidade, reconheceriam o povo

de Deus como objeto da bênção divina.

A justificação dos santos (3.13-4.3)

A sexta e última disputa desenvolve mais um tema levantado anteriormente

(veja 2.17-3.5). O povo tinha falado mal do Senhor, tinha dito que

não compensava servir ao Senhor e reclamado que os injustos, na verdade,

prosperavam (v. 13-15). A implicação era clara. Em seu modo de pensar,

Deus estava desinteressado dos assuntos dos homens, ou, pior, era injusto.

Entretanto, esse veredito não era unânime. Aqueles que temiam o

Senhor se juntaram e atraíram a atenção do Senhor, que registrou oficialmente

seus nomes (v. 16). O Senhor prometeu que esse grupo de tementes

a Deus se tomaria seu “tesouro pessoal” (v. 17a; veja Êx 19.5) e conheceria

sua misericórdia e a salvação (v. 17b). O Senhor distinguiria com

precisão os justos dos injustos (v. 18). Seu juízo destruidor eliminaria

totalmente os injustos (4.1), mas os justos sairiam vitoriosos e esmagariam

seus inimigos (v. 2-3).

345 Veja o salmo 89.34, em que Deus declara: “Não violarei minha aliança ou alterarei [em hebraico,

shannah, o mesmo verbo traduzido por “mudar” em Ml 3.6] o que meus lábios disseram”. O contexto

(veja especialmente o v. 33) deixa claro que a fidelidade à sua promessa da aliança está em pauta.


P rofetas M enores 1539 I

A vinda de Elias (4.4-6)

O Senhor conclui sua mensagem ao povo com uma exortação para que

obedeça a lei (v. 4). O povo tinha violado as leis relativas aos sacrifícios

(1.7-14), à idolatria (2.10-11) e ao dízimo (3.8-9), então essa ordem é razoável.

Os membros da geração pós-exílica eram os herdeiros da antiga aliança

de Deus com Israel e tinham de levar a sério essa responsabilidade.

Desenvolvendo uma profecia anterior, o Senhor também revelou a identidade

do mensageiro que viria antes do “dia do S e n h o r ” (v . 5). O antigo

profeta Elias retomaria com a tarefa de fazer a comunidade retomar para

Deus, de forma que o severo juízo sobre os ímpios, anunciado anteriormente

na profecia, pudesse ser revertido (v. 6).346 De acordo com Jesus,

essa profecia foi cumprida em essência na pessoa e no ministério de João

Batista, que se parecia com Elias (cf. Mt 3.4 com 2Rs 1.8) e, como o antigo

profeta, exigia arrependimento radical do povo de Deus (veja Mt 11.10-14;

17.12-13; Lc 1.17,76; 7.27).

De acordo com a NIV, o versículo 6 dá uma visão de Elias restaurando

a paz doméstica na comunidade ao reconciliar pais e filhos, que estavam,

nessa visão, em guerra entre si. No entanto, o texto hebraico pode ser traduzido

assim: “Ele fará com que os corações dos pais se voltem para seus

filhos, e os corações dos filhos para seus pais”.347 Nesse caso, o paralelismo

complementar quiástico enfatiza que toda a comunidade, incluindo

as gerações mais novas e as mais velhas, se arrependeria e retomaria para

o Senhor (cf. 3.7).348

346 O alerta do versículo 6 é dirigido essencialmente aos ímpios, pois o Senhor já tinha prometido

poupar os santos (veja 3.3-4; 4.1-3). Veja Glazier-McDonald, Malachi, 259-61.

347 Para diversos exemplos da preposição ‘al com a nuance de “juntamente com”, veja BDB 755.

348 Veja Glazier-McDonald, Malachi, 256.


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Indice de assuntos

Aarão, 220, 535

Abede-Nego, 331, 337,

Abraão, 72 n. 114, 82, 105, 113 n. 180, 123

n. 189,124,140, 220, 308, 384, 437, 450,

478, 535 n. 339

Absalão, 524 n. 317

Acã, 28 n.18, 284, 387, 447 n. 156,

Acabe (profeta), 180, 201 n. 56, 212

Acabe, rei (Israel), 366 n. 103, 380—381, 429,

476, 476 n. 221

Acaz, rei (Judá), 15, 31—34, 32 n. 25, 33 n.

26, 35 n. 30, 37, 39-40, 41, 47, 52, 59, 59

n. 90, 60, 88 n. 138, 90, 92, 93, 99, 99 n.

160, 378, 466, 478

Aczibe, 468

Adã (lugar), 398 n. 39

Admá, 281 n. 42, 406

adoração ao sol, 268-270

Adulão, 4 6 8 ^ 6 9

Ageu, datação do livro, 503

Ageu: época das profecias, 503-508;

profecias sobre o templo, 504

Aicão, 209

“ai”, com o interjeição, 17—18, 25, 276,

469, 491

Alexandre Janeu, 353

Alexandre, o Grande, 70, 298, 299, 328, 334,

335, 344, 348, 358, 364, 421, 429, 523

Aliança abraâmica, 140 n. 213

“aliança de paz”, 133

“aliança de sal” 220 n. 81, 535 n. 338

Aliança levítica, 220, 534—535

Amásis, rei (Egito), 229, 304

Amazias (sacerdote), 423, 444, 446-447

Amazias, rei (Judá), 422

Amom , 50, 210, 227, 230, 231, 233, 290, 291,

296, 426-427, 430-431, 496-497, 500

Amonitas, 51, 226, 233, 291, 297, 424, 430,

498, 500, 501,511

Amós: estrutura, 422—423; m enção a

terrem oto 423-424; previsões de

sofrimento, 439-444; presságios,

424-433

Amós: comissionamento, 422-424; encontro

com Amazias, 446-447; ministério,

422-423

Anais assírios, 93 n. 146

Ananias, 211—212 Veja também Sadraque

Anate, 184, 494

Anatote, 189, 190, 218

antigo Oriente Próximo: adivinhação, 21,

290 n. 60, 342 n. 33, 390-391, 393, 474-

475, 525 n. 322; anéis de sinete, 508;

exércitos no, 474; ideias sobre o m undo

subterrâneo, 460; ídolos bezerros,

401, 404, 405, 409; ídolos domésticos

390—391; leitura de sorte, 116, 290 n. 60;

