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Elas por elas 2012

A revista sobre gênero Elas por Elas foi criada, em 2007, com o objetivo de dar voz às mulheres e incentivar a luta pela emancipação feminina. A revista enfatiza as questões de gênero e todos os temas que perpassam por esse viés. Elas por Elas traz reportagens sobre mulheres que vivenciam histórias de superação e incentivam outras a serem protagonistas das mudanças, num processo de transformação da sociedade. A revista aborda temas políticos, comportamentais, históricos, culturais, ambientais, literatura, educação, entre outros, para reflexão sobre a história de luta de mulheres que vivem realidades diversas.

A revista sobre gênero Elas por Elas foi criada, em 2007, com o objetivo de dar voz às mulheres e incentivar a luta pela emancipação feminina. A revista enfatiza as questões de gênero e todos os temas que perpassam por esse viés. Elas por Elas traz reportagens sobre mulheres que vivenciam histórias de superação e incentivam outras a serem protagonistas das mudanças, num processo de transformação da sociedade. A revista aborda temas políticos, comportamentais, históricos, culturais, ambientais, literatura, educação, entre outros, para reflexão sobre a história de luta de mulheres que vivem realidades diversas.

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SINDICATO DOS PROFESSORES DO ESTADO DE MINAS GERAIS - FILIADO À FITEE, CONTEE E CTB - WWW.SINPROMINAS.ORG.BR - MARÇO 2012 - NÚMERO 5

Mais candidatas

nas eleições

em 2012

pág.8

Mulheres estão

mais otimistas

pág.22


Estatuto da Mulher

Art. I Fica decretado

que a partir de agora

vale a utopia.

Valem os sonhos

os possíveis e os impossíveis.

E que eles se façam verdade

e se desdobrem em luz

no escuro de nossas incertezas.

Art. II Fica constituído,

por decisão soberana,

o Poder Feminino.

Porque feminina é a Lei

e feminina é a Justiça.

A Liberdade é feminina;

A Verdade, a Paz, a Igualdade,

a luta, a conquista, a vitória;

a paciência, a tolerância, a paixão;

e feminina é a Esperança

que nos permite confiar no futuro.

Jovita Levy


Uma nova percepção sobre igualdade de gênero

Departamento de Comunicação:

Diretores responsáveis: Aerton Silva e Marco Eliel de Carvalho

Editora/Jornalista responsável: Débora Junqueira (MG05150JP)

Redação: Cecília Alvim (MG09287JP),

Denilson Cajazeiro (MG09943JP) e Saulo Martins (MG15509JP)

Programação visual/Diagramação: Mark Florest

Design Gráfico: Fernanda Lourenço

Revisão: Aerton Silva

Conselho Editorial: Lavínia Rodrigues, Terezinha Avelar, Marilda Silva,

Liliani Salum Moreira, Cláudia Pessoa, Clarice Barreto, Ana Maria Prestes, Nádia

Maria Barbosa, Maria Izabel Bebela Ramos e Antonieta Mateus

Capa: Cinco moças de Guaratinguetá, obra de Di Cavalcati

Impressão: EGL-Editores Gráficos Ltda - Tiragem: 5.000

Distribuição gratuita: Circulação dirigida

comunicacao@sinprominas.org.br

Diretoria Gestão 2009-2011

Presidente: Gilson Luiz Reis; 1º Vice-Presidente: Valéria Peres Morato Gonçalves; 2º Vice-Presidente:

Marco Eliel Santos de Carvalho; Tesoureiro Geral: Décio Braga de Souza; 1º Tesoureiro:

Dimas Enéas Soares Ferreira; Secretária Geral: Liliani Salum Alves Moreira; 1º Secretário: Clovis

Alves Caldas Filho; Conselho Fiscal: Newton Pereira de Souza; Nalbar Alves Rocha; Fátima Amaral

Ramalho; Suplente do Conselho Fiscal: Aerton de Paulo Silva; Renato César Pequeno; Maria Célia

da Silva Gonçalves. Diretoria: Adelmo Rodrigues de Oliveira; Adenilson Henrique Gonçalves; Albanito

Vaz Júnior; Alessandra Cristina Rosa; Altamir Fernandes de Sousa; Angelo Filomeno Palhares

Leite; Aniel Pereira Braga Filho; Antonieta Shirlene Mateus; Antônio de Pádua Ubirajara e Silva; Antônio

Sérgio de Oliveira Kilson; Aparecida Gregório Evangelista; Aristides Ribas Andrade Filho; Benedito

do Carmo Batista; Bruno Burgarelli Albergaria Kneipp; Carla Fenícia de Oliveira; Carlos Afonso

de Faria Lopes; Carlos Magno Machado; Carolina Azevedo Moreira; Cecília Maria Vieira Abrahão;

Celina Alves Padilha Arêas; César Augusto Machado; Clarice Barreto Linhares; Cláudia Cibele Souza

Rodrigues; Clédio Matos de Carvalho; Daniel de Azevedo Teixeira; Débora Goulart de Carvalho; Diva

Teixeira Viveiros; Edson de Oliveira Lima; Edson de Paula Lima; Eliane de Andrade; Érica Adriana

Costa Zanardi; Estefânia Fátima Duarte; Fábio dos Santos Pereira; Fábio Marinho dos Santos; Fernando

Antônio Tomaz de Aquino Pessoa; Fernando Dias da Silva; Fernando Lúcio Correia; Geraldo

Magela Ribeiro; Gislaine dos Santos Silva; Grace Marisa Miranda de Paula; Haída Viviane Palhano

Arantes; Heleno Célio Soares; Henrique Moreira de Toledo Salles; Humberto Coelho Ramos; Humberto

de Castro Passarelli; Iara Prestes Stoessel; Idelmino Ronivon da Silva; João Francisco dos

Santos; João Marcos Netto; Jones Righi de Campos; José Carlos Padilha Arêas; José Geraldo da

Cunha; José Heleno Ferreira; José Mauricio Pereira; Josiana Pacheco da Silva Martins; Josiane Soares

Amaral Garcia; Juliana Augusta Rabelo Souza; Laércio de Oliveira Silva; Lavínia Rosa Rodrigues;

Liliam Faleiro Barroso Lourenço; Luiz Antônio da Silva; Luiz Cláudio Martins Silva; Luiz Henrique

Vieira de Magalhães; Luliana de Castro Linhares; Marcelo José Caetano; Marcos Gennari Mariano;

Marcos Paulo da Silva; Marcos Vinicius Araújo; Maria Aparecida Penido de Freitas; Maria Celma

Pires do Prado Furlanetto; Maria da Conceição Miranda; Maria da Gloria Moyle Dias; Maria das Graças

de Oliveira; Maria Elisa Magalhães Barbosa; Maria Goretti Ramos Pereira; Maria Helena Pereira

Barbosa; Maria Nice Soares Pereira; Marilda Silva; Marilia Ferreira Lopes; Marisa Magalhães de

Souza; Mateus Júlio de Freitas; Meire Ruthe Branco Mello; Messias Simão Telecesqui; Miguel José

de Souza; Miriam Fátima dos Santos; Moisés Arimatéia Matos; Murilo Ferreira da Silva; Nardeli da

Conceição Silva; Neilon José de Oliveira; Nelson Luiz Ribeiro da Silva; Orlando Pereira Coelho Filho;

Paulo Roberto Mendes da Silva; Paulo Roberto Vieira Júnior; Pitágoras Santana Fernandes; Renata

de Souza Guerra; Renata Titoneli de Aguiar; Rodrigo de Paula Magalhães Barbosa; Rodrigo Rodrigues

Ferreira; Rogério Helvídio Lopes Rosa; Romário Lopes da Rocha; Rossana Abbiati Spacek;

Rozana Maris Silva Faro; Sandra Lúcia Magri; Sebastião Geraldo de Araújo; Simone Esterlina de Almeida

Miranda; Siomara Barbosa Candian Iatarola; Sirlane Zebral Oliveira; Terezinha Lúcia de Avelar;

Valdir Zeferino Ferreira Júnior; Valéria Nonata Teixeira; Vera Lúcia Alfredo; Vera Lúcia Freitas Moraes;

Wagner Ribeiro; Warley Oliveira Drumond; Wellington Teixeira Gomes; Yuri de Almeida Gonçalves.

FILIADO À

SINDICATO DOS PROFESSORES DO ESTADO DE MINAS GERAIS

SEDE: Rua Jaime Gomes, 198 - Floresta - CEP: 31015.240

Fone: (31) 3115 3000 - Belo Horizonte - www.sinprominas.org.br

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Em 2012, o 5º número da Revista Elas por Elas, que vem com novo

formato e design, é editado em março, para se adequar ao calendário de

comemorações do Dia Internacional da Mulher. Na sua 5ª edição, a Elas

por Elas consolida a iniciativa do Sinpro Minas em ampliar o debate

sobre as questões de gênero. E além da categoria de professores das

escolas particulares, em sua maioria mulheres, a revista atinge novos

públicos, ultrapassando as fronteiras de Minas através do reconhecimento

nacional que a publicação teve ao ficar entre as finalistas do Prêmio

Jornalista Abdias do Nascimento.

Esta edição destaca as brasileiras em suas várias nuances. O protagonismo

das mulheres é evidenciado no dia a dia da luta pelo sustento do lar, como

entre aquelas que vivem na linha da miséria, nos movimentos em prol das

bandeiras coletivas de emancipação feminina, como aquelas que se

preparam para a Rio+20, ou mesmo as que ocupam mais espaços de

poder. Aliás, pela primeira vez no Brasil uma mulher chega à Presidência

da República e buscamos saber quais os impactos dessa conquista. Na

política, a expectativa é que a presidenta Dilma Rousseff inspire a

participação feminina e tenhamos mais candidatas comprometidas com

as lutas pela igualdade de gênero nas eleições de 2012.

Levantamentos recentes feitos com mulheres de todo o país mostram

que a percepção sobre a igualdade de gênero está em mudança. As

mulheres ocupam mais espaços públicos, há transformações positivas no

mercado de trabalho, e maior autonomia e liberdade, embora persistam

muitos problemas. Essas questões e os desafios para ampliar as conquistas

femininas foram debatidos na 3ª Conferência Nacional de Políticas para

as Mulheres, realizada em Brasília em dezembro de 2011.

Na pauta sobre raça e gênero, a revista traz opiniões divergentes

sobre o Estatuto da Igualdade Racial, que garante direitos às mulheres

negras, mas que ainda é pouco conhecido pela sociedade. A chave para

diminuir os preconceitos certamente está na educação. E, como não

poderia deixar de ser, a revista traz importantes dados sobre gênero e

educação e mostra as iniciativas que permitem maior capacitação dos

professores para promover equidade de gênero na escola.

Se a caminhada por avanços ainda é longa, por hora, as mulheres

podem comemorar a decisão do Supremo Tribunal Federal em validar a

Lei Maria da Penha e promover avanços em sua aplicação, que ainda

esbarra em problemas estruturais como a falta de juizados especializados.

Em entrevista à equipe da Elas por Elas, a farmacêutica Maria da Penha

afirma que a violência contra as mulheres não é mais um assunto privado.

Segundo dados de 2010, a cada 2 minutos, 5 mulheres eram agredidas

violentamente no Brasil, naquele ano.

A revista traz ainda uma envolvente reportagem sobre a história da

cangaceira Maria Bonita, uma homenagem à atriz francesa Maria

Schneider, dicas culturais e um artigo sobre o filme Uma flor no deserto.

Boa leitura!

Revista Elas por Elas - março 2012 3


RECONHECIMENTO

Elas por Elas fica

entre as finalistas de

prêmio nacional

Pág 7

POLÍTICA

Mais mulheres

candidatas em 2012

Pág 8

CAPA

Mulheres estão

mais otimistas

Pág 23

REALIDADE

A pobreza no

Brasil é feminina,

negra e jovem

Pág 18

VIOLÊNCIA

Maria da Penha

Pág 28

4


HISTÓRIA

Maria bonita: amor

e fuga no cangaço

Pág 34

RIO + 20

Mobilizadas em

defesa do planeta

Pág 47

COMPORTAMENTO

Entre a imagem

real e a ideal

Pág 39

RAÇA

Estatuto garante direitos

às mulheres negras

Pág 51

MOVIMENTO

Mais autonomia para

ampliar avanços

Pág 54

GÊNERO E EDUCAÇÃO

Formar para

transformar

Pág 42

ARTIGO

Uma flor desabrocha

no deserto

Pág 59

HOMENAGEM

Maria Schneider

Pág 62

SEÇÕES:

Poucas e boas pág 64

Dicas culturais pág 67

Retrato pág 68

Revista Elas por Elas - março 2012 5


6

w w w . s i n p r o m i n a s . o r g . b r


RECONHECIMENTO

Elas por Elas fica entre as

finalistas de prêmio nacional

Com a reportagem sobre os desafios

da profissão e da organização das empregadas

domésticas, a jornalista e editora

da revista Elas por Elas do Sinpro

Minas, Débora Junqueira, foi uma das

três finalistas do 1º Prêmio Jornalista

Abdias Nascimento, nas categorias mídia

alternativa e gênero, realizado em 2011.

A matéria faz parte de um catálogo publicado

sobre o Prêmio.

De iniciativa da Comissão de Jornalistas

pela Igualdade Racial, vinculada ao

Sindicato dos Jornalistas Profissionais

do Município do Rio de Janeiro, o

prêmio, lançado em maio do ano passado,

recebeu 150 inscrições de todo o

país, que concorreram em sete categorias.

Os trabalhos inscritos foram publicados

ou veiculados entre janeiro de

2009 e abril de 2011. Participaram candidatos

dos veículos Estado de S. Paulo,

Folha de S. Paulo, Jornal Extra, Diário

do Nordeste, Jornal da Tarde, Canal

Futura, TV Câmara, Portal IG, Revista

Época, Carta Capital, entre outros.

Na categoria mídia alternativa, os

jornalistas Eduardo Sales e Jorge Toledo

foram os vencedores, com a reportagem

Supermercado ou Pelourinho?, do

Jornal Brasil de Fato, que apresenta

denúncias de racismo em três grandes

redes de supermercado. E na categoria

Especial de Gênero Jornalista Antonieta

de Barros, a vencedora foi Célia Regina,

da Revista Raça Brasil, com a reportagem

“Mulheres Negras”. O trabalho

relata experiências femininas bem sucedidas

no mercado de trabalho, superando

as dificuldades impostas pelo racismo

e pelo machismo.

Equipe da Comunicação do Sinpro Minas e conselho editorial da Revista Elas por Elas

A reportagem da Elas por Elas

(edição de 2009), intitulada Profissão

doméstica, relata que essas trabalhadoras

enfrentam diariamente extensas jornadas,

assédio moral e sexual, entre

outros problemas. A matéria cita ainda

que, segundo estimativas do Instituto

de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),

500 mil crianças e adolescentes brasileiros

entre 5 e 17 anos estão no trabalho

doméstico.

De acordo com a jornalista Débora

Junqueira, a ideia de escrever sobre os

desafios da profissão surgiu ao conhecer

Maria Ilma Ricardo, presidente e fundadora

do Sindicato das Domésticas

de Belo Horizonte, que foi fonte da

matéria. Na ocasião, ela disse que ficou

curiosa com a história por trás daquela

mulher simples e sofrida, que teve força

suficiente para se tornar uma líder de

classe. Na reportagem, a sindicalista

conta que a vontade de participar do

movimento sindical surgiu durante um

congresso, em 1976, quando percebeu

que pessoas de outros ramos lideravam

a associação de domésticas.

“Agradeço todas as manifestações de

reconhecimento pelo trabalho desenvolvido.

A reportagem não foi vencedora,

mas só o fato de o trabalho ter sido selecionado

entre tantos outros de todo o

Brasil foi de grande importância profissional

e deu visibilidade nacional ao

Sinpro Minas”, afirmou Débora. A re -

por tagem e as edições da Elas por Elas

estão disponíveis no portal do sindicato:

www.sinprominas.org.br (publicações).ø

Arquivo

Revista Elas por Elas - março 2012 7


Roosewelt Pinheiro/ABr

POLÍTICA | por Cecília Alvim

Mais mulheres

candidatas em 2012

A eleição de Dilma e políticas de cotas poderão encorajar maior

participação feminina nas disputas eleitorais

8


Dilma Rousseff, primeira presidenta

eleita do Brasil, um acontecimento marcante

na história, com repercussões

ainda incalculáveis para o imaginário e

para o protagonismo feminino na sociedade.

A expectativa é de que, com

uma mulher no mais alto cargo de comando

do país, mais mulheres sejam

encorajadas a participar das disputas

eleitorais em 2012.

“A eleição de uma presidenta num

país continental como o nosso é uma

revolução, mesmo que invisível. Ela se

deu 78 anos depois da conquista do

voto feminino que, por sua vez, veio

43 anos depois da Proclamação da

República. Isso demonstra a enorme

lentidão de nossa experiência em incorporar

a mulher nos espaços de

poder”, avalia Jô Moraes, deputada federal

(PCdoB).

Segundo Jô, mesmo com essa simbólica

conquista, não é possível esquecer

o processo de rebaixamento do debate

no segundo turno das eleições de 2010

sobre temas relativos às mulheres.

“Quando os conservadores perceberam

que era inevitável a eleição de uma

mulher, passaram a exigir compromissos

em relação a bandeiras históricas do

movimento como política pública sobre

aborto, conceito de família, sexualidade,

estado laico. É como se eles dissessem:

uma mulher chega ao poder, mas chegará

algemada, porque não poderá ter

iniciativas que avancem na luta emancipadora”,

destaca.

Para José Eustáquio Diniz Alves,

demógrafo, professor da Escola Nacional

de Ciências Estatísticas do IBGE, a

eleição de 2010 foi a mais feminina da

história do Brasil. “Aumentou o número

de candidatas aos legislativos estaduais

e ao Congresso. No Executivo, merece

destaque a projeção de duas mulheres

que tinham grandes chances de chegar

à Presidência da República”, analisa

José Eustáquio, que foi um dos coordenadores

da pesquisa sobre a participação

das mulheres no processo eleitoral

de 2010, realizada pelo Consórcio

Bertha Lutz, formado por pesquisadoras(es)

na área de gênero e política

em universidades do país.

Com esse resultado, o Brasil passou

na frente de muitos países desenvolvidos.

Segundo José Eustáquio, os Estados

Unidos, que têm a democracia

mais antiga do mundo, com cerca de

200 anos, nunca teve uma mulher na

presidência. “Apenas cerca de 20 países

entre mais de 200, têm mulheres presidentas

ou primeiras-ministras”, pondera.

“Conseguimos eleger uma mulher

para a presidência, mas, na verdade

as mulheres no poder não representam

o que existe em termos de quantidade

e qualidade de mulheres capacitadas

para isso”, alerta Rachel Moreno, coordenadora

do Observatório da Mulher

e da Articulação Mulher e Mídia.

Longe do ideal

Atenta a esse grande potencial feminino

para a política, em seu primeiro

ano de governo, Dilma fez também

algo inédito no Planalto: escolheu um

número considerável de mulheres para

ministras. Dos 38 ministérios, elas já

ocupam dez pastas que definem importantes

políticas para o país: Gleisi

Hoffmann (Casa Civil), Helena Chagas

(Comunicação Social), Luiza Bairros

(Igualdade Racial), Tereza Campello

(Desenvolvimento Social), Ideli Salvatti

(Relações Institucionais), Miriam Belchior

(Planejamento), Maria do Rosário (Direitos

Humanos), Ana de Hollanda

(Cultura), Izabella Teixeira (Meio Ambiente).

Para a Secretaria de Políticas

para Mulheres, foi escolhida Iriny Lopes,

que deixou o cargo em fevereiro. A

nova ministra da SPM é a professora

doutora Eleonora Menicucci de Oliveira,

que coordena o Núcleo de Estudos e

Pesquisa em Saúde da Mulher e Relações

de Gênero, da Unifesp.

De acordo com o demógrafo José

Eustáquio Diniz, essa composição ainda

está longe da ideal, que seria a paridade

de gênero nos ministérios, como já

acontece em países como Chile,

Equador e México. “De toda forma, já

é um grande avanço, até porque elas

estão ocupando pastas importantes, o

que fomenta o surgimento de novas lideranças

femininas”.

Para Jô Moraes, que acompanha a

política de Brasília bem de perto, através

de sua atuação na Câmara, a grande

maioria das ministras têm militância

histórica. “Elas não estavam na política

por parentesco e sim por mérito pessoal.

Além disso, foram eleitas, na nova legislatura,

mulheres para as mesas diretoras

das duas casas do Congresso.

Sem dúvida, tudo isso contribuiu para

que a sociedade passasse a ver com

mais naturalidade a mulher em espaços

de poder”.

Mas será que essa chegada das mulheres

aos altos postos de comando

em Brasília trará impactos já nas próximas

eleições? Dados da pesquisa Mulheres

na Política, realizada em fevereiro

de 2009 pelo Ibope - Instituto Patrícia

Galvão, mostravam que nas eleições

municipais de 2008, a porcentagem

de candidatas a prefeita foi de 11,38%

e a de vereadoras, 22,05%.

Em outubro deste ano, será a vez

dos eleitores escolherem seus representantes

nos 5.566 municípios brasileiros.

E será que mais mulheres vão

participar dessa disputa? As candidaturas

só serão confirmadas em junho, quando

os partidos farão suas convenções, mas

há grandes chances de que mais mulheres

concorram e sejam eleitas, uma

vez que a lei de cotas de gênero e algumas

mudanças promovidas pela minirreforma

eleitoral de 2009 devem

ser respeitadas pelos partidos.

Revista Elas por Elas - março 2012 9


Cotas e minirreforma eleitoral

incentivam candidaturas

Em 2012, a política de cotas de gênero

nas eleições completa quinze anos

de vigência no país, porém há inúmeros

desafios a serem superados para que

as mulheres ultrapassem o quadro de

sub-representação política, arraigado

na cultura e na história brasileira. A

lei 9504, sancionada em 1997, determinava,

entre outras diretrizes, o percentual

mínimo de 30% das vagas das

listas eleitorais para o sexo menos representado

historicamente, o feminino,

o que resultava no estabelecimento de

uma cota máxima, 70%, para o sexo

mais representado.

Segundo o Observatório Brasil da

Igualdade de Gênero, da Presidência

da República, as cotas eleitorais surgiram

como uma ferramenta no processo

de feminização do Legislativo.

