Elas por elas 2012
A revista sobre gênero Elas por Elas foi criada, em 2007, com o objetivo de dar voz às mulheres e incentivar a luta pela emancipação feminina. A revista enfatiza as questões de gênero e todos os temas que perpassam por esse viés. Elas por Elas traz reportagens sobre mulheres que vivenciam histórias de superação e incentivam outras a serem protagonistas das mudanças, num processo de transformação da sociedade. A revista aborda temas políticos, comportamentais, históricos, culturais, ambientais, literatura, educação, entre outros, para reflexão sobre a história de luta de mulheres que vivem realidades diversas.
A revista sobre gênero Elas por Elas foi criada, em 2007, com o objetivo de dar voz às mulheres e incentivar a luta pela emancipação feminina. A revista enfatiza as questões de gênero e todos os temas que perpassam por esse viés. Elas por Elas traz reportagens sobre mulheres que vivenciam histórias de superação e incentivam outras a serem protagonistas das mudanças, num processo de transformação da sociedade. A revista aborda temas políticos, comportamentais, históricos, culturais, ambientais, literatura, educação, entre outros, para reflexão sobre a história de luta de mulheres que vivem realidades diversas.
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SINDICATO DOS PROFESSORES DO ESTADO DE MINAS GERAIS - FILIADO À FITEE, CONTEE E CTB - WWW.SINPROMINAS.ORG.BR - MARÇO 2012 - NÚMERO 5
Mais candidatas
nas eleições
em 2012
pág.8
Mulheres estão
mais otimistas
pág.22
Estatuto da Mulher
Art. I Fica decretado
que a partir de agora
vale a utopia.
Valem os sonhos
os possíveis e os impossíveis.
E que eles se façam verdade
e se desdobrem em luz
no escuro de nossas incertezas.
Art. II Fica constituído,
por decisão soberana,
o Poder Feminino.
Porque feminina é a Lei
e feminina é a Justiça.
A Liberdade é feminina;
A Verdade, a Paz, a Igualdade,
a luta, a conquista, a vitória;
a paciência, a tolerância, a paixão;
e feminina é a Esperança
que nos permite confiar no futuro.
Jovita Levy
Uma nova percepção sobre igualdade de gênero
Departamento de Comunicação:
Diretores responsáveis: Aerton Silva e Marco Eliel de Carvalho
Editora/Jornalista responsável: Débora Junqueira (MG05150JP)
Redação: Cecília Alvim (MG09287JP),
Denilson Cajazeiro (MG09943JP) e Saulo Martins (MG15509JP)
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Design Gráfico: Fernanda Lourenço
Revisão: Aerton Silva
Conselho Editorial: Lavínia Rodrigues, Terezinha Avelar, Marilda Silva,
Liliani Salum Moreira, Cláudia Pessoa, Clarice Barreto, Ana Maria Prestes, Nádia
Maria Barbosa, Maria Izabel Bebela Ramos e Antonieta Mateus
Capa: Cinco moças de Guaratinguetá, obra de Di Cavalcati
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Distribuição gratuita: Circulação dirigida
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Em 2012, o 5º número da Revista Elas por Elas, que vem com novo
formato e design, é editado em março, para se adequar ao calendário de
comemorações do Dia Internacional da Mulher. Na sua 5ª edição, a Elas
por Elas consolida a iniciativa do Sinpro Minas em ampliar o debate
sobre as questões de gênero. E além da categoria de professores das
escolas particulares, em sua maioria mulheres, a revista atinge novos
públicos, ultrapassando as fronteiras de Minas através do reconhecimento
nacional que a publicação teve ao ficar entre as finalistas do Prêmio
Jornalista Abdias do Nascimento.
Esta edição destaca as brasileiras em suas várias nuances. O protagonismo
das mulheres é evidenciado no dia a dia da luta pelo sustento do lar, como
entre aquelas que vivem na linha da miséria, nos movimentos em prol das
bandeiras coletivas de emancipação feminina, como aquelas que se
preparam para a Rio+20, ou mesmo as que ocupam mais espaços de
poder. Aliás, pela primeira vez no Brasil uma mulher chega à Presidência
da República e buscamos saber quais os impactos dessa conquista. Na
política, a expectativa é que a presidenta Dilma Rousseff inspire a
participação feminina e tenhamos mais candidatas comprometidas com
as lutas pela igualdade de gênero nas eleições de 2012.
Levantamentos recentes feitos com mulheres de todo o país mostram
que a percepção sobre a igualdade de gênero está em mudança. As
mulheres ocupam mais espaços públicos, há transformações positivas no
mercado de trabalho, e maior autonomia e liberdade, embora persistam
muitos problemas. Essas questões e os desafios para ampliar as conquistas
femininas foram debatidos na 3ª Conferência Nacional de Políticas para
as Mulheres, realizada em Brasília em dezembro de 2011.
Na pauta sobre raça e gênero, a revista traz opiniões divergentes
sobre o Estatuto da Igualdade Racial, que garante direitos às mulheres
negras, mas que ainda é pouco conhecido pela sociedade. A chave para
diminuir os preconceitos certamente está na educação. E, como não
poderia deixar de ser, a revista traz importantes dados sobre gênero e
educação e mostra as iniciativas que permitem maior capacitação dos
professores para promover equidade de gênero na escola.
Se a caminhada por avanços ainda é longa, por hora, as mulheres
podem comemorar a decisão do Supremo Tribunal Federal em validar a
Lei Maria da Penha e promover avanços em sua aplicação, que ainda
esbarra em problemas estruturais como a falta de juizados especializados.
Em entrevista à equipe da Elas por Elas, a farmacêutica Maria da Penha
afirma que a violência contra as mulheres não é mais um assunto privado.
Segundo dados de 2010, a cada 2 minutos, 5 mulheres eram agredidas
violentamente no Brasil, naquele ano.
A revista traz ainda uma envolvente reportagem sobre a história da
cangaceira Maria Bonita, uma homenagem à atriz francesa Maria
Schneider, dicas culturais e um artigo sobre o filme Uma flor no deserto.
Boa leitura!
Revista Elas por Elas - março 2012 3
RECONHECIMENTO
Elas por Elas fica
entre as finalistas de
prêmio nacional
Pág 7
POLÍTICA
Mais mulheres
candidatas em 2012
Pág 8
CAPA
Mulheres estão
mais otimistas
Pág 23
REALIDADE
A pobreza no
Brasil é feminina,
negra e jovem
Pág 18
VIOLÊNCIA
Maria da Penha
Pág 28
4
HISTÓRIA
Maria bonita: amor
e fuga no cangaço
Pág 34
RIO + 20
Mobilizadas em
defesa do planeta
Pág 47
COMPORTAMENTO
Entre a imagem
real e a ideal
Pág 39
RAÇA
Estatuto garante direitos
às mulheres negras
Pág 51
MOVIMENTO
Mais autonomia para
ampliar avanços
Pág 54
GÊNERO E EDUCAÇÃO
Formar para
transformar
Pág 42
ARTIGO
Uma flor desabrocha
no deserto
Pág 59
HOMENAGEM
Maria Schneider
Pág 62
SEÇÕES:
Poucas e boas pág 64
Dicas culturais pág 67
Retrato pág 68
Revista Elas por Elas - março 2012 5
6
w w w . s i n p r o m i n a s . o r g . b r
RECONHECIMENTO
Elas por Elas fica entre as
finalistas de prêmio nacional
Com a reportagem sobre os desafios
da profissão e da organização das empregadas
domésticas, a jornalista e editora
da revista Elas por Elas do Sinpro
Minas, Débora Junqueira, foi uma das
três finalistas do 1º Prêmio Jornalista
Abdias Nascimento, nas categorias mídia
alternativa e gênero, realizado em 2011.
A matéria faz parte de um catálogo publicado
sobre o Prêmio.
De iniciativa da Comissão de Jornalistas
pela Igualdade Racial, vinculada ao
Sindicato dos Jornalistas Profissionais
do Município do Rio de Janeiro, o
prêmio, lançado em maio do ano passado,
recebeu 150 inscrições de todo o
país, que concorreram em sete categorias.
Os trabalhos inscritos foram publicados
ou veiculados entre janeiro de
2009 e abril de 2011. Participaram candidatos
dos veículos Estado de S. Paulo,
Folha de S. Paulo, Jornal Extra, Diário
do Nordeste, Jornal da Tarde, Canal
Futura, TV Câmara, Portal IG, Revista
Época, Carta Capital, entre outros.
Na categoria mídia alternativa, os
jornalistas Eduardo Sales e Jorge Toledo
foram os vencedores, com a reportagem
Supermercado ou Pelourinho?, do
Jornal Brasil de Fato, que apresenta
denúncias de racismo em três grandes
redes de supermercado. E na categoria
Especial de Gênero Jornalista Antonieta
de Barros, a vencedora foi Célia Regina,
da Revista Raça Brasil, com a reportagem
“Mulheres Negras”. O trabalho
relata experiências femininas bem sucedidas
no mercado de trabalho, superando
as dificuldades impostas pelo racismo
e pelo machismo.
Equipe da Comunicação do Sinpro Minas e conselho editorial da Revista Elas por Elas
A reportagem da Elas por Elas
(edição de 2009), intitulada Profissão
doméstica, relata que essas trabalhadoras
enfrentam diariamente extensas jornadas,
assédio moral e sexual, entre
outros problemas. A matéria cita ainda
que, segundo estimativas do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),
500 mil crianças e adolescentes brasileiros
entre 5 e 17 anos estão no trabalho
doméstico.
De acordo com a jornalista Débora
Junqueira, a ideia de escrever sobre os
desafios da profissão surgiu ao conhecer
Maria Ilma Ricardo, presidente e fundadora
do Sindicato das Domésticas
de Belo Horizonte, que foi fonte da
matéria. Na ocasião, ela disse que ficou
curiosa com a história por trás daquela
mulher simples e sofrida, que teve força
suficiente para se tornar uma líder de
classe. Na reportagem, a sindicalista
conta que a vontade de participar do
movimento sindical surgiu durante um
congresso, em 1976, quando percebeu
que pessoas de outros ramos lideravam
a associação de domésticas.
