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Crer ou nao Crer - Leandro Karnal

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Ele sabe o que necessito. Minha fé não me permite desrespeitar a fronteira. Ele é

Deus. Quando insisto em dizer a Ele o que deve ser feito, alimento, ainda que

inconscientemente, uma desproteção. Preciso dizer, comandar, fiscalizar,

recordar, esclarecer. Deixa de ser fé, passa a ser projeção, pretensão de ser deus

de Deus. Fazemos tudo isso de maneira muito cândida, com as vozes em meiotom,

simulando resignação, submissão, humildade. Mas na verdade nossas

orações podem ser expressão de um “neopaganismo”, uma vez que o ser humano

assume o centro da relação, ficando Deus à margem. Compreendo que essa

forma equivocada de oração venha de nossa dificuldade em lidar com nossas

limitações. Somos humanos, somos insuficientes. Mas não queremos ser. Diante

dos limites há muitas formas de reagir. Uma religiosidade fecunda pode nos

ajudar muito na lida com esses limites. A fé em Deus nos redime diariamente

nos fornecendo instrumentos de superação. A fé nos reconcilia com os limites,

ensinando-nos a confiança em Sua proteção. Uma proteção que se expressa no

cuidado que aprendemos a ter. Sim, o limite me motiva ao cuidado. Mas uma

religiosidade rasa, desprovida de mística, pode nos levar a fugir dos limites.

Como? Colocando sobre Deus a responsabilidade de fazer por nós o que nunca

deveria ter saído de nossa alçada. Para muitos a religião funciona como

manutenção da imaturidade. O favorecimento de um viver à margem, sempre

justificando a inércia, adotando o vitimismo como forma de explicar os

insucessos. Nessa perspectiva o limite se impõe. E a oração passa a ser uma

forma de fuga. Deus é colocado como instância que funciona a partir de nossas

determinações. O que você pensa sobre isso?

Karnal: É interessante porque o que você está descrevendo vem, em parte,

do catolicismo cultural português. Eu distingo esse catolicismo no Brasil,

diferente das regiões de imigração do norte da Europa, como da que eu vim,

onde a religiosidade tem outro sentido. Em Minas Gerais, onde essa

religiosidade portuguesa cultural é muito diluída, vemos mulheres falando com a

Virgem como se fossem comadres. É uma intimidade com o Sagrado que resulta

em algo quase que único no catolicismo brasileiro: punir imagens de santos. É

afogar Santo Antônio, congelar a estátua, tirar o Menino Jesus de seu colo...

Padre Fábio: Puni-lo.

Karnal: Puni-lo. Como você disse, é uma fé que é quase um paganismo.

Mas você coloca uma religiosidade diluída no material, uma religiosidade um

pouco spinoziana, fundindo corpo e alma. Uma religiosidade de um Deus muito

menos metafísico do que o normal, um Deus menos absurdo, menos distante

dessa imagem polar, que seria, por exemplo, o Deus da tradição judaica, que é

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