“Almeja-se a correção da hegemonia

masculina nas posições de tomada de

decisão e o estabelecimento de uma

distribuição mais equilibrada das representações

de homens e mulheres

nos espaços de poder”, aponta análise

do Observatório.

Somente em 29 de setembro de

2009, porém, foi aprovada pelo Congresso

Nacional a lei 12304, conhecida

como minirreforma eleitoral, que alterou

a redação da lei 9.504/97. O artigo

passou a vigorar com a seguinte redação:

“Do número de vagas resultante das regras

previstas neste artigo, cada partido

ou coligação preencherá o mínimo de

30% e o máximo de 70% para candidaturas

de cada sexo”. Uma pequena mudança

de texto que trouxe grandes impactos

na realidade. A lei anterior previa

apenas a reserva das vagas e, com a

nova redação, os partidos passaram a

ter a obrigação de preenchê-las.

Além disso, a partir de então, os

O demógrafo José Eustáquio analisa a participação das mulheres nas eleições

partidos são obrigados a destinar 5%

do fundo partidário à criação e manutenção

de programas de promoção e

difusão da participação política das mulheres.

O partido que não cumprir essa

disposição deverá, no ano subsequente,

adicionar mais 2,5% do fundo partidário

para tal destinação. Além disso, devem

reservar ao menos 10% do tempo de

propaganda partidária para promover e

difundir a participação política feminina.

Cota obrigatória

Nas eleições de 2010, decisão do

Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de cobrar

o preenchimento de 30% de candidaturas

femininas fez com que alguns partidos

pensassem em anular candidaturas de

homens para se adequar à cota. O presidente

do TSE, Ricardo Lewandowski,

afirmou, na época, que os Tribunais Regionais

Eleitorais deveriam intimar os

partidos políticos para que eles corrigissem

as distorções, diminuindo o número de

homens ou aumentando o de mulheres,

e justificassem quando isso fosse impossível.

“Nós resolvemos que a lei das cotas

não é uma faculdade dos partidos políticos,

não é um programa para o futuro, mas

uma norma obrigatória”.

Levantamento feito pelo Correio

Braziliense, em agosto de 2010, mostrava

que “em nove das 27 Unidades

da Federação nenhum partido ou coligação

tinha conseguido atingir o percentual

mínimo de candidatas. Em

outras quatro, só um partido apresentou

30% de candidaturas de mulheres. No

total de coligações registradas, 22%

obedeceram a regra, fazendo com que

o déficit de candidatas em todo o país

tenha chegado a 537.”

10


Reforma política pode

reduzir desigualdades

A reforma política, em discussão no

Congresso Nacional desde os anos 90,

propõe mudanças no sistema de representação

popular através do aperfeiçoamento

da democracia direta (através

de plebiscitos, referendos e iniciativas

populares), participativa (com os mecanismos

de diálogo), e representativa (por

meio de mudanças no sistema eleitoral

e partidário). As principais mudanças

em discussão que podem trazer avanços

para as mulheres em termos de igualdade

de condições para a disputa eleitoral

passam pela aprovação do financiamento

público de campanha e da lista preordenada

com alternância de gênero.

Atualmente, partidos e candidatos

podem receber doações de empresas

ou pessoas físicas para suas campanhas.

Essa forte influência do poder econômico

sobre os processos eleitorais prejudica

não só as mulheres, que têm menos

espaço nos partidos, como também

outros setores historicamente à margem

da política oficial. O projeto de lei

2679/03 prevê critérios para que as

campanhas políticas sejam financiadas

apenas com verbas públicas, o que

trará maior transparência e poderá

mudar o cenário desigual em que as

mulheres se encontram nos partidos.

O sistema eleitoral atual permite

também a sobreposição do candidato

ao partido ao qual pertence. Com as

listas preordenadas, os brasileiros não

elegeriam mais individualmente candidatos

a vereador, deputado federal e

estadual/distrital, mas votariam em listas

ordenadas pelos partidos, que respeitariam

a paridade e a alternância de

gênero. Cada partido receberia o número

de lugares proporcional à quantidade de

Lista preordernada com alternância de gênero é uma das propostas para reforma política.

votos obtidos, no entanto, 50% das

vagas seriam para homens e 50% para

as mulheres. Assim, para cada candidato

eleito, haveria também uma candidata

eleita. “Essa medida resolveria de vez o

problema da desigualdade de gênero na

política, mas dificilmente passa no Congresso”,

frisa José Eustáquio.

Para Rachel Moreno, se esses pontos

tivessem sido aprovados na minirreforma

eleitoral de 2009, as mulheres estariam

mais presentes na política hoje e fariam

a diferença. “Sem recursos e equidade

em termos de espaço torna-se difícil a

disputa pelo poder”, alerta.

Nesse contexto, segundo o Observatório

Brasil da Igualdade de Gênero,

“é necessário promover uma campanha

de encorajamento das mulheres, fomentando

suas candidaturas e conscientizando

a comunidade sobre a importância

do acesso dos grupos historicamente

subrepresentados à estrutura

governamental”.

Superar o patriarcado

A reforma política proposta pela

sociedade civil organizada pretende suscitar

a superação de antigos valores e

práticas que já não cabem na realidade

de hoje, como “o patriarcado, o patrimonialismo,

a oligarquia, o nepotismo,

o personalismo, o clientelismo e a corrupção”,

destaca documento publicado

pela Abong em 2006.

A Plataforma dos Movimentos So-

Revista Elas por Elas - março 2012 11


ciais pela Reforma do Sistema Político

defende uma reforma política que amplie

o poder do povo nas decisões. “Precisamos

ampliar a representação das mulheres,

da população negra, do povo

indígena, da pessoa em situação de

pobreza, da população do campo e da

periferia urbana, da juventude e da população

homoafetiva, entre outros

grupos. Por isso, defendemos o voto

em uma lista pré-ordenada e transparente,

com alternância de sexo e com

critérios de inclusão destes grupos.

Hoje, a maioria dos parlamentares que

representam a sociedade são ricos,

donos de terras, de bancos, das fábricas

ou dos meios de comunicação”.

A Plataforma defende, ainda, a democratização

dos partidos, o fim das

coligações em eleições proporcionais e

o financiamento público exclusivo de

campanha. “Buscamos, assim, o fim

da interferência do dinheiro privado

no exercício da atividade pública. Queremos

a participação da população nas

decisões e não apenas nos momentos

eleitorais. Para mudar a política no

Brasil, é necessária a participação de

todos e todas”, conclama o manifesto

da Plataforma, que tem recolhido centenas

de assinaturas favoráveis ao projeto

de iniciativa popular por uma reforma

política ampla e democrática no país.

Para saber mais e assinar também,

basta acessar www.reformapolitica.org.br

Reforma em 2012

No dia 2 de fevereiro, a presidenta

Dilma Rousseff pediu ao Congresso,

através da ministra da Casa Civil, Gleisi

Hoffmann, apoio para a aprovação da

reforma política em 2012. “Entendemos

que são necessárias mudanças que fortaleçam

o sentido programático dos

partidos brasileiros e aperfeiçoem as

instituições, permitindo maior transparência

ao conjunto da atividade pública”,

afirmou.

Política é lugar de mulher

“O homem vai fazer política e a

mulher tem que colocar as crianças na

cama. Mas, mesmo assim, nós fazemos

política”. É com essa poesia do cotidiano

que Rachel Moreno enumera alguns

dos desafios para as mulheres entrarem

e permanecerem na política. Para ela,

a participação em campanhas eleitorais

é algo trabalhoso para as candidatas.

“Existem sempre os favoritos nos partidos,

e as mulheres acabam recebendo

a menor parte da verba. Se formos

contar com os próprios recursos, como

as mulheres ganham, em geral, menos

que os homens, é ainda mais difícil

competir”, analisa. Além disso, segundo

ela, as mulheres têm também mais dificuldade

em fechar acordos partidários,

que envolvem apoios e recompensas

pós-eleitorais.

Para a deputada Jô Moraes, o principal

desafio é levar a mulher a encontrar

sua perspectiva de poder. “A construção

de seu empoderamento passa pela reafirmação

de sua autoestima, pela ampliação

do recrutamento feminino e

pela articulação de redes de apoio para

a sua participação política, pela criação

de mecanismos de qualificação, pela

conquista de uma reforma política sob

a ótica de gênero e pelo reforço de sua

presença nas estruturas dos partidos”.

Quem vota nelas?

No primeiro turno das eleições de

2010, 2/3 do eleitorado votou nas

duas candidatas à Presidência. “Isso é

inédito. Não tenho conhecimento de

que em outro país do mundo as mulheres

tenham tido 67% dos votos. Isso

prova que se houver candidatas boas,

de expressão e história, os eleitores

votam. O eleitorado não discrimina as

mulheres”, destaca José Eustáquio, do

IBGE.

Segundo pesquisa realizada pela

Fundação Perseu Abramo, em 2010,

78% das mulheres brasileiras se sentiam

preparadas para governar. Esse crescimento

é significativo, pois em 2001,

eram apenas 59% delas que acreditavam

nessa afirmação. Essa mesma pesquisa

mostra que o eleitorado não só votaria

em mulheres, como acha que elas são

mais honestas e contribuem mais para

as políticas sociais. Mas então porque

ainda há um pequeno número de mulheres

na política?

A explicação disso, segundo o professor

José Eustáquio, está nos partidos,

que dão preferência aos homens. “É

muito difícil para as mulheres conseguir

espaço e apoio real dos partidos, pois

há 200 anos são controlados pelos homens”,

lembra.

Para ele, as eleições municipais anteriores

mostraram que as cidades que

lançam mais mulheres, elegem mais

mulheres. “Se lança 10% de candidatas,

elege 2%. Se lança 40%, elege 20%.

Assim, é preciso aumentar o número

de mulheres candidatas; preencher a

cota mínima de 30%; destinar recursos

do fundo partidário e espaço nas propagandas

eleitorais para elas”.

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Mulheres polivalentes

Elas querem ocupar mais espaço público

As professoras Valéria, Vera e Fátima querem seguir o exemplo da deputada federal Jô Moraes, que começou como vereadora

Mulheres, mães, militantes, professoras

das redes particular e pública de

ensino, diretoras do Sinpro Minas. Com

esse perfil múltiplo, algumas mulheres

conhecidas entre a categoria atuam politicamente

em suas cidades há anos e

agora pretendem concorrer a um cargo

legislativo nas próximas eleições municipais.

Valéria Morato, diretora do Sinpro

em Divinópolis, é uma dessas mulheres

dinâmicas. Professora há 25 anos, diretora

do sindicato desde 2003, tornou-se

secretária municipal adjunta de Educação

em sua cidade em 2009. É pré-candidata

a vereadora em sua cidade, onde percebe

obstáculos para as mulheres participarem

da política. “O machismo é o maior desafio,

pois o mundo da política ainda é

eminentemente masculino. De nós, mulheres,

é cobrado muito além de competência

e capacidade técnica. É cobrado

docilidade, gentileza. Se agimos com assertividade

somos tidas como ‘gerentonas’,

pois ainda há muita dificuldade

em receber ordens de mulheres”, afirma.

Para Valéria, a tripla jornada de trabalho

é um grande impeditivo para a

participação das mulheres na vida política.

“Hoje, grande parte das famílias

brasileiras são sustentadas pelo salário

das mulheres, mas ainda cabe a elas as

tarefas domésticas, o cuidado com os

filhos. Já o envolvimento nas atividades

políticas requer tempo para a formação,

o trabalho e as discussões coletivas”.

Fazer a diferença

Outra interessada em se candidatar

a um cargo legislativo nas eleições deste

ano é a diretora do Sinpro em Ponte

Nova, Fátima Ramalho, que é professora

de Química há 22 anos, e dirigente

sindical há 20. Para ela, as mulheres

estão “tomando seu espaço, após Dilma

e as ministras”. Outras experiências

mais próximas também a inspiram,

como a de Jô Moraes, que começou

como vereadora, foi deputada estadual

e hoje é deputada federal. “Ao ver

outras mulheres sendo escolhidas para

importantes cargos políticos, me senti

mais forte para encarar essa briga que

é desigual”, comenta.

Fátima tem uma filha e três netos.

Revista Elas por Elas - março 2012 13


Por já ter “criado a família” e por ser

divorciada, ela considera que tem mais

tempo livre para se dedicar à política.

“Marido e filhos exigem atenção. No

caso das professoras, elas ainda levam

trabalho pra casa. Já um cargo político,

em muitos momentos, requer dedicação

exclusiva. A mulher se cobra muito e a

família acaba pesando mais na balança”,

aponta.

Ela conta que já viu casos de mulheres

que, diante de um impasse, abdicaram

de sua atuação política e priorizaram

a família. “As mulheres ainda

têm dificuldade de romper com essa

cultura patriarcal. Elas ainda se sentem

responsáveis pela casa, por manter a

paz, o equilíbrio familiar”, analisa.

Mas há aquelas que conseguem superar

essas barreiras e recebem apoio

para se candidatar. Para Fátima, cada

vez mais, os partidos têm apostado em

mulheres em posições de liderança,

com chances reais de serem eleitas, e

isso tem acontecido não somente em

função das cotas. “A mulher é mais

cuidadosa, dedicada ao bem-estar de

todos. Quando ocupa um cargo de direção,

atua com mais garra, com o coração,

e isso faz toda a diferença”,

completa.

Política para o bem comum

Vera Lúcia Alfredo, 64 anos, é

professora aposentada e diretora do

Sinpro Minas. Na juventude, participava

de movimentos estudantis, e, ao longo

da vida, seguiu atuando em movimentos

populares, ONGs e associações. Cursou

Filosofia, Pedagogia e conclui o curso

de Direito ainda neste ano. Nessa trajetória

de atuação nos territórios da

educação e da cidadania, percebeu

que podia contribuir ainda mais e que

faria isso se eleita pelo povo para um

mandato legislativo em sua cidade,

São João del-Rei. Em 2007, candidatou-se

e foi eleita vereadora com

947 votos. Atualmente, faz

parte das Comissões de Legislação,

Justiça e Redação, de

Educação e de Saúde da Câmara

Municipal.

Vera Lúcia, conhecida

como Vera do Polivalente, foi

por muitos anos professora e

diretora da Escola Estadual Governador

Milton Campos, mais

conhecido como Colégio Polivalente.

“Gosto do apelido que

ganhei, pois na vida nós, mulheres,

temos que ser polivalentes,

ser mãe, educadora,

profissional do lar, trabalhar

fora”, destaca.

Vera demonstra sua paixão

pela política, como raras mulheres

parecem ter. “Para

exercer um cargo político, você

tem que gostar muito. Às

vezes, é cansativo e a gente se

frustra, porque depende dos

colegas e do Executivo. Mas

também é muito gratificante

quando você pode ajudar muita

gente, e ver aprovado um projeto

seu que atenda ao coletivo”,

compartilha.

Ela pretende se candidatar

para um segundo mandato na

Câmara, porque diz ter ainda

muitos projetos a realizar, em

nome de seu ideal. “Um dos

meus maiores sonhos é ver

uma sociedade com menos desigualdade,

mais fraterna, mais

organizada, da qual todos participem

e onde todos possam

viver em prol do bem comum”,

sintetiza, como exemplo para

tantas outras mulheres que,

nos próximos anos, de acordo

com o que apontam as pesquisas,

podem vir a ocupar

novos cargos políticos no

Brasil.

Valter Campanato/ABr

A ex-ministra-chefe da

Secretaria de Políticas

para as Mulheres (SPM),

Iriny Lopes, deixou a pasta

no dia 6 de fevereiro de

2012, para concorrer à

prefeitura de Vitória (ES)

em outubro. Em janeiro,

ainda como ministra, Iriny

concedeu uma entrevista

exclusiva à Revista Elas

por Elas, em que analisa o

crescimento da participação

política das mulheres

no Brasil, e faz um

balanço das ações desenvolvidas

em 2011, ano em

que esteve à frente da Secretaria

Especial de Políticas

para as Mulheres.

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ENTREVISTA

Iriny Lopes

Ex-ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres

Elas por Elas - O que a eleição

da primeira presidenta da República

representou e tem trazido

de novo para as mulheres?

A eleição da presidenta Dilma, a

primeira mulher a ocupar o cargo em

122 anos de República, é resultado do

acúmulo das lutas sociais e das mulheres

por liberdade e igualdade. É um marco

simbólico, político e histórico que traduz

a força da mulher brasileira e sua capacidade

para acabar com um conjunto

de práticas discriminatórias e desigualdades,

a começar pela pobreza, a violência,

a ausência de participação política

e a falta de autonomia econômica das

mulheres. Uma mulher na Presidência

muda a forma de entender e de operar

as políticas e traz o entendimento de

que melhorar a vida das mulheres é

melhorar a vida de todos. Nesse sentido,

ter uma presidenta faz toda a diferença,

e é o componente novo, a percepção

de que construir a igualdade entre homens

e mulheres é consolidar a democracia.

Elas por Elas - Quais as principais

ações e políticas direcionadas

para as mulheres desenvolvidas

até este momento no Governo

Dilma? Como foi a atuação

da Secretaria Especial de Políticas

para as Mulheres (SPM) nesse período?

A Secretaria de Políticas para as

Mulheres atua em sintonia com o governo

da presidenta Dilma Rousseff,

cuja prioridade é a erradicação da miséria,

pois do contingente da população

que vive nessas condições, as mulheres

são a maioria, e entre elas, as mulheres

negras, considerando seus filhos –

crianças e adolescentes. Construir a

autonomia econômica e políticas das

mulheres, tema debatido na 3ª Conferência

Nacional de Políticas para as

Mulheres, é a pauta principal da SPM,

pois com autonomia financeira e protagonismo

as mulheres são mais fortes

para impedir a violência, participar dos

espaços de poder e decisão e se desenvolver

com plenitude. Para isso, estamos

construindo as condições para a autonomia

econômica e política das mulheres,

através de medidas para a ampliação

do trabalho formal e da contratação

de mulheres nas obras de infraestrutura;

para a qualificação e formação

profissional; para o acesso às linhas de

créditos diferenciadas e apoio às cooperativas,

associações e outras formas

de cooperação de trabalho entre mulheres;

além de ampliar e melhorar os

equipamentos sociais, como creches,

restaurantes, cozinhas populares e lavanderias

comunitárias para possibilitar

às mulheres maior tempo e disponibilidade.

Nesse sentido, houve também a implantação

de linhas de financiamento

de atividades econômicas lideradas por

mulheres, a ampliação dos créditos

para as agricultoras e o aumento dos

valores do programa Bolsa Família, o

que favorece as mulheres, uma vez que

elas são a maioria entre as famílias beneficiadas.

Elas por Elas - Como se dá a

participação dessas ministras neste

governo? É possível perceber um

diferencial na atuação delas em

relação aos demais ministros? Há

muitas mulheres em outros cargos

do governo?

A presença das mulheres na política

não é uma questão de número ou de

comparação entre homens e mulheres,

mas de igualdade de gênero, requisito

necessário para alcançarmos a democracia

plena e o desenvolvimento com

justiça. E é também uma questão de

qualidade, pois as mulheres na política

trazem com mais profundidade o debate

sobre questões importantes para o desenvolvimento,

como a erradicação da

pobreza e miséria, a promoção do

pleno emprego e renda, saúde, educação,

segurança alimentar, o enfrentamento

à violência e às desigualdades,

dentre outros.

Elegemos uma presidenta, subimos

para dez no número de ministras e a nomeação

de mulheres para os cargos do

segundo escalão cresceu 75%. Mas, apesar

dos avanços, as mulheres ainda têm

pouca presença na política. Se formos

comparar esses dados com os dos Legislativos,

que têm em média 10% de presença

feminina, e do Judiciário, com

apenas 15%, veremos que estamos ainda

muito longe de alcançar a equidade e a

igualdade de gênero nos altos escalões.

Revista Elas por Elas - março 2012 15


Elas por Elas - Quais as

principais barreiras encontradas

pelas mulheres para participarem

mais ativamente da vida

política do país? Haveria, por

parte delas, um pouco de medo

em relação ao poder?

A discriminação, o precon ceito,

uma sociedade machista e sexista e a

violência são barreiras históricas, e as

mulheres estão, cada vez mais, somando

forças para modificar valores

que reforçam essas práticas. Os movimentos

feministas e de mulheres, o

conjunto de políticas públicas específicas

para as mulheres definidas no

Plano Nacional de Políticas para as

Mulheres, e a transversalidades dessas

políticas somam forças para a su pe -

ração dessas barreiras. Já avançamos

muito, mas há ainda muito que fazer.

Não acredito que as mulheres tenham

medo do poder, o que ocorre é a ausência

de espaços para elas exer -

cerem o poder.

Elas por Elas - Como a reforma

política em discussão pode

alterar esse quadro de sub-representação

feminina na política

brasileira?

Uma reforma política que contemple

a equidade de gênero e a participação

popular é uma questão de

democracia. Está relacionada com a

construção da autonomia das mulheres

e com a erradicação das práticas

de violência e intolerância. Se

uma mulher tem autonomia econômica,

ela não aceita com naturalidade

a violência e tem mais condições

e estrutura para se desligar do

seu agressor. Com autonomia política,

através de uma reforma que garanta

as condições de participação e

igualdade, as mulheres terão mais liberdade

e espaço para atuar e

exercer sua cidadania e, com isso,

aumentar sua presença no mundo da

política e nos espaços de poder e decisão.

Elas por Elas - Na sua

avalia ção, a lei de cotas de gênero

nas eleições já proporcionou

a ampliação da participação

feminina na política?

Quais os desafios para a aplicação

dessa lei hoje?

A lei de cotas foi um avanço e possibilitou

ampliar a participação feminina,

mas é ainda muito tímida a

presença das mulheres na política. O

Brasil tem 5.565 municípios e, na última

eleição, foram eleitas apenas

506 prefeitas, só duas nas capitais, e

6.503 vereadoras. Esse quadro só vai

se reverter com a reforma política,

pois sem lei que contemple e assegure

direitos não há como cobrar dos partidos

políticos. No entanto, não há lei

que mude a mente das pessoas, por

isso precisamos atuar também no sentido

da mudança de valores e práticas,

arraigadas na nossa cultura, que discriminam

as mulheres, especialmente as

negras, índias, pessoas com deficiências

ou com orientação sexual diferente.