marcos de pedra, 396; m uros de metal,

445; ritos de fertilidade, 393, 395; rituais

de velório, 400, 482; sorte lançada, 459;

tradições funerais, 430-431

“Ancião de Dias”, 342, 343, 346

“anjo do Senhor”, 95-96 n. 151, 510—511,

514-515

anjos, 143, 336-337, 346, 347, 356-357,

366-369


I 568 | Introdução aos profetas

Ano do Jubileu, 140

Anticristo, 346, 354, 354 n. 77, 355, 361-363,

366, 367, 369, 528

Antíoco II, 344, 358, 359, 363

Antíoco III, 344, 358, 359, 360, 363, 364,

365, 365 n. 101

Antíoco IV Epifânio: 334, 344—345,

349—350, 359, 364—366; associação

com o anticristo, 354 n. 77, 361-364,

369; campanhas egípcias, 359—360,

366; caráter, 360, 361; m orte, 349—350,

366; profanação do templo, 344—345,

353-354, 360; título, 360; Visões em

Daniel, 354

Ápis, 230-231

Apocalipse de Semanas (JEnoquè), 328, 356

A póstolo João, 74,143 n. 220, 363, 529

A póstolo Paulo, 51, 313, 318, 346, 362, 363,

411,490

A póstolo Pedro, 74 n. 119, 419, 419 n. 82,

420, 507-508 n. 279

Apóstolo Tiago, 450 n. 163

Aqhat, 278-279

Arábia, 52, 67, 68, 304 n. 104

Aramaico, 35 n. 29, 65 n. 99, 91, 328, 329,

329 n. 10, 331, 347, 361 n. 94

Arameus, 69, 234, 424, 425, 428, 478, 523

arca da aliança, 178,184, 316, 499

Archer, Gleason L., Jr., 328, 328 n. 8, 329,

330 n. 15, 330 n. 18, 331 n. 20, 346 n.

46, 361 n. 96

Aristóbulo I, 353

Aroer, 62 n. 92

Arpade, 92, 92 n. 145

Artaxerxes I, rei (Pérsia), 358

Asdode, 52, 66, 429, 434, 499

Aserá, 184 n. 28, 393

Aserá, poste, 31 n. 22, 268

Ásia M enor, 349, 358, 421, 454 n.

169, 458

Aspenaz, 331-332

Ascalom, 60, 90, 232, 429

Assaradão, rei (Assíria), 56, 70, 71, 98

Assembléia divina, 56 n. 77, 73 n. 118, 96 n.

151, 343

Assurbanipal, rei (Assíria), 66, 70, 306

Astarote, 184 n. 28

automutilação, 400

Azarias. Veja Abede-N ego

Azur. Veja Im pério assírio

Baal-Peor, 405 n. 50

Baal Shamem, 337 n. 27, 361 n. 95

Baal, 31, 44, 56, 96 n. 151, 175, 176, 197,

204, 279, 343, 386, 387, 390, 393, 400,

402, 403, 404, 406 n. 51, 409, 493, 493 n.

258, 494 n. 260, 498

Babel, 73 n. 117, 207 n. 68, 502

Babilônia: Apocalipse, 59; cantos de

zombaria, 54—57; conquista de Jerusalém,

69, 209-211, 219, 225, 237-238, 522

n. 313; datação dos reinados dos reis,

332-333; queda, 54, 56, 58, 59, 67,119,

206; deuses, 118—119; juízo de Deus,

235-238, 338-340, 491-492; invasão do

Egito, 304—307, 484; invasão de Nínive,

482; invasão de Tiro, 297—299; leitores de

sorte, 116; poderio militar, 123, 183, 400,

487, 491; previsões, 52-59, 66-67

Balaque, 475

Banquete mançeah, 26, 74, 339, 432

Baraque, 396 n. 35

Barrakab, rei (Samal), 435

Baruque, 208, 218, 222-224, 228-229, 239

Basã, 22, 86, 435, 477, 480, 526, 527

Beemote, 303 n. 97

Bel e o Dragão, 327

Belém Efrata, 473

Belsazar, rei (Babilônia), 56, 210 n. 72, 330,

334, 335, 339, 341, 348

Beltesazar. Veja Daniel

Ben-Hadade, 428, 429

Benjamim, 51, 214, 214 n. 76, 317, 318, 394,

396 n. 35

Benjaminitas, 218, 403

Berenice (esposa de Antíoco II), 359

Berseba, 437

Bete Leafra, 468

Bete-Arbel, 405

Bete-Aven. Veja Betei

“B ete-Éden”, 428, 428 n. 110

Bete-Ezel, 468

Betei, 232, 394, 396, 401, 404, 405, 423, 434,

435, 436, 437, 446, 448, 519, 520

Bete-Togarma, 313-314

Bit Adini, 428

“braço do Senhor”, 103—104, 124—125, 129

Buchanan, G. W , 345 n. 40, 347 n. 43, 361 n.

93, 365, 365 n. 101, 370

Caim, 403

calendário lunar, 368

Calné, 442, 442 n. 144

Calvino, João, 55 n. 75

Cambisses, rei (Pérsia), 303 n. 100, 357 n.

84, 358


índice de assuntos | 569 |

“canções do servo” (Is), 108, 109, 120,

121, 140

Cântico de Moisés, 50

Cânticos de Salomão, 24—25 n. 12

Carmelo, 86, 231, 424, 480

Carnaim, 443

Carquemis, 230, 329, 331, 484

Cassandro, 349, 358

Chanucá, 345

Chipre, 90, 328, 458

cidades de refúgio, 398

Cilindro de Ciro, 107, 116 n. 184

circuncisão, 179, 187, 187 n. 35, 437

Ciro: 16, 54, 57, 58, 58 n. 87, 59, 59 n. 89,

67,101, 105,107,108, 110, 112, 117 n.

