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Crer ou nao Crer - Leandro Karnal

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Karnal: Um ponto que eu queria retomar com você, Padre Fábio, é se nessa

conformação religiosa, em que eu estou sendo cético em relação a Deus, qual é

então a importância da religião? Ou da fé, já que o bem e o mal não derivam da

crença? Pelo contrário, nós constatamos que a crença com frequência canaliza o

mal. Então por que acreditar se o mundo vai ser bom ou ruim

independentemente da religião? Ou independentemente da fé? De onde o cético

tira a fonte da luz e da verdade para distinguir o certo e o errado? Assim como o

cético pergunta ao religioso o que lhe garante que a sua escolha não seja uma

escolha eticamente infantil, porque é dada por um terceiro, por uma autoridade

externa.

Padre Fábio: Uma autoridade externa que se manifesta em mim, sem nunca

desrespeitar minha vontade. Como sugeria Agostinho de Hipona (Santo

Agostinho), creio num Deus que me é mais íntimo do que sou de mim mesmo.

Não compreendo que seja uma ética infantil. O amadurecimento cristão é

semelhante às regras do desenvolvimento do juízo moral em Piaget. Da anomia,

quando ainda não sou capaz de seguir regras; à heteronomia, quando sigo porque

repito o comportamento de alguém que segue; até chegar à autonomia, quando já

tenho internalizado em mim o significado das regras. É em mim que percebo a

dinâmica divina. Deus agindo em mim, por mim, comigo. A teologia mora nas

preposições. A religião é um importante caminho para nos ajudar a viver o

deslocamento sugerido por Piaget. É importante salientar que Piaget, em nenhum

momento, refletiu o desenvolvimento moral como amadurecimento cristão. Sou

eu que o faço, reconhecendo nos estudos dele uma aplicabilidade ao que

compreendo como conversão. Quanto ao seu jeito cético de ser religioso, não

titubeio em dizer que estamos vivendo processos semelhantes. Em você também

há uma busca diária para se tornar um ser humano melhor. Diferentemente de

mim, você não reconhece um ser que o antecede, encorajando-o para desobstruir

os caminhos que o apartam de sua melhor versão. Você não invoca misticamente

o Deus que o habita, mas nem por isso está privado de experimentar os Seus

efeitos. Ao querermos extrair de nós o que temos de melhor, estamos vivendo o

mesmo processo. O que nos diferencia? Você o faz munido de seus esforços. Eu

o faço munido da graça divina que sustenta os meus esforços. Na minha

compreensão há um Deus que me antecede. E essa crença não me aliena porque

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