Elas por elas 2009
A revista sobre gênero Elas por Elas foi criada, em 2007, com o objetivo de dar voz às mulheres e incentivar a luta pela emancipação feminina. A revista enfatiza as questões de gênero e todos os temas que perpassam por esse viés. Elas por Elas traz reportagens sobre mulheres que vivenciam histórias de superação e incentivam outras a serem protagonistas das mudanças, num processo de transformação da sociedade. A revista aborda temas políticos, comportamentais, históricos, culturais, ambientais, literatura, educação, entre outros, para reflexão sobre a história de luta de mulheres que vivem realidades diversas.
A revista sobre gênero Elas por Elas foi criada, em 2007, com o objetivo de dar voz às mulheres e incentivar a luta pela emancipação feminina. A revista enfatiza as questões de gênero e todos os temas que perpassam por esse viés. Elas por Elas traz reportagens sobre mulheres que vivenciam histórias de superação e incentivam outras a serem protagonistas das mudanças, num processo de transformação da sociedade. A revista aborda temas políticos, comportamentais, históricos, culturais, ambientais, literatura, educação, entre outros, para reflexão sobre a história de luta de mulheres que vivem realidades diversas.
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SINDICATO DOS PROFESSORES DO ESTADO DE MINAS GERAIS - FILIADO À FITEE, CONTEE E CTB - WWW.SINPROMINAS.ORG.BR - AGOSTO DE 2009 - NÚMERO 3
[ Conteúdo ]
Fórum Social 2009
Mulheres em luta por
um mundo novo
página 5
Mulher e mídia
Os preconceitos e a discriminação
racial na relação da
mídia com o feminino
página 39
Mulher e trabalho
Crise do capitalismo afeta
principalmente às mulheres
página 8
Educação e gênero
O desafio da jornada escolar
para a mulheres que buscam
a alfabetização
página 43
Mulher e sindicalismo
Os desafios da profissão
e da organização sindical das
empregadas domésticas
página 11
Homenagem
Lúcia Casasanta
página 45
Entrevista
Constância Lima Duarte fala
sobre literatura e feminismo
página 15
Mulheres na política
Pela primeira vez uma mulher
ocupa a presidência na Câmara
Municipal de Belo Horizonte
página 47
Violência doméstica
Iniciativas promovem
avanços na implementação
da Lei Maria da Penha
página 20
Perfil
Júnia Marise
Página 49
Artigos
Condições de trabalho, gênero e
saúde na educação privada
Por Maria das Graças de Oliveira
página 23
Políticas para a diversidade:
como alargar a cidadania
e a democracia
Por Marlise Matos
página 26
Crônica
Difícil arte de ser mulher
por Frei Betto
Página 51
Comportamento
Guarda compartilhada,
uma nova realidade para
algumas famílias
Página 53
Capa
A participação
das mulheres
na luta pela anistia
política no Brasil
Página 31
Direitos da Mulher
Licença-maternidade
poderá ser prorrogada
para 180 dias
Pág 56
Seções - Poucas e boas - página 57
Publicações - páginas 58
Retrato - página 60
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 3
[ Expediente ]
[ Apresentação ]
SINDICATO DOS PROFESSORES DO ESTADO DE MINAS GERAIS
SEDE: Rua Jaime Gomes, 198 - Floresta - CEP: 31015.240
Fone: (31) 3115 3000 - Belo Horizonte - www .sinprominas.org.br
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da Rocha, Rossana Abbiati Spacek, Rozana Maris Silva Faro, Sandra Lucia Magri, Sérgio Luiz da Costa,
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Jornalista responsável/ Editora:
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Conselho Editorial:
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Liliane Salum Moreira, Cláudia Pessoa, Clarice Barreto, Ana Maria Prestes,
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Impressão:
Tiragem: 4.000 exemplar es
Distribuição gratuita: Circulação dirigida
E-mail: Diretoria: sinprominas@sinprominas.org.br
Os artigos assinados não expr essam necessariamente a opinião do Sinpr o Minas. É
permitida a reprodução desde que citada a fonte.
A participação feminina
na luta pela anistia
Trinta anos após a Lei da Anistia, a Revista Elas
por Elas resgata uma parte dessa história na qual as
mulheres também foram protagonistas. Esta edição
destaca o Movimento Feminino pela Anistia, que teve
um papel fundamental para a formação do cenário
político no país na década de 1970. Foram colhidos
depoimentos de algumas dessas guerreiras que
tiveram importante atuação no movimento por uma
anistia ampla, geral e irrestrita. Diante de uma vasta
lista de nomes e de tantos outros que foram surgindo
na lembrança das entrevistadas, seria difícil citar todas
aquelas que, à frente ou não dos movimentos, contribuíram
de alguma forma para a redemocratização
do país. Hoje, a luta continua atual através das
mobilizações pela abertura dos arquivos, pela busca
dos desaparecidos e a punição dos algozes.
Destacamos também a participação das mulheres
no Fórum Social Mundial, onde militantes de todas
as partes do mundo discutiram uma agenda concreta
de lutas mundiais em meio às crises econômica e
ambiental. A Revista Elas por Elas também enfoca
o mercado de trabalho para as mulheres nesses
tempos de crise. Uma pesquisa divulgada pela Secretaria
Especial de Políticas para as Mulheres mostra
uma interrupção da feminização do mercado de
trabalho no Brasil. E, se esse mercado é injusto e
desigual para as mulheres, imaginem para aquelas que
sofrem com a discriminação também por raça e classe,
como mostra a reportagem sobre a profissão de
doméstica.
A revista traz ainda um artigo sobre as condições
de trabalho e saúde das professoras, com base em
dados da pesquisa patrocinada pelo Sinpro Minas, e
apresenta também um debate teórico sobre o
alargamento da cidadania e da democracia através das
políticas para a diversidade. Da mesma forma, vale
conferir a entrevista com Constância Lima Duarte, que
aborda a literatura de autoria feminina.
Quanto aos avanços, não poderiam ficar de fora
as iniciativas para a efetivação da Lei Maria da Penha,
que corre riscos em sua execução pela própria Justiça.
A novidade fica por conta da ampliação dos direitos das
mulheres como a prorrogação da licença maternidade
e da lei que garante a guarda compartilhada.
Boa leitura!
4 ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2009
[ Fórum Social 2009 ]
Mulheres em luta por um mundo novo
por Cecília Alvim
Cecília Alvim
Em Belém as mulheres exerceram importante papel na construção de uma agenda concreta de lutas mundiais.
Em 2009, mulheres e homens de 142 países se
encontraram em Belém do Pará para o IX Fórum
Social Mundial (FSM). Mais de 2300 atividades
envolveram 113 mil participantes em painéis, debates,
seminários, atividades culturais e marchas pela
cidade. A convergência de movimentos e organizações
da sociedade civil promoveu novas alianças para enfrentar
as crises mundiais. Como nas edições
anteriores do FSM, as mulheres exerceram um
papel importante, discutindo um conjunto de temas
que não se limitam ao feminismo.
Na pauta sobre gênero, destacaram-se os debates
sobre a Agenda 21; gênero e desenvolvimento;
direitos sexuais; saúde, sexualidade e direitos reprodutivos;
políticas públicas de gênero e de raça;
violência contra a mulher; turismo sexual, tráfico e
exploração de mulheres e meninas; mulheres,
vulnerabilidade – DSTs e aids; gênero e empode ra -
mento; direitos humanos e inclusão, e mulher e mídia.
Tanto na preparação do evento quanto nas marchas
e nas plenárias, as mulheres estão sempre em
maioria. Também são responsáveis pela presença cada
vez maior de crianças nos encontros, conforme
obser vou o professor da USP , Moacir Gadotti, em
artigo publicado na Revista Fórum sobre a par tici -
pação das mulheres no evento.
A cientista política Ana Maria Prestes, consultora
do Sinpro Minas e integrante do Comitê Internacional
do FSM, também destaca a importância da
participação das mulheres na construção de uma
agenda concreta de lutas mundiais, em meio a
diversas crises: econômica, política, energética,
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2009 5
[ Fórum Social 2009 ]
climática, alimentar. “A sensibilidade, a coragem e a
força das ativistas, presentes ao Fórum, dão o recado
de que é possível transfomar esse mundo a partir de
novos conceitos como solidariedade, diálogo,
autosoberania, integração. Juntas podemos construir
saídas coletivas para os problemas trazidos pela
globalização neo liberal, pelo s conflitos armados,
como o da Palestina, pela mercantilização da
educação, pela destruição de ecossistemas
importantes para o nosso planeta, como a Amazônia”,
destaca.
O Fórum Social Mundial é visto como um espaço
de contestação do sistema político-econômico vigente.
Para Rosa Guillen, do movimento de mulheres de
Arequipa, Peru, a discriminação e a opressão em
relação às mulheres é anterior ao capitalismo. “Infelizmente,
o capital, que controla nossos meios de
vida, a água, as sementes, os conhecimentos da
medicina tradicional, sabe aproveitar essa dominação
também sobre as mulheres. Usa muitas formas
modernas para dizer, por exemplo, que somos livres,
enquanto explora nosso corpo, nosso tempo e nossa
capacidade criativa. Muitas mulheres trabalham
como assalariadas, em jornadas de trabalho extenuantes,
pela metade do salário dos homens”,
aponta.
A jovem Janeth Fernandes, da Frente Nacional
Campesina Ezequiel Zamora, veio da cidade de
Apure, na Venezuela, para reforçar a luta das mulheres,
presentes ao Fórum, por outro modelo de integração
entre os povos. “Nós, mulheres campesinas
da Venezuela, lutamos pelo socialismo do século XXI
em nosso país e na América Latina, que está passando
por grandes mudanças”, diz.
Já Norma Quito, de Guayaquil, Equador, disse ter
ido a o F órum p ara a poiar o p rocesso d e t ansformação
social que está sendo promovido em seu país
pelo presidente Rafael Correa, e que tem sido
combatido por setores conservadores. “A imprensa
tem dito muitas coisas sobre o governo que não são
verdade. Essa é uma estratégia da direita contra os
camponeses e contra as mulheres equatorianas,
que querem as mudanças que estão acontecendo em
nossa nação e em nosso continente”, denuncia.
Emocionada por participar do que considera ser
um momento histórico, Francisca Gama, trabalhadora
rural de Açailândia, Maranhão, afirma que é
bom saber que há outras mulheres no mundo o que
resistem, com força e coragem, aos mesmos problemas
sociais. “É bom sentir e acreditar que, juntas,
podemos mudar a nossa realidade”, diz. Com o
mesmo propósito, as professoras e diretoras do Sinpro
Minas, Celina Arêas, Rossana Spacek, Nalbar Rocha
e Maria das Graças de Oliveira, participaram das
discussões de gênero e das diversas atividades
durante o Fórum Social, partilhando a luta das mulheres
do mundo reunidas em Belém do Pará.
O próximo FSM será em Dakar , capital de
Senegal, na África, em 2011. Antes disso, outros
encontros e fóruns regionais e temáticos devem
acontecer pelo mundo. No Brasil, em janeiro de 2010,
haverá um grande encontro para celebrar os 10 anos
da diversidade representada pelo Fórum Social
Mundial, em Porto Alegre. Certamente, em todos
esses fóruns, as mulheres estarão lá com suas
bandeiras por um mundo mais justo e solidário.f
Dimas Eneias
6 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
Cecília Alvim
Calendário de mobilizações FSM
Dimas Eneias Dimas Eneias
Cecília Alvim
2009
• Atividades de resistência à ditadura em
Honduras
• 12 de outubro – Dia Mundial de Ação para
a proteção da Mãe Terra, contra a
mercantilização da vida
• 12 de dezembro – Dia Mundial de Ação
pela Justiça Climática durante a Cúpula
do Clima em Copenhague, Dinamarca
2010
• 24 a 28 de Janeiro - 10 anos do Fórum
Social Mundial (concomitante com Davos)
- Porto Alegre, Brasil
• 8 de Março – Dia Internacional dos
Direitos da Mulher
• Maio - Fórum Social dos Estados Unidos
- Detroit
• Julho - Fórum Social das Américas -
Paraguai
• Setembro/Outubro - Fórum Mundial de
Educação - Palestina
• 9 a 13 de Dezembro de 2010 - Fórum Mun -
dial de Educação, Investigação e Cultura
de Paz - Santiago de Compostela, Espanha
Cecília Alvim
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 7
[ Mulher e trabalho ]
Mulheres em tempos de crise
por Jalmelice Luz
Saulo Martins
Na Praça 7, em Belo Horizonte, que observa o vai-e-vem de pessoas não imagina as transformações no mundo do trabalho.
Por volta de cinco às seis horas da manhã,
passar no centro da cidade de Belo Horizonte pode
ser um exercício para observadores, uma surpresa
para os desavisados ou a percepção de que alguma
coisa mudou no mundo do trabalho. Nesses horários
um batalhão de mulheres percorre as ruas da
cidade, embarca e desembarca nos ônibus coletivos,
dirigindo-se ao trabalho ou voltando dele para outras
jornadas. Este vai-e-vem de adolescentes,
jovens e mulheres maduras se acalma por volta das
oito horas, quando os carros e buzinas tomam conta
das ruas e o frenesi para a chegada aos escritórios,
comércio, repartições, escolas, empresas se intensifica.
É outra leva de pessoas na garantia do pão
nosso de cada dia. Neste momento não é possível
8
identificar quem são essas pessoas, diante da pressa
e da rapidez do tráfego.
Mas, pode-se lançar mãos de indicadores
confiáveis que apontam um crescimento massivo
das mulheres tanto no trabalho quanto na informalidade
nas últimas décadas. A população
feminina ocupada ou à procura de emprego passou
de 46% em 1996, para 52,4% em 2007. Ela permanece,
no entanto, inferior à taxa de participação
dos homens, que em 2007 alcançou 72,4%. E é no
espaço de trabalho que as discriminações,
desigualdades e preconceitos tornam-se mais
evidentes. As mulheres chegam ao mercado de
trabalho, mas em ocupações diferentes daquelas
preenchidas pelos homens.
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
A cientista política Marlise Matos, coorde na do -
ra do Nepem – Núcleo de Estudos e Pesquisa Sobre
da Mulher da UFMG, autora de vários estudos e
pesquisas de gênero, afirma que a situação da mulher
no mercado de trabalho revela a manutenção
de um processo de impossibilidade de acesso da mulher
à esfera pública, reservada historicamente ao
homens. À mulher restaria a esfera pri vada que é o
lar, as atividades domésticas, repro dução e cuidados
da prole.
Nas últimas décadas, segundo a professora
Marlise Matos, o mercado de trabalho reflete o
esforço de uma forma seletiva de entrada das mulheres,
que chegaram em quantidade cada vez maior
ao mundo do trabalho, mas não neces saria mente são
inseridas em todos os setores da cadeia produtiva.
Há a prevalência de um trabalho precarizado e mal
remunerado. A situação é ainda mais grave para as
mulheres porque somam-se a discriminação de
gênero e o preconceito racial.
Na região metropolitana de Belo Horizonte os
dados da pesquisa de emprego e desemprego do
Dieese e Fundação João Pinheiro confirmam um
quadro já conhecido. A taxa cada vez maior de
participação das mulheres no mercado de trabalho
e a precarização das condições de trabalho. O eco -
no mista e coordenador da pesquisa Mario Rodarte
(foto) diz que as mulheres respondem por 53,1%
da mão-de-obra formal na região metropolitana de
Belo Horizonte, enquanto os homens mantêm-se na
faixa de 68%. Em 1996, quando a PED foi iniciada,
a média anual de participação da população
feminina era de 46,5%. Um crescimento significativo
em torno de 15% mas ainda distante da presença
dos homens no mercado de trabalho.
As dificuldades de mais avanços das mulheres
no âmbito do trabalho, segundo o economista, se dá
ainda por causa de preconceitos, barreiras impostas
pelas responsabilidades domésticas e com filhos.
Rodarte lembra que as mulheres saíram de casa para
o trabalho, mas os homens não retornaram para casa
na perspectiva da divisão das tarefas domésticas. O
economista acredita que uma mudança de compor -
tamento da sociedade com a compreensão da neces -
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
sária emancipação feminina poderia ajudar as mulheres
no seu dia-a-dia. Outra medida apontada pelo
economista e que é uma reivindicação histórica do
movimento sindical é a redução da jornada de trabalho
de 44 para 40 horas. O que possibilitaria a gera -
ção de novos empregos e absorção da mão-de obra
feminina.
Dados sobre a População Economicamente
Ativa (PEA) revelam uma taxa de desemprego que
se mantém ao longo de décadas em 13% para as mulheres
e 9% para a população masculina. Os salários
ainda são bastante diferenciados. A média salarial
até 2008 para os homens é de R$ 1.311,00 enquanto
as mulheres ganhavam em média R$ 889,00. Este
fenômeno não se explica pela força de trabalho,
dado que as mulheres hoje são mais escolarizadas
que os homens. Mas, para o mercado, ao que tudo
indica isso faz pouca diferença, porque há uma
divisão por sexo na definição dos salários, homens
ganham mais e mulheres ganham menos. Isto é a
lógica do capital que trata a mulher como força de
trabalho barata e descartável, portanto, uma reserva
de mercado da qual se utiliza sempre que necessário
a um custo menor.
Impactos da crise econômica
Pesquisa nacional recente, efetuada pelo
IBGE, Instituto de Pesquisa Econômica Aplica da
(Ipea) e Organização Internacional do T rabalho
(OIT) em parceria com a Secretaria especial de
Políticas para as mulheres mostra uma mudança de
comportamento do Mercado de trabalho, a partir de
setembro de 2008 a abril deste ano, com a crise
econômica detonada pelos Estados Unidos que se
espraiou pelo mundo. “As principais conclusões
apontam para uma interrupção da feminização do
mercado de trabalho no Brasil metropolitano (mer-
cados formal e informal). Há redução nos postos
ocupados (queda de 3,1% no nível de ocupação
feminina, contra 1,6% dos homens) e aumento da
inatividade feminina no período. Já entre os homens
verifica-se aumento das taxas de desemprego
9
[ Mulher e trabalho ]
proporcionalmente maior que a verificada para as
mulheres (24,1%, contra 11,2%). Os dados da Pes -
qui sa Mensal do Emprego (PME/IBGE) revelam
também o fortalecimento da tendência de substituição
da mão-de-obra masculina por feminina na
construção civil (-3%, contra + 17% respecti va men -
te). Na indústria, as mulheres perderam mais
postos: -8,38%, contra -4,81% dos homens”.
Uma das pesquisadoras do IPEA, Nathália
Fontoura, que participou desse estudo afirma que a
crise econômica mundial tem afetado principal -
mente as mulheres. Só na região metropolitana de
Belo Horizonte 28 mil mulheres foram demitidas
entre setembro de 2008 e abril desse ano, enquanto
isso, no mesmo período, 13 mil homens perderam o
emprego. Segundo Natália Fontoura muitas mulheres
estão desistindo de procurar uma nova
ocupação e assumindo os trabalhos domésticos já
que não têm mais renda para pagar uma empregada
ou faxineira. A crise estaria levando parte das mulheres
à inatividade.
A cientista política Marlise Matos observa que
também no mercado de trabalho, no ideário do
sistema capitalista, está mantida a divisão entre
espa ço público como esfera masculina e privado de
ocupação feminina. Trata-se, como afirmou, de uma
questão mais estrutural do que cultural, embora
reconheça que o patriarcado está na base do sistema
capitalista. O capitalismo tem na mão-de-obra femi -
nina, qualificada ou não, sua reserva de mercado
mais barata e em maior número.
Marlise Matos observa outro fenômeno, que é
o aumento do número de mulheres chefes de
família, que chega a 30% dos domicílios no Brasil. O
resultado é o empobrecimento das mulheres, na me -
dida em que o mercado de trabalho utiliza de dois
pesos e duas medidas na contratação e remu ne -
ração, que obedecem, menos à qualificação e capa -
cidade e mais a uma divisão sexual do trabalho.
Outra questão de destaque refere-se às mulheres
que vivem sob o jugo do marido, companheiro, e que
quando conseguem uma autonomia econômica, por
menor que seja , por meio de programas sociais de
trans ferência de renda, buscam a separação e
assumem a chefia da casa.