186,118,119,120,127, 133, 206, 210,

330, 331, 334, 335, 338, 340, 356, 357

n. 84, 358, 505; tom ada da Babilônia,

235-236; ungido do Senhor, 116—117,

352-353, 353 n. 73, 355

cisternas, 175, 175 n. 12, 192

Citas, 173 n. 10

Cleópatra, 359—360

Collins, John J., 328, 329, 330, 362, 363

Crônica babilônia, 98, 329

Cusã, 492

Cuxe: 52, 62-66, 112, 313-314, 496-497;

influência política, 62-63; previsões,

62-63, 66, 500-501

D agom , 95-96 n. 151,499

Damasco: 38, 39, 52 n. 67, 62, 230, 234, 383,

425—429; previsões, 62, 428

Dâ, 180, 317

Daniel, livro de: Apocalipse, 345—346, 362—

363, 366—367, 368—369; autoria, 327;

classificação, 327-329; datação, 327—329,

362-363; hebraico e aramaico, 331;

problem as históricos, 329-331; estrutura

literária, 331

Daniel: Belsazar, 339; cova dos leões,

340—341; episódio da fornalha, 335—337;

interpretação de sonhos, 332—335,

337—338; postos administrativos, 334,

340; prece por Jerusalém, 350-356;

referência em Ezequiel, 278-279; rotina

de orações, 340; visão de bestas e tronos,

341—348; visão do carneiro com chifres,

348-350; visão do “filho do hom em ”,

346—347; visitantes angelicais, 356-357,

368-369

Danitas, 391, 525 n. 321

Dario I, rei (Pérsia), 330, 358, 503, 509 n. 282

Dario III, rei (Pérsia), 358

Dario, o medo, 330, 334, 335, 337, 340, 341,

342 n. 34, 350, 352, 358,

Davi, rei (Israel): 24, 32-36, 43, 48-50, 61,

69, 80, 95, 106 n. 169, 116 n. 183, 134,

134 ns. 209-210, 203, 213 n. 74, 219-

220, 264, 280-281, 284, 288, 307, 309,

311, 316, 365, 391, 418 n. 78, 450, 466,

468, 495, 508, 515, 523, 524, 528, 529,

530; segunda vinda, 48—49, 391, 473

Decálogo: 517; o sábado, 136; violação, 22,

269,398-399

D edã (Arábia), 68

Dem étrio I, 345

Deus: aliança com Noé, 72, 133; anjos, 143;

compaixão, 410—412, 417, 463—464;

conhecimento, 201, 216; derram am ento

do Espírito, 419-420; desafios ao

reinado, 199—205; desistência, 180

n. 25; emoções, 190 n. 39, 406;

“endurecim ento” de pecadores, 30 n. 21,

144 n. 217, 288; “engano” de profetas,

277-278; fidelidade, 538; inimigos, 147—

148; juiz guerreiro, 479-481, 493-495;

juízo contra as nações, 207, 229—238,

420-422, 500-501; justiça e santidade,

131-132; “m orte judicial”,

411-412; papel no êxodo, 111-113;

prom essas a Davi, 94-95, 132-133;

reprovação do divórcio, 535—536; servo

sofredor, 130—132; títulos, 18, 19, 47,

53-54,114, 236-237, 406 n. 52, 407

n. 53, 436, 487; transcendência sobre

a história, 487 n. 240; zombaria contra

Senaqueribe, 94

“D eus dos Exércitos”, título para

Deus, 436

deuses ídolos. Veja deuses pagãos

Deuses pagãos, 114—115

D êutero—Isaías. Veja Segundo Isaías

D ez Mandamentos. Veja Decálogo

“dia do Senhor”, 53-54, 266, 267, 347 n. 52,

413, 415, 416, 419, 420, 424, 433, 440,

452, 496, 497, 498, 539

Dinastia davídica, 450

Dinastia Om rida, 380-381

D oze, os. Veja Profetas Menores

Driver, S. R., 328, 328 n. 7, 414 n. 64, 416

n. 70

Dum á, 52, 67-68

Ea, 104

Ebede-Meleque, 224


1570 1 Introdução aos profetas

Ecrom , 90, 429

Éden, 124, 300-302, 300 n. 84, 311, 398

Edom : hostilidade para com Judá, 87-88;

inimigo arquetípico, 142, 245, 422; Juízo

de D eus contra, 87-88, 233—234, 297,

310, 453, 454, 533; Obadias, 451-452;

previsões, 429-430; rebelião contra Judá,

451—452

Edomitas, 51, 67, 78, 87, 233, 234, 245, 281,

297, 306, 307, 310, 422, 424, 424 n. 94,

429, 430, 451-454, 492, 511, 533

“éfode”, 390

“Efraim ” (termo hebraico), 403

Efraim, 36, 50, 62,180, 184, 214, 215, 311,

317, 396, 396 n. 35, 398-399, 404, 406,

408,409, 524, 525

Egito: adoração, 422 n. 91; assentam ento de

Jeremias, 228-229; ataque a Gaza, 231;

babilônios, 223—224; derrocada militar,

306-307; interesse em Judá, 33-34; juízo

de Deus, 230-231, 302-304, 421-422;

lamentações, 304—305, 306; opressores,

434; período ptolomaico, 357-360;

previsões, 63-66

El Shaddai, título de Deus, 53-54

El, 55-56, 73 n. 118, 95-96 n. 151, 300, 301,

343, 400

Elão, 68, 69, 207, 210, 230, 235, 428

Elamitas, 67, 67 n. 107, 69,235, 306—307, 348

Eliaquim, 69, 200, 201

Elias, 366, 391, 455, 473, 533, 537, 539

Emanuel, 34: identidade, 36—38; invasão

assíria, 40; Jesus Cristo, 38

Endurecim ento divino, 30 n. 21, 144 n.

217, 288

Enum a Elish, 74 n. 120

efa, 448

Esaú, 407,408, 424, 429, 453, 533

escravidão, 221

Esdras, 352-353,

4 Esdras, 328

Esmérdis, rei (Pérsia), 358

“Espírito Santo” (expressão em hebraico), 143

Etbaal, rei (Tiro), 300

Etiópia. Veja Cuxe

Evil-Merodaque, rei (neobabilônico), 210 n.