Elas por Elas - Como as(os)

professoras(es) podem colaborar

na conscientização das mulheres

para uma maior participação política

e para a equidade de gênero?

Os(a)s educadores(as) são parte importante

para alterar as práticas discriminatórias

e a cultura patriarcal, machista

e sexista, pois isso também se

faz no ambiente escolar. A educação

pode fomentar novos valores que superem

o conservadorismo na visão

sobre os direitos das mulheres e que

favoreçam comportamentos para a

promoção da igualdade de gênero.ø

16



REALIDADE

por Débora Junqueira

fotos Mark Florest

Maria da Silva

18


A pobreza

no Brasil é

feminina,

negra e jovem

O combate à miséria

é uma das metas do

governo Dilma

Avanços importantes para a diminuição

das desigualdades sociais ocorreram

na última década, principalmente

no decorrer da Era Lula, mas a erradicação

da pobreza ainda é um desafio.

No Brasil, 16 milhões de pessoas vivem

na miséria. A maioria é de mulheres

(50,5%), reside em áreas urbanas (53%),

tem até 19 anos (51%) e é negra (71%);

além disso, 25,5% são analfabetos.

Nas estatísticas da extrema pobreza,

chama a atenção o fato de 71% serem

da raça negra (pardos e pretos) e 40%

terem no máximo 14 anos de idade.

Na população em geral, os negros representam

51% dos brasileiros e os jovens

até 14 anos são 24% deles.

O censo demográfico do IBGE

(2010) mostra que o país tem 190 milhões

de habitantes, dos quais 8,5%

sobrevivem com, no máximo, R$ 70,00

mensais e têm baixo acesso a serviços

públicos básicos como água e luz. Esses

critérios definem a condição de extrema

pobreza focada no Plano Brasil sem

Miséria, lançado pela presidenta Dilma

Rousseff, em 2011.

O Brasil sem Miséria é um conjunto

de iniciativas que contará com R$ 80

bilhões de recursos públicos até 2014.

Além de dar continuidade aos programas

de transferência de renda como o Bolsa

Família, que sofreu alterações para beneficiar

mais crianças, também criou o

Bolsa Verde, para as famílias em situação

de extrema pobreza que promovam a

conservação ambiental nas áreas onde

vivem e trabalham. O plano prevê investimentos

em infraestrutura (água,

luz, esgoto, saúde e escola) e capacitação

profissional.

A principal meta do plano é erradicar

a pobreza até 2014. Segundo Ana

Fonseca, Secretária Extraordinária de

Combate à Pobreza Extrema do Ministério

do Desenvolvimento Social, a

meta é ousada, mas factível. “Esse é

sem dúvida um plano ousado e ambicioso.

No entanto, é eticamente necessário

e perfeitamente possível eliminar

as manifestações extremas que negam

a um vasto contingente da população

Revista Elas por Elas - março 2012 19


a possibilidade de viver uma vida minimamente

digna. Para tanto, claros compromissos

são requeridos e não apenas

do governo federal, envolvendo as três

esferas de governo e os demais poderes,

além de contar com decisiva participação

e controle social”, explica.

Para a secretária, a extrema pobreza

tem nome, endereço, raça/cor, idade,

características urbanas e rurais. “É uma

pobreza que se manifesta em renda e

outras variáveis como acesso ainda precário

aos serviços públicos, frágil inserção

no mercado de trabalho, embora mais

de 70% dos beneficiários das transferências

de renda trabalhem. Daí, os

três grandes eixos que organizam o

Plano Brasil sem Miséria”.

Mulheres são beneficiadas

As mulheres também são foco do

plano de erradicação da miséria. No

contingente de beneficiários do Bolsa

Família, mais de 90% dos titulares são

do sexo feminino. O benefício também

atinge às gestantes e nutrizes. Além

disso, o governo federal mantém o

programa nacional de documentação

da trabalhadora rural (MDA) e o Mulheres

Mil, programa que é executado

em parceria entre os ministérios da

Educação e do Desenvolvimento Social

e Combate à Fome e as secretarias de

Direitos Humanos e de Políticas para

as Mulheres.

O programa Mulheres Mil, que faz

Mulheres chefes de família são as que mais

sofrem os impactos da exclusão social

Se a pobreza atinge contornos femininos,

principalmente quando atinge mulheres

negras e responsáveis pelo sustento

da família, é de se destacar que a força

dessas guerreiras para conciliar maternidade,

emprego e afazeres domésticos

em meio a tantas dificuldades é algo

considerável. Maria da Silva, 49 anos,

é uma dessas brasileiras lutadoras. Com

uma renda líquida de R$ 520,00 que

ganha como auxiliar de serviços gerais,

ela sustenta sete pessoas: quatro filhos,

uma nora e dois netos com menos de

dois anos, que moram na sua casa.

Os filhos são maiores de idade,

fazem alguns “bicos”, mas não conseguem

emprego fixo por muito tempo.

A casa onde ela mora foi construída

em mutirão no lote que obteve ao participar

de um movimento dos sem teto.

“O que me dá força é o amor de mãe e

a fé em Deus”, afirma.

Nascida na pequena cidade de

Ipoema, em Minas Gerais, Maria se

mudou para Belo Horizonte, aos 17

anos, com um filho no colo e outro na

barriga. Ao todo teve 10 filhos, três

morreram antes de completar dois anos,

e nenhum teve o pai por perto. “Criar

filho sozinha não é fácil, eles ficam revoltados”,

conclui. Ela conseguiu estudar

somente até a 4ª série do Ensino Fundamental.

“Pensava em estudar mais,

mas nunca acreditava ser possível, pois,

após o trabalho, um tanque de roupa e

sete filhos para cuidar sempre estavam

me esperando”.

Há uns quatro anos, ela deixou de

receber o benefício do Bolsa Família

porque os filhos já ficaram adultos. Até

o ano passado, Maria recebia uma pensão

do pai falecido de uns dos meninos. A

esperança agora é que um dos filhos se

firme no emprego de carteira assinada.

Com isso, a renda per capta da família

chegará à R$ 148,00.

“Os benefícios do governo me ajudaram

demais, principalmente quando

tinha que comprar material escolar. Mas

nem todos os filhos conseguiram completar

os estudos. Somente uma filha

fez um curso de enfermagem e hoje trabalha

na área”, conta. Ela explica que,

antes de receber o benefício do Bolsa

20


parte do Plano Brasil sem Miséria, pretende

formar e inserir, no mercado de

trabalho, até 2014, 100 mil mulheres

em situação de vulnerabilidade social,

como mães solteiras, ou chefes de família,

que não tiveram oportunidade

de estudar e nem de ser inseridas no

mercado formal.

Avanços

O combate à miséria é uma das

prioridades anunciadas pela presidenta

Dilma Rousseff desde que assumiu o

cargo com o compromisso de prosseguir

com os avanços sociais conquistados

na última década. Dados da Fundação

Getúlio Vargas mostram que, entre

2001 e 2010, o rendimento médio da

população enquadrada entre os 50%

mais pobres do país cresceu 67,93%,

enquanto a dos 10% mais ricos aumentou

10%.

Desde 2003, 48 milhões de pessoas

entraram para as classes C, B e A e a

classe média tornou-se majoritária (55%).

O maior salto ocorreu em 2010, a

proporção de pessoas que vivem abaixo

da linha da pobreza — com renda inferior

a R$ 145 por mês — caiu 16%.

Na comparação por gênero a desigualdade

também caiu. A renda das mulheres

cresceu 38% na década, contra

16% dos homens. Os negros obtiveram

ganhos de 43,1% e os pardos de 48,5%

no mesmo período, contra 20,1% dos

brancos.

Escola, fazia salgados para os meninos

venderem na rua, mas depois que eles

cresceram ficaram com vergonha. “Reconheço

que receber o dinheiro do governo

foi muito importante para a nossa

sobrevivência, mas bom mesmo seria se

a ajuda fosse com emprego e cursos

para todo mundo poder buscar o seu

próprio sustento com dignidade”, afirma.

Déficits, além da renda

Dados da PNAD 2008 (Pesquisa Nacional

por Amostra de Domicílio) mostram

que em 1993, havia 32,4 milhões

de pessoas em condições de extrema

pobreza no país, das quais 5,5 milhões

viviam em domicílios chefiados por mulheres.

Passados 15 anos, havia 15,8

milhões de pessoas em condições de

extrema pobreza, das quais 5,2 milhões

viviam em famílias com mulheres no

comando. Ou seja, nessas famílias houve

uma redução de apenas 1,7%.

Percebe-se que é mais difícil reduzir a

pobreza nas famílias monoparentais chefiadas

por mulheres, pois, a exemplo de

Maria, há uma série de fatores como a

ausência da responsabilidade paterna para

com os filhos e baixa escolaridade, que as

impedem de alcançar melhores condições

no mercado de trabalho. “O comprome -

ti mento da qualidade de vida também

pode ser relacionado à idade dos filhos

(crianças) e ausência de equipamentos

públicos como creches”, opina

Ana Fonseca. Maria confirma: “nunca

pude contar com uma creche, lá em casa,

os mais velhos é que cuidavam dos mais

novos, enquanto eu trabalhava e quase

nunca podia ir à reunião na escola”.

Na maioria das vezes, as mulheres

chefes de família assumem sozinhas a

tarefa de educar os filhos e sonham em

vê-los numa condição diferente da sua.

“Meu sonho é ter uma casa arrumada,

limpinha e cheirosa para morar com

os meus filhos empregados e dividindo

as obrigações”, confessa.

A proporção de mulheres chefes de

família tem crescido no Brasil e isso

provavelmente causa um impacto no

aumento da pobreza e da exclusão social.

De 2001 a 2009 a proporção de

famílias chefiadas por mulheres no

Brasil subiu de aproximadamente 27%

para 35% do total, segundo o Ipea

(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada),

por meio do cruzamento de

dados da Pnad 2009.

Os dados apontam que o combate

à pobreza deve passar pela efetivação

de políticas públicas que privilegiem as

mulheres, permitindo que elas tenham

maior autonomia financeira e igualdade

de direitos e oportunidades no mercado

de trabalho. Dessa forma, é preciso

que sejam criadas condições que dêem

às mulheres e às crianças que delas dependem

maior perspectiva de futuro.ø

Antônio Cruz/Abr

Revista Elas por Elas - março 2012 21


CAPA | por Denilson Cajazeiro

Vânia Miranda


Mulheres estão

mais otimistas

A avaliação positiva está

focada principalmente no

fato de que as mulheres têm

mais espaços hoje na

sociedade, embora

persistam muitos problemas.

Gustavo Venturi, professor do

departamento de Sociologia da USP

As 24 horas do dia quase não são

suficientes para Viviane Miranda Ribeiro

(foto), de 33 anos. Mãe de Lívia Maria,

de 10 anos, a consultora contábil e estudante

de Direito mora em Varginha,

no Sul de Minas, e se desdobra diariamente

entre os estudos, as tarefas domésticas

e a administração do próprio

negócio, uma loja de moda íntima, de

praia e esportiva, que funciona no

Centro da cidade.

A vida como microempreendedora

começou em setembro do ano passado,

após abandonar, por desentendimentos,

a sociedade que mantinha há 12 anos

com outros quatro sócios – todos homens

– num escritório de contabilidade.

“Decidi desfazer a sociedade, porque

eles se fecharam num clubinho machista,

me vi marginalizada entre eles. Houve

discriminação. Eles me colocaram numa

função com menor importância. Às

vezes, usavam o argumento de que era

difícil trabalhar com mulheres. Então,

se não for para ser protagonista, não

quero”, afirma, ao criticar a exclusão

pelo grupo masculino.

Mesmo com o corre-corre cotidiano

ao enfrentar os desafios da tripla jornada,

Viviane está mais otimista com o quadro

atual. “As mulheres têm mais oportunidades

e alcançam certas profissões

que antes só os homens atuavam. Elas

dão conta disso tudo e alcançam coisas

que não tinham condições há anos. Eu

acho isso ótimo, apesar das cobranças”,

diz Viviane, que, segundo conta, veio

de um lar onde o machismo esteve

presente. “Ele [o pai] dizia: ‘você [a

mãe] não pode trabalhar’, e ela obedecia”.

Assim como Viviane, a maioria das

brasileiras também considera o momento

atual mais promissor, se comparado a

períodos anteriores, como revela a pesquisa

“Mulheres brasileiras nos espaços

públicos e privados”, feita pela Fundação

Perseu Abramo. Quase 2,4 mil mulheres

de 25 estados foram entrevistadas, e o

resultado está num documento com

mais de 300 páginas sobre áreas como

violência doméstica, mercado de trabalho,

machismo, feminismo, saúde reprodutiva

e participação feminina no

mundo da política. A pesquisa também

entrevistou 1,2 mil homens.

O levantamento aponta que, entre

2001 e 2010, subiu de 65% para

74% a avaliação de que a vida das

mulheres está melhor hoje quando

comparada há 20 ou 30 anos. Na

mesma década, aumentou também o

percentual de brasileiras (de 58% para

68%) que avaliam que há mais coisas

boas que ruins em ser mulher.

Mulheres conquistam

mais espaços

Os motivos para o aumento dessa

percepção de melhora são variados.

Segundo Gustavo Venturi, professor

do departamento de Sociologia da Universidade

de São Paulo e um dos coordenadores

da pesquisa, uma das principais

razões refere-se à maior participação

das mulheres nos espaços pú-

Revista Elas por Elas - março 2012 23


blicos. “A avaliação positiva está focada

principalmente no fato de que as mulheres

têm mais espaços hoje na sociedade,

embora persistam muitos problemas.

A maioria tem essa percepção

de que as coisas têm melhorado, sobretudo

em relação ao mercado de trabalho

e a uma maior autonomia e liberdade”,

explica Venturi.

Para Rosa de Oliveira, professora

do departamento de Ciência Política

da Unicamp e colaboradora do Núcleo

Pagu de Estudos de Gênero, há também

o fato de que a sociedade está mais

atenta aos problemas enfrentados por

elas. “Os homens começam a ter uma

atenção maior para os direitos das mulheres.

Existe um controle social maior

sobre isso. A implantação da Secretaria

Nacional de Políticas para as Mulheres

foi um grande avanço para garantir direitos”,

diz a pesquisadora.

“De fato houve um crescimento de

oportunidades e uma percepção de que

os direitos devem ser iguais. Há também

o desenvolvimento dos debates sobre

os direitos das mulheres”, opina Lia

Zanotta, professora titular de Antropologia

da Universidade de Brasília, especializada

em direitos das mulheres.

Na avaliação da pesquisadora, há cerca

de 30 anos, boa parte da sociedade

compartilhava a ideia de que a desigualdade

de gênero era uma espécie

de destino. “Elas criticavam, mas diziam:

‘ah, é assim mesmo’! Hoje é diferente.

[As mulheres] não viam possibilidade.

Hoje veem”.

Em vigor há quase seis anos, a lei

Maria da Penha, que combate a violência

contra as mulheres, também foi apontada

por Venturi como um fator que

favoreceu essa percepção de que a

vida melhorou. “Não temos como comprovar

pela pesquisa, mas é uma hipótese

plausível que a lei Maria da Penha

tenha ajudado na melhora efetiva ocorrida

nessa década”, avalia (leia matéria

e entrevista sobre a lei e a violência

contra a mulher na página 28).

Problemas persistem

Otimismos à parte, é fato também

que as mulheres ainda possuem uma

longa caminhada pela frente, com

muitos obstáculos. A maior participação

em espaços públicos e os anos a mais

de estudos – superando os homens,

como indicam as estatísticas – não têm

Marcello Casal Jr./Agência Brasil

sido suficientes para romper barreiras

do preconceito e da desigualdade em

várias áreas.

O próprio mercado de trabalho é

um dos principais focos de resistência

à igualdade de gênero. O mais recente

Anuário das Mulheres Brasileiras, lançado

no ano passado pelo Departamento

de Estatística e Estudos Socioeconômicos

(Dieese) e pela Secretaria

de Políticas para as Mulheres do governo

24


Percepção de melhora na

situação das mulheres em

comparação com a

vida há 20 ou 30 anos

2 0 0 1

2 0 1 0

2%

10%

6%

2%

Está melhor

23%

18%

Não teve mudanças

65%

74%

Está pior

Não sabe

Fonte: Pesquisa Fund. Perseu Abramo

federal, mostra que as brasileiras estudam,

em média, um ano a mais que

os homens, porém recebem somente

56% do que ganham os trabalhadores

do sexo masculino.

Outro estudo do Dieese e da Fundação

Seade revela que, em 2010, na

região metropolitana de São Paulo,

mais da metade (56,2%) do mercado

de trabalho era composto por mulheres,

mas o salário delas correspondia a

75,7% do que ganhavam os homens

pelo desempenho da mesma função.

Em comparação com o ano anterior, o

rendimento médio por hora trabalhada

das mulheres passou de R$ 6,56 para

R$ 6,72, enquanto que o dos homens

saltou de R$ 8,22 para R$ 8,94.

Na região metropolitana de Belo

Horizonte, o quadro se repete, conforme

atesta estudo de 2010 feito pelas fundações

João Pinheiro e Seade, Dieese

e Secretaria Estadual de Trabalho e

Emprego. O levantamento revela que

nem mesmo o maior tempo de estudo

tem sido suficiente para alterar esse

cenário. Naquele ano, o rendimento

das ocupadas com ensino superior equivalia

a 77,2% do que recebem os homens.

Entre as de menor escolaridade,

a situação era ainda pior: ganhavam

apenas 67% em relação ao salário

deles.

“A justificativa de que os homens

precisam ganhar mais porque sustentam

o lar já não se sustenta hoje, tendo em

vista o enorme contingente de mulheres

chefes de família. Os homens ainda

têm os melhores postos, os melhores

salários, os lugares de maior prestígio

na sociedade”, critica Tânia Navarro

Swain, historiadora e pós-doutora em

estudos femininos pela Universidade

de Quebec, no Canadá. Pela pesquisa

da Fundação Perseu Abramo, quase

um terço (30%) dos domicílios brasileiros

tem uma mulher como principal provedora.

Ainda segundo o mesmo levantamento,

esse ambiente de desigualdade

também se reproduz dentro de casa,

onde a responsabilidade pela execução

ou orientação dos afazeres domésticos

continua fortemente concentrada nelas

(91% em 2010, ante 93% em 2001), e

o tempo dedicado a serviços de limpeza

e a outras tarefas do lar, como lavar e

passar roupa e cozinhar, é de três a

quatro vezes maior que a dos homens.

“A divisão do trabalho doméstico

não avançou nesta década. Essa questão

envolve aspectos culturais de fundo,

que são de maturação lenta”, acredita

Venturi. “As mulheres que trabalham

fora de casa têm a vida mais difícil,

pois não há partilha de tarefas domésticas,

e os homens, em sua grande

maioria, consideram que a casa é apenas

local de descanso e soberania”, afirma

Tania Navarro Swain.

Tanta diferença entre brasileiras e

brasileiros coloca o país numa posição

desconfortável no último Índice de Desigualdade

de Gênero (IDG), indicador

complementar ao Índice de Desenvolvimento

Humano (IDH), do Programa

das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(Pnud). Num ranking de 146

nações, o Brasil ocupa a incômoda

80ª posição, atrás dos vizinhos Chile,

Argentina, Peru, Venezuela e de árabes

como a Líbia, o Líbano e o Kuwait. O

índice leva em consideração variáveis

como mortalidade materna, gravidez

na adolescência e participação no Parlamento

nacional e no mercado de trabalho.

Na opinião de Swain, a educação,

desde os anos iniciais, é a chave para

resolver muitos dos problemas de gênero

que persistem e garantir um futuro

ainda mais promissor para as mulheres.

“Na educação desde o primário é preciso

que as crianças aprendam a não hierarquizar

os seres humanos segundo

sexo, cor, sexualidade, classe social.

São essas representações sociais de

mulher e homem, estáticas e hierárquicas,

fixadas na tradição religiosa,

sobretudo, que dão justificativa aos estereótipos

e à dominação que ainda

sofrem as mulheres em seus corpos e

sua liberdade. Apenas uma educação

não sexista garantirá uma sociedade

menos desigual no que diz respeito à

divisão social do trabalho e à igualdade

entre mulher e homem”, afirma.

Revista Elas por Elas - março 2012 25


Trabalhadoras querem lei pela

igualdade no mundo do trabalho

Há uma grande expectativa de que,

neste ano, o Congresso Nacional aprove

projetos de lei que garantam medidas

de combate à discriminação contra as

mulheres nos locais de trabalho.

No final de 2011, foi apresentado

um requerimento para que o projeto

de lei 6653/2009, de autoria da deputada

Alice Portugal (PCdoB/BA), seja

apreciado. O projeto, que "cria mecanismos

para coibir e prevenir a discriminação

contra a mulher, garantindo

as mesmas oportunidades de acesso e

vencimentos”, foi apensado a outro de

mesmo teor do deputado Valtenir Pereira

(PSB/MT). No Senado, também tramita

proposta que estabelece medidas de

proteção à mulher e garantia das

mesmas condições de acesso ao trabalho

que o homem, tanto no meio urbano

como no rural.

A essência das proposições é garantir

às mulheres as mesmas oportunidades

no mercado de trabalho e estabelecer

punições àqueles que discriminarem

em função da questão de gênero, raça,

orientação sexual ou classe social. Dos

países membros da ONU (Organização

das Nações Unidas), 117 já têm um

projeto de igualdade.

O projeto de lei 6653/2009 prevê,

por exemplo, que o Estado deverá desenvolver

ações de incentivo à permanência

das mulheres no mercado de

trabalho e fomentar ações destinadas a

promover a cultura da igualdade de gênero.

A proposta também determina

que as empresas incluam, nos programas

de treinamento e capacitação, temas

relacionados à igualdade entre homens

e mulheres.

De acordo com a proposta, as empresas

de médio e grande porte terão

de criar uma Comissão Interna Pró-

Igualdade (Cipi), com pelo menos metade

da composição de mulheres, para

combater as práticas e políticas discriminatórias

no ambiente profissional.