“Agradeço todas as manifestações de
reconhecimento pelo trabalho desenvolvido.
A reportagem não foi vencedora,
mas só o fato de o trabalho ter sido selecionado
entre tantos outros de todo o
Brasil foi de grande importância profissional
e deu visibilidade nacional ao
Sinpro Minas”, afirmou Débora. A re -
por tagem e as edições da Elas por Elas
estão disponíveis no portal do sindicato:
www.sinprominas.org.br (publicações).ø
Arquivo
Revista Elas por Elas - março 2012 7
Roosewelt Pinheiro/ABr
POLÍTICA | por Cecília Alvim
Mais mulheres
candidatas em 2012
A eleição de Dilma e políticas de cotas poderão encorajar maior
participação feminina nas disputas eleitorais
8
Dilma Rousseff, primeira presidenta
eleita do Brasil, um acontecimento marcante
na história, com repercussões
ainda incalculáveis para o imaginário e
para o protagonismo feminino na sociedade.
A expectativa é de que, com
uma mulher no mais alto cargo de comando
do país, mais mulheres sejam
encorajadas a participar das disputas
eleitorais em 2012.
“A eleição de uma presidenta num
país continental como o nosso é uma
revolução, mesmo que invisível. Ela se
deu 78 anos depois da conquista do
voto feminino que, por sua vez, veio
43 anos depois da Proclamação da
República. Isso demonstra a enorme
lentidão de nossa experiência em incorporar
a mulher nos espaços de
poder”, avalia Jô Moraes, deputada federal
(PCdoB).
Segundo Jô, mesmo com essa simbólica
conquista, não é possível esquecer
o processo de rebaixamento do debate
no segundo turno das eleições de 2010
sobre temas relativos às mulheres.
“Quando os conservadores perceberam
que era inevitável a eleição de uma
mulher, passaram a exigir compromissos
em relação a bandeiras históricas do
movimento como política pública sobre
aborto, conceito de família, sexualidade,
estado laico. É como se eles dissessem:
uma mulher chega ao poder, mas chegará
algemada, porque não poderá ter
iniciativas que avancem na luta emancipadora”,
destaca.
Para José Eustáquio Diniz Alves,
demógrafo, professor da Escola Nacional
de Ciências Estatísticas do IBGE, a
eleição de 2010 foi a mais feminina da
história do Brasil. “Aumentou o número
de candidatas aos legislativos estaduais
e ao Congresso. No Executivo, merece
destaque a projeção de duas mulheres
que tinham grandes chances de chegar
à Presidência da República”, analisa
José Eustáquio, que foi um dos coordenadores
da pesquisa sobre a participação
das mulheres no processo eleitoral
de 2010, realizada pelo Consórcio
Bertha Lutz, formado por pesquisadoras(es)
na área de gênero e política
em universidades do país.
Com esse resultado, o Brasil passou
na frente de muitos países desenvolvidos.
Segundo José Eustáquio, os Estados
Unidos, que têm a democracia
mais antiga do mundo, com cerca de
200 anos, nunca teve uma mulher na
presidência. “Apenas cerca de 20 países
entre mais de 200, têm mulheres presidentas
ou primeiras-ministras”, pondera.
“Conseguimos eleger uma mulher
para a presidência, mas, na verdade
as mulheres no poder não representam
o que existe em termos de quantidade
e qualidade de mulheres capacitadas
para isso”, alerta Rachel Moreno, coordenadora
do Observatório da Mulher
e da Articulação Mulher e Mídia.
Longe do ideal
Atenta a esse grande potencial feminino
para a política, em seu primeiro
ano de governo, Dilma fez também
algo inédito no Planalto: escolheu um
número considerável de mulheres para
ministras. Dos 38 ministérios, elas já
ocupam dez pastas que definem importantes
políticas para o país: Gleisi
Hoffmann (Casa Civil), Helena Chagas
(Comunicação Social), Luiza Bairros
(Igualdade Racial), Tereza Campello
(Desenvolvimento Social), Ideli Salvatti
(Relações Institucionais), Miriam Belchior
(Planejamento), Maria do Rosário (Direitos
Humanos), Ana de Hollanda
(Cultura), Izabella Teixeira (Meio Ambiente).
Para a Secretaria de Políticas
para Mulheres, foi escolhida Iriny Lopes,
que deixou o cargo em fevereiro. A
nova ministra da SPM é a professora
doutora Eleonora Menicucci de Oliveira,
que coordena o Núcleo de Estudos e
Pesquisa em Saúde da Mulher e Relações
de Gênero, da Unifesp.
De acordo com o demógrafo José
Eustáquio Diniz, essa composição ainda
está longe da ideal, que seria a paridade
de gênero nos ministérios, como já
acontece em países como Chile,
Equador e México. “De toda forma, já
é um grande avanço, até porque elas
estão ocupando pastas importantes, o
que fomenta o surgimento de novas lideranças
femininas”.
Para Jô Moraes, que acompanha a
política de Brasília bem de perto, através
de sua atuação na Câmara, a grande
maioria das ministras têm militância
histórica. “Elas não estavam na política
por parentesco e sim por mérito pessoal.
Além disso, foram eleitas, na nova legislatura,
mulheres para as mesas diretoras
das duas casas do Congresso.
Sem dúvida, tudo isso contribuiu para
que a sociedade passasse a ver com
mais naturalidade a mulher em espaços
de poder”.
Mas será que essa chegada das mulheres
aos altos postos de comando
em Brasília trará impactos já nas próximas
eleições? Dados da pesquisa Mulheres
na Política, realizada em fevereiro
de 2009 pelo Ibope - Instituto Patrícia
Galvão, mostravam que nas eleições
municipais de 2008, a porcentagem
de candidatas a prefeita foi de 11,38%
e a de vereadoras, 22,05%.
Em outubro deste ano, será a vez
dos eleitores escolherem seus representantes
nos 5.566 municípios brasileiros.
E será que mais mulheres vão
participar dessa disputa? As candidaturas
só serão confirmadas em junho, quando
os partidos farão suas convenções, mas
há grandes chances de que mais mulheres
concorram e sejam eleitas, uma
vez que a lei de cotas de gênero e algumas
mudanças promovidas pela minirreforma
eleitoral de 2009 devem
ser respeitadas pelos partidos.
Revista Elas por Elas - março 2012 9
Cotas e minirreforma eleitoral
incentivam candidaturas
Em 2012, a política de cotas de gênero
nas eleições completa quinze anos
de vigência no país, porém há inúmeros
desafios a serem superados para que
as mulheres ultrapassem o quadro de
sub-representação política, arraigado
na cultura e na história brasileira. A
lei 9504, sancionada em 1997, determinava,
entre outras diretrizes, o percentual
mínimo de 30% das vagas das
listas eleitorais para o sexo menos representado
historicamente, o feminino,
o que resultava no estabelecimento de
uma cota máxima, 70%, para o sexo
mais representado.
Segundo o Observatório Brasil da
Igualdade de Gênero, da Presidência
da República, as cotas eleitorais surgiram
como uma ferramenta no processo
de feminização do Legislativo.
“Almeja-se a correção da hegemonia
masculina nas posições de tomada de
decisão e o estabelecimento de uma
distribuição mais equilibrada das representações
de homens e mulheres
nos espaços de poder”, aponta análise
do Observatório.
Somente em 29 de setembro de
2009, porém, foi aprovada pelo Congresso
Nacional a lei 12304, conhecida
como minirreforma eleitoral, que alterou
a redação da lei 9.504/97. O artigo
passou a vigorar com a seguinte redação:
“Do número de vagas resultante das regras
previstas neste artigo, cada partido
ou coligação preencherá o mínimo de
30% e o máximo de 70% para candidaturas
de cada sexo”. Uma pequena mudança
de texto que trouxe grandes impactos
na realidade. A lei anterior previa
apenas a reserva das vagas e, com a
nova redação, os partidos passaram a
ter a obrigação de preenchê-las.
Além disso, a partir de então, os
O demógrafo José Eustáquio analisa a participação das mulheres nas eleições
partidos são obrigados a destinar 5%
do fundo partidário à criação e manutenção
de programas de promoção e
difusão da participação política das mulheres.
O partido que não cumprir essa
disposição deverá, no ano subsequente,
adicionar mais 2,5% do fundo partidário
para tal destinação. Além disso, devem
reservar ao menos 10% do tempo de
propaganda partidária para promover e
difundir a participação política feminina.
Cota obrigatória
Nas eleições de 2010, decisão do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de cobrar
o preenchimento de 30% de candidaturas
femininas fez com que alguns partidos
pensassem em anular candidaturas de
homens para se adequar à cota. O presidente
do TSE, Ricardo Lewandowski,
afirmou, na época, que os Tribunais Regionais
Eleitorais deveriam intimar os
partidos políticos para que eles corrigissem
as distorções, diminuindo o número de
homens ou aumentando o de mulheres,
e justificassem quando isso fosse impossível.
“Nós resolvemos que a lei das cotas
não é uma faculdade dos partidos políticos,
não é um programa para o futuro, mas
uma norma obrigatória”.
Levantamento feito pelo Correio
Braziliense, em agosto de 2010, mostrava
que “em nove das 27 Unidades
da Federação nenhum partido ou coligação
tinha conseguido atingir o percentual
mínimo de candidatas. Em
outras quatro, só um partido apresentou
30% de candidaturas de mulheres. No
total de coligações registradas, 22%
obedeceram a regra, fazendo com que
o déficit de candidatas em todo o país
tenha chegado a 537.”
10
Reforma política pode
reduzir desigualdades
A reforma política, em discussão no
Congresso Nacional desde os anos 90,
propõe mudanças no sistema de representação
popular através do aperfeiçoamento
da democracia direta (através
de plebiscitos, referendos e iniciativas
populares), participativa (com os mecanismos
de diálogo), e representativa (por
meio de mudanças no sistema eleitoral
e partidário). As principais mudanças
em discussão que podem trazer avanços
para as mulheres em termos de igualdade
de condições para a disputa eleitoral
passam pela aprovação do financiamento
público de campanha e da lista preordenada
com alternância de gênero.
