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Não farei um discurso que me soe incoerente. Prefiro me ater aos aspectos da fé
que para mim fazem sentido. Aspectos que me ajudem a viver, ser um homem
melhor. Crer em Deus é razoável. Eu me recuso a ser um propagador de
devoções que idiotizem, alienem, que privem as pessoas de chegar ao essencial
do cristianismo. Há padres que não se incomodam em fazê-lo. E não me sinto no
direito de julgá-los. Mas reconheço que não quero essa postura. Deus não está
preso ao que fazemos. Não desconsidero que, em muitas devoções, aos meus
olhos sem sentido, Deus possa transformar uma pessoa, torná-la melhor.
Continuo atuando onde e como posso. Lidar com as instituições será sempre um
desafio. A Igreja como um todo, as dioceses, as congregações religiosas. Todo
padre precisa lidar diariamente com elas, conciliando seu jeito de ser com aquilo
que elas esperam que ele seja. Meu grande intento é abrir as consciências para
essa fé encarnada, proposta pelo Cristo. É uma responsabilidade que reconheço
minha. Encaro-a com muita satisfação. E não pretendo me calar, ou ceder aos
que me querem diferente. Eu prefiro enfrentar os contestadores. Tenho o
conforto de saber que Jesus foi contestado por questões semelhantes.
Karnal: Se você se calar, as pedras falarão. [4]
Padre Fábio: É... falarão.
Karnal: Eu acho que os fundadores, você se referiu ora a Jesus, que é o
nome histórico, ora ao título teológico, o Cristo; são duas coisas distintas.
Padre Fábio: Complementares.
Karnal: Complementares e distintas. O guru Nanak, o primeiro dos gurus
sikhs e fundador do siquismo, também tinha um comportamento de denúncia em
relação a esse eterno farisaísmo. Como, por exemplo, quando ele questiona por
que numa das margens do rio Ganges não se pode adorar a Deus, e a outra é
sagrada. Ele perguntou: Onde está Deus? Em toda parte. Então como ele pode
estar só em uma das margens (risos)? Os sikhs são os protestantes do hinduísmo.
O mesmo processo ocorreu com a figura de Jesus. Ele é uma espécie de
reformador do judaísmo, ou pelo menos um profeta do judaísmo, denunciando a
aparência, o culto, a apropriação do Sagrado por um grupo, ou seja, dos ricos
saduceus, ou dos hipócritas fariseus. As parábolas de Lucas 15 insistem no ponto
de a fé ser uma adesão existencial e não formal, que a lei foi superada ou
ampliada pela misericórdia e pelo amor. É o caso claro do filho pródigo, que
legalmente pode ser rejeitado, mas o pai o acolhe. São as parábolas da graça, do
perdão, que acho interessantíssimas. Elas ajudam a entender a sua trajetória, esse
tipo de apropriação da fé. Quer dizer, a apropriação no sentido positivo. Como
você construiu a sua visão de mundo religioso e como dialogou com as visões