Elas por elas 2008
A revista sobre gênero Elas por Elas foi criada, em 2007, com o objetivo de dar voz às mulheres e incentivar a luta pela emancipação feminina. A revista enfatiza as questões de gênero e todos os temas que perpassam por esse viés. Elas por Elas traz reportagens sobre mulheres que vivenciam histórias de superação e incentivam outras a serem protagonistas das mudanças, num processo de transformação da sociedade. A revista aborda temas políticos, comportamentais, históricos, culturais, ambientais, literatura, educação, entre outros, para reflexão sobre a história de luta de mulheres que vivem realidades diversas.
A revista sobre gênero Elas por Elas foi criada, em 2007, com o objetivo de dar voz às mulheres e incentivar a luta pela emancipação feminina. A revista enfatiza as questões de gênero e todos os temas que perpassam por esse viés. Elas por Elas traz reportagens sobre mulheres que vivenciam histórias de superação e incentivam outras a serem protagonistas das mudanças, num processo de transformação da sociedade. A revista aborda temas políticos, comportamentais, históricos, culturais, ambientais, literatura, educação, entre outros, para reflexão sobre a história de luta de mulheres que vivem realidades diversas.
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SINDICATO DOS PROFESSORES DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Filiado à Fitee, Contee e CTB
www.sinpromg.org.br - junho de 2008 - Número 02
Que nada nos defina.
Que nada nos sujeite.
Que a liberdade seja a
”
nossa própria substância.
“Simone de Beauvoir
[ Conteúdo ]
Mês da Mulher
Comemorações culturais e manifestações
pela redução da jornada
de trabalho
página 5
Mulheres na Política
Após 80 anos da conquista do voto
feminino, mulheres buscam ocupar
mais espaço na vida política
página 7
Mulheres na História
Heroínas nacionais podem ser
reconhecidas oficialmente
página 12
Entrevista
No centenário de nascimento
de Simone de Beauvoir, a professora
Sandra Azeredo faz
uma análise do pensamento da
feminista
página 31
Educação
Projeto quer incluir questões de
gênero no currículo escolar
página 35
página 35
Educação
“Telas do Feminino”
incentiva o uso do
cinema como instrumento
em sala de aula
página 36
Violência Doméstica
Mulheres agredidas buscam proteção
da Lei Maria da Penha
página 14
Direitos das Mulheres
20 anos da Constituição Cidadã
página 18
Sistema Prisional
Situação das mulheres nas cadeias
públicas é pior que a dos homens
página 21
Artigo
Tráfico de mulheres: uma reflexão
inicial
Por Elizabeth Mateus
página 25
Cinema
O documentarista Eduardo
Coutinho fala sobre o filme
Jogo de Cena
página 38
Música
Grupos com formação feminina
agitam a noite na capital
página 40
Ensaio
A interdição ao abortamento
voluntário: criminalização e
desobediência civil
Por Fátima Oliveira
página 44
Mulher e Trabalho
CTB: nova central sindical quer dar
ênfase às questões de gênero
página 28
Seções
Livros página 42
Serviço página 43
Perfil página 49
Retrato página 50
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008 3
[ Expediente ]
Departamento de Comunicação:
Diretores responsáveis:
Aerton de Paulo Silva (licenciado) e Marco Eliel dos Santos
Jornalista responsável/Editora:
Débora Junqueira (MG 05150JP)
Jornalistas:
Denilson Cajazeiro (MG 09943JP)
Cecília Alvim (MG 09287JP)
Programação visual: Mark Florest
Estagiário: Saulo Martins
Revisão: Aerton de Paulo Silva e Tomaz Nogueira
Foto Capa: Agênce France Presse
Conselho Editorial:
Lavínia Rodrigues, Terezinha Avelar, Marilda Silva, Carla Fenícia, Liliane Salun Moreira, Cláudia
Pessoa, Clarice Barreto, Ana Maria Prestes, Nádia Maria Barbosa
Impressão:
Tiragem: 2.000 exemplares
Distribuição gratuita: Circulação dirigida
E-mail: Diretoria: sinprominas@sinprominas.org.br
SINDICATO DOS PROFESSORES DO ESTADO DE MINAS GERAIS
SEDE: Rua Jaime Gomes, 198 - Floresta - CEP: 31015.240
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136 - Bairro dos Professores - CEP: 35.170-015 - Fone: (31) 3841.2098 - coronelfabriciano@sinprominas.org.br.
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Júnior, Valéria Chiode Perpétuo, Rui da Silva Sales.
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de Oliveira, Altamir Fernandes de Sousa, Alzira dos Reis Silva, Ana Paola de Morais Amorim Valente, Andrea
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do Nascimento Mateus, Elmindo de Rezende, Eni de Faria Sena, Eudson Carlos Souza Magalhães, Eustáquio
Vieira da Silva, Evangelina Sena Fulgêncio Jardim, Fábio Alex Lopes de Almeida, Fabio dos Santos Pereira,
Fátima Amaral Ramalho, Flávio Correa de Andrade, George Rafael Lima Souza Maia, Gilberto Alves da Cunha,
Heleno Célio Soares, Humberto de Castro Passarelli, Iara Prestes Stoessel, Jandira Aparecida Alves de Rezende,
Jones Righi de Campos, José Alves Pereira, José Armando Borges, José Carlos Padilha Arêas, José Flávio Perpétuo,
Josiana Pacheco Silva Martins, Juliana Maria Almeida do Carmo, Júnia Aparecida Rios Barcelos, Liliani
Salum Alves Moreira, Luiz Antônio da Silva, Marcos Paulo da Silva, Marcos Vinicius Araújo, Maria Cézar Ferreira
Barbosa, Maria da Conceição Miranda, Maria da Glória Moyle Dias, Maria de Lourdes Coelho, Maria Eliane
Serafim de Andrade, Maria Esperança Amat Dutra, Maria Helena Pereira Barbosa, Maria Irene Pereira Vale,
Maria Julieta Martins de Albuquerque, Mario César Mota II, Mark Alan Junho Song, Mateus Júlio de Freitas,
Matilde Agero Batista, Maurício Krieger Amorim, Miguel José de Souza, Miriam Fátima dos Santos, Mozart
Silvério Soares, Murilo Ferreira da Silva, Nacib Rachid Lauar, Nalbar Alves Rocha, Nardeli da Conceição Silva,
Natália Pereira Chagas, Nelson Luiz Ribeiro da Silva, Newton Pereira de Souza (licenciado), Onofre Martins
de Abreu, Osvaldo Sena Guimarães, Patrícia Pi nheiro de Souza, Paulo Augusto Malta Moreira, Paulo César
Reis Cardoso de Mello, Pitágoras Santana Fernandes, Regina Célia de Aquino Xavier, Renato Sérgio Pereira
Pina, Rita Simone Oliveira e Silva, Rodrigo Ferreira Queiroz, Rodrigo Salera Mesquita, Romário Lopes da Rocha,
Rossana Abbiati Spacek, Rozana Maris Silva Faro, Sandra Lucia Magri, Sérgio Luiz da Costa, Valéria Peres
Morato Gonçalves (licenciada), Wagner Ribeiro, Welber Salvador Zóffoli, Zeuman de Oliveira e Silva.
Os artigos assinados não expressam necessariamente a opinião do Sinpro Minas. É permitida a reprodução
desde que citada a fonte.
A luta das mulheres é
de toda a sociedade
O segundo número da Revista Elas por Elas
chega com o desafio de superar o sucesso da
primeira edição, publicada em 2007. A discussão
sobre gênero é de suma importância, mas ainda está
relegada às parcas publicações existentes. A intenção
do Sinpro Minas é ampliar este espaço de debates
e contribuir com a divulgação de informações,
pesquisas e opiniões sobre o tema.
Estamos em mais um ano eleitoral, após 80
anos da conquista do primeiro voto feminino. Já
passa da hora de as mulheres ocuparem, em
condições de igualdade, os espaços da vida política,
tema este que destacamos em matéria especial.
A publicação também traz uma reportagem
sobre a luta incansável dos movimentos de mulheres
durante a Constituinte. Vinte anos após a promulgação
da Constituição Federal, muitos foram os
avanços obtidos. Recentemente, as vitórias foram
ampliadas pelo Novo Código Civil, no qual se determina
que o poder familiar cabe tanto ao marido
quanto à esposa, assim como a criação de juizados
especiais de atendimento a casos de violência contra
a mulher, garantidos na Lei Maria da Penha. O
desafio agora é a implementação de fato dessa lei,
bem como de outras políticas públicas de gênero.
No movimento sindical, a novidade fica por
conta da criação da CTB (Central dos Trabalhadores
e Trabalhadoras do Brasil), que traz no nome uma
preocupação com as questões de gênero. A luta
emancipacionista da mulher integra as lutas gerais
da sociedade e não está fragmentada, como querem
aqueles que desconsideram a luta de classes.
E, como não poderia deixar de ser, a nossa revista
está repleta de cultura e educação, sempre
com uma abordagem sob a ótica de gênero.
Boa leitura!
4 ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
[ Mês da Mulher ]
Mulheres de Minas:
cultura, participação política e atitude
Mark Florest
Mulheres se unem à luta pela redução da jornada sem redução de salário
“É uma conquista que a gente tem que lembrar,
a mulher vir para a rua manifestar suas opiniões, ocupar
espaços políticos, falar de sua luta por um país que tenha
lugar para todas nós, trabalhadoras”. Foi assim que
Bebela Ramos, coordenadora estadual da União
Brasileira de Mulheres (UBM), se referiu à importância
do Dia Internacional das Mulheres durante as
manifestações do 8 de março de 2008 em Belo
Horizonte. Na ocasião, além dos protestos pela
legalização do aborto e por maior participação feminina
na política, as mulheres se uniram aos homens em um
ato a favor da campanha nacional pela redução da
jornada de trabalho, sem redução de salários.
Pela proposta da Central dos Trabalhadores e
Trabalhadoras do Brasil (CTB) e das demais centrais
sindicais, a jornada deve ser reduzida, inicialmente, de
44 para 40 horas semanais, o que geraria cerca de 2,2
milhões de empregos, segundo estudo elaborado pelo
Dieese. “Essa luta é para garantir mais empregos e para
proporcionar à mulher, que já tem dupla jornada de
trabalho, tempo para o descanso e o lazer”, destacou
Gilson Reis, presidente do Sinpro Minas e da CTB Minas.
Não só no Dia Internacional das Mulheres,
como em todos os outros dias do ano, é preciso expressar
solidariedade a todas as mulheres do mundo
em luta por uma vida melhor. Segundo Bebela, o 8
de março deste ano foi marcado pela solidariedade
das brasileiras especialmente às mulheres
equatorianas. Isso porque elas também sofreram os
impactos da invasão do governo colombiano de Álvaro
Uribe, ao território do Equador, que ocasionou a
morte de 17 pessoas, enquanto dormiam, no dia 1º
de março. “A mulher que já sofre a discriminação de
gênero, sofre também pelas conseqüências da expansão
do imperialismo estadunidense no mundo”,
observou.
Outro motivo de protestos em 2008 foi pelo fim
da violência contra as mulheres. Para Neusa Melo, da
Articulação das Mulheres Brasileiras e da Rede
Feminista de Saúde, é urgente que todas as pessoas,
onde quer que estejam, tomem consciência de que
a violência de gênero é inaceitável, e, por isso, não
deve ser banalizada, mas denunciada e resolvida
prontamente. “A violência contra a mulher é uma
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008 5
[ Mês da Mulher ]
epidemia, é muito real. O Estado ainda tem pouca
capacidade de lidar com isso. Portanto, é importante
que cada um faça a sua parte”, destacou.
Elas vão às ruas,
ao teatro, ao cinema
Atividades culturais e debates também mar caram
as comemorações do mês da mulher no Sinpro
Minas, em 2008. Em BH, os(as) profes sores(as)
puderam assistir gratuitamente à peça teatral Mulheres
de Hollanda, e a filmes com a temática da mulher,
na reinauguração do Cineclube Joaquim Pedro
de Andrade.
No dia 4 de março, os professores assistiram ao
filme As Horas, que foi seguido de debate com a
doutora em Lingüística e Filologia e professora da
UFMG, Vera Menezes. No dia 18 de março, foi a vez
do filme A Excêntrica Família de Antônia,
comentado pela pós-doutora em Educação e
professora da UNA, Lucília Machado.
Em Divinópolis, a regional do Sinpro Minas,
através da diretora Valéria Morato, debateu temas
como a saúde da mulher, educação não-sexista e os
espaços públicos de atendimento à mulher em programas
diários durante a semana da Mulher na
Rádio Minas.
Meia-entrada
Nos dias 14, 15 e 16 de março, o sindicato
convidou os professores para assistirem ao espetáculo
teatral Mulheres de Hollanda, no Teatro da Cidade.
Com direção de Pedro Paulo Cava, o musical,
baseado na obra poética e dramática de Chico
Buarque de Holanda, apresenta 14 atrizes e dois
atores, que interpretam mais de 100 personagens de
obras como Gota D' água, Calabar, Ópera do
Malandro e Roda-Viva.
Após a última exibição do espetáculo, no dia 16,
o Sinpro Minas assinou um convênio com o Teatro da
Cidade, que garante a meia-entrada aos professores
nos espetáculos do produtor Pedro Paulo Cava,
mediante a apresentação da carteira de sindicalizado.f
Cineclube é novo
espaço de cultura
para as mulheres
O Cineclube Joaquim Pedro de Andrade
é um dos espaços do Centro de Referência dos
Professores da Rede Privada (Sinpro Cerp),
que fica situado na rua Tupinambás, 179/14º
andar, no Centro de Belo Horizonte.
O nome do Cineclube é uma homenagem
a Joaquim Pedro de Andrade, um dos expoentes
do movimento Cinema Novo, ao lado
de Glauber Rocha, Nélson Pereira dos Santos,
entre outros. Cineasta interessado nos 'becos'
da sociedade e nos seres que ela produz, seu
primeiro filme como diretor foi o curta-metragem
O Poeta do castelo e o mestre de
Apipucos, e sua produção mais conhecida é
Macunaíma, de 1969. Seu último projeto foi
Casa Grande, Senzala & Cia., baseado na
obra do sociólogo Gilberto Freire, do qual
deixou somente o roteiro.
Sessões de cinema comentado sobre
diferentes temáticas continuam acontecendo
mensalmente, e a entrada é gratuita. Acompanhe
a programação do Cineclube através do
portal: www.sinprominas.org.br
6 ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
[ Mulheres na política ]
80 anos do voto feminino no Brasil
Em ano eleitoral, mulheres exercem direito conquistado através
da coragem e da luta das brasileiras no século XX
Luiz Alves/Agência Câmara
No Congresso Nacional, as mulheres ocupam somente 10% das cadeiras, embora as mulheres representem 51% do eleitorado
Em 2008, milhares de brasileiras irão às urnas
escolher as(os) vereadoras(es) e prefeitas(os) que
vão, respectivamente, fazer as leis e governar os
mais de 5.500 municípios brasileiros. Em cada
cidade, há muito a ser feito para que mulheres e
homens vivam com mais dignidade e esperança.
Para isso, cada eleitora precisa exercer o direito ao
voto para escolher bem os rumos que quer dar para
a sua vida e a de sua gente.
O ato de votar, hoje, tão comum para as
brasileiras, na verdade, só se tornou possível através
da luta das mulheres de outros tempos. Em fins do
século 19 e início do 20, em vários lugares do
mundo, as mulheres se organizaram para obter o
direito ao voto. No Brasil, o Rio Grande do Norte foi
o primeiro estado a conceder o voto às mulheres,
através do projeto de lei de autoria do deputado
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
Juvenal Lamartine de Faria, que foi aprovado pelo
legislativo estadual. Entrava em vigor a Lei 660, de
25 de outubro de 1927, com a emenda: “Regular o
Serviço Eleitoral do Estado”, sancionada pelo então
governador, José Augusto Bezerra de Menezes.
No dia 25 de novembro de 1927, a professora,
juíza de futebol, mulher atuante em Mossoró, Celina
Guimarães Viana, deu entrada a uma petição na qual
requeria a sua inclusão no rol dos eleitores do Rio
Grande do Norte. Decidido o seu caso, ela enviou um
telegrama de apelo ao presidente do Senado Federal
para que todas as compatriotas obtivessem o mesmo
direito. Celina e Júlia Barbosa, professora da cidade
de Natal, foram as duas primeiras mulheres a se
alistarem como eleitoras no Brasil. A atitude corajosa
dessas mulheres abriu caminho para o sufrágio
feminino e para a igualdade política no país.