Na educação, observa-se que meninos e
meninas têm trajetórias diferentes. Os meninos concluem
em menor número o ensino médio por ten -
tarem conciliar trabalho e estudo. No ensino
su pe rior, as mulheres são maioria tanto nos cursos
de graduação como nos de pós-graduação. Mas as
mulheres, observa Marlise Matos, procuram mais
cursos vinculados ao papel de cuidadora. Entre os
dez maiores cursos por número de matrícula no ano
de 2005, as áreas com os maiores percentuais de
matrícula do sexo feminino foram: Pedagogia
(91,3%), Letras (80%) e Enfermagem (82,9%). Já
os cursos com os maiores percentuais de matrícula
do sexo masculino foram: Engenharia (79,7%) e
Ciência da Computação (81,2%).
Se mulheres e homens têm inserção diferen cia -
da no mercado de trabalho e tratamento desigual,
seguramente os efeitos de uma crise econômica
como a que está em curso, vai atingir também de
forma distinta homens e mulheres. As pesquisas
apontadas neste texto comprovam isto, mais ainda,
que há uma urgência de que mulheres e homens tenham
tratamento igualitário e sejam valorizados em
suas competências para que a sociedade se transforme
para o bem da humanidade.f
Economista Mário Rodarte: mulheres respondem por 53,1% da mão de
obra formal na região metropolitana de Belo Horizonte.
Arquivo
10 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
[ Mulher e sindicalismo ]
Profissão doméstica
por Débora Junqueira
Débora Junqueira
Maria Ilma, presidente do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas em Minas Gerais, enfrenta os desafios de organizar a categoria.
Dos 6,7 milhões de trabalhadores domésticos
no Brasil, apenas 6,2% são homens, ou seja, é uma
área predominantemente de mulheres, que em geral
são negras e com baixo nível de escolaridade. Os
dados da Pesquisa Nacional por Domicílio (PNAD)
de 2007, também revelam que houve um aumento
do registro em carteira entre os trabalhadores
domésticos de 16 a 59 anos no Brasil, de 5,5% em
relação a 2005. A estimativa é de que 27% das
domés ticas estejam no mercado formal, portanto, à
margem dos direitos trabalhistas básicos.
Vítimas das desigualdades sociais, são mulheres
oriundas de famílias pobres urbanas e rurais que,
normalmente, não tiveram acesso à educação, o que
torna peculiar a profissão doméstica, ainda vista
como um resquício da escravidão; uma categoria
ligada a três fatores históricos de discriminação:
gênero, classe e raça. É a maior categoria profis -
sional feminina e negra no mundo do trabalho.
As trabalhadoras domésticas são vítimas de extensas
jornadas, assédio moral e sexual, maustratos,
baixos salários e outros problemas, com um
agravante: a proximidade muito maior da trabalhadora
com os empregadores, vivenciando os conflitos
do ambiente familiar . Segundo o Estudo do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),
23% das crianças e adolescentes de 10 a 14 anos
empregadas no trabalho doméstico desempenham
jornadas acima de 48 horas semanais. Número que
sobe para 30% na faixa dos 15 aos 17 anos. Estimase
que 500 mil crianças e adolescentes brasileiros
entre 5 e 17 anos estão no trabalho doméstico.
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 11
[ Mulher e sindicalismo ]
A tese de doutorado apresentada pelo sociólogo
Joaze Bernardino-Costa, em março de 2007, no
Departamento de Sociologia da Universidade de
Brasília (UnB), defende que o Brasil deve rever sua
posição frente às trabalhadoras. Seu estudo,
Sindicatos das trabalhadoras domésticas no
Brasil: teorias de descolonização e saberes
subalternos, mostra que após 70 anos de história de
organização política, esse público continua privado,
por exemplo, da regulamentação da jornada de trabalho
e do Fundo de Garantia por T empo de Serviço
(FGTS), que hoje é facultativo e depende da boa
vontade do empregador.
Para se ter uma ideia, decorreram-se 36 anos
entre as primeiras reivindicações e a concretização
dos direitos básicos, contados a partir do início do
mo vi men to político até o reconhecimento das trabalhadoras
domésticas como categoria profissional. Os
pontos de referência são o surgimento da Associa ção
Profis sional das Empregadas Domés ticas de Santos,
em 1936, e a aprovação da legislação, em 1972.
Nesse ano, elas conquistaram por lei o direito a 20
dias de férias por ano, carteira assinada e o direito à
Previdência Social. Depois disso, a Constituição de
1988 garantiu às domésticas direito ao salário
mínimo, ao 13º salário, aviso prévio e descanso
semanal aos domingos. Esse longo intervalo contrasta
com o surgimento da legislação trabalhista no
governo Getúlio V argas, quando foi instituída a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943,
que exclui as trabalhadoras domésticas.
O viés excludente revela-se inclusive na Constituição
Federal de 1988, quando a categoria é
mencionada em um parágrafo que restringe ao
grupo apenas nove dos 34 preceitos do capítulo
sobre Direitos Sociais. De acordo com a Carta Maior,
elas não têm relação de emprego protegida contra
demissão arbitrária, piso salarial proporcional à extensão
e à complexidade do trabalho, nem carga
horária regulamentada, conforme dados da pesquisa
divulgada no site da UnB, disponível em:
http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_busca/a
rquivo.php?codArquivo=3909.
Em 2006, uma lei deu direito à estabilidade no
emprego em caso de gestantes, folgas nos feriados,
aumentou de 20 para 30 dias o período de férias e
impediu o empregador de descontar despesas com
alimentação e moradia do salário das trabalhadoras.
Atualmente, como tentativa de diminuir o impacto
dos direitos das domésticas para o bolso dos patrões,
a contribuição previdenciária pode ser abatida
pelo empregador na declaração completa do Impos -
to de Renda. A medida também visa comba ter a informalidade.
Desafio sindical
A maioria dos sindicatos de trabalhadores
domésticos é liderado por mulheres. Símbolo da luta
da categoria em Minas Gerais, Maria Ilma Ricardo,
presidente e fundadora do Sindicato das Domésticas
de Belo Horizonte, dá seu testemunho sobre o quanto
é difícil a organização sindical dessa categoria.
A sindicalista conta que sua a vontade de
participar do movimento sindical foi despertada
durante um congresso, em 1976, quando percebeu
que pessoas de outros ramos é que lideravam a
associação de domésticas. A exemplo do movimento
que se iniciava em São Paulo, onde foi criado o pri -
12 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
mei ro sindicato da categoria, a associação foi transformada
em organização sindical, que nos “bons
tempos” chegou a ter 3.000 filiados. Número que,
segundo ela, foi caindo depois que a categoria
obteve alguns direitos.
Dados do IBGE, numa comparação entre a
PNAD de 2006 e 2007, comprovam a percepção de
Maria Ilma: o percentual de trabalhadores domés -
ticos sindicalizados vem diminuindo. Passou de
2,31%, em 2006, para 2,05%, em 2007, ou seja,
138.000 sindicalizados. De qualquer forma, as trabalhadoras
domésticas estão exigindo seus direitos. Só
em 2007, houve no país mais de 45.000 ações trabalhistas
de empregadas domésticas, e de cada 10
ações, elas ganham nove, avaliam os especialistas do
site www.domésticalegal.com.br, que presta serviços
para o empregador doméstico.
para trabalhar”, conta. Segundo ela, as domésticas
são importantes para que as mulheres possam
exercer as suas funções no mercado de trabalho,
mas a própria falta de profissionalismo delas as
colocam numa posição desfavorável. “O mais difícil
de conseguir uma boa profissional, mesmo pagando
mais, é que muitas têm preconceito de trabalhar em
casa de família”, diz.
A sindicalista Maria Ilma concorda que as próprias
trabalhadoras têm preconceito da profissão,
mas explica que isso ocorre em função do não reconhecimento
da sociedade. “Falta às domésticas se
profissionalizarem mais, papel que o sindicato,
mesmo com todas as dificuldades, sempre tentou
desempenhar”, afirma. Aos 69 anos, Maria Ilma
continua à frente do Sindicato das T rabalhadoras
Domésticas, que se sustenta apenas com a realiza -
ção de eventos organizados com a colabo ra ção de
Preconceito
Como doméstica, Maria Ilma trabalhou 22 anos
na mesma casa em Belo Horizonte. Segundo ela, já
chegou ao emprego se impondo como trabalhadora e
cumprindo bem com os seus deveres. Com o apoio
dos patrões atuava no sindicato, participava de programa
de rádio e de TV , dava entrevistas e viajava
muito. Mas, mesmo diante dos patrões, quando algum
repórter perguntava se ela se sentia uma pessoa da
família, retrucava que não e explicava: “O dia que eu
souber que alguma doméstica estudou fora do país,
tem convênio médico particular e motorista, eu posso
até pensar que sim, mas para quem no final de um
dia cansativo de trabalho vai para um quartinho no
fundo da casa, não dá para dizer isso”.
Se por um lado as domésticas reclamam das
condições de trabalho, por outro, as patroas também
têm as suas insatisfações. A representante comer -
cial Isabela Moreira Pena diz que já desistiu de ter
uma empregada regular e, agora que o filho cresceu,
conta somente com uma diarista. “Já passei por
vários problemas com elas, como furtos, falta de
higiene, não comparecimento sem qualquer aviso, o
que nos deixa em dificuldade quando temos que sair
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 13
[ Mulher e sindicalismo ]
várias pessoas. Atualmente, a sede da entidade,
cedida pela Prefeitura de Belo Horizonte, fica no
Bairro Santa Tereza, em uma casa velha e precária
que é dividida com outros movimentos populares.
Em depoimento ao jornal Fêmea (n. 143/2005),
do Centro Feminista de Estudos e Assessoria
(Cfêmea), a presidente da Federação Nacional das
Tra balhadoras Domésticas (Fenatrad), Creuza
Maria Oliveira, definiu bem o desafio da profissão de
do méstica e o que está no pano de fundo da socie -
da de em relação a esse trabalho. “Mudar a menta -
lidade da sociedade não é brincadeira, existe ainda
muito machismo, racismo e visão capitalista e é
assim que olham para o trabalho doméstico. Racis -
mo porque ainda acham que só a mulher negra deve
fazer esse trabalho; machista, pois pensam que só
mulher pode fazer trabalho doméstico. Hoje isso já
mudou muito, mas os próprios homens ainda são
julgados de forma preconceituosa e como se fossem
afeminados; e capitalista, porque o trabalho domés -
tico não gera lucro para o patrão e assim não é
considerado trabalho”. f
Principais lutas do
movimento das domésticas
1936 - Fundação da Associação Profissional
das Empregadas Domésticas da
cidade de Santos (SP) por Laudelina de
Campos Melo. A categoria se organiza para
expor as mazelas de uma vida privada do
mundo político.
1950 - O grupo se fortalece a partir da
relação com o Teatro Experimental do
Negro e com a Juventude Operária Católica
(JOC). Esta última foi fundamental para
que fossem criadas associações em municípios
de diferentes regiões: Recife, João
Pessoa, Porto Alegre, Belo Horizonte, Rio de
Janeiro, Piracicaba, São Paulo etc.
1968 - A classe começa a organizar
congressos nacionais, a cada quatro anos,
nos quais se sobressaem algumas militantes:
Laudelina de Campos Melo, Lenira
Carvalho, do Recife; Maria Odete Conceição
e Anazir de Oliveira (Zica), do Rio de
Janeiro; Eva Cardoso, do Rio Grande do Sul;
entre outras.
1988 - Com os ares da redemocratização,
em 1980, elaboram uma pauta de direitos
para a Constituinte e apresentam
suas propostas em diversas campanhas e
viagens a Brasília (DF). É também nessa
época que, além de incorporar uma luta
por direitos trabalhistas, envolvem-se com
a agenda política do movimento negro e
das feministas. Nesta fase do movimento
político das trabalhadoras domésticas,
destacam-se Ana Semião, do sindicato de
Campinas, e Creuza Maria de Oliveira, do
sindicato de Salvador.
1997 - criada a Federação Nacional das
Trabalhadoras Domésticas. No governo de
Luiz Inácio Lula da Silva, as trabalhadoras
domésticas são convidadas a integrar o
Conselho Nacional de Promoção da Igualdade
Racial. Em 2005, o Ministério do Trabalho
lançou o programa Trabalho Doméstico
Cidadão, voltado à qualificação social e
profissional da categoria.
Ilustrações de Miguel Paiva
Cartilha Direitos das Mulheres - Empregada Doméstica - IDAC - 1986
Fonte: UnB
14 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
[ Entrevista ]
Letras feministas
por Denilson Cajazeiro
Mark Florest
Constância Lima Duarte, especialista em literatura e feminismo: “quando as mulheres começaram a escrever, elas enfrentaram muita resistência, não foi fácil”
Ercília Nogueira Cobra (1891-1938) foi uma
escri to ra que provocou polêmicas entre seus con tem -
porâneos. Em 1922, ano da Semana de Arte Moderna,
ela lançou seu primeiro livro, o romance Virgindade
inútil – novela de uma revoltada, no qual propôs um
debate sobre a exploração sexual da mulher. Anos mais
tarde, publicaria outras duas obras: Virgindade an -
ti-higiênica – preconceitos e conven ções hipó cri -
tas e Virgindade inútil e anti-higiênica. Por conta
desses lançamentos – e, é claro, do conser va dorismo
da época – chegou a ser presa e taxada de pornográfica.
Sua vida e produção artística e a de outras escritoras
feministas, como a de Nísia Floresta Brasileira
Augusta, são, muitas das vezes, abandonadas no
porão da história literária brasileira. Por isso mesmo,
passam ao largo do público consumidor de literatura.
Mas qual o motivo desse abandono? Para Constância
Lima Duarte, doutora em Literatura Brasileira pela USP
e professora da Faculdade de Letras da UFMG, a
resposta está no preconceito. “Porque quem escreve
a história é o olhar masculino, e ele alijou-as, deixouas
de lado. Alguém reúne os autores de seu tempo e
não põe nenhuma mulher, outro vai e também não põe
nenhuma mulher . Então suas obras morrem
praticamente nas primeiras edições”, opina a
professora, em entrevista à Revista Elas por Elas .
Uma das maiores pesquisadoras e especialistas em
literatura e feminismo, Constância é autora de diversas
obras sobre literatura de autoria feminina. Organizou
os livros Mulheres em Letras: antologia das escritoras
mineiras e Dicionário de escritoras
portuguesas, ambos lançados pela Editora Mulheres,
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 15
[ Entrevista ]
entre vários outros. Sua mais nova empreitada, ainda
em fase de pesquisa, é a elaboração de um dicionário
ilustrado do periodismo feminino no Brasil. A
pesquisadora já recolheu 340 títulos de várias regiões
do país. A ideia é catalogar jornais, boletins, revistas
e demais publicações voltadas para as mulheres,
desde o século XIX até os dias de hoje. Uma contribuição
não só para a história do jornalismo, mas
também para a do feminismo brasileiro.
A sra. escreveu um artigo no qual faz uma
divisão do movimento feminista brasileiro em
quatro períodos (em torno dos anos 1830, 1870,
1920 e 1970). Quais são os diálogos estabele ci -
dos entre feminismo e literatura de autoria
feminina nesses períodos?
Esse texto que você menciona é fruto de uma
pesquisa, ainda em processo, que busca exatamente
a resposta dessa pergunta. Ela está me mostrando uma
coisa muito interessante: que as ideias feministas e a
literatura de autoria feminina surgiram na mesma
época. A condição feminina, não importa a classe social
da mulher, era de tal forma rebaixada, submetida, que,
quando as primeiras mulheres conseguem sair dessa
condição e refletir , elas refletem sobre a condição
feminina. Então os primeiros textos de autoria
feminina são também feministas, compreende? Eu
estou vendo o feminismo num sentido muito mais amplo.
Penso-o como uma reflexão em torno da condição
feminina, que vê possibilidades de mudanças dessa
condição.
Havia alguma participação de mulheres nos
círculos literários antes do século 19?
No Brasil não. Estávamos atrasados uns duzentos
a trezentos anos em relação à Europa. Há informações
de escritoras na Europa desde o século 15. Em plena
Revolução F rancesa, h ouve m ulheres q ue f oram
degoladas porque falaram de seus direitos. No Brasil,
para se ter uma ideia, a primeira lei autorizando as mulheres
a aprenderem a ler é de 1827. A história intelectual
da mulher brasileira é muito recente por isso.
É pouco tempo. No século 17, enquanto os jovens da
elite iam estudar em Paris, Lisboa, Coimbra, já que aqui
não havia universidades, as meninas ficavam no
borralho, no canto . A literatura brasileira existia
desde o século 17. Já a de autoria feminina vai surgir
depois de 1800, quando as primeiras mulheres têm
acesso à escrita. Com isso elas passam a ter acesso à
leitura, e ela leva à reflexão.
É possível falarmos em características
comuns dessa literatura? São de fato textos
literários transgressores de uma hegemonia
patriarcal?
Sim, a m aioria. M as n ão p osso g eneralizar.
Quando as mulheres começaram a escrever, elas enfrentaram
muita resistência, não foi fácil. Ninguém
bateu palmas quando as primeiras começaram a escrever.
Pelo contrário, havia muito preconceito. Era
muito comum as primeiras escritoras escreverem com
pseudônimos, masculinos inclusive. Isso até o começo
do século 20. Havia uma intimidação. Publicar é
tornar pública sua pessoa, suas ideias. Isso inibia, a
família era contra muitas vezes. Se tivesse marido, nem
pensar. Eram transgressoras no sentido de denúncia,
de colocar uma personagem transgressora, quase um
alter ego. Rachel de Queiroz, por exemplo, assina com
pseudônimo. A família era totalmente contra. Ela era
parente de José de Alencar, então havia na família uma
tradição literária, mas era masculina. As primeiras
personagens dela são mulheres ousadas, que não
queriam s e c asar, p ois s abiam q ue o c asamento
significava colocá-las numa condição inferior.
Quais escritoras foram precursoras de uma
literatura feminista no Brasil?
Existiram muitas. V ou falar da primeira: Nísia
Floresta Brasileira Augusta, norte-rio-grandense que
morou em Recife, Porto Alegre, R io de Janeiro,
depois foi para a Europa e lá morreu. Ela é a primeira
mulher brasileira a falar sobre direito das mulheres.
Em 1832, com 22 anos, publicou um livro chamado
Direitos das mulheres e injustiça dos homens; injustiça
dos homens em não reconhecer os direitos das
mulheres, é claro. Esse livro mostra que ela estava a
par das ideias mais avançadas que circulavam na
Europa em seu tempo em relação aos direitos das mu-
16 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
Reprodução
lheres. Só que ela faz uma adaptação. Enquanto as mulheres
europeias estavam pleiteando um novo estudo,
universidades, ela pede que as mulheres [do Brasil]
sejam alfabetizadas. Quando aqui surge a lei
autorizando a abrir escolas para meninas, em 1827,
Nísia Floresta já sabia inglês, francês, italiano. É autora
de quinze livros, entre literatura e ensaios. Em 1832,
ela diz que a mulher é tão capaz quanto o homem de
governar um país, um estado, de dirigir um exército.
São ideias avançadas até hoje. Nós ainda vivemos um
momento de pioneiras. A gente fala: “a primeira mulher
a alcançar um posto no exército, na aeronáutica”.
É espantoso, percebe? Temos a primeira promotora,
a primeira juíza, sempre tem a primeira, ainda. Minas
não teve uma governadora. É um espanto!
E por que é difícil vermos autoras como
Nísia Floresta figurarem em um livro de história
da literatura brasileira?
Porque quem escreve a história é o olhar
masculino, e ele alijou essas autoras, deixando-as de
lado. Como se faz o cânone? É a partir da repetição.
O cânone – essa palavra tomada da religião, o canônico
– é o modelar, considerado o modelo para as gerações
posteriores. Isso é o cânone, e simplesmente ele é
formado a partir de antologias. Alguém reúne os
autores de seu tempo e não põe nenhuma mulher, outro
vai e também não põe nenhuma mulher. Então suas
obras morrem praticamente nas primeiras edições. O
movimento de letras nacional ou regional não dá o
destaque que [essas escritoras] mereciam; não há
isenção.
Quando as mulheres começam a conquistar
um espaço permanente na literatura? Isso
acontece em algum momento da história literária
brasileira?
A partir dos anos 1930 aparece uma série de escritoras
que vai ser impossível negar a realidade, fingir
que não está vendo. É o momento de Rachel de
Queiroz, Patrícia Galvão [Pagu], Henriquieta Lisboa,
Cecília Meirelles, Eneida [de Moraes] e inúmeras escritoras
que surgem e se impõem no espaço das letras.