Atualmente, partidos e candidatos
podem receber doações de empresas
ou pessoas físicas para suas campanhas.
Essa forte influência do poder econômico
sobre os processos eleitorais prejudica
não só as mulheres, que têm menos
espaço nos partidos, como também
outros setores historicamente à margem
da política oficial. O projeto de lei
2679/03 prevê critérios para que as
campanhas políticas sejam financiadas
apenas com verbas públicas, o que
trará maior transparência e poderá
mudar o cenário desigual em que as
mulheres se encontram nos partidos.
O sistema eleitoral atual permite
também a sobreposição do candidato
ao partido ao qual pertence. Com as
listas preordenadas, os brasileiros não
elegeriam mais individualmente candidatos
a vereador, deputado federal e
estadual/distrital, mas votariam em listas
ordenadas pelos partidos, que respeitariam
a paridade e a alternância de
gênero. Cada partido receberia o número
de lugares proporcional à quantidade de
Lista preordernada com alternância de gênero é uma das propostas para reforma política.
votos obtidos, no entanto, 50% das
vagas seriam para homens e 50% para
as mulheres. Assim, para cada candidato
eleito, haveria também uma candidata
eleita. “Essa medida resolveria de vez o
problema da desigualdade de gênero na
política, mas dificilmente passa no Congresso”,
frisa José Eustáquio.
Para Rachel Moreno, se esses pontos
tivessem sido aprovados na minirreforma
eleitoral de 2009, as mulheres estariam
mais presentes na política hoje e fariam
a diferença. “Sem recursos e equidade
em termos de espaço torna-se difícil a
disputa pelo poder”, alerta.
Nesse contexto, segundo o Observatório
Brasil da Igualdade de Gênero,
“é necessário promover uma campanha
de encorajamento das mulheres, fomentando
suas candidaturas e conscientizando
a comunidade sobre a importância
do acesso dos grupos historicamente
subrepresentados à estrutura
governamental”.
Superar o patriarcado
A reforma política proposta pela
sociedade civil organizada pretende suscitar
a superação de antigos valores e
práticas que já não cabem na realidade
de hoje, como “o patriarcado, o patrimonialismo,
a oligarquia, o nepotismo,
o personalismo, o clientelismo e a corrupção”,
destaca documento publicado
pela Abong em 2006.
A Plataforma dos Movimentos So-
Revista Elas por Elas - março 2012 11
ciais pela Reforma do Sistema Político
defende uma reforma política que amplie
o poder do povo nas decisões. “Precisamos
ampliar a representação das mulheres,
da população negra, do povo
indígena, da pessoa em situação de
pobreza, da população do campo e da
periferia urbana, da juventude e da população
homoafetiva, entre outros
grupos. Por isso, defendemos o voto
em uma lista pré-ordenada e transparente,
com alternância de sexo e com
critérios de inclusão destes grupos.
Hoje, a maioria dos parlamentares que
representam a sociedade são ricos,
donos de terras, de bancos, das fábricas
ou dos meios de comunicação”.
A Plataforma defende, ainda, a democratização
dos partidos, o fim das
coligações em eleições proporcionais e
o financiamento público exclusivo de
campanha. “Buscamos, assim, o fim
da interferência do dinheiro privado
no exercício da atividade pública. Queremos
a participação da população nas
decisões e não apenas nos momentos
eleitorais. Para mudar a política no
Brasil, é necessária a participação de
todos e todas”, conclama o manifesto
da Plataforma, que tem recolhido centenas
de assinaturas favoráveis ao projeto
de iniciativa popular por uma reforma
política ampla e democrática no país.
Para saber mais e assinar também,
basta acessar www.reformapolitica.org.br
Reforma em 2012
No dia 2 de fevereiro, a presidenta
Dilma Rousseff pediu ao Congresso,
através da ministra da Casa Civil, Gleisi
Hoffmann, apoio para a aprovação da
reforma política em 2012. “Entendemos
que são necessárias mudanças que fortaleçam
o sentido programático dos
partidos brasileiros e aperfeiçoem as
instituições, permitindo maior transparência
ao conjunto da atividade pública”,
afirmou.
Política é lugar de mulher
“O homem vai fazer política e a
mulher tem que colocar as crianças na
cama. Mas, mesmo assim, nós fazemos
política”. É com essa poesia do cotidiano
que Rachel Moreno enumera alguns
dos desafios para as mulheres entrarem
e permanecerem na política. Para ela,
a participação em campanhas eleitorais
é algo trabalhoso para as candidatas.
“Existem sempre os favoritos nos partidos,
e as mulheres acabam recebendo
a menor parte da verba. Se formos
contar com os próprios recursos, como
as mulheres ganham, em geral, menos
que os homens, é ainda mais difícil
competir”, analisa. Além disso, segundo
ela, as mulheres têm também mais dificuldade
em fechar acordos partidários,
que envolvem apoios e recompensas
pós-eleitorais.
Para a deputada Jô Moraes, o principal
desafio é levar a mulher a encontrar
sua perspectiva de poder. “A construção
de seu empoderamento passa pela reafirmação
de sua autoestima, pela ampliação
do recrutamento feminino e
pela articulação de redes de apoio para
a sua participação política, pela criação
de mecanismos de qualificação, pela
conquista de uma reforma política sob
a ótica de gênero e pelo reforço de sua
presença nas estruturas dos partidos”.
Quem vota nelas?
No primeiro turno das eleições de
2010, 2/3 do eleitorado votou nas
duas candidatas à Presidência. “Isso é
inédito. Não tenho conhecimento de
que em outro país do mundo as mulheres
tenham tido 67% dos votos. Isso
prova que se houver candidatas boas,
de expressão e história, os eleitores
votam. O eleitorado não discrimina as
mulheres”, destaca José Eustáquio, do
IBGE.
Segundo pesquisa realizada pela
Fundação Perseu Abramo, em 2010,
78% das mulheres brasileiras se sentiam
preparadas para governar. Esse crescimento
é significativo, pois em 2001,
eram apenas 59% delas que acreditavam
nessa afirmação. Essa mesma pesquisa
mostra que o eleitorado não só votaria
em mulheres, como acha que elas são
mais honestas e contribuem mais para
as políticas sociais. Mas então porque
ainda há um pequeno número de mulheres
na política?
A explicação disso, segundo o professor
José Eustáquio, está nos partidos,
que dão preferência aos homens. “É
muito difícil para as mulheres conseguir
espaço e apoio real dos partidos, pois
há 200 anos são controlados pelos homens”,
lembra.
Para ele, as eleições municipais anteriores
mostraram que as cidades que
lançam mais mulheres, elegem mais
mulheres. “Se lança 10% de candidatas,
elege 2%. Se lança 40%, elege 20%.
Assim, é preciso aumentar o número
de mulheres candidatas; preencher a
cota mínima de 30%; destinar recursos
do fundo partidário e espaço nas propagandas
eleitorais para elas”.
12
Mulheres polivalentes
Elas querem ocupar mais espaço público
As professoras Valéria, Vera e Fátima querem seguir o exemplo da deputada federal Jô Moraes, que começou como vereadora
Mulheres, mães, militantes, professoras
das redes particular e pública de
ensino, diretoras do Sinpro Minas. Com
esse perfil múltiplo, algumas mulheres
conhecidas entre a categoria atuam politicamente
em suas cidades há anos e
agora pretendem concorrer a um cargo
legislativo nas próximas eleições municipais.
Valéria Morato, diretora do Sinpro
em Divinópolis, é uma dessas mulheres
dinâmicas. Professora há 25 anos, diretora
do sindicato desde 2003, tornou-se
secretária municipal adjunta de Educação
em sua cidade em 2009. É pré-candidata
a vereadora em sua cidade, onde percebe
obstáculos para as mulheres participarem
da política. “O machismo é o maior desafio,
pois o mundo da política ainda é
eminentemente masculino. De nós, mulheres,
é cobrado muito além de competência
e capacidade técnica. É cobrado
docilidade, gentileza. Se agimos com assertividade
somos tidas como ‘gerentonas’,
pois ainda há muita dificuldade
em receber ordens de mulheres”, afirma.
Para Valéria, a tripla jornada de trabalho
é um grande impeditivo para a
participação das mulheres na vida política.
“Hoje, grande parte das famílias
brasileiras são sustentadas pelo salário
das mulheres, mas ainda cabe a elas as
tarefas domésticas, o cuidado com os
filhos. Já o envolvimento nas atividades
políticas requer tempo para a formação,
o trabalho e as discussões coletivas”.
Fazer a diferença
Outra interessada em se candidatar
a um cargo legislativo nas eleições deste
ano é a diretora do Sinpro em Ponte
Nova, Fátima Ramalho, que é professora
de Química há 22 anos, e dirigente
sindical há 20. Para ela, as mulheres
estão “tomando seu espaço, após Dilma
e as ministras”. Outras experiências
mais próximas também a inspiram,
como a de Jô Moraes, que começou
como vereadora, foi deputada estadual
e hoje é deputada federal. “Ao ver
outras mulheres sendo escolhidas para
importantes cargos políticos, me senti
mais forte para encarar essa briga que
é desigual”, comenta.
Fátima tem uma filha e três netos.
Revista Elas por Elas - março 2012 13
Por já ter “criado a família” e por ser
divorciada, ela considera que tem mais
tempo livre para se dedicar à política.
“Marido e filhos exigem atenção. No
caso das professoras, elas ainda levam
trabalho pra casa. Já um cargo político,
em muitos momentos, requer dedicação
exclusiva. A mulher se cobra muito e a
família acaba pesando mais na balança”,
aponta.