7
[ Mulheres na política ]
Votar e ser votada
Apesar de ter sido um avanço, a Comissão de
Poderes do Senado Federal, em 1928, ao analisar as
eleições realizadas no Rio de Grande do Norte no
ano anterior, requereu a anulação do voto de Celina
e de outras 15 eleitoras, sob a alegação da
necessidade de uma lei especial a respeito.
Só em 1932 o voto feminino foi definitivamente
conquistado no Brasil, após uma campanha nacional
que estendia o direito às mulheres. Através do Decreto
21.076, de 24 de fevereiro de 1932, foi instituído
o Código Eleitoral Brasileiro. O artigo 2
disciplinava que era eleitor o cidadão maior de 21
anos, sem distinção de sexo, alistado na forma do
código. Entretanto, não eram todas as mulheres que
podiam votar, somente as casadas (com permissão
dos maridos), as viúvas e as solteiras que tivessem
renda própria. Após grande pressão popular, essas
restrições foram eliminadas do Código Eleitoral,
embora a obrigatoriedade do voto fosse um dever
masculino. Somente em 1946, a obrigatoriedade foi
estendida às mulheres.
Homens com mais de 60 anos e as mulheres em
qualquer idade podiam isentar-se de qualquer
obrigação ou serviço de natureza eleitoral. A partir
de 1932, no entanto, o alistamento eleitoral feminino
foi realizado em todo o país. Em alguns estados, o
número de mulheres que havia se inscrito ficou
aquém do esperado. Em 3 de maio de 1933, na
eleição para a Assembléia Nacional Constituinte, a
mulher brasileira pela primeira vez, em âmbito,
nacional, votaria e seria votada. A primeira deputada
eleita foi a médica paulista Carlota Pereira de
Queiroz, que havia se notabilizado como voluntária
na assistência aos feridos durante a Revolução
Constitucionalista de 1932. Ela foi reeleita em 1934.
Em julho de 1936, tomou posse a segunda
deputada brasileira, a bióloga e advogada Bertha
Lutz, presidente da Federação Brasileira pelo Progresso
Feminino. Uma representante classista,
Almerinda Farias Gama, foi indicada pelo Sindicato
dos Datilógrafos e Taquígrafos e pela Federação do
Trabalho do Distrito Federal para a Câmara Federal.
Várias outras mulheres foram eleitas a partir de
então.
Elton Bonfim/Agência Câmara
Mulheres ocuparam o plenário da Câmara dos Deputados na sessão solene, realizada em 19/11/2007, que homenageou os 80 anos do primeiro voto feminino no país
8
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
Políticas feitas
por elas para elas
Tanto as mulheres que votaram quanto as que
foram votadas protagonizaram muitas lutas e
conquistas no cenário político nacional ao longo do
século 20. Um desses embates mais recentes foi o
que garantiu às mulheres brasileiras a participação
efetiva nas eleições, obrigando os partidos políticos
a apresentarem em suas chapas proporcionais a cota
mínima de 30% de candidatas, segundo a Lei
Eleitoral 9504, de 1997. Essa determinação, porém,
não garante a eleição dessa proporção de mulheres.
Apesar da representação feminina ainda ser
reduzida em relação à masculina, cada vez mais as
mulheres ocupam cargos públicos no país. Embora
as mulheres brasileiras representem 51,5% do
eleitorado, no Congresso Nacional elas representam
menos de 10% dos parlamentares. “A superação
deste quadro é fundamental para o fortalecimento
da democracia em nosso país”, alerta a deputada
federal Manuela D’ávila (PCdoB). Segundo ela,
tradicionalmente, as parlamentares se dedicavam
mais às pautas ligadas à família. “A bancada
feminina tem superado esse estigma e participado
do debate de vários temas importantes para o país,
como desenvolvimento, infra-estrutura e política
energética”, destaca.
Hoje, 80 anos após o primeiro voto feminino, as
brasileiras sabem, mais do que nunca, que é preciso
ocupar os espaços de poder para que as conquistas
femininas se ampliem ainda mais. Para Manuela, as
mulheres que ocupam cargos públicos no país têm
um importante papel a desempenhar nesse cenário,
pois devem enfrentar antigos problemas que ainda
persistem e incomodam. “Sabemos que a violência
doméstica ainda existe, que o mercado paga salários
diferentes, que o trabalho doméstico ainda é visto
como uma atividade exclusivamente feminina. Nós
temos a responsabilidade de lutar contra esses problemas,
gerindo a máquina pública de forma
eficiente e voltada para os interesses da população”,
observa.
A deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), que presidiu a mesa da sessão,
lamentou que o Senado tenha cancelado os votos femininos de 1927
Elas no poder
As mulheres representam mais da metade da
população brasileira. Quase três milhões a mais do
que homens segundo o último censo do IBGE. No
entanto, entre os candidatos que disputaram cargos
nas eleições em 2006, elas eram menos de 14%. Em
nove estados — Acre, Amazonas, Amapá, Espírito
Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina,
Sergipe e Tocantins — nenhuma mulher se
candidatou ao governo. No Distrito Federal e em outros
cinco estados — Bahia, Espírito Santo, Paraíba,
Piauí e Rondônia — só homens disputaram vagas
para o Senado.
Segundo a professora Lia Zanotta, diretora da
organização não-governamental Ações em Gênero,
Cidadania e Desenvolvimento, em depoimento à
Agência Brasil, a pequena participação se deve à
idéia de que o homem deve atuar no espaço público
e a mulher deve ficar restrita às atividades privadas.
“É como se elas valessem menos. Isso tem a ver com
questões internas dos partidos e com a idéia, contra
a qual lutamos, de que mulher não faz política”.
Lia Zanotta acredita também que, depois de tanto
tempo da conquista do voto feminino, as mulheres já
deveriam ocupar mais espaço na vida política.
Elton Bonfim/Agência Câmara
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
9
[ Mulheres na política ]
Aprender para ensinar
Para Hercília Levy, presidente do Movimento
Popular da Mulher de Belo Horizonte(MPM), uma
das principais lutas das mulheres brasileiras nos dias
atuais deve ser ampliar a participação feminina na
política. “Não podemos ficar na periferia das
decisões. Temos que ocupar os diversos níveis de
poder para que possamos implementar verdadeiras
políticas públicas para as mulheres”, alega.
Segundo Hercília, ainda há muito preconceito
quanto à participação feminina. “Muitas dizem que de -
testam política, mas, muitas vezes, falta interesse e
compreensão. As mulheres precisam conhecer para
participar. Eu luto porque acredito”, destaca Hercília,
que há mais de 30 anos participa de movimentos
feministas. Ela destaca, ainda, que os professores e
professoras têm o desafio de trabalhar junto às
crianças, adolescentes e jovens para que tenham consciência
de como a política é importante para a vida de
todos. “Ainda há precon ceito nas escolas. É preciso
desconstruir isso, aprender para ensinar”, afirma.
Em 2008, com as eleições para prefeituras e
câmaras de vereadores em todo o país, abre-se mais
uma oportunidade para as mulheres exercerem o
direito, conquistado há quase um século, de
votarem, se candidatarem e serem eleitas. “Pre ci -
samos disputar os espaços de poder, para batalhar
por políticas públicas que melhorem a vida das mulheres”,
assegura Hercília Levy.
10 ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
Câmara exibe programa Mulheres no Parlamento
Toda segunda, às 22h, a TV Câmara exibe o
programa Mulheres no Parlamento, que discute a realidade
do país e a pauta do Congresso sob a ótica da
bancada feminina na Câmara, que hoje conta com
46 deputadas. É possível assistir ao programa da semana
e aos anteriores via parabólica, operadoras de
TV a cabo e pela Internet através do site
http://www2.camara.gov.br/tv, onde há também informações
sobre como sintonizar o canal em todo o
país.
Nos últimos programas, temas como prosti tuição,
recuperação de presas, profissão babá e
descriminalização do aborto foram o centro do debate
entre lideranças femininas e deputadas
federais. O programa especial em comemoração ao
Dia Internacional da Mulher reuniu 14 deputadas e
integrantes de movimentos sociais, de defesa dos
Direitos Humanos e dos direitos das mulheres para
fazer um panorama da situação da mulher brasileira:
na sociedade, na política, na família. Elas discutiram
os avanços da lei, a pouca participação na política, a
violência e a condição das mulheres nos presídios
brasileiros.
Segundo o portal da Câmara, a luta das mulheres
pela equalização de seus direitos perante os
homens é uma das mais perfeitas traduções do
processo de democratização da sociedade brasileira.
“Do esforço das sufragistas nos séculos XIX e XX, à
ocupação de posições de liderança na iniciativa privada,
a luta pelo reconhecimento dos direitos femininos
guarda a essência republicana e civilizatória”,
destaca o portal.f
Quando as
mulheres
conquistaram o
direito ao voto
no mundo
1893 - Nova Zelândia
1902 - Austrália
1906 - Finlândia
1917 - URSS
1918 - Inglaterra
1920 - Estados Unidos
1929 - Equador
1932 - Brasil
1947 - Argentina
1971 - Suiça
2006 - Kuwait
Cartaz soviético comemora o direito de voto das mulheres,
uma das primeiras medidas da Revolução de 1917.
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008 11
[ Mulheres na história ]
Heroínas nacionais:
mulheres que fizeram história
Considerados bravos e fortes, os homens
reinam absolutos na historiografia mundial. Os livros
de História estão cheios de detalhes sobre esses
heróis. Diferentemente, as mulheres ficam relegadas
ao segundo plano, mesmo com um currículo que
lhes confere coragem e bravura maior do que muitos
homens reconhecidos como heróis.
Para se ter uma idéia, o Livro dos Heróis da
Pátria, obra que fica depositada no Panteão da
Liberdade e da Democracia, na Praça dos Três
Poderes, em Brasília, não registra a história de nenhuma
heroína brasileira. Inclusive, tramita na
Câmara dos Deputados um projeto de lei para
alterar o nome da obra, incluindo-se o termo
“Heroínas da Pátria”. E as primeiras mulheres a
figurarem como heroínas poderão ser a baiana Maria
Quitéria de Jesus, primeira mulher a lutar nas batalhas
pela Independência do Brasil, e a catarinense
Anita Garibaldi.
A inclusão do nome de Maria Quitéria de Jesus,
considerada a Joana D'arc brasileira, faz parte do
Projeto de Lei 1474/07, do deputado Leandro Vilela
(PMDB-GO). O Projeto já foi aprovado pela
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania
da Câmara dos Deputados e tramita em caráter conclusivo
antes de seguir para análise do Senado.f
Anita Garibaldi (1821-1849)
Admirada no Brasil
e idolatrada na Itália,
onde morreu, a jovem
pobre de Laguna-SC,
Ana Maria de Jesus
Ribeiro tornou-se Anita
Gari baldi, após unir-se,
em 1839, ao revolu cio -
nário Giuse ppe Gari -
baldi, com quem teve
quatro filhos. Garibaldi
era um exilado político
italiano que se associara aos Farrapos. Em nome da
liberdade e da justiça, Anita foi soldado, enfer -
meira, esposa e mãe e ficou conhecida como a
"Heroína dos Dois Mundos". Teve contato com os
rebeldes responsáveis pela Revolução Farroupilha,
que lutaram de 1835 a 1845 pela criação da República
Rio-Grandense, unidade que pretendiam autônoma
em relação ao Império Brasileiro.
Nas justificativas dos projetos destaca-se a
importância de Anita por ter participado bravamente
dos combates, rompendo preconceitos e estigmas.
Sua atuação nos movimentos em favor da liberdade
wikimedia
a coloca na história da América Latina e da Europa,
sendo homenageada e respeitada nos lugares onde
lutou além do Brasil, como Uruguai, França e Itália.
O senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), relator
dos projetos de lei com o objetivo de incluir o nome
de Anita Garibaldi no Livro das Heroínas da Pátria,
deu parecer favorável à proposição (PLS 237/07)
protocolada em maio de 2007 pela senadora Serys
Slhessarenko (PT-MT). A senadora sugere que a inscrição
do nome seja feita em 4 de agosto de 2009, data
em que serão registrados 160 anos de aniversário de
morte da homenageada, que faleceu aos 28 anos de
idade. Os projetos estão prontos para votação na
Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE), onde
tramitam em conjunto.
Heroínas nacionais não faltam. Aliás, sempre
existiram. Seja em combates históricos ou nas batalhas
do dia-a-dia para criar seus filhos, vencer as
dificuldades da vida e do trabalho dentro e fora de
casa. Famosas ou anônimas, mesmo que a historiografia
tradicional prefira não destacar seus feitos, as
mulheres têm história. Ela só precisa ser reescrita,
valorizando-se a contribuição feminina na formação
da sociedade.
12 ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
Maria Quitéria (1792-1853)
Cortou o cabelo,
comprimiu os seios com
tiras de pano, vestiu a
farda de um cunhado e
alistou-se com o nome
dele (José Cordeiro de
Medeiros) no Regimento
de Artilharia para lutar
pela expulsão dos por -
tugueses e indepen dência
da Bahia.
Foi descoberta e
transferida para o Batalhão
dos Periquitos. Destacou-se por sua bravura e
foi condecorada com a insígnia dos Cavaleiros da
Imperial Ordem do Cruzeiro e é a patrono do Quadro
Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro.
Maria Quitéria é chamada heroína da independência.
Era uma mulher bonita, que montava, caçava,
manejava armas de fogo e dançava lundus com os escravos.
Apesar do pioneirismo da sertaneja baiana,
somente em 1992 as mulheres foram aceitas no
Exército, mas até hoje não podem participar
efetivamente das batalhas.
Ana Néri (1814-1880)
Pioneira na enferma -
gem em campo de batalha,
nasceu na Bahia. Quando
a Guerra do Pa ra guai
começou, em dezembro
de 1864, ela morava em
Salvador com três filhos.
Em 8 de agosto de 1865,
enviou ofício ao presi -
dente da província ofere -
cendo-se para trabalhar
como enfer meira na
guerra. Alegava dois motivos: atenuar o sofrimento
dos que lutavam pela defesa da pátria e estar junto
aos filhos, que já se achavam na frente de batalha. Ana
não esperou a resposta e embarcou junto com o
exército de voluntários em 13 de agosto de 1865.
Joana Angélica de Jesus (1761-1822)
Abadessa do Con ven -
to de Nossa Senhora da
Conceição da Lapa, em
Salvador, é considerada
mártir da independência
da Bahia. Em 1822, os
brasileiros lutavam contra
as tropas portuguesas, que
não concordavam com a
ruptura com a Corte. Os
soldados cometiam excessos,
invadiam casas de
famílias e pretendiam entrar
no convento. Joana Angélica ordenou às monjas
que fugissem pelo quintal, foi assassinada a golpes de
baioneta. Surgiu assim a primeira mártir da luta, conhecida
como a Revolta da Bahia, encerrada em 2 de
Julho de 1823.
Em vários episódios, as mulheres
tiveram atuação importante.
Algumas delas enfatizadas aqui,
sem contar aquelas que se
destacaram mais recentemente e
poderiam figurar numa lista
interminável de mulheres heroínas.
No endereço:
http://www.revistazap.hpgvip.ig.com.br/mulheres_guerreiras.htm, é
possível acessar a biografia de outras mulheres que se destacaram
nas lutas por ideais libertários no país e no mundo.
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008 13
[ Violência doméstica ]
Mulher agredida pede socorro
Débora Junqueira
A promotora Laís Silveira acredita que cabe ao poder público e judiciário dar uma resposta mais dura aos agressores de mulheres
Um fato inusitado ocorreu durante o Seminário
Internacional sobre Violência Doméstica, realizado em
março de 2008, no auditório da Associação dos
Magistrados do Ministério Público, em Belo Horizonte.
No meio da Conferência de abertura do evento entrou
uma moça desesperada, dizendo que precisava
falar. Mostrava hematomas pelo corpo, que dizia
serem marcas da agressão física praticada por seu
companheiro e pedia aos prantos ajuda da platéia
consternada. Tentaram dissuadi-la, mas a pedido do
público, deixaram que a interrupção prosseguisse e
que o drama da moça fosse contado até o fim.
Atormentada, a jovem revelou os detalhes das
agressões, que ocorriam por motivos banais, como
vestir uma camiseta que deixava seus ombros de fora,
ou quando se atrasava para chegar em casa na volta
do trabalho. Relatou que por diversas vezes chamou
a polícia, mas nada foi feito. Quando pela última vez
alguém da platéia se ofereceu para ajudá-la. Ela
respondeu: “agora é tarde, eu já morri”, deixando
14
todos perplexos. E revelou que era uma atriz representando
a história que antecedeu o assassinato
de uma jovem vítima da violência doméstica.