Em outubro de 2011, as centrais

sindicais CTB, CGTB, Força Sindical,

NCST e UGT realizaram, em São

Paulo, o Seminário Estadual das Mulheres,

que teve como principal objetivo

debater e definir ações para aprovação

no Congresso Nacional dos projetos

de lei que defendem a igualdade de direitos

entre homens e mulheres. “Temos

que marcar em cima e nos mobilizarmos,

porque senão não conseguiremos que

esses projetos avancem. Precisamos

inserir a pauta das mulheres na discussão

política, pois só com muita divulgação

e mobilização conseguiremos a aprovação

dos projetos, que encontram resistência

em diversas bancadas no Congresso

Nacional”, afirmou a secretária

da Mulher da CTB, Raimunda Gomes

(Doquinha).

Segundo ela, as trabalhadoras

querem que a presidenta Dilma Rousseff

entre em campo para convencer a

base governista a aprovar as propostas.

“A correlação de forças no Congresso

não nós é favorável. Por isso, a gente

entende que deve haver um maior investimento

da própria presidenta. Não

podemos terminar o governo de uma

mulher sem esse projeto aprovado”,

diz a sindicalista, que tenta articular,

junto com as demais centrais, uma

reunião com Dilma Rousseff ainda

neste primeiro semestre para discutir

o assunto.

Victor Soar/Agência Brasil

26


Mulheres reprovam imagem

reproduzida pela mídia

Gervásio Baptista/Agência Brasil

“Acho que o maior acesso ao espaço

público, como o mercado de trabalho,

dá à mulher melhores condições de olhar

criticamente a realidade”. A opinião é

da socióloga do Instituto Patrícia Galvão,

Fátima Pacheco Jordão, para quem a

internet tem exercido um importante

papel na tomada de consciência das mulheres,

ao permitir que elas tornem públicas

posições que antes não encontrariam

espaço na mídia tradicional.

Na pesquisa da Fundação Perseu

Abramo, um dos temas abordados foi

justamente a opinião das mulheres

acerca da imagem que os veículos de

comunicação e a publicidade fazem da

figura feminina. O resultado mostra

que o grau de insatisfação, que já era

alto, cresceu na última década. Quatro

em cada cinco entrevistadas (80%) consideram

ruim a exposição do corpo feminino

feita pela TV e pela publicidade.

Em 2001, esse índice era de 77%.

Além disso, três em cada quatro

brasileiras (74%) são favoráveis a “um

maior controle da programação e da

publicidade na TV”, conforme revela o

levantamento. Recentemente, a propaganda

da modelo brasileira Gisele

Bündchen para uma marca de lingeries

reacendeu a polêmica em torno do assunto.

Numa das versões do comercial,

a modelo aparece com um vestido

branco e diz: “amor, bati seu carro”.

Ao lado, aparece a palavra “errado”.

Em seguida, ela repete a frase, porém

com calcinha e sutiã, e ao lado, a

palavra “certo”. No final, ao locutor

diz: “você é brasileira, use seu charme”.

A Secretaria de Políticas para as

Mulheres, ligada ao governo federal,

chegou a enviar um ofício, no final de

setembro do ano passado, quando a

propaganda começou a ser veiculada,

ao Conselho Nacional de Autorregulamentação

Publicitária (Conar), por meio

do qual manifestou o repúdio à campanha

e solicitou a suspensão da peça

publicitária, por considerá-la ofensiva

à imagem da mulher. “A exposição

exagerada e desprovida de conteúdo

do corpo feminino, por meio de músicas,

imagens e propagandas apelativas é

um desrespeito à capacidade intelectual

e criativa das mulheres”, argumentou a

Secretaria, por meio do ofício.

O Conselho de Ética do Conar,

porém, não entendeu dessa forma e

decidiu arquivar o processo de suspensão

do comercial. Segundo a nota divulgada

pelo órgão, os estereótipos presentes

na campanha são “comuns à sociedade

e facilmente identificados por ela, não

desmerecendo a condição feminina”.

Em entrevista à revista Carta Capital,

a então ministra Iriny Lopes disse

ter ficado estupefata com o machismo

da sociedade brasileira. Para Fátima

Pacheco Jordão, a então ministra Iriny

Lopes foi coerente. “Acho que ela

atuou com muita coerência e correção.

Ao contrário do que a mídia difundiu,

ela não interferiu nos códigos da indústria

da publicidade. Ela aderiu a ele e

pediu para julgar, e o caso foi julgado e

considerado improcedente. Isso não

significa que a propaganda seja boa.

Não é. Acho-a efetivamente ofensiva à

imagem da mulher e à condição atual

de busca de igualdade de gênero. A

Iriny fez bem em puxar a orelha da indústria”,

defendeu a socióloga.ø

Revista Elas por Elas - março 2012 27


VIOLÊNCIA | por Denilson Cajazeiro

Maria da Penha

Lei é considerada constitucional, e agressor poderá

ser processado, mesmo sem denúncia da vítima

Antônio Cruz/Agência Brasil


As brasileiras conquistaram no início

de fevereiro deste ano três decisivas vitórias

na luta contra a violência doméstica.

Duas delas vieram do embate travado

com o meio jurídico. Depois de

longa espera, os ministros do Supremo

Tribunal Federal (STF) reconheceram,

no dia 9, por unanimidade, a constitucionalidade

da Lei Maria da Penha.

Com a decisão, o argumento defendido

por alguns magistrados de que a lei poderia

ferir o princípio da igualdade

entre homens e mulheres foi definitivamente

derrubado.

A suprema corte também decidiu

favoravelmente à incondicionalidade da

denúncia, o que significa, em termos

práticos, que o agressor poderá ser

processado mesmo que a vítima não

preste queixa contra ele. A partir dessa

decisão, a queixa poderá ser prestada

por quaisquer testemunhas. Sobre esse

aspecto, apenas o presidente do STF,

Cesar Peluzo, votou contra.

No dia anterior ao parecer do Supremo,

o Congresso Nacional decidira

instalar a Comissão Parlamentar Mista

de Inquérito (CPMI) da violência contra

a mulher, cuja presidenta eleita, a deputada

federal Jô Moraes (PCdoB/MG),

terá a missão de coordenar, pelos próximos

seis meses, os trabalhos para

apurar denúncias de omissão do poder

público quanto ao cumprimento da legislação.

Segundo a parlamentar, a

conduta de quem aplica a lei e a

estrutura dos equipamentos públicos

de atendimento às vítimas serão alvos

de avaliação da comissão.

Na esteira das vitórias contra a violência

de gênero, o governo federal

também emitiu sinais positivos. A socióloga

Eleonora Menicucci de Oliveira,

recém-empossada ministra da Secretaria

Nacional de Políticas para as Mulheres

(SEPM), nem bem assumiu a pasta e já

recebeu da presidenta Dilma Rousseff

a incumbência de tratar o assunto com

a máxima atenção. No cargo desde o

início de fevereiro, já que a colega Iriny

Lopes decidiu deixá-lo para disputar as

eleições municipais deste ano, Menicucci

terá pela frente um desafio homérico.

Isso porque, apesar dos avanços

conquistados desde a implementação

da lei, em setembro de 2006, a aplicação

dela ainda esbarra em problemas

estruturais. Para se ter uma ideia, em

todo o país, não chega a 60 o número

de juizados especializados. A responsabilidade

pela criação desses juizados

é dos tribunais de justiça de cada estado.

De acordo com balanço do Tribunal

de Justiça de Minas Gerais (TJMG),

mais de 45 mil processos com pedidos

de proteção no estado aguardam uma

definição da Justiça desde 2009. Na

prática, ocorre que muitas mulheres

rompem a barreira do medo, denunciam

e pedem proteção, mas a demora em

ter seus pedidos atendidos acaba inflacionando

as estatísticas de violência de

gênero.

2001

A cada 2 minutos,

8 mulheres eram

agredidas

violentamente

no país

2010

A cada 2 minutos,

5 mulheres eram

agredidas

violentamente

no Brasil

E os números assustam. Projeções

feitas a partir da amostra de pesquisa

da Fundação Perseu Abramo apontam

que, a cada dois minutos, cinco brasileiras

são agredidas violentamente. Em

2001, eram oito a cada dois minutos.

“Embora a tendência seja positiva, não

é um dado que possa ser comemorado.

É um absurdo, uma pandemia”, afirma

Gustavo Venturi, professor do departamento

de Sociologia da Universidade

de São Paulo e um dos coordenadores

da pesquisa.

De acordo com informações do

Anuário das Mulheres Brasileiras 2011,

divulgado pela Secretaria de Políticas

para as Mulheres do governo federal e

Departamento Intersindical de Estatística

e Estudos Socioeconômicos

(Dieese), quatro em cada dez brasileiras

já foram vítimas de violência doméstica.

O tema é o que mais preocupa as mulheres,

con forme estudo do Instituto

Patrícia Galvão.

Para a biofarmacêutica Maria da

Penha Maia Fernandes, cujo nome da

lei é uma homenagem à luta dela por

quase 20 anos para conseguir prender

seu ex-marido, que tentou assassiná-la

duas vezes, a falta de uma rede de proteção

inibe as mulheres de denunciarem.

“Quando ela não tem estrutura para

denunciar, ela não denuncia. Como as

mulheres vão denunciar se em sua

cidade não tem uma delegacia da mulher,

um centro de referência que a oriente,

então ela se retrai sim, continua com

medo”, disse, em entrevista à reportagem

da Elas por Elas.

Ela considera positivo o balanço

desses quase seis anos de implementação

da lei, mas reconhece que as políticas

públicas relacionadas à aplicação da legislação

precisam ser mais ágeis. A

lentidão, segundo avalia, é decorrente

da cultura machista presente na sociedade,

inclusive entre os governantes.

“A maioria deles não está livre dessa

Fonte: Pesquisa Fund. Perseu Abramo

Revista Elas por Elas - março 2012 29


cultura e acha que essa questão de mulher

é coisa para segundo plano. Você

vê que, com a perspectiva da Copa

chegar, está surgindo muito dinheiro,

mas infelizmente para o problema da

violência doméstica, a verba não existe”,

critica Maria da Penha, que hoje preside

um instituto que também leva o seu

nome, criado com o objetivo de acompanhar

as ações em torno do cumprimento

da legislação e de conscientizar

as mulheres de seus direitos.

Na opinião de Carmen Hein de

Campos, advogada e coordenadora nacional

do Comitê Latino-Americano e

do Caribe para a Defesa dos Direitos

da Mulher (Cladem/Brasil), esse comportamento

também permeia o meio

jurídico e dificulta a implementação da

lei. “Vivemos numa sociedade ainda

muito machista, que tem dificuldades

de compreender que as relações entre

homens e mulheres devem ser igualitárias,

respeitosas. E esse pensamento,

particularmente no campo da violência

doméstica, tem uma longa tradição no

campo do direito. Basta lembrar que

até muito pouco tempo atrás se absolviam

homens que matavam por suposta

legítima defesa da honra. Hoje não se

admite mais isso, mas o tipo de ideologia,

ou seja, esse tipo de pensamento

não mudou totalmente”, afirma a advogada.

Ela também chama a atenção para

a necessidade de ampliar os mecanismos

de proteção às vítimas, como casas e

abrigos. “Existem poucos serviços especializados

disponíveis para as mulheres,

que são serviços de atendimento

jurídico, social, de programas sociais

para a inclusão de mulheres em situação

de violência. Isso também dificulta a

mulher sair da situação de violência”,

destaca. Confira ao lado a entrevista

concedida à Elas por Elas sobre os desafios

de implementação da Lei Maria

da Penha.

Entre os homens entrevistados:

8% admitiram ter batido na

mulher/namorada;

25% diz saber de “parente

próximo” que já bateu;

48% afirma ter “amigo ou

conhecido que bateu ou

costuma bater na mulher”.

Dos que assumiram ter

batido na mulher

bateu algumas vezes

bateu uma vez

Fonte: Pesquisa Fund. Perseu Abramo

Entre as mais avançadas

A Lei Maria da Penha é considerada

pelo Fundo de Desenvolvimento das

Nações Unidas para a Mulher

(Unifem) uma das três mais avançadas

do mundo, entre 90 países que possuem

legislação sobre a violência

doméstica contra as mulheres. Em

funcionamento desde setembro de

2006, ela determina medidas protetivas

para as vítimas, acaba com

penas pagas em cestas básicas ou

multas, possibilita a prisão em flagrante

ou preventiva do agressor e

engloba, além da violência física e

sexual, a violência psicológica e patrimonial

e o assédio moral.

Miriam Zomer/Alesc

Carmem Hein, coordenadora

nacional do

Cladem/Brasil, chama a

atenção para a necessidade

de ampliar os mecanismos

de proteção às vítimas

de violência doméstica,

como casas e abrigos.

Segundo ela, faltam mecanismos

sociais que permitam

às mulheres saírem

da situação de violência.

30


ENTREVISTA

Carmen Hein de Campos

Advogada e coordenadora nacional do Cladem/Brasil

Uma batalha

de quase

20 anos

Elas por Elas - Quais foram os

principais avanços conquistados

desde a implementação da lei, em

setembro de 2006?

A Lei Maria da Penha é muito importante

para a defesa dos direitos das

mulheres, principalmente porque ela

inova no campo do direito, e isso talvez

seja uma das resistências maiores que

ela sofre. Uma das principais inovações

é que, em primeiro lugar, ela trata o fenômeno

da violência doméstica e familiar

como uma questão ampla e complexa,

que deve ser tratada por diversas áreas,

não apenas pelo campo do direito.

Então ela prevê ações no campo da

prevenção, de fazer campanhas, de

conscientizar sobre os direitos das mulheres,

das desigualdades de gênero,

para que as pessoas não se comportem

mais no âmbito das relações interpessoais

de forma violenta.

Segundo, há o aspecto da assistência.

As mulheres que estão em situação de

violência muitas vezes permanecem

nessa situação por uma série de dificuldades

não meramente pessoais, mas

sociais. Faltam mecanismos que permitam

às mulheres terem uma maneira

de sair dessa relação violenta. Então a

lei prevê uma série de mecanismos

para a inclusão das mulheres que estão

numa situação mais vulnerável em programas

sociais. Essa é uma visão assistencial

da lei. E o terceiro elemento

que a lei traz é efetivamente a perspectiva

da repressão ao crime. Agir com

violência, agredir fisicamente, moralmente,

psicologicamente é um ato criminoso

e é punido pela legislação penal.

Então a lei traz também essa dimensão

da repressão. São três dimensões que

a lei estabelece para tratar o fenômeno

de uma forma mais ampla: prevenção,

assistência e repressão.

Elas por Elas - Antes da lei, a

violência era tratada como um

crime de menor importância?

Exatamente. Nós tínhamos outra

lei, a 9.099, de 1995, que tratava as

lesões corporais e os crimes de ameaça,

que são muito frequentes nas relações

de violência doméstica, como um delito

de menor potencial ofensivo. Para a

legislação, esses crimes eram considerados

completamente menores. Não

existia a pena na aplicação prática,

porque muitos juízes acabavam fazendo

ou uma conciliação ou, na grande

maioria, arquivavam os processos. Havia

poucos processos penais correndo,

porque a lei permitia uma série de mecanismos,

como a transação penal, a

suspensão condicional do processo.

Então tudo isso impedia que o sujeito

que cometia um ato de violência recebesse

uma punição. A Lei Maria da

Penha rompe com essa tradição jurídica

de banalizar, de naturalizar a violência

contra as mulheres; diz que nos crimes

de violência doméstica não se aplica a

lei 9.099.

Elas por Elas - Na prática,

como está a aplicação da lei?

Podemos dizer que a lei tem dois

momentos. O primeiro momento,

quando surge, causa um grande impacto.

Muitos operadores do direito, magis-

Maria da Penha Maia Fernandes

teve de esperar por quase duas décadas

para ver seu agressor atrás

das grades. Em 1983, seu então

marido, o professor universitário

Marco Antonio Viveros, a acertou

com um tiro nas costas, enquanto

ela dormia, que a deixou paraplégica.

No mesmo ano, ele a empurrou

da cadeira de rodas e tentou

eletrocutá-la no chuveiro.

A investigação começou em

1983, mas somente em 2002 Viveros

foi preso e cumpriu apenas

dois anos na cadeia. Em 1998,

Maria da Penha, em parceria com

o Comitê Latino-americano e do

Caribe para a Defesa dos Direitos

da Mulher (Cladem) e o Centro

pela Justiça e o Direito Internacional

(Cejil), denunciou o Brasil na Comissão

Interamericana de Direitos

Humanos da Organização dos Estados

Americanos (OEA). Por conta

dessa denúncia, o país foi condenado

internacionalmente pela tolerância

e omissão com que tratava os casos

de violência contra a mulher.

A condenação obrigou o Brasil

a cumprir algumas recomendações,

entre elas mudar a legislação brasileira

para garantir a proteção das

mulheres em situações de violência

doméstica e punir os agressores.

Em decorrência disso, em setembro

de 2006 foi aprovada a lei 11.340,

cujo nome é uma homenagem à

luta de Maria da Penha Maia Fernandes

para punir seu agressor e

combater a violência doméstica e

familiar.

Revista Elas por Elas - março 2012 31


trados, diziam que a lei era inconstitucional.

Ela causou um susto. Primeiro

por proteger as mulheres, segundo por

ter essa visão ampla, terceiro por dizer

que a violência contra as mulheres é

uma coisa séria, e o Estado como um

todo tem de se posicionar. Pra isso, a

lei prevê uma série de mecanismos, e

um deles é a criação dos juizados especializados

de violência doméstica e familiar

em todo o país. Qual é a dificuldade

que estamos encontrando? Muito

poucos juizados foram criados até o

presente momento. Existem juizados

em todas as capitais, mas há uma demanda

muito grande que chega às delegacias

de polícia e ao poder judiciário

de casos de violência doméstica. Então

um dos obstáculos que precisa ser vencido

para a plena implementação da

lei é de fato a criação de mais juizados

especializados. Outro obstáculo é que,

como a lei prevê uma articulação do

atendimento integral às mulheres, e

isso pressupõe uma articulação de todos

os poderes públicos e a criação de serviços

especializados, existem poucos

serviços especializados disponíveis para

as mulheres, que são serviços de atendimento

jurídico, social, de programas

sociais para a inclusão de mulheres em

situação de violência. Isso também dificulta

a mulher sair da situação de violência.

Os serviços precisam ser melhorados,

outros, criados. Os poderes

públicos precisam entender que isso é

uma atribuição deles e que não podem

dizer que não têm nada a ver com isso.

Então é responsabilidade do poder público

fazer valer o direito das mulheres.

Elas por Elas - Casos que demoram

para serem julgados são

também um obstáculo para a efetivação

da lei?

Claro. A lei prevê um mecanismo

muito importante e muito utilizado pelas

mulheres que são as medidas protetivas

de urgência. Se uma mulher está numa

situação de violência e sente que pode

sofrer um mal maior, pode ser ameaçada

de morte, então ela pede uma medida

protetiva de urgência. Se essa medida

demora a ser expedida - assim que o

Saulo Martins

juiz toma conhecimento ele tem que se

manifestar em 48 horas -, há um prejuízo

e a mulher começa a correr risco,

a integridade física e psíquica pode

estar correndo risco. Há muitos processos

nas varas especializadas existentes,

há uma demanda muito grande.

É necessário para que o juiz possa conceder

essa medida no tempo previsto

legalmente que ele não tenha dez mil

processos na mesa dele. Porque, se ele

tiver 10 mil processos, não vai conseguir

conceder a medida de urgência no

tempo previsto. Então é preciso que os

tribunais dos estados se conscientizem

da necessidade de criar varas especializadas

de violência doméstica. Só para

você ter uma ideia: no estado do Rio

Grande do Sul, existe apenas uma vara

de violência doméstica. O juizado possui

mais de 20 mil processos. Se a gente

comparar, por exemplo, com a vara de

família, o juizado possui nove varas de

família, com 1,5 mil processos cada

uma. É uma desproporção muito grande.

Não é aceitável que uma vara de um

único juiz tenha 20 mil processos enquanto

as oito ou nove varas de família

possuam cada uma 1,5 mil processos.

Isso promove de certa forma uma denegação

da Justiça. O poder judiciário

precisa rever como ele está promovendo

a distribuição dessas varas. É preciso

fazer esse redimensionamento.

Elas por Elas - A sra. acredita

que, depois desses quase seis anos

de implementação da lei, existe

algum ponto que precisa avançar?

Várias questões precisam ser melhor

resolvidas ainda. É preciso compreender

que a violência contra as mulheres não

é mais um assunto privado, é público,

de segurança, que diz respeito aos direitos

fundamentais das mulheres. Precisa

mudar a noção de quem lida com

isso. Segundo, do ponto de vista prático,

precisamos ampliar os juizados da vio-

32


lência contra a mulher, criar mais juizados,

formar juízes, magistrados, Ministério

Público, Defensoria Pública que

atendam casos de violência, para que

eles percebam que não é um crime

como qualquer outro. Precisa-se cumprir

a lei, para que depois a gente possa

apontar o que deve ser melhorado. O

que não pode é ser negada na sua dimensão

prática.

Elas por Elas - Qual foi o objetivo

da audiência que vocês participaram,

em outubro do ano passado,

na Comissão Interamericana

de Direitos Humanos?

Periodicamente, temos de informar

à Comissão como está o andamento

da Lei Maria da Penha no Brasil. E nós

levamos exatamente estes pontos: primeiro,

a demora do Supremo Tribunal

Federal em julgar os crimes. Informamos

também um número muito baixo de

juizados especializados de violência doméstica,

porque os tribunais demoram

a criar, ou resistem a criar, o que é

ruim para as mulheres.

Elas por Elas - De quem é a

obrigação de criar esses juizados?

Dos tribunais de justiça. Eles têm de

prever recursos para criá-los, em conformidade

com a lei. Levamos também

a ausência de uma estatística nacional

sobre a lei Maria da Penha. Não temos

dados oficiais nacionais. Não há um

cadastro nacional que permita dizer:

em todo o Brasil, foram julgados tantos

mil processos referentes à lei Maria da

Penha, foram expedidas tantas liminares,

tantas medidas protetivas, prisões. Quer

dizer, isso é uma debilidade que precisa

ser sanada. Precisamos ter uma ideia

do volume de processos para poder

pensar inclusive em políticas. E levamos

também esse ponto da rede de atendimento

que ainda é insuficiente para a

necessidade das mulheres. A Comissão

deve fazer um relatório, e tão logo a

gente o receba, vamos dar publicidade.