Ela conta que já viu casos de mulheres
que, diante de um impasse, abdicaram
de sua atuação política e priorizaram
a família. “As mulheres ainda
têm dificuldade de romper com essa
cultura patriarcal. Elas ainda se sentem
responsáveis pela casa, por manter a
paz, o equilíbrio familiar”, analisa.
Mas há aquelas que conseguem superar
essas barreiras e recebem apoio
para se candidatar. Para Fátima, cada
vez mais, os partidos têm apostado em
mulheres em posições de liderança,
com chances reais de serem eleitas, e
isso tem acontecido não somente em
função das cotas. “A mulher é mais
cuidadosa, dedicada ao bem-estar de
todos. Quando ocupa um cargo de direção,
atua com mais garra, com o coração,
e isso faz toda a diferença”,
completa.
Política para o bem comum
Vera Lúcia Alfredo, 64 anos, é
professora aposentada e diretora do
Sinpro Minas. Na juventude, participava
de movimentos estudantis, e, ao longo
da vida, seguiu atuando em movimentos
populares, ONGs e associações. Cursou
Filosofia, Pedagogia e conclui o curso
de Direito ainda neste ano. Nessa trajetória
de atuação nos territórios da
educação e da cidadania, percebeu
que podia contribuir ainda mais e que
faria isso se eleita pelo povo para um
mandato legislativo em sua cidade,
São João del-Rei. Em 2007, candidatou-se
e foi eleita vereadora com
947 votos. Atualmente, faz
parte das Comissões de Legislação,
Justiça e Redação, de
Educação e de Saúde da Câmara
Municipal.
Vera Lúcia, conhecida
como Vera do Polivalente, foi
por muitos anos professora e
diretora da Escola Estadual Governador
Milton Campos, mais
conhecido como Colégio Polivalente.
“Gosto do apelido que
ganhei, pois na vida nós, mulheres,
temos que ser polivalentes,
ser mãe, educadora,
profissional do lar, trabalhar
fora”, destaca.
Vera demonstra sua paixão
pela política, como raras mulheres
parecem ter. “Para
exercer um cargo político, você
tem que gostar muito. Às
vezes, é cansativo e a gente se
frustra, porque depende dos
colegas e do Executivo. Mas
também é muito gratificante
quando você pode ajudar muita
gente, e ver aprovado um projeto
seu que atenda ao coletivo”,
compartilha.
Ela pretende se candidatar
para um segundo mandato na
Câmara, porque diz ter ainda
muitos projetos a realizar, em
nome de seu ideal. “Um dos
meus maiores sonhos é ver
uma sociedade com menos desigualdade,
mais fraterna, mais
organizada, da qual todos participem
e onde todos possam
viver em prol do bem comum”,
sintetiza, como exemplo para
tantas outras mulheres que,
nos próximos anos, de acordo
com o que apontam as pesquisas,
podem vir a ocupar
novos cargos políticos no
Brasil.
Valter Campanato/ABr
A ex-ministra-chefe da
Secretaria de Políticas
para as Mulheres (SPM),
Iriny Lopes, deixou a pasta
no dia 6 de fevereiro de
2012, para concorrer à
prefeitura de Vitória (ES)
em outubro. Em janeiro,
ainda como ministra, Iriny
concedeu uma entrevista
exclusiva à Revista Elas
por Elas, em que analisa o
crescimento da participação
política das mulheres
no Brasil, e faz um
balanço das ações desenvolvidas
em 2011, ano em
que esteve à frente da Secretaria
Especial de Políticas
para as Mulheres.
14
ENTREVISTA
Iriny Lopes
Ex-ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres
Elas por Elas - O que a eleição
da primeira presidenta da República
representou e tem trazido
de novo para as mulheres?
A eleição da presidenta Dilma, a
primeira mulher a ocupar o cargo em
122 anos de República, é resultado do
acúmulo das lutas sociais e das mulheres
por liberdade e igualdade. É um marco
simbólico, político e histórico que traduz
a força da mulher brasileira e sua capacidade
para acabar com um conjunto
de práticas discriminatórias e desigualdades,
a começar pela pobreza, a violência,
a ausência de participação política
e a falta de autonomia econômica das
mulheres. Uma mulher na Presidência
muda a forma de entender e de operar
as políticas e traz o entendimento de
que melhorar a vida das mulheres é
melhorar a vida de todos. Nesse sentido,
ter uma presidenta faz toda a diferença,
e é o componente novo, a percepção
de que construir a igualdade entre homens
e mulheres é consolidar a democracia.
Elas por Elas - Quais as principais
ações e políticas direcionadas
para as mulheres desenvolvidas
até este momento no Governo
Dilma? Como foi a atuação
da Secretaria Especial de Políticas
para as Mulheres (SPM) nesse período?
A Secretaria de Políticas para as
Mulheres atua em sintonia com o governo
da presidenta Dilma Rousseff,
cuja prioridade é a erradicação da miséria,
pois do contingente da população
que vive nessas condições, as mulheres
são a maioria, e entre elas, as mulheres
negras, considerando seus filhos –
crianças e adolescentes. Construir a
autonomia econômica e políticas das
mulheres, tema debatido na 3ª Conferência
Nacional de Políticas para as
Mulheres, é a pauta principal da SPM,
pois com autonomia financeira e protagonismo
as mulheres são mais fortes
para impedir a violência, participar dos
espaços de poder e decisão e se desenvolver
com plenitude. Para isso, estamos
construindo as condições para a autonomia
econômica e política das mulheres,
através de medidas para a ampliação
do trabalho formal e da contratação
de mulheres nas obras de infraestrutura;
para a qualificação e formação
profissional; para o acesso às linhas de
créditos diferenciadas e apoio às cooperativas,
associações e outras formas
de cooperação de trabalho entre mulheres;
além de ampliar e melhorar os
equipamentos sociais, como creches,
restaurantes, cozinhas populares e lavanderias
comunitárias para possibilitar
às mulheres maior tempo e disponibilidade.
Nesse sentido, houve também a implantação
de linhas de financiamento
de atividades econômicas lideradas por
mulheres, a ampliação dos créditos
para as agricultoras e o aumento dos
valores do programa Bolsa Família, o
que favorece as mulheres, uma vez que
elas são a maioria entre as famílias beneficiadas.
Elas por Elas - Como se dá a
participação dessas ministras neste
governo? É possível perceber um
diferencial na atuação delas em
relação aos demais ministros? Há
muitas mulheres em outros cargos
do governo?
A presença das mulheres na política
não é uma questão de número ou de
comparação entre homens e mulheres,
mas de igualdade de gênero, requisito
necessário para alcançarmos a democracia
plena e o desenvolvimento com
justiça. E é também uma questão de
qualidade, pois as mulheres na política
trazem com mais profundidade o debate
sobre questões importantes para o desenvolvimento,
como a erradicação da
pobreza e miséria, a promoção do
pleno emprego e renda, saúde, educação,
segurança alimentar, o enfrentamento
à violência e às desigualdades,
dentre outros.
Elegemos uma presidenta, subimos
para dez no número de ministras e a nomeação
de mulheres para os cargos do
segundo escalão cresceu 75%. Mas, apesar
dos avanços, as mulheres ainda têm
pouca presença na política. Se formos
comparar esses dados com os dos Legislativos,
que têm em média 10% de presença
feminina, e do Judiciário, com
apenas 15%, veremos que estamos ainda
muito longe de alcançar a equidade e a
igualdade de gênero nos altos escalões.
Revista Elas por Elas - março 2012 15
Elas por Elas - Quais as
principais barreiras encontradas
pelas mulheres para participarem
mais ativamente da vida
política do país? Haveria, por
parte delas, um pouco de medo
em relação ao poder?
A discriminação, o precon ceito,
uma sociedade machista e sexista e a
violência são barreiras históricas, e as
mulheres estão, cada vez mais, somando
forças para modificar valores
que reforçam essas práticas. Os movimentos
feministas e de mulheres, o
conjunto de políticas públicas específicas
para as mulheres definidas no
Plano Nacional de Políticas para as
Mulheres, e a transversalidades dessas
políticas somam forças para a su pe -
ração dessas barreiras. Já avançamos
muito, mas há ainda muito que fazer.
Não acredito que as mulheres tenham
medo do poder, o que ocorre é a ausência
de espaços para elas exer -
cerem o poder.
Elas por Elas - Como a reforma
política em discussão pode
alterar esse quadro de sub-representação
feminina na política
brasileira?
Uma reforma política que contemple
a equidade de gênero e a participação
popular é uma questão de
democracia. Está relacionada com a
construção da autonomia das mulheres
e com a erradicação das práticas
de violência e intolerância. Se
uma mulher tem autonomia econômica,
ela não aceita com naturalidade
a violência e tem mais condições
e estrutura para se desligar do
seu agressor. Com autonomia política,
através de uma reforma que garanta
as condições de participação e
igualdade, as mulheres terão mais liberdade
e espaço para atuar e
exercer sua cidadania e, com isso,
aumentar sua presença no mundo da
política e nos espaços de poder e decisão.
Elas por Elas - Na sua
avalia ção, a lei de cotas de gênero
nas eleições já proporcionou
a ampliação da participação
feminina na política?
Quais os desafios para a aplicação
dessa lei hoje?
A lei de cotas foi um avanço e possibilitou
ampliar a participação feminina,
mas é ainda muito tímida a
presença das mulheres na política. O
Brasil tem 5.565 municípios e, na última
eleição, foram eleitas apenas
506 prefeitas, só duas nas capitais, e
6.503 vereadoras. Esse quadro só vai
se reverter com a reforma política,
pois sem lei que contemple e assegure
direitos não há como cobrar dos partidos
políticos. No entanto, não há lei
que mude a mente das pessoas, por
isso precisamos atuar também no sentido
da mudança de valores e práticas,
arraigadas na nossa cultura, que discriminam
as mulheres, especialmente as
negras, índias, pessoas com deficiências
ou com orientação sexual diferente.
Elas por Elas - Como as(os)
professoras(es) podem colaborar
na conscientização das mulheres
para uma maior participação política
e para a equidade de gênero?