O episódio retratado foi marcante e serviu para
a reflexão proposta no Seminário sobre a necessidade
de se efetivarem os mecanismos de proteção às mulheres
antes que se tornem vítimas fatais da violência
doméstica. O Seminário, promovido pela Promotoria
de Justiça de Defesa da Mulher, especializada no
combate à violência doméstica, pelo Centro de
Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf), teve
como destaque discussões sobre a atuação da Justiça
e os desafios para a efetivação da Lei n º 11.340,
batizada de Maria da Penha. A avaliação é de que a
lei contra a violência doméstica, aprovada em 7 de
agosto de 2006, representou avanços para a
configuração de novos procedimentos democráticos
de acesso da mulher à Justiça. Também trouxe
maior visibilidade ao problema da violência de
gênero, com a ampliação do debate sobre o tema.
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
Uma resposta mais dura
aos agressores
Conforme foi lembrado durante o Seminário, a
Lei Maria da Penha é a única, no seu primeiro
artigo, a citar as leis que permitiram a sua criação.
Mesmo assim, ainda há quem se manifeste pela inconstitucionalidade
da mesma. Para a promotora Laís
Maria Costa Silveira, da Promotoria de Justiça em
Defesa da Mulher, estes questionamentos contra a lei
já estão superados. Ela não concorda com a crítica
de que a lei desencoraja as mulheres a denunciarem,
por temerem a prisão dos agressores, com os quais
elas têm um laço afetivo. “Pelo grande número de
denúncias que chegam à Promotoria, posso afirmar
que, na hora do aperto, a mulher agredida pede
socorro”. Segundo ela, cabe ao poder público e
judiciário dar uma resposta mais dura aos agressores
e que as mudanças trazidas pela nova legislação cumprirão
este papel.
Um dos avanços da Lei Maria da Penha são as
medidas que asseguram proteção à vítima com o
propósito de afastar o agressor do lar, impedir que ele
se aproxime da mulher e dos filhos e estabelece a
obrigação da pensão alimentícia. No entanto, para que
a Lei seja realmente efetivada é preciso que se exija
a criação de maior número de Juizados Especiais da
Mulher. Medida que, embora prevista em lei, não tem
prazo para ser implementada em todo o país. Antes
da Lei Maria da Penha, os casos de violência
doméstica contra a mulher eram atendidos pelos
Juizados Especiais Criminais (Justiça comum), que
atendiam as demandas de forma simplificada. “Na
maioria das vezes, já na audiência de conciliação, a
mulher era induzida a desistir da ação e a atuação da
Justiça acabava sendo banalizada”, explica Laís. A expectativa
é que os Juizados Especiais da Mulher
propiciem a existência de juízes com maior
sensibilidade e conhecimento sobre a dinâmica das
relações familiares. Pois, segundo ela, às vezes, a
violência doméstica ocorre de forma velada e sutil,
persistindo por muitos anos, antes que o caso vá parar
na Justiça.
A professora Elizabeth Mateus, diretora do Sinpro
Minas, também participou do Seminário Internacional.
Em sua opinião, muitas vezes, falta aos
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
operadores da Justiça o entendimento de que o problema
da violência doméstica deve ser analisado,
considerando-se a exata noção de gênero. “Por trás
da agressão às mulheres há uma concepção machista
da sociedade que nos impõe um papel de submissão,
o que contribui para as desigualdades entre homens
e mulheres”, afirma. O ideal é que a vítima de
violência doméstica seja acolhida por uma equipe interdisciplinar,
conte com apoio do Ministério Público
e seja acompanhada por um defensor. Todos,
devidamente capacitados, para garantir-lhe a
segurança de que não desfruta no lar.f
Acesso à proteção
O Ministério Público de Minas Gerais,
através da Promotoria de Justiça Especializada
de Combate à Violência Doméstica e Familiar
Contra a Mulher, atende as vítimas, acompanha
os inquéritos policiais e processos judiciais, para
que sejam garantidas as medidas protetivas. Da
denúncia à condenação do agressor, a
Promotoria tenta acompanhar todo o processo.
Criada em 20 de setembro de 2006, com o
objetivo de atender o crescimento da demanda
após a criação da Lei Maria da Penha, a Pro -
motoria já registrou mais de 10 mil pro ce -
dimentos, que não representam neces -
sariamente ocorrências. Para a promotora Laís
Silveira, há um número muito alto de casos de
violência contra a mulher em Minas. E, muitos
deles, graves. “Às vezes, vou para a casa,
pensando se a mulher que eu atendi hoje
estará viva amanhã”, diz.
Na Promotoria, que funciona na rua Ouro
Preto, 703, no Barro Preto, em Belo Horizonte,
há atendimento direto, onde são feitos encaminhamentos
judiciais e extrajudiciais para a
proteção da vítima.
Telefone de contato: (31) 3337-6996.
15
[ Violência doméstica ]
O que mudou com a Lei n º 11.340/06 - Maria da Penha
Como era
Não existia lei específica sobre a violência
doméstica contra a mulher.
Não tratava das relações de pessoas do
mesmo sexo.
Aplicava a Lei dos Juizados Especiais
Criminais para os casos de violência doméstica.
Estes juizados julgam os crimes com pena até
dois anos (menor potencial ofensivo).
Permitia a aplicação de penas pecuniárias
como as de cestas básicas e multa.
A mulher podia desistir da denúncia na delegacia.
A lei não utilizava a prisão em flagrante do
agressor.
Não previa a prisão preventiva para os crimes
de violência doméstica.
A mulher vítima de violência doméstica,
em geral, ia desacompanhada de advogado
ou defensor público nas audiências.
A pena para o crime de violência doméstica
era de 6 meses a 1 ano.
A violência doméstica contra mulher portadora
de deficiência não aumentava a
pena.
Hoje
Tipifica e define a violência doméstica e
familiar contra a mulher.
Determina que a violência doméstica contra
a mulher independe de orientação sexual.
Retira dos Juizados Especiais Criminais a
competência para julgar os crimes de violência
doméstica contra a mulher.
Proíbe a aplicação dessas penas.
A mulher somente poderá renunciar perante
o juiz.
Possibilita a prisão em flagrante.
Altera o Código de Processo Penal para
possibilitar ao juiz a decretação da prisão
preventiva quando houver riscos à integridade
física.
A mulher deverá estar acompanhada de
advogado ou defensor em todos os atos
processuais.
A pena do crime de violência doméstica
passará a ser de 3 meses a 3 anos.
Se a violência doméstica for cometida contra
mulher portadora de deficiência, a pena
será aumentada em 1/3.
Fonte: Revista Mátria - Março / 07
16 ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
Maria da Penha
Letra de autoria do músico cearense Tião Simpatia,
em homenagem à Lei Maria da Penha. A música, em ritmo de baião,
é sucesso nas rádios nordestinas.
Pro sujeito valentão a coisa ficou
feia
A lei Maria da Penha não é moleza
não
Vai valentão
Ainda bate em mulher
Se ela te denunciar
Vai direto pra prisão
Se liga, meu irmão
Que tem marra
Que tem grana
Que tem pinta de bacana
Tira onda de machão
Vai gostosão
Ainda bate em mulher
O remédio que tu quer é algema e
camburão
Maria da Penha
Amada
Odiada
Sofreu, foi humilhada
E quase assassinada
Guerreira incansável
Sua arma é a Justiça
Seu lema é o amor
Justiça, justiça
Seu lema é o amor
Viva Maria da Penha
Mulheres do Brasil
Direito e liberdade é o nosso desafio
Viva! Viva! Mulheres do Brasil
A Lei Maria da Penha está com mais de mil
Mulheres do Brasil
Se bater agora leva
É xadrez pra mais de mil
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008 17
[ Direitos das mulheres ]
Luta das mulheres foi decisiva
para garantir direitos na Constituição
Carlos Avelim
A deputada federal Jô Moraes foi uma das protagonistas em Minas na luta pelos direitos das mulheres na assembléia pró-constituinte
Em meados da década de 80, mulheres de todo
o país não economizaram esforços para garantir que
a Constituição Federal de 1988 contemplasse os
direitos buscados pelo movimento feminista. Em uma
campanha nacional, com início em 1985, organizada
pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
(CNDM) e que recebeu o nome de “Constituinte para
valer tem que ter direito da mulher”, elas ampliaram
o debate na sociedade sobre o assunto.
“Elaboramos uma grande campanha, com a
participação de mulheres de todo o país, entidades
sindicais e associações profissionais, e recolhemos
propostas para serem incluídas na Constituição
Federal. Não eram demandas de gabinetes, mas sim
das mulheres do Brasil. Foi uma construção democrática,
participativa e nacional”, lembra a socióloga
e cientista política Jacqueline Pitanguy, ex-presidente
da CNDM (1986-89) e atual diretora da organização
não-governamental Cidadania, Estudo, Pesquisa,
Informação e Ação (Cepia).
Em 1986, um ano após o início da campanha,
mais de três mil mulheres participaram de um
grande evento em Brasília, chamado “Os Direitos da
Mulher para a Constituinte”, que contou com a
participação de Hortensia Bussi, viúva de Salvador
Allende, além de várias outras figuras importantes do
cenário político. Após examinarem as propostas
recolhidas Brasil afora, elas elaboraram a “Carta das
Mulheres Brasileiras aos Constituintes”, um
documento que contemplava as principais
reivindicações do movimento feminista na época. “Na
ocasião, eu era presidente do CNDM e, em companhia
das demais conselheiras, entregamos, durante
uma solenidade formal, essa carta ao Ulysses
18 ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
Guimarães, então presidente do Congresso Nacional”,
lembra Jacqueline. Ao mesmo tempo, a carta foi entregue
aos presidentes das Assembléias Legislativas.
Lobby do batom
Foi a partir daí que começou um trabalho quase
diário com os parlamentares, que ficou conhecido
como “lobby do batom”. Articuladas com a bancada
feminina, dezenas de lideranças feministas passaram
a circular pelos corredores do Congresso e visitar
gabinetes de senadores e deputados, para pressionálos
a aprovarem as propostas. Quando um assunto de
interesse das mulheres estava sendo discutido no
Senado ou na Câmara, o movimento ampliava o debate
“O fato de as instituições
assumirem abertamente
a existência da
discriminação contribuiu
para tirar a mulher do
gueto que antes ela se
encontrava”,
Jô Moraes
com peças publicitárias, veiculadas em emissoras de
rádio e televisão, em outdoors e encartes de jornais.
“Uma das peças da época exibia a imagem de uma mulher,
andando em uma corda bamba, sem nenhum
apoio, seguida da mensagem: 'essa é a vida das mulheres
em termos de trabalho e família’. Foi uma
campanha dentro do Congresso, mas também teve o
objetivo de educar e despertar a consciência da
sociedade”, afirma Jacqueline. Segundo ela, das
cerca de 112 emendas enviadas ao Congresso
Nacional, entre 1986 e 1988, cerca de 80% foram in-
cluídas na nova Constituição.
A conselheira do Movimento Popular da Mulher
(MPM), Gilse Cosenza, participou, na época, de uma
caravana rumo a Brasília, para pressionar os
parlamentares a incluírem na Constituição as
propostas do movimento feminista. Em meados da
década de 80, Gilse foi uma das fundadoras do Centro
Popular da Mulher no Ceará. “Tivemos um
embate enorme com juristas e setores mais
conservadores, que não aceitavam que as mulheres
conquistassem mais espaços na sociedade.
Telefonamos para as mulheres e filhas de
parlamentares. Alguns disseram que mudaram o voto
em função da pressão das mulheres da família. A luta
foi grande, e a vitória, imensa”, recorda-se Gilse, que,
atualmente, também faz parte da coordenação do
Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta
pela Paz (Cebrapaz).
Segundo a deputada federal Jô Moraes, Minas
foi um estado onde o movimento feminista se
mobilizou bastante. “Houve, em 1987, um grande
encontro pró-constituinte, na Faculdade de Medicina
da UFMG, que reuniu mais de 400 mulheres de
diversos municípios mineiros”, ressalta. “O fato
concreto foi que, a partir da Constituição, abriu-se
um espaço para que leis infraconstitucionais fossem
ampliando o leque de proteção legal da mulher”,
afirma a parlamentar.
Entre as garantias alcançadas, a ex-presidente
do CNDM destaca a igualdade de homens e mulheres
na sociedade conjugal, em termos de direitos e
responsabilidades, e o dispositivo constitucional
que trata do planejamento familiar. “Até então, no
casamento, o homem é quem era o chefe de família.
No caso, por exemplo, de falecimento do casal, eram
os avós paternos que tinham preferência na hora de
assumir a guarda dos filhos”, aponta. Gilse ressalta
também a ampliação da licença maternidade de três
para quatro meses, o direito das mulheres presidiárias
de amamentar, o direito de propriedade da terra para
as mulheres rurais, o reconhecimento de que cabe ao
Estado realizar políticas públicas para coibir a discriminação
no mercado de trabalho e a violência no
âmbito das relações intrafamiliares.
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008 19
[ Direitos das mulheres ]
Participação do Sinpro Minas
Em novembro de 1987, as diretoras do Sinpro
Minas, Lavínia Rosa, Elizabeth Mateus e Maria da
Conceição Miranda também participaram de um
encontro, em Brasília, que aprofundou o debate
visando uma Constituição mais igualitária em termos
de gênero. Durante três dias, cerca de 470 mulheres,
representando as mais diversas categorias
profissionais, discutiram no “I Encontro Nacional A
Mulher e as Leis Trabalhistas” temas como jornada
de trabalho, condições de trabalho e saúde, direitos
da reprodução, garantia de emprego, a situação das
trabalhadoras domésticas e rurais, entre outros.
Dali saíram diversas resoluções que ajudaram na
elaboração dos dispositivos previstos na Constituição.
Atualmente, passados 20 anos da promulgação
da Constituição Federal, o movimento feminista faz
um exame do saldo dessa luta. Para Jacqueline,
algumas áreas apresentaram avanços, mas a caminhada
rumo a uma realidade mais igualitária ainda é
longa. “Depois de uma luta muito grande,
conquistamos a Lei Maria da Penha [sancionada em
2006]. Dezoito anos depois da Constituição, temos
uma legislação muito boa. A pergunta que fica é:
'quanto tempo vai demorar para que a lei pegue
efetivamente?'”, questiona Jacqueline. Para Gilse, o
desafio que vem sendo enfrentado nesses anos é o de
transformar o que está escrito na Constituição em
normas a serem cumpridas. “Ainda encontramos
barreiras, mas conquistamos vitórias importantes”.
Jô Moraes também compartilha da mesma opinião:
“há uma enorme distância entre a lei e a vida real das
mulheres. Mas o fato de as instituições assumirem
abertamente a existência da discriminação contribui
para tirar a mulher do gueto que antes ela se
encontrava”. Para que o movimento feminista obtenha
mais conquistas, a deputada defende a maior
participação das mulheres na política. “Apesar desses
avanços constitucionais, a distância entre a mulher
e o poder ainda é muito grande, impedindo que a
sociedade absorva as nossas contribuições”.f
Arquivo Sinpro Minas
Elizabeth Mateus, Lavínia Rosa e Conceição Miranda, em 1987, participam do I Encontro Nacional Mulher e as Leis Trabalhistas, por uma constituição mais igualitária
20 ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
[ Sistema prisional ]
Mulheres encarceradas
Uma realidade des-velada
Mark Florest
Gilciléia Campos, atualmente em liberdade condicional, está dentro do perfil das mulheres presas no país
Não é novidade para ninguém que o sistema
prisional brasileiro é caótico, principalmente no que
diz respeito aos direitos humanos dos detentos. No
entanto, a situação das mulheres presas ainda é pior
que a dos homens, conforme relatos da Comissão
Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário, instaurada
em 22 de agosto de 2007, na Câmara
Federal, para investigar os problemas nas cadeias e
presídios públicos.
De acordo com dados do Departamento
Penitenciário Nacional (Depen), divulgados em
dezembro de 2007, 6% da população carcerária
nacional são mulheres, ou seja, cerca de 25.900
detentas no País. Número que duplicou no Brasil nos
últimos dois anos e quadruplicou em Minas. O perfil
das presas brasileiras é de jovens entre 20 e 35 anos
de idade, chefes de família, com mais de dois filhos,
baixa escolaridade, em posições de menor prestígio
social e que cometeram delitos de menor gravidade.
O número de detentas cresce a cada dia, e as
cadeias públicas não têm estrutura adequada para
recebê-las. Direitos como amamentação e creches
nem sempre são garantidos. Também são constantes
as denúncias de superlotação, abusos sexuais
e maus tratos. O de maior repercussão foi o caso da
menina L., de 15 anos, presa numa cela com 20
homens, durante 26 dias, no Pará, que era obrigada
a fazer sexo em troca de comida.
