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Karnal: Um ponto que eu queria retomar com você, Padre Fábio, é se nessa
conformação religiosa, em que eu estou sendo cético em relação a Deus, qual é
então a importância da religião? Ou da fé, já que o bem e o mal não derivam da
crença? Pelo contrário, nós constatamos que a crença com frequência canaliza o
mal. Então por que acreditar se o mundo vai ser bom ou ruim
independentemente da religião? Ou independentemente da fé? De onde o cético
tira a fonte da luz e da verdade para distinguir o certo e o errado? Assim como o
cético pergunta ao religioso o que lhe garante que a sua escolha não seja uma
escolha eticamente infantil, porque é dada por um terceiro, por uma autoridade
externa.
Padre Fábio: Uma autoridade externa que se manifesta em mim, sem nunca
desrespeitar minha vontade. Como sugeria Agostinho de Hipona (Santo
Agostinho), creio num Deus que me é mais íntimo do que sou de mim mesmo.
Não compreendo que seja uma ética infantil. O amadurecimento cristão é
semelhante às regras do desenvolvimento do juízo moral em Piaget. Da anomia,
quando ainda não sou capaz de seguir regras; à heteronomia, quando sigo porque
repito o comportamento de alguém que segue; até chegar à autonomia, quando já
tenho internalizado em mim o significado das regras. É em mim que percebo a
dinâmica divina. Deus agindo em mim, por mim, comigo. A teologia mora nas
preposições. A religião é um importante caminho para nos ajudar a viver o
deslocamento sugerido por Piaget. É importante salientar que Piaget, em nenhum
momento, refletiu o desenvolvimento moral como amadurecimento cristão. Sou
eu que o faço, reconhecendo nos estudos dele uma aplicabilidade ao que
compreendo como conversão. Quanto ao seu jeito cético de ser religioso, não
titubeio em dizer que estamos vivendo processos semelhantes. Em você também
há uma busca diária para se tornar um ser humano melhor. Diferentemente de
mim, você não reconhece um ser que o antecede, encorajando-o para desobstruir
os caminhos que o apartam de sua melhor versão. Você não invoca misticamente
o Deus que o habita, mas nem por isso está privado de experimentar os Seus
efeitos. Ao querermos extrair de nós o que temos de melhor, estamos vivendo o
mesmo processo. O que nos diferencia? Você o faz munido de seus esforços. Eu
o faço munido da graça divina que sustenta os meus esforços. Na minha
compreensão há um Deus que me antecede. E essa crença não me aliena porque