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Ele sabe o que necessito. Minha fé não me permite desrespeitar a fronteira. Ele é
Deus. Quando insisto em dizer a Ele o que deve ser feito, alimento, ainda que
inconscientemente, uma desproteção. Preciso dizer, comandar, fiscalizar,
recordar, esclarecer. Deixa de ser fé, passa a ser projeção, pretensão de ser deus
de Deus. Fazemos tudo isso de maneira muito cândida, com as vozes em meiotom,
simulando resignação, submissão, humildade. Mas na verdade nossas
orações podem ser expressão de um “neopaganismo”, uma vez que o ser humano
assume o centro da relação, ficando Deus à margem. Compreendo que essa
forma equivocada de oração venha de nossa dificuldade em lidar com nossas
limitações. Somos humanos, somos insuficientes. Mas não queremos ser. Diante
dos limites há muitas formas de reagir. Uma religiosidade fecunda pode nos
ajudar muito na lida com esses limites. A fé em Deus nos redime diariamente
nos fornecendo instrumentos de superação. A fé nos reconcilia com os limites,
ensinando-nos a confiança em Sua proteção. Uma proteção que se expressa no
cuidado que aprendemos a ter. Sim, o limite me motiva ao cuidado. Mas uma
religiosidade rasa, desprovida de mística, pode nos levar a fugir dos limites.
Como? Colocando sobre Deus a responsabilidade de fazer por nós o que nunca
deveria ter saído de nossa alçada. Para muitos a religião funciona como
manutenção da imaturidade. O favorecimento de um viver à margem, sempre
justificando a inércia, adotando o vitimismo como forma de explicar os
insucessos. Nessa perspectiva o limite se impõe. E a oração passa a ser uma
forma de fuga. Deus é colocado como instância que funciona a partir de nossas
determinações. O que você pensa sobre isso?
Karnal: É interessante porque o que você está descrevendo vem, em parte,
do catolicismo cultural português. Eu distingo esse catolicismo no Brasil,
diferente das regiões de imigração do norte da Europa, como da que eu vim,
onde a religiosidade tem outro sentido. Em Minas Gerais, onde essa
religiosidade portuguesa cultural é muito diluída, vemos mulheres falando com a
Virgem como se fossem comadres. É uma intimidade com o Sagrado que resulta
em algo quase que único no catolicismo brasileiro: punir imagens de santos. É
afogar Santo Antônio, congelar a estátua, tirar o Menino Jesus de seu colo...
Padre Fábio: Puni-lo.
Karnal: Puni-lo. Como você disse, é uma fé que é quase um paganismo.
Mas você coloca uma religiosidade diluída no material, uma religiosidade um
pouco spinoziana, fundindo corpo e alma. Uma religiosidade de um Deus muito
menos metafísico do que o normal, um Deus menos absurdo, menos distante
dessa imagem polar, que seria, por exemplo, o Deus da tradição judaica, que é