Elas por Elas - Alguns especialistas

dizem que as dificuldades

de efetivação da lei também se

devem à ideologia patriarcal dominante

em nossa sociedade, inclusive

no meio jurídico. Você concorda

com esse ponto de vista?

Com certeza. Vivemos numa sociedade

ainda muito machista, que tem dificuldades

em compreender que as relações

entre homens e mulheres devem

ser igualitárias, respeitosas. E esse pensamento,

particularmente no campo da

violência doméstica, tem uma longa tradição

no campo do direito. Basta lembrar

que até muito pouco tempo atrás se absolviam

homens que matavam por suposta

legítima defesa da honra. Havia

uma condescendência com esse tipo de

comportamento masculino. Hoje não se

admite mais isso, mas o tipo de ideologia,

ou seja, esse tipo de pensamento não

mudou totalmente. Quer dizer, essa cultura

machista está enraizada nessa sociedade

que as feministas chamaram de

sociedade patriarcal, onde o poder masculino

é muito forte e se exerce sobre as

mulheres. Isso vem mudando, com certeza,

mas ainda permanecem as desigualdades

que precisam ser enfrentadas

e superadas.ø

Revista Elas por Elas - março 2012 33


HISTÓRIA

por Saulo Martins

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As lendas, os mitos

e as revelações sobre

a vida da primeira

cangaceira

Maria Bonita:

amor e fuga

no cangaço

“Acorda, Maria Bonita! Levanta,

vai fazer o café! Que o dia já vem

raiando! E a Polícia já está de pé!” A

letra de Antônio dos Santos remonta

um pouco do cotidiano de alguns personagens

que vivenciaram os tempos

do cangaço no Nordeste brasileiro.

Entre esses sertanejos que decidiram

se enveredar na caatinga e acompanhar

o bando de Virgulino Lampião está

Maria Bonita, a primeira mulher cangaceira.

Não são poucas as lendas e anedotas

contadas a respeito da jovem baiana,

nativa da fazenda Malhada da Caiçara.

Muitos livros já foram escritos e, até

mesmo, as apostilas escolares trazem

relatos sobre a vida e a saga dessa nordestina.

No entanto, pesquisadores acreditam

que ainda existem muitos fatos a

serem explicados sobre a mulher que

abriu as portas para a figura feminina

no cangaço.

As revelações sobre a vida de Maria

Bonita ainda surgem nas publicações

recentes e estimulam pesquisadores

apaixonados pelo tema. De acordo

com o pesquisador João de Sousa

Lima, membro da Sociedade Brasileira

de Estudos do Cangaço, depois de décadas

de muita controvérsia sobre a

data de seu nascimento, o padre Celso

Anunciação e o historiador Voldir Ribeiro

descobriram que Maria Gomes de Oliveira

nasceu em 17 de janeiro de 1910.

O dado foi constatado no documento

do batistério, guardado pela igreja católica.

Tomando como base esses estudos,

o nascimento da rainha do cangaço

completou 102 anos em 2012.

Até essa descoberta, a data lembrada

era o dia 8 de março de 1911.

Outro ponto polêmico nos debates

recentes sobre a vida da mulher de

Lampião é em relação à maternidade.

Oficialmente, Maria Bonita teve apenas

uma filha, Expedita Ferreira da Silva.

“Das quatro gestações da cangaceira,

sabíamos apenas sobre Expedita.

Quando comecei a escrever o livro A

Trajetória Guerreira de Maria Bonita,

a Rainha do Cangaço, sempre que

perguntava aos meus entrevistados detalhes

sobre os gêmeos Arlindo e Ananias,

irmãos de Maria Bonita, ou obtinha

o silêncio por resposta ou escutava um

curto e desafiador resmungar: Ananias

não é irmão de Maria Bonita!”, relata.

João Lima conta que um dos primos

de Maria, chamado Manuel Maria dos

Santos, foi o primeiro a confidenciar

que Ananias era filho de Lampião e

Revista Elas por Elas - março 2012 35


Maria Bonita. Ele era ex-barqueiro acostumado

a atravessar, junto com o pai,

os cangaceiros que cruzavam o Rio

São Francisco. De acordo com o pesquisador,

muitas outras fontes confirmaram

a história.

“O Manuel ainda indicou mais pessoas

que poderiam atestar o que ele

estava dizendo e fui buscar a comprovação.

Dentre as pessoas que fizeram

seus relatos estão Servina Oliveira de

Sá (prima de Maria Bonita), Eribaldo

Ferreira Oliveira (sobrinho de Maria

Bonita), os irmãos Osvaldo, Olindina e

Maria Martins de Sá (primos de Maria

Bonita) e Firmino Martins de Sá, que

foi casado com Maria Rodrigues de Sá,

considerada a melhor amiga de Maria

Bonita”, ressalta João Lima.

Desvendado o mistério

O pesquisador continuou no rastro

das informações e constatou, após

árdua apuração, que Dona Maria Joaquina

Conceição Oliveira, “Dona Déa”,

mãe da Rainha do Cangaço, estava

grávida, e, por coincidência, Maria Bonita

havia engravidado quase que na

mesma época. Por questão de aproximadamente

dois dias, as duas mulheres

deram à luz a seus filhos.

“Diante das dificuldades da vida nômade

dos cangaceiros, Lampião arquitetou

deixar o filho com a sogra, para que

ela criasse as crianças como se fossem

gêmeas e assim aconteceu. O filho de

Dona Déa ganhou o nome de Arlindo

Gomes de Oliveira e o filho de Lampião

e Maria Bonita foi batizado como Ananias

Gomes Oliveira”, constata João.

Dos depoimentos que se tem registro

daquela época, o mais contundente

é o deixado por José Mutti, major reformado

do exército, que foi casado

com Antonia Oliveira (irmã de Maria

Bonita) e que escreveu o livro: Reminiscências

de um ex-comandante de

volante, que retrata com detalhes a

descoberta desse segredo.

“Aí está desvendado mais um dos

mistérios do cangaço, para registro histórico.

Vale salientar que Ananias concordou

fazer o exame de DNA, sendo

coletado sangue de dona Mocinha (irmã

de lampião), de Arlindo (o irmão gêmeo)

e do irmão Ozéas Gomes. A questão

foi parar na justiça, uma vez que a Expedita

e a Vera Ferreira (filha e neta de

Lampião e Maria Bonita) se negaram a

fazer os exames”, enfatiza João.

Para João Lima, as mulheres registraram

sua passagem também nas veredas

do cangaço. Todas tiveram

grande importância no contexto histórico.

Ele lembra que a cidade de Paulo

Afonso na Bahia, quando na época do

cangaço era distrito de Santo Antonio

da Glória do Curral dos Bois, foi lá o

palco principal da entrada da mulher

para as fileiras do cangaceirismo, sendo

Maria Bonita, a rainha do cangaço,

uma das que mais ganhou destaque

nesse meio.

O escritor também rebate algumas

definições dadas à Maria Bonita e aos

seus companheiros. “A questão de bandido

ou herói tem dividido opiniões,

porém o mais importante é o registro

dos fatos acontecidos, não podemos julgar

a história de um povo, de uma raça,

de uma comunidade. Toda a história

desde a criação é repleta de momentos

sangrentos, de guerras e de lutas. Precisamos

levar para as gerações vindouras

esses fatos, sem nada alterar ou modificar.

A polícia, que era quem devia proteger

a população, o sertanejo, foi muito

pior que os homens e mulheres que viviam

à margem da lei. A polícia matou,

estuprou, roubou mais. Muitos desses

crimes foram creditados aos cangaceiros.

É importante que escritores e estudiosos

do tema saibam manter a

imparcialidade na hora de retratar os

casos e deixem que a história e o tempo

decidam essas questões polêmicas e que

não cabem no olhar individual de algum

analista”, completa o escritor João de

Sousa Lima.

Em 63 anos de pesquisa sobre o

tema, o pesquisador paulista Antônio

Amaury Corrêa de Araújo reuniu mais

de 250 horas de conversa com cangaceiros

e mais de 7 mil entrevistas realizadas

sobre o assunto. “Existem muitas

lendas a respeito dos cangaceiros. E

em relação à Maria Bonita não é diferente.

A minha missão atual é ajudar a

contar a verdade sobre os protagonistas

desse movimento histórico e rebater

muitas mentiras que têm sido ditas e escritas

sobre o cangaço”, lembra.

Maria Bonita rompeu vários parâmetros

da época. Casou-se muito

jovem com um primo, mas logo se separou.

Conheceu Lampião em 1929 e

juntou-se ao grupo em 1931. Ela percorreu

junto com o companheiro cerca

de cinco estados e viveu pelo agreste,

durante cerca de oito anos. Acabou assassinada

pela volante policial em 28

de junho de 1938.

“Conversei com as irmãs de Maria e

ouvi muitas histórias sobre a rainha do

cangaço. Odilon Café apresentou o pai

de Maria para Lampião, juntamente com

outros fazendeiros que, posteriormente,

passaram a ser coiteiros de Lampião, ou

seja, deixavam que os cangaceiros se escondessem

nas fazendas. Como Lampião

tratou todas essas pessoas muito bem,

então deixou-se de ter aquele medo que

se espalhava do bando. A polícia tinha

grande interesse de colocar Lampião

como um homem que chegava nos lugares,

abusava das mulheres e criava confusão.

E as famílias ficavam reféns dessas

informações. Quando viram que nada

disso aconteceu, foi quebrada a mística”,

destaca Antônio.

Antônio lembra que no mesmo dia

em que Maria Bonita acompanhou

Lampião, a cunhada dela também decidiu

morar com o cangaceiro Ângelo

36


Roque. “Alguns já tinham mulheres.

Elas ficavam sob o cuidado de pessoas

de confiança, agora Maria foi a primeira

a ficar junto com o bando”, enfatiza.

Símbolo do movimento

feminista

A entrada das mulheres no cangaço

aconteceu por motivos diversos. Algumas

moças enxergavam a oportunidade

de uma vida melhor, pois cangaceiros

cobriam as mulheres de metais

preciosos. Algumas jovens eram trocadas

a peso de ouro pelos pais, outras foram

raptadas. No caso de Maria Bonita, ela

se encantou pelo líder do movimento.

Apesar de ser lembrada como um

dos símbolos do movimento feminista,

o pesquisador João Lima aponta que o

movimento do cangaço não tinha fins

políticos ou ideológicos. “Ela se tornou

sinônimo de mulher corajosa, decidida,

que rompeu parâmetros de uma época

para seguir um grupo comandado por

um homem que vivia à margem da lei.

Pode ter se tornado exemplo para algumas

outras mulheres, porém não foi

intencional, ela foi para o cangaço

apenas por ter se apaixonado por Lampião”,

destaca.

João Lima tenta definir Maria Bonita

em poucas palavras. “Era mulher corajosa,

decidida, acima de tudo, apaixonada

pelo homem que ela decidiu seguir.

Foi menina, criança, amiga, companheira

e mãe. Tomou banho de chuva,

se molhou em biqueiras e barreiros,

fez bonecas de pano e de milho, correu,

caiu levantou, amou, sofreu, sorriu,

chorou, colheu flores, sentiu o calor

causticante do sertão, divisou o verde

em certos momentos, foi amada, ferida,

feliz e sofrida, foi mulher sertaneja, de

brio, forte, serena, severa, amamentou,

partiu, voltou, tombou crivada de balas,

uma mulher comum, porém com uma

história diferenciada de todas as outras

de sua época e de seu convívio”.ø

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Revista Elas por Elas - março 2012 37


COMPORTAMENTO | por Saulo Martins

fotos Mark Florest

Rilary Katlen


Entre a

imagem real

e a ideal

Mídia impõe padrões

de beleza inatingíveis

para as mulheres

Decidida a mudar o visual dos seus

cabelos anelados, a estudante Rilary

Katleen Carapiá resolveu fazer uma escova

progressiva. Mas, ao procurar um

salão de beleza no centro de Belo Horizonte,

ela não esperava que um simples

tratamento capilar a levasse a um hospital.

Após a escova, Rilary começou a

sentir fortes dores de cabeça e enjôo,

sintomas que a induziram a procurar

um médico.

O formol, substância utilizada nesse

tipo de intervenção, causou uma intoxicação

que, se não fosse constatada e

medicada a tempo, poderia levá-la a

um quadro mais grave. “Eu queria simplesmente

ficar mais bonita e ter um

cabelo mais prático, liso. Nunca imaginei

que isso pudesse acontecer comigo.

Agora vou tomar mais cuidado”,

comenta Rilary, que apesar do risco,

ficou feliz com o resultado: cabelos

bem lisos.

A história dessa jovem é semelhante

à de muitas outras mulheres que se arriscam,

sem medir as consequências,

em busca de um padrão de beleza, que

muitas vezes é inatingível. Estimuladas

pela publicidade das grandes marcas

de cosméticos e das grifes famosas,

milhares de mulheres vivem em busca

da beleza ideal.

O padrão de beleza imposto às mulheres

pode ser um problema social.

Essa é a visão da psicóloga Rachel Moreno,

autora do livro A Beleza Impossível

– Mídia Mulher e Consumo. “Esse

ideal de beleza é imposto de uma maneira

autoritária, mas, sutilmente autoritária,

porque, na verdade é uma promessa

de felicidade ao alcance das

mãos. E para alcançá-la basta comprar

os produtos adequados. Mas, no fundo

é impositivo e quase que ditatorial”,

comenta a psicóloga.

De acordo com Rachel Moreno,

nós somos absolutamente manipulados,

pois vivemos num mundo no qual não

importa mais o que queremos, o que

fazemos e o que somos. “O grau de

importância de uma pessoa é determinado

por aquilo que ela tem e pelo que

ela aparenta ser. Daí a importância da

aparência física. É nesse sentido que o

nosso desejo é organizado e o nosso

comportamento direcionado. Todas as

Revista Elas por Elas - março 2012 39


ações publicitárias estimulam as pessoas

a se esforçarem no sentido de alcançar

esse ideal de beleza que é colocado

para nós e que acaba resolvendo o

problema da sociedade de consumo e

não o nosso”, alfineta Rachel.

Para Alexsandra, cuidar-se faz bem para a autoestima

Alta, magra e loira

A psicóloga enfatiza que, por mais

que as pautas das mulheres tenham

evoluído, a mídia faz questão de dizer:

“Escuta aqui, minha filha, você tem

que ser alta, magra, loira e comportamento

que dá certo é você tirar a

roupa e mostrar o corpo, porque do

contrário ninguém vai te escutar. Eles

reiteram os valores ultrapassados e

antigos, passando por cima de todos

os avanços e conquistas que conseguimos

e utilizam ícones de beleza

para nos dar o recado”, diz Rachel

Moreno.

“A mídia interfere na formação da

autoimagem das mulheres e gera um

40


desconforto entre essa imagem ideal e

a imagem real. Geralmente, as transformações

que as mulheres realizam

em busca dessa perfeição atingem o

meio do caminho, então fica aquela

distância entre o que você já foi um dia

e aquilo que você gostaria de ser. Isso

se transforma em uma angústia, provocada

por essa tentativa desenfreada

de chegar nessa imagem idealizada pela

publicidade. No caso das mulheres negras,

nós sofremos dupla discriminação”,

lembra a mestre em educação Carolina

dos Santos Oliveira.

De acordo com Carolina dos Santos,

o corpo da mulher negra é visto como

problemático, seja pela mídia em geral

ou por publicações específicas. Ela explica

que as revistas para jovens, por

exemplo, dão dicas de como afinar o

nariz, reduzir o quadril e alisar o cabelo.

“A grande questão não é deixar de manipular

os corpos, isso é uma coisa ancestral.

O foco é discutir esse modelo a

ser alcançado, que nunca será atingido.

E para a mulher negra isso é praticamente

impossível”, diz.

A mestre em educação afirma que

não existe espaço para a diferença.

Segundo Carolina, até dá para conviver

desse jeito, mas, não é o ideal. “Esse

tratamento dado pela sociedade diminui

a mulher e limita a sua participação

em inúmeras áreas de seu interesse.

Às vezes, a própria mulher não está

preocupada com esse padrão, mas,

ela não é levada a sério, não tem voz

e não é vista como alguém ativo, um

ser social que não passa da imagem.

Sempre existe uma intenção por trás

das ações midiáticas e educacionais. É

preciso prestar atenção aos papéis

que são colocados para as mulheres”

enfatiza.

A bacharel em Direito Alexsandra

de Freitas Silva sentiu diferença em

sua vida quando passou a se preocupar

mais com os padrões estéticos de beleza

exigidos das mulheres como estar

sempre com as unhas feitas, pele bem

cuidada, maquiagem, cabelo e roupas

da moda. “Até me casar, eu não era

uma mulher muito preocupada com a

imagem, no entanto, o convívio social,

principalmente no trabalho, incentivoume

a repaginar o meu visual. Senti a

necessidade de me cuidar melhor. Isso

dá trabalho, mas me sinto mais bonita

e mais segura. Com isso, percebi que

o meu relacionamento com as pessoas

melhorou significativamente, o que me

deixa feliz”, relata.

Para ela, cuidar-se faz bem para a

autoestima, mas tudo tem um limite.

“Há muitas mulheres angustiadas por

não alcançarem o ideal de beleza, normalmente

eurocêntrico, imposto pela

mídia e muitas vezes, essa busca incessante

por algo inatingível pode trazer

consequências negativas tanto no lado

estético quanto para o psicológico”,

completa Alexsandra.ø

Revista Elas por Elas - março 2012 41


Internet

GÊNERO E EDUCAÇÃO | por Cecília Alvim

Formar para transformar

Professores se capacitam para promover

equidade de gênero na escola

42


As desigualdades persistentes entre

as mulheres brasileiras; a concentração

das mulheres em cursos e carreiras

ditas “femininas"; a baixa valorização

das profissionais de educação básica; o

acesso desigual à educação infantil; a

manutenção de uma educação sexista,

homofóbica/lesbofóbica, racista e discriminatória

são alguns dos desafios

para a garantia da equidade de gênero

no espaço escolar, apontados no Informe

Brasil – Gênero e Educação. O

documento traça um panorama sobre

essa temática e apresenta recomendações

que teriam repercussões diretas

no campo das políticas públicas.

O informe brasileiro, apresentado

na audiência pública da Comissão Interamericana

de Direitos Humanos da

Organização dos Estados Americanos

(OEA), realizada em outubro de 2011,

em Washington, foi produzido no marco

da Campanha Educação Não Sexista e

Antidiscriminatória pela organização

Ação Educativa. A Campanha tem a

colaboração da organização Ecos – Comunicação

e Sexualidade e do Centro

de Referência às Vítimas de Violência

do Instituto Sedes Sapientiae.

Os números apresentados pelo informe

apontam que as desigualdades

de gênero na educação ainda não foram

superadas, como defendem alguns setores

governamentais e da sociedade

civil. Em números absolutos, as mulheres

ainda constituem a maioria dos analfabetos

com mais de 10 anos de idade

no país, apesar da diferença entre os

sexos ter diminuído ao longo da última

década, segundo o Observatório da

Equidade. Se em 2001, havia cerca de

7,2 milhões de homens e 7,8 milhões

de mulheres analfabetos, em 2008,

este número passou para 6,9 milhões

e 7,2 milhões, respectivamente, revelando

um ritmo maior de queda entre

as mulheres.

“É importante observar que nos documentos

oficiais não se nega a existência

de grandes desafios com relação

à situação das mulheres no mercado

de trabalho, na saúde, na violência doméstica,

no acesso ao poder, ao direito

à moradia, mas na educação, a agenda

perde potência, apesar de se considerar

que o investimento na educação é estratégico

para o enfrentamento das diversas

desigualdades, discriminações e

violências de gênero que continuam

presentes no cotidiano e para o acesso

de mulheres e homens a outros direitos

humanos”, destaca o informe.

Esperança

Mas a pesquisa também desenha

um cenário de esperança para as mulheres

no que diz respeito ao aumento

do grau de escolarização feminina.

Desde 2004, elas representam cerca

de 55% da população com nível superior

completo (graduação) e superaram

os homens em obtenção de títulos de

doutorado. No entanto, quando se

trata dos níveis mais elevados de escolarização

(pós-graduação em geral), as

mulheres respondem por apenas 43%

do total de pessoas com mais de 16

anos de estudo.

Esses e outros dados do informe indicam

que as discriminações de gênero

ainda se perpetuam na educação brasileira.

“Não se pode negar o avanço

expresso nos indicadores nacionais de

educacão com relação ao acesso das

mulheres à escolarização. Porém, essa

conquista é insuficiente para afirmar

que o país tenha alcançado a equidade

entre homens e mulheres na educação

e cumprido as metas internacionais de

uma educação não-sexista e não-discriminatória”,

problematiza o documento.

Saiba mais:

http://educacion-nosexista.org

Revista Elas por Elas - março 2012 43


Informe Brasil recomenda

ampliar conteúdos sobre gênero

Ampliar a oferta de conteúdos referentes

a relações sociais de gênero e sexualidade

na formação inicial e continuada

de professores. Esse é um dos principais

desafios apontados pelo Informe Brasil

para promover a equidade de gênero na

educação. Segundo o documento, esses

conteúdos ainda estão pouco presentes

nos cursos de licenciatura das universidades

públicas e privadas. Quando aparecem

nos currículos, com frequência,

constam como disciplinas opcionais, o

que dificulta ainda mais o reconhecimento

por parte dos futuros professores sobre

a importância da temática de gênero ser

abordada na escola.

Para a professora doutora Carmem

Lúcia Costa, é preciso que os cursos

de licenciatura ofereçam disciplinas que

orientem os professores para a melhor

abordagem de temáticas como a de

gênero na escola. “Não adianta termos

Parâmetros Curriculares Nacionais

(PCNs) que trazem os temas transversais

se os professores não estão preparados

ou não têm formação para lidar com

os mesmos”, destaca.

“Entendemos que o Ministério da Educação

e os Conselhos Universitários devem

atuar de forma decisiva nessa situação e

que o SINAES (Sistema Nacional de Avaliação

do Ensino Superior) deve ser usado

para induzir a incorporação desses conteúdos”,

destaca o informe. Com relação

à formação continuada, o documento

aponta, ainda, que é fundamental consolidar

os programas já existentes no Ministério

da Educação e considerar seus

conteúdos como questões estratégicas e

estruturantes da Política Nacional de Formação

dos Profissionais de Educação,

elaborada pelo Conselho Nacional de

Educação Básica, da Capes.