Os(a)s educadores(as) são parte importante
para alterar as práticas discriminatórias
e a cultura patriarcal, machista
e sexista, pois isso também se
faz no ambiente escolar. A educação
pode fomentar novos valores que superem
o conservadorismo na visão
sobre os direitos das mulheres e que
favoreçam comportamentos para a
promoção da igualdade de gênero.ø
16
REALIDADE
por Débora Junqueira
fotos Mark Florest
Maria da Silva
18
A pobreza
no Brasil é
feminina,
negra e jovem
“
O combate à miséria
é uma das metas do
governo Dilma
Avanços importantes para a diminuição
das desigualdades sociais ocorreram
na última década, principalmente
no decorrer da Era Lula, mas a erradicação
da pobreza ainda é um desafio.
No Brasil, 16 milhões de pessoas vivem
na miséria. A maioria é de mulheres
(50,5%), reside em áreas urbanas (53%),
tem até 19 anos (51%) e é negra (71%);
além disso, 25,5% são analfabetos.
Nas estatísticas da extrema pobreza,
chama a atenção o fato de 71% serem
da raça negra (pardos e pretos) e 40%
terem no máximo 14 anos de idade.
Na população em geral, os negros representam
51% dos brasileiros e os jovens
até 14 anos são 24% deles.
O censo demográfico do IBGE
(2010) mostra que o país tem 190 milhões
de habitantes, dos quais 8,5%
sobrevivem com, no máximo, R$ 70,00
mensais e têm baixo acesso a serviços
públicos básicos como água e luz. Esses
critérios definem a condição de extrema
pobreza focada no Plano Brasil sem
Miséria, lançado pela presidenta Dilma
Rousseff, em 2011.
O Brasil sem Miséria é um conjunto
de iniciativas que contará com R$ 80
bilhões de recursos públicos até 2014.
Além de dar continuidade aos programas
de transferência de renda como o Bolsa
Família, que sofreu alterações para beneficiar
mais crianças, também criou o
Bolsa Verde, para as famílias em situação
de extrema pobreza que promovam a
conservação ambiental nas áreas onde
vivem e trabalham. O plano prevê investimentos
em infraestrutura (água,
luz, esgoto, saúde e escola) e capacitação
profissional.
A principal meta do plano é erradicar
a pobreza até 2014. Segundo Ana
Fonseca, Secretária Extraordinária de
Combate à Pobreza Extrema do Ministério
do Desenvolvimento Social, a
meta é ousada, mas factível. “Esse é
sem dúvida um plano ousado e ambicioso.
No entanto, é eticamente necessário
e perfeitamente possível eliminar
as manifestações extremas que negam
a um vasto contingente da população
Revista Elas por Elas - março 2012 19
a possibilidade de viver uma vida minimamente
digna. Para tanto, claros compromissos
são requeridos e não apenas
do governo federal, envolvendo as três
esferas de governo e os demais poderes,
além de contar com decisiva participação
e controle social”, explica.
Para a secretária, a extrema pobreza
tem nome, endereço, raça/cor, idade,
características urbanas e rurais. “É uma
pobreza que se manifesta em renda e
outras variáveis como acesso ainda precário
aos serviços públicos, frágil inserção
no mercado de trabalho, embora mais
de 70% dos beneficiários das transferências
de renda trabalhem. Daí, os
três grandes eixos que organizam o
Plano Brasil sem Miséria”.
Mulheres são beneficiadas
As mulheres também são foco do
plano de erradicação da miséria. No
contingente de beneficiários do Bolsa
Família, mais de 90% dos titulares são
do sexo feminino. O benefício também
atinge às gestantes e nutrizes. Além
disso, o governo federal mantém o
programa nacional de documentação
da trabalhadora rural (MDA) e o Mulheres
Mil, programa que é executado
em parceria entre os ministérios da
Educação e do Desenvolvimento Social
e Combate à Fome e as secretarias de
Direitos Humanos e de Políticas para
as Mulheres.
O programa Mulheres Mil, que faz
Mulheres chefes de família são as que mais
sofrem os impactos da exclusão social
Se a pobreza atinge contornos femininos,
principalmente quando atinge mulheres
negras e responsáveis pelo sustento
da família, é de se destacar que a força
dessas guerreiras para conciliar maternidade,
emprego e afazeres domésticos
em meio a tantas dificuldades é algo
considerável. Maria da Silva, 49 anos,
é uma dessas brasileiras lutadoras. Com
uma renda líquida de R$ 520,00 que
ganha como auxiliar de serviços gerais,
ela sustenta sete pessoas: quatro filhos,
uma nora e dois netos com menos de
dois anos, que moram na sua casa.
Os filhos são maiores de idade,
fazem alguns “bicos”, mas não conseguem
emprego fixo por muito tempo.
A casa onde ela mora foi construída
em mutirão no lote que obteve ao participar
de um movimento dos sem teto.
“O que me dá força é o amor de mãe e
a fé em Deus”, afirma.
Nascida na pequena cidade de
Ipoema, em Minas Gerais, Maria se
mudou para Belo Horizonte, aos 17
anos, com um filho no colo e outro na
barriga. Ao todo teve 10 filhos, três
morreram antes de completar dois anos,
e nenhum teve o pai por perto. “Criar
filho sozinha não é fácil, eles ficam revoltados”,
conclui. Ela conseguiu estudar
somente até a 4ª série do Ensino Fundamental.
“Pensava em estudar mais,
mas nunca acreditava ser possível, pois,
após o trabalho, um tanque de roupa e
sete filhos para cuidar sempre estavam
me esperando”.
Há uns quatro anos, ela deixou de
receber o benefício do Bolsa Família
porque os filhos já ficaram adultos. Até
o ano passado, Maria recebia uma pensão
do pai falecido de uns dos meninos. A
esperança agora é que um dos filhos se
firme no emprego de carteira assinada.
Com isso, a renda per capta da família
chegará à R$ 148,00.
“Os benefícios do governo me ajudaram
demais, principalmente quando
tinha que comprar material escolar. Mas
nem todos os filhos conseguiram completar
os estudos. Somente uma filha
fez um curso de enfermagem e hoje trabalha
na área”, conta. Ela explica que,
antes de receber o benefício do Bolsa
20
parte do Plano Brasil sem Miséria, pretende
formar e inserir, no mercado de
trabalho, até 2014, 100 mil mulheres
em situação de vulnerabilidade social,
como mães solteiras, ou chefes de família,
que não tiveram oportunidade
de estudar e nem de ser inseridas no
mercado formal.
Avanços
O combate à miséria é uma das
prioridades anunciadas pela presidenta
Dilma Rousseff desde que assumiu o
cargo com o compromisso de prosseguir
com os avanços sociais conquistados
na última década. Dados da Fundação
Getúlio Vargas mostram que, entre
2001 e 2010, o rendimento médio da
população enquadrada entre os 50%
mais pobres do país cresceu 67,93%,
enquanto a dos 10% mais ricos aumentou
10%.
Desde 2003, 48 milhões de pessoas
entraram para as classes C, B e A e a
classe média tornou-se majoritária (55%).
O maior salto ocorreu em 2010, a
proporção de pessoas que vivem abaixo
da linha da pobreza — com renda inferior
a R$ 145 por mês — caiu 16%.
Na comparação por gênero a desigualdade
também caiu. A renda das mulheres
cresceu 38% na década, contra
16% dos homens. Os negros obtiveram
ganhos de 43,1% e os pardos de 48,5%
no mesmo período, contra 20,1% dos
brancos.
Escola, fazia salgados para os meninos
venderem na rua, mas depois que eles
cresceram ficaram com vergonha. “Reconheço
que receber o dinheiro do governo
foi muito importante para a nossa
sobrevivência, mas bom mesmo seria se
a ajuda fosse com emprego e cursos
para todo mundo poder buscar o seu
próprio sustento com dignidade”, afirma.
Déficits, além da renda
Dados da PNAD 2008 (Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílio) mostram
que em 1993, havia 32,4 milhões
de pessoas em condições de extrema
pobreza no país, das quais 5,5 milhões
viviam em domicílios chefiados por mulheres.
Passados 15 anos, havia 15,8
milhões de pessoas em condições de
extrema pobreza, das quais 5,2 milhões
viviam em famílias com mulheres no
comando. Ou seja, nessas famílias houve
uma redução de apenas 1,7%.
Percebe-se que é mais difícil reduzir a
pobreza nas famílias monoparentais chefiadas
por mulheres, pois, a exemplo de
Maria, há uma série de fatores como a
ausência da responsabilidade paterna para
com os filhos e baixa escolaridade, que as
impedem de alcançar melhores condições
no mercado de trabalho. “O comprome -
ti mento da qualidade de vida também
pode ser relacionado à idade dos filhos
(crianças) e ausência de equipamentos
públicos como creches”, opina
Ana Fonseca. Maria confirma: “nunca
pude contar com uma creche, lá em casa,
os mais velhos é que cuidavam dos mais
novos, enquanto eu trabalhava e quase
nunca podia ir à reunião na escola”.
Na maioria das vezes, as mulheres
chefes de família assumem sozinhas a
tarefa de educar os filhos e sonham em
vê-los numa condição diferente da sua.
“Meu sonho é ter uma casa arrumada,
limpinha e cheirosa para morar com
os meus filhos empregados e dividindo
as obrigações”, confessa.
A proporção de mulheres chefes de
família tem crescido no Brasil e isso
provavelmente causa um impacto no
aumento da pobreza e da exclusão social.
De 2001 a 2009 a proporção de
famílias chefiadas por mulheres no
Brasil subiu de aproximadamente 27%
para 35% do total, segundo o Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada),
por meio do cruzamento de
dados da Pnad 2009.
Os dados apontam que o combate
à pobreza deve passar pela efetivação
de políticas públicas que privilegiem as
mulheres, permitindo que elas tenham
maior autonomia financeira e igualdade
de direitos e oportunidades no mercado
de trabalho. Dessa forma, é preciso
que sejam criadas condições que dêem
às mulheres e às crianças que delas dependem
maior perspectiva de futuro.ø
Antônio Cruz/Abr
Revista Elas por Elas - março 2012 21
CAPA | por Denilson Cajazeiro
Vânia Miranda
Mulheres estão
mais otimistas
“
A avaliação positiva está
focada principalmente no
fato de que as mulheres têm
mais espaços hoje na
sociedade, embora
persistam muitos problemas.
