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sobrenatural. Eu sempre confiei na proteção divina, mas nunca deixei de olhar
para os dois lados antes de atravessar a rua. Crer em Deus é razoável, pois me
coloca sob uma proteção que não me dispensa de fazer a parte que me cabe.
Com os jesuítas eu solidifiquei essa convicção. O mestrado em Belo Horizonte
foi uma chave hermenêutica para que eu pudesse entender minha história de fé.
Para mim, sempre foi muito natural perceber a interferência de Deus na
minha atuação. Deus encarnado em mim, Deus no meu esclarecimento, no meu
entendimento. Aliás, toda vez que eu encontro um ser humano esclarecido, capaz
de compreender o seu papel na história, um ser humano amoroso, justo,
verdadeiro, intrinsecamente comprometido com a ordem do mundo, ali eu
encontro Deus revelado. A crença em Deus deveria naturalmente resultar em
realização humana. A fé professada e absolutamente comprometida, desdobrada
em ética, civilidade, bom senso. O mestrado confirmou a minha intuição. Entre
os jesuítas não vi um pieguismo infértil. Com eles, eu experimentei uma reflexão
sobre Deus que nunca dispensava a carne dos fatos: uma teologia perpassada de
beleza e comprometimento. Uma teologia que me colocava dentro de uma
proposta acadêmica na qual eu não precisava abrir mão da minha inteligência
para me tornar um líder religioso.
Por incrível que pareça, acho que, já sendo padre, fazendo um mestrado com
os jesuítas é que eu descobri como gostaria de ser padre. Não me recordo de em
algum momento na minha pregação ter feito apologia a esse Deus do impossível.
Sempre me soou desconfortável, como se estivesse mentindo para as pessoas.
Mas ao entender que o milagre se dá por duas vias, divina e humana, eu me
encorajei ao processo de desconstrução que nos coloca diante da crueza da vida.
Não estamos sós, mas a crueza não se dissipa só porque cremos. Há fatos que
não poderão ser alterados, sofrimentos que não poderão ser evitados. Mas Deus
me sustenta. Minha fé não pode me colocar sob a ilusão de que Deus viverá por
mim o que a mim cabe viver. Ela me fará perceber a Sua presença me
sustentando, e só. Essa desolação que nos ocorre quando abandonamos a
infantilidade em relação à fé é muito saudável. É a partir dela que passamos a
conhecer o verdadeiro papel de Deus em nossa vida. Como dizia Santo
Agostinho, um Deus que me ama para que eu possa amar, que me encoraja para
que eu tenha coragem. Um Deus que me antecede em tudo na minha essência e
que depois me dá condições de fazer o mesmo com os outros.
Quando a espiritualidade nos proporciona o conhecimento de nossas forças
humanas, estamos, de fato, sendo movidos pelo Sagrado. Somos o lugar onde
Deus ressoa. Sua ação em nós consiste em nos fazer agir. Ele está antes de todo