Um desses programas desenvolvidos

atualmente pelo Ministério da Educação

é o curso Gênero e Diversidade na Escola

(GDE). Ofertado pela primeira vez em

um projeto piloto em 2006, tem como

objetivo capacitar profissionais da educação

das redes pública e privada para

lidar com a diversidade nas salas de aula,

a partir do enfrentamento de atitudes e

comportamentos preconceituosos em relação

a gênero, raça/etnia e à orientação

sexual.

Especialização a distância

160 professores estão cursando a

especialização em GDE através da Universidade

Federal de Goiás (UFG). O

Núcleo de Estudos e Pesquisas Dialogus,

do Campus Catalão, está promovendo

uma edição do curso. Oferecido a distância,

por meio do ambiente virtual

de aprendizagem Moodle, o curso prevê

atividades presenciais, que são desenvolvidas

nos pólos de apoio presencial

da UAB, em Catalão, Inhumas, Itumbiara

e Morrinhos.

Diversidade, Gênero, Metodologia

da pesquisa, Sexualidade e orientação

sexual, Relações étnico-raciais, Metodologia

do ensino superior e Produção

do artigo final são as sete disciplinas

que compõem as 360 horas da especialização.

Ao longo do curso, os professores

debatem, em grupo, as temáticas

relacionadas a gênero e diversidade,

a partir de subsídios proporcionados

por material didático específico.

Identidades de gênero

Os homens são minoria nas turmas.

A proporção é de 1 homem para cada

10 mulheres. “Acredito que isso ocorra

em função também da feminização do

trabalho docente em Goiás”, afirma

Carmem Lúcia, que é coordenadora

administrativa do curso na UFG. Segundo

ela, os homens apresentam mais

resistência a alguns conteúdos. “A dis-

III Encontro Presencial do GDE, realizado em 26 de novembro de 2011, em Luís Gomes/RN.

Internet

44


ciplina sobre sexualidade e orientação

sexual é a que provoca mais debate

entre os alunos, porque é onde acontece

o enfrentamento das identidades de

gênero”, analisa Carmem Lúcia.

Para a professora Carmem, a educação

brasileira ainda reforça os padrões

da heteronormatividade, do não respeito

às diferenças, da violência. No entanto,

ela vê uma saída para que esse triste

quadro seja superado. “Ainda vivemos

em uma sociedade com preconceitos e

discriminação, e só outra educação poderá

mudar isso”. E é com esse olhar

de esperança que ela já começa a ver

os frutos do curso que coordena. “Os

professores afirmam, em seus depoimentos,

que mudam de atitude com

seus alunos a partir do momento em

que descobrem a importância de se

discutir esses conteúdos em sala de

aula e nos projetos que desenvolvem

em suas escolas”, conta.

Educação para a diversidade

O curso Gênero e Diversidade na

Escola é ofertado como aperfeiçoamento

(200h) e como especialização (360 h)

na modalidade semipresencial, através

do sistema Universidade Aberta do

Brasil (UAB). Foi desenvolvido por meio

da parceria entre o Ministério da Educação,

a Secretaria de Políticas para as

Mulheres (SPM), a Secretaria de Políticas

de Promoção da Igualdade Racial

(SEPPIR), o British Council e o Centro

Latino Americano em Sexualidade e

Direitos Humanos da Universidade do

Estado do Rio de Janeiro

(CLAM/UERJ). Em 2008, o curso foi

integrado à Rede de Educação para a

Diversidade (Rede), por meio da UAB.

29 Instituições Públicas de Ensino

Superior (IPES) ofertam o curso em diferentes

estados do Brasil: IFPA, UEG,

Uema, UEPG, Ufal, UFG, Ufma,

UFMG, UFMS, UFOP, Ufpa, UFPB,

UFPE, UFSC, Ufscar, UnB, Unesp,

Unimontes, UFPI, UFS, Furg, Ufes,

Ufla, Unifap, UFMT, UFG, Ufam, UFRN

e UFRR.

Entre 2009 e 2010, a Universidade

Federal de Minas Gerais ofertou o curso

Gênero e Diversidade na Escola, em

parceria com o MEC. Há projeto para

a realização de nova edição do curso,

mas ainda não há data prevista para

novas inscrições.

Segundo o MEC, até 2011, 31.629

profissionais da educação passaram

pelos cursos e a previsão é de que até

2014 mais 60 mil professores se capacitem

nas temáticas de gênero. Esses

números criam perspectivas de que o

olhar transformado e transformador

desses professores ajude a construir, a

partir da escola, uma cultura de menos

discriminação e mais respeito às diferenças,

em um mundo que valorize a

riqueza da diversidade humana.

Curso Gênero e

Diversidade na Escola

Ano Vagas já ofertadas

2006 1.000

2008 13.349

2009 3.550

2010 2.730

2011 12.000

Total 31.629

Metas 2012-2014

Ano Previsão de vagas

2012 10.000

2013 20.000

2014 30.000

Fonte: MEC

Desigualdades de gênero

são tema de mestrado

Também em Goiás as temáticas de

gênero estão no currículo de formação

de professores que cursam pós-graduação.

As transformações no mundo

contemporâneo e o seu impacto no

trabalho, na educação e na qualificação

profissional de homens e mulheres,

bem como suas implicações com a profissão

e a formação de professores(as)

são alguns dos assuntos abordados na

disciplina Educação, Trabalho e Gênero,

oferecida pelo mestrado em Educação

da PUC Goiás.

Para a professora da disciplina,

Lúcia Rincon, que é mestre em História

e doutora em Educação, ainda falta

entre os estudantes de mestrado e doutorado

consciência sobre a existência

da discriminação em seus diferentes níveis

e situações. “O maior desafio é

contribuir para que as pessoas entendam

as imbricações ideológicas que mantém

as relações de exploração, discriminatórias

e patriarcais, bem como o papel

que cumprem na manutenção da sociedade

de classes capitalista”, avalia.

Segundo Lúcia, o Informe Brasil

faz um diagnóstico pertinente sobre a

ausência das questões de gênero nos

currículos de formação universitária,

em particular os de licenciatura. No

entanto, para ela, esse quadro já está

começando a mudar. “Livros didáticos

têm sido analisados antes de serem indicados

e novos programas têm sido

desenvolvidos, o que é positivo, pois

demonstra que tem crescido a preocupação

e as ações de gestores públicos

relativas a abordagens necessárias para

a progressiva superação das desigualdades

e preconceitos de gênero no espaço

escolar”, analisa.ø

Revista Elas por Elas - março 2012 45


RIO+20

por Débora Junqueira

Foto: Cecília ALvim


Mobilizadas

em defesa

do planeta

Feministas se

preparam para a

Conferência das

Nações Unidas sobre

desenvolvimento

sustentável

“Se todo o dinheiro utilizado na

guerra fosse usado para acabar com a

pobreza e para achar soluções para os

problemas ambientais, que lugar maravilhoso

a Terra seria”. Esse é um trecho

do discurso da menina canadense, Severn

Suzuki, que emocionou o mundo

durante a ECO 92 (Conferência das

Nações Unidas para o Meio Ambiente

e o Desenvolvimento). Vinte anos depois,

líderes de várias partes do mundo

e representantes da sociedade civil se

preparam para um novo encontro no

Rio de Janeiro.

De 20 a 22 de junho deste ano,

acontecerá a Conferência das Nações

Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável,

conhecida como Rio+20. Paralelamente,

será realizada a Cúpula dos

Povos por Justiça Ambiental e Social,

em defesa dos bens comuns, organizada

por movimentos sociais em âmbito

mundial. Estará em discussão quem

paga a conta da degradação do Planeta

e a quem cabe a governança mundial.

A Eco 92, que também contou com

a participação ativa da sociedade civil

organizada, rendeu a criação de vários

documentos importantes como a

Agenda 21, a Carta da Terra e as Convenções

do Clima e da Diversidade

Biológica, incluindo o tema socioambiental

na agenda pública. A mobilização

das mulheres também foi importante

para consolidar a visão de que feminismo

e meio ambiente estão intrinsecamente

ligados. No entanto, atingida a marca

dos sete bilhões de habitantes no planeta,

os desafios para ultrapassar a

crise ambiental e as injustiças sociais e

as desigualdades de gênero continuam.

O contexto exige da Conferência

Rio+20 um sentido de urgência para a

superação da crescente insustentabilidade,

tanto do ponto de vista econômico,

quanto social e ambiental. É fundamental

promover uma mudança de paradigma

no modelo de produção e consumo na

direção da sustentabilidade e da justiça

social. Esse é um consenso entre diversas

instituições que assinam o documento

“Acordo sobre o Desenvolvimento Sustentável

– Contribuições para a Rio+20”,

elaborado pelo Departamento Intersindical

de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos

(Dieese) juntamente com o Conselho do

Desenvolvimento Econômico e Social

(CDES).

A Rio+20 é uma conferência global

com inúmeros atores. Além dos países

membros da ONU, participam da organização

sete categorias da sociedade

Revista Elas por Elas - março 2012 47


civil (28 pessoas), representantes de

movimentos sociais, sindicais, de mulheres,

da juventude, de agricultores,

empresas, academias, ongs, entre outros.

Um dos temas centrais da Conferência

será a economia verde no contexto

da erradicação da pobreza e do

desenvolvimento sustentável e governança.

Segurança alimentar e agricultura

sustentável; segurança hídrica; energia

renovável e eficiência energética; urbanização

sustentável; gestão dos oceanos;

e preparo e adaptação a desastres,

serão temas que farão parte da pauta.

Se essas conferências servem para

renovar os compromissos políticos e

fazer um balanço do que não foi feito,

pelo visto não será possível esperar

grandes decisões da Rio+20. De qualquer

forma, será um espaço de importantes

discussões e de oportunidades para que

a sociedade organizada se posicione e

reafirme seus ideais para o futuro.

Segundo o sociólogo Boaventura

de Souza Santos, em palestra durante

o Fórum Temático 2012, realizado em

Porto Alegre, a Rio+20 será nada mais

do que uma afirmação do capitalismo,

onde serão apresentadas novas formas

de investimento sob a “falsa ideia” de

que o capitalismo verde é mais sustentável

que o capitalismo em vigor.

“Economia verde”

“Na verdade, a “economia verde”

surge como uma alternativa do sistema

capitalista mundial de se revestir de faceta

ambiental e dizer que está preocupado

com as crises alimentar, energética,

climática e econômica do Planeta”,

opina Laura Jesus de Moura e Costa,

doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento,

Secretária de Defesa do

Meio Ambiente da Central dos Trabalhadores

e Trabalhadoras do Brasil

(CTB-PR) e Coordenadora Geral do

Centro de Estudos, Defesa e Educação

Ambiental - CEDEA e da União Brasileira

de Mulheres (UBM-PR).

As críticas à chamada “economia

verde” (um novo conceito que deverá

substituir o esvaziado conceito de desenvolvimento

sustentável) serão a tônica

da Cúpula dos Povos, que pretende

reunir cinco mil pessoas entre os dias

15 e 23 de junho no Aterro do Flamengo.

“O discurso de economia verde vem

para legitimar o processo de mercantilização

da natureza com a presença de

empresas nos territórios”, reforça a socióloga

Tica Moreno, militante da

Marcha Mundial das Mulheres e da

Sempreviva Organização Feminista

(SOF) e membro do Comitê Facilitador

da Cúpula dos Povos. Para a Marcha

Mundial das Mulheres (MMM) a Rio+20

também pode se converter em um processo

mundial de forte mobilização que

fortaleça as lutas e resistências pela sobrevivência

através da construção de

alternativas não-capitalistas como a soberania

alimentar.

“Defendemos o desenvolvimento com

valorização do trabalho e sustentabilidade

socioambiental, que garanta o fim da

pobreza, melhor distribuição da riqueza,

preservação da natureza, democracia,

soberania nacional, autodeterminação

dos povos, integração solidária dos povos

e principalmente da América Latina, a

paz mundial e o combate ao imperialismo

e à governança bélica do Planeta”, afirma

Elza Maria Campos, coordenadora da

União Brasileira de Mulheres (UBM) e

integrante do Conselho Nacional de Direitos

da Mulher.

Para Elza, a crise ambiental é parte

da crise do capitalismo. “A consciência

sobre os problemas ambientais é crescente

em todo o planeta, mas as propostas de

enfrentamento são assimétricas, principalmente

porque estão ligadas aos interesses

geopolíticos dos países ricos que

têm posição hegemônica nas relações

mundiais de poder”, explica.

Cúpula dos povos

As discussões na Cúpula dos Povos

vão girar em torno de três eixos: análise

das causas estruturais da crise, as falsas

soluções do mercado, principalmente

na questão climática e apresentação

das soluções que os movimentos têm

construído como a agroecologia e segurança

alimentar. Por último, o debate

será em torno das lutas comuns dos

movimentos. “Será uma boa oportunidade

para os movimentos acumularem

forças”, acredita Tica Moreno.

“A sociedade civil global, organizações,

coletivos e movimentos sociais

ocuparão o Aterro do Flamengo para

propor uma nova forma de se viver no

planeta, em solidariedade, contra a

mercantilização da natureza e em defesa

dos bens comuns”, divulga a organização

da Cúpula. Eles também pretendem

promover uma passeata para marcar a

abertura do evento e uma grande mobilização

já no dia 5 de junho, dia do

meio ambiente, para chamar a atenção

da sociedade. “Daremos a mensagem

clara de que a gente não quer falsas soluções,

queremos uma mudança de paradigmas”,

confirma a feminista.

Participação das mulheres

Segundo a Articulação de Mulheres

Brasileiras (AMB), em seu boletim divulgado

na internet, as demandas das mulheres

tanto para a Rio+20 oficial quanto

para a Cúpula dos Povos giram em torno

da “implementação dos princípios da

Eco 92 e da Agenda 21, uma maior participação

política das mulheres nas decisões

sobre desenvolvimento sustentável,

maior acesso aos recursos, além do protagonismo

das mulheres como agentes

de mudança, a sua valorização como

portadoras dos conhecimentos tradicionais

e de contribuições para a mitigação das

mudanças climáticas, e a conservação

da biodiversidade”. A Agenda 21 traz

no capítulo 24 (Ação mundial pela mulher,

48


Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Ministros participam da discussão sobre o texto báse da Rio+20 elaborado no ano passado

com vistas a um desenvolvimento sustentável

e equitativo) um plano de ações,

endossadas internacionalmente, direcionado

para as mulheres.

Para Tica Moreno, o debate ambiental

tem que estar articulado com a questão

mais geral da sociedade como as desigualdades

entre homens e mulheres.

“Da mesma forma que o sistema capitalista

usa os recursos naturais como se

fossem inesgotáveis, usam também o

trabalho e o tempo das mulheres como

se fossem recursos inesgotáveis”, avalia.

Segundo ela, o mercado identifica a importância

das mulheres e a utiliza para

beneficiar-se, sem contribuir para a transformação

da realidade das mulheres.

A socióloga explica que a crise ambiental

afeta as mulheres de várias

formas. “A violência sexista costuma

ser agravada quando há catástrofes ambientais;

as mulheres ficam à frente da

reconstrução dos territórios e isso nem

sempre é reconhecido. O controle populacional

nos países pobres também

contribui para a intervenção nos corpos

das mulheres”, exemplifica. Para a

Marcha Mundial das Mulheres, a Rio+20

será marcada pelo protesto anticapitalista

e pela defesa dos bens comuns na

construção da igualdade. “Além de

exigir uma mudança de paradigma ambiental,

as mulheres vão levantar a bandeira

da necessidade de autonomia econômica

como eixo estruturador na construção

da igualdade”, conclui.

Mais uma vez, as mulheres estão

dispostas a dar a sua contribuição para

a sustentabilidade econômica, social e

ambiental do Planeta. Portanto, a

Rio+20 e a Cúpula dos Povos promete

ser um momento histórico para o movimento

de mulheres e para toda a população

do planeta.ø

Para a Marcha Mundial das Mulheres, a Rio+20 será marcada por protestos anticapitalistas

Cecilia Alvim

Revista Elas por Elas - março 2012 49


Mark Florest

RAÇA | por Cecília Alvim

Estatuto garante direitos

às mulheres negras


Lei gera polêmica

entre o movimento

negro e ainda é pouco

conhecida pela

sociedade

Matilde da Conceição Santos, 39

anos, é operadora de máquinas. Trabalha

no setor de tecelagem há 20

anos. Tem 6 filhos, três crianças e três

adolescentes. Entra no trabalho às dez

horas da noite e sai às seis da manhã.

Prefere esse turno, pois pode ficar

com os filhos e cuidar da casa durante

o dia. Veio de Alvinópolis para Belo

Horizonte há três anos, em busca de

um salário melhor para sustentar a família,

coisa que sempre fez sozinha.

Já ouviu falar do Estatuto da Igualdade

Racial, mas diz não saber como

funciona na prática. Matilde é testemunha

de que o racismo ainda existe

no Brasil. Ela conta que já foi vítima

de discriminação por parte de colegas

quando era estudante.

A operadora de máquinas estudou

até a 8ª série, mas acredita que os filhos

podem ir mais longe, por isso

procura incentivá-los nos estudos. No

entanto, ela percebe que o preconceito

acontece também na escola,

onde é possível notar a segregação.

"Vejo que as crianças se separam em

grupos de brancos e grupos de negros.

Tenho medo de que amanhã ou

depois aconteça alguma discriminação

com meus filhos", comenta. Ela diz,

ainda, que as oportunidades no mercado

de trabalho são melhores para

"os brancos". "Essa situação já melhorou

muito, mas ainda é muito desigual".

Negra, Matilde sabe também que

as mulheres nessa condição, muitas

vezes, sofrem duplamente o preconceito

de uma sociedade que ainda

apresenta fortes traços de machismo e

discriminação. "As mulheres são mais

prejudicadas, sim", conclui. Ela sonha

com uma sociedade onde todos sejam

tratados com respeito. "Não entendo

o racismo, porque somos todos feitos

da mesma carne, estamos no mesmo

mundo".

Marco legal

O Estatuto da Igualdade Racial foi

sancionado em 20 de julho de 2010,

como lei 12.288/2010, pelo então

presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Criado para garantir à população negra

a efetivação da igualdade de oportunidades,

a defesa dos direitos étnicos individuais

e coletivos e o combate à discriminação

e às demais formas de intolerância

étnica, o Estatuto completa,

em julho próximo, dois anos de vigência.

O Estatuto reconhece a desigualdade

de gênero e raça, faz referências à

marginalização da mulher negra no trabalho

artístico e cultural e também assegura

atenção às mulheres negras em

situação de violência, garantida a assistência

física, psíquica, social e jurídica.

No capítulo sobre trabalho, assegura o

acesso ao crédito para a pequena produção,

nos meios rural e urbano, com

ações afirmativas para mulheres negras.

A Lei alcança cerca de 90 milhões

de pessoas e em seus 65 artigos tenta

corrigir desigualdades referentes às

oportunidades e direitos dos descendentes

de escravos do país, que atualmente

representam 50,6% da sociedade

brasileira. Mas o que mudou na realidade

da população negra brasileira a partir

da instituição desse marco legal?

O senador Paulo Paim (PT-RS),

autor do projeto que deu origem à lei,

considera a aprovação do texto um

avanço na ampliação dos direitos das

pessoas que sofrem discriminação.

"Quando se aprova um estatuto para

combater o preconceito significa que a

sociedade e o Congresso reconhecem

que o preconceito é forte no Brasil".

De acordo com Paim, o Estatuto representou

um marco jurídico, histórico,

social e moral em defesa de uma população

historicamente marginalizada. “A

conquista desta lei representa um caminho

sem volta para a inclusão”,

afirmou.

Revista Elas por Elas - março 2012 51


Depois de tramitar por quase uma

década no Congresso, o Estatuto ainda

precisa ser regulamentado, através de

leis específicas que viabilizem sua aplicação.

No entanto, há alguns artigos

que são autoaplicáveis, como o 40,

que prevê o investimento de recursos

do Fundo de Amparo ao Trabalhador

em programas e projetos voltados para

a inclusão da população negra no mercado

de trabalho, e o artigo 51, que

cria Ouvidorias Permanentes em Defesa

da Igualdade Racial, para "receber e

encaminhar denúncias de preconceito

e discriminação com base em etnia ou

cor e acompanhar a implementação

de medidas para a promoção da igualdade".

Efetivar direitos

Frei David Santos, diretor executivo

do projeto Educação e Cidadania de

Afrodescendentes (Educafro), acompanhou

a tramitação da lei no Congresso,

e considera o Estatuto uma grande

conquista. “Avançamos no que foi possível.

Não é a lei ideal, mas já garante

direitos importantes. É melhor ter um

Estatuto possível na mão como ferramenta

do que um documento ideal,

parado nas gavetas do Congresso”,

avalia.

Ele lamenta, porém, que alguns

pontos importantes tenham ficado de

fora quando da aprovação da lei, como

a previsão de cotas de 20% para negros

nas universidades, no serviço público,

nas empresas particulares, e na mídia,

a definição de verbas, o direito aos territórios,

e a diferenciação entre discriminação

institucional e discriminação

individual. No entanto, segundo Frei

David, um ponto importante aprovado

foi o artigo 15, que diz que o poder

público deverá investir em ações afirmativas,

o que, na opinião dele, poderá

colaborar para uma progressiva redução

das desigualdades raciais.

“O Estatuto revelou o quanto a comunidade

negra está com o poder político

bastante reduzido, o quanto a esquerda

ainda não está levando a sério

a causa do negro, e o quanto a direita

conseguiu, mais uma vez, impor sua

visão colonialista que se perpetua até

hoje”, apontou Frei David, defensor

dos direitos da população negra há

trinta anos.

Frei David destaca que, embora haja

muitos desafios pela frente, já há iniciativas

isoladas de implementação do

Estatuto em estados e municípios, como

no Rio de Janeiro, onde as cotas foram

instituídas em concursos públicos, e na

cidade de São Sebastião, em São Paulo,

onde foi criado um roteiro turístico étnico-racial,

como prevê a lei.

O Estatuto trabalha com temas transversais,

como cultura, educação e trabalho,

por isso deve envolver um esforço

de diversos ministérios, governos e entidades

sociais, para sua efetivação.

