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nenhuma coisa do próximo, [7] eu não me choco com certa misoginia do texto. Eu
só vejo uma sociedade patriarcal que considera a mulher um objeto. Quando
Jesus usa suas metáforas agropastoris, como “Olhai os lírios do campo...” [8] e
“Eu sou o bom pastor...”, [9] eu vejo ali um homem da Galileia, de uma área
agrícola mais úmida ao norte, tendo a sua experiência cotidiana daquilo que ele
vê, daquilo que traduz. Quando eu leio o Alcorão, eu vejo ali o mundo dos
árabes do século VII. Eu sou filho de um mundo pequeno-burguês, urbano,
interiorano, gaúcho alçado a um grande centro, e toda a minha percepção de
mundo é marcada por essa história. Eu não consigo pensar muito longe disso.
Como defende Heidegger, eu estou onde as minhas palavras me trazem, em meu
mundo, minha cultura. Se, em algum momento no Evangelho, Jesus dissesse
assim: Mas isso é física quântica, vocês ainda não sabem, mas um dia...
Padre Fábio: Um dia saberão!
Karnal: Um dia saberão... Isso é um silêncio semântico, é um hiato, é uma
ruptura de sentido que não se explica pela história. Então eu encontraria algo
impactante. Tudo o que existe na Bíblia, tudo que há de belo ou terrível em
qualquer texto religioso ou sagrado tem base histórica e é um documento. São
textos-espelho. Isso não diminui a importância deles. Para um historiador,
inclusive, aumenta muito. Não consigo encontrar nada fora da lógica do
momento da escrita, nada.
Padre Fábio: Nada de sobrenatural.
Karnal: Sobrenatural e fora da História. Exatamente o que o jogou para
Deus, ou o manteve atado a Deus, foi o que me afastou de Deus. Só encontro o
observável e explicável. Isso também vale para o plano pessoal. Exemplo:
pessoas que gostam de história, rito, liturgia, roupa e figuração geralmente
gostam do catolicismo. Pessoas que se inclinam a catarses, exercícios, gostam ou
de neopentecostal ou de uma variante carismática. Indivíduos práticos e sem
mística identificam-se com o kardecismo, que é uma vertente cristã sem mística,
sem adoração de Deus.
Padre Fábio: Tudo se explica pela ciência.
Karnal: Exatamente. E pela psicanálise, e pela sociologia. Exemplo: eu acho
o catolicismo medieval-barroco. Medieval na origem e barroco na expressão
estética. Eu acho o protestantismo moderno: o indivíduo na relação pessoal com
Deus. Eu acho o islamismo típico da Idade Média. Eu acho o kardecismo próprio
do século XIX, como os mórmons são característicos do XIX. Mas em tudo e em
todas as expressões humanas, eu posso explicar tanto Allan Kardec como
Darwin, pois ambos pertencem ao mesmo campo naquele momento: a