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Crer ou nao Crer - Leandro Karnal

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tocar “Panis angelicus” no fim da tarde na capela do colégio e ver a luz colorida

entrando através dos vitrais e banhando o ambiente em tons azulados era como

eu entendia Deus, pela estética e pela segurança.

Padre Fábio: Compreendo.

Karnal: Mas eu era um péssimo cristão. Dos irmãos, creio, eu era o mais

seco, mais crítico, mais agressivo. Essa vivência católica foi muito positiva para

mim. Vivi em um colégio religioso com retiros, procissões, confissões e missas.

Entrei em uma universidade jesuítica (Unisinos) e acabei indo para o noviciado

da Companhia de Jesus. Era a vontade de sempre fazer mais e com rigor, dedicar

muito a alguma coisa, algo que sempre me marcou. Eu não sei se é pertinácia, se

é objetividade ou se é só vaidade, mas quero sempre fazer as coisas com

intensidade. Assim, estudei línguas; assim, estudei música... Fui para a

Companhia de Jesus e tive excelentes professores. Quase todos ótimas pessoas...

Padre Fábio: Quase todos...

Karnal: Quase todos, era como na universidade onde atuo hoje, a Unicamp,

há pessoas bem variadas. O fato de ter um pai que mata uma filha não me faz

duvidar da paternidade. O fato de ter havido um ou outro jesuíta que conheci e

que não era exatamente uma pessoa boa também não me faz duvidar nem da

Igreja, nem da Companhia de Jesus. Há um padre de quem eu sempre me lembro

quando tenho que pensar em uma pessoa difícil que encontrei na vida. Mas

quase todos eram grandes professores, muito dedicados. As pessoas me

perguntam sobre baixarias, escândalos sexuais. Eu não tenho nenhuma

experiência disso. Ou não aconteceu, ou eu nunca ouvi falar. O meu ceticismo

não nasceu da experiência biográfica na Igreja, mas apesar dela. A experiência

foi muito boa. O ceticismo foi emergindo porque fui esbarrando nessa

experiência muito subjetiva e complexa. Onde você encontrou Deus, eu me

desencontrei Dele. No cotidiano, passei a não achar mais que tem alguém do

outro lado. O silêncio metafísico foi estrondoso. Não se tratava da “secura

espiritual” que afligiu Santa Teresa d’Ávila, São João da Cruz ou Santa

Teresinha do Menino Jesus.

Padre Fábio: Houve algum acontecimento que justificasse essa ruptura?

Karnal: Eu me lembro de alguns momentos muito curiosos. Foi em uma

Semana Santa. Fiz a tradicional confissão preparatória da Páscoa, uma obrigação

para os católicos. Confessei-me com o Padre Bernardo, religioso venerando e

bondoso. Ele era um homem como o Cura D’Ars, ficava horas no

confessionário. Pela primeira vez, contei para ele um pecado de verdade. O

Padre Bernardo se assustou. Ele aumentou muito a penitência, que antes era

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