72, 238

“exército celestial”, 73 n. 118

Ezequias, rei 0udá), 15, 17, 30, 39^-0,

59-60, 62, 68-69, 82, 428^129, 470,

472, 478, 496^-97: aliança com o Egito,

90-91; confiança em Deus, 90—91,

93-94; doença e recuperação, 88—89,

98—99; rebelião contra a Assíria, 90—92;

riqueza, 89

Ezequiel, livro de: Daniel, 278-279; juízo

contra as nações, 296—307; lições

práticas, 263-266; profecias de juízo,

266—268; responsabilidade, 283-285;

querubins, 272-273; visão dos carros,

260—261; visão dos ossos secos, 311;

visão do templo, 315-318

Ezequiel: comissão renovada, 307—308;

comissionamento, 261-263; ministério,

259; m orte da esposa, 295—296

falsos profetas, 180, 203-205, 211, 212-213,

276-278, 470

Festa dos Tabernáculos, 408, 532

“fruto da terra”, 24 n. 11

Fenícios, 232, 421, 424, 425, 523

Festivais da Lua Nova, 395-396

“filho do hom em ” , 261

“filho dos deuses”, 337 n. 27

“filhos de óleo”, 516—517

“filhos dos deuses”, 336-337

Filisteus: ataques a vizinhos 428-429;

dom ínio assírio, 59—60; exploração de

Judá, 421; Juízo de Deus, 231—232, 297;

opressores, 434—435; previsões, 59—60,

428-429, 523

Fineias, 133, 220, 535 n. 338

Gabriel, 348, 350, 353

Gate Fíefer, 454—455

Gate, 90, 428, 442, 468

Gaza, 231, 232, 425, 429

Gedalias, 209, 225-226, 522 n. 313:

assassinato, 226—227, 520 n. 308

Geazi, 456—457 n. 178

Gênero apocalíptico histórico, 328

gênero apocalíptico, 328

Gentios: nova aliança, 136—137

gestos de lamentação, 227 n. 93

Getsêmani, 531

Gibeá, 396, 403, 404

Giges, 313

Gileade, 32 n. 24, 42,186, 200, 394, 398

n. 38, 425, 426, 428, 430, 454 n. 169,

477, 526

Gilgal, 394, 403, 408, 435, 436, 437, 475 n.

218

Gogue, 313—315

Golfo de Aqaba, 492-493

Gôm er, 313-314, 378-380, 383, 388-390,

389 n. 20, 389 n. 22, 390 n. 23


ín d ice de assuntos | 5711

grito de guerra, 480 n. 227

G ubaru, 330

guerra, natureza da, 20—21

Habacuque, livro de: canção fúnebre, 491;

datação do livro, 484; estrutura, 484—

485; palavras para injustiça, 486; teologia,

487-488

Habacuque: oração, 485-486, 492—495;

tem po de profecia, 484

Hadade Rimon, 529 n. 329

Hamate, 92, 92 n. 145, 317, 442, 442 n. 144

Hamutal, 286 n. 51

Hananel, 218

Harrison, R. K., 117, 338, 338 n. 29, 455

n. 171

Hazael, rei (Damasco), 428

Hazor, 230, 234-235, 423

Hebraico: formas imperativas, 29;

paralelismo, 130 n. 205, 426 ns. 97, 100,

427 n. 101; repetição, 27-28, 393

Helel, 56

Heliodoro, 345, 360

Herodes, 38, 214-215 n. 76

Heródoto, 97

hesed (term o em hebraico). Veja khesed (termo

em hebraico, “gentileza”)

homossexualidade, 281

Ofra, rei (Egito), 229, 282, 302, 304, 305

Iamani, rei (Asdode), 66

ídolos domésticos, 290 n. 61, 525 n. 321

Igreja Católica Romana, 327

Imagens de galhos/ram os, 203,

282-283, 286

imagens do mar, 182, 343, 494

Im pério assírio: cerco de Jerusalém, 88—89;

controle babilônio, 57; expansão, 15, 17,

18, 27, 31-32, 40; influência sobre Judá,

33-34; juízo de Deus contra, 46—48, 84;

relacionamento com o Egito, 65

Im pério babilônio. Veja Babilônia

Im pério Medo-Persa, 334—335, 343—344,

348, 364

Im pério Persa, 334-335, 343-344, 356-357

Im pério Romano, 344-346

imprecações, 391

Inscrição no obelisco negro, 330

Inundação noética, 497

Isaías, livro de: abordagem retórica, 16;

“aliança duradoura”, 71—73; autoria, 16;

previsões de juízo, 51—71; previsões de

sofrimento, 24—27; reinado ideal, 48-50;

segundo êxodo, 50—51, 124—126; títulos

reais, 43-44; tradição do êxodo, 84—85;

unidades literárias, 15—16. Veja também

Segundo Isaías, Terceiro Isaías

Isaías: comissionamento, 28-29; consultas

com Ezequias, 92; importância do nome,

32, 41

Ismael, 226-227, 227 n. 94

Israel: adoração de ídolos, 177, 394,

398-399, 401, 403-404, 405, 408-409;

adultério, 384—388; aliança com a

Assíria, 396-397, 399-400; aliança com

o Egito, 399—400; arranjos tribais, 317;

assassinato, 399; assimilação, 50-51;

burocracia, 431-432; classe rica, 435;

conquista de Tiglate-Pileser III, 39;

corrupção, 438; imagens agrícolas,

386-388, 401, 402, 403, 404, 412, 451;

escravidão, 431-432; exílio, 50, 443;

funerais, 439; história relembrada, 174—

177; identificação como servo sofredor,

121, 127—128; injustiça, 407; invasão

“final”, 313-315; Jesurum , 114; juízo

divino, 46, 394-397, 411-412, 437-439;

noivado, 387-388; obrigações da aliança,

391-394; pecados, 129-130, 143-144,

310-311, 393—394; personificação, 293-

294; previsões proféticas, 424—425, 431—

433; práticas agrícolas, 94—95 n. 150,

175 n. 14, 447 n. 157; processos, 404;

profecia, 402; reconstrução do templo,

315-318; sacrifício de crianças, 287-288,

409; solidariedade corporativa, 28 n. 18,

189, 392-393, 447; visão da restauração,

214-215, 307-318, 526

Jacó, 53,107-1 0 8 ,1 1 3 ,1 1 3 n. 180,123 n.

