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Saúde em novo Paradigma
mundo, e então o corpo, sob esse olhar epistemológico (cartesiano), nada mais
é que um apanhado de objetos relacionados mecanicamente, obedecendo a
leis lineares de causa e efeito, e passíveis de apreensão através dos sentidos de
um observador neutro e organizado pela razão controladora. Nem o universo
social, de natureza complexa, intencional, ideológica e multifacetada,
escapa dessa abordagem, que tenta construir modelos estruturadores de
mecanismos de funcionamento e formas de intervenção que, desde Comte e
depois Durkheim, colonizam as chamadas ciências sociais. A ciência, nessa
perspectiva, constrói seus espaços legislando sobre o mundo, “decifrando”
seus mecanismos e construindo formas de uso e intervenção. Isso lhe dá
inclusive uma aura sobrehumana, pretensamente endeusada.
Dentro da racionalidade cartesiana, é como se a verdade estivesse
sempre palpável, fixa, estruturada, passível de ser moldada pela lógica do
investigador, desvendada pelo olhar atento de um sujeito pensante que, através
da inteligência racional separa suas peças, analisa as funções, propõe teorias
que demonstrem as leis de seu funcionamento, testa-as experimentalmente
e estrutura o modus do objeto, seus sentidos possíveis. Para Bertalanffy
(1973), esse é o grande equívoco da filosofia racionalista, que se repete e se
fortalece de Platão à Kant, o de conceber o homem enquanto um espectador
do mundo, um ens cogitans que observa e intervém ao toque de um controle
remoto.
A idéia de uma realidade passível de desocultamento dessacraliza o
mundo sob o olhar racional e elimina o caráter misterioso e intuitivo da
existência dos seres. Assim, mais do que passível de conhecimento, a realidade
seria real somente a partir da característica de ser passível de controle, de
dobrar-se ao uso instrumental, vinculando-se então ao desenvolvimento
tecnológico e ao mercado, pois o uso atrela-se à possibilidade de consumo.
A chamada civilização tecnológica construiu um mundo de novidades, de
formas descartáveis de se lidar com o mundo, com as relações humanas e
com a natureza, fazendo da vida uma instância plástica e com valor de
compra e venda. O novo, o progresso, o desenvolvimento, a ordem, a razão
e a organização tomam o imaginário social, científico e político, articulando
formas sutis de universalização de discursos, legitimação de intencionalidades,
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