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tocou por último, é interessante identificar que há um estrangulamento histórico
em todas as dimensões da vida humana. Nós estamos vivendo alguns caos. O
caos social, o moral, o caos ecológico, um estrangulamento. Hans Küng é um
teólogo que foi silenciado pela Igreja. Um homem bastante controverso. Mas ele
alerta para um aspecto muito pertinente sobre o qual vale refletir. Ele também
dizia isto: o fim das religiões está muito próximo porque as urgências deixam de
ser religiosas, passam a ser humanas. O que é que vai nos unir? É justamente a
ética, a necessidade que nós teremos de estabelecer a ética como um princípio
que nos reunirá em torno das mesmas urgências.
Karnal: Eu vou usar uma ideia que não é minha sobre o fim de Deus. Deus
terminará com o último homem, mas não antes. Quando o último ser se apagar,
então, sim, nós teremos matado o último Deus. Mas eu acho que a religião
responde a tantas coisas que o mistério é existirem ateus e não religiosos.
Padre Fábio: O ser humano é capaz de transcender. Nesse atributo eu já
encontro o Deus que em tudo me antecede. Mas ser “capaz” de transcendência
não me cura da fragilidade que me priva de corresponder aos desdobramentos
éticos da minha religião. Essa é a minha vulnerabilidade e a de todos os
religiosos. Nem sempre as convicções religiosas são capazes de gerar bons
cidadãos. Não é a religiosidade que transforma a vida, mas a espiritualidade que
decorre dela. Deveria ser natural, mas nem sempre é. Das religiões, enquanto
estatutos e práticas rituais, brotariam espiritualidades, homens e mulheres
movidos pelo Deus que a religião tornou conhecido. Há pessoas que, na tentativa
de viver uma espiritualidade, se limitam a praticar uma religião. Nem sempre a
religião consegue melhorar uma estrutura social. Seria ilusão pensar que as
pessoas são mais éticas porque são religiosas.
Karnal: É verdade, mas também não ficam mais éticas por serem ateias.
Padre Fábio: Sim, o ateísmo está intimamente atado ao discurso religioso.
Ateus são homens e mulheres que não viram sentido nas crenças religiosas. Mas
nem por isso estão dispensados de viver a busca que pode torná-los pessoas
melhores. Antes de sermos crentes ou ateus, somos humanos. Padecemos dos
mesmos conflitos e nos alegramos pelas mesmas causas.
Karnal: Eu gosto de repetir que se mata em nome de Deus, como por
exemplo na Inquisição. Mata-se em nome do ateísmo: os regimes mais
genocidas do século XX foram regimes ateus, a União Soviética de Stálin e a
China de Mao. Mata-se perseguindo religiosos; Fidel Castro em Cuba, contra a
santeria; mata-se em nome do Estado e da purificação de raças (eugenia). O que
eu acho em comum nisso tudo é que nós gostamos de matar. E Deus entra nisso