Abusos são freqüentes
Em audiência pública promovida pela CPI, a
coordenadora nacional da Pastoral Carcerária na
Questão Feminina, Heidi Cerneka, destacou que casos
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008 21
[ Sistema prisional ]
como o da adolescente paraense ocorrem há anos no
país sem que as autoridades tomem providências. Ela
também relatou que em Minas havia 14 menores e 16
mulheres dentro de uma cadeia masculina. Os presos
ficavam em setores separados, mas a porta estava
sempre aberta, o que facilitava idas e vindas dos
homens.
Este ano também foi divulgado que a polícia investiga
as circunstâncias sobre a gravidez da
adolescente que ficou presa dez meses numa cadeia
em Pedra Azul no Vale do Jequitinhonha. A família
da menor acusa um detento de estupro. Segundo a
juíza da Infância e da Juventude de Belo Horizonte,
Valéria Rodrigues, em depoimento ao Jornal Estado
de Minas (21/02/08), esse é um caso de negligência
do estado. Ela ressalta que o Estatuto da Criança e
do Adolescente existe há 18 anos, mas ainda hoje os
jovens, em vez de terem a integridade física
preservada, são tratados como objetos.
Um relatório produzido por entidades brasileiras
de defesa das mulheres entregue, em março de 2007,
à OEA (Organização dos Estados Americanos)
aponta situações de abuso e violência contra presas
em pelo menos cinco estados: Mato Grosso do Sul,
Bahia, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Rio de
Janeiro. O documento sugere que, por falta de
dados oficiais, os problemas não podem ser limitados
a esses estados. E destaca que as presas não estão
livres de abuso mesmo onde há separação de gênero
por celas. Os dados do documento são de 2006.
Além da Pastoral Carcerária Nacional, participam
da elaboração do relatório o Centro de Justiça e
Direito Internacional e o Grupo de Estudos e Trabalho
de Mulheres Encarceradas. As entidades fazem
referência ao fato de, às vezes, as detentas serem
obrigadas a fazer sexo com os presos ou com
funcionários das unidades prisionais em troca de
benefícios, como denunciado no caso da menina L.
“As mulheres que sofrem violência sexual ou trocam
relações sexuais por benefícios e privilégios não
denunciam os agressores por medo, uma vez que vão
seguir sob tutela de seus algozes”, diz trecho do
relatório.
Pesquisa com detentas mostra um
quadro desumano
Muitas presas se arrependem de seus crimes
depois que vão parar atrás das grades. Algumas dizem
ter agido por amor e solidariedade ao companheiro
criminoso que, na maior parte dos casos, são
traficantes de drogas. “As mulheres vão parar na
prisão por amor”, arrisca sem medo o professor
Virgílio de Mattos, um dos organizadores do livro A
Legibilidade do Ilegível, uma coletânea de textos
escritos pelas presas no Complexo Penitenciário
Feminino Estevão Pinto, na região Leste de Belo
Horizonte.
Virgílio é professor de criminologia na Escola
Superior Dom Helder Câmara, onde coordena o Grupo
de Estudos sobre Violência, Criminalidade e Direitos
Humanos. Desde 2004, quando iniciou um trabalho
com seus alunos de iniciação científica, ele acompanha
a realidade das presas que têm entre 18 e 68 anos,
mas que ele prefere denominar de “meninas da
carceragem”. Os dados sobre a primeira fase da
pesquisa, que teve a duração de doze meses, foram
publicados em um artigo intitulado A Visibilidade
do Invisível, resultado de um trabalho de campo no
antigo “Depósito de Presos” de Belo Horizonte,
unidade prisional feminina do Departamento de Investigação
da Polícia Civil de Belo Horizonte.
Professor Virgílio: mulheres vão para a prisão por amor
Débora Junqueira
22
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
Miséria humana
Ele descreve que no primeiro contato havia uma
inacreditável superlotação, com 144 “meninas” em
oito celas. Na segunda visita, o número havia caído
para 45 presas. As condições de encarceramento
seguiam o traço comum em muitas outras como
umidade, baixa luminosidade e circulação de ar,
impossibilidade de banho de sol, doenças de pele e
precariedade. Conforme define é a miséria humana
em estado bruto.
É interessante destacar alguns dados da
pesquisa como o de que uma parcela significativa
(44%) das detentas vem de outras cidades, o que
pode significar uma relação direta com migração de
cidades menores em busca do mito “melhores
condições de trabalho na capital”. Quase dois
terços das entrevistadas trabalhavam quando dos
fatos que deram origem à prisão. A maioria é
solteira, com filhos, cuja criação quase sempre fica
a cargo das avós. Apesar dos baixos rendimentos
(60% ganhavam até dois salários mínimos) e da baixa
escolaridade (37% não completaram o ensino
fundamental), mais da metade das presidiárias
sustentava a casa antes de serem presas. Outro dado
significativo é que o tráfico de drogas representa 50%
do tipo de delito cometido.
O professor Virgílio destaca que quase sempre
os pais das crianças abandonam as presas, antes ou
durante o cumprimento da pena. Segundo ele, a mulher
faz de tudo pelo companheiro e que, por isso,
dá para entender quando elas dizem que cometeram
crimes por amor ou, então, porque cansaram de apanhar
e acabaram na marginalidade das ruas e na
prostituição, envolvendo-se, na maioria das vezes,
com traficantes de drogas. Constatação diretamente
oposta se faz quanto ao comportamento das mulheres
que têm companheiros presos. “Apenas 8%
dos maridos visitam as detentas e duas de 212 têm
visitas íntimas”, afirma.
Para ele, o que mais causa impacto dentro dessa
assombrosa realidade é o preconceito de quem está
do lado de fora. “Entre o preconceito e o medo, não
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
estaríamos nós mesmos, vivendo um indisfarçado
“direito penal do inimigo? ”, indaga na conclusão de
seu artigo. Em sua análise, as presas são mulheres
trabalhadoras que foram tocadas pelo modelo
neoliberal por falta de um posto de trabalho. “O
precário não pode ser aceito como norma para elas”,
conclui.
Em seus trabalhos de pesquisa, foram ouvidas
não só as detentas, como familiares e as agentes
penitenciárias. O resultado do estudo sobre as
agentes deverá ser lançado ainda em 2008. E a conclusão
das três fases da pesquisa resultará em um
livro cujo título será
De volta para casa
Gilciléia Serafim Campos, 28 anos, solteira, uma
filha de 6 anos, há 8 meses em liberdade condicional
e grávida de sete meses, representa bem o perfil das
“meninas da carceragem” Estevão Pinto. Antes,
trabalhava em casa de família e vivia com a mãe, que
ajudava a criar sua filha. O ex-companheiro morreu
com uma facada na cabeça quando a menina tinha
apenas um ano. Já o pai do bebê que espera, simplesmente
sumiu.
Condenada por tráfico de drogas a cinco anos
e quatro meses de detenção, já cumpriu boa parte
da pena e está feliz por poder voltar para casa e
recomeçar sua vida. Da prisão, onde ela teve que
aprender a conviver na mesma cela com outras 20
mulheres, por quase quatro anos, ela quer distância.
No período em que esteve presa, Gilciléia
aprendeu a bordar e a costurar, chegando a tirar até
R$ 600,00 por mês com a venda dos bordados.
Diferente de outras moças que sofrem com o
preconceito e não conseguem arrumar emprego
quando saem da prisão, ela pode se considerar
privilegiada. Tem recebido a ajuda de pessoas que
lhe arrumaram trabalho digno, ajuda psicológica e
apoio para, como ela mesma diz, voltar para o
“mundão” e tentar uma vida melhor. Grande sonho:
cursar uma faculdade de Direito.f
23
[ Sistema prisional ]
Ainda sou capaz de sonhar
Vou contar um pouco sobre minha vivência. Sobre
uma vida sofrida. Vou resumir alguns fatos. Quando eu
tinha 7 anos, via meu pai espancar minha mãe, e assim
fui crescendo. Então, minha mãe resolveu largar meu
pai e só depois de alguns meses, me buscou, depois
buscou meus irmãos.
Aos 15 anos fiquei grávida e quando fui contar para
meu namorado, ele fingiu estar feliz, e eu acreditei,
porque era meu primeiro namorado, e eu o amava. Ele
disse que ia trabalhar, e voltaria no final de semana. Infelizmente,
era mentira, ele não voltou mais. Então fui
levando sozinha minha gravidez.
Conheci um homem, quando estava com 8 meses
de gravidez. Ele parecia ser o melhor homem do
mundo. Ganhei o meu bebê e ele permaneceu do meu
lado.
Quando o bebê estava com 16 dias de nascido, meu
pai aprontou outra daquelas brigas. O motivo é que minha
mãe tinha uma amiga que virara avó na mesma época
que ela. Essa mulher foi lá em casa, para que eu tirasse
um pouco de leite para sua filha, que deu à luz dois
bebês, e o seu leite não estava dando. Como eu tinha
muito resolvi tirar o leite para os gêmeos. Estava tão feliz
tirando o leite, quando meu pai chegou completamente
bêbado. Minha mãe apresentou as colegas dizendo:
- Olha, bem, essa é minha amiga Fatão.
Esse era seu apelido; seu nome era Fátima.
Meu pai entendeu que minha mãe disse "sapatão"
e começou a quebrar tudo e a bater em minha mãe. As
colegas da minha mãe saíram correndo. O leite que eu
tinha tirado derramou todo pelo chão.
Entrei no meio da briga, acabei apanhando também,
fiquei com as pernas arranhadas de arame, porque tinha
uma cerca próximo da porta da cozinha. Enquanto
meu pai rolava com minha mãe, eu estava junto,
tentando tirar, separar.
De repente, chega o homem que me assumiu
juntamente com o meu filho e deu seu nome a ele. Não
gostei muito quando ele chegou, porque bateu na
cabeça do meu pai. Por causa disso meu pai me expulsou
de casa com meu bebê no colo.
Fui morar com esse homem. (Maldita hora!)
Alguns meses depois, começou de novo todo o meu sofrimento,
quando meu bebê estava com 6 meses de vida.
Esse homem ficou tão perverso que eu não conseguia
entender. Ele me batia por motivos fúteis. (Exemplo: se
eu quebrasse um copo, já era motivo para que eu apanhasse).
Um dia arrumei um emprego e fui com o meu bebê.
Fiquei apenas duas semanas, porque ele fez de tudo para
que eu saísse. Ele conseguiu descobrir onde eu estava.
Voltei para a casa da minha mamãe. Ela trabalhava
em uma firma e conheceu um homem que precisava de
uma empregada para dormir. Ela me levou escondido
e só assim me livrei desse homem. Ele cansou de me
esperar, virou evangélico e nunca mais me procurou.
Aí, então, pensei: posso ser feliz agora.
Conheci o pai do meu segundo filho. Namorei por
quase 6 anos. Um dia, terminei com ele e fui para um
forró. Bebi demais e olha aonde eu vim parar, por causa
dessa maldita bebida! Eu acabei cometendo um
homicídio que me trouxe para a cadeia, onde me
encontro hoje. Antes de tudo isso, de eu vir para trás
das grades, fiquei grávida desse meu segundo filho, que
nasceu com 6 meses e uma semana. Sofri demais com
ele em uma incubadora, muito pequenino, pesando
apenas um quilo e novecentos, teve parada cardíaca, e
ficou em um CTI por algumas semanas. Quase tive depressão
pós-parto. Mas o meu Deus foi minha força, e
consegui vencer mais um sofrimento. Fiquei 5 anos na
rua, depois do homicídio.
Fui a todas as audiências e também ao julgamento
do qual saí sentenciada a 12 anos de reclusão. Ainda na
rua eu recebi uma proposta para ir para uma boate. Eu
aceitei, para ajudar minha mãe e meus filhos.
Esse foi mais um sofrimento. Conheci o "Baiano"
que me tirou da boate, ajudando-me e aos meus filhos.
Também montou um barzinho para que eu pudesse ganhar
meu próprio dinheiro.
Quando eu achei que tinha encontrado a minha
felicidade, porque eu estava muito feliz ao lado dele, minha
mãe ligou dizendo, que era para eu vir embora,
porque o oficial de justiça foi à casa dela com um papel
que só eu podia receber. Lá fui eu, com o coração na mão.
Na segunda recebi o papel que dizia: "você será
submetida a juri popular..."
Eu era completamente apaixonada por ele. Sofri
demais com sua falta, naquele maldito inferno da
Lagoinha que é o D.I. Fiquei lá 9 meses. Além disso tudo,
ainda descobri que sou soropositiva. Vejam vocês que
o meu sofrimento não parou ainda. Mas tenho fé em
Deus, que essa cadeia é o meu último sofrimento.
Não tive infância e isso só me faz pensar em meus
filhos. Agora eu só quero dar a eles tudo aquilo que eu
não tive. Pretendo lutar, trabalhar muito, para dar a eles
o que me foi negado. Quero um futuro brilhante para os
meus dois amores. Todos nós temos uma cruz para
carregar e eu levarei a minha até o fim.
Pingo de Lágrima
Adaptação do texto escrito por uma detenta do Complexo Penitenciário
Feminino Estevão Pinto, extraído do livro A Legibilidade do Ilegível.
24 ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
[ Artigo ]
Tráfico de mulheres: uma reflexão inicial
Por Elizabeth Mateus
A exclusão da vida política é o marco histórico
negativo que até hoje pesa sobre a mulher e a
estimula em sua luta pelo resgate de seu lugar
natural na vida pública. Desse modo, o embate
político-ideológico em relação à retomada da
participação da mulher no poder é antigo e, até hoje,
ocupa o cenário de países capitalistas e socialistas.
A marca do machismo excludente não escolhe
nacionalidade, nem classe social: ainda persiste uma
ótica sexista e discriminatória. A mulher é tratada e
abordada como coisa, mercadoria, sexo frágil e inferior
ao homem e por ele pode ser usada, comercializada
e eliminada quando o 'seu dono' e 'proprietário' assim
o desejar.
A discussão do tráfico internacional de mulheres
não pode ser realizada fora do âmbito histórico,
político-ideológico, social e jurídico que estrutura as
relações de gênero e poder nas sociedades
contemporâneas. Também no tráfico de mulheres,
presentificam-se as relações de gênero e poder. E
toma visibilidade a divisão de classes sociais e suas
conseqüências excludentes. Assim, nesse contexto,
a vítima do tráfico são mulheres pobres, trabalhadoras
de baixa-renda/desempregadas e chefes de
família, maltratadas, violadas em seus direitos, se
encontram em situação degradante e de
miserabilidade e, em geral, de países pobres.
Muitos compromissos foram assumidos pelos
Estados nas principais Conferências Internacionais
da ONU — especialmente a Conferência Mundial dos
Direitos Humanos de Viena (1993); a Conferência Internacional
sobre População e Desenvolvimento do
Cairo (1994) e a Conferência Mundial sobre a Mulher
de Beijing (1995) — são de fundamental importância
para os direitos humanos das mulheres. Foi na
Conferência de Viena que, pela primeira vez, se reconheceu
expressamente que “os direitos humanos das
mulheres e meninas são parte integrante, indivisível
e inalienável dos direitos humanos universais e que
a violência de gênero é incompatível com a dignidade
e o valor da pessoa humana”.
Diversos tratados internacionais de proteção aos
direitos humanos são relacionados aos temas de discriminação
e violência contra as mulheres. No âmbito
Cartaz da campanha do governo federal lançada em 2004
internacional, a Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher
(CEDAW ONU, 1979), ratificada pelo Brasil em
1984; o Protocolo Facultativo à CEDAW, ratificado
pelo Brasil em 2002 e a Recomendação do Comitê
CEDAW (1992), que trata exclusivamente da violência
contra a mulher. No âmbito regional, a Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008 25
[ Artigo ]
Violência contra a mulher (Convenção do Belém do
Pará, OEA, 1994), ratificada pelo Brasil em 1995.
Contudo, as iniciativas públicas dos governos,
embora tenham avançado no plano normativo, ainda
estão distantes de resolver o processo contínuo de
expropriação, exclusão, desemprego, prostituição,
violência de toda ordem, que o capitalismo submete
as mulheres ao redor do planeta. O tráfico de mulheres
é um problema internacional desde meados do
século dezenove e é, em geral, ligado a idéias sobre
mulheres no comércio do sexo. Muitas idéias e
noções foram formuladas ao longo do tempo e hoje
existem muitas em circulação.
Dados da Organização Internacional do Trabalho
(OIT) registram que “2,4 milhões de pessoas foram
traficadas no mundo em 2005, o que proporciona um
lucro de 31,6 bilhões de dólares por ano. Existem no
Brasil 110 rotas domésticas e 131 internacionais”.
Quanto ao perfil, as traficadas são predominantemente
mulheres que têm filho, pertencentes às classes
populares, não possuem carteira assinada, moram na
periferia e são negras/afro des cen dentes.