Há um depoimento do Graciliano Ramos que é
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 17
[ Entrevista ]
sintomático. Ele diz que quando ele leu O Quinze
(Rachel de Queiroz), de 1930, não acreditou que teria
sido escrito por uma mulher. Ele disse, de tão bom
que era: “isso aqui é um pseudônimo de algum
barbado. Nenhuma mulher escreveria assim”. Logo
depois, em 1931, ela lança o segundo, João Miguel,
com a mesma temática, isto é, a denúncia
contundente da realidade do Nordeste. Aí Graciliano
viu a fotografia dela. Era tão forte o preconceito dentro
dele, de que mulher não poderia escrever coisa
boa, que, mesmo vendo a foto de Rachel de Queiroz,
não acreditou que ela existisse. Ele disse isso, que
demorou um bom tempo para ver que estava errado.
A sra. destacaria algum romance que seja representativo
dessa literatura feminista?
Um dessa época é o da Patrícia Galvão. Ela publicou
um romance fantástico chamado Parque industrial
(1933). A narrativa d estaca, e ntre o s
operários, a vida de uma operária, uma mocinha pobre,
semianalfabeta, da periferia de São Paulo, que
precisa trabalhar e é seduzida pelo patrão e estuprada
pelo rapazinho boa-pinta que promete casamento. Ela
mostra nesse romance uma série de situações das mulheres
da época que se expunham ao trabalho. Além
de serem exploradas pelo trabalho, como operárias,
eram também exploradas por serem mulheres. Há a
questão da violência sexual, do aborto, uma série de
problemas do gênero feminino. Então há uma questão
de classe, mas de gênero também.
A sra. diz que apenas em meados do século
19 é que começaram a surgir os primeiros
jornais dirigidos por mulheres. Como eram
esses jornais?
Os primeiros donos de jornais no Brasil eram estrangeiros,
principalmente franceses e ingleses. Em
1827, um francês, em São João Del Rei, abriu um
jornal chamado O Mentor das Brasileiras . Em
Recife, outro francês, que era dono de um grande
jornal da cidade, abriu O Espelho das Brasileiras.
Mas o primeiro jornal que se tem notícia voltado para
o público feminino e dirigido por uma mulher foi o
Jornal das Senhoras, de 1852, no Rio de Janeiro. É
a partir desse último que começaram a pipocar outros
tantos.
Como foi a recepção desses jornais? Houve
muita reação por parte dos críticos?
Provavelmente. Eu não tenho muitos registros
da recepção. O que eu tenho é recepção positiva. Por
exemplo, em 1873, em Campanha das Princesas, em
Minas Gerais – hoje é só Campanha–, uma mineira,
chamada Francisca Senhoria da Paula Diniz, abriu um
jornal chamado Sexo Feminino , bárbaro,
contundente, interessantíssimo! T inha oitocentos
assinantes na cidade. Esse jornal só funcionava com
assinatura. Eu fico imaginando: o que era Campanha
nos anos de 1870? Depois ela vai para o Rio de Janeiro,
e o jornal dobra o número de assinantes. Ela diz isso
no editorial da primeira edição no Rio de Janeiro, em
1875. Dom Pedro e Princesa Isabel eram assinantes.
Veja, se você vai estudar a história da imprensa no
Brasil, com Werneck Sodré ou qualquer outro, isso
não existe. Por causa do cânone. Ele [Werneck] registra
jornais de dois anos, de um ano, de cinco
números, mas não registra o que durou vinte anos.
Podemos falar em de literatura de autoria
feminina? Ou isso não faz muito sentido, pois
literatura é literatura, independentemente de
sexo? Quero dizer o seguinte: existe uma voz
especificamente feminina?
Quem tem sexo não é a literatura, é quem escreve.
É como se a literatura estivesse acima das classes
sociais, dos gêneros, das etnias. Isso é uma falácia;
porque a literatura está dentro do seu tempo. Ela tem
uma autoria. Isso é minha opinião. Há um olhar, uma
perspectiva. Então a tentativa de negar a existência
de uma literatura feminina é porque a outra literatura,
a masculina, que sempre existiu, virou “a” literatura,
sem questionamentos, sem adjetivação. Percebe?
Mas existe uma voz especificamente femi -
nina?
Existe. É minha opinião, existe. Não estou
dizendo que toda a literatura de autoria feminina tenha
esse olhar, essa apropriação.
18 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
E essa voz não é necessariamente femi -
nis ta...
Não, claro que não. Eu costumo dizer para as minhas
alunas que a grande vitória do feminismo foi ter
tornado normal o que era absurdo, como estudar, casar
e ter filhos se quiser, separar. Isso, que é absolutamente
normal hoje, era absurdo, sonho, utópico há sessenta,
cem anos. A derrota, a meu ver, foi não ter conseguido
uma divulgação maior da sua história. O feminismo permitiu
que as ideias contra engessassem a palavra dentro
de uma camisa de força com o significado de mulher
mal-amada, sapatão, feia... O feminismo foi fraco,
perdeu essa batalha.
E hoje, como está a situação na opinião da
sra.?
Olha, se duvidar , ainda está perdendo. Para
começar, parece uma coisa antiga eu falar uma coisa
dessas... Elas [as mulheres] não percebem a
contemporaneidade da luta. Quer ver um nicho patriarcal
que vigora ainda hoje? A violência contra as
mulheres. É uma coisa absurda. O que existe de mulheres
sendo espancadas e mortas diariamente porque
querem sair do casamento ou terminar o namoro,
porque decidem viver a vida... Na cabeça [do homem]
a mulher é um objeto de posse: se não é minha, morre.
Até pouquíssimo tempo, a legítima defesa da honra era
um argumento usado por advogados para tirarem
muitos homens da cadeia. A minha honra não está em
mim, está em você. Você [a mulher] é tão meu objeto,
tão coisa minha, que há um deslocamento da honra.
Se você agiu mal, fica mal para mim, por isso eu te
mato. Então hoje, é preciso redimensionar. É inegável
a conquista. Daqui a pouco vamos ter uma
governadora, e isso vai ser normal, assim como temos
escritoras. Mas acho que falta esse conhecimento da
história. Chegamos até aqui porque houve uma luta por
trás. O voto não veio de mão beijada, foi uma
conquista. E isso não é dito.
Nas ú ltimas d écadas, t ivemos m udanças
em relação a esse assunto, como a consolidação
de organizações feministas, a crescente inserção
da mulher no mundo do trabalho, uma maior
Nísia Floresta
liberdade sexual. Essas transformações podem
ter também gerado mudanças no imaginário
coletivo, de forma a trazer implicações para a
construção artístico-literária?
Acho que sim, você tem razão. Só que é muito
lento, muito devagar . Tem uma frase da V irginia
Woolf, não é literal, mas a ideia é esta: é mais fácil
mudar o real do que o imaginário. Ou seja, é mais fácil
mudar a realidade do que o cultural. É aquele negócio,
o rapaz trabalha com uma mulher , mas mata a
namoradinha que quer se separar dele. Lá dentro, ele
tem uma coisa de duzentos anos na cabeça dele, o
cultural. É um resquício. Eu falo que são nichos patriarcais,
resquícios muito fortes, que desvalorizam a
mulher, depreciam-na.f
Reprodução
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 19
[ Violência doméstica ]
Iniciativas promovem avanços na
implementação da Lei Maria da Penha
por Cecília Alvim
Cecília Alvim
Após três anos em vigor, a Lei Maria da Penha sofre ameaças em sua execução
Um sopro de dignidade e esperança vem do
Nordeste do Brasil. É apitando que as mulheres da
comunidade de Córrego do Euclides, na periferia de
Recife, resistem à violência doméstica, contestando,
com coragem, a cultura de que “em briga de marido
e mulher, ninguém mete a colher”.
Quando uma delas percebe que a vizinha está
sendo agredida, sopra o apito para chamar a atenção
da vizinhança e da polícia, de forma a constranger o
agressor. Essa experiência deu tão certo que até a
Organização das Nações Unidas (ONU) assumiu o
“apitaço” como uma política de enfrentamento à
violência contra a mulher.
Outra iniciativa de destaque no combate à vio -
lência já está em funcionamento em Belo Hori zonte.
Foi inaugurado, no dia 5 de junho de 2009, o Centro
Integrado de Atendimento à Mulher Vítima de V io -
lên cia Doméstica e Familiar (CIM). O novo espaço
abriga duas varas judiciais com competência exclusiva
para julgar os casos previstos na Lei Maria
da Penha. O CIM recebe a colaboração de represen -
tantes do Ministério Público, da Defensoria Pública,
Delegacia de Mulheres, Posto do Instituto Médico
Legal (IML), Polícia Militar e da Coorde na doria
Especial de Promoção e Defesa da Mulher , que
presta atendimento psicológico às mulheres agre -
didas.
Para a desembargadora do Tribunal de Justiça
de Minas Gerais, Teresa Cristina da Cunha Peixoto,
o CIM surgiu a partir da parceria entre essas instituições,
que são essenciais para a efetivação da lei.
“Aqui será prestado um serviço de melhor
qualidade. A mulher mineira, a partir de agora, vai
deixar de ser vítima e passa a ser protagonista de
20 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
sua própria vida”, destacou.
Presente à inauguração, a ministra-chefe da Secretaria
Especial de Políticas para as Mulheres,
Nilcéa Freire, afirmou que no CIM a mulher pode
requerer da autoridade policial a busca e apreensão
de armas no domicílio, medidas protetivas ao juiz, e
outros encaminhamentos para ter sua demanda
plenamente atendida. “Nesse espaço integrado, a
solução vai ser imediata. Antes dessa conquista,
muitas mulheres foram mortas e agredidas por seus
companheiros, pois não tiveram a mesma sorte de
mulheres que virão a esse serviço”.
O CIM é o primeiro centro do país a reunir
todos os serviços de apoio às mulheres vítimas de
violência. De acordo com a coordenadora especial
de Políticas Públicas para Mulheres, Virgília Rosa,
até o fim do ano serão inaugurados mais sete centros
como esse em todo o estado. Para a delegada
titular da Delegacia de Mulheres, Silvana Fiorillo, a
grande vantagem dessa iniciativa vai ser a
celeridade do atendimento, pois todos os serviços
necessários estão no mesmo espaço, reduzindo o
desgaste dos deslocamentos. “A mulher desistia,
desanimava. O homem vai ser intimado mais rápido,
e a mulher vai ser conduzida às medidas protetivas”,
esclareceu a delegada.
Na ocasião, a ministra Nilcéa Freire, informou
que outra iniciativa de atendimento à mulher , o
Ligue 180, recebeu, até maio de 2009, cerca de 240
mil chamadas. “Esse número expressivo é fruto da
existência de serviços e campanhas, e do fato das
mulheres hoje se encorajarem a buscar ajuda,
porque sabem que terão o respaldo do Estado
brasileiro”.
Mulheres vão à Justiça
pedir aplicação da Lei
Se por um lado iniciativas positivas podem ser
comemoradas, por outro, a própria Justiça pode
tornar inócua a Lei Maria da Penha. Após três anos
em vigor, a Lei sofre ameaças em sua execução. “A
justiça criminal brasileira vem ignorando o texto expresso
na legislação ao exigir a representação da
vítima em processos judiciais onde estão expressas
as violações aos direitos à privacidade e à integridade
das vítimas, dentre outros direitos”,
denuncia a Articulação de Mulheres Brasileiras
(AMB). A entidade está coletando assinaturas para
uma petição que deve ser entregue aos ministros do
Supremo T ribunal Federal (STF) e Superior
Tribunal de Justiça (STJ).
O texto denuncia o que considera “um gesto de
tolerância aos crimes de violência doméstica e uma
enorme resistência na aplicação da Lei, que visa
combater o machismo da sociedade brasileira”. O
documento pede que os dois tribunais, ao julgar os
processos a eles encaminhados, “manifeste-se pela
afirmação da natureza incondicionada da ação penal
dos crimes de lesão corporal qualificada pela
violência doméstica, afirmando o direito das mulheres
viverem livres de violência”.
Para a entidade, a exigência da representação
da vítima em processos judiciais desvirtua os
propósitos da nova Lei, que leva em conta os
motivos pelos quais as mulheres são obrigadas a
“retirar” a queixa: medo de novas agressões, falta de
apoio social, dependência econômica, descrédito na
Justiça, entre muitos outros. Para assinar a petição,
acesse: http://gopetition.com/online/28830.html.
“Ele chegava embriagado, batia,
maltratava, dizia palavrões. Só que
na quela época não tínhamos o apoio
de hoje. Se tivesse, ele só fa ria uma
vez e não faria mais.”
Maria do Carmo Mota, moradora de Córrego do Euclides
“As marcas da violência cravam a
alma e marcam o físico das mulheres.”
Teresa Cristina da Cunha Peixoto, desembargadora do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 21
[ Violência doméstica ]
“O Conselho Nacional de Justiça
definiu que a efetividade da Lei Maria
da Penha deve ser de uma política judiciária
nacional, porque diz respeito
ao interesse de toda a sociedade”.
Andréa Pachá Rocha, tit ular do C onselho Nacional de
Justiça (CNJ).
“Há uma preocupação da Lei em
tra tar também o agressor . O homem
está vi ven do uma crise de identidade,
precisa ser punido, mas também
apoiado”.
Virgília Rosa, co ordenadora de Políticas Públicas para
as Mulheres
Números registram mudanças
Mais de 32 mil homens se engajam
pelo fim da violência a contra mulher
Segundo a Organização Mundial da
Saúde (OMS), em todo o mundo, quase
metade das mulheres assassinadas são
vítimas do marido ou namorado, atual ou
ex. Em alguns países, até 69% das mulheres
relatam terem sido agredidas fisicamente, e
47% declaram que sua primeira relação
sexual foi forçada. Em Pernambuco,
somente em 2008, 223 mulheres foram
assassinadas. “Os autores da violência contra
homens são os homens e os autores da
violência contra mulheres são os homens.
Nosso objetivo é demonstrar que ser
homem não é ser violento por natureza. Os
homens aprendem essa postura”, explicou
Benedito Medrado, coordenador da Rede de
Homens pela Equidade de Gênero (Rheg) e
do Instituto Papai. Em 2008, mais de 32 mil
homens assinaram a campanha Homens
Unidos pelo Fim da Violência contra as Mulheres,
promovida pela Rede e pelo Instituto.
Conselho Nacional de Justiça faz
balanço da Lei Maria da Penha
Um balanço do funcionamento das
Varas de Violência Doméstica e Familiar,
apresentado no dia 30 de março pelo
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), indica
que, de julho a novembro de 2008, o
número de processos em tramitação por
violência doméstica contra mulheres
chegou a 150.532. Ao todo, são 41.957
ações penais e 19.803 ações cíveis, além de
19.400 medidas protetivas concedidas e
11.175 agressores presos em flagrante.
Pesquisa aponta que 77% dos homens
conhecem a Lei Maria da Penha
O nível de conhecimento da população
sobre a Lei Maria da Penha aumentou 10
pontos percentuais em relação ao ano
passado. De acordo com uma pesquisa
encomendada pelo Instituto Avon e
realizada pelo Instituto Brasileiro de
Pesquisa de Opinião (Ibope), em 2008, 68%
dos entrevistados sabiam da existência de
uma lei de proteção à mulher. Em 2009, o
percentual subiu para 78%. O estudo,
divulgado no dia 14 de abril, também
aponta que, entre os homens, 77%
disseram conhecer a nova legislação,
enquanto 80% das mulheres afirmaram
saber da existência da lei. f
Fonte: Agência Brasil
22 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
[ Artigo ]
Condições de trabalho,
gênero e saúde na educação privada
Maria das Graças de Oliveira
Uma das características do mundo do trabalho
pós-moderno é o aumento das mulheres como chefes
de família: em 2001, em 96% dos domicílios brasi lei -
ros, a principal responsável pelas tarefas domésticas
era uma mulher. Mesmo quando esse trabalho não era
feito pela dona da casa, as outras pessoas a participar
das responsabilidades domésticas também eram mulheres,
em 49% dos casos. Existe um “contrato de casa -
mento” que libera os homens das obrigações domés -
ticas e ocupa as mulheres nas atividades ne ces sárias
ao cotidiano da família (Dedecca, 2004; Sorj, 2004).
Este artigo trata da categoria professores,
profissão que agrega em seus quadros um grande
número de mulheres. Então cabe aqui perguntar:
professoras teriam maiores jornadas de trabalho total
do que os professores? O trabalho da professora teria
as mesmas características temporárias e parcial de
outras profissões? O que se considera como dupla,
tripla jornada? Isso é diferente para o docente
homem? Qual o papel do trabalho em turnos e em
várias escolas nesse processo?
Alvarenga (2008) coloca que apenas ser homem
ou ser mulher não determina o uso de seus tempos
no dia a dia docente, nem os significados a eles
atribuídos. Outras variáveis precisam ser levadas em
conta, tais como socialização de gênero, idade,
estado civil, apoio familiar, apoio institucional, entre
outras. É fundamental que o cotidiano da docência
seja discutido levando-se em consideração que,
muitas vezes, as extensas jornadas de trabalho total
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 23
[ Artigo ]
são decorrentes dos baixos salários.
Dedecca (2004) defende a jornada de trabalho,
com dedicação exclusiva a uma escola, semelhante
ao que acontece nas universidades públicas. Caso
fosse esta uma das soluções para a diminuição da frag -
mentação e intensificação do trabalho, poderiam os
docentes dedicar -se à preparação das aulas, à
elaboração e à correção de atividades, ao plane jamen -
to de projetos, incluindo vários outros aspectos da
prática pedagógica. As professoras da rede particular
de ensino do Estado de Minas Gerais têm apresentado
condições de trabalho e saúde mais adversa do que
seus colegas, até mesmo os da rede pública. Dados
interessantes obtidos a partir de uma pesquisa feita
pelo Sinpro Minas, em parceira com o Ministério do
Trabalho – por meio da Fundacentro –, a Federação
Interestadual dos Trabalhadores em Estabelecimentos
de Ensino (Fitee) e o Sindicato dos Auxiliares em
Administração Escolar (Saae-MG) –, mostram que
essa preocupação tem razão de ser.
Iniciada em 2007, a pesquisa O trabalho e os
agravos à saúde dos professores da rede privada
de ensino de Minas Gerais foi finalizada em
fevereiro de 2009, após passar pelas etapas de
coleta de dados, processamento, análise de resultados
e elaboração de relatórios. O levantamento,
segmentado em quatro grandes blocos – sociodemográfico,
ambiente de tra balho, condições de trabalho
e saúde físico-mental –, produziu um amplo conjunto
de estatísticas e indicadores, abordando aspectos
como a caracterização e a distribuição espacial dos
professores, a renda, a escolaridade, o grau de
satisfação, a frequência dos sintomas, as principais
agressões e ameaças sofri das, entre outros.
De acordo com os dados, em torno de 83% da
categoria acredita que a exigência de cumprimento
de prazos é o principal motivo que torna o ambiente
institucional ameaçador , e a principal causa do
desgaste entre os docentes encontra-se na relação
direta entre professor e aluno, com cerca de 40% das
respostas. A inda s egundo a p esquisa, h á u ma
associação direta entre o número de alunos em sala
de aula e a possibilidade de o professor apresentar
problemas de saúde, como rouquidão e dores de
cabeça; e um dos maiores motivos de afastamento na
categoria está relacionado a dores nas pernas.
A pesquisa também fez um recorte de gênero e
constatou um quadro pouco favorável para as mulheres.
Em todo o Estado, a renda pessoal média das
professoras é cerca de 30% inferior à dos professores.
Já na região metropolitana, esse cenário de
desigualdade permanece, mas o percentual de
diferença cai para aproximadamente 24%. Os dados
mostram também variáveis referentes à saúde
docente, e os números indicam que as mulheres têm
níveis de saúde mais comprometidos que os homens.
Além disso, o risco de uma professora da região metropolitana
sofrer algum tipo de acidente e/ou doença
do trabalho é cerca de 2,2 vezes maior em relação a
um professor. Essas desigualdades de gênero são
graves e preocupantes.
A diferença apresentada entre a média salarial
de professores e professoras é um dado polêmico, o
que nos leva à reflexão. Isso porque na Convenção
Coletiva dos professores do Estado de Minas Gerais
há a exigência de isonomia salarial. Então, como explicar
a diferença apontada pela pesquisa? Pode-se
inferir que isso se deve ao fato de que há diferenças
de salários por titulação e há mais homens que mulheres
tituladas atualmente na categoria. As
professoras, além da pressão de seu ambiente de
trabalho, ainda possuem atividades delegadas
socialmente que as remetem não a u ma dupla
jornada, mas sim a uma tripla jornada de trabalho, que,
provavelmente, faz com que elas tenham uma carga
horária de aulas menor.