189,177 n. 18, 220, 293, 380, 407-408,

407 ns. 54-55, 429, 437, 448, 453, 454,

478, 533

Jardim do Éden, 398

Jasom (irmão de Onias III), 360, 366

Javã, 458, 524—525

Javé, 122-123 n. 189, 266-267, 269 n. 21,

537 n. 343. Veja também Deus

jejum, 138, 222, 415, 417, 418, 463, 520, 520

n. 308, 522, 522 n. 313

Jeoacaz, rei (Judá), 200—201, 285—286, 286

n. 51

Jeoaquim, rei (Judá), 191 n. 41, 197 n. 49,

200-202, 201 n. 56, 202 n. 59, 205,

207-209, 209 n. 71, 211, 221-223, 229,

286, 286 n. 51,

Jeorão, rei (Israel). Veja Jorão, rei (Israel)


| 572 | Introdução aos profetas

Jeremias, livro de: casa do oleiro, 196—198;

decreto de reconstrução de Jerusalém,

353; epílogo, 238; estrutura, 171-172;

evolução, 171; gêneros literários, 171;

profecia sobre os figos, 205; questões

cronológicas, 224

Jeremias: acusações contra Deus, 198—199;

alvo de malfeitores, 189; ameaças,

208—209; Ananias, 211—212; carreira

profética, 171; comissionamento, 173—

174; exílio babilônio, 212—213; compra

de terras, 218-220; Habacuque, 486;

ignorado pelo povo, 181; justificação,

225-226; papel intercessório, 189,

192-193; prisão, 218, 223—225; visões

simbólicas, 173—174

Jericó, 145 n. 219, 387

Jeroboão I, rei (Israel), 178, 232, 394, 401,

408,410

Jeroboão II, rei (Israel), 378, 422, 424, 440,

443, 445-447, 455

Jerônimo, 215 n. 77

Jerusalém: aliança com o Egito, 79—80; a prece

de Daniel, 350—356; castigo de Deus,

193-194, 219, 266, 279,467—4-69; cerco

assírio, 89; corrupção, 181; decreto de

reconstrução, 352-353; destruição pelos

babilônios, 101-102,199, 225, 238, 299

n. 80; idolatria, 292-293; Lamentações,

239-241, 242, 2 4 ^245; liderança, 79-80;

m onte do templo, 20—21, 315—318,

349, 471^-72; personificação, 279—282;

preservação, 18, 29-30, 528-529;

previsões, 68-69, 80—81, 501-502, 531—

532; reconstrução do templo, 503-504,

520-521; volta dos exilados, 122-123,

521—522. Veja também Sião.

Jesus Cristo: cum prim ento da profecia, 141,

309, 475-476, 506, 530; entrada em

Jerusalém, 523-524; governante ideal,

515; livro de Daniel, 354, 362; livro de

Isaías, 38; livro de Jonas, 456; livro de

Zacarias, 530—531; nova aliança, 136—

137, 217; “o filho do hom em ”, 346-348;

padronização tipológica, 365; sacrifício

no templo, 318; servo em sofrimento,

127—129; última ceia, 132

Jeú, rei (Israel), 222 n. 85, 330, 366 n. 103,

380-382, 383 n. 9

Jezabel, 380

“Jezreel” (termo em hebraico, “Deus

planta”), 384, 388, 388 n. 19

Jezreel (lugar), 202 n. 57, 366 n. 103,

380-383

Jezreel (pessoa), 380, 383

Joanã, 226—228

João Batista, 101, 102 ns. 162-163, 391,

473, 539

Joaquim, rei (Judá), 191 n. 41, 200-202, 202

n. 59, 205-206, 209 n. 71, 212, 238, 259,

268 n. 19, 282-283, 286, 286 n. 51, 508

Jó, 53, 278-279, 514

Joel, livro de: datação do livro, 377—378,

413; derram am ento do espírito de Deus,

419-420; estrutura, 413

Joel: ministério, 413

Jonadabe, 221-222, 222 n. 85

Jonas, livro de: estrutura, 457—458; gênero,

454-455, 456; historicidade, 454-456;

ironia, 458-460; salmo, 461; único, 378

Jônia, 328, 421 n. 87

Jorão, rei (Israel), 366 n. 103, 380, 451

Josefo, 233, 327

Josias (filho de Sofonias), 519 n. 305

Josias, rei (Judá), 117, 117 n. 186, 171, 175,

177, 185, 200-201, 202 n. 59, 209, 230,

239, 268, 285, 286 n. 51, 496, 498, 529

n. 329

Josué (sacerdote), 504-505, 514—519

Jotão, rei (Judá), 15, 31—32, 32 n. 25,

378, 466

Jubileus, livro, 278—279, 328, 356

Judá: adoração de ídolos, 178, 188, 197,

268-270; aliança com a Assíria, 39-40,

245; aliança com o Egito, 82—83, 84,

245; burocracia, 19, 69, 469; centros de

adoração, 266—267; exílio, 50, 105-106,

133, 205-206, 228-229; exploração pelos

vizinhos, 421; falsos profetas, 203-205;

favor de Deus, 384; imagens agrícolas,

421-422; importância de Nínive, 478—

479; personificação, 293—294; previsões

proféticas, 424, 431; relacionamento

com Moabe, 60-62; restauração, 216,

506-507 n. 279; sacrifício de crianças,

185 n. 30

Judas Macabeu, 345, 347, 367—368

Judas, 74 n. 119

khesed (termo em hebraico, “gentileza”),

102-103

Labào, 407

Labashi-Marduk, 210 n. 72

Lamentações, livro de: autoria, 239;

cronologia, 243—244; estrutura, 239


índice de assuntos | 573 |

Laódice (esposa de A ntíoco II), 359

Laquis, 90, 90 n. 142, 92, 220, 468, 468

n. 203

Lia, 190 n. 39, 380

Lei deuteronômica, 22

Lei mosaica, 216—217, 221, 436: leis rituais,

507; listas de “maldições”, 391-392;

sistema sacrificial, 440-441, 533—534

Lenda de Aqhat, 278-279

Levi, 51, 220, 318, 535, 535 n. 338

Leviatã, 76, 77,125, 303, 303 n. 97, 449

n. 159

Líbano, 22, 55, 55 n. 72, 81, 82, 86,104,139,

197, 200, 202, 282, 305 n. 109, 412, 428,

491, 526, 527

Lídia, 107, 313, 344

“linha de prum o”, 445

linho, 64, 64 n. 96,190, 270, 271, 272,

368, 386

Lisímaco, 349, 358

Livro dos sonhos (JEnoquè), 328

Ló, 60, 424 n. 94, 500

Lo-Ami, 380, 383, 388

Lo-Ruama, 380, 383, 388

Lísias, 367

Macabeus, 345, 360

Macedônia, 349, 358

Maher-Shalal-Hash-Baz, 36—39, 41

Magogue, 313—314

Malaquias, livro de: datação, 532—533;

estrutura, 533

“maldições” deuteronômicas, 414—415

maldições, violação da aliança, 71—72, 391

Manassés, rei (Judá), 185, 193, 214, 268,

317, 478

M anuscrito dos profetas m enores em

grego, 486

Mar M orto, 60, 62 n. 92, 230, 317, 337, 362,

492, 531

Marcus, David, 462, 462 n. 192

Marduk, 74,1 0 4 ,1 0 7 ,1 1 6 n. 184, 206 n.

