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tocar “Panis angelicus” no fim da tarde na capela do colégio e ver a luz colorida
entrando através dos vitrais e banhando o ambiente em tons azulados era como
eu entendia Deus, pela estética e pela segurança.
Padre Fábio: Compreendo.
Karnal: Mas eu era um péssimo cristão. Dos irmãos, creio, eu era o mais
seco, mais crítico, mais agressivo. Essa vivência católica foi muito positiva para
mim. Vivi em um colégio religioso com retiros, procissões, confissões e missas.
Entrei em uma universidade jesuítica (Unisinos) e acabei indo para o noviciado
da Companhia de Jesus. Era a vontade de sempre fazer mais e com rigor, dedicar
muito a alguma coisa, algo que sempre me marcou. Eu não sei se é pertinácia, se
é objetividade ou se é só vaidade, mas quero sempre fazer as coisas com
intensidade. Assim, estudei línguas; assim, estudei música... Fui para a
Companhia de Jesus e tive excelentes professores. Quase todos ótimas pessoas...
Padre Fábio: Quase todos...
Karnal: Quase todos, era como na universidade onde atuo hoje, a Unicamp,
há pessoas bem variadas. O fato de ter um pai que mata uma filha não me faz
duvidar da paternidade. O fato de ter havido um ou outro jesuíta que conheci e
que não era exatamente uma pessoa boa também não me faz duvidar nem da
Igreja, nem da Companhia de Jesus. Há um padre de quem eu sempre me lembro
quando tenho que pensar em uma pessoa difícil que encontrei na vida. Mas
quase todos eram grandes professores, muito dedicados. As pessoas me
perguntam sobre baixarias, escândalos sexuais. Eu não tenho nenhuma
experiência disso. Ou não aconteceu, ou eu nunca ouvi falar. O meu ceticismo
não nasceu da experiência biográfica na Igreja, mas apesar dela. A experiência
foi muito boa. O ceticismo foi emergindo porque fui esbarrando nessa
experiência muito subjetiva e complexa. Onde você encontrou Deus, eu me
desencontrei Dele. No cotidiano, passei a não achar mais que tem alguém do
outro lado. O silêncio metafísico foi estrondoso. Não se tratava da “secura
espiritual” que afligiu Santa Teresa d’Ávila, São João da Cruz ou Santa
Teresinha do Menino Jesus.
Padre Fábio: Houve algum acontecimento que justificasse essa ruptura?
Karnal: Eu me lembro de alguns momentos muito curiosos. Foi em uma
Semana Santa. Fiz a tradicional confissão preparatória da Páscoa, uma obrigação
para os católicos. Confessei-me com o Padre Bernardo, religioso venerando e
bondoso. Ele era um homem como o Cura D’Ars, ficava horas no
confessionário. Pela primeira vez, contei para ele um pecado de verdade. O
Padre Bernardo se assustou. Ele aumentou muito a penitência, que antes era