O relatório da Organização Internacional do
Trabalho (OIT), publicado em 27 de março de 2007,
aponta o Brasil como campeão mundial em tráfico de
mulheres e funciona como grande fornecedor de
capital humano para alimentar uma crescente
demanda, localizada principalmente em países da
Europa como Espanha, Holanda, Itália, Suíça, Alemanha
e França.
O Brasil aparece nos documentos internacionais
como o maior exportador de mulheres, tornando-se
o líder no tráfico de mulheres da América do Sul. No
país há falta de controle e de informação sobre a extensão
do problema. Dados das Nações Unidas e da
Federação Internacional Helsinque de Direitos
Humanos registram que 75 mil brasileiras estariam
sendo obrigadas a se prostituir, somente nos países
da União Européia, representando 15% de todas as
"escravas" do continente e, 60% das profissionais do
sexo em Portugal, são da América Latina,
principalmente do Brasil. Segundo a mesma projeção,
cerca de 95% dessas mulheres estão com os
passaportes retidos, "devem" a aliciadores e vivem em
26
condições humilhantes. Goiás, Rio de Janeiro, interior
do Paraná, São Paulo e estados nordestinos são exportadores
de mulheres para Itália, Espanha, Portugal,
Israel, Japão, Argentina e Paraguai. No nordeste, em
função do turismo sexual (pornoturismo), há maior
facilidade de contatos.
Em relação aos países latinos, Argentina, Chile
e Uruguai, o relatório da Organização Internacional
de Migrações (OIM) revela que o tráfico de mulheres
gera “receitas anuais de US$ 32 bilhões no mundo
todo, e 85% desse dinheiro vem da exploração
sexual, que só na América Latina e no Caribe fez 100
mil vítimas em 2006”. O estudo demonstra que as
vítimas são mulheres de classe social baixa, que vivem
em situação de marginalidade, com ambiente familiar
instável e baixo nível de escolaridade.
“o processo de
feminização da pobreza e
a discriminação entre
homens e mulheres
tornam as mulheres
mais vulneráveis
ao tráfico.”
Mas quais seriam as razões para o desenvolvi -
mento do tráfico de seres humanos? A União
Européia tem respondido esta questão com os
seguintes argumentos: pobreza, desemprego,
desigualdade entre homens e mulheres, ausência de
educação e exclusão sócio-política. Portanto, o
processo de feminização da pobreza e a discriminação
entre homens e mulheres tornam as mulheres mais
vulneráveis ao tráfico.
Na perspectiva da relação capital x trabalho,
constata-se nos países industrializados uma tendência
em utilizar mão-de-obra barata e clandestina como
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
[ Artigo ]
também a exploração de mulheres e crianças para fins
de prostituição e pornografia.
Embora seja difícil computar os dados estatísticos
com rigor e eficiência, a maior parte dos intervenientes
na luta contra o tráfico de seres
humanos é de opinião que se trata de um fenômeno
em expansão. Mundialmente, estima-se que atinge os
700 mil o número de mulheres e crianças que as redes
de tráfico fazem passar todos os anos pelas fronteiras
internacionais. Assim, continua o tráfico tradicional
entre países como África do Norte e África Central,
América Latina e Ásia.
Os discursos sobre o tráfico de mulheres
mudaram no decorrer dos anos devido às pesquisas
empíricas, à atuação dos movimentos feministas, antiracistas,
de justiça social e das mudanças econômicas
no mundo. Assim, o que antes era abordado como
"tráfico de escravas brancas" (isto é, mulheres na
prostituição) é agora visto como um problema de migração
internacional do trabalho e exploração do
trabalho, que ficam além do controle ou do alcance
do estado.
Segundo Kamala Kempadoo (2005), diferentes
problemas estruturais globais que produzem o tráfico
— globalização, patriarcado, racismo, conflitos e
guerras étnicas, devastação ecológica e ambiental e
perseguição política e religiosa — são raramente
tocados no paradigma hegemônico sobre o tráfico. São
esses problemas estruturais que permanecem como
fenômenos globais importantes para analisar, desconstruir
e combater.
A mudança de mentalidade com o enfrentamento
dos preconceitos, do machismo e de toda forma de
ignorância que ainda perdura nas relações de gênero,
é de caráter urgente no Brasil e no mundo. Campanhas
públicas efetivas e permanentes podem contribuir
para elevar as relações humanas a um outro
patamar sócio-político, além é claro, de políticas
governamentais específicas de moradia, saúde, emprego
e renda para as mulheres.
O tráfico de mulheres confirma que o reconhecimento
das mulheres como sujeito político
encontra ainda enormes barreiras, porque exige
rompimento com os padrões estabelecidos pela
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
família, pela sociedade e por governos, que
determinaram códigos masculinos de participação pública
e política. Mas a superação desse paradigma excludente
e violador dos direitos humanos da mulher
é necessária, para construção de uma sociedade justa,
igualitária, ética e fraterna.f
Elizabeth do Nascimento Mateus é mestre em Educação Tecnológica, diretora
do Sinpro Minas e estudante de Direito.
Referências
BRASIL. SECRETARIA ESPECIAL PARA ASSUNTOS
DA MULHER. Disponível em: www.presidencia.gov.br
Acesso em: 8 jan. 2008.
Convención de las Naciones Unidas contra la
Delincuencia Organizada Transnacional. Disponível
em http://www.unodc.org .Acesso em 8 jan.2008.
Convenção para a supressão do tráfico de mulheres e
crianças (Genebra) emendada pelo Protocolo de Lake
Sucess, assinado em 1947. Disponível em: http://www.di -
reitoshumanos.usp.br/coun -
ter/Onu/Mulher/texto/texto_5.html. Acesso em 8 jan.
2008.
KEMPADOO, Kamala. Mudando o debate sobre o
tráfico de mulheres. Cadernos Pagu, (25), julho-dezembro
de 2005, pp.55-78. Disponível em: www.scie -
lo.br/pdf/cpa/n25/26522.pdf . Acesso em: 08 Jan.
2008.
Fórum Social do Mercosul. Declaração de Curitiba.
Disponível em: http://www.cmb-bwc.com.br/Atua -
lizacao/2007julho/foruns/forum_social_do_mercosul.htm.
Acesso em 8 jan.2008.
OIT aponta o Brasil como campeão mundial em tráfico
de mulheres. Disponível em: http://www.di reitos.org.br.
Acesso em 8 jan.2008.
27
[ Mulher e trabalho ]
CTB luta pela igualdade
Arquivo Sinpro Minas
A Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do
Brasil (CTB), criada em 2007, foi a primeira central
sindical brasileira a registrar o gênero feminino no
nome da entidade. Com isso torna-se uma referência
nos cenários nacional e mundial em relação à luta pela
igualdade de direitos entre homens e mulheres.
Contudo, os dados atuais da desigualdade entre os
gêneros no país demonstram que a missão não será
fácil. Em relatório da Organização Internacional do
Trabalho, a América Latina foi a única região do
mundo onde o chamado subemprego cresceu nos
últimos dez anos e de maneira mais intensa para as
mulheres.
De acordo com Dorothea Schmidt, autora do
relatório, o percentual de pessoas empregadas em
condições precárias aumentou de 31,4% em 1997 para
33,2% em 2007. A variação ocorreu para ambos os
sexos, mas a expansão foi maior para as mulheres, que
subiu de 30,1% para 32,7%. A maior parte desses
subempregos foi gerada no setor de serviços,
segmento que deteve a maioria dos postos de trabalho
criada na última década na região. Ainda
conforme levantamento da OIT, as mulheres são
responsáveis por 2/3 do total de horas trabalhadas em
todo o mundo. No Brasil, em setores como o
comércio, a jornada de trabalho da mulher pode
chegar a 16 horas/dia, considerada a dupla jornada.
Outro dado importante foi levantado em uma
pesquisa divulgada em março deste ano, pelo
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese), na qual é apontada a
desigualdade que ainda persiste no mercado de
28 ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
Mark Florest
Celina Arêas, diretora da CTB: fim das desigualdades virá com mobilização
trabalho brasileiro. Em 2007, embora a taxa de
desemprego tenha caído para ambos os sexos, a expansão
do número de vagas criadas beneficiou mais
os homens do que as mulheres, devido ao perfil dos
postos abertos. A pesquisa mostrou que a taxa
masculina caiu em ritmo mais acelerado do que a
feminina em todas as regiões metropolitanas
pesquisadas (São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre,
Distrito Federal, Salvador), com exceção do
Recife, onde o decréscimo foi menor para os homens.
Na ocasião, Lúcia Garcia, coordenadora do
sistema PED (Pesquisa de Emprego e Desemprego)
do órgão, esclareceu que as oportunidades se concentraram
na construção civil, na indústria e nos
segmentos do setor de serviços mais ligados à
produção, áreas tradicionalmente dominadas por
homens. Em Belo Horizonte foi registrada a maior
diferença entre a taxa de desemprego feminina
(15,9%) e a masculina (8,9%).
A secretária de combate ao racismo da CTB,
Dalva Leite, acrescenta algumas informações
importantes para o debate. Segundo ela, 52% dos
educadores no Brasil são do sexo feminino. E ainda,
39% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres.
Para ela está evidente a importância da mulher
brasileira para o desenvolvimento do país. Dalva
Leite relata que a CTB, através das Secretarias da Mulher,
de Formação e de Combate ao Racismo, irá
desenvolver medidas para capacitar as mulheres a fim
de atuarem no mercado de trabalho e na sociedade.
Buscando, com isso, a eqüidade de direitos entre os
gêneros e entre as classes sociais.
"A idéia é convergir com outros movimentos da
sociedade, seja na luta contra o racismo ou contra o
preconceito de que as mulheres são inferiores,
vamos mudar essa história. Essa luta deve ser
travada no campo institucional, no âmbito jurídico,
com a ampliação ou exigência do cumprimento dos
direitos constitucionais e também no legislativo e
executivo, com possíveis criações de leis" ressalta
Dalva Leite.
A coordenadora da secretaria de Mulheres da
CTB, Abgail Pereira, comenta as perspectivas das lutas
de gênero e classe no movimento sindical. "A divisão
sexual e o conceito de divisão social do trabalho que
atribui à mulher a responsabilidade do lar — a dupla
jornada — são utilizados pelo capitalismo para incentivar
a competição entre os trabalhadores,
rebaixando os salários e precarizando direitos", diz.
Segundo Abgail Pereira, é importante destacar
que o diferencial da CTB não está no substantivo
feminino em seu nome. Está, fundamentalmente, em
seu princípio classista, portanto reconhece a luta da
mulher por sua emancipação como parte inseparável
da luta da classe trabalhadora contra o sistema
capitalista. Conforme a sindicalista, a construção da
sociedade socialista que permite a expansão da
subjetividade feminina e supere a divisão sexual do
trabalho baseada na relação de poder é o objetivo
comum que une homens e mulheres, trabalhadores
e trabalhadoras, dentro da CTB. Ela reconhece que
já ocorreram avanços significativos, mas os
rendimentos femininos continuam inferiores aos
masculinos, indicando que as mulheres ainda são mais
pobres que os homens.
Para a diretora do Sinpro Minas e secretária de
Formação e Cultura da CTB, Celina Arêas, as
desigualdades só vão diminuir quando houver maior
mobilização. Na sua avaliação, as mulheres, mesmo
sendo maioria na sociedade, não ocupam o devido
lugar de destaque na política, no movimento sindical,
no estudantil e nem mesmo nas categorias em que são
maioria. “Contribuir para reverter esse quadro é um
desafio para a CTB. Não se trata de uma luta entre
homens e mulheres, mas a busca de objetivos
comuns, pois a emancipação das mulheres é um passo
importante para a transformação da sociedade”. f
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008 29
30
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
[ Entrevista ]
“Simone de Beauvoir foi
uma inspiração para todas nós”
Sandra Azeredo
Mark Florest
Para Sandra Azeredo, Simone de Beauvoir e sua obra Segundo Sexo são um marco para o feminismo. Em 2008, comemora-se o centenário de nascimento da escritora
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
Uma das maiores intelectuais do século 20, a escritora,
filósofa existencialista e feminista francesa
Simone de Beauvoir (1908-1986) dedicou a maior
parte de sua vida à militância e à literatura, como
forma de revelar aspectos de sua vivência e do seu
tempo. Nome fundamental na luta das mulheres em
todo o mundo, Beauvoir publicou, em 1949, o livro
considerado hoje como a base do
feminismo contemporâneo. Nele, a escritora faz
uma análise política da condição feminina.
Em entrevista publicada em 1976, 25 anos após
o lançamento da obra, Beauvoir declarou: “através de
tomei consciência da necessidade de luta.
Compreendi que a grande maioria das mulheres simplesmente
não tinha as escolhas que eu havia tido; que
as mulheres são, de fato, definidas e tratadas como um
segundo sexo por uma sociedade patriarcal, cuja estrutura
entraria em colapso se esses valores fossem
genuinamente destruídos. Mas assim como para os
povos dominados econômica e politicamente o
desenvolvimento da revolução é muito difícil e lento.
Primeiro, as mulheres têm que tomar consciência da
dominação. Depois, elas têm que acreditar na própria
capacidade de mudar a situação”, disse.
Para a professora de Psicologia Social da UFMG,
Sandra Azeredo, esse livro marca o “início de uma
teorização séria sobre as relações de gênero. Simone
de Beauvoir foi uma inspiração para todas nós, nos
31
[ Entrevista]
ajudando a não nos sentirmos isoladas em nossa
opressão e a nos tornarmos feministas”, revela a
professora, em entrevista à Revista
Elas por Elas - O livro Segundo Sexo é
considerado como a base do feminismo
contemporâneo. O que a autora, Simone de
Beauvoir, representou para a luta das mulheres?
Sandra Azeredo - Acho que
deve
mesmo ser considerado como uma base importante
do feminismo contemporâneo, pois ele marcou o início
de uma teorização séria sobre as relações entre mulheres
e homens. Na luta das mulheres, Simone de
Beauvoir foi uma inspiração para todas nós, nos
ajudando a não nos sentirmos isoladas em nossa
opressão e a nos tornarmos feministas. Em 1999, ano
do cinqüentenário da publicação de seu livro, houve
publicações homenageando-a no mundo todo. Aqui
no Brasil, a Revista
da Universidade
Estadual de Campinas, publicou um dossiê intitulado
"Simone de Beauvoir & os Feminismos do Século XX",
com artigos de acadêmicas de todo o Brasil e de
Portugal. Na apresentação do dossiê afirma-se que ela
"de fato merece uma homenagem. O século está
acabando e os feminismos deste século devem tudo,
ou quase, a ela".
Elas por Elas - É possível interpretarmos
a condição das mulheres hoje por meio das
idéias formuladas por Simone de Beauvoir?
Sandra Azeredo - Sim, é possível interpretarmos
a condição das mulheres hoje, sobretudo usando uma
das mais importantes de suas idéias, que aparece na
famosa frase "Não se nasce mulher, torna-se mulher",
ou seja, que "nenhum destino biológico, psíquico,
econômico define a forma que a fêmea humana
assume no seio da sociedade". Essa é uma idéia que
derruba o essencialismo de algumas concepções que
consideram a existência de uma natureza que define
o que é ser mulher e que geralmente se baseia em sua
fisiologia para definir traços essenciais da mulher, tais
como a sensibilidade, a capacidade de cuidar, a
32
maternidade, enfim. Esse essencialismo mantinha (e
mantém) muitas mulheres presas a uma condição de
subordinação, de dependência dos homens, presas
no mundo doméstico, que é um espaço de privação.
Elas por Elas - A eleição de mulheres
para cargos majoritários, como na Argentina,
onde Cristina Kirchner foi escolhida presidente,
representa uma vitória do feminismo?
Sandra Azeredo - Acho que sim, pois foi o
movimento feminista que possibilitou a saída das mulheres
do mundo privado e sua entrada no mundo público,
sua reivindicação de direitos iguais aos dos
homens, a começar pelo voto — votar e ser votada.
Elas por Elas - O que seria a destruição ou
superação dos valores patriarcais do ponto de
vista de Simone de Beauvoir? Isso passaria,
necessariamente, pela independência
financeira?
Sandra Azeredo - Simone de Beauvoir
considerava que a independência financeira era
condição fundamental para a libertação das mulheres.
Para ela, só o trabalho pode assegurar à mulher uma
liberdade concreta. Quanto à "destruição" ou
"superação dos valores patriarcais", não me parece
que ela trabalhe com este conceito de patriarcado.