Gustavo Venturi, professor do
departamento de Sociologia da USP
As 24 horas do dia quase não são
suficientes para Viviane Miranda Ribeiro
(foto), de 33 anos. Mãe de Lívia Maria,
de 10 anos, a consultora contábil e estudante
de Direito mora em Varginha,
no Sul de Minas, e se desdobra diariamente
entre os estudos, as tarefas domésticas
e a administração do próprio
negócio, uma loja de moda íntima, de
praia e esportiva, que funciona no
Centro da cidade.
A vida como microempreendedora
começou em setembro do ano passado,
após abandonar, por desentendimentos,
a sociedade que mantinha há 12 anos
com outros quatro sócios – todos homens
– num escritório de contabilidade.
“Decidi desfazer a sociedade, porque
eles se fecharam num clubinho machista,
me vi marginalizada entre eles. Houve
discriminação. Eles me colocaram numa
função com menor importância. Às
vezes, usavam o argumento de que era
difícil trabalhar com mulheres. Então,
se não for para ser protagonista, não
quero”, afirma, ao criticar a exclusão
pelo grupo masculino.
Mesmo com o corre-corre cotidiano
ao enfrentar os desafios da tripla jornada,
Viviane está mais otimista com o quadro
atual. “As mulheres têm mais oportunidades
e alcançam certas profissões
que antes só os homens atuavam. Elas
dão conta disso tudo e alcançam coisas
que não tinham condições há anos. Eu
acho isso ótimo, apesar das cobranças”,
diz Viviane, que, segundo conta, veio
de um lar onde o machismo esteve
presente. “Ele [o pai] dizia: ‘você [a
mãe] não pode trabalhar’, e ela obedecia”.
Assim como Viviane, a maioria das
brasileiras também considera o momento
atual mais promissor, se comparado a
períodos anteriores, como revela a pesquisa
“Mulheres brasileiras nos espaços
públicos e privados”, feita pela Fundação
Perseu Abramo. Quase 2,4 mil mulheres
de 25 estados foram entrevistadas, e o
resultado está num documento com
mais de 300 páginas sobre áreas como
violência doméstica, mercado de trabalho,
machismo, feminismo, saúde reprodutiva
e participação feminina no
mundo da política. A pesquisa também
entrevistou 1,2 mil homens.
O levantamento aponta que, entre
2001 e 2010, subiu de 65% para
74% a avaliação de que a vida das
mulheres está melhor hoje quando
comparada há 20 ou 30 anos. Na
mesma década, aumentou também o
percentual de brasileiras (de 58% para
68%) que avaliam que há mais coisas
boas que ruins em ser mulher.
Mulheres conquistam
mais espaços
Os motivos para o aumento dessa
percepção de melhora são variados.
Segundo Gustavo Venturi, professor
do departamento de Sociologia da Universidade
de São Paulo e um dos coordenadores
da pesquisa, uma das principais
razões refere-se à maior participação
das mulheres nos espaços pú-
Revista Elas por Elas - março 2012 23
blicos. “A avaliação positiva está focada
principalmente no fato de que as mulheres
têm mais espaços hoje na sociedade,
embora persistam muitos problemas.
A maioria tem essa percepção
de que as coisas têm melhorado, sobretudo
em relação ao mercado de trabalho
e a uma maior autonomia e liberdade”,
explica Venturi.
Para Rosa de Oliveira, professora
do departamento de Ciência Política
da Unicamp e colaboradora do Núcleo
Pagu de Estudos de Gênero, há também
o fato de que a sociedade está mais
atenta aos problemas enfrentados por
elas. “Os homens começam a ter uma
atenção maior para os direitos das mulheres.
Existe um controle social maior
sobre isso. A implantação da Secretaria
Nacional de Políticas para as Mulheres
foi um grande avanço para garantir direitos”,
diz a pesquisadora.
“De fato houve um crescimento de
oportunidades e uma percepção de que
os direitos devem ser iguais. Há também
o desenvolvimento dos debates sobre
os direitos das mulheres”, opina Lia
Zanotta, professora titular de Antropologia
da Universidade de Brasília, especializada
em direitos das mulheres.
Na avaliação da pesquisadora, há cerca
de 30 anos, boa parte da sociedade
compartilhava a ideia de que a desigualdade
de gênero era uma espécie
de destino. “Elas criticavam, mas diziam:
‘ah, é assim mesmo’! Hoje é diferente.
[As mulheres] não viam possibilidade.
Hoje veem”.
Em vigor há quase seis anos, a lei
Maria da Penha, que combate a violência
contra as mulheres, também foi apontada
por Venturi como um fator que
favoreceu essa percepção de que a
vida melhorou. “Não temos como comprovar
pela pesquisa, mas é uma hipótese
plausível que a lei Maria da Penha
tenha ajudado na melhora efetiva ocorrida
nessa década”, avalia (leia matéria
e entrevista sobre a lei e a violência
contra a mulher na página 28).
Problemas persistem
Otimismos à parte, é fato também
que as mulheres ainda possuem uma
longa caminhada pela frente, com
muitos obstáculos. A maior participação
em espaços públicos e os anos a mais
de estudos – superando os homens,
como indicam as estatísticas – não têm
Marcello Casal Jr./Agência Brasil
sido suficientes para romper barreiras
do preconceito e da desigualdade em
várias áreas.
O próprio mercado de trabalho é
um dos principais focos de resistência
à igualdade de gênero. O mais recente
Anuário das Mulheres Brasileiras, lançado
no ano passado pelo Departamento
de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(Dieese) e pela Secretaria
de Políticas para as Mulheres do governo
24
Percepção de melhora na
situação das mulheres em
comparação com a
vida há 20 ou 30 anos
2 0 0 1
2 0 1 0
2%
10%
6%
2%
Está melhor
23%
18%
Não teve mudanças
65%
74%
Está pior
Não sabe
Fonte: Pesquisa Fund. Perseu Abramo
federal, mostra que as brasileiras estudam,
em média, um ano a mais que
os homens, porém recebem somente
56% do que ganham os trabalhadores
do sexo masculino.
Outro estudo do Dieese e da Fundação
Seade revela que, em 2010, na
região metropolitana de São Paulo,
mais da metade (56,2%) do mercado
de trabalho era composto por mulheres,
mas o salário delas correspondia a
75,7% do que ganhavam os homens
pelo desempenho da mesma função.
Em comparação com o ano anterior, o
rendimento médio por hora trabalhada
das mulheres passou de R$ 6,56 para
R$ 6,72, enquanto que o dos homens
saltou de R$ 8,22 para R$ 8,94.
Na região metropolitana de Belo
Horizonte, o quadro se repete, conforme
atesta estudo de 2010 feito pelas fundações
João Pinheiro e Seade, Dieese
e Secretaria Estadual de Trabalho e
Emprego. O levantamento revela que
nem mesmo o maior tempo de estudo
tem sido suficiente para alterar esse
cenário. Naquele ano, o rendimento
das ocupadas com ensino superior equivalia
a 77,2% do que recebem os homens.
Entre as de menor escolaridade,
a situação era ainda pior: ganhavam
apenas 67% em relação ao salário
deles.
“A justificativa de que os homens
precisam ganhar mais porque sustentam
o lar já não se sustenta hoje, tendo em
vista o enorme contingente de mulheres
chefes de família. Os homens ainda
têm os melhores postos, os melhores
salários, os lugares de maior prestígio
na sociedade”, critica Tânia Navarro
Swain, historiadora e pós-doutora em
estudos femininos pela Universidade
de Quebec, no Canadá. Pela pesquisa
da Fundação Perseu Abramo, quase
um terço (30%) dos domicílios brasileiros
tem uma mulher como principal provedora.
Ainda segundo o mesmo levantamento,
esse ambiente de desigualdade
também se reproduz dentro de casa,
onde a responsabilidade pela execução
ou orientação dos afazeres domésticos
continua fortemente concentrada nelas
(91% em 2010, ante 93% em 2001), e
o tempo dedicado a serviços de limpeza
e a outras tarefas do lar, como lavar e
passar roupa e cozinhar, é de três a
quatro vezes maior que a dos homens.
“A divisão do trabalho doméstico
não avançou nesta década. Essa questão
envolve aspectos culturais de fundo,
que são de maturação lenta”, acredita
Venturi. “As mulheres que trabalham
fora de casa têm a vida mais difícil,
pois não há partilha de tarefas domésticas,
e os homens, em sua grande
maioria, consideram que a casa é apenas
local de descanso e soberania”, afirma
Tania Navarro Swain.
Tanta diferença entre brasileiras e
brasileiros coloca o país numa posição
desconfortável no último Índice de Desigualdade
de Gênero (IDG), indicador
complementar ao Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH), do Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(Pnud). Num ranking de 146
nações, o Brasil ocupa a incômoda
80ª posição, atrás dos vizinhos Chile,
Argentina, Peru, Venezuela e de árabes
como a Líbia, o Líbano e o Kuwait. O
índice leva em consideração variáveis
como mortalidade materna, gravidez
na adolescência e participação no Parlamento
nacional e no mercado de trabalho.
Na opinião de Swain, a educação,
desde os anos iniciais, é a chave para
resolver muitos dos problemas de gênero
que persistem e garantir um futuro
ainda mais promissor para as mulheres.
“Na educação desde o primário é preciso
que as crianças aprendam a não hierarquizar
os seres humanos segundo
sexo, cor, sexualidade, classe social.
São essas representações sociais de
mulher e homem, estáticas e hierárquicas,
fixadas na tradição religiosa,
sobretudo, que dão justificativa aos estereótipos
e à dominação que ainda
sofrem as mulheres em seus corpos e
sua liberdade. Apenas uma educação
não sexista garantirá uma sociedade
menos desigual no que diz respeito à
divisão social do trabalho e à igualdade
entre mulher e homem”, afirma.