Os resultados da pesquisa apontam que a não
valorização e o não reconhecimento do trabalho
docente – expressos genericamente pela percepção
de desrespeito por parte dos alunos (e até mesmo da
sociedade); as condições salariais (que não condizem
com a importância e a responsabilidade social desse
trabalho); a necessidade de ampliação da jornada de
trabalho para recompor salário; os aumentos expressivos
do número de alunos em sala de aula; além
da luta permanente por manter-se no emprego –, têm
contribuído para a perda de qualidade da saúde dos
professores.
24 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
A busca por uma melhor condição financeira e
oportunidade profissional motiva a maioria dos docentes
a terem, pelo menos, um segundo emprego. Isto se
materializa em uma carga horária pesada e estressante
e uma jornada diária que, muitas vezes, supera a oito
horas diárias. Na maioria dos casos, essa jornada não
é suficiente para desenvolver todas as atividades no
ambiente escolar e esse processo é agravado pelo ritmo
de atividade e pelas exigências do trabalho que
alcançam níveis indesejáveis. No caso das docentes mulheres
os níveis se agravam ainda mais.
O ambiente e as condições de trabalho podem
gerar muita tensão para os trabalhadores, interferindo
na execução e qualidade de suas atividades profis -
sionais e no aumento de estresse. Alterações nos
ritmos biológicos, horários inadequados de alimen -
tação e falta de programa de trabalho são condições
que aumentam os riscos ocupacionais, refletindo-se
na saúde e desempenho dos docentes.
Existe uma urgente necessidade de implementar
programas de alerta, reeducação e cuidado da saúde
junto aos professores e professoras da rede privada
de ensino. As estatísticas sugerem que o tempo de
ausência ao trabalho e o custo do absenteísmo
provocado por doenças e acidentes relacionados ao
trabalho podem ser diminuídos com um projeto que
enfoque melhorias nas condições de trabalho docente
e em maiores cuidados com a saúde do trabalhador.f
Maria das Graças é Mestre em Ciências Sociais , doutoranda em Ciência da
Informação, Professora do Unicentro Newton de Paiva e Diretora do Sinpro
Minas.
Referências
ALVARENGA, Carolina Faria. Relações de gênero e trabalho docente: jornadas e
ritmos no cotidiano de professoras e professores. Dissertação (Mestrado).
Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
DEDECCA, Cláudio Salvadori. Tempo, trabalho e gênero. São Paulo, 2004.
mimeo.
FUNDACENTRO, FITEE, SAEE, SINPROMINAS - Pesquisa sobre Condições de
Trabalho e Saúde dos Professores e Trabalhadores em Estabelecimento de
Ensino Privado do Estado de Minas Gerais - Belo Horizonte - 2007-2009.
SORJ, Bila. Trabalho remunerado e trabalho não-remunerado. In: VENTURI,
Gustavo; RECAMÁN, Marisol; OLIVEIRA, Suely de (Org.). A mulher brasileira nos
espaços público e privado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
Disbribuição das respostas
dos docentes da rede privada
de ensino, segundo
escolaridade e sexo,
Minas Gerais - 2007/2008.
Dados da pesquisa disponível em www.sinprominas.org.br
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 25
[ Artigo ]
Políticas para a diversidade:
como alargar a cidadania e a democracia
Marlise Matos
Tela de Maria Teresa Meneses
Este breve ensaio trás a luz das nossas discussões
um tema que que retorna às pautas da mídia, dos
bancos escolares e das ações públicas promovidas pelo
Estado: é possível a construção coletiva e individual
de percursos (acadêmicos, políticos, no mercado de
trabalho, pedagógicos etc.) que sejam marcados pela
promoção da igualdade e o respeito à diversidade nos
ambientes que normalmente circulamos? É exeqüível
promover a igualdade, respeitando as diferenças? Mas
como professora! Ou nós somos todos iguais ou somos
todos diferentes? Não dá para afirmar as duas coisas
ao mesmo tempo? Insisto: Dá sim!
Desde as idades mais precoces somos instruídos,
socializados – afetiva e cognitivamente – para
construir a ideia de escolha entre a igualdade e a(s)
diferença(s), compelidos a uma luta que precisa
afirmar ou a igualdade, ou a(s) diferença(s). E
mais: fomos igualmente compelidos a acreditar na
idéia politicamente orquestrada de que existe uma
“normalidade” social por oposição ao lugar dos
desvios, d as pa tologias, d as e xclusões. M as s e
esquecem também de nos ensinar e nos socializar para
a idéia de que esta é rigorosamente falsa,
desnecessária e inútil. Não é preciso escolher entre
uma coisa ou outra. A experiência cultural, identitária,
simbólica e política da(s) diferença(s) não implica o
abandono da luta pela igualdade, assim como não
deixamos de possuir elementos que nos identificam,
nos assemelham, que compartilhamos e que nos pertencem
coletivamente porque temos um sexo
26 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
diferente do outro, uma cor de pele diferente de outra,
h abitamos u m t erritório d iferente d o o utro,
porque temos uma orientação do desejo sexual
diferente do outro, porque temos hábitos culturais e
religiosos diferentes de outros.
Somos a um só tempo, de modo simultâneo e
paradoxal, iguais e diferentes. Todo o século XX foi
um período marcado pelo esforço político de chegar
a essa conclusão. Assim como a luta pela igualdade
marcou os séculos XVIII e XIX, através da luta de
classes, do sufragismo, da luta contra o tráfico negreiro
e a escravidão etc., a luta pelas diferenças
marcou o século XX: o movimento feminista e suas
“Cada um de nós tem
pertencimentos identitários
e coletivos múltiplos e,
certamente, em ocasiões
distintas e paradoxais e
tensamente disputados”
diferenciações – mulheres negras, lésbicas, pobres,
rurais, heterossexuais, de classe média...; o movimento
LGBT – uma variedade infinita de ser sexualmente
no mundo: gays, lésbicas, travestis, transgêneros,
transexuais...; o movimento racial – negros e negras,
pobres, intelectuais, quilombolas, afrodescendentes,
de classe média...; as lutas da juventude – numa
miríade de diferenciações: do Hip Hop, do Funk, do
Rap, das igrejas, do grafite, do movimento estudantil,
dos partidos... e pelo reconhecimento da população
idosa: aposentados/as, “melhor idade”, a dos grupos
de ginástica e alongamento etc.. Acredito ser neste
século XXI que seremos capazes de efetuar uma “nova
síntese” e trabalhar, desta vez, não de forma linear
e binária, mas tendo a certeza de que é necessário
operar num campo complexo de relações de força
onde cada um/único é ao mesmo tempo muitos/plural.
Cada um de nós tem pertencimentos identitários e
coletivos múltiplos e, certamente, em ocasiões
distintas paradoxais e tensamente disputados. Eu sou
a um só tempo: professora universitária, mulher ,
feminista, branca, de classe média, cética, militante
acadêmica dos direitos humanos e da diversidade,
heterossexual, mãe, de “meia idade” e daí vai...
Sabemos que é no espaço da cultura que todas
estas dimensões ganham contornos, definições,
sentidos e significados. Especialmente as diferenças
de gênero, raciais, sexuais compõem elementos
importantes do mosaico de diversidades que o
mundo contemporâneo vem afirmando cultural,
social e politicamente, mas desta vez, numa tentativa
explícita de romper com a idéia – tão frequentemente
essencializada e naturalizada – de “normalidade”. E
é t ambém a través d a c onstrução s ócio p olíticocultural
que o machismo, o sexismo, a
heterossexualidade compulsória, o racismo, a
homofobia e a lesbofobia (entre outros) são construídos
e transformados, muitas vezes, em categorias
cristalizadoras da diversidade e tudo que não se
conforme ao padrão hegemônico – homens brancos,
de classes altas e médias, heterossexuais e ocidentais
– se alinha ao negativo. Neste nosso mundo não é rara
a associação, num único sujeito ou através de um
mesmo coletivo, de mais de um tipo destes de discriminação
e de preconceito.
Muitas leis, programas e ações do Estado ou das
organizações da sociedade civil (como os movimentos
sociais, as ONGs etc.) vêem sendo implementadas
para combater práticas discriminatórias já
mencionadas mas é perfeitamente compreensível que
acreditemos que, sem a efetiva transformação de
mentalidades e das práticas, ou seja, sem uma
mudança cultural, social e política, pouco será
efetivamente transformado. Daí o papel estruturante
que adquirem ações que promovam a discussão
desses temas, motivem a reflexão individual e
coletiva e contribuam para a superação e eliminação
de qualquer tratamento preconceituoso e opressivo.
Gostaria de complementar esta discussão in-
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 27
[ Artigo ]
trodutória com a afirmação de que lutar para enfrentar
tais preconceitos e discriminações, hoje em dia, é lutar
para reconstruir e expandir a própria noção de
cidadania e democracia. Defendo a ideia de que
cidadania, especialmente a cidadania social, nos
nossos dias não pode ser concebida meramente como
atributo ou condição de sujeitos: ela é inevitavelmente
processo. Nesse sentido a cidadania possui em si uma
extensão e abertura interdisciplinar reveladora da
multiplicidade de dimensões que se articulam a
estes múltiplos pertencimentos: de raça, de gênero,
de sexualidade, de geração etc. Entendo também que
não será possível superar as contradições que cercam
a temática dos valores fundamentais (os “universais”)
como a liberdade, a justiça social, a igualdade e a
solidariedade, a menos que possamos recolocá-los
num patamar multidimensional e enfrentar
analiticamente seus paradoxos, complexidades e perplexidades.
As marcas e os marcos principais que
caracterizam a transição do século XX para o XXI
clamam por redefinições de velhos temas nesta “era
dos direitos”, tornando-se inadiável interligar a
análise política da cidadania com a análise sociológica
(e psicológica), em busca da construção dos direitos
(humanos) que, de fato, tenham operacionalidade e
substância real na vida prática e não estejam ou
existam apenas arrolados formalmente. Histo rica -
mente é possível afirmar que o conceito de cidadania
reforçava o pertencimento a uma comunidade política
pensada inicialmente no território da cidade e depois
do Estado nacional. Hoje, a cidadania já não está
unicamente ligada à cidade nem exclusivamente a um
Estado, mas se afirma também no espaço internacional/supranacional
e intersubjetivo; apenas
podemos alcançá-la em seu pleno teor constituindoa
de seu sentido territorializado múltiplo, onde
vários pertencimentos podem e são politicamente
acionados.
Falar em direitos que visem a efetivar a
valorização humana e a sua diversidade constitutiva,
por exemplo, requer na sua relação com a cidadania
contemporânea, a leitura pessoal e social de que a
cidadania é multidimensional, afetando essa condição
humana em vários dos seus aspectos. A cidadania
compreende então todos os direitos de uma só vez:
os fundamentais – os políticos, os civis, os sociais, os
econômicos, os culturais – e também os ambientais
assim como os direitos difusos que, como se sabe,
podem estar em constante tensão paradoxal com as
idéias de liberdade, de justiça política, social e
econômica, de igualdade de chances e de resultados,
e de solidariedade, a que se vinculam. Mas é preciso
enfatizar que o conteúdo da cidadania atual compreende
esses direitos como valores (formais) e dados
“Hoje a cidadania
já não está unicamente
ligada à cidade nem
exclusivamente a um
Estado”
existenciais (substâncias) inerentes ao processo de
construção cidadã. Por exemplo, de nada adianta ser
titular de liberdade de expressão se não se possui a
educação mínima para a manifestação crítica das próprias
ideias. A esta visão dos direitos (e mesmo da
cidadania) se vincula a noção recente de indivisibilidade
e integralidade da cidadania.
Se a cidadania é complexa e multidimensional
somente o caráter da integralidade – que de modo
paradoxal está associada às diferentes dimensões que
a circunscrevem – e da transversalidade poderão
efetivar tais direitos. É urgente transversalizar as
multidimensões da cidadania. Dentre esses eixos
diferenciados q ue t ransversalizam a c idadania
contemporânea, destaco: gênero, raça/etnia, geração,
orientação sexual, urbano, rural, além do território
28 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
e da classe social. No meu entender são estas “outras”
dimensões que vêm disputando o conceito e entre
efeitos surpreendentes, fazendo emergir desse
processo nova cidadania que tem sexo, cor , corpo,
localização, sexualidade e idade. T ambém importa
destacar que estas dimensões são exatamente
aquelas m esmas q ue c ompõem o r ico m osaico
identitário na contemporaneidade, enfatizando que
há um caráter paradoxal nas subjetividades
contemporâneas: elas são, a um só tempo, individuais
e coletivas, assim como atravessadas por dimensões
múltiplas que são acionadas contingencialmente, por
necessidades políticas. A igualdade, por sua vez,
obedece ao mesmo princípio paradoxal: ao mesmo
tempo que é um princípio absoluto (contempora nea -
mente perseguido), é também uma prática histo rica -
mente contingente. No aspecto político, as recentes
reivindicações por igualdade envolvem, parado xal -
mente, tanto a aceitação quanto a rejeição da
identidade de grupo atribuída pela discriminação. Em
outras palavras: os termos de exclusão sobre os quais
essa discriminação está amparada são ao mesmo
tempo negados e reproduzidos nas distintas demandas
por inclusão política e social.
Neste percurso, cabe destacar que o pluralismo
que evidenciamos atualmente estaria vinculado,
pelo menos, a dois fatos sociais novos: (a) à
emergência política de grupos sociais que
anteriormente eram invisíveis; a exemplo das culturas
indígenas nas Américas, das mulheres, dos coletivos
gays e lésbicos; (b) a percepção de que algumas
diferenças e discriminações podem ser constantes
durante longos períodos históricos, mas é apenas em
algumas épocas específicas que elas passam a ser
acionadas como politicamente significativas. Neste
último sentido, a diversidade de qualquer sociedade
existe na medida em que seus indivíduos a percebam
e a reivindiquem como tal.
É fato indiscutível que, tanto nas velhas
sociedades européias, quanto nas novas sociedades
que recentemente saem da condição de
subdesenvolvimento, se tornam a cada dia mais
visíveis as diferenças culturais, sexuais e de gênero,
raciais e étnicas, sexuais. É também fato que há uma
politização recente destas dimensões. A imigração,
as nacionalidades, a falta de respeito social frente aos
coletivos rurais e urbano, homossexuais e a desigual
posição das mulheres, sobretudo num viés racial, na
estrutura social e política, estão tornando evidente
a existência de grupos sociais que reafirmam as suas
próprias identidades e estão em busca, para além de
políticas distributivas ou em concomitância com
elas, de políticas de reconhecimento. Estes são
sinais inequívocos da ausência concreta de
homogeneidade política e social. Mas não é necessário
ou inevitável se concluir daqui que não tenhamos
ordem social. Para muitos intérpretes, tais fatos
colocariam “em crise” os velhos ideais de cidadania
e de igualdade universal inerentes ao projeto político
da modernidade. O que estamos assistindo é o
alvorecer de muitas reivindicações por reconhecimento
e inclusão política que têm produzido
efeitos concretos na forma organizativa dos Estados.
No Brasil, por exemplo, entre os anos de 2003 a 2009,
foram convocadas e realizadas sob a coordenação
executiva da Secretaria Geral da Presidência da República,
e contando com intensa participação da
sociedade civil organizada no país, trinta e oito
Conferências Nacionais das mais diversificadas
temáticas (igualdade racial, de gênero, direitos
humanos, de crianças e adolescentes, juventude, de
cidades, de meio ambiente, de saúde etc.).
Aquilo que importa salientar é que nesse
processo crescente de apresentação de demandas, de
pluralismo e, em alguns países, de efetivo reconhecimento
de um processo de multiplicação da
cidadania, a proposta da reconstrução de novos
modelos de democracias não deveria se alijar dos
pressupostos básicos da modernidade caindo num
relativismo extremado. Mas também não é possível,
simplesmente, o abandono de um projeto político
multidimensional. Entendo que princípios como a
igualdade e a universalidade são princípios éticos e
políticos sólidos que precisam ser demandados pelos
diferentes coletivos oprimidos da atual cena política.
É necessário identificar que há uma ideia comum
subjacente a esta experiência: a necessidade de reconhecimento
político das diferenças e das identidades
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 29
[ Artigo ]
que tiveram suas dimensões centrais relegadas ao ostracismo
político privado, à invisibilidade. Mas isso não
supõe que todas as identidades e todas as culturas
contenham contribuições igualmente valiosas para o
bem-estar, a liberdade e a igualdade entre os
humanos, não implica a hipótese de relativismo
generalizado (a qual eu repudio veementemente),
assim como não estou pressupondo que todas as
dimensões ide ntitárias dos sujeitos (eleme ntos
articuláveis das recentes demandas por cidadania)
sejam passíveis de agenciamento político
simultaneamente.
A sociedade (e o Estado) que se desenha(m) no
século XXI abre(m) espaço para a essencial reflexão
acerca do problema ético da responsabilidade individual
e coletiva diante da valorização do humano,
inerentemente vinculado a processos de comunicação
intersubjetiva numa comunidade onde nossos projetos
normativos se unem às necessidades reais, num único
esforço que é o de suplantar obstáculos que se tecem
ao nosso redor . Entre os direitos conscientizados
historicamente através das lutas políticas, o direito
de solidariedade emerge com força, assim como dentre
os muitos sentidos da cidadania, entre eles há
aquele que reclama o reconhecimento da importância
da interdependência entre múltiplas faces de si, assim
como de múltiplas faces do outro humano, como
fatores de coesão e solidariedade social e política (e
não de ameaça). O tecido social se fortalece quando
a solidariedade – de gênero, a racial, a étnica, a
territorial, a geracional, a de classe etc. – está entrelaçada
e se torna condição para a existência reflexiva
de si e do grupo político. As diferenças que nos
são apresentadas, e tão fortemente enfatizadas não
precisam ser focalizadas como riscos potenciais ao
jogo da governabilidade democrática, mas como
fatores inerentes da multidimensionalidade da
cidadania no nosso mundo que podem, caso permitamos,
favorecer o processo de democratizar a própria
democracia.f
Marlise Matos é Professora Adjunta e Chefe do Departamento de Ciência
Política da UFMG, Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a
Mulher (NEPEM) - UFMG, Doutora em Sociologia (IUPERJ), Mestre em
Teoria Psicanalítica (UFRJ) e Psicóloga (UFMG).
Novo horário:
todos os domingos,
às 8h55,
na TV Band Minas.
Programa de TV
do Sindicato dos
Professores do
Estado de
Minas Gerais
Reportagens
Cidadania
Saberes
Interatividade
Entrevistas
Educação
Direitos
Cultura
Opinião
30 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
[ Capa ]
30 anos da Lei da Anistia
Mulheres símbolos da resistência
por Débora Junqueira
Juca Martins/Olhar Imagem
Ato em 1978: mulheres, de braços dados com os homens, seguiram à frente das passeatas que ocorriam em São Paulo e por todo o país.
Trinta anos após a Lei da Anistia Política no
Brasil, uma parte dessa história ainda precisa ser
resgatada para mostrar a importante participação das
mulheres nessa luta e que seja dado a elas o lugar de
destaque que merecem. As mulheres não somente
estiveram na vanguarda do processo de redemocratização
do país, mas, principalmente, simbolizaram
o poder de pressão da sociedade civil.
Conforme estatísticas divulgadas no livro Direito
à memória e à ver dade, editado pela Secretaria
Especial dos Direitos Humanos da Presidência da
República, em 2007, o saldo do regime militar aponta
que 50 mil pessoas teriam sido detidas nos primeiros
anos da ditadura e cerca de 10 mil teriam vivido no
exílio em algum momento. T ambém 4.862 tiveram
seus mandatos e direitos políticos cassados, 245
estudantes expulsos das universidades e cerca de 440
opositores ao regime foram mortos, sendo que
apenas 144 corpos foram entregues às famílias.
Estima-se que 10% dos mortos e desaparecidos são
mulheres, já que elas representavam um percentual
entre 20% e 25% dos militantes e do total de presos
políticos.
Entre a s g uerrilheiras, c ujos r estos mo rtais
nunca foram encontrados, está a mineira W alkíria
Afonso Costa, militante do PCdoB, desaparecida
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 31
[ Capa ]
desde 1974 na região do Araguaia. Para a pedagoga
Valéria Costa Couto, irmã de Walkíria, é fundamental
que a verdade venha à tona, com a abertura de
arquivos do período da ditadura (1964-1985) e da
guerrilha do Araguaia, conforme reivindicam os
familiares dos mortos e desaparecidos no período.