Ao concluir seu enorme trabalho de dois volumes
sobre o segundo sexo, ela retorna à sua idéia central
de que "nada é natural na coletividade humana" e
coloca que a saída para essa situação de desigualdade
só pode ser coletiva, através de uma educação que
ensine valores de igualdade e fraternidade entre
homens e mulheres.
Elas por Elas - Atualmente, fala-se em uma
possível terceira geração do feminismo.
Estamos vivendo essa geração, ou não? Gostaria
que você falasse um pouco também sobre as
duas gerações anteriores.
Sandra Azeredo - Talvez exista sim uma terceira
geração do feminismo. Será melhor falar, portanto,
de diferentes feminismos, que vão sendo criados
através dessas gerações. As gerações anteriores
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
preocupavam-se em manter a identidade das mulheres,
seguindo uma perspectiva essencialista. As
mudanças que propunham eram, portanto, limitadas.
Queriam participar de algumas decisões públicas, mas
queriam preservar os valores da maternidade, da
capacidade de cuidar, do espaço doméstico. Em nenhum
momento questionavam as instituições como
o casamento, a família nuclear e as desigualdades do
sistema liberal. E eram moralistas, por exemplo,
consideravam as prostitutas como sendo de menos
valor do que as donas de casa "honestas". Na minha
geração, as feministas propunham uma mudança
muito mais radical, tendo que levar em conta as outras
desigualdades que estabeleciam diferenças entre
as próprias mulheres, principalmente com base
em classe e raça. Duas lutas muito importantes dessa
geração são a questão da saúde reprodutiva (inclusive
a descriminalização do aborto) e a violência de
gênero (doméstica).
Sandra Azeredo - Não gosto de falar em bandeiras,
pois elas me dão a impressão de algo pronto, de palavras
de ordem, e estamos num momento dos
feminismos em que a identidade, vista como unidade
e continuidade, está sendo questionada. Estamos
menos interessadas em sermos a mesma e estamos nos
permitindo rasuras, de modo a nos tornarmos outra.
Estamos aprendendo que a diferença é parte de
nossa identidade e estamos aprendendo a falar com
todas as mulheres diferentes de nós. Acho que nosso
movimento hoje é um movimento de todo mundo,
sobretudo de nosso planeta, que está correndo um
enorme perigo de não sobreviver.f
AFP
Elas por Elas - Em uma entrevista publicada
em 1976, Simone de Beauvoir disse ter
certeza de que, a longo prazo, as mulheres
vencerão. Você também compartilha dessa
opinião? As mulheres estão rumo a um caminho
de rompimento das amarras desse sistema patriarcal?
Sandra Azeredo - Acredito sim que as mulheres
— juntamente com outros sujeitos su bor -
dinados (homossexuais, pobres, negros e negras, a
própria terra) — estão a caminho de se libertarem
do preconceito contra eles. Não se trata simplesmente
de um "sistema patriarcal", mas de um
sistema capitalista mundial, baseado no lucro, no
consumo e na desigualdade, estimulando o
preconceito, inclusive contra a natureza, vista
apenas como objeto e recurso para ser dominado. A
luta, portanto, é muito difícil e depende de cada uma
e cada um de nós, trabalhando coletivamente.
Elas por Elas - Como você vê o movimento
feminista atual? Ele se pauta por quais
bandeiras?
Simone de Beauvoir, uma das maiores intelectuais do século 20
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
33
z
www.sinprominas.org.br
34
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
[ Educação ]
Iniciativas tentam levar a igualdade
de gênero para o espaço escolar
Tramita no Congresso Nacional um projeto de lei
de autoria da deputada Lídice da Mata (PSB-BA) que
prevê, entre outras coisas, a inclusão, nos currículos
escolares dos ensinos fundamental e médio, de
conteúdos relativos às questões de eqüidade de
gênero e de cidadania. Conforme relata o texto do
projeto, a idéia é “fomentar práticas educativas que
reconheçam a eqüidade entre homens e mulheres, independentemente
de raça e etnia, rompendo um
legado cultural histórico de subordinação e discriminação”.
Não há um prazo para que o projeto seja
apreciado pelos parlamentares. Ou seja, ele pode
mofar nas gavetas do Congresso, como ocorre com
muitas outras boas propostas que tramitam no
legislativo nacional.
Diante da dificuldade de levar essa discussão ao
espaço escolar, o governo federal criou, em 2006, o
projeto Gênero e Diversidade na Escola. Atualmente,
o curso pode ser ministrado com apoio das Secretarias
de Educação e das universidades brasileiras. A ação
resultou de uma articulação entre diversos ministérios,
com a participação do British Council (órgão do Reino
Unido atuante na área de Direitos Humanos,
Educação e Cultura) e do Centro Latino-Americano
em Sexualidade e Direitos Humanos
(CLAM/IMS/UERJ).
O objetivo principal do projeto é capacitar os
educadores, por meio de aulas on line. Em sua fase
piloto, o curso já foi ministrado para mais de mil
professores. Em 2008, estão previstas aberturas de
vagas em várias cidades brasileiras.
O curso é oferecido na modalidade a distância
e possui carga horária de 200 horas. Desse total, 30
horas são trabalhadas em aulas presenciais por
meio de seminário-participativo. Considerado pelo
Ministério da Educação (MEC) como de atualização,
é certificado pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ).
De acordo com Sérgio Carrara, coordenador-geral
do CLAM/IMS/UERJ, trabalhar simultaneamente a
problemática do gênero, da diversidade sexual e das
relações étnico-raciais não é apenas uma proposta
absolutamente ousada, mas oportuna e necessária.
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
Segundo ele, os objetivos políticos, sociais e
educacionais do curso visam desenvolver a capacidade
dos professores de compreenderem e se posicionarem
diante das transformações políticas, econômicas e
socioculturais que requerem o reconhecimento e o
respeito à diversidade do povo brasileiro. O
coordenador do CLAM explica que, apesar dessa
fragmentação, gênero, raça, etnia e sexualidade
estão intimamente imbricados na vida social e na
história das sociedades ocidentais e, portanto,
necessitam de uma abordagem conjunta. O conteúdo
das disciplinas do curso pode ser consultado no site
da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres(www.presidencia.gov.br/estrutura_
presidencia/sepm).f
35
Antônio Cruz/ Agência Brasil
[ Educação ]
As mulheres na tela:
personagens de uma história universal
Uma iniciativa feminina para descobrir as mulheres
que estão na frente e atrás das câmeras. Como
elas fazem cinema e como pensam o mundo através
das lentes e das histórias. Para onde direcionam a
sensibilidade de seus olhares e a força de suas
atitudes. Essas e outras questões fazem parte do diaa-dia
do projeto “Telas do Feminino: imagens e
enredos de mulheres no cinema latino-americano”,
da Faculdade de Educação da UFMG.
A professora Inês Assunção de Castro Teixeira,
coordenadora do projeto e pesquisadora do Prodoc,
conta que o projeto surgiu durante os seus estudos
de pós-doutorado sobre temáticas relacionadas às mulheres.
“Não são as atrizes que nos interessam, mas
as representações, os contornos dos femininos que
essa filmografia tem colocado nas telas”, destaca.
Segundo ela, o projeto também é parte do
esforço da universidade, em especial da FaE, de estreitar
laços com a América Latina e o Caribe. “São
povos irmãos, dos quais nos sentimos parte. Somos
sensíveis às histórias humanas de opressão nos
espaços macro e micro sociais”, afirma.
O projeto Telas do Feminino desenvolve um
trabalho de levantamento de dados sobre filmes latinoamericanos
que tratam de questões femininas.
Atualmente, possui um acervo de cerca de 30 filmes
de difícil acesso, pois ficaram pouco tempo em
exibição, como
e que, muitas vezes,
estão fora dos circuitos comerciais. “Através do
cinema, a gente discute a condição da mulher na
América Latina, sobretudo de 1950 até os dias
atuais”, destaca Brenda Franco Prado, bolsista
Fapemig do Projeto Telas.
do acervo, está sendo desenvolvido um
banco de dados na Internet que possibilitará múltiplas
entradas para a busca de filmes: por gênero
cinematográfico, período histórico, campos temáticos,
país de origem, entre outros. Temáticas como a mulher
e a família, a sexualidade feminina, e as ditaduras
militares na década de 60 permeiam o acervo. Filmes
como e destacam a relação
mãe e filha e as mulheres em movimentos só delas,
como as mães e as avós da Praça de Maio.
36
A cineasta Ana Luiza Azevedo participou da primeira mostra do projeto Telas
Mostra
Durante o VI Encontro da Rede Brasileira de
Estudos e Pesquisas Feministas (Redefem), realizado
entre os dias 11 e 13 de junho, na UFMG, foi
promovida, com o apoio do Sinpro Minas, a 1ª Mostra
Telas do Feminino: a mulher no cinema latinoamericano
e caribenho, com a presença de estudantes,
professores e diretores de cinema, como a cineasta
Ana Luiza Azevedo, da Casa de Cinema de Porto Alegre.
Em 11 de junho, a diretora participou de um
debate com o público no Cineclube Joaquim Pedro
de Andrade, em Belo Horizonte, após a exibição dos
curtas-metragens Dona Cristina Perdeu a Memória
(2002) e Ventre Livre (1994) – dirigidos e roteirizados
por ela mesma.
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
Denilson Cajazeiro
Filmes indicados pelo Projeto Telas
Retratos de Teresa
Direção: Pastor Vega
País: Cuba
Ano: 1979
Cabra Marcado Para Morrer
Direção: Eduardo Coutinho
País: Brasil
Ano: 1984
Retratos de Teresa
Cinema é instrumento
para a educação
Os filmes, mais do que entretenimento, podem
gerar reflexão, atitude e conscientização. Podem ser
também um instrumento de trabalho nas mãos dos
professores. “No magistério há muitas mulheres,
quantita ti vamente, qualitativamente, simbolicamente.
Elas podem estabelecer, junto aos alunos, relações
entre a educação e o cinema, como linguagem,
manifestação estética”, destaca Inês.
Segundo ela, a formação de professores não se
dá somente nos centros de formação acadêmica. Uma
possibilidade para essa formação continuada é o
cinema. “É importante que os professores assistam
a filmes variados, conheçam os curtas e os médiasmetragens,
porque são mais adequados para o tempo
de sala de aula”.
Para Inês, os filmes e a escola são instrumentos
para alargar o conhecimento das pessoas. “O cinema
de qualidade e a educação têm que ajudar a construir
uma outra humanidade, outro mundo possível”,
completa.
Mais informações sobre o projeto Telas do
Feminino através do email: telasufmg@gmail.com.f
História Oficial
Direção: Luiz Puenzo
País: Argentina
Ano: 1985
Garotas do ABC
Direção: Aurélia Schwarzenega
País: Brasil
Ano: 2002
Maria Cheia de Graça
Direção: Joshua Marston
País: Colômbia/EUA
Ano: 2004
Estamira
Direção: Marcos Prado
País: Brasil
Ano: 2006
Um Pouco de Tanta Verdade
País: México/EUA
Ano: 2007
Dicas de locadoras onde se pode
encontrar esses filmes em BH:
Video Mania BH / (31 3281-0121)
www.videomaniabh.com.br
Dumont Video / (31 3284-6565)
Cinecittá / (31 3224-5127)
BH Video / (3222-3816)
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
37
[ Cinema ]
Entre o real e a ficção
Divulgação
Jeckie Brouwn é uma das personagens do filme Jogo de Cena, em que as mulheres figuram como protagonistas das suas próprias histórias
O filme Jogo de Cena, o mais recente trabalho
do documentarista Eduardo Coutinho, coloca em
destaque duras experiências de algumas mulheres,
previamente selecionadas pelo diretor. São histórias
reais projetadas na tela, carregadas de dramaticidade,
que retratam vivências amargas.
Mas o seu décimo longa-metragem, lançado no
segundo semestre do ano passado, não é apenas mais
um documentário de Coutinho. Nesta nova produção,
o diretor, com a habilidade que lhe é peculiar, faz algo
diferente dos seus trabalhos anteriores ao embaralhar
as cartas do jogo entre a realidade e a ficção.
Paralelamente aos depoimentos das personagens
“reais”, Coutinho coloca atrizes para interpretar as
histórias narradas.
A produção do filme começou da seguinte
38
forma: atendendo a um anúncio de jornal, 83 mulheres
compareceram a um estúdio e contaram suas histórias
de vida. Em julho de 2006, 23 foram selecionadas e
filmadas no Teatro Glauce Rocha, no Rio de Janeiro.
Em setembro do mesmo ano, atrizes conhecidas do
grande público, como Marília Pêra, Andréa Beltrão
e Fernanda Torres, e outras não famosas interpretaram
as histórias selecionadas. Um ano depois,
Jogo de Cena ficou pronto.
O resultado é uma excelente obra que mistura
ficção e documentário, em que as mulheres figuram
como protagonistas das suas próprias histórias. No
final, o público sai da sala sem saber distinguir quando
se trata de uma atriz ou quando a personagem é “real”.
“Este é um documentário — impuro, já que incorpora
atrizes — que tematiza aquilo que se diz das
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
personagens de um documentário. O que está em
discussão é o caráter da representação. A aposta do
documentário é a de que personagens e atrizes
escapem dos estereótipos e, de alguma forma, se
afirmem como sujeitos singulares até o limite que o
jogo permita”, afirma Eduardo Coutinho, no site do
filme.
Vários são os momentos inesperados. Em um
deles, o público se surpreende com a dificuldade da atriz
Fernanda Torres de interpretar uma história. “Quando
você lida com uma personagem real, a própria realidade
esfrega na sua cara onde você poderia ter chegado e
não chegou”, diz a atriz. Eduardo Coutinho falou com
a reportagem da revista
o que o levou a
filmar apenas histórias de mulheres.
Elas por Elas -De onde surgiu esse desejo
de filmar histórias reais de mulheres e colocar
atrizes para interpretá-las?
Eduardo Coutinho - Porque eu filmo há muito
tempo homens e mulheres que são atores naturais,
e eu quis juntar esses atores naturais com aqueles que
são pagos para imitar os outros. Eu achei que isso tinha
muito a ver e tem, tanto que o filme está aí.
Elas por Elas - Mas e o fato de escolher só
mulheres?
Eduardo Coutinho - Eu faço aquilo que é
diferente de mim, o que eu conheço não me interessa.
Não posso perguntar ao homem como é parir porque
ele não sabe. Eu não sei e nunca vou saber. À mulher
eu posso perguntar. São pessoas que têm experiências
que nunca vou ter. Agora, você pode
decidir filmar o homem, sendo homem. Para mim me
interessa mais fazer o outro. A mulher também é
muito mais interessante para entrevistar como
personagem do que o homem, pelo fato de ela ser
capaz de revelar a fragilidade e de contar uma
história sobre isso.
Elas por Elas - Quais foram os critérios de
seleção que você utilizou para escolher as
histórias?
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
Eduardo Coutinho - O conteúdo e o saber
contar a história. Houve conteúdos que eram muito
fortes, mas que não foram contados com força.
Algumas mulheres contaram suas histórias de forma
que você não sabia se era uma atriz ou não. Então,
teve esses dois critérios, do conteúdo e da forma, de
como saber contar, e o filme é isso.
Elas por Elas - Alguma história o surpreendeu
mais?
Eduardo Coutinho - Teve uma que eu tirei, que era
forte, e envolvia uma pessoa viva, que era o marido. A
história era terrivelmente ruim para o marido, e eu tirei
essa história fantástica porque eu não podia provocar
prejuízos para a pessoa. Ela dizia que não tinha problema,
mas eu achava que sim. A história envolvia toda
a família dela. Agora, por que as mulheres foram lá
contar suas histórias? É difícil dizer. Acho que de
repente elas queriam ser ouvidas. É uma loucura, pois
o filme ficou pronto um ano depois. Eu vi essas mulheres
depois de um ano, no dia da pré-estréia. Elas
foram ver e até agora ninguém se matou. Entre
mortos e feridos, salvaram-se todos. O mais importante
é saber que cada história pode ser coletiva, outras
pessoas podem contá-la.f
Fernanda Torres interpreta histórias selecionadas para o filme
39
Divulgação
[ Música ]
Grupos só de mulheres se firmam no cenário musical
Débora Junqueira
Sucesso nos bares da capital, o grupo Tambatajá é vanguarda na formação feminina, juntamente com outros grupos como o Trio Amaranto e as Meninas de Sinhá
Há cinco ou dez anos, Belo Horizonte era conhecida
como a capital dos bares, onde se
apresentavam uma gama de músicos e atores de
qualidade, de Minas Gerais e do Brasil, com
espetáculos que variavam entre o clássico formato voz
e violão e performances artísticas. Hoje, a praia dos
mineiros ainda são os bares, mas na cena musical algo
começa a mudar. Se antes a noite era dominada pelos
grupos musicais masculinos, agora a vez parece ser
delas.
