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Estamos numa teologia em construção, vendo como São Paulo nos sugere, [1]
por meio de um espelho. Mas mediante a ação do Espírito nós caminhamos para
experimentar o face a face. O desvelamento é processual. Práticas religiosas do
passado podem perder o sentido com o tempo. E então reinterpretamos o vivido
à luz do Evangelho. A gratuidade que encontro em Jesus me permite ser cruel
em nome Dele? Se Nele eu tenho a chave de leitura para compreender o Antigo
Testamento, posso continuar compreendendo Deus como aquele que nos pede o
absurdo? Não, claro que não. Por exemplo, o sacrifício de Isaac. Eu
particularmente sempre tive dificuldade de entender que Deus possa pedir a um
pai que mate o seu filho para lhe demonstrar fidelidade. A passagem sempre me
soou estranha, como se me faltasse a chave para adentrar o quarto do mistério do
texto. Com o tempo pude assimilar o acontecimento no monte Moriá de uma
forma que não contradiz o Deus revelado em Jesus. Abraão estava tomado pelo
medo. Sua tradição religiosa o fez acreditar que Deus costuma nos pedir o que
temos de mais sagrado. Isaac era o filho da promessa, o menino que ele tanto
tinha pedido a Deus. Temeroso de que Deus lhe pedisse o sacrifício do filho,
Abraão ouviu Dele justamente o que mais temia. Mas ao pousar a lâmina sobre a
cabeça do menino, o equívoco se desfez. E então Abraão compreendeu que Deus
não nos pede o absurdo, e tampouco legitima nossa crueldade. Reinterpretar essa
passagem me fez muito bem. A nova interpretação, que em nada atenta contra o
coração do texto – que é demonstrar a fidelidade de Abraão –, fez-me
compreender que a face amorosa de Deus sempre esteve sob os obstáculos
colocados por nossos equívocos.
Karnal: Se você me permite aplicar o mesmo método à sua fala,
naturalmente muito simpática, o medo encheu, historicamente, mais igrejas do
que o amor. O demônio é mais citado nas atas do Concílio de Trento do que o
amor de Deus. Tudo isso também é história. Como você lembrou muito bem no
início, daqui a cem anos podem dizer que o Leandro era aquele canalha que
comia picanha. Como é que ele podia fazer uma coisa dessas, não é?
Padre Fábio: Não sabemos para onde vamos, como iremos evoluir?
Karnal: Quando o profeta Muhammad se junta à menina de 9 anos, para
nossa lei atual é pedofilia, no mundo do século VII não era.
Padre Fábio: Era absolutamente normal.
Karnal: Mas eu quero aplicar o método que você expôs de forma tão bonita.
A necessidade atual para a sobrevivência da religião pressupõe um Deus pessoal,
todo de amor, não institucional, e subjetivo; ou seja, que fala a cada um de nós.
E eu também vejo nisso história. E esse momento não admite mais a ideia