Na ditadura militar , as mulheres tiveram um
importante papel na luta armada, participaram de
organizações que organizaram sequestros de diplomatas
e assaltos a banco. Estiveram em papéis de
liderança ou em ações quase invisíveis, apoiando
familiares e amigos presos, tirando os perseguidos do
país e salvando suas vidas. Para não serem presas
como subversivas, as militantes viviam na
clandestinidade com nomes falsos. Jô Morais, hoje
deputada federal, foi uma delas. Ela conta que já
utilizou os nomes “Josideméia”, “Joana” e “Maria
José”. “Acrescentei ‘Jô’ ao meu nome Maria do
Socorro porque era o outro pedaço da minha vida,
quando fiquei escondida no meu país por dez anos.
Mais do que lutadora pela anistia fui beneficiária dela”.
Para a deputada, a anistia foi, sobretudo, uma obra
das mulheres e das mães que tiveram seus filhos
condenados, presos, escondidos e mortos. “A força
de uma bandeira quando é abraçada pela mulher é
muito grande. Nada as detém quando elas compreendem
a necessidade da mudança”, afirma.
Movimento feminino pela anistia
Foi entre as mulheres que surgiu um dos
principais movimentos políticos brasileiros. O
Movimento Feminino pela Anistia (MFP A) foi o
primeiro a levantar a bandeira da anistia em plena
ditadura. Idealizado por Terezinha Zerbini, mulher de
general, que já havia sido presa por abrir a sua casa
para “subversivos”. Seu pedido para que fossem
levantados os nomes de todos os presos políticos dentro
e fora do país deu início ao movimento, criado em
15 de março de 1975 na cidade de São Paulo. Em
função das perseguições políticas, o ato de fundação
do MFPA teve de ser convocado como mesa redonda
sobre a mulher e a paz, no primeiro Ano Internacional
da Mulher. Terezinha, como coordenadora nacional
do movimento, viajou para vários estados, onde
reunia mulheres a fim de ampliar os núcleos de luta
pela anistia aos presos políticos e exilados.
Um grupo inicial de oito mulheres redigiu o
manifesto do movimento, que se tornou de conhecimento
nacional. O documento diz: “Nós, mulheres
b rasileiras, as sumimos n ossas re s ponsa bi -
lidades de cidadãs no quadro político nacional.
Através da história provamos o espírito solidário da
mulher, fortalecendo aspirações de amor e justiça. Eis
por que nós nos antepomos aos destinos da nação,
que só cumprirá sua finalidade de paz se for concedida
anistia ampla e geral a todos aqueles que foram
atingidos pelos atos de exceção. Conclamamos todas
as mulheres no sentido de se unirem a esse
movimento, procurando o apoio de todos que se
identifiquem com a ideia da necessidade de anistia,
tendo em vista um dos objetivos nacionais: a união
da nação”.
Magda Neves, hoje professora do Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC Minas, foi
uma das fundadoras do Movimento Pela Anistia em
Minas, em 1976, juntamente com outras mulheres
como Zélia Rogêdo, Eleonora Menicucci, Efigênia de
Oliveira, Ângela Pezutti, que se tornou vicepresidente,
e D. Helena Greco, eleita presidente do
movimento em Minas. Elas divulgaram os primeiros
documentos de denúncia sobre a tortura no Brasil.
No trabalho de ajuda aos presos políticos, buscavam
o apoio de autoridades, arriscando suas vidas.
Inicialmente, reuniam-se, em sua maioria, mulheres
da classe média; depois o movimento foi agregando
pessoas de vários segmentos da sociedade, chegando
a reunir cerca de 300 mulheres no Estado.
No início, os padres cediam as sacristias para as
reuniões, depois elas chegaram a ter uma sala na igreja
do Carlos Prates. Magda conta que, numa reunião
realizada no Colégio Santo Antônio, o Dops chegou
lá dizendo que ia verificar a denúncia de uma bomba,
e o pânico foi geral. A reunião teve que ser transferida
para o DCE da UFMG, de onde todos seguiram em
32 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
passeata. Posteriormente foram criadas outras
entidades como o Comitê Brasileiro de Anistia, que,
em Minas, teve D. Helena Greco como presidente.
Com a Lei da Anistia, o movimento feminino foi se
diluindo, chegando ao fim em 1980.
Vitória parcial
Fatos históricos mostram que a rede dos comitês
de anistia e os núcleos do MFP A, que se popula -
rizaram por todo o território nacional, foram decisivos
para a unidade em torno da anistia. A mobilização se
dava nas ruas, em passeatas e atos públicos. A
Praça da Sé, tradicional território paulista de
manifestações políticas, foi reconquistada em ato pela
anistia. Jornalistas e artistas ecoavam a palavra de
ordem da anisitia em seus meios de comunicação e
expressão. A mobilização se adensou no I Congresso
de Anistia em São Paulo, nos vários Encontros
Nacionais e Regionais, no Congresso Internacional
pela Anistia no Brasil em Roma. Em 1979, muitos
sindicatos de trabalhadores fortaleceram a luta pela
Anistia, em especial os que expressavam o novo
sindicalismo, nascido no ABC paulista.
Sem dúvida, a lei da anistia política foi uma
significativa conquista da sociedade brasileira, apesar
de sido uma vitória parcial, conforme a avaliação de
quem lutou naquele período. Afinal, não foi aprovado
o projeto de anistia ampla, geral e irrestrita, defendido
pelo conjunto dos movimentos de resistência e a
ditadura impôs suas propostas na Lei 6.683 de 28 de
agosto de 1979. Para os movimentos, a anistia só seria
digna deste nome se realizasse os seus princípios programáticos:
erradicação da tortura e das leis de exceção;
esclarecimento das circunstâncias em que
ocorreram os assassinatos dos opositores da ditadura;
localização dos restos mortais dos desaparecidos
políticos; responsabilização jurídica do Estado e
dos agentes da repressão por praticarem crimes de
lesa humanidade, portanto inafiançáveis, imprescritíveis
e inanistiáveis, além de desmantelamento
do aparelho repressivo. Lutas que permanecem até
os dias de hoje.f
Luta pela
emancipação feminina
A professora Magda Neves destaca o papel
dos jornais da época, principalmente os criados
por mulheres como o Nós Mulheres e o Mulherio,
entre outros, que ajudavam tanto na conscientização
para as lutas democráticas como para
a emancipação feminina. Ela acredita que essas
duas lutas aconteciam simultaneamente. “Sem a
democratização, a luta pela emancipação das mulheres
também não avançaria”, afirma.
Para Gilse Cosenza, da comissão de
anistiados em Minas, a luta contra a ditadura foi,
antes de tudo, uma luta de homens e mulheres.
“O enfrentamento de um inimigo feroz e
sanguinário que prendia e torturava homens e
mulheres no Brasil inteiro não permitia que a luta
fosse só feminista, pois em primeiro lugar
precisávamos alcançar a democracia”, opina.
Renata Rosa, autora de estudos sobre o
feminismo e membro da UBM (União Brasileira
de Mulheres), acredita que as mulheres que
participaram dos movimentos de resistência à
ditadura eram vítimas do machismo duplamente.
O preconceito acontecia de forma explícita por
parte da ditadura, quando não eram consideradas
“moças de família”. “O machismo era sutil, vinha
dos próprios companheiros quando delegavam a
elas tarefas relacionadas aos cuidados como
cozinhar ou enfermagem. Na luta armada, elas
foram minoria, pois para os guerrilheiros machistas
da época uma mulher menstruada na selva
podia ser um grande problema”, diz.
Segundo ela, as mulheres que participavam
dos movimentos de resistência eram meninas de
classe média, com formação universitária e
idealistas, com uma consciência política que a
maioria das mulheres da época não possuía, de
tão distraídas entre as notícias da Copa do
Mundo e as novelas.
“As mulheres anistiadas foram guerrilheiras
e não tinham um papel só de cuidar , como às
vezes tentam passar , ao destacá-las como
lutadoras por seus maridos e filhos desaparecidos
ou mortos pelo regime autoritário”. Para Renata,
na luta pela anistia é importante destacar que
muitas mulheres vão entrar para a história como
anistiadas porque foram condenadas num período
de exceção, em que o maior crime era lutar pelo
fim da tortura e pela democracia do país.
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 33
[ Capa ]
Helena Greco
Militante de Direitos Humanos
D. Helena Greco nasceu em Abaeté, em 1916.
Farmacêutica de formação, começou a militar aos 61
anos de idade, em 1977. Sua participação política, reconhecida
nacional e internacionalmente,
tem
como marco a luta pela
Anistia Ampla Geral e
Irrestrita, da qual ela se
tornou praticamente sinô -
nimo. Foi presidente e
fundadora do Mo vi mento
Feminino pela Anistia/MG
(1977) e do Comitê
Brasileiro de Anistia/MG
(1978); ajudou a construir e foi membro do Comitê
Executivo Nacional/CEN dessas entidades. Foi ainda
a representante do Brasil no Congresso pela Anistia do
Brasil em Roma, em 1979. Sob sua direção, o 8 de
março, Dia Internacional da Mulheres, passou a ser
comemorado publicamente em Belo Horizonte (1978).
Exerceu dois mandato s como vereadora de Belo
Horizonte pelo PT (1983-1992), do qual foi fundadora.
Em 1983, na Câmara Municipal de Belo Horizonte,
conseguiu aprovar a Comissão Permanente de Direitos
Humanos – a primeira do gênero no Brasil. Ela fundou,
em 1987, o Movimento T ortura Nunca Mais/MG. Em
1993, por sua iniciativa, tomou posse na Prefeitura de
Belo Horizonte a Comissão Paritária de Mulheres, com
o objetivo de lutar pela construção de uma Casa Abrigo
para mulheres em situação de violência. Em 1996, essa
comissão evoluiu para o Conselho Municipal da Mulher.
No ano de 1995, foi idealizadora e uma das
coordenadoras do Fórum Permanente de Luta pelos
Direitos Humanos de BH. Criou a Coordenadoria de
Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de Belo
Horizonte – na administração de 2003-2006. Em 2005,
D. Helena Greco foi uma das cinquenta e duas
brasileiras que integraram a lista do Projeto Mil Mulheres
para o Prêmio Nobel da Paz , in iciativa da
Fundação Suíça pela Paz e Associação Mil Mulheres.
Fonte: Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania.
Angela Pezutti
Funcionária aposentada da UFMG
Nascida em Araxá, veio para Belo Horizonte em
1964, indo trabalhar na área administrativa da
Universidade Federal de Minas Gerais. Membro de uma
família de corajosos
militantes, vivenciou de
perto a repressão do
regime militar e teve gran -
de atuação na luta contra
a ditadura e pela anistia
aos presos polí ti cos. Em
1969, seu sobrinho Ânge -
lo, filho de Carmela Pezu -
tti, foi preso, e ela tomou
conhecimento das ações
clandestinas e a ssaltos a b ancos. V iu s ua i rmã,
Carmela, membro da Organização Colina, ser presa
dentro de s ua c asa e d esaparecer. C omo h avia
recebido uma carta, interceptada pelo Exército,
contando o nde a i rmã e stava, f oi c hamada p ara
depor. A partir daí, se uniu aos familiares de outros
presos, formando um coletivo de mulheres com a
participação de mães e donas de casa para ajudar os
presos. Esse grupo se reunia nas casas e nas igrejas
e ela ajudou a salvar a vida de muita gente. Em 1969,
com a troca do embaixador americano, os sobrinhos
Ângelo e Murilo foram libertados. Carmela, que
também fora libertada no sequestro do embaixador
suíço, foi com os filhos para o exílio, no Chile. Com o
golpe militar naquele país, em 1973, os militantes se
espalharam. Com a Anistia, ela e o filho Murilo
voltaram ao Brasil. Ângelo morreu num acidente de
moto em Paris. Ela respondeu um processo como
subversiva, enquadrada nos artigos da Lei de Segurança
Nacional, acusada de promover guerra subversiva
diversa, desacatar autoridade e utilizar meios públicos
para fazer propaganda subversiva. O processo não foi
adiante por falta de provas. Na luta pela anistia
participou da formação do Movimento Feminino pela
Anistia no estado, sendo eleita vice-presidente do
movimento ao lado da presidente D. Helena Greco.
Depois continuou apoiando os anistiados e ex-exilados.
34 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
Gilse Cosenza
Membro da Comissão de Anistiados e dirigente do PCdoB/MG
Como estudante, participava do D.A. do curso
de Serviço Social da PUC Minas e foi vice-presidente
do DCE; também foi da JEC (Juventude Estu dan til
Católica) e da JUC (Ju -
ven tude Universitária Ca -
tólica). No dia do Golpe
Militar entrou para a Ação
Popular, organização polí -
tica que desde então se
tornou proibida. Não pôde
colar grau na faculdade,
pois decretaram sua pri -
são preventiva. Na
clandestinidade e com outros
nomes, trabalhou como operária têxtil. Com o
AI5, em 1968, houve um aumento da repressão e com
o codinome “Ceci”, passou a morar em Coronel Fabriciano.
Nesse período, teve gêmeas, mas uma das
meninas não sobreviveu. Passou por momentos
difíceis, ao fugir e se esconder com uma criança de
colo. Em junho de 1969, foi presa, e sofreu todo tipo
de tortura física e psicológica. Na prisão, para que
desse informações sobre outros militantes, o que
nunca fez, colocaram uma banheira de criança, com
instrumentos de tortura, dizendo que a qualquer
momento sua filha iria ser capturada e torturada. Mais
tarde, na cadeia, enquanto lia em um jornal uma
charge do cunhado Henfil, que usava o personagem
Fradim para fazer uma crítica velada à ditadura,
descobriu que sua filha Juliana estava bem. Com base
na Lei de Segurança Nacional sofreu três processos
judiciais que lhe renderam um ano e meio na prisão.
Em 1972, fora da cadeia, se integrou ao PCdoB,
juntamente com outros membros da AP. No Ceará,
foi presidente do partido e da União Brasileira de Mulheres.
Foi dirigente do diretório municipal do
PCdoB, em Belo Horizonte, e é membro da Comissão
de Anistiados em Minas. Como anistiada, recebeu uma
indenização do Estado em 2007.
Delcy Gonçalves de Paula
Professora aposentada do curso de
Serviço Social da PUC Minas
Nascida em Poté, no Vale do Mucuri, veio para
Belo Horizonte em 1964, com o desejo de transformar
o mundo e fazer a
revolução. Iniciou sua
militância no movimento
estudantil, quando partici -
pava de passeatas e movimentos
em defesa da
educação. No período da
ditadura, fez um trabalho
de conscientização contra
o regime na periferia de
Belo Horizonte. Passou a
dar aulas em escolas primárias e cursos de
alfabetização para operários. Na Ação Popular, com
um idealismo socialista, fazia da conscientização
política a resistência à ditadura militar, pois já estava
enfronhada entre a massa de trabalhadores. Como
dirigente da organização, foi presa e torturada, em junho
de 1969. Em 1970, fugiu para não ser presa
novamente, vivendo clandestinamente no Paraná. Já
em 1972, foi presa em Porto Alegre. Sofreu três
processos, num deles recebeu uma condenação de
prisão por dois anos. Com a Lei, foi anistiada e mais
tarde, indenizada. No ano de 1977, tornou-se
professora da PUC Minas no curso de Serviço Social
e realizou um trabalho focado nas discussões políticas
dentro da sala de aula, incentivando os alunos a
buscarem soluções contra as injustiças sociais. Dessa
forma continuou dando sua contribuição na luta pela
anistia e reconstruindo uma vida marcada pelas
atrocidades da repressão.
De todo o processo vivido no período, ela tenta
se focar no que restou de positivo como o
amadurecimento, com o reconhecimento sobre a
fragilidade humana e diz que é preciso recuperar ,
daqui para frente o que a ditadura interrompeu.
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 35
Conceição Imaculada de Oliveira
Metalúrgica aposentada e sindicalista
Nascida em Brumadinho, veio para Belo
Horizonte em 1962. Ainda muito jovem se interessou
por um panfleto do Sindicato dos Metalúrgicos e logo
foi convidada para
participar do trabalho
clandestino que o
sindicato fazia na época
da repressão política. O
fato de ser mulher
chamava menos atenção
e podia realizar tarefas
de conscientização dos
trabalhadores. Vivenciou
o preconceito de ser uma
das poucas mulheres na função de metalúrgica. Em
1964, viu as pessoas ao seu redor serem presas ou
terem que sair do país. Como diretora no Sindicato
dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem lutou
contra o arrocho salarial, e esteve à frente, em 1968,
da primeira grande greve dos metalúrgicos, que durou
cerca de 20 dias, quando chegou a negociar com o
então ministro Jarbas Passarinho, que, em função da
greve, autorizou um reajuste de 10% para todos os
trabalhadores da indústria. Em outubro de 1968, o
sindicato sofreu uma intervenção. Clandestina,
conseguiu um emprego nas Lojas Americanas, mas
foi ser demitida por solicitação do Dops, que a
acusava de subversiva. Na época, seu irmão foi
preso ao participar de assalto a banco, sendo
duramente torturado. Também foi presa várias vezes,
sendo que de 1969 a 1971 esteve na prisão de Linhares,
em Juiz de Fora. Foi solta juntamente com
70 presos políticos, entre eles, Carmela Pezutti, em
troca do embaixador da Suíça, sequestrado numa das
ações políticas na época. Depois foi para o Chile e mais
tarde, para Cuba, onde trabalhou pela anistia no
movimento sindical internacional que realizava ações
para que as organizações internacionais
pressionassem as autoridades brasileiras. Em 1987,
voltou para o Brasil anistiada.
Efigênia Maria de Oliveira
Professora aposentada e ex-vereadora
Professora leiga na zona rural de Brumadinho,
veio para Belo Horizonte no início da década de 1960
para trabalhar na indústria metalúrgica. Morando num
bairro operário, parti -
cipava do que se deno -
minava “solidariedade
silenciosa”. Organizou
reuniões nas casas das
famílias, levava jornais da
resistência e deba tia
temas políticos. Utilizando
o método Paulo Freire,
ajudou na alfa betização
de adultos como uma
missão voluntária de conscientização. Ligada à
Corrente Mineira, foi para a clandestinidade. Quando
o cerco da ditadura acirrou teve que ir para o Rio de
Janeiro, onde trabalhou na Construção Civil. Foi presa
como subversiva. No julgamento, sua pena foi fixada
em seis meses, mas ela já havia ficado dois anos na
prisão de Linhares. Em liberdade, passou a participar,
juntamente com a irmã Conceição, do sindicato dos
Metalúrgicos. Em um congresso nacional de
metalúrgicos, onde estava presente o então
sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, fez um discurso
corajoso, relatou que era ex-presa política e denunciou
as torturas nas prisões. Na família, ela e três irmãos
participaram da luta de resistência à ditadura e sofreram
torturas. Em 1973, participou dos grupos da
igreja; quando visitava a casa das pessoas para rezar
o terço, aproveitava para conversar sobre os horrores
que ocorriam nos porões da ditadura. Sua atuação foi
importante no grupo de mulheres trabalhadoras
que lutaram por creches nas indústrias e no
movimento das panelas vazias, em que donas de casa
e operárias se uniam contra a carestia. Participou do
Movimento Feminino pela Anistia em Minas e depois
de anistiada foi para Pernambuco e atuou em
movimentos sociais, ambientais e de mulheres. Foi
vereadora e candidata à prefeita do município de
Cabo.
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 36
[ Capa ]
Arquivo de Ãngela Pezutti
Cartaz, produzido por Neide Pessoa, vendido para arrecadar recursos para ajudar os exilados nos anos 1970.
37 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
z
www.sinprominas.org.br
38 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
[ Mulher e mídia ]
Mulher e mídia sem retoques
por Jalmelice Luz
“Um minuto para os comerciais." “Não saia daí,
hein!” “Voltamos já!” Este é o bordão mais conhecido
nas programações das redes de televisão e rádios
brasileiras, que entremeia capítulos de novelas, talkshows,
filmes etc. No chamado horário família,
quando os controladores dessas redes supõem que
todos estejam reunidos em frente à telinha, soltam o
vídeo de um anúncio de sandálias. A primeira cena,
homens reunidos em torno de uma mesa de bar ,
fazendo um sambinha:“sai/sai/sai/sai/sai/sai...pais -
carigundum/paiscarigundum/ paiscarigundum...”