67, 235

Maressa, 468-469, 469 n. 205

Marote, 468, 468 n. 203

Matatias, 360

Mateus, livro de, 34, 36, 38, 214—215 n. 76,

405 n. 49

McComiskey, Thom as E., 351 n. 67, 353 n.

73, 354—355, 354 n. 76, 382, 382 ns. 6-7,

411 n. 59, 414 n. 64,441 n. 138

medos, 54, 57, 57 n. 84, 58, 58 n. 87, 67, 237,

334-335, 339, 344, 348, 482

Média, 107, 207, 334, 335, 343, 344, 454

n. 169

Megido, 42,175, 529 n. 329

Menaém, rei (Israel), 45 n. 57, 396

Mênfis (Egito), 82, 175, 231, 402

menor ah, 516—517

“mensageiro da aliança”, 537

M erathaim, 236 n. 113

M erodaque-Baladã, rei (Caldeia), 58, 89, 99

Mesaque, 331, 337

Mesa, rei (Moabe), 232 n. 103

M etáfora do pastor, 202, 308—309, 473 n.

216, 527-528

Midiã, 492

Miguel, 346, 348-349, 356-357, 366-367

Milcom, 498

Miqueias, 82, 209: tem po da profecia, 466

Miqueias, livro de: estrutura, 466-467; jogo

de palavras, 469—470; previsões de

sofrimento, 469—471

Misael. Veja Mesaque

Mispa, 226-227, 394,

Moabe: arquétipo, 75; Juízo de Deus, 232—

233, 297; previsões, 60-62, 430-431,

500-501

Moabitas, 51, 60-62, 61 n. 91, 232-233, 232

ns. 103-104, 297, 424, 424 n. 94, 430,

500-501,511

Moisés, 17, 38, 48, 48 n. 59, 50-51, 83, 85,

87,101,108, 116, 122, 122-123 ns.

188-189,126, 127,134,185 n. 29,192,

267, 270, 350, 365, 388, 397, 419, 427,

440, 450, 455, 477, 505, 526, 530

Moloque, 409, 498, 498 n. 266

M onte das Oliveiras, 275, 531

M onte Parã, 492-493

M onte Sião, 50, 56, 74, 75, 77, 84, 453, 454

Moresete, 466, 468

m orte: na Bíblia hebraica, 74—75; Isaías, 75,

146 n. 221; no m ito ugarítico, 75

M ot, 400, 409

M urabb’at, 486

Naamã, 456-457 n. 178

Nahar, 75, 95-96 n. 151

Nabonido, rei (Babilônia), 56, 67, 210 n. 72,

329, 330, 334, 339, 341

Nabopolassar, rei (Babilônia), 56, 306, 482

Nabote, 202 n. 57, 366 n. 103, 476 n. 221

N abu, 118, 336

N abucodonosor, rei (Babilônia), 55, 56,

100, 199, 201, 202, 205, 211, 212,

220, 282—283: ataque a tribos árabes,


574 I Introdução aos profetas

234-235; cerco de Jerusalém, 225, 290,

291, 331, 484—485; deportações, 238 n.

117; derrota dos egípcios, 230-231, 304—

305, 329; humilhação de Deus, 337-338;

instrumento de Deus, 205-206, 210, 228-

229, 234-235, 303-304; invasão de Tiro,

297-299; projetos arquitetônicos, 55, 55

n. 72, 491 n. 250; relato de insanidade,

329—330, 338; Resistência de Daniel,

335-337; sonhos, 332-335, 337-338

Nahal Hever, 486

Naum: época das profecias, 478-479

N atã, 418 n. 78

nazireus, 427, 427 n. 105, 432

Nebuzaradã, 225-226, 226 n. 91

Neco, rei (Egito), 201, 230, 285, 422

Neemias, 352, 532-533

Nergal, 493 n. 258

Neriglissar, 210 n. 72

Neústa, 191 n. 41

Nicanor, 367

Nínive, 57, 306, 418 n. 78, 455, 457-465, 462

n. 192, 478-481, 496, 500-501: invasão e

queda, 482-484

N inrode, 57

Ninurta, 441

Nipur, 259

N oé, 72-73, 76,133, 278-279, 427, 428

n. 106

“nom e do Senhor”, 83 n. 132

N orth, C. R., 107, 113 n. 179

nova aliança, 132, 216-217, 311-312, 420

n. 83

N ovo Testamento, 34, 35 n. 29, 102, 102 n.

162,132, 217, 312, 317, 327, 357, 476,

489, 490, 528 n. 326

Obadias, livro de: datação, 377—378, 451

Obadias: empréstimo de Jeremias, 451; época

das profecias, 451

Omri, rei (Israel), 330, 476, 476 n. 221

Onias III, 354, 360

Oolá, 293-294, 293 n. 70, 294 n. 72

Oolibá, 293-294, 293 n. 70, 294 n. 72

Oração de Azarias, 327

“Oração de N abonido” , 329

O rdem de Noé, 72, 76, 427-428

“orgulho de Jacó”, 448

orvalho, metáfora, 474 n. 217

Oseias, rei (Israel), 39, 383, 396—397

Oseias: filhos, 379—380; casamento, 379—380,

389—391; ministério em Judá, 394 n. 32;