Revista Elas por Elas - março 2012 25
Trabalhadoras querem lei pela
igualdade no mundo do trabalho
Há uma grande expectativa de que,
neste ano, o Congresso Nacional aprove
projetos de lei que garantam medidas
de combate à discriminação contra as
mulheres nos locais de trabalho.
No final de 2011, foi apresentado
um requerimento para que o projeto
de lei 6653/2009, de autoria da deputada
Alice Portugal (PCdoB/BA), seja
apreciado. O projeto, que "cria mecanismos
para coibir e prevenir a discriminação
contra a mulher, garantindo
as mesmas oportunidades de acesso e
vencimentos”, foi apensado a outro de
mesmo teor do deputado Valtenir Pereira
(PSB/MT). No Senado, também tramita
proposta que estabelece medidas de
proteção à mulher e garantia das
mesmas condições de acesso ao trabalho
que o homem, tanto no meio urbano
como no rural.
A essência das proposições é garantir
às mulheres as mesmas oportunidades
no mercado de trabalho e estabelecer
punições àqueles que discriminarem
em função da questão de gênero, raça,
orientação sexual ou classe social. Dos
países membros da ONU (Organização
das Nações Unidas), 117 já têm um
projeto de igualdade.
O projeto de lei 6653/2009 prevê,
por exemplo, que o Estado deverá desenvolver
ações de incentivo à permanência
das mulheres no mercado de
trabalho e fomentar ações destinadas a
promover a cultura da igualdade de gênero.
A proposta também determina
que as empresas incluam, nos programas
de treinamento e capacitação, temas
relacionados à igualdade entre homens
e mulheres.
De acordo com a proposta, as empresas
de médio e grande porte terão
de criar uma Comissão Interna Pró-
Igualdade (Cipi), com pelo menos metade
da composição de mulheres, para
combater as práticas e políticas discriminatórias
no ambiente profissional.
Em outubro de 2011, as centrais
sindicais CTB, CGTB, Força Sindical,
NCST e UGT realizaram, em São
Paulo, o Seminário Estadual das Mulheres,
que teve como principal objetivo
debater e definir ações para aprovação
no Congresso Nacional dos projetos
de lei que defendem a igualdade de direitos
entre homens e mulheres. “Temos
que marcar em cima e nos mobilizarmos,
porque senão não conseguiremos que
esses projetos avancem. Precisamos
inserir a pauta das mulheres na discussão
política, pois só com muita divulgação
e mobilização conseguiremos a aprovação
dos projetos, que encontram resistência
em diversas bancadas no Congresso
Nacional”, afirmou a secretária
da Mulher da CTB, Raimunda Gomes
(Doquinha).
Segundo ela, as trabalhadoras
querem que a presidenta Dilma Rousseff
entre em campo para convencer a
base governista a aprovar as propostas.
“A correlação de forças no Congresso
não nós é favorável. Por isso, a gente
entende que deve haver um maior investimento
da própria presidenta. Não
podemos terminar o governo de uma
mulher sem esse projeto aprovado”,
diz a sindicalista, que tenta articular,
junto com as demais centrais, uma
reunião com Dilma Rousseff ainda
neste primeiro semestre para discutir
o assunto.
Victor Soar/Agência Brasil
26
Mulheres reprovam imagem
reproduzida pela mídia
Gervásio Baptista/Agência Brasil
“Acho que o maior acesso ao espaço
público, como o mercado de trabalho,
dá à mulher melhores condições de olhar
criticamente a realidade”. A opinião é
da socióloga do Instituto Patrícia Galvão,
Fátima Pacheco Jordão, para quem a
internet tem exercido um importante
papel na tomada de consciência das mulheres,
ao permitir que elas tornem públicas
posições que antes não encontrariam
espaço na mídia tradicional.
Na pesquisa da Fundação Perseu
Abramo, um dos temas abordados foi
justamente a opinião das mulheres
acerca da imagem que os veículos de
comunicação e a publicidade fazem da
figura feminina. O resultado mostra
que o grau de insatisfação, que já era
alto, cresceu na última década. Quatro
em cada cinco entrevistadas (80%) consideram
ruim a exposição do corpo feminino
feita pela TV e pela publicidade.
Em 2001, esse índice era de 77%.
Além disso, três em cada quatro
brasileiras (74%) são favoráveis a “um
maior controle da programação e da
publicidade na TV”, conforme revela o
levantamento. Recentemente, a propaganda
da modelo brasileira Gisele
Bündchen para uma marca de lingeries
reacendeu a polêmica em torno do assunto.
Numa das versões do comercial,
a modelo aparece com um vestido
branco e diz: “amor, bati seu carro”.
Ao lado, aparece a palavra “errado”.
Em seguida, ela repete a frase, porém
com calcinha e sutiã, e ao lado, a
palavra “certo”. No final, ao locutor
diz: “você é brasileira, use seu charme”.
A Secretaria de Políticas para as
Mulheres, ligada ao governo federal,
chegou a enviar um ofício, no final de
setembro do ano passado, quando a
propaganda começou a ser veiculada,
ao Conselho Nacional de Autorregulamentação
Publicitária (Conar), por meio
do qual manifestou o repúdio à campanha
e solicitou a suspensão da peça
publicitária, por considerá-la ofensiva
à imagem da mulher. “A exposição
exagerada e desprovida de conteúdo
do corpo feminino, por meio de músicas,
imagens e propagandas apelativas é
um desrespeito à capacidade intelectual
e criativa das mulheres”, argumentou a
Secretaria, por meio do ofício.
O Conselho de Ética do Conar,
porém, não entendeu dessa forma e
decidiu arquivar o processo de suspensão
do comercial. Segundo a nota divulgada
pelo órgão, os estereótipos presentes
na campanha são “comuns à sociedade
e facilmente identificados por ela, não
desmerecendo a condição feminina”.
Em entrevista à revista Carta Capital,
a então ministra Iriny Lopes disse
ter ficado estupefata com o machismo
da sociedade brasileira. Para Fátima
Pacheco Jordão, a então ministra Iriny
Lopes foi coerente. “Acho que ela
atuou com muita coerência e correção.
Ao contrário do que a mídia difundiu,
ela não interferiu nos códigos da indústria
da publicidade. Ela aderiu a ele e
pediu para julgar, e o caso foi julgado e
considerado improcedente. Isso não
significa que a propaganda seja boa.
Não é. Acho-a efetivamente ofensiva à
imagem da mulher e à condição atual
de busca de igualdade de gênero. A
Iriny fez bem em puxar a orelha da indústria”,
defendeu a socióloga.ø
Revista Elas por Elas - março 2012 27
VIOLÊNCIA | por Denilson Cajazeiro
Maria da Penha
Lei é considerada constitucional, e agressor poderá
ser processado, mesmo sem denúncia da vítima
Antônio Cruz/Agência Brasil
As brasileiras conquistaram no início
de fevereiro deste ano três decisivas vitórias
na luta contra a violência doméstica.
Duas delas vieram do embate travado
com o meio jurídico. Depois de
longa espera, os ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF) reconheceram,
no dia 9, por unanimidade, a constitucionalidade
da Lei Maria da Penha.
Com a decisão, o argumento defendido
por alguns magistrados de que a lei poderia
ferir o princípio da igualdade
entre homens e mulheres foi definitivamente
derrubado.
A suprema corte também decidiu
favoravelmente à incondicionalidade da
denúncia, o que significa, em termos
práticos, que o agressor poderá ser
processado mesmo que a vítima não
preste queixa contra ele. A partir dessa
decisão, a queixa poderá ser prestada
por quaisquer testemunhas. Sobre esse
aspecto, apenas o presidente do STF,
Cesar Peluzo, votou contra.
No dia anterior ao parecer do Supremo,
o Congresso Nacional decidira
instalar a Comissão Parlamentar Mista
de Inquérito (CPMI) da violência contra
a mulher, cuja presidenta eleita, a deputada
federal Jô Moraes (PCdoB/MG),
terá a missão de coordenar, pelos próximos
seis meses, os trabalhos para
apurar denúncias de omissão do poder
público quanto ao cumprimento da legislação.
Segundo a parlamentar, a
conduta de quem aplica a lei e a
estrutura dos equipamentos públicos
de atendimento às vítimas serão alvos
de avaliação da comissão.
Na esteira das vitórias contra a violência
de gênero, o governo federal
também emitiu sinais positivos. A socióloga
Eleonora Menicucci de Oliveira,
recém-empossada ministra da Secretaria
Nacional de Políticas para as Mulheres
(SEPM), nem bem assumiu a pasta e já
recebeu da presidenta Dilma Rousseff
a incumbência de tratar o assunto com
a máxima atenção. No cargo desde o
início de fevereiro, já que a colega Iriny
Lopes decidiu deixá-lo para disputar as
eleições municipais deste ano, Menicucci
terá pela frente um desafio homérico.
Isso porque, apesar dos avanços
conquistados desde a implementação
da lei, em setembro de 2006, a aplicação
dela ainda esbarra em problemas
estruturais. Para se ter uma ideia, em
todo o país, não chega a 60 o número
de juizados especializados. A responsabilidade
pela criação desses juizados
é dos tribunais de justiça de cada estado.
De acordo com balanço do Tribunal
de Justiça de Minas Gerais (TJMG),
mais de 45 mil processos com pedidos
de proteção no estado aguardam uma
definição da Justiça desde 2009. Na
prática, ocorre que muitas mulheres
rompem a barreira do medo, denunciam
e pedem proteção, mas a demora em
ter seus pedidos atendidos acaba inflacionando
as estatísticas de violência de
gênero.
2001
A cada 2 minutos,
8 mulheres eram
agredidas
violentamente
no país
2010
A cada 2 minutos,
5 mulheres eram
agredidas
violentamente
no Brasil
E os números assustam. Projeções
feitas a partir da amostra de pesquisa
da Fundação Perseu Abramo apontam
que, a cada dois minutos, cinco brasileiras
são agredidas violentamente. Em
2001, eram oito a cada dois minutos.