De uns anos para cá, surgiram grupos formados
só por mulheres, tais como
que juntas representam muitas gerações, que
sonham com a fama, não só em solo mineiro, mas
também no cenário nacional. E de um jeito ou de outro,
estão fazendo estrada e abrindo espaço para cada
vez mais mulheres na cena musical.
Trio Amaranto
O é um belo exemplo de produção
artística de qualidade, essencialmente mineiro, e
formado só por mulheres e, mesmo jovens, já completou
10 anos de carreira. O grupo é composto pelas
irmãs Marina, Lúcia e Flávia Ferraz que produzem um
som baseado no vocal e em instrumentos de corda e
sopro. De acordo com Flávia Ferraz, a relação com
a música nasceu dentro de casa. Desde a infância as
irmãs tocam violão, flauta e piano. Hoje, elas são
professoras de música e encaram com muita seriedade
o assunto.
Inicialmente, com o nome de
elas
tocavam em bares da capital, mas em 2000 lançaram
o primeiro CD,
já com o novo nome do
grupo. Pelo nível de conhecimento técnico que
40
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
possuem sobre música, com boa utilização de arranjos
e recursos musicais, o tem boa aceitação do público
e da crítica especializada. Também conquistaram
um espaço que poucas conseguem, ou seja, trabalhar
com grandes nomes como Djavan, Marina Machado
e outros.
Tambatajá
Com enorme talento, mas ainda muitas pedras
no caminho, o outro grupo feminino que bota para
quebrar nos bares da capital é o criado em
2006, a partir de uma outra formação feminina, o
que foi vanguarda nessa área. A ousadia do
grupo está explícita no nome. é uma flor com
formato semelhante ao órgão sexual feminino,
originada de uma história de amor indígena.
No repertório, o grupo privilegia o samba, que
sempre foi dominado pelos homens e às vezes até
carrega uma dose de machismo nas letras. Mas isso
não é problema para elas, que vêem na formação do
grupo feminino um diferencial no mercado da música.
“No início, nós despertávamos desconfiança, depois
curiosidade, isso tudo é positivo, pois trouxe as
pessoas para conferirem o nosso trabalho”, afirma a
cantora e violonista Tânia Alves, que também é
psicóloga. Para ela, o maior desafio é sobreviver e ser
respeitada no mundo do samba, onde é preciso
difundir uma outra imagem da mulher brasileira, em
que o talento e a garra sejam observados mais do que
somente os atributos físicos.
As outras componentes do Juliana Zaidan
(fisioterapeuta), Cristiane Cordeiro (professora de
dança de salão) e Bárbara Ferrarezi (professora de
música numa escola privada) apontam a riqueza de
Belo Horizonte na produção de talentos, mas criticam
a falta de investimentos em cultura, principalmente
nas casas de shows e bares, para receber
adequadamente os artistas. Apesar da música ser
encarada como uma profissão, enquanto a fama não
vem, elas buscam a sobrevivência financeira em outras
atividades profissionais. Mas mesmo assim elas
encorajam outras formações femininas e afirmam que
há muitas mulheres na fila para entrar na banda.
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
Meninas de Sinhá
Com o propósito de elevar a estima das mulheres
e inseri-las na sociedade, através da arte, surgiu em
1998 o Grupo mas as raízes do pro jeto
remontam a 1989, com os encontros sociais do projeto
Lar Feliz, na região do bairro Alto Vera Cruz, Zona Leste
de Belo Horizonte. Movido, em grande parte, pela
preocupação e pelo idealismo de uma de suas principais
componentes, Valdete da Silva Cordeiro, o projeto
buscava entender os problemas comuns, carências e
angústias, das mulheres que vivem na comu nidade.
Essas senhoras, em maioria donas de casa, sofriam de
males psicológicos como a depressão e encontraram
no grupo uma ferramenta para superar a dependência
dos remédios.
Conforme lembra dona Valdete, nos encontros
semanais foi nascendo a vontade de cantar, dançar e
relembrar antigas cantigas de roda, cirandas e
brincadeiras infantis, o que se transformou no principal
objeto artístico do grupo: a preservação da memória e
a difusão da cultura popular. Ao longo desses 20 anos,
as vêm se afirmando no cenário cultural de
Belo Horizonte. Suas características são o perfil
marcante de suas componentes, a qualidade e expressão
artística nas apresentações, além de uma
história de luta e grande potencial criador. Já se apre -
sentaram em diversas cidades do estado e participam
também de projetos educativos com cursos e oficinas.
Depois de alguns anos de trabalho, as
ganharam reconhecimento, mas no início houve
resistência por parte das próprias mulheres e de suas
famílias. "Geralmente a preocupação da mulher é a casa,
a família, ela não pensa em si mesma", explica Dona
Valdete. Após ganhar a adesão das Meninas, ela teve
que lidar com a insatisfação dos maridos: "ao entrar para
o grupo, as mulheres mudaram sua vida em casa,
começaram a dividir tarefas, a fazer a comida, deixar
em cima do fogão e sair". Completa.
Hoje, mais de cinquenta mulheres, com idade entre
45 e 89 anos, fazem parte do projeto. E dona Valdete
revela com muita alegria a gravação do primeiro CD,
em abril de 2007, e também o recebimento do prêmio
Cultura Viva, do Governo Federal.f
41
[ Livros ]
Publicações sobre a temática feminina
A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República desenvolve
uma linha de publicações sobre temáticas femininas. É possível baixá-las gratuitamente
no site: http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sepm/publicacoes/
3º Prêmio Construindo
a Igualdade de Gênero: Redações e
trabalhos científicos premiados
Brasília: SPM, 2008.
Já em sua terceira edição, o
prêmio legitima os estudos de
gênero no universo acadêmico e
mobiliza estudantes e professores
do ensino médio a refletirem
sobre questões da maior urgência
no ambiente escolar do país.
Gênero e Diversidade
na Escola Org. Maria Elisabete
Pereira, Fabíola Rohden -
Brasília/Rio de Janeiro:
SPM/CEPESC, 2007.
Projeto destinado à formação de
profissionais da área de
educação, abordando as
temáticas de gênero, sexualidade
e orientação sexual e relações
étnico-raciais, de maneira global
e transversal.
II Plano Nacional de
Políticas para as Mulheres
Brasília: SPM, 2008.
Resultado das demandas da II
Conferência Nacional de Políticas
para as Mulheres, processo que
envolveu cerca de 195 mil mulheres
em todo o país, e que
apresenta 394 ações voltadas
para a melhoria das condições de
vida das mulheres.
Pacto Nacional de Enfrentamento à
Violência contra a Mulher
Por Gabriela Ferreira do Vale e
Lourdes Maria Antonioli - Brasília:
SPM, 2007.
Apresentação das principais
características e eixos do Pacto
Nacional que envolve diversas
instituições do Governo Federal.
Mulher adolescente/jovem em
situação de violência: propostas de
intervenção para o setor saúde
Organizado por Stella R. Taquette.
Brasília: SPM, 2007.
Apresentação de onze casos de
violência contra mulheres
adolescentes e jovens, com
metodologia de auto-aprendizagem,
qualificando a intervenção
profissional nestas situações.
Vozes femininas na política: uma
análise sobre mulheres
parlamentares no pós-Constituinte.
De Luana Simões Pinheiro. Brasília:
SPM, 2007.
Pesquisa sobre a participação das
mulheres na Câmara dos
Deputados brasileira no período
entre 1987 e 2002, traçando um
panorama das práticas políticas
femininas.
Balanço Pró-Eqüidade de Gênero
2005/2006 - Oportunidades iguais.
Respeito às diferenças- edição
trilingüe - Brasília: SPM, 2007.
Programa com o objetivo de
desenvolver novas concepções na
gestão de pessoas e cultura
organizacional para alcançar a
eqüidade de gênero no mundo do
trabalho.
Enfrentamento à Violência contra a
Mulher: balanço das ações
2006-2007
Brasília: SPM, 2007.
Maria Clara Guaraldo Notaroberto
Balanço das ações da SPM com dados
e informações sobre o enfrentamento
à violência contra as mulheres, a rede
de serviços disponível, o impacto
da Lei Maria da Penha e a Central de
Atendimento à Mulher.
42
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
[ Serviço]
Guia de informações úteis para as mulheres - BH
Benvinda - Centro de Apoio à Mulher
Avenida do Contorno, 2231 - Floresta
Telefone: (31) 3277-4380
Fax: (31) 3277-4755
Casa Abrigo Sempre Viva
Coordenadoria Municipal dos
Direitos da Mulher
Rua Espírito Santo, 505 - 9º andar - Centro
Telefone: (31) 3277-9756
Fax: (31) 3277-9758
comdimbh@pbh.gov.br
Coordenadoria Especial de Políticas Públicas
para Mulheres de Minas Gerais - CEPAM
Rua Pernambuco, 1000/Sl 24 - Savassi
Telefone: (31)3262-0733
coordenadoria.mulher@social.mg.gov.br
Conselho Estadual da Mulher - CEM
Rua Pernambuco, 1000,
Salas 20, 21, 22 e 23 - Funcionários
Telefone: (31)3261-0696
Fax: (31)3261-0696
conselhomulher@social.mg.gov.br
(31) 3330-1760
Defensoria Pública - Núcleo de Defesa das
Mulheres em Situação de Violência - NUDEM
Rua Paracatu, 304 - Barro Preto
Telefone: (31) 3349-9416
Email: nudem@defensoriapublica.mg.gov.br
Núcleo de Combate à Discriminação em Termos
de Emprego e Ocupação
Rua Tamóios, 596 /12º andar / Sala 1202
Telefone: (31) 3270-6178
E-mail: ncd.drtmg@mte.gov.br
Movimento Popular da Mulher
Rua Hermílio Alves, 34 - Santa Tereza
Telefone: (31) 3227-1012
MUSA - Mulheres e Saúde
Av. Barbacena, 473 / SL 604/605 - Barro Preto
Telefone: (31) 3295-1667
NZINGA Coletivo de Mulheres Negras
Rua Hermílio Alves, 34 - Santa Tereza
E-mail: nzinga@ibest.com.br
Conselho Municipal dos Direitos da Mulher
Rua Espírito Santo, 505 - Centro
Fone: (31) 3277-9756
Centro da Mulher do Graal
Rede Feminista de Saúde/MG
Rua Pirapetinga, 390 - Serra
Telefone: (31)3225-2224
Fax: (31)3225-2416
E-mail: graal@graalbrasil.com.br
CFEMEA - Centro Feminista de
Estudos e Assessoria
www.cfemea.org.br
Delegacia Especializada de Crimes
Contra a Mulher
Rua Aimorés,3005 - Santo Agostinho
Telefone: (31) 3330-1758 ou
A Central de Atendimento à Mulher - Ligue
180 - funciona 24 horas por dia, de segunda à
domingo, inclusive feriados. A ligação é gratuita e
o atendimento em âmbito nacional. Através da
Central, as mulheres brasileiras poderão receber
atenção adequada quando em situação de
violência, sem nenhuma exposição, pois o sigilo é
absoluto e a identificação opcional.
Informações sobre atendimento nas cidades do interior de Minas
Gerais e nos demais estados brasileiros através do Ligue 180 ou
site: http://www.presidencia. gov.br/ estrutura_presidencia/sepm/
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
43
[ Ensaio ]
A interdição ao abortamento voluntário:
criminalização e desobediência civil
Por Fátima Oliveira
Antônio Cruz/Agência Brasil
Quando convidada para escrever um artigo
sobre aborto para a revista assumi o compromisso de
buscar em meus guardados algo sobre o tema. É que
perdi a conta de quantos artigos já escrevi sobre
aborto.
Em meu livro há um capítulo denominado: “O
direito ao aborto: uma exigência ética”, cuja
abordagem é que o aborto é uma prática pancultural;
uma expressão de resistência; e que nas condições
da ilegalidade e da clandestinidade, em qualquer país,
inclusive no Brasil, o aborto é legal para quem pode
pagar, evidenciando assim o recorte de classe,
inegável, no acesso ao abortamento.
Apresento, assim um ensaio que, em si, é uma
“bricolagem”. Ou seja, uma sistematização de trechos
de alguns artigos de minha autoria, escritos em
diferentes épocas, mas que mantém atualidade.
O Código Penal brasileiro, em vigor desde 1940,
44
inseriu o aborto no capítulo dos “Crimes contra a
vida”, artigos 124 a 128, permitindo que o aborto fosse
realizado por profissional médico para salvar a vida
da gestante ou em caso de gravidez resultante de estupro.
Em 2005, pela primeira vez, desde que o aborto
foi criminalizado no Brasil (1830), o Estado acenou
com a possibilidade de rever a legislação
criminalizadora e punitiva, porque até 2004 só ampliava
a criminalização!
Relembremos que, até 1830, no Brasil, não
havia leis sobre o aborto. Naquele ano foi elaborado
o Código Criminal do Império que alocou o aborto no
capítulo “contra a segurança das pessoas e da vida”.
No Código Penal da República (1890), o aborto
praticado por terceiros passou a ser penalizado, se,
com ou sem aprovação da gestante, dele resultasse
a morte desta; no auto-aborto visando a “ocultar
desonra própria”, a pena era reduzida; e a noção de
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
aborto legal ou necessário foi explicitada apenas para
salvar a vida da gestante.
O Código Penal Brasileiro de 1940, elaborado no
pós I Guerra Mundial — no contexto da tendência
ética mundial da condenação do estupro como arma
de guerra —, inscreveu o aborto nos “crimes contra
a vida” e prescrevia pena de um a quatro anos para
quem o realizasse em outra pessoa; e de um a três
anos para o auto-aborto ou por consentir que outro
o provocasse; manteve assim o aborto como crime que
só não é punido se a gravidez é resultante de estupro
e em caso de risco de vida da gestante.
“Nós, mulheres, só abortamos
porque precisamos”
A cada cinco minutos uma mulher morre por ter
feito aborto inseguro na ilegalidade. Não escolheram
morrer, os governos permitem que elas morram e a
sociedade 'lava as mãos'! É uma insanidade pensar que
as mulheres premeditam engravidar para interromper
a gravidez. Nós, mulheres, só abortamos porque
precisamos. O aborto é uma realidade cotidiana no
mundo. A cada ano 20 milhões de mulheres são
obrigadas a praticar, entre o pecado e o crime,
desobediência civil para abortar. Isto é, cerca de 44%
dos abortos no mundo são feitos na clandestinidade,
pois são proibidos por lei. Imagine uma cidade como
Belo Horizonte (2,5 milhões de habitantes)e se dê
conta de que, anualmente, o número de mulheres que
abortam em condições inseguras, arriscando a saúde
e até a vida, corresponde a oito vezes a população da
capital mineira.
Visando sensibilizar governos e sociedades para
o respeito aos valores da pluralidade democrática e
demonstrar que a luta pelo direito ao aborto seguro
é parte central do direito à maternidade voluntária,
desde 1990, 28 de setembro é Dia pela Descriminalização
do Aborto na América Latina e Caribe.
No Brasil, em 1983, as feministas definiram tal data
como Dia Nacional de Luta pela Legalização do
Aborto, tendo como referência a assinatura da Lei do
Ventre Livre em 28 de setembro de 1871, data a partir
da qual filhas e filhos de escravas nasciam livres!
Desde 1940, muitos foram os embates no
legislativo com vistas à ampliação dos permissivos
legais para o aborto, assim como para sua descriminalização
e/ou legalização. Em 2005, ao criar a
Comissão Tripartite sobre o Aborto, foi a primeira vez
que um governo se comprometeu a apresentar uma
proposta de legislação nesse sentido. Todavia não
cumpriu o prometido: apresentar ao Congresso
Nacional uma proposta do executivo federal, resultado
do trabalho da referida comissão, cuja proposta era
descriminalizar e legalizar o aborto.
Acredito que com relação ao aborto no Brasil é
hora de “cismar”. Apesar dos esforços para sua descriminalização
e legalização nas últimas duas décadas,
com maior expressão pública nos últimos quatro anos,
ele continua ilegal — exceto nos dois casos previstos
em lei: gravidez resultante de estupro e risco de vida
para a gestante — e vivemos um recrudescimento das
forças conservadoras de extração fundamentalista que
repercute de forma intensa e profunda no Congresso
Nacional e, por tabela, se espraia nas hostes da
presidência da República que, acuada, silencia.
Porém sabemos que o silêncio fala. E o do Governo
Lula é gritante.
Por exemplo, ao não assumir revisar a legislação restritiva
e punitiva sobre o aborto, compromisso do qual o
Brasil é signatário no âmbito das Nações Unidas, desnuda
o desprezo por uma agenda obrigatória para consolidar a
laicidade do Estado e o compromisso para com a ampliação
das liberdades democráticas, pois o processo de remover
o entulho autoritário e criminalizador do direito de decidir
é uma pauta de ampliação da democracia e de justiça social.
