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Crer ou nao Crer - Leandro Karnal

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tocou por último, é interessante identificar que há um estrangulamento histórico

em todas as dimensões da vida humana. Nós estamos vivendo alguns caos. O

caos social, o moral, o caos ecológico, um estrangulamento. Hans Küng é um

teólogo que foi silenciado pela Igreja. Um homem bastante controverso. Mas ele

alerta para um aspecto muito pertinente sobre o qual vale refletir. Ele também

dizia isto: o fim das religiões está muito próximo porque as urgências deixam de

ser religiosas, passam a ser humanas. O que é que vai nos unir? É justamente a

ética, a necessidade que nós teremos de estabelecer a ética como um princípio

que nos reunirá em torno das mesmas urgências.

Karnal: Eu vou usar uma ideia que não é minha sobre o fim de Deus. Deus

terminará com o último homem, mas não antes. Quando o último ser se apagar,

então, sim, nós teremos matado o último Deus. Mas eu acho que a religião

responde a tantas coisas que o mistério é existirem ateus e não religiosos.

Padre Fábio: O ser humano é capaz de transcender. Nesse atributo eu já

encontro o Deus que em tudo me antecede. Mas ser “capaz” de transcendência

não me cura da fragilidade que me priva de corresponder aos desdobramentos

éticos da minha religião. Essa é a minha vulnerabilidade e a de todos os

religiosos. Nem sempre as convicções religiosas são capazes de gerar bons

cidadãos. Não é a religiosidade que transforma a vida, mas a espiritualidade que

decorre dela. Deveria ser natural, mas nem sempre é. Das religiões, enquanto

estatutos e práticas rituais, brotariam espiritualidades, homens e mulheres

movidos pelo Deus que a religião tornou conhecido. Há pessoas que, na tentativa

de viver uma espiritualidade, se limitam a praticar uma religião. Nem sempre a

religião consegue melhorar uma estrutura social. Seria ilusão pensar que as

pessoas são mais éticas porque são religiosas.

Karnal: É verdade, mas também não ficam mais éticas por serem ateias.

Padre Fábio: Sim, o ateísmo está intimamente atado ao discurso religioso.

Ateus são homens e mulheres que não viram sentido nas crenças religiosas. Mas

nem por isso estão dispensados de viver a busca que pode torná-los pessoas

melhores. Antes de sermos crentes ou ateus, somos humanos. Padecemos dos

mesmos conflitos e nos alegramos pelas mesmas causas.

Karnal: Eu gosto de repetir que se mata em nome de Deus, como por

exemplo na Inquisição. Mata-se em nome do ateísmo: os regimes mais

genocidas do século XX foram regimes ateus, a União Soviética de Stálin e a

China de Mao. Mata-se perseguindo religiosos; Fidel Castro em Cuba, contra a

santeria; mata-se em nome do Estado e da purificação de raças (eugenia). O que

eu acho em comum nisso tudo é que nós gostamos de matar. E Deus entra nisso

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