Para Frei David, a sociedade deve pressionar

as instâncias do governo a adotar

políticas de ações afirmativas. “Cabe a

nós, comunidade negra, saber usar estrategicamente

essa ferramenta de luta

que é o Estatuto”, afirma.

José Cruz/ABr

Para Movimento

Negro Unificado,

Estatuto é carta

de intenções

Senador Paulo Paim e integrantes do movimento negro comemoram a aprovação da lei

Ainda que o Estatuto da Igualdade

Racial seja considerado um avanço por

grande parte da sociedade, há muitas

críticas por parte do movimento negro,

que teme por efeitos contrários aos pretendidos.

Para Ângela Gomes, coordenadora

estadual do Movimento Negro

Unificado (MNU) e professora doutora

em Geografia, que leciona na rede particular,

o Estatuto tende a minimizar a

gravidade de uma cultura racista que

ainda prevalece no Brasil. “É preciso

52


não reforçar o mito da democracia racial,

porque o racismo não acabou com essa

lei. Temos uma sociedade racista que

não admite o racismo”, destaca.

Ângela conta que o Estatuto era inicialmente

um documento do movimento

social, que visava garantir os direitos

da população negra, mas durante sua

longa e controversa tramitação no Congresso,

foram cortados pontos fundamentais,

que inviabilizam sua aceitação

e implementação. “A lei não garante a

penalização do crime de racismo, o direito

aos territórios étnicos negro-africanos,

como terreiros de candomblé e

Estatuto prevê ações afirmativas para as mulheres negras

Saulo Martins

umbanda, territórios quilombolas e escolas

de samba, e tantas outras demandas

históricas do povo negro. Por

tudo isso, consideramos que o Estatuto

é uma carta de intenções neoliberal,

retrógrada, esvaziada, que não cria

meios de reduzir a violência provocada

pelo racismo, e acaba por gerar ainda

mais passividade social”, avalia.

“O crime racial é praticado cotidianamente

no Brasil, porém é camuflado,

naturalizado”, denuncia Ângela Gomes.

Segundo ela, há uma pena de morte

não-oficial que atinge mais duramente

os afrodescendentes. “Há um grande número

de negros que são vítimas do tráfico

de drogas, da prostituição, de subempregos,

do abandono nas ruas, da violência,

da truculência policial, da educação

preconceituosa que ainda prevalece em

nossa sociedade”. Ela lamenta que o Estatuto

da Igualdade Racial não tenha trazido

propostas e normas mais claras e

rígidas que colaborem para a superação

dessa triste realidade. “O racismo é um

mecanismo capitalista de exclusão e de

genocídio, que, infelizmente, ainda mata

em nosso país”.

Leis ampliam

consciência de direitos

Rosa Margarida de Carvalho Rocha,

professora e escritora, desenvolve um

projeto, na Escola Estadual Dom Bosco,

de implementação da lei 10.639, que

determina a inclusão do ensino de história

da África e dos afrodescendentes

nos currículos escolares. Ela entende a

lei e também o Estatuto como mecanismos

de conscientização dos estudantes

para o reconhecimento de sua

origem e para a superação de preconceitos.

“Há instituições de ensino que

trabalham esses conteúdos, mas ainda

é um desafio ampliar tal debate junto à

comunidade escolar”.

Integrante do Núcleo de Relações Étnico-Raciais

e de Gênero, da Prefeitura

de Belo Horizonte, Rosa Margarida afirma

que o Estatuto da Igualdade Racial deve

ser abordado como um dos temas centrais

dentro da disciplina prevista na lei 10.639,

especialmente junto aos alunos das séries

finais do Ensino Fundamental, do Ensino

Médio e das turmas de Educação de Jovens

e Adultos. “Assim, esses estudantes

passam a ter mais consciência de seus

direitos para transformar a realidade”,

afirma. “O Estatuto, assim como a lei

10.639, fazem parte da história de resistência

do povo negro no Brasil, que

luta por reconhecimento, respeito, igualdade

e justiça social”, completa.ø

Revista Elas por Elas - março 2012 53


Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr

MOVIMENTO | por Débora Junqueira

Mais autonomia

para ampliar avanços

Reunidas na 3ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres,

elas reforçam as bandeiras da emancipação feminina


Valter Campanato/ABr

Não há mais qualquer

dúvida quanto à necessidade

de se investir em

uma nova cultura de paz

e de diálogo nas

relações de gênero.

Michele Bachelet

Mais de 2.500 mulheres de várias

partes do país se reuniram durante a

3ª Conferência Nacional de Políticas

para as Mulheres, realizada em Brasília,

de 12 a 15 de dezembro de 2011. Resultado

de um processo que envolveu

cerca de 200 mil participantes nos encontros

regionais, a Conferência teve

como tema a autonomia e igualdade

para as mulheres.

Os debates giraram em torno de

quatro eixos: autonomia econômica e

social e desafios para o desenvolvimento

sustentável; autonomia pessoal das mulheres;

autonomia cultural e autonomia

política, institucionalização e financiamento

de políticas públicas para as

mulheres. As propostas discutidas e

apresentadas tiveram como referência

o 2º Plano Nacional de Políticas para

as mulheres.

Assuntos importantes, sobretudo

para a formação das mulheres, também

foram temas das rodas de conversas simultâneas:

pensar políticas para a pluralidade,

história das desigualdades entre

mulheres e homens, as políticas e as

diferenças de geração, experiências da

gestão pública, orçamento para políticas

para as mulheres, um olhar internacional,

mulher e participação política.

“A Conferência foi uma demonstração

da vontade e da determinação da mulher

brasileira em participar das decisões

políticas, sociais e econômicas do país”,

disse a embaixadora do Brasil na

Revista Elas por Elas - março 2012 55


Organização das Nações Unidas (ONU)

em Genebra, Maria Nazareth Farani

Azevedo, que participou da Roda de

Conversa com o tema “Um olhar internacional”.

Essa foi a primeira conferência de

mulheres realizada na gestão da presidenta

Dilma Rousseff, que participou

da abertura do evento. "Senhoras e

Senhores, estou confiante de que este

será o século das mulheres”, afirmou.

Em resposta a boatos, Dilma garantiu

a continuidade da Secretaria de Políticas

para as Mulheres (SPM). “Nós vamos

avançar com essa secretaria que defende

o direito da mulher, que defende a

igualdade de gênero. Essa secretaria é

fundamental como é fundamental o

movimento que cada uma de vocês

fazem nos municípios e nas cidades de

vocês”, disse a presidenta se dirigindo

às delegadas.

Um dos pontos altos da Conferência

foi a participação da ex-presidenta do

Chile, Michelle Bachelet, atual diretora-executiva

da ONU Mulheres. “Ninguém

sabe as necessidades e demandas

das mulheres melhor do que vocês. A

oportunidade que esta Conferência oferece

em responder a essas demandas é

de extraordinário valor”, afirmou em

seu pronunciamento. Segundo ela, só

com mais mulheres no poder a democracia

será verdadeira.

Bachelet também destacou a importante

conquista nas ações de enfrentamento

à violência e apontou a

Lei Maria da Penha como uma das

melhores legislações do mundo. “Estamos

propondo medidas que reforçam

a aplicação da legislação antiviolência,

como a Lei Maria da Penha, e as medidas

que permitam maior e melhor

acesso de mulheres e crianças à justiça”.

Em seu pronunciamento, ela também

disse que “não há mais qualquer dúvida

Diversidade cultural: delegadas de todas as partes do país participaram da conferência

Internet

quanto à necessidade de se investir em

uma nova cultura de paz e de diálogo

nas relações de gênero para que a violência

realmente diminua”.

Principais bandeiras

A efetiva implementação da Lei

Maria da Penha, consolidação da rede

de enfrentamento à violência, Justiça

mais rápida, punição de agressores,

saúde, educação, reforma agrária com

atenção à mulher, valorização no mercado

de trabalho, aumento na ocupação

dos espaços de poder, direito a decidir

sobre o corpo, entre outras, continuam

sendo as principais bandeiras de lutas

das mulheres reafirmadas durante a 3ª

Conferência Nacional de Políticas para

as Mulheres.

Para a coordenadora da União Brasileira

de Mulheres (UBM), Elza Campos,

a Conferência também foi um espaço

privilegiado para ampliar o debate sobre

o enfrentamento ao machismo, sexismo,

racismo, lesbofobia, homofobia, da

construção e fortalecimento da autonomia

das mulheres, da defesa do SUS

e dos direitos sexuais e reprodutivos e

por mais poder para as mulheres, dentre

outros. “Entendemos que é necessário

ampliar e fortalecer a participação das

mulheres nos espaços de poder, democratizar

os mecanismos de representação.

Mas isso só não basta, a UBM

luta por um novo tipo de sociedade,

sem opressão e sem exploração”.

Temas da conjuntura nacional

também ganharam espaço entre as feministas,

como a reforma política e a

necessidade de se aprovar o marco regulatório

para o sistema de comunicação

brasileiro. A Educação também esteve

em foco. Em um dos painéis, a professora

da Universidade Federal de Pernambuco,

Tânia Bacelar, apresentou

dados sobre o analfabetismo no Brasil.

Promover a erradicação do analfabetismo

feminino, especialmente entre as

56


mulheres acima de 50 anos, estimulando

a participação das mulheres na modalidade

de Educação de Jovens e Adultos

(EJA) foi uma das propostas da Conferência.

Segundo Tânia, no início do século

passado, o analfabetismo entre as mulheres

era o dobro do masculino, mas

hoje esse quadro se inverteu. A professora

também lembrou que atualmente,

as mulheres representam 55% do número

de matrículas do ensino superior

(600 mil a mais) e elas também somam

60% dentre os números de graduados.

“O Brasil da minha mãe era muito diferente.

Elas não estudavam, não votavam,

e olha como estamos hoje”, comemora.

No entanto, lamenta que os

salários dos professores não acompanharam

os avanços na Educação.

A professora Celina Arêas, diretora

do Sinpro Minas e da Central dos Trabalhadores

e Trabalhadoras do Brasil

(CTB), participou da Conferência e destaca

os debates sobre a ampliação e

participação das mulheres no mercado

de trabalho como um dos momentos

importantes para discutir a ampliação

de direitos das mulheres. “A CTB e as

demais centrais sindicais defendem a

redução da jornada de trabalho para

40 horas sem redução de salário. Além

disso, é preciso combater todas as

formas de discriminação e promover

ações específicas para a igualdade entre

homens e mulheres”, defende.

Na plenária final da Conferência,

os ânimos ficaram exaltados durante a

discussão sobre a inclusão da legalização

do aborto no documento final do encontro,

que depois de muito protesto e

barulho, foi feito. “Legaliza. É meu direito

de escolha”, afirmavam as defensoras

da legalização. “A legalização

não vai ajudar no debate no Congresso”,

contestavam as contrárias.

A ex-ministra da Secretaria de Políticas

para as Mulheres, Iriny Lopes,

alertou que o debate com o objetivo de

mudar a lei brasileira para incluir a legalização

do aborto deve ser articulado

com o Congresso Nacional, e não com

o governo federal. Segundo ela, o governo

irá respeitar a legislação atual,

que considera o aborto crime e o autoriza

somente quando há risco de morte

para a gestante ou quando a gravidez

ocorre em decorrência de estupro. Para

a coordenadora da UBM, Elza Campos,

todo o processo de acúmulo do movimento

de mulheres repercutiu nessa

conferência e a inclusão da legalização

do aborto no documento final foi uma

importante conquista.

As conferencistas aprovaram

também a ampliação da licença maternidade

de quatro meses para seis e

medidas que garantam a autonomia financeira

das mulheres, como capacitação

e inclusão delas em atividades

econômicas dominadas pelos homens.

Balanço positivo

Muitas delegadas se incomodaram

com os problemas na organização do

evento, como a falta de condições de

hospedagem, mas isso não impediu

que a avaliação da Conferência de um

modo geral fosse positiva. Segundo a

ex-ministra da Secretaria de Políticas

para as Mulheres, Iriny Lopes, responsável

pela conferência, a empresa contratada

para providenciar a estadia

rompeu o contrato faltando dez dias

para o início do evento.

A ex-ministra fez um balanço positivo.

“As delegadas confirmaram a importância

de um conjunto de políticas

que configure o programa nacional de

autonomia econômica, financeira e pessoal

das mulheres brasileiras”, declarou

a ex-ministra no blog da Conferência.

O documento com as resoluções votadas

e aprovadas durante a Conferência

estão disponíveis no portal da SPM

(http://www.sepm.gov.br).ø

Saulo Martins

Revista Elas por Elas - março 2012 57


Waries Dirie

http://warisdirie.wordpress.com/


Uma Flor

Desabrocha

no Deserto

ARTIGO

por Sandra Machado

Doutora em História pela Universidade

de Brasília (UnB), Mestra em Cinema e

Vídeo pela School of Communication,

The American University, e Bacharel em

Comunicação Social, com habilitação em

Jornalismo, pela Universidade de Brasília.

É também professora, repórter e editora

em veículos da mídia nacional. Sua tese

de doutorado está sendo editada pela

Francis & Verbena Editora, com o lançamento

da publicação em livro intitulado

Câmera Clara - Tela Obscura: Estereótipos

Femininos e Questões de Gênero nos Cinemas,

previsto para o 1ª semestre de

2012. O livro analisa características marcantes

nas produções audiovisuais eurocêntricas,

hegemônicas e dominantes no

panorama mundial, que instigam e perpetuam

a anulação e a negação do feminino

e a formação dos estereótipos de

gênero que permeiam as diversas culturas

e sociedades globais.

O filme Desert Flower (Flor do Deserto

– 2009), que estreou na Alemanha,

Reino Unido e Áustria em 2009, e no

Brasil em 2010, poderia muito bem

ser um desses muitos contos de fadas

modernos, fantasiados nas produções

audiovisuais feitas para as grandes bilheterias

internacionais, e que visam

também a distribuição para as redes de

televisão. O enredo narra a saga inacreditável,

e improvável, de uma menina

“sobrevivente”, filha de uma família

nômade do deserto da Somália, que

aos 13 anos decide dar um basta e

foge da vida miserável.

A criança atravessa o deserto sozinha,

chega à capital Mogadíscio e de

lá parte para Londres, no Reino Unido,

de onde o destino a transportará para

as principais passarelas do mundo. De

nômade do deserto de um país pobre –

e entre os 10 mais corruptos –, transforma-se

em top model – uma supermodelo

exótica para os padrões internacionais

da moda nos anos 1980. A

história é bem real e os laços com os

contos infantis são tão superficiais

quanto o são a fragilidade e a efemeridade

das passarelas. E param por aí.

Na verdade, o filme é sobre a decisão

da modelo em interromper sua carreira,

no auge da fama e dos convites pelas

melhores casas de alta costura, e anunciar

ao mundo ter sido vítima de uma

das maiores atrocidades que se pode

cometer contra as mulheres – no caso,

meninas entre os três e até os oito ou

dez anos de idade – entre tantas outras

mais debatidas nas sociedades contemporâneas:

a Mutilação Genital Feminina

(FGM, na sigla em inglês). O filme é

permeado pela necessidade visceral da

mulher em denunciar o que considera

um crime.

O roteiro é baseado no livro homônimo,

escrito em 1998, pela própria

modelo Waris Dirie (em somali, o nome

significa flor do deserto), hoje com 47

anos, também autora de Desert Dawn

(2002), Desert Children (2005), e

Letter to My Mother (2007). A top

model etíope Liya Kebede interpreta o

papel de Dirie no filme, que é dirigido

pela norte-americana residente na Alemanha,

Sherry Hormann, e coescrito

por ela e pela argumentista angloindiana

Smita Bhide.

Ao considerarmos os interlaços com

outras violências impingidas às mulheres

(e/ou às crianças), essas que estão inscritas

sob a égide de “tradições culturais

e religiosas”, mas igualmente ou até

Revista Elas por Elas - março 2012 59


mais brutais, pouco são debatidas ou

conhecidas em países como o Brasil.

Claro, não é assunto-prioridade para

nossos Meios de Comunicação de

Massa, ou até mesmo para alguns

grupos e organizações feministas. Talvez,

por se pensar que este seja um problema

mais “distante”, algo que não nos

tocaria diretamente. Será que não?

Todos os anos, segundo estimativas

da Organização Mundial da Saúde

(OMS), aproximadamente três milhões

de meninas são vítimas da mutilação

genital, não só em nações africanas,

mas em pelo menos 28 países mundo

afora. Os dados contabilizam que aproximadamente

150 milhões de mulheres

foram afetadas pela prática cruel da

FGM, a qual continua a ser realizada

na África e também na Ásia, na Europa,

nas Américas e na Austrália.

A hoje bem organizada Waris Dirie

Foundation (Fundação Waris Dirie) arrebanha

suporte às vítimas da FGM e

luta para pôr um fim ao que chama de

crime, por meio das redes sociais e em

campanhas de apelo midiático, bem

como em eventos e programas educacionais.

“A mutilação feminina não tem

aspectos culturais, religiosos, ou de tradição.

É um crime que procura por justiça”,

afirma Dirie na página eletrônica

da Fundação.

No filme, o ato da mutilação é fotografado

em um crescendo de suspense,

até levar o espectador saudável à náusea,

inevitável para os mais sensíveis. Não

é uma cena de abertura. Foi editada

para a parte final da película. Antes, o

roteiro e a direção engendram toda a

saga de um ser humano que prefere

não apenas sobreviver, mas viver e denunciar

com todas as letras, apesar de

suas dores e marcas profundas, físicas

e psicológicas. A edição do filme não

obedece necessariamente a uma sequência

cronológica, mas é entrecortada

com flashbacks e forwards na vida de

Vítima de mutilação

genital,

a modelo Waries Dirie

expõe seu drama em

filme para

denunciar a violência

Dirie. Entre licenças criativas, aprendemos

desde o início sobre a sua índole

cuidadosa com outros, como seu irmão

mais novo ou com sua mãe, nas areias

do deserto.

Sua fuga é motivada pelo eminente

casamento, forçado, com um homem

de 60 anos, que poderia ser seu avô.

Seu pai a vende ao mercador para receber

cinco camelos em troca. Dirie

deixa o acampamento à noite, apenas

com a roupa do corpo, sem água ou

comida, e vence uma das grandes batalhas

de sua vida: o deserto. Consegue

encontrar sua avó na capital somali, e

esta, também sem recursos para mantêla,

consegue mandá-la para Londres,

onde um tio serve como embaixador.

Analfabeta, Dirie é obrigada a submeter-se

a um regime de escravidão

dentro da embaixada, de onde nunca

sai. Quando a Somália entra em guerra

civil e o golpe de Estado muda o governo,

seu tio tem que deixar o cargo.

Dirie foge novamente, agora para as

ruas de Londres.

A somali mal fala o inglês e tam-

Shonna Valeska

60


pouco lê ou escreve. Ela passa fome,

dorme nos becos e lava-se em banheiros

de lojas, até conseguir trabalho em

uma rede de fast-food. Além de lavar o

chão, ali conhecerá o bem-sucedido

fotógrafo de moda Terence Donovan.

Com ele, faz seu primeiro trabalho

como modelo – um calendário da Pirelli.

Portas abertas para uma agência de

moda e as passarelas.

Para evitar cair em glamour de uma

possível fabulação de príncipes e princesas,

a direção enxuga ao máximo os

recursos técnicos de efeitos especiais,

de enquadramentos e iluminação que

possam favorecer superficialmente o

engrandecimento da personagem, ou

make-up excessivos. O sucesso de Waris

Dirie como modelo mal é narrado pelo

roteiro. Pouco se conhece sobre seus

amigos e casos de passarela. Não é

esse o foco. A ênfase é dada ao instinto

de sobrevivência e ao conflito interno

da personagem: seguir escondendo e

respeitando a “tradição” imposta pelos

progenitores e conterrâneos ou quebrar

tabus e regras sociais, denunciar os

abusos e crimes.

Nos países e comunidades mais pobres,

ou seja, na maioria dos casos, os

órgãos genitais das meninas (clitóris e

lábios vaginais) são arrancados com lâminas

de barbear, ou qualquer instrumento

cortante – muitas vezes enferrujados,

sujos – sem anestesia ou desinfetante. O

que resta é costurado, cerzido mesmo,

com linha grossa e anzol, ou agulhas

maiores, para se ter a certeza que a menina

permanecerá virgem até ser dada,

ou vendida, em casamento. Essa é a tal

tradição cultural que argumentam os que

lutam por manter a dominação e as demonstrações

de poder. Na prática, além

das dores constantes e o desconforto

até para urinar, necessidade básica de

um ser vivo, esses procedimentos bárbaros,

não raro, levam à morte pelas infecções

e/ou hemorragias.

Waris Dirie, no apogeu da carreira,

em 1997, choca a opinião pública com

a revelação de que fora circuncidada –

um termo bastante brando para a selvageria

– quando tinha apenas cinco

anos de idade. O ato de coragem de

Dirie foi quebrar o “tabu do silêncio”

de suas raízes socioculturais. De exporse

e ameaçar o que havia conquistado

(o que fica claro não ser sua preocupação),

e escrever livros sobre sua vida,

detalhar o que passou e o que sabe

sobre a “tradição” à imprensa internacional.

Ela iniciou, desde então, uma luta

contra a FGM, inclusive, como embaixadora

especial da Organização das

Nações Unidas para a erradicação da

mutilação feminina, em todo o mundo.

Seu livro Flor do Deserto vendeu 11

milhões de cópias, até 2009, um best

seller, e o filme representou a Alemanha

no Festival de Cinema de Veneza,

também em 2009, além de receber

prêmios em outros festivais europeus.

Na cena final do filme, em que

Waris Dirie discursa para os membros

da Assembleia Geral da ONU, e a

seguir, nos créditos finais, a audiência

aprende, enfim, que o tema é algo que

não se pode mesmo subestimar. Em

diversos países são perpetuadas as tradições

bárbaras que visam a redução

da mulher a uma criatura servil ao

homem, impedida de ter prazer do

sexo, ou do ato sexual. Algo que as

tradições cristãs e outras religiões tentam

por meio da castração psicológica há

centenas de anos, com a demonstração

performática de poder e de força sobre

o Outro (a mulher), os que praticam a

FGM levam ao extremo da castração

física literal. Não importam quantas

meninas morram nesse processo da

excisão. A prática inumana continua a

ser infligida a aproximadamente oito

mil crianças por dia, ainda de acordo

com o site da Fundação, sediada em

Viena (Áustria), onde Dirie hoje reside

e é cidadã.