Em cena uma mulher , que poderia ser uma
amiga, uma vizinha ou qualquer pessoa saída do
mundo real. Óculos de intelectual, um jeito firme de
gesticular, sem fazer caras e bocas, nada “de tudo
no lugar”, roupas comuns, sem fendas nem decotes
ousados, muito menos lamé ou paeté. De forma
segura, ela questiona como eles poderiam ficar
naquela situação com tantas coisas acontecendo no
mundo, crise econômica, gente passando fome,
guerra e tanta tristeza. Eles param. Até então
parecia que ali não havia ouvidos moucos. Mas a
deixa foi dada, e a rapaziada entoa: “tristeezaa, por
favor vai embooora...” e as sandálias servindo de
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 39
[ Mulher e mídia ]
pandeiro ou qualquer coisa que embale. A mulher ,
desconcertada, sai de cena.
No horário nobre entre o jornal ou a novela das
oito, que começa às nove, o apresentador anuncia:
“No próximo bloco: a seca mata no sertão nor destino.
Seleção brasileira treina duro para o próximo jogo.
Logo após os comerciais.” Cena 1: Um grupo de
executivos em torno de uma mesa, de terno e
gravata, como manda o figurino. Entre eles uma bela
mulher, num tailleur sob medida. Bem clássica, séria,
cabelos presos em coque, óculos de griffe. A pergunta
é simples: “onde você gostaria de estar em cinco
anos”. O jovem executivo se imagina dirigindo um
carro potente, a última novidade do mercado de
automóveis. A seu lado, a compenetrada executiva
que o acompanha, solícita e complacente. Ele,
satisfeito, dá um leve sorriso. Cena 2: A executiva se
imagina dentro do mesmo carro, com o mesmo
homem ao volante, com uma pequena diferença, ela
no banco de trás, lendo The Wall Street Journal ou
o Herald Tribune ou coisa parecida.
Essas duas peças publicitárias podem ser vistas
não apenas com o olhar de consumidor , mas como
maneiras diferenciadas de representação da mulher
pela mídia, prevalecendo ainda a divisão do espaço
público e espaço privado; o primeiro, destinado aos
homens e o segundo, reservado às mulheres. Na
primeira peça, a mulher consciente, engajada,
questionadora, fala de uma realidade que nem todo
mundo quer ouvir , e não é levada a sério. O
protagonismo da mulher é associado a uma figura
estereotipada, chata, insistente. A segunda peça
seria a imagem da mulher competitiva que não tem
como objetivo “agarrar seu homem”, de preferência
dono de um carro luxuoso, mas em busca do
sucesso profissional. Ela quer poder.
Essas são linguagens da publicidade que se
esforçam para apreender a mulher no mundo
contemporâneo. É preciso que se faça um adendo.
Essa busca de novas expressões, de diálogo com o
público feminino, a exemplo da propaganda do
carro, se dá por causa de mudanças no mercado de
consumo. Assim como no primeiro anúncio, a
abordagem também é em função de uma fatia do
mercado que não precisaria de muita coisa, de informação,
nem de expressar desejos e sonhos de
mudar o mundo, mas apenas um par de chinelos e
“xô tristeza”.
Estereótipos em pauta
Para não tornar a publicidade a vilã da história,
ao contrário, ela retrata valores e comportamentos
da sociedade brasileira; basta que se tenha olhos
“Em alguns momentos, a
mídia elabora um discurso de
que os pequenos avanços
trouxeram mais sobrecarga
para as mulheres”
Mônica Bara
para ver e ouvidos para ouvir criticamente. Estas
várias representações da mulher permeiam todas as
mídias. Seja nas novelas, nos programas de audi tó -
rio, nos filmes, nas campanhas promocionais, na
literatura, nos livros didáticos, na música, para o
bem ou para o mal.
Estar na mídia, deixar de estar ou ficar à mar -
gem do que ela reproduz para a sociedade, traduz,
em grande parte, a escolha a priori daquilo que vale
ser midiatizado. E de que maneira o fato, o instante
ou o personagem, podem ser trabalhados? Assim
tem sido o comportamento em relação aos setores e
grupos com menos poder de pressão nestes espaços
de poder. A socióloga Mônica Bara Maia sublinha
que a relação da mídia com o feminino se dá com
40 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
base em conceitos conservadores, com raras exceções,
enfocando a mulher-mãe ou a antiga e atual
imagem da mulher-objeto. Imagens criadas ao longo
da história da civilização ocidental de dependência
da mulher, da submissão ao homem.
Mesmo quando a mídia busca avançar ao falar
da mulher, o padrão utilizado é o mesmo: a mulher
branca, magra, bela, jovem e sensual. A socióloga
cita o livro Backlash (“Recuo” em português),
bastante atual, de autoria da jornalista americana
Susan Faludi, que discute o “contra-ataque
organizado dos meios de comunicação de massa e
de determinadas instituições, na década de 1980, ao
pensamento feminista e à determinação das mulheres
na luta pela igualdade de direitos no trabalho,
na política, no lar e na sexualidade”. Ela mostra
vários efeitos do que considera “uma campanha da
mídia contra a mulher”.
Mônica Bara concorda com Faludi na interpretação
de que há uma tentativa de esvaziar , de
banalizar ou ainda penalizar as mulheres pelas
conquistas advindas da luta feminista. A abordagem
de temas em revistas femininas, como, por exemplo,
jornadas duplas ou triplas de trabalho fora e dentro
de casa, as separações cada vez mais comuns; as
exigências do mercado de trabalho, o retorno de
algumas mulheres ao lar , seriam tentativas de
redirecionamento do pensamento feminista e da
ação dos movimentos de mulheres. “Em alguns
momentos, a mídia elabora um discurso de que os
pequenos avanços trouxeram mais sobrecarga para
as mulheres”, diz a socióloga. O que a autora
denuncia é que a mídia utiliza uma “pseudociência”
para, no final das contas, dizer para a mulher que
essa revolução custa muito caro. Nesses momentos
ressurgem os chavões muito cultuados: filho de mulher
que trabalha fora de casa sofre mais que
aqueles que estão no colo da mãe, dentro de casa;
mulheres separadas, nem se fala! Coitadas! Se
esfolam para garantir o sustento da casa e dos filhos.
“São modelos muito rígidos e conservadores de representar
a mulher e nossas questões. A impressão
que passa é que chegamos onde chegamos, mas não
teríamos muitas saídas. O que não é verdadeiro.
Muito ainda está por ser feito para a emancipação
da mulher”, conclui Mônica Bara.
Preconceito e discriminação racial
Quando se trata da mulher negra a situação é
ainda mais grave, afirma Benilda Regina de Brito,
militante do Coletivo de Mulheres Negras – N´Zinga
e gestora de Educação Municipal, na região Norte
de Belo Horizonte. Ela observa que não se sente representada
da forma como as mulheres são interpretadas
pela mídia. Para Benilda Regina, prevalece
“uma herança cultural machista que prioriza o
comportamento masculino com a subserviência do
feminino”. Esta herança é reproduzida em todos os
aspectos da sociedade, em que é forte um
imaginário coletivo preconceituoso. A mulher em
ascensão é ainda um estereótipo congelado de uma
figura que tem um padrão aceitável na mídia. Entretanto,
Benilda Regina acredita que as ações
afirmativas vêm forçando alterações. Na teledramaturgia
e comerciais, por exemplo, há a
exigência de cota de participação de negros. Benilda
de Brito observa que as desigualdades ainda são
muito grandes, e o capitalismo avança mais que as
políticas públicas, na absorção dessas mudanças, em
uma lógica de reserva de mercado.
Os estereótipos, o padrão congelado da mulher
branca, bem-sucedida, magra, malhada, eterna -
mente jovem, impedem, de acordo com Benilda de
Brito, a visibilidade da mulher. Ela cita o exemplo
do senso comum, o de que a mulher é “ruim de
roda”, quando as estatísticas apontam que o número
de acidentes provocados por mulheres é menor em
relação aos causados por homens. Otimista, Benilda
de Brito acredita que, diante da força das ações
afirmativas, em que o lema é “não somos todos
iguais”, o mercado vai ter que ceder . As escolas
municipais, em Belo horizonte, de acordo com
Benilda Regina, têm buscado tratar essas questões
em sala de aula. Mas ainda é muito comum o choque
com os preconceitos, e esta é a dificuldade dos
educadores acredita que é um círculo virtuoso que
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 41
[ Mulher e mídia ]
Arquivo
tende a se expandir. A professora de jornalismo Ana
Maria Rodrigues também. Ela acredita em mu -
danças mais profundas e emancipatórias das mulheres,
inclusive as mulheres jornalistas, que
estariam galgando novos espaços dentro das
redações.
Desqualificação de gênero
A psicóloga Silvia Flores faz a defesa de que a
mídia não pode ser demonizada porque ela reproduziria
o que a sociedade é. A psicóloga diz que
mulheres desinformadas, que não querem evoluir,
existem no mundo real e não são invenções da
mídia. “Acho que hoje a mulher está sendo representada
de uma maneira mais fiel e realista que
há 20 e 30 anos. Inclusive quando é banalizada.
Porque algumas mulheres não se emanciparam, não
desejam se emancipar como indivíduo completo e
tornam-se a metade da laranja do marido. Aquela
mulher que só existe por procuração, primeiro do
pai, depois do marido”.
A psicóloga observa que a mudança na compreensão
do papel da mulher e do homem depende
da base familiar, da escola e políticas de governo.
Silvia Flores chama a atenção para o fato de serem
as mulheres a grande maioria dos educadores no
país, sendo a profissão tratada como de segundo
escalão. Isto tem a ver com a desqualificação de
gênero, finaliza Silvia.
Observa-se que no processo de construção da
identidade feminina há uma negação da mulher
como sujeito. Se nessa construção as mulheres,
além de oprimidas, são apresentadas como cúmplices,
ou compactuando com a manutenção das
formas definidoras do ser feminino e sua identidade,
a questão que se coloca é como as mulheres darão
mais um passo à frente. Para enfrentar esta
situação, o movimento feminista vem elaborando
ideias e observando o processo de construção das
notícias no Brasil. Foi identificado, em vários
estudos, que há uma forte tendência nos meios de
comunicação à negação do protagonismo da mulher.
Silvia Flores, psicóloga, defende que a mídia não pode ser demonizada, pois
reproduz a sociedade.
Isto porque esses meios operam com uma imagem
estereotipada da mulher. Entretanto, esta falha vem
sendo compensada com a utilização de mídias
alternativas, principalmente via internet pelas
organizações feministas.
A criação de um Observatório da Mulher tem
permitido o acompanhamento das lutas das mulheres
no Brasil e a leitura de contextos. As datas
comemorativas – 8 de Março, as campanhas contra
a violência doméstica, a Lei Maria da Penha, que
completou três anos –, são alguns dos momentos em
que as questões de gênero ganham espaços na
mídia. Há um fluxo e refluxo na produção midiática
relacionadas à questão da mulher, que, às vezes, é
tratada de forma equivocada, policialesca.
Em outras ocasiões elas ganham espaço em
função da personalidade em foco naquele momento.
As organizações de mulheres, portanto, empunham
bandeiras e se lançam também num processo de
negociação constante, de busca de diálogo com a
mídia, na qual está inserido um grande conflito de
interesses, para que suas ideias conquistem
corações e mentes e sejam reconhecidas como
prioridade na agenda social e política do país.f
42 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
[ Educação e gênero ]
O desafio da jornada escolar
por Denilson Cajazeiro
Dona Maria Geralda de Paula começou a estudar
tarde, muito tarde, aliás. Quando criança, morava em
uma fazenda no interior de Minas, e seus pais
queriam vê-la longe dos bancos escolares, mas perto
da roça e do fogão, para fazer queijo. Escola, para
eles, era coisa só de homens. “Meus pais achavam que
era besteira, que eu ia escrever cartas para namoradinho,
então não tive chances de estudar”, revela. Anos
depois, já casada, foi a vez de enfrentar a resistência
do marido ao demonstrar interesse pelos estudos. Ele
dizia que era besteira, que ela ficaria olhando para outros
homens na escola.
Só aos 60 anos, incentivada pelos filhos, é que
dona Maria conseguiu iniciar seus estudos, em uma
turma noturna de alfabetização de uma escola da rede
municipal de Belo Horizonte, no bairro Alto Vera Cruz,
onde mora há mais de 30 anos. Mas a convivência com
os cadernos durou apenas quatro anos. O conflito entre
gerações a levou a abandonar a escola. “Estava
gostando muito, mas os adolescentes gozavam
demais a gente. Chamavam a gente de velha, aí eu
desgostei. Eles não têm respeito por nós. Fiquei com
medo e saí”, conta dona Geralda, como é conhecida
entre as colegas. Hoje, aos 70 anos, ela é o que
estudiosos em educação chamam de analfabeto
funcional. Sabe ler e escrever, mas tem dificuldades
de compreensão de textos mais longos. “Gostaria de
ler bem, de abrir um livro e ler tudo. É o meu sonho.
Hoje sou alfabetizada, mas é uma leitura mais lenta,
simples”, comenta.
A história de do na Maria Geralda de Pau la
pode parecer isolada, mas ilustra a situação vivida por
milhares de outras mulheres país afora. Para muitas
delas, o enfrentamento dos problemas de inserção e
permanência escolar começa, geralmente, fora do
ambiente da escola. “As mulheres têm de lidar com
mais dificuldades para estar na sala de aula. Ainda hoje
é muito frequente elas terem de enfrentar a tripla
jornada e o preconceito de maridos ou da família”,
afirma a professora da Faculdade de Educação da
UFMG e pesquisadora de questões de gênero e
educação Carmem Lúcia Eiterer , ao comentar o
processo de alfabetização e escolarização de mulheres
adultas.
Dona Maria Geralda sonha em abrir um livro e ler tudo.
Segundo ela, pesquisas feitas em várias regiões
do país apontam o mesmo problema, isto é, por causa
do trabalho e de ter que cuidar da casa e da família,
a escola torna-se uma terceira jornada, que, muitas
vezes, não é cumprida. “Quando entrevistamos os
homens, é o trabalho que aparece como um problema
– como a dificuldade de conciliar o horário do
estudo com as jornadas. A casa, a família e a esposa
não vão aparecer como algo que o impeça [de
frequentar a escola]. Essa é a diferença. Quando entrevistamos
as mulheres, a primeira coisa que
aparece é a questão de gênero. Socialmente se
atribui a ela a responsabilidade exclusiva pelo lar: é
o cuidar dos filhos, a doença na família, a resistência
de familiares, do cônjuge”, aponta a pesquisadora.
Essa mesma realidade também foi observada por
Denilson Cajazeiro
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 43
[ Educação e gênero ]
Ludimila Correa Bastos, mestranda em Educação,
pesquisadora e coordenadora do Clube de mulheres
leitoras, um grupo da UFMG, formado por 12 egressas
do programa de Educação de Jovens e Adultos
(Eja) da Universidade. “Elas afirmam que voltaram
para a escola após terem criado os filhos, os netos.
Uma delas frisa que só depois que o marido faleceu
é que ela pôde voltar a estudar , pois ele não a permitia”,
conta a pesquisadora. Uma vez por semana,
elas se reúnem e debatem algum texto literário, além
de questões do cotidiano.
As pesquisadoras destacam que, em situações em
que a escola se torna uma terceira jornada, o professor
precisa ter jogo de cintura para contornar as
dificuldades. “A questão do cansaço físico, a de olhar
seus filhos, toda vez que adoece alguém em casa a mulher
tem de parar para ajudar, então ela interrompe,
entra e sai da escola... Começamos a mostrar para os
professores que são muitas as razões pelas quais o
sujeito não consegue estar na sala de aula. O professor
que trabalha com esse público precisa de ferramentas
para lidar com essa realidade”, ressalta Eiterer.f
“Só porque fui para a escola, meu marido se separou de mim. Eu falei para ele: quando
eu era criança, meu pai não me deixou estudar, agora outro homem [marido] não vai impedir.
Para meu marido e meu pai era mais importante que aprendesse a usar minhas mãos que minha
cabeça. Por que eu não fiquei usando as mãos, ou seja, lavando, passando, cozinhando,
o meu marido achou ruim e me largou com dois filhos” – Depoimento de Madalena, de 32 anos,
que está na dissertação de mestrado da pedagoga Sônia Maria Alves de Oliveira.
“Teremos uma sociedade mais educada se conseguirmos educar as mães”
Estimativas mundiais dão conta de que,
apesar de as taxas de alfabetização de mulheres
terem aumentado em quase todos os países, duas
em cada três pessoas analfabetas são mulheres, e
55% das 75 milhões de crianças que estão fora da
escola são meninas. A maior parte desse
contingente está concentrada em regiões em
desenvolvimento da África, Ásia e América Latina.
No Brasil, de acordo com um levantamento do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a
taxa de analfabetismo de mulheres brancas com 15
anos ou mais caiu, nos últimos 15 anos, de 10,8%
para 6,3%. Entre as mulheres negras, passou de
24,9% para 13,7%, no mesmo período. Já a taxa de
permanência na escola era de 7,4 anos em 2007.
O relatório da Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco) sobre a educação no século XXI apontou
para o papel estratégico da educação das mulheres
no desenvolvimento e para a correlação direta entre
o nível de educação das mulheres e a melhoria
geral da saúde e da nutrição da população, bem
como a redução da taxa de fecundidade. “As
crianças cujas mães têm baixa escolaridade têm
mais dificuldades na escola, porque quem acompanha
o trabalho escolar delas é a mãe, não é o pai.
Teremos uma sociedade mais educada se
conseguirmos educar as mães”, afirma Carmem
Lúcia Eiterer. Para a pesquisadora, a permanência
na escola de mulheres adultas que voltam a
estudar poderia ser maior caso o poder público
oferecesse locais para elas deixarem os filhos. “Se
a escola oferece um educador, garante que elas
tenham onde deixar os filhos para estarem na sala
de aula. Mas hoje isso não é uma realidade, é um
problema”.
44 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
[ Homenagem ]
Lúcia Casasanta: uma vida dedicada à educação
por Júnia Leticia
Trabalhar em prol da educação pública de
qualidade. Esta é uma das marcas deixadas pela
professora Lúcia Casasanta, nascida em Carrancas,
Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte,
em 29 de maio de 1908. No início do século XX, época
em que o estado de Minas Gerais era considerado um
dos expoentes da educação nacional, a educadora foi
uma das profissionais que mais à frente esteve
desse processo.
Especialista em metodologia da linguagem, ela
foi a principal divulgadora e defensora do Método
Global para aprendizagem da leitura. Esse método
revolucionou o processo de alfabetização, então
aplicado nas salas de aula de Minas e foi adotado como
o melhor método durante muito tempo pelas escolas.
“Lúcia teve participação importante neste sucesso.
As escolas públicas passaram a alfabetizar através do
Método Global de Contos com resultados surpreendentes”.
Desde cedo, a professora já mostrava seu amor
à educação. Segundo sua filha, Mariana Casasanta
Caiafa, aos 19 anos, quando era professora do Grupo
Escolar Barão do Rio Branco, Lúcia foi convidada pelo
então governador de Minas Gerais, Francisco Campos,
para integrar um grupo de bolsistas que seria enviado
à Columbia University. “A viagem tinha o objetivo de
estudar e conhecer o trabalho que estava sendo feito
nas escolas públicas de lá”, conta.
Na universidade, a professora especializou-se em
Metodologia da Linguagem. Ao voltar da viagem, Lúcia
e suas colegas – entre elas, Alda Lodi, uma das
fundadoras do curso de Filosofia da UFMG – fundaram
a Escola de Aperfeiçoamento. “Mais tarde, a instituição
foi transformada no curso de Administração
Escolar, com o objetivo de difundir as ideias e os
estudos que fizeram em Columbia”, acrescenta a filha
de Lúcia.
Minas Gerais, na década de 1950, nos tempos do
Curso de Administração Escolar , chegou a ser
referência em educação pública em todo o país, e
Lúcia Casasanta teve participação importante nesse
sucesso. “As escolas públicas passaram a alfabetizar
através do Método Global de Contos com resultados
surpreendentes”, completa.
De acordo com Mariana, que é diretora da
Escola Lúcia Casasanta, no bairro Serra, região Sul
da capital, a educadora foi defensora do espírito
científico na sala de aula. “A prática pedagógica deixou
de ser resultado de um ‘dom’ ou de intuição da
professora. Passou a ser planejada, resultado de
estudo e pesquisa.”