“Embora a tendência seja positiva, não
é um dado que possa ser comemorado.
É um absurdo, uma pandemia”, afirma
Gustavo Venturi, professor do departamento
de Sociologia da Universidade
de São Paulo e um dos coordenadores
da pesquisa.
De acordo com informações do
Anuário das Mulheres Brasileiras 2011,
divulgado pela Secretaria de Políticas
para as Mulheres do governo federal e
Departamento Intersindical de Estatística
e Estudos Socioeconômicos
(Dieese), quatro em cada dez brasileiras
já foram vítimas de violência doméstica.
O tema é o que mais preocupa as mulheres,
con forme estudo do Instituto
Patrícia Galvão.
Para a biofarmacêutica Maria da
Penha Maia Fernandes, cujo nome da
lei é uma homenagem à luta dela por
quase 20 anos para conseguir prender
seu ex-marido, que tentou assassiná-la
duas vezes, a falta de uma rede de proteção
inibe as mulheres de denunciarem.
“Quando ela não tem estrutura para
denunciar, ela não denuncia. Como as
mulheres vão denunciar se em sua
cidade não tem uma delegacia da mulher,
um centro de referência que a oriente,
então ela se retrai sim, continua com
medo”, disse, em entrevista à reportagem
da Elas por Elas.
Ela considera positivo o balanço
desses quase seis anos de implementação
da lei, mas reconhece que as políticas
públicas relacionadas à aplicação da legislação
precisam ser mais ágeis. A
lentidão, segundo avalia, é decorrente
da cultura machista presente na sociedade,
inclusive entre os governantes.
“A maioria deles não está livre dessa
Fonte: Pesquisa Fund. Perseu Abramo
Revista Elas por Elas - março 2012 29
cultura e acha que essa questão de mulher
é coisa para segundo plano. Você
vê que, com a perspectiva da Copa
chegar, está surgindo muito dinheiro,
mas infelizmente para o problema da
violência doméstica, a verba não existe”,
critica Maria da Penha, que hoje preside
um instituto que também leva o seu
nome, criado com o objetivo de acompanhar
as ações em torno do cumprimento
da legislação e de conscientizar
as mulheres de seus direitos.
Na opinião de Carmen Hein de
Campos, advogada e coordenadora nacional
do Comitê Latino-Americano e
do Caribe para a Defesa dos Direitos
da Mulher (Cladem/Brasil), esse comportamento
também permeia o meio
jurídico e dificulta a implementação da
lei. “Vivemos numa sociedade ainda
muito machista, que tem dificuldades
de compreender que as relações entre
homens e mulheres devem ser igualitárias,
respeitosas. E esse pensamento,
particularmente no campo da violência
doméstica, tem uma longa tradição no
campo do direito. Basta lembrar que
até muito pouco tempo atrás se absolviam
homens que matavam por suposta
legítima defesa da honra. Hoje não se
admite mais isso, mas o tipo de ideologia,
ou seja, esse tipo de pensamento
não mudou totalmente”, afirma a advogada.
Ela também chama a atenção para
a necessidade de ampliar os mecanismos
de proteção às vítimas, como casas e
abrigos. “Existem poucos serviços especializados
disponíveis para as mulheres,
que são serviços de atendimento
jurídico, social, de programas sociais
para a inclusão de mulheres em situação
de violência. Isso também dificulta a
mulher sair da situação de violência”,
destaca. Confira ao lado a entrevista
concedida à Elas por Elas sobre os desafios
de implementação da Lei Maria
da Penha.
Entre os homens entrevistados:
8% admitiram ter batido na
mulher/namorada;
25% diz saber de “parente
próximo” que já bateu;
48% afirma ter “amigo ou
conhecido que bateu ou
costuma bater na mulher”.
Dos que assumiram ter
batido na mulher
bateu algumas vezes
bateu uma vez
Fonte: Pesquisa Fund. Perseu Abramo
Entre as mais avançadas
A Lei Maria da Penha é considerada
pelo Fundo de Desenvolvimento das
Nações Unidas para a Mulher
(Unifem) uma das três mais avançadas
do mundo, entre 90 países que possuem
legislação sobre a violência
doméstica contra as mulheres. Em
funcionamento desde setembro de
2006, ela determina medidas protetivas
para as vítimas, acaba com
penas pagas em cestas básicas ou
multas, possibilita a prisão em flagrante
ou preventiva do agressor e
engloba, além da violência física e
sexual, a violência psicológica e patrimonial
e o assédio moral.
Miriam Zomer/Alesc
Carmem Hein, coordenadora
nacional do
Cladem/Brasil, chama a
atenção para a necessidade
de ampliar os mecanismos
de proteção às vítimas
de violência doméstica,
como casas e abrigos.
Segundo ela, faltam mecanismos
sociais que permitam
às mulheres saírem
da situação de violência.
30
ENTREVISTA
Carmen Hein de Campos
Advogada e coordenadora nacional do Cladem/Brasil
Uma batalha
de quase
20 anos
Elas por Elas - Quais foram os
principais avanços conquistados
desde a implementação da lei, em
setembro de 2006?
A Lei Maria da Penha é muito importante
para a defesa dos direitos das
mulheres, principalmente porque ela
inova no campo do direito, e isso talvez
seja uma das resistências maiores que
ela sofre. Uma das principais inovações
é que, em primeiro lugar, ela trata o fenômeno
da violência doméstica e familiar
como uma questão ampla e complexa,
que deve ser tratada por diversas áreas,
não apenas pelo campo do direito.
Então ela prevê ações no campo da
prevenção, de fazer campanhas, de
conscientizar sobre os direitos das mulheres,
das desigualdades de gênero,
para que as pessoas não se comportem
mais no âmbito das relações interpessoais
de forma violenta.
Segundo, há o aspecto da assistência.
As mulheres que estão em situação de
violência muitas vezes permanecem
nessa situação por uma série de dificuldades
não meramente pessoais, mas
sociais. Faltam mecanismos que permitam
às mulheres terem uma maneira
de sair dessa relação violenta. Então a
lei prevê uma série de mecanismos
para a inclusão das mulheres que estão
numa situação mais vulnerável em programas
sociais. Essa é uma visão assistencial
da lei. E o terceiro elemento
que a lei traz é efetivamente a perspectiva
da repressão ao crime. Agir com
violência, agredir fisicamente, moralmente,
psicologicamente é um ato criminoso
e é punido pela legislação penal.
Então a lei traz também essa dimensão
da repressão. São três dimensões que
a lei estabelece para tratar o fenômeno
de uma forma mais ampla: prevenção,
assistência e repressão.
Elas por Elas - Antes da lei, a
violência era tratada como um
crime de menor importância?
Exatamente. Nós tínhamos outra
lei, a 9.099, de 1995, que tratava as
lesões corporais e os crimes de ameaça,
que são muito frequentes nas relações
de violência doméstica, como um delito
de menor potencial ofensivo. Para a
legislação, esses crimes eram considerados
completamente menores. Não
existia a pena na aplicação prática,
porque muitos juízes acabavam fazendo
ou uma conciliação ou, na grande
maioria, arquivavam os processos. Havia
poucos processos penais correndo,
porque a lei permitia uma série de mecanismos,
como a transação penal, a
suspensão condicional do processo.
Então tudo isso impedia que o sujeito
que cometia um ato de violência recebesse
uma punição. A Lei Maria da
Penha rompe com essa tradição jurídica
de banalizar, de naturalizar a violência
contra as mulheres; diz que nos crimes
de violência doméstica não se aplica a
lei 9.099.
Elas por Elas - Na prática,
como está a aplicação da lei?
Podemos dizer que a lei tem dois
momentos. O primeiro momento,
quando surge, causa um grande impacto.
Muitos operadores do direito, magis-
Maria da Penha Maia Fernandes
teve de esperar por quase duas décadas
para ver seu agressor atrás
das grades. Em 1983, seu então
marido, o professor universitário
Marco Antonio Viveros, a acertou
com um tiro nas costas, enquanto
ela dormia, que a deixou paraplégica.
No mesmo ano, ele a empurrou
da cadeira de rodas e tentou
eletrocutá-la no chuveiro.
A investigação começou em
1983, mas somente em 2002 Viveros
foi preso e cumpriu apenas
dois anos na cadeia. Em 1998,
Maria da Penha, em parceria com
o Comitê Latino-americano e do
Caribe para a Defesa dos Direitos
da Mulher (Cladem) e o Centro
pela Justiça e o Direito Internacional
(Cejil), denunciou o Brasil na Comissão
Interamericana de Direitos
Humanos da Organização dos Estados
Americanos (OEA). Por conta
dessa denúncia, o país foi condenado
internacionalmente pela tolerância
e omissão com que tratava os casos
de violência contra a mulher.
A condenação obrigou o Brasil
a cumprir algumas recomendações,
entre elas mudar a legislação brasileira
para garantir a proteção das
mulheres em situações de violência
doméstica e punir os agressores.
Em decorrência disso, em setembro
de 2006 foi aprovada a lei 11.340,
cujo nome é uma homenagem à
luta de Maria da Penha Maia Fernandes
para punir seu agressor e
combater a violência doméstica e
familiar.
Revista Elas por Elas - março 2012 31
trados, diziam que a lei era inconstitucional.
Ela causou um susto. Primeiro
por proteger as mulheres, segundo por
ter essa visão ampla, terceiro por dizer
que a violência contra as mulheres é
uma coisa séria, e o Estado como um
todo tem de se posicionar. Pra isso, a
lei prevê uma série de mecanismos, e
um deles é a criação dos juizados especializados
de violência doméstica e familiar
em todo o país. Qual é a dificuldade
que estamos encontrando? Muito
poucos juizados foram criados até o
presente momento. Existem juizados
em todas as capitais, mas há uma demanda
muito grande que chega às delegacias
de polícia e ao poder judiciário
de casos de violência doméstica