Quão próximos(as) estamos dessa

realidade? Há até bem pouco tempo,

costumava-se comentar no Brasil e em

outros países latino-americanos que a

pornografia, o estupro, e o abuso de

crianças e adolescentes, a maioria do

sexo feminino, seriam questões que tocavam

mais os “tarados e desviados”

europeus e (norte) americanos. Hoje,

basta abrir os jornais, revistas, portais

da Internet, ou ligar a TV e o rádio,

para se constatar que esses

“desviados/tarados/maníacos”, e/ou

espancadores e assassinos, podem estar

bem ao lado, sentados em nossos sofás,

aqui mesmo no Brasil ou nos países vizinhos.

A diferença reside na organização

e divulgação dos dados e estatísticas

latino-americanos e de outros

países periféricos, que ainda apresentam

dificuldades de acesso à informação e

à educação, em relação aos países desenvolvidos.

Neste início de milênio, as

estatísticas mostram que 10 mulheres

são assassinadas no Brasil, diaria -

mente. Isso sem contar os abusos e

espancamentos que as tornam social -

mente incapazes. Recentemente, uma

operação da Polícia Federal contra a

pornografia infantil e o abuso de

menores registrou um novo “recorde”

de prisões e cumprimento de manda -

dos de busca e apreensão de material

pornográfico. A operação, em 10

Estados e no Distrito Federal, teve 81

mandados cumpridos em 54 cidades.

Os policiais federais preveem que terão

ainda muito trabalho pela frente, “nos

próximos anos”. Ficamos sabendo,

também, que o Brasil está em quarto

lugar neste ranking terrível, atrás

apenas de três países europeus já cale -

jados nesses noticiários que remetem à

ficção de horror: Alemanha, Espanha

e Inglaterra.ø

Revista Elas por Elas - março 2012 61


Internet

Sucesso, intrigas, polêmicas e uma

vida pessoal tumultuada marcaram a trajetória

da atriz francesa Maria Schneider,

falecida em 3 de fevereiro de 2011, aos

58 anos. A história artística de Schneider

começou a mudar em 1972 quando estreou

nos cinemas o filme Último Tango

em Paris, de Bernardo Bertolucci. Ao

lado de Marlon Brando, a jovem abalou

o mundo com cenas tórridas de sexo e a

famosa cena da manteiga.

"Marlon teve a ideia daquela cena, e

eu tive uma explosão de raiva", ela lembrou.

"Mas eu era muito jovem [para

dizer não]. Eu não era mais que um

bebê aos 19 anos. Chorei lágrimas de

verdade durante a cena. Fui humilhada”.

Por causa do conteúdo sexual, o filme

foi proibido em alguns países. Apesar de

ganhar indicações ao Oscar, para Bertolucci

e Brando, o diretor foi levado ao tribunal

italiano. Maria Schneider, entretanto,

se tornou uma celebridade e passou a

frequentar as mais badaladas festas da

época. A dependência de drogas, tentativas

de suicídio e relacionamentos frustrados

passaram a fazer parte da realidade da

atriz. "Eu me senti muito triste, porque

fui tratada como um símbolo sexual",

queixou-se mais tarde. "Eu queria ser reconhecida

como atriz, e todo o escândalo

do filme levou-me a um colapso".

Não por acaso, Último Tango em

Paris data do mesmo ano do fenômeno

Garganta Profunda, que parecia refletir

a nova liberdade artística e sexual que

pontuava a década. No entanto, tal como

Linda Lovelace, a vedete do filme pornográfico,

Maria Schneider, que se assumiria

bissexual em 1974, foi tanto emblema

como vítima dessa década de excessos.

Mais tarde, a atriz renegaria o filme,

considerando-o o grande erro da sua

vida. Em várias entrevistas, afirmaria que

Bertolucci era "um bandido e um chulo",

que se aproveitara dela e de Brando. O

jornal The Guardian cita-a dizendo que

"nunca se deve tirar a roupa para um

homem de meia-idade que diz que está a

filmar arte"; o realizador italiano responderia

que ela era muito jovem para ter a

noção do que realmente se passara.

Embora Schneider tenha continuado

a fazer filmes, nada que ela protagonizou


HOMENAGEM | por Saulo Martins

O preço

da fama

A atriz francesa Maria Schneider

foi vítima de uma década

de excessos

depois teve o impacto do Último Tango,

que definiu a sua carreira para o resto

vida. O filme de que ela mais se orgulhava,

porém, foi O Passageiro (1975), de Antonioni,

no qual ela coestrelou com Jack

Nicholson.

O Passageiro não teve ampla distribuição

porque Nicholson detinha os direitos

e queria manter o filme "como

uma obra de arte". Mas muitos críticos

consideram como uma peça muito mais

durável o trabalho em o Último Tango,

alguns até mesmo o rotulam como

"uma obra-prima".

Embora ela tenha permanecido com

uma boa relação com Brando, Maria

nunca perdoou Bertolucci. "Eu não

tenho visto ou falado com ele desde

então. Ele era uma personalidade poderosa

e manipuladora. Fiquei presa

em sua fantasia. Além disso, ganhei

apenas $ 2.500 para o papel”.

Maria Schneider nasceu em 27 de

março de 1952, fruto de uma relação

entre o ator Daniel Gelin e Marie Christine,

uma jovem Romeno-francesa que

dirigia uma livraria em Paris. Era uma

adolescente que adorava filmes e frequentava

o cinema até quatro vezes por

semana. Saiu de casa aos 15 anos após

uma discussão com sua mãe. Alimentando

o sonho de ser atriz, trabalhava como figurante

e foi assim que conheceu Brigitte

Bardot, que era amiga de seu pai que a

convidou para morar com ela.

Através de Bardot, Maria também foi

apresentada a importantes figuras da indústria

cinematográfica. Warren Beatty a

introduziu na agência William Morris, e

seu primeiro filme veio em 1970, quando

ela apareceu em Madly, estrelado por

Alain Delon e dirigido por Roger Kahane.

Ela tinha recebido a oferta de um

papel em outro filme com Delon quando

veio o convite para o Último Tango em

Paris. Sua inclinação era para não aceitar

a proposta de Bertolucci, mas os agentes

da William Morris disseram: "É um papel

de destaque com Marlon Brando - você

não pode recusar".

Para além de O Passageiro, ela

também atuou em Memórias de uma

prostituta francesa (1979), Mama Drácula

(1980) e ainda Noites Felinas (1992);

em Jane Eyre, de Franco Zeffirelli (1996),

Algo em que acreditar (1998), e, mais

recentemente, em Cliente (2008). Zeffirelli

ofereceu-lhe o papel de Maria no filme

Jesus de Nazaré, mas ela recusou - uma

decisão que ela disse ter se arrependido.

Após Último Tango, Maria Schneider

raramente tirou a roupa para a sétima

arte novamente, apesar de ter sido convidada

a fazê-lo em muitas ocasiões. Ela

chegou a ver o filme com alguma ambivalência,

declarando em 2007: "Eu assisti

novamente três anos atrás, depois que

Marlon morreu e parece cafona”.

Ultimamente, em seu tempo livre,

ela trabalhava para uma organização

que apóia atores, dançarinos e outros

artistas que chegaram ao fim de suas

carreiras. "É uma existência muito precária",

explicou ela. "Meu conselho para

jovens atores é que eles tenham uma

outra profissão.”

Maria Schneider tinha um relacionamento

amoroso de longo prazo que, segundo

ela, a salvou de seu vício em

drogas. Em entrevistas ela se referiu a

essa pessoa como "meu anjo", mas nunca

divulgou se ele era um homem ou uma

mulher. "Eu gosto de manter um mistério",

explicou ela.ø

Revista Elas por Elas - março 2012 63


POUCAS E BOAS

Dilma é

destaque

na ONU

Primeira mulher a abrir uma Assembleia

Geral da Organização das Nações

Unidas (ONU), em sua 66ª edição,

em 21 de setembro de 2011, a presidenta

Dilma Rousseff impressionou e

emocionou as mulheres do mundo.

Logo nas primeiras frases conseguiu

arrancar aplausos entusiasmados da

plateia. “Pela primeira vez na história

das Nações Unidas uma voz feminina

inaugura o debate geral”. Em vários

outros momentos do discurso ela voltou

a falar da mulher.

Para a deputada federal Jô Moraes,

esse feito histórico de Dilma traz esperança

para os brasileiros. “Seu discurso

progressista aponta para o combate à

miséria e para a reafirmação da soberania

do país”, analisa Jô.

Discurso nota 8

"Falar num evento da magnitude da

Assembleia Geral da ONU é um desafio

que Dilma ainda não havia experimentado.

Para o conteúdo dei nove. Foi

um discurso quase perfeito na estrutura

organizacional e nos pontos abordados

na mensagem. Para o seu desempenho

dei sete. No conjunto, portanto, o Brasil

sai desse evento com oito. Ou seja,

muito bem aprovado", avaliou Reinaldo

Polito, que é mestre em Ciências da

Comunicação e professor de oratória

na Escola de Comunicação e Artes

(ECA-USP).

Para Polito, a conclusão do discurso

foi o momento mais elevado da apresentação

da presidenta, que foi reproduzido

em noticiários ao redor do

mundo. “Uma obra prima. O resultado

não poderia ser outro que não o aplauso

caloroso e prolongado do público. Ela

se incluiu na mensagem, dando mais

respaldo e autoridade às suas palavras”,

destacou.

Palavras de Dilma

“Além do meu querido Brasil, sintome,

aqui, representando todas as mulheres

do mundo. As mulheres anônimas,

aquelas que passam fome e

não podem dar de comer aos seus filhos;

aquelas que padecem de doenças

e não podem se tratar; aquelas que

sofrem violência e são discriminadas

no emprego, na sociedade e na vida

familiar; aquelas cujo trabalho no lar

cria as gerações futuras.”

“Junto minha voz às vozes das

mulheres que ousaram lutar, que ousaram

participar da vida política e

da vida profissional, e conquistaram

o espaço de poder que me permite

estar aqui hoje."

"Como mulher que sofreu tortura

no cárcere, sei como são importantes

os valores da democracia, da justiça,

dos direitos humanos e da liberdade”.ø

Fotos: Roberto Stuckert Filho /Presidência da República

64


Triplo Nobel da Paz

Pela primeira vez três mulheres receberam,

juntas, o Nobel da Paz. Nos

110 anos de entrega do Nobel, apenas

15 mulheres receberam o prêmio pela

Paz, incluindo as três de 2011, enquanto

o número de homens premiados é 85.

As ganhadoras foram a presidente

da Libéria, Ellen Sjohnson-Sirleaf, a militante

pela paz, também liberiana,

Leymah Gbowee e a ativista iemenita

Tawakkul Karman. O triplo prêmio Nobel

da Paz foi visto como um reconhecimento

do papel da mulher nos processos de

paz e de mudanças política e social.

As três foram recompensadas "por

sua luta pacífica pela segurança das mulheres

e de seus direitos de participar

nos processos de paz", declarou o presidente

do Comitê Nobel norueguês, Thorbjoern

Jagland. Ao escolher essas três

mulheres, o comitê do Nobel destaca,

ainda, a luta pela reconciliação nacional

na Libéria e os movimentos pró-democracia

da Primavera Árabe. "Não podemos

conseguir a democracia e uma

paz duradoura a menos que as mulheres

obtenham as mesmas oportunidades que

os homens” — disse Jagland, ex-premier

da Noruega.

O prêmio foi elogiado por vários governantes

e grupos de direitos humanos,

como a Anistia Internacional. Nos Estados

Unidos, o presidente Barack Obama,

ganhador do Nobel da Paz em 2009,

destacou que países que respeitam as

mulheres são mais bem-sucedidos.ø

Tawakkul Karman,

jornalista e ativista iemenita

Tawakkul Karman, 32, é uma opositora

do regime do presidente do

Iêmen, Abdullah Saleh, e chegou a ser

ameaçada de morte ao recusar um

cargo no governo do país. Ela lidera

principalmente um movimento de resistência

da juventude iemenita, embora

também tenha ligações com partidos

políticos do país, no caso o Islah.

A jornalista e ativista do Iêmen Tawakkul

Karman se divide entre a atuação

no partido de oposição, Islah, e a direção

da organização Women Journalists

Without Chain ("Mulheres Jornalistas

sem Correntes"), fundada por ela em

2005. Mãe de três filhos, é uma das ativistas

mais atuantes na busca de mais

espaço e poder para as mulheres e mais

atenção aos direitos humanos.

Ellen Sjohnson-Sirleaf,

presidente da Libéria

Sjohnson-Sirleaf, de 72 anos, era

uma forte candidata ao prêmio por

ser a primeira mulher africana eleita

presidenta democraticamente, por ter

colocado um fim ao conflito armado

na Libéria e contribuído pela queda

do presidente anterior, Charles Taylor,

julgado por crimes contra a humanidade

por um tribunal internacional.

A luta contra a corrupção e por

profundas reformas institucionais na

mais antiga república da África ao sul

do Saara, sempre esteve no centro de

sua ação política, o que a levou para a

prisão em duas oportunidades nos anos

1980 sob o regime de Samuel Doe.

Leymah Gbowee,

ativista africana

A ativista africana Leymah Gbowee

ajudou a organizar o movimento de

paz que colocou fim à Segunda Guerra

Civil da Libéria, em 2003. Gbowee é

o rosto mais conhecido do seu país

no que tange aos esforços de paz.

Trabalhou com mulheres e crianças

que atuaram como soldados para

Charles Taylor. Foi quando ela percebeu

que "qualquer mudança dentro

da sociedade (liberiana) teria de partir

das mães".

Yahya Arhab/EPA

International Reporting Project

Yahya Arhab/EPA

Revista Elas por Elas - março 2012 65


POUCAS E BOAS

Fim da impunidade para os assassinos

da deputada Ceci Cunha

Após 13 anos de impunidade,

chegou ao fim a luta por justiça

por parte da família da deputada

federal Ceci Cunha - assassinada

a tiros, com três parentes, no caso

conhecido como a "Chacina da

Gruta", ocorrida em Maceió, em

16 de dezembro de 1998. A Justiça

Federal de Alagoas condenou

os cinco acusados a penas somadas

de quase 500 anos de prisão. O

ex-deputado Talvane Albuquerque

foi considerado o mandante do

assassinato e outros quatro réus,

os executores.

Talvane foi condenado a 103

anos e 4 meses de prisão em regime

fechado. Jadielson Barbosa

da Silva pegou 105 anos, Alécio

César Alves, 87 anos e 3 meses,

Mendonça Medeiros, 75 anos e 7

meses, e José Alexandre dos

Santos, com 105 anos. O júri

também estabeleceu uma multa

de R$ 100 mil a ser paga aos familiares

das vítimas.

A deputada Ceci Cunha foi

morta em dezembro de 1998, em

Maceió, depois de ser diplomada

no cargo. Ela visitava a irmã, que

havia acabado de ter um bebê.

Três assessores de Talvane invadiram

a varanda onde todos conversavam

e dispararam dezenas

de tiros. Além de Ceci, foram

mortos seu marido, o cunhado e

a mãe do cunhado. Apenas a irmã

da política e o bebê escaparam

com vida.

Segundo o Ministério Público,

o crime teve motivação política,

pois o primeiro suplente da vaga era o

ex-deputado, que queria ocupar o posto

na Câmara dos Deputados para retardar

o julgamento de processos que respondia

na Justiça. Talvane assumiu a vaga de

Ceci Cunha, mas foi cassado por quebra

de decoro por suposto envolvimento com

pistoleiros em 1999.

Impunidade gera violência

Ao final do julgamento, o filho da deputada,

o advogado Rodrigo Cunha, agradeceu

o empenho dos advogados, do Ministério

Público Federal e da imprensa,

que não deixou o caso cair no esquecimento

ao longo de 13 anos. “Quero oferecer

em especial este dia histórico às famílias

de todas as vítimas de assassinato

em Alagoas. Infelizmente, nem todas conseguem

ver os culpados condenados”,

disse Rodrigo.

Para o advogado, o resultado do júri

encerra um ciclo na vida dos familiares

das vítimas. “O sentimento de impunidade

é o que gera a violência. Todavia, a elucidação

desse caso provou que pode acontecer

exatamente o contrário, já que

houve a punição dos acusados. Esse histórico

tem que mudar. Lugar de bandido

é na cadeia”, desabafou Rodrigo Cunha,

que não conseguia segurar as lágrimas.ø

OIT adota convenção

para proteção de

trabalhadores domésticos

Os 183 membros da Organização Internacional

do Trabalho (OIT) aprovaram em

16 de junho de 2011, em Genebra, uma

histórica convenção sobre o trabalho doméstico,

que pretende garantir condições

de trabalho decentes a milhões de pessoas,

em sua maioria mulheres.

Se todos os países membros da OIT adotarem

os documentos, mais de 53 milhões

de trabalhadores poderão ser beneficiados

em todo o mundo. No Brasil, são mais de 7

milhões de trabalhadores que exercem o trabalho

doméstico. A ratificação do instrumento

por parte dos países membros obrigará

a mudanças na legislação onde ela já

existe, como é o caso do Brasil, e, em outros

países, a construção do marco legal.

A convenção, discutida desde o início

da 100ª Assembleia da OIT, foi aprovada

por 396 votos a favor, 16 contra e 63 abstenções.

A Assembleia da OIT conta com a

participação de representantes governamentais,

das federações patronais e dos

sindicatos de cada país integrante da organização

que tem sede em Genebra.

A Convenção é o primeiro instrumento

internacional a contemplar os trabalhadores

domésticos no mundo e atinge uma

categoria que trabalha, em sua grande

maioria, informalmente. Em 24 artigos, a

convenção procura assegurar que os países

adotem medidas para garantir que trabalhadores

domésticos realizem suas tarefas de

forma decente, com proteção social e trabalhista,

respeitando a idade mínima para o

trabalho (Convenção 138 e legislações locais),

comprometendo-se com a abolição

do trabalho infantil e todas as formas de

violência.ø

Fonte: Agência France Press

66


DICAS CULTURAIS

Livros:

A Arte de Ser Leve

Autora: Leila Ferreira

Editora: Globo

Costurando informações

científicas, divagando,

conversando,

a autora propõe uma

pequena revolução:

num mundo abarrotado

de e-mails e telefones

celulares, de

pouca cortesia e

muitas dietas, cheio

de ambição e consumismo transformar os

gestos do cotidiano, aqueles que nos prendem

e sobrecarregam sem sequer nos dar a chance

de percebê-los.

Uma Aprendizagem ou

O Livro dos Prazeres

Autora: Clarice Lispector

Editora: Rocco

O livro conta história de uma mulher em busca

de si própria e do prazer sem culpa, depois de

várias experiências malsucedidas. Clarice Lispector

traduz, com perfeição, os labirintos da

emoção feminina.

Mulheres que

Correm

com os Lobos

Autora: Clarissa Pinkola

Estés

Editora: Rocco

O livro trata da

questão feminina pela

via das fábulas, dos

contos de fada. A autora

é psicanalista junguiana.

Sob esse viés,

ela interpreta contos

infantis, com foco especial na figura do lobo,

para revelar como a mulher teve suas características

instintivas esmagadas pelos condicionamentos

culturais predominantemente masculinos.

Histórias Íntimas

Autora: Mary Del Priore

Editora: Planeta do Brasil

A autora procura mostrar como a sexualidade

e a noção de intimidade foram mudando ao

longo do tempo, influenciadas por questões

políticas, econômicas e culturais, e passaram

de um assunto a ser evitado a todo custo para

um dos mais comentados no mundo contemporâneo.

A Jóia Afegã – Uma Mulher Entre

os Senhores da Guerra

Autora: Malalai Joya

Editora: QuidNovi

(Tradução de Edu Montesanti)

Extraordinária garota criada em campos de

refugiados no Irã e no Paquistão, Joya tornouse

professora em escolas secretas de meninas,

escondendo seus livros sob sua burca para

que o Taliban não os encontrasse; ajudou a

montar uma clínica médica gratuita e um orfanato

em sua pobre província natal de Farah;

e em uma assembléia constituinte em Cabul,

no Afeganistão em 2003, levantou-se e denunciou

os poderosos senhores da guerra

apoiados pela OTAN.

Filmes:

Minha vida sem

mim

Direção: Isabel Coixet

Gênero: Drama - Ano:

2003

Ann descobre que

terá no máximo três

meses de vida. Sem

contar a ninguém seu

problema, ela faz uma

lista de tudo que

sempre quis realizar,

mas nunca teve tempo ou oportunidade. Ela

começa uma trajetória em busca de seus

sonhos, desejos e fantasias, mas imaginando

como ficarão as coisas após a sua morte.

Vida e arte de Georgia O´Keeffe

Direção: Bob Baladan

Gênero: Drama - Ano: 2009

Os quadros deslumbrantes de Georgia O’Keeffe

são apresentados ao longo do romance de

Georgia com o carismático fotógrafo Alfred

Stieglitz, mas seu colapso emocional começa

ao perceber que Alfred era infiel.

Amor

Direção: João Jardim

Gênero: Drama - Ano: 2011

Amor é uma mistura poética de documentário

com ficção, um filme sobre relações amorosas

que envolvem alguma forma de violência.

Atrizes e atores interpretam o depoimento

sincero de pessoas que viveram situações que

envolvem ciúmes, culpa, paixão e poder.

(http://www.downloadlivre.org/2011/04/filmeamor.html)

Internet

www.crioula.com.br

www.redesaude.org.br

www.cancerdemama.org.br

www.mulheresnegras.org

http://www.cepia.org.br/

Revista Elas por Elas - março 2012 67


RETRATO

Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Mulher brasileira em primeiro lugar. Dilma Vana Rousseff

chegou onde nenhuma outra esteve em nosso país. Um fato marcante

com repercussões ainda incalculáveis para o imaginário e para o

protagonismo feminino na sociedade. Retrato da força de milhares de

mulheres que abriram novos caminhos e quebraram antigos tabus.

A primeira presidenta da República do Brasil é símbolo de esperança

para a redução das desigualdades entre homens e mulheres.

68



Se me contemplo,

tantas me vejo,

que não entendo

quem sou, no tempo

do pensamento.

Vou desprendendo

elos que tenho,

alças, enredos...

E é tudo imenso...

Auto-retrato

Cecília Meireles

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