Suas alunas, tanto na Escola de Aperfeiçoamento
como no Curso de Administração Escolar, estudaram
muito, principalmente Psicologia Evolutiva e da
Aprendizagem; Desenvolvimento da Inteligência e
Didática Geral. “Praticavam o que aprendiam nas
turmas do extinto curso primário do Instituto de
Educação. Nessas turmas, assistiam e davam aulas de
demonstração, analisavam as produções das crianças,
Arquivo
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 45
[ Homenagem ]
pesquisavam soluções para alunos com dificuldade,
além de avaliar, mensurar e confrontar dados recolhidos
por meio de estatística”, enumera Mariana.
Entre as realizações de Lúcia Casasanta estão a
criação da primeira biblioteca infantil do país e da
primeira clínica para cor reção de problemas de
leitura e de linguagem em suas diversas áreas. A
professora também foi uma das fundadoras e a
primeira reitora da Universidade Estadual de Minas
Gerais (UEMG).
Dentre sua obra, um dos destaques é a famosa
série As mais belas histórias, que abrange do prélivro
ao 5º ano (antiga 4ª série do ensino fundamental).
“Baseada nos estudos e nos trabalhos junto às
turmas do Instituto de Educação, Lúcia escreveu o
pré-livro dos Três Porquinhos, amplamente utilizado
em Minas Gerais”, fala Mariana Casasanta.
Homenagens pelo centenário de
nascimento da professora
Em 2 008, p ara comemorar o c entenário d e
nascimento de Lúcia Casasanta, que faleceu em 4 de
junho de 1989, um grupo formado por suas ex-alunas
promoveu uma série de homenagens à professora. “A
UEMG dedicou seu 48° Sarau Lítero-musical a ela, a
Fundação Amae e a Assembleia Legislativa
promoveram uma sessão solene especial à sua
trajetória e a Faculdade de Educação da UFMG
promoveu uma mesa-redonda sobre a sua participação
no cenário educacional de Minas Gerais”, enumera
Mariana Casasanta.
A professora Marly Moysés Marques da Silva
Araújo, a quem se deve a criação da Comenda Lúcia
Casasanta, em 1997, quando era presidente da
Fundação Amae, ressalta a profunda influência da
professora no ensino da leitura e da escrita. “Seu
grande mérito foi despertar em suas alunas o espírito
da pesquisa e da fundamentação teórica na prática
pedagógica, motivo da posição de vanguarda, nessa
área, conquistada por Minas Gerais, naquela época.”
Também em 2008 foram inaugurados um busto
em homenagem a Lúcia Casasanta no Instituto de
Educação e o Centro de Memória da Faculdade de
Educação da UFMG. Na Associação Mineira de Letras
houve o lançamento de selo e carimbo
comemorativo; a UEMG publicou o Caderno de
Educação; a Associação das Professoras Públicas de
Minas Gerais lançou um jornal online; e na Câmara
Municipal foi entregue à família uma placa com o
registro do ato solene in memoriam à educadora. “Não
há maior glória para uma professora que a de ser lembrada
pelas suas alunas tanto tempo depois da sua
ausência”, comemora Mariana.
A presidente da Comissão do Centenário de
Nascimento de Lúcia Casasanta e ex-aluna da
professora, Lenita Ferreira de Oliveira, conta que a
ideia das comemorações surgiu a partir do lançamento
da Revista Amae Educando, com matérias sobre a
educadora. “Dona Lúcia fez um trabalho admirável.
Mas o que mais marcou sua vida foi ser professora,
e nesta função ela era extraordinária. Ela
fundamentava teoricamente suas aulas e articulava
ciência com literatura de uma maneira admirável. Foi
um exemplo e inspiração para muitas professoras.”f
Obras:
Série As mais belas histórias: composta por
seis volumes para crianças e seis manuais
para o professor
Literatura infantil: Bingo, A neta da galinha
ruiva
Métodos de ensino da leitura
46 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
[ Mulheres na política ]
BH é a única capital que tem
uma mulher na presidência da Câmara
por Saulo Martins
Arquivo pessoal
Para a presidente da Câmara Municipal de BH, Luzia Ferreira, as mulheres ainda ocupam pouco espaço na política.
Após 72 anos de história, a Câmara Municipal de
Belo Horizonte está sob a presidência de uma mulher,
a vereadora Luzia Ferreira. Em um retrospecto de 26
legislaturas, apenas 28 vereadoras assumiram uma
cadeira na Casa. De acordo com Luzia Ferreira,
embora as mulheres tenham conquistado o direito ao
voto em 1932, o poder político ainda mantém um
universo típico e erroneamente masculino. Para ela,
em pleno século XXI, as mulheres ainda são quase
unicamente eleitoras.
Nas capitais, Belo Horizonte é a única que tem
uma mulher na presidência do Legislativo. A Câmara
de Belo Horizonte conta com 41 vereadores, sendo
cinco mulheres: Neusinha Santos, Elaine Matozinhos,
Maria Lúcia Scarpelli, Pricila Teixeira e Luzia Ferreira.
Conforme lembrou a vereadora, no Brasil, de 5.558
prefeitos, apenas 505 são mulheres. Em Minas, são
853 municípios e somente 51 prefeitas. Na presidência
das câmaras municipais, entre 794 homens, somente
59 são mulheres.
Mulheres dirigem apenas 9%
das prefeituras no Brasil
No Brasil apenas 8,99% das prefeituras são
comandadas por mulheres, enquanto 91,01% estão
nas mãos dos homens. Uma das explicações para esse
fenômeno pode ser a predominância de candidaturas
do sexo masculino nas eleições. Em Roraima, na
região Norte, os eleitores de todas as 15 cidades
elegeram homens para o cargo de prefeito. Em con-
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 47
[ Mulheres na política ]
trapartida, Alagoas foi o estado que elegeu propor -
cionalmente mais mulheres, foram 20 eleitas nas 120
prefeituras. Nas regiões Sul e Sudeste, mais de 90%
dos municípios elegeram homens para governar. Os
estados do Nordeste abrigam o maior número de votos
para as mulheres.
Em 1997, houve uma alteração na lei eleitoral que
obrigou os partidos políticos a reservarem 30% de suas
vagas para candidaturas de mulheres, com o objetivo
de diminuir a distorção na participação feminina na
política. No entanto, na prática a medida ainda não
é respeitada.
Para tentar reverter esse quadro, a lei será revista
por uma comissão interministerial criada pela Secretaria
Especial de Políticas para Mulheres. A
novidade pode ficar por conta da criação de
penalidades para as legendas que desrespeitarem as
cotas destinadas às Mulheres nas câmaras federal e
municipais e nas assembleias legislativas. A revisão
da legislação pretende pôr fim à armadilha que
transformou em teto o que deveria ser piso, como
demonstra a pesquisa Mulheres sem espaço no
poder, do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
Pouca participação na política
De acordo com essa pesquisa, a pouca participação
feminina na política nacional – em torno de 12% do total
das cadeiras para deputados federais e estaduais – devese
fundamentalmente à forma como a lei foi redigida.
Para os pesquisadores, a subrrepresentação feminina
na política – as Mulheres são 51,5% do eleitorado
brasileiro – poderia ser corrigida com a adoção da
política de cotas por assento para parlamentares do
sexo feminino. Apesar de os partidos estarem obrigados
há 11 anos a destinar três de cada dez vagas a mulheres,
muitos burlam a norma por falta de punição e reservam
mais vagas a candidaturas de homens.
A cota dos 30% trouxe uma melhora no percentual
de participação de mulheres na política. Os
números saltaram de 7,4% de mulheres no total de
vereadores nas eleições de 1992 – antes da lei – para
12,7% nas eleições de 2004. Mas esse incremento não
bastou para tirar o Brasil da 142ª posição no ranking
de participação feminina nos parlamentos do mundo,
vindo atrás de países como Equador e Moçambique,
como demonstra um levantamento da União Interparlamentar.f
48 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
[ Perfil ]
Júnia Marise: exemplo
da força feminina na política
por Júnia Leticia
Governo no qual o poder e a responsabilidade
sobre os rumos de uma nação são exercidos por todos
os cidadãos, diretamente ou por intermédio dos seus
representantes livremente eleitos. Assim é o regime
democrático, que deve caracterizar-se pela parti ci -
pação política e representação social. Entretanto, a
realidade mostra outro cenário, devido ao, ainda,
pequeno número de mulheres que disputam cargos
eletivos. Em Minas Gerais, uma das mulheres que há
mais de 40 anos contribui para reverter esse quadro
é a ex-senadora Júnia Marise.
Importante personalidade que contribui para a
emancipação feminina, Júnia Marise começou bem
jovem na política. Aos 21 anos foi eleita vereadora,
cargo que ocupou durante dois mandatos (1966 a
1970 e 1970 a 1974). Ela também foi a deputada
estadual mais votada em Minas (1974 a 1978, 1979
a 1982 e 1982 a 1986) e a primeira mulher a se tornar
senadora (1991 a 1999) no país.
Entre 1987 a 1991, ela também foi vice-gover -
na dora. “Neste período, mostrei com o meu tra balho
so cial que este não era apenas um cargo decorativo.
Quando assumi interinamente o governo do Estado,
enfrentei com serenidade e responsa bi lidade as
reivindicações das professoras e do funcionalismo que
estavam em greve há 90 dias. Aten di as reivindicações
e eles puderam voltar ao trabalho. Este foi o maior
desafio de quem, no passado participava das greves
justas e reivindicatórias.” Ela também foi fundadora
e a primeira presidente do Conselho Estadual da Mulher
em Minas, durante o governo Tancredo Neves.
Júnia Marise conta que o primeiro desafio que
teve de enfrentar na vida pública foi o preconceito
contra a mulher na política. “Cheguei a encontrar um
ou outro eleitor que dizia que a mulher deveria se
preocupar mais com o lar. Quando me elegi vereadora,
diziam que eu seria uma ‘flor’ na Câmara. Provei com
minha atuação que não estava lá para embelezar o
plenário, m as p ara t rabalhar p ela c idade, p elas
regiões mais carentes”, lembra.
Nascida em uma região pobre, a Vila Oeste, em
Belo Horizonte, Júnia Marise diz que foi a pobreza que
a politizou. Segundo ela, seu mandato de vereadora
foi um marco, porque subia morros de favelas,
Júnia Marise: primeira mulher a se tornar senadora no Brasil
conversava sobre os problemas urbanos e sociais com
a população e defendia os melhoramentos e a
cidadania. “Na campanha, os adversários da antiga
Arena me chamavam de subversiva porque minha
postura de cobrança e de defensora das liberdades
democráticas incomodava.”
O trabalho desenvolvido pela política e também
jornalista, que trabalhou na Rádio Itatiaia,
Bandeirantes e no Diário de Minas, serve como exemplo
para outras pessoas. “Para as mulheres, serviu para
mostrar que temos competência para administrar ,
legislar e defender os interesses populares. Para os
homens, acho que foi uma surpresa satisfatória a minha
identidade com a cidade e a defesa da demo-
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 49
Arquivo pessoal
[ Perfil ]
cracia, no momento em que vivíamos o silêncio da
ditadura”, ressalta.
Apesar desse avanço de mentalidade, Júnia Ma -
ri se observa que a participação das mulheres na po lítica
é muito pequena. Dados do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) comprovam o que ela diz. Em 2008, enquanto
no total do eleitorado brasileiro as mulheres superam
os homens (51,8% a 48,2%), o balanço parcial do registro
de candidatos para as eleições municipais indicaram
que a participação feminina na disputa pelos cargos
eletivos representava 20,8% do total.
Ciente da importância da representatividade
feminina na política, Júnia Marise foi autora, no
Senado, do Projeto de Lei 322/95, que estipulava cotas
de 20% para mulheres em candidaturas de todas as
eleições proporcionais. “Meu objetivo era incentivar
todos os partidos, de todas as ideologias, a destinarem
cotas para as eleições proporcionais, além de incentivar
as mulheres a participar da vida pública.”
No Senado, sua atuação ficou marcada por uma
postura política e ética. “Fui contra as privatizações,
conta a reforma da Previdência, que prejudicava trabalhadores
e aposentados, líder da oposição e, além de
tantos projetos apresentados, o que incluiu o Vale do
Jequitinhonha, no Norte de Minas, na área da
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(Sudene), que foi um momento histórico para o
Estado”, enumera. O resultado de seu trabalho foi a
sua indicação, por vários anos, como uma das “100
cabeças do Congresso”.
Desafios a superar
No Brasil, a história da participação da mulher
no Parlamento tem como marco inicial a conquista
do direito ao voto, que se deu em 1932. Essa
conquista é resultado da luta contínua do movimento
sufragista – movimento social, político e econômico
de reforma, com o objetivo de estender o direito de
votar às mulheres –, que emergiu no país em 1919.
Mas apesar de o Brasil outorgar o direito ao voto às
mulheres antes de países tidos como de primeiro
mundo, como a França (1945), ainda há muito a se
conquistar.
A experiência na vida pública fez com que
Júnia Marise apontasse a disputa desigual como
principal entrave para que as mulheres participem
mais da política. “O poder econômico que influencia
nas eleições e candidatos que têm dinheiro são os
principais problemas das mulheres que, sem recursos
financeiros, não podem sustentar suas campanhas”,
sinaliza. Outro aspecto destacado por ela é a ética que
sempre norteou a dignidade das mulheres e não as
permite acordos com grupos econômicos que sempre
querem favores posteriores.
Para reverter esse quadro, a senadora fala que
o financiamento público das campanhas ajudaria as
mulheres a se engajarem mais na participação
eleitoral. Com relação aos desafios na vida pública,
Júnia Marise diz “meu primeiro desafio foi provar que
tinha competência, seriedade e honestidade para
participar da vida pública”, recorda-se.
Dentre os muitos desafios que as mulheres
ainda têm de enfrentar atualmente, Júnia Marise
aponta o enfrentamento das desigualdades sociais
como o maior deles. “Nos colocam no leque das
minorias, mas se esquecem que representamos mais
de 50% do eleitorado brasileiro e que estamos aptas
para ocupar cargos de empresárias, juízas,
desembargadoras e até ministras do Supremo”.
Segundo ela, tem havido um avanço nas conquistas,
mas as trabalhadoras ainda têm como desafio lutar
por igualdade de salários com os homens, ocupando
as mesmas funções que eles e com a mesma
graduação.f
Júnia Marise começou bem jovem na política. Aos 21 anos foi eleita vereadora,
cargo que ocupou durante dois mandatos (1966 a 1970 e 1970 a 1974). Ela também
foi a deputada estadual mais votada em Minas (1974 a 1978, 1979 a 1982 e 1982 a
1986) e a primeira mulher a se tornar senadora (1991 a 1999) no país.
50 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
[ Crônica ]
Difícil arte de ser mulher
Frei Betto
Divulgação
Cena do filme francês Ágora, dirigido por Alejandro Amenabar e estrelado por Rachel Weiz.
Hours concours em Cannes, um dos filmes de
maior sucesso no badalado festival francês foi
“Ágora”, direção de Alejandro Amenabar. A estrela
é a inglesa Rachel Weiz, premiada com o Oscar 2006
de melhor atriz coadjuvante em “O jardineiro fiel”,
dirigido por Fernando Meirelles.
Em “Ágora” ela interpreta Hipácia, única mulher
da Antiguidade a se destacar como cientista. Astrônoma,
física, matemática e filósofa, Hipácia nasceu
em 370, em Alexandria. Foi a última grande cientista
de renome a trabalhar na lendária biblioteca daquela
cidade egípcia. Na Academia de Atenas ocupou, aos
30 anos, a cadeira de Plotino. Escreveu tratados sobre
Euclides e Ptolomeu, desenvolveu um mapa de
corpos celestes e teria inventado novos modelos de
astrolábio, planisfério e hidrômetro. Neoplatônica,
Hipácia defendia a liberdade de religião e de
pensamento. Acreditava que o Universo era regido por
leis matemáticas. T ais idéias suscitaram a ira de
fundamentalistas cristãos que, em plena decadência
do Império Romano, lutavam por conquistar a
hegemonia cultural.
Em 415, instigados por Cirilo, bispo de Alexandria,
fanáticos arrastaram Hipácia a uma igreja,
esfolaram-na com cacos de cerâmica e conchas e, após
assassiná-la, atiraram o corpo a uma fogueira. Sua
morte selou, por mil anos, a estagnação da matemática
ocidental. Cirilo foi canonizado por Roma.
O filme de Amenabar é pertinente nesse
momento em que o fanatismo religioso se revigora
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 51
[ Crônica ]
mundo afora. Contudo, toca também outro tema mais
profundo: a opressão contra a mulher . Hoje, ela se
manifesta por recursos tão sofisticados que chegam
a convencer as próprias mulheres de que esse é o
caminho certo da libertação feminina.
Na sociedade capitalista, onde o lucro impera
acima de todos os valores, o padrão machista de
cultura associa erotismo e mercadoria. A isca é a
imagem estereotipada da mulher. Sua autoestima é
deslocada para o sentir -se desejada; seu corpo é
violentamente modelado segundo padrões consu mis -
tas de beleza; seus atributos físicos se tor nam onipresentes.
Onde há oferta de produtos – TV, internet,
outdoor, revista, jornal, folheto, cartaz afixado em
veículos, e o merchandising embutido em telenovelas
– o que se vê é uma profusão de seios, nádegas, lábios,
coxas etc. É o açougue virtual. Hipácia é castrada em
sua inteligência, em seus talentos e valores subjetivos,
e agora dilacerada pelas conveniências do mercado.
É sutilmente esfolada na ânsia de atingir a perfeição.
Segundo a ironia da Ciranda da bailarina, de Edu
Lobo e Chico Buarque, “Procurando bem / todo
mundo tem pereba / marca de bexiga ou vacina / e
tem piriri, tem lombriga, tem ameba / só a bailarina
que não tem”. Se tiver, será execrada pelos padrões
machistas por ser gorda, velha, sem atributos físicos
que a tornem desejável. Se abre a boca, deve falar de
emoções, nunca de valores; de fantasias, e não de
realidade; da vida privada e não da pública (política).
E aceitar ser lisonjeiramente reduzida à irracio na -
lidade analógica: “gata”, “vaca”, “avião”, “melancia”
etc.
Para evitar ser execrada, agora Hipácia deve controlar
o peso à custa de enormes sacrifícios (quem
dera destinasse aos famintos o que deixa de ingerir...),
mudar o vestuário o mais frequentemente possível,
submeter-se à cirurgia plástica por mera questão de
vaidade (e pensar que este ramo da medicina foi
criado para corrigir anomalias físicas e não para
dedicar-se a caprichos estéticos).
Toda mulher sabe: melhor que ser atraente, é
ser amada. Mas o amor é um valor anticapitalista.
Supõe solidariedade e não competitividade; partilha
e não acúmulo; doação e não possessão. E o machismo
impregnado nessa cultura voltada ao consumismo
teme a alteridade feminina. Melhor fomentar a mulher-objeto
(de consumo).
Na guerra dos sexos, historicamente é o homem
quem dita o lugar da mulher. Ele tem a posse dos bens
(patrimônio); a ela cabe o cuidado da casa (matrimônio)..
E, é claro, ela é incluída entre os bens...
Vide o tradicional costume de, no casamento, incluir
o sobrenome do marido ao nome da mulher.
No Brasil colonial, dizia-se que à mulher do senhor
de escravos era permitido sair de casa apenas
três vezes: para ser batizada, casada e enterrada....
Ainda hoje, a Hipácia interessada em matemática e
Na sociedade capitalista,
onde o lucro impera acima de
todos os valores, o padrão
machista de cultura associa
erotismo e mercadoria.
A isca é a imagem
estereotipada da mulher.
filosofia é, no mínimo, uma ameaça aos homens que
não querem compartir, e sim dominar. Eles são repletos
de vontades e parcos de inteligência, ainda que
cultos.
Se o atrativo é o que se vê, por que o espanto
ao saber que a média atual de durabilidade conjugal
no Brasil é de sete anos? Como exigir que homens se
interessem por mulheres que carecem de atributos
físicos ou quando estes são vencidos pela idade?
Pena que ainda não inventaram botox para a
alma. E nem cirurgia plástica para a subjetividade.f
Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais. Autor de 53 livros,
editados no Brasil e no exterior, tendo recebido vários prêmios.
52 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
[ Comportamento ]
Guarda compartilhada:
realidade para algumas famílias
por Júnia Leticia
Saulo Martins
Com a responsabilização conjunta, pai compartilha a guarda dos filhos
A quem compete a guarda dos filhos? Com a
aprovação da Lei nº 11.698, em 13 de junho de 2008,
tanto a mãe como o pai assumem direitos e deveres
em relação aos filhos com responsabilização conjunta.