Enfim, o presidente Lula demonstrou ser um
cristão católico romano vulnerável, pois sucumbiu às
pressões diretas e indiretas do Vaticano, que tenta por
todos os meios, sobretudo via satanização das mulheres
e sacralização do embrião, impor às leis civis
e penais de países laicos a condenação do aborto como
um crime. O presidente mandou pras calendas
gregas as recomendações da I Conferência Nacional
de Políticas para as Mulheres (2004), referendadas
pela II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres
(2007).
Apesar de ter criado a Comissão Tripartite
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008 45
[ Ensaio ]
sobre o Aborto, em 2005, cumprindo uma
recomendação da I Conferência Nacional de Políticas
para as Mulheres, não encaminhou ao Congresso
Nacional a proposta elaborada pela mesma, que era
de descriminalização e legalização do aborto, que foi
entregue pela ministra Nilcéa Freire, da Secretaria
Especial de Políticas para as Mulheres, à deputada
Jandira Feghali (PCdoB-RJ), e apensada ao Projeto
de Lei (PL) derrotado na Comissão de Seguridade
Social e Família da Câmara dos Deputados (CSSF),
em 8 de maio de 2008.
Era um PL que legalizava o aborto, em tramitação
há 17 anos, que remonta a uma junção da proposição
inicial dos ex-deputados petistas Eduardo Jorge
(SP) e Sandra Starling (MG), que revogava o artigo
124 do Código Penal (detenção de um a três anos à
mulher que aborta) e da proposta do deputado José
Genoíno (PT-SP), que previa, além da legalização do
aborto, a oferta do procedimento na rede pública de
saúde. O resultado da votação dá a exata dimensão
da correlação de forças atualmente na Câmara: foi
unanimidade o arquivamento do PL (foram 33 votos
a zero). Sabe-se que cerca de quinze projetos sobre
aborto tramitam na Câmara. Deles, sete aumentam
as penas ou cerceiam totalmente as possibilidades de
“aborto legal” atuais.
Como já dissemos, a proposta da Comissão
Tripartite sobre o Aborto não ficou ao léu porque a
ministra Nilcéa Freire não regateou e bancou a entrega
simbólica à Bancada Feminina do Congresso
Nacional, personificada na deputada Jandira Feghali,
em 25 de setembro de 2005, à época relatora dos PL's
que tramitavam na Câmara que descriminalizavam o
aborto, atendendo apelo do movimento feminista e
vários movimentos sociais organizados, sociedades
científicas como a SBPC (Sociedade Brasileira pelo
Progresso da Ciência), pessoas e forças políticas
democráticas e setores do governo, notadamente
Ministério da Saúde.
Em “Genuflexão contra as mulheres”, a filósofa
Sueli Carneiro escreveu: “A vida das mulheres na ótica
presidencial situa-se fora de 'todos os aspectos' e de
'todo alcance' da defesa da vida que lhe caberia
realizar, posto que ele preside um país em que a morte
46
materna por causas previsíveis e evitáveis, incluindo
aquelas por abortos inseguros, se constitui em
verdadeira tragédia. A vida e a saúde das brasileiras
foram ofertadas em genuflexão presidencial para
assegurar o apoio da CNBB ao governo e aos seus
desejos de reeleição, de costas aos diferentes setores
da sociedade civil que apóiam o anteprojeto da
Tripartite”. A hipocrisia que cerca o tema aborto na
Igreja tem recente tradução no meu livro
(Mazza Edições, 2005), no qual personagens 'fictícios'
desvendam as contradições eclesiásticas diante da
paternidade proibida e indesejada e o lugar do
aborto nelas.
Cabe ressaltar que 2005 foi um ano em que o
movimento feminista estabilizava força política
acumulada desde o início do governo Lula (2003) e
contava com aliados consolidados no interior desse.
Avaliava-se que era chegada a hora de ousar
“aproveitar” devidamente as brechas existentes num
Estado laico, embora patriarcal. Havia consciência de
que os três poderes (Executivo, Legislativo e
Judiciário) eram fortemente influenciáveis pelo
fundamentalismo religioso, particularmente aquele
de extração católica. Como fica bem demonstrado em
suas ações, inclusive na última Conferência Nacional
de Saúde (2007), que se posicionou contra a ampliação
do direito de decidir das mulheres, além da
organicidade, no Congresso Nacional, da Frente
Parlamentar contra o Aborto e do agrupamento
denominado Movimento Nacional pela Vida “Brasil
Sem Aborto”.
Mas também havia consciência de que era
preciso encontrar formas de sensibilizar a sociedade
e pautar a mídia nacional. Para desempenhar um
papel aglutinador de mulheres, homens e instituições
em luta pelo direito ao aborto foram criadas as
Jornadas Brasileiras pelo Aborto Legal e Seguro (5/02
e 6/2/2004) - de inspiração feminista, inicialmente
idealizadas e articuladas pela Rede Feminista de
Saúde, mas com “cara” própria enquanto um espaço
político.
Estamos em 2008. Tenho a opinião de que, na
conjuntura atual, resta ao feminismo e demais
movimentos e pessoas solidárias com a luta pelo
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
direito ao aborto legal e seguro, como forças políticas
incansáveis e atuantes, re-olhar o caminho a percorrer
para ganhar e agregar aliados nos demais movimentos
sociais e na sociedade como um todo. Dada a
conjuntura adversa, é hora não de recuar, mas de
redefinir estratégias que, segundo avalio, consistem
em azeitar a prática política de resistência, mantendo
olhos abertos para o Congresso Nacional no sentido
de tentar barrar retrocessos na lei restritiva existente,
mas também dar apoio às mulheres envolvidas em
acusações de abortamento ilegal. A exemplo do
recente caso do Mato Grosso do Sul, no qual 9.896
mulheres, acusadas de terem abortado, correm risco
de condenação, além do que tiveram seus prontuários
médicos recolhidos pela Justiça, sem a autorização
delas, e abertos à execração pública, num país onde
o prontuário médico pertence ao “paciente” e o sigilo
médico é garantido por lei! Não temos o direito de
ter dúvidas: o Estado brasileiro tem o dever moral de
defender as acusadas, já que lhes nega um
procedimento médico seguro. É imoral que cruze os
braços e silencie.
Aborto é um problema
de saúde pública
O Brasil é signatário de diversos instrumentos
jurídicos e acordos internacionais, entre eles a
Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de
Discriminação contra as Mulheres e a Plataforma de
Ação da Conferência Internacional sobre População
e Desenvolvimento, que visam assegurar o direito à
saúde sexual e à saúde reprodutiva. O aborto
provocado é reconhecido, mundialmente, como um
importante problema de saúde pública, especialmente
nos países cujas legislações restringem a sua prática,
como é o caso brasileiro. Enquanto a taxa de aborto
por 1.000 mulheres é de 4/1.000 em países como a
Holanda, no Brasil a estatística é 10 vezes maior:
40/1.000.
A pesquisa2005, pelo Centro de Pesquisas em
Saúde Reprodutiva de Campinas (Cemicamp) ouviu
3.386 ginecologistas e obstetras. Aproximadamente
80% dos profissionais que viveram alguma situação
de gravidez indesejada em suas vidas (homens e mulheres)
optaram pela interrupção voluntária da
gravidez, mesmo fora das possibilidades legais
vigentes.
O mesmo levantamento, contudo, nos informa
que cerca de 50% dos médicos respondentes à
pesquisa e que trabalham em serviços públicos de
Saúde, diante de um caso de aborto — ainda que
previsto em lei — optam por pedir a outro profissional
para que realize o procedimento.
Outro estudo do Cemicamp revela que, no
âmbito do Poder Judiciário, quatro de cada cinco
magistrados que vivenciaram uma gravidez indesejada
decidiram que a situação justificava a
prática do aborto. No entanto, cerca de 50% dos juízes
não abrem mão da exigência de alvará judicial para
autorização da prática de aborto prevista em lei (casos
de risco iminente de morte para a mãe e estupro),
procedimento desnecessário conforme as próprias
normas jurídicas vigentes.
Todas as pesquisas de opinião revelam que a
maioria dos brasileiros preferiria que nenhuma mulher
tivesse que provocar um aborto. Mesmo aquelas
mulheres que terminaram por provocar um aborto
manifestaram opinião contrária a essa prática, até se
verem na situação que as levaram a optar pela interrupção
da gestação.
Bioética e legalização do aborto
Mais de 90% das controvérsias nos meios da bioética,
a ética da vida, referem-se ao campo dos direitos
reprodutivos, destacando-se entre elas a questão do
aborto (...) a postura de governos quanto à
manutenção da criminalização do aborto apoiada em
opiniões de religiões e que visam o controle da
sexualidade e dos corpos das pessoas, notadamente
das mulheres, é insustentável do ponto de vista ético,
posto que a sociedade é plural, logo nem todas as
pessoas professam a mesma fé. É antiético obrigar
alguém a pautar a sua vida pela moralidade de uma
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008 47
[ Ensaio ]
visão de mundo derivada de uma determinada
crença.
A legalização do aborto é a única postura ética
diante da situação de calamidade pública que é o
aborto ilegal. A legalidade não significa a
obrigatoriedade de abortar e possibilitará às pessoas
um contexto no qual poderão ter autonomia e
condições sociais e materiais de decidir o que fazer
quando colocadas em situação de complexidade incontestável
como uma gravidez inesperada ou indesejada.
A maternidade é um direito fundamental de
cidadania, portanto a mulher deve ser apoiada pelo
Estado em sua decisão de ter ou não uma prole. A
legalização do aborto apenas possibilita fazer sua escolha
sem apelar para a desobediência civil, no exercício
do “direito de decidir sobre o próprio corpo”, cuja
dimensão bioética responde com sinceridade à indagação
do filósofo italiano Maurizio Mori: “O direito
à vida implica o uso do corpo alheio?” O parasitismo
do embrião/feto no corpo da mulher quando ela não
o deseja não é moralmente aceitável, e as interdições
ao aborto só jogam na clandestinidade um problema
de saúde pública.f
Leitura recomendada:
MÍDIA & SAÚDE DA MULHER:
Repressão policial, ideológica e política contra o
aborto no Brasil. Fátima Oliveira (14.9.2004)
www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.
asp?cod=294OFC003
Fátima de Oliveira é médica. Membro do Conselho Diretor da Comissão de
Cidadania e Reprodução; do Conselho Consultivo do CFEMEA/Centro Feminista
de Estudos e Assessoria; e do Conselho Consultivo da Rede de Saúde das Mulheres
Latino-americanas e do Caribe (RSMLAC). Uma das 52 brasileiras indicadas
ao Nobel da Paz 2005.
Estudo inédito traça um
perfil das mulheres
que abortam
As discussões sobre o aborto no Brasil e no
mundo sempre trazem à tona uma gama de pontos
de vista contraditórios. O assunto é exaustivamente
debatido por muitos setores da sociedade civil, sempre
envoltos em muita polêmica. Um estudo elaborado
pelas Universidades de Brasília (UnB) e do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ) traz um mapa inédito do
aborto no Brasil, o que municia o debate público. Com
315 páginas, o estudo faz uma compilação dos
resultados de pesquisas realizadas nos últimos 20 anos
sobre o assunto.
No Brasil, as mulheres que abortam têm, em sua
maioria, entre 20 e 29 anos, possuem uma união
estável, pelo menos um filho e até oito anos de estudo.
São também trabalhadoras, católicas e usuárias de
métodos contraceptivos, e o aborto é feito com o uso
de misoprostol — mais conhecido como Cytotec. Esse
é o perfil do aborto no país, de acordo com o estudo
coordenado pela antropóloga e professora da UnB,
Débora Diniz, e pela médica sanitarista da UERJ,
Marilena Corrêa. O trabalho mostra os principais
desafios enfrentados pela saúde pública em relação
ao tema.
De acordo com as coordenadoras, foram
recuperadas 2.135 fontes em língua portuguesa,
publicadas por autores, periódicos e editoras nacionais
e estrangeiras. Foi traçado um perfil completo sobre
as características das mulheres que abortam e suas
condições sociais. A pesquisa mostra também que
existem muitas faces do aborto ainda não estudadas
e que precisam de mais atenção da sociedade. Há
poucos estudos, por exemplo, sobre o universo
simbólico das mulheres que abortam, o processo de
tomada de decisão e o impacto em sua trajetória reprodutiva
ou em seu bem-estar e os serviços de aborto
legal. Uma síntese do estudo está disponível no Portal
Sinpro Minas (www.sinprominas.org.br).
48
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
[ Perfil ]
Mark Florest
Dona Elisa, 90 anos e
uma nova carreira
Aos 90 anos e após dedicar grande parte da sua
vida às salas de aula, como professora e diretora, a
pedagoga Elisa de Castro Tito realizou, em 2008, mais
uma façanha em sua vida: depois de prestar vestibular,
está agora matriculada no primeiro período do curso
de Direito, em uma Faculdade de Belo Horizonte. E
as aulas vão muito bem, conforme ela mesma conta.
Mãe de nove filhos, 20 netos e 3 bisnetos, Dona Elisa
aposentou-se em 1989. Segundo ela, a escolha do
curso não foi influenciada pelos membros da família.
“O Direito é muito amplo, com muitas áreas em que
podemos atuar. É um curso que está ligado à vida em
todos os aspectos”, justificou dona Elisa. Embora
ainda não tenha definido, ela afirma que pretende
atuar numa área mais humanística.
Artista plástica desde a juventude, dona Elisa diz
que faz do dom um passatempo, e não uma profissão.
Amante da leitura, ela encontrou na faculdade um
meio de se atualizar.
"Cuidei dos filhos e depois dos netos durante esse
período de aposentadoria e fico muito satisfeita por
tê-los orientado, mas é hora de trilhar um novo caminho,
e na faculdade vou empregar melhor o meu
tempo", ressalta. Sobre o dia-a-dia na sala de aula,
dona Elisa é enfática: “no meu tempo havia um compromisso
maior do aluno. O estudo também era mais
rígido. Além das provas, tínhamos as argüições.
Hoje, copia-se tudo do computador e o aluno só assina
o trabalho”. Embora prefira os livros, dona Elisa
admite que não terá como escapar da Internet na hora
de fazer os trabalhos. "O computador é um avanço da
educação e não dá para fugir disso. Mas ele tem que
ser usado como complemento do que aprendemos nos
compêndios", ensina.f
Mulher!
A realidade dos novos tempos te lançou ao
encontro de outras atividades que a mantinha reclusa
nos afazeres do lar para uma eficiente
participação no mundo contemporâneo. Novos
horizontes se abriram e exigiram seu compromisso
em questões humanitárias, onde a sua
atuação se faz necessária e presente.
Você, Mulher, caminha ao lado com as
questões majoritárias num poder democrático e
atuante para o engrandecimento do nosso país.
As leis elaboradas pelas instituições do Direito
merecem seu crédito, porque você faz a análise
das mesmas e lhes atribui a responsabilidade de
seu compromisso.
ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
Quantas vezes você se entrega ao estudo dos
projetos em que está inserida, para a palavra final
da conclusão e exame que constituem, pelo seu
valor, o envolvimento da comunidade e suas
necessidades mais urgentes. É o cidadão que
espera, com a participação de vê-la envolvida nos
problemas nacionais, uma solução eficiente para
os meios sociais e culturais, que preocupam o
mundo contemporâneo.
É preciso romper com os grilhões do passado,
onde os costumes e as legislações oprimiam as
mulheres, reduzindo-as a um papel secundário.
Hoje os tempos são outros e, apesar de muitos
preconceitos, os espaços estão sendo
conquistados pelas mulheres.
Elisa de Castro Tito
49
[ Retrato ]
Agência Estado
Marta Vieira, considerada a melhor jogadora de futebol do mundo. Primeira e única mulher a deixar a sua marca na calçada da fama no Maracanã
50 ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2008
*Essência*
Não quero ser esposa, amante ou filha.
Não quero ser mãe nem tia.
Não quero estar embrulhada em papéis, carretéis ou anéis.
Quero sim ser o meu olho,
minha imagem, meu sonho.
Quero ser o meu estômago, pra digerir destinos.
Quero ser o meu sorriso, pra gargalhar da vida.
Quero sim ser o meu colo, pra afagar afetos.
Quero, enfim, não ser embrulho, entulho, orgulho.
Olho, alma, sorriso e colo:
só isto basta.
Alice Nogueira da Gama
Foto: Mark Florest
Mark Florest
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Fax: (31) 3465 3008 - Belo Horizonte - www.sinprominas.org.br
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