período de atividade, 378

Oseias, livro de: estrutura, 378; jogo de

palavras, 405-406; lições práticas, 379

padronização tipológica, 365

Palestina, 173 n. 10, 289, 328, 349, 358-360,

362, 364, 366, 366 n. 103, 416, 430,

478, 497

Páscoa, 85 n. 134, 317

Pasur, 198

Patros, 313 n. 116

Paul, S., 435

Peca, rei (Israel), 32, 39, 45 n. 57, 46, 383

Pecode, 236 n. 113

Pedra moabita, 232 n. 103

Pelatias, 274

Pentecostes, 419-420

“Pequeno Apocalipse”, 71

Pierce, Ronald W., 353, 353 n. 74

Porfírio, 327 n. 1

Porta do oleiro (Jerusalém), 197

praga de gafanhotos, 414—416

previsões de sofrimento, 25—27, 439—444,

469-471, 483, 501-502

Profetas Menores: disposição, 377; origens

do coletivo, 377-378

Ptá, 231

ptolom eus, 358

Ptolom eu I (Egito), 349, 358, 359, 363, 364

Ptolom eu II (Egito), 358, 359, 363

Ptolom eu III (Egito), 358, 359, 363

Ptolom eu IV (Egito), 345 n. 40, 359, 363

Ptolom eu V (Egito), 359, 360, 363-364

Ptolom eu V I (Egito), 359, 360, 364

Pute (Líbia), 313-314, 313 n. 116

Quedar, 67, 68, 230, 234-235,

Quem os, 232

querubim , 270-273, 270 n. 24, 273 n. 28,

300-302, 300 n. 84, 301 n. 89

Quir, 68, 69,428,428 n. 111

Quium , 441

Qum ran, 65 n. 99, 127 n. 197, 329, 329 n.

13, 357 n. 85, 485-486

Raabe, 125

Rabá, 233, 297, 430

Rafia, 359

“Rainha dos céus”, 184, 229

Ramá, 214—215, 226, 226 n. 91, 396

“ram o/galho/renovo”, significado, 23—24,

515, 519

Ramote Gileade, 398 n. 38

Ramsés II, rei (Egito), 44, 429 n. 113

Raquel, 190 n. 39, 214-215, 214 n. 76

Recabitas, 207, 221—222


índice de assuntos | 575 |

“redentor”, 105-106

regulamentos do templo, 316-317

renovação da aliança, 133-135

Reshef," 493, 493 ns. 257-258

ressurreição dos m ortos, 367

Revolta Macabeia, 361, 367

Rezin, rei (Damasco), 39, 383

Rice, Richard, 417

Fio Jordão, 42,186, 290, 394, 394-395 n. 33,

398, 398 n. 38, 403, 437, 454 n. 169, 475

n. 218, 526

Rio Nilo, 64, 64 n. 96, 228, 303

Rio Quebar, 260, 262

ntakh (term o em hebraico, “espírito”), 85,

261, 394, 518 n. 304

Rute, 239, 456-457 n. 178,

sábado, guarda, 72 n. 114, 136—137, 138,

196, 287, 317

sacerdotes levíticos, 316, 317, 534—535

sacerdotes zadoquitas, 316—317

sacerdotes: juízo de Deus, 392-393, 394

Sadraque, 331, 337

Safir, 468, 468 n. 202

Salmã, 405

Salmanezer III, rei (Assíria), 330, 442

Salmanezer V, rei (Assíria), 60, 175

Salmos, liv ro dos, 244 n. 122

Salomão, rei (Israel), 24—25 n. 12, 34, 50,

134,136, 139, 272, 280, 316, 429, 505,

506,516,518, 524 n. 327

Salum, rei (Israel), 200, 381

Samaria, 38, 39 n. 39, 42, 45, 46 n. 58, 62,

73, 77-78, 92, 92 n. 145, 202 n. 57, 281,

282, 293, 366 n. 103, 381, 401, 404,

434, 435, 443, 466^-68, 471: geografia,

467 n. 201; Juízo de Deus, 467—468;

previsões, 78

Samuel, 192-193

sangram ento menstruai, 240 n. 120

Sansão, 386

“Santo de Israel” , título de Deus, 18

“Santo”, título de Deus, 406 n. 52, 407 n. 53

Saparda (Média), 454 n. 169

Sara, 124, 521-522

Sargom II, rei (Assíria), 48 n. 61, 52, 57, 60,

65, 66, 67, 70, 92 n. 145

Saron (lugar), 86

Satanás, 55, 55 n. 75, 74, 146, 300 n. 84, 357,

514, 514 ns. 292-293

Saturno, 441

Saul, rei (Israel), 42 n. 47, 284, 410, 460 n.

184, 468

Schmitt, John, 315

Sear-Jasube, 32

Sefarvaim, 92, 92 n. 145

Segundo Isaías, identidade, 16, 127-128

“Segundo Zacarias”, 509-510

Seir. Veja E dom

Selêucidas, 334, 335, 344, 358, 361, 525

Seleuco I, 344, 349, 358, 359, 360, 363

Seleuco II, 344, 358, 359, 363

Seleuco III, 344, 358, 359

Seleuco IV, 344-345, 359, 360, 364

Semaías, 209, 212—213

Senaqueribe, rei (Assíria), 17, 17 n. 2, 39, 40,

40 n. 41, 48, 50, 50 n. 64, 57, 60, 62, 64,

65, 66, 66 n. 104, 68, 69, 70, 70 n. 110, 82,

82 n. 130, 84, 88, 90-98,175,199,244 n.

123, 367, 402, 402 n. 46,429,462 n. 189,

478: assassinato, 88, 97-98; destruição

do exército, 95—98; invasão de Judá, 90

n. 143; Nínive, 462 n. 189; resposta à

rebelião de Ezequias, 90-92, 478

“ S e n h o r Todo-Poderoso”, título de Deus,

18, 20, 236-237, 236-237 n. 114, 449

Seom, 233 n. 105

Septuaginta, 102—103, 102 ns. 162 e 164,

108,143,143 n. 215,171, 204, 222 n.

86, 230, 232 n. 104,239,264, 273 n. 28,

292 n. 69, 301, 301 n. 89, 305 n. 107, 357

n. 85, 400, 405 n. 50, 489 n. 245, 490 n.