De acordo com a lei da guarda compartilhada, as
atribuições de cada um dos pais e os períodos de
convivência são definidos pelo juiz. Pelo texto da lei,
tanto a guarda unilateral como a compartilhada
podem ser temporárias (por período específico).
Apesar de ter sido aprovada em 2008, a guarda
compartilhada já é uma realidade para algumas
famílias. Segundo dados das Estatísticas do Registro
Civil 2007, publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), no Brasil, do total de
74.880 divórcios concedidos em 1ª instância a casais
com filhos menores de idade, 2.384 cônjuges se
tornaram responsáveis pela guarda dos filhos. Entretanto,
os dados não diferenciam a guarda compartilhada
(pelo pai e pela mãe ao mesmo tempo) da
guarda alternada (ora com o pai, ora com a mãe).
A lei da guarda compartilhada nasceu da iniciativa
do fotógrafo Rodrigo Dias, de Belo Horizonte. Segundo
ele, quando se separou, em 2000, a mãe de seu filho
achou que a criança não precisava mais do pai. “Só
podia ver meu filho a cada 15 dias e não era permitido
que eu opinasse na vida dele. Então resolvi pesquisar
o tema”, conta. A partir daí, Dias fundou a Associação
Pais para Sempre. Apoiado por membros da
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 53
[ Comportamento ]
Associação, ele esboçou o projeto de lei, que foi
apresentado à Câmara dos Deputados em 2001.
Para a psicóloga, psicanalista, mestranda em
Direito Civil, terapeuta de casal e família e diretora
do Instituto Brasileiro de Direito de Família
(IBDFAM), Giselle Câmara Groeninga, o principal ganho
da nova lei é a crescente consciência da
responsabilidade de ambos, pai e mãe, na criação dos
filhos. “O que antes ficava como um direito do
genitor não guardião, o de visitas, com a nova lei, em
que a guarda compartilhada é preferencial, fica
claramente expresso como responsabilidade”, pontua.
Giselle Groeninga ressalta que a guarda compartilhada
tem um enorme valor num país em que
aproximadamente um terço dos lares contam somente
com as mães para exercer a função parental. “Os
benefícios são a possibilidade de diminuir a carga de
trabalho que costumam tomar para si, mais tempo livre
e ‘espaço’ mental, e consciência destes direitos.
Há uma crise em nossa sociedade relativa à
responsabilidade dos homens em relação à família e
aos filhos, que a nova lei tende a contribuir para
modificar”.
Entre os benefícios da Lei no 11.698, a advogada
com especialidade em Direito de Família, Djanete
Soares Pereira da Silva Melo, destaca o equilíbriona
formação da personalidade e no caráter psicossocial
da criança ou do adolescente, com influência direta
na formação do seu caráter e personalidade. “Com a
guarda compartilhada o pai e a mãe são igualmente
responsáveis pelos direitos e deveres relativos aos filhos
e decidem conjuntamente sobre a sua vida
cotidiana. Situação essa que não costuma acontecer
quando a guarda é unilateral (apenas de um dos pais),
o outro pode atribuir a responsabilidade por atitudes
negativas no filho àquele que ficou com a sua guarda.
Isso gera um desgaste emocional que, independente
da vontade, atinge a criança”.
Diferenças culturais
Mesmo já sendo aplicada com êxito em outros
países, como Inglaterra, França, Estados Unidos e
Canadá, a advogada ressalta que diferenças culturais
podem influenciar na hora de se cumprir a lei. “Há
magistrados que não comungam da guarda compartilhada”,
conta. Por isso, também visando à proteção
de crianças e adolescentes, a Comissão de Seguridade
Social e Família da Câmara Federal aprovou o
Projeto de Lei 4.053/08, que regulamenta a Síndrome
da Alienação Parental. Ela é caracterizada quando o
pai ou mãe, após a separação, leva o filho a odiar o
outro. O projeto de lei estabelece diversas punições
para a má conduta, que vão desde advertência e multa
até a perda da guarda da criança.
Desde que a Lei nº 11.698 entrou em vigor ,
Djanete Melo observa que não há muitos pedidos da
guarda compartilhada. De acordo com ela, é uma
situação cultural, relativa à posição atribuída à mulher
na sociedade. “Ou seja, a mulher não teria a
capacidade para exercer funções outras a não ser a
de ser mãe e dona de casa. E, apesar de ela provar
o contrário e ocupar espaço no mercado de trabalho
em condições de igualdade com o homem e dividir
responsabilidades, sendo às vezes a única provedora
LEI Nº 11.698, DE 13 DE JUNHO DE 2008.
“Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.
§ 1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que
o substitua (art. 1.584, § 5º) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o
exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto,
concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
54 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
da casa, delegam somente a ela a difícil missão de
educar e cuidar do filho”, acrescenta.
Para que um juiz dê a guarda dos filhos a um dos
pais, é necessário que ele ou ela tenha, além de
condições financeiras, emocionais. “Há casos em que
o pai consegue provar que a mãe não reúne essas
condições para cuidar dos filhos. Tenho uma cliente
que está requerendo a guarda compartilhada. Ela saiu
de um estado psicótico, provou que está em outro
estado emocional e, depois de ser tratada por
médicos e psicólogos, conseguiu autorização para
passar os finais de semana prolongados com os filhos”,
conta a advogada.
Responsabilidade compartilhada
A psicóloga do Serviço Social e Psicologia
Judicial da comarca de Betim e conselheira do
Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais
(CRP-MG), Ana Letícia Seiler Poelman Pinheiro,
destaca que, psicologicamente, a lei também tem um
efeito. “Para os filhos, em geral, tem reflexos positivos
por não os colocar em um lugar quase de escolha pela
mãe ou pelo pai. Eles sentem que são filhos dos dois,
que não perde um por ficar com o outro”, diz.
Conforme Ana Letícia Pinheiro, um dos
benefícios tanto para a mãe quanto para o pai, é não
perder seu lugar na vida dos filhos. “Além disso, as
crianças se sentem cuidadas por eles”, assinala. Entretanto,
ela destaca a guarda compartilhada como
uma maneira para resolver conflitos relacionados à
educação dos filhos. “Cada caso é um caso. A solução
ideal não está tanto no campo das leis, mas, sim, no
das relações entre pessoas que se separaram, e entre
pais e filhos”.
Para a psicóloga, nem o homem, nem a mulher
dão conta sozinhos do papel de provedor e educador.
“Cada um deles tem seu papel. Saiu-se do pressuposto
de que só a mulher pode cuidar dos filhos. Cada caso
tem de ser analisado e é muito importante o papel do
psicólogo nesse contexto. É ele quem vai contribuir
na decisão do juiz”, diz.
A design gráfico Carla Aquino concorda com Ana
Letícia Pinheiro. Mãe de um menino de 7 anos, ela
gostaria de que, no seu caso, a guarda fosse compartilhada.
“Acho a lei ótima. Assim as tarefas ficam bem
divididas entre o pai e a mãe e eles podem acompanhar
melhor os filhos. Além disso, não sobrecarrega
a mãe, nem os avós, que acabam tendo que ajudar
também”, completa. No seu caso, a guarda não é
compartilhada porque não houve interesse do pai da
criança.
Mãe de uma menina de 9 anos, a professora de
artes do ensino médio, Cláudia França, diz que no seu
caso a guarda ainda não é compartilhada, mas ela
procura fazer com que seja. “O ideal é que haja um
bom relacionamento entre os pais, senão pode haver
uma espécie de fogo cruzado”, diz, fazendo referência
ao comportamento que observou em alguns de seus
alunos. Segundo ela, eles ficam com o pai, por
exemplo, até quando lhes convém. Caso queiram fazer
algo que ele não deixe, recorrem à mãe.f
Giselle Groeninga destaca a importância da guarda compartilhada num país
onde um terço dos lares contam só com as mães
Arquivo
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 55
[ Direitos da Mulher ]
Lei amplia licença-maternidade
por Saulo Martins
Com quase um ano de vigência, a lei que estabe -
le ce a licença-maternidade de seis meses ainda não foi
efetivamente implantada pela iniciativa privada. O
benefício só entrará em vigor em 2010, porque a
previsão de gastos com a mudança não foi incluída no
orçamento da União para 2009. Hoje, a concessão vale
apenas para as funcionárias de empresas privadas e
servidoras públicas federais.
A licença-maternidade é um benefício reconhe cido
pela Organização Internacional do T rabalho (OIT)
desde 1921. O período de licença e a remune ração para
as mães trabalhadoras diferem em cada país. Na
Argentina, por exemplo, a licença é de 12 semanas, com
remuneração. Já nos Estados Unidos, a licença é por três
meses, mas as trabalhadoras não são remu ne radas.
Atendendo a uma reivindicação das trabalhadoras
brasileiras e dos movimentos sociais, foi criado, por meio
da Lei 11.770, o Programa Empresa Cidadã. A iniciativa,
sancionada pelo presidente Lula, em setembro de
2008, propõe, em caráter facultativo, que as empresas
prorroguem o período da licença-maternidade de suas
funcionárias de 120, conforme está na Constituição de
1988, para 180 dias. A medida também vale para todas
as mulheres que adotam crianças. Nestes casos, porém,
seu período de licença varia de 30 a 120 dias,
dependendo da idade do filho adotado. Trabalhadoras
autônomas e empregadas domésticas, até o momento,
não têm o mesmo direito.
Conforme a Lei, o empresário que aderir ao programa
poderá deduzir integralmente do Imposto de
Renda Pessoa Jurídica a remuneração da funcionária
referente aos dois meses de ampliação da licença. Além
disso, não vão incidir os impostos: patronal, de 20%, nem
o Seguro Social (INSS) sobre o valor bruto do salário.
É necessário que o empregador faça a adesão ao Programa
Empresa Cidadã para que a mãe possa pedir a
prorrogação do benefício. O pedido deve ser feito no
primeiro mês após o parto. A mãe continuará a receber
integralmente o salário, sendo que os 120 primeiros dias
serão pagos pela Previdência Social e os outros 60, pela
empresa onde ela trabalha.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde
(OMS), o aleitamento materno ajuda a reduzir o risco
de desenvolvimento de tumores de mama e de ovário,
por isso a amamentação é recomendada pelo tempo
Campanha publicitária do Ministério da Saúde
mínimo de seis meses. O aumento do tempo de
afastamento do trabalho é uma das maneiras de garantir
que as mulheres cumpram essa recomendação. “Como
podemos amamentar por seis meses, se temos que voltar
a trabalhar antes?”, indaga a professora universitária
Joana Ferreira do Amaral.
Segundo a professora, a ampli ação da licença
pode contribuir para a saúde do bebê e da mãe, que terá
mais tempo para aumentar seus vínculos afetivos e cuidar
da criança. Joana teve a sua licença concedida a partir
de dezembro de 2008 entretanto, foram apenas quatro
meses de afastamento da escola. Para ela, 60 dias a mais
representariam um enorme ganho emocional para a
relação entre mãe e filho.
Desde 2005, a Sociedade Brasileira de Pediatria
realiza uma campanha permanente em defesa da
prorrogação da licença. Nesse período, diversos estados
e municípios já aderiram à medida. Um levantamento,
de março de 2009, aponta que 108 municípios brasileiros
e 14 estados, além do Distrito Federal, transformaram
em leis locais a licença-maternidade de 180 dias para as
servidoras.f
56 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
[ Poucas e boas ]
Obama aprova lei que beneficia as mulheres
por Saulo Martins
Ao assinar a sua primeira lei como presidente dos
Estados Unidos, o presidente Barack Obama ampliou
as garantias jurídicas para que as mulheres exijam
equiparação salarial em relação aos homens que
ocupam o mesmo cargo. O nome da lei, Lilly Ledbetter,
homenageia uma mulher do Alabama, que trabalhou
por 19 anos como supervisora de uma fábrica de pneus
e diz ter sido discriminada em relação aos colegas do
sexo oposto. Hoje, com 70 anos, Lilly descobriu,
pouco antes de se aposentar , que ganhava muito
menos do que homens na mesma função. Inicialmente,
um júri condenou a empresa em que ela trabalhava a
pagar a diferença salarial, mas a decisão foi revertida
em 2007 pela Suprema Corte. O Congresso tentou
aprovar uma lei que invalidaria a decisão da Suprema
Corte, mas a Casa Branca do ex-presidente George W.
Bush se opôs. No entanto, o novo Congresso, sob o
comando de Obama, aprovou o texto.
“Faz muito sentido que a primeira lei que eu
assino – a Lei Lilly Ledbetter de Pagamento Justo –
assegure um dos primeiros princípios deste país: que
todos somos criados iguais e merecemos uma chance
de perseguir nossa própria versão da felicidade”, afirma
o presidente, em janeiro deste ano, ao assinar a lei.
A primeira dama Michelle Obama disse, na
ocasião, que a lei simboliza seu compromisso e o do
presidente em garantir que sejam aprovadas políticas
para “ajudar mulheres e homens a equilibrar o
trabalho e as obrigações familiares sem colocar seus
empregos ou segurança financeira em risco. O
pagamento igualitário é uma prioridade crucial para
mulheres de todas as raças e etnias, idosas, jovens,
mulheres com deficiências e suas famílias”, afirmou.f
Agência Estado
Futuro pai terá estabilidade
A Comissão de Constituição e Justiça e de Ci da -
dania da Câmara aprovou, no dia 4 de dezembro de
2008, em caráter conclusivo, o projeto de lei do de -
putado Arlindo Chinaglia (PT-SP) que proíbe a dis -
pensa arbitrária ou sem justa causa do trabalhador
cuja mulher ou companheira esteja grávida, durante
o período de 12 meses. Esse período será contado a
partir da concepção presumida, comprovada por laudo
de médico vinculado ao SUS. Conforme o projeto, o
empregador que des res peitar a norma está sujeito à
multa equivalente a 18 meses de remuneração do empregado.
O projeto não se aplica ao trabalhador contratado
por tempo determinado, que poderá ser
dispensado se o prazo de seu contrato terminar antes
que se complete o período de 12 meses. O projeto
deve ser aprovado pelo Senado, para entrar em
vigor.f
Direito das mulheres pode virar
disciplina no ensino médio
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara
Federal (CCJ) aprovou, no dia 10 de março de 2009,
o projeto de lei que determina a inclusão de disciplina
sobre conscientização dos direitos das mulheres nos
currículos escolares do ensino médio de escolas públicas
e privadas. A proposta, de autoria da deputada
Alice Portugal (PCdoB-BA), foi aprovada por
unanimidade e deverá ser levada a votação no
plenário. Segundo o relator do projeto, deputado
Flávio Dino (PCdoB-PE), a matéria é um importante
passo para a redução de desigualdades e injustiças
cometidas por causa de preconceito de gênero. “A
educação representa caminho central para o pleno
respeito aos direitos humanos”, afirmou o relator, na
ocasião. O projeto deve ser aprovado pelo Senado,
para entrar em vigor.f
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 57
[ Publicações ]
Dicionário de
Escritoras Portuguesas
Conceição Flores; Constância Lima
Duarte e Zenóbia Collares Moreira
Este Dicionário de Escritoras
Portuguesas reúne cerca de duas
mil escritoras nascidas do século
XV à contemporaneidade,
dispostas em ordem alfabética do
primeiro nome. Estão aí, desde
princesas, infantas, damas da corte, religiosas e
burguesas, até ilustres plebéias e desconhecidas.
Algumas fizeram da escrita uma profissão; outras
foram apenas diletantes da palavra. O Dicionário
abriga portuguesas nascidas no Brasil, nas antigas
colônias da África, nos Açores, na Madeira, em
Portugal continental e até algumas que, nascidas no
estrangeiro, fizeram de Portugal a sua pátria ou,
nascidas em Portugal, se fixaram no estrangeiro e publicaram
em língua portuguesa.
Editora Mulheres (2009)
Mulheres em letras:
antologia de escritoras
mineiras.
Constância Lima Duarte
O presente livro resgata algu -
mas escritoras do século XIX e
se dedica especialmente às do
século XX, chegando às contem -
poraníssimas como Conceição
Evaristo, Maria Esther Maciel e
Ana Maria Gonçalves entre outras. A organizadora,
Constância Lima Duarte, se tem especializado nes -
sas buscas detetivescas nos porões da literatura
brasileira, salvando do esquecimento inúmeras escritoras.
Deve-se a ela o ressurgimento da potiguar
Nísia Floresta. Mas há ainda muito trabalho a ser
feito. Este livro vem preencher uma lacuna em
nossos estudos e, muito importante, sugerir novos
nomes para novos trabalhos de análise, fortificando
o resgate efetuado.
Editora Mulheres (2009)
Só para mulheres
A publicação dá prosseguimen to
ao resgate da obra jornalística de
Clarice Lispector, iniciado em
2006, com o livro Correio feminino.
Esta nova coletânea – organizada
por Aparecida Maria Nu nes,
doutora em literatura brasileira
pela USP – recupera as colunas
femininas assinadas pela escritora
sob os pseudônimos de Tereza Quadros e
Helen Palmer, e como ghost-writer da atriz Ilka
Soares, para o tablóide Comício e os jornais Correio
da Manhã e Diário da Noite, nas décadas de 50 e 60.
Uma verdadeira viagem ao tempo em que o dito “sexo
frágil” tinha como sua única função ser a “rainha do
lar”.
Olga.
Fernando Morais
Editora Companhia das
Letras (1987)
Esta Imponderável Mulher
Jô Moraes
Editora Maza (2000)
Editora Rocco (2008)
58 ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
Publicações eletrônicas
Mulher e Trabalho
http://www.seade.gov.br/produtos/mulher/in
dex.php?bole=04
Revista Estudos Feministas
http://www.cfh.ufsc.br/~ref/
Doidas E Santas
Martha Medeiros
L&PM Editores (2008).
A Razão da Minha Vida
Evita Perón
Editora Revisão (1999)
Cadernos Pagú
http://www.pagu.unicamp.br/
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde
da Mulher - Princípios e Diretrizes
http://conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/2007/politica_mulher.pdf
Revista Presença da Mulher e Revista Princípios
http://www.anitagaribaldi.com.br/loja/
As Faces do Feminismo
Loreta Valadares
Editora Anita Garibaldi
(2007)
Indicação de filmes
II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
http://www.11conferenciadh.com.br/arquivos/deliberacoes/2plano_pol_mulheres.pdf
A Hora da Estrela (Brasil, 1985, 96 min.)
Direção: Suzana Amaral
Carlota Joaquina (Brasil, 1995, 100 min.)
Direção: Carla Camurati
Dona Flor e seus Dois Maridos (Brasil, 1976, 120 min.)
Direção: Bruno Barreto
Eternamente Pagú (Brasil, 1987, 101min.)
Direção: Norma Bengell
Olga (Brasil, 2004, 141 min.)
Direção: Jayme Monjardim
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009 59
[ Retrato ]
Mark Florest
Mulher, negra e sertaneja. A pernambucana Vanete Almeida atualmente é coordenadora da Rede LAC (Rede de Mulheres Rurais da América
Latina e Caribe). Seu trabalho com mulheres rurais começou em 1980, quando saía de casa de madr ugada e andava cerca de 30 quilômetros de
carona para conscientizar mulheres de seus direitos, quebrando séculos de repressão.
60
ELAS POR ELAS - AGOSTO DE 2009
A Bela e a Fera
Deram-me um nome, um sobrenome,
Um código de barra, um número,
Um cartão magnético, uma senha,
Um batom, um esmalte,
Um vestido e um sonho...
Mark Florest
(Moldaram-me subordinada...)
Adquiri um codinome, fundei outra
linhagem,
Decifrei o código, troquei o número,
Perdi o cartão, esqueci a senha...
(E mantive-me acordada...)
Com o batom, que era vermelho,
Fiz poemas cubistas no espelho
E, como não deram-me pincel nem
tela,
Com o esmalte, fiz aquarelas
(Ilusionistas, impressionistas,
surrealistas e amarelas...)
Quanto ao vestido azul-turquesa,
Para provar que não sou sua,
Rasguei e fiz uma “Tereza”
E eis-me livre... e leve... e nua...
Deram-me uma estrada ... e era
torta...
Deram-me uma porta... e era
fechada...
Porém, saltei pela janela
E desviei a minha rota!...
IVONE MENDES
eeeeeeee
SINDICATO DOS PROFESSORES DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Rua Jaime Gomes, 198 - Floresta - Belo Horizonte/MG - CEP: 31.015-240
Fone: (31) 3115 3000 - www.sinprominas.org.br
Filiado à Fitee, Contee e CUT