248, 492 n. 253, 505, 536

Siquém, 398

serafins, 27-28, 27 n. 13, 28 n. 15 e 19

Seraías, 235, 238

Sermão do M onte, 365

servo em sofrim ento (Is 40-55), 101: castigo,

129-131; confiança em Deus, 123-124;

comissionamento, 108-110, 121-122;

linha davídica, 109 n. 177; identidade,

108-109,121-122, 127-128; justificação

de pecadores, 131—132; ministério em

Israel, 120—122; missão aos gentios, 121;

recompensas, 130-132

sete, simbolismo, 355—356

Shabaka, rei (Cuxe), 64, 66, 82 n. 130

Shachar, 55

Shebitku, rei (Cuxe), 82 n. 130

Sebna, 69

Sião, teologia, 208

Sião: condição ética, 19—20; deuses pagãos,

20; glória futura, 139—140, 141—142, 213;

mulheres, 23, 24; personificação, 242,

469 n. 205, 472, 473, 477; restauração,


576 1 Introdução aos profetas

132-133, 141-142, 147; Veja também Tofete, 83, 185 n. 30,197-198

Jerusalém

Trácia, 349, 358

Siclo-peso, 447—448

Trito-Isaías. Veja Terceiro Isaías

Sicute, 441

Tubal, 306, 307,313-314

Sidom, 70, 90, 207, 210, 296, 302, 359, 454 Ugbaru, 330

n. 169

Ulai, rio, 348

Siló, 184, 208

Última ceia, 132

“sinal”, 34 n. 28

Urias (profeta), 209, 284

Sinar, 517

Uzias, rei (Judá), 15, 27, 31, 378, 422,

Síria, 38, 39, 40 n. 42, 41, 45 n. 57, 46, 62,

424, 429

230, 334, 344, 349, 358, 359, 383, 442 n. Vale de Acor, 145 n. 218, 386-387

144: coalizão com Israel, 31-32, 52 n. 67 “Vale de Áven”, 428

Sísera, 396 n. 35, 493

Vale de Biqueate (Líbano), 428

Sitim, 394-395 n. 33, 475 n. 218

Vale de Hinom , 185, 197

Sodom a e G om orra, 18, 234, 406, 500-501 Vale de Jezreel, 383

Sodoma, 281—282

“Vale de Josafá”, 420-421

Sofonias, 212-213: ancestrais, 496; época das “virgem”, 35 n. 29, 414 n. 66

profecias, 496-497

Virgem Maria, 35 n. 29, 215 n. 77

Sofonias, livro de: estrutura, 496-497;

“visitar sobre” (expressão em hebraico),

previsões de sofrimento, 501-502

381-382

Stuart, Douglas, 462

Xerxes I, rei (Pérsia), 330, 358

Susã, 348

Yam, 95-96 n. 151, 303 n. 94, 493 n. 258,

Susana, 278, 327

494 n. 260

Tabor,231, 394, 396 n. 35

Zaanã, 468, 468 n. 202

Tafnes, 82, 175, 228

Zacarias (profeta), 317: ministério, 509-510

Tamuz, 269, 361

Zacarias, livro de: datação, 509; oito visões,

Társis, 22, 70, 299, 458-460, 458 n. 181, 463 510-519

Tarsus, 458

Zacarias, rei (Israel), 381, 445

Tartesso, 458

Zarefate, 454 n. 169

Tebas, 478, 483

Zebida, 191 n. 41

Tecoa, 423

Zeboim , 281 n. 42, 406

Tel-Abibe, 262

Zedequias (profeta), 212

Tema (Arábia), 68, 329-330, 339

Zedequias, rei (Judá), 199, 200 n. 54,

Temã, 492

202 n. 59, 203, 205, 208, 209-210,

tem plo de Salomão, 505

209 n. 71, 218, 220-221, 223-225,

Terceiro Isaías, 16, 137 n. 211

227, 227 n. 95, 229, 235, 238, 245, 275,

textos de adivinhação, 342 n. 33

282-283, 285-286, 285 n. 48, 286 n.

Tiamat, 74

51,290

Tiglate-Pileser III, rei (Assíria), 31, 383, 442 Zeus, 354, 361, 361 n. 95

Tiraca, rei (Egito), 93, 93 n. 146, 97

zoantropia, 338

Tiro: cidade portuária, 69-70, 297-298, 299; zombaria, 40 n. 43, 54-57, 55 n. 73, 94, 115,

destruição, 70, 297-299; juízo de Deus, 118, 198, 233, 300, 400

297—299; lamentações, 299; previsões, Zorobabel, 202-203, 504-509, 515-516,

69-71,429

519, 532


Os livros proféticos da Bíblia contêm algumas das passagens mais difíceis

em todo o Antigo Testamento. Chisholm guia os leitores através dos

complexos textos dos Profetas, examinando o conteúdo, a estrutura e a

mensagem teológica de cada livro. Em vez de fornecer um comentário

detalhado, este livro foca os temas predominantes e mensagens centrais.

Considera como a mensagem dos profetas teria sido ouvida em suas

respectivas comunidades históricas e a importância contínua deles para o

estudo contemporâneo.

"Uma excelente contribuição (...) um comentário acessível que oferece

uma visão geral da mensagem do texto bíblico com sensibilidade ao

contexto histórico do profeta."

Mark J. Boda, Review ofBiblical Literature

"Uma introdução acessível dos livros proféticos para aqueles que

desejam uma melhor compreensão da mensagem deles (...) A discussão

sobre o contexto dos livros é muito útil."

Claude Mariottini, Review & Expositor

"Uma ferramenta útil para o estudo do Antigo Testamento (...) não apenas

elimina o abismo entre os aspectos técnicos da erudição e as situações

práticas de pregação, ensino e adoração, mas também perturba o status

quo no qual a confiança nas traduções e paráfrases têm enfraquecido na

igreja o estudo do texto hebraico. Este é um dos aspectos mais louváveis

do trabalho de Chisholm (...) merece elogio pela extensão e profundidade

de seu trabalho."

J. C. Lubbe, Old Testament Essays

Robert B. Chisholm (ThD, Dallas Theological Seminary)

é professor titular de Antigo Testamento no Dallas

Theological Seminary e autor de outros livros, entre

eles Interpretação dos Livros Históricos, da Cultura Cristã.

S

€DITORfl CUITURR CRISTÃ

www.editoraculturacrista.com.br

M anual bíblico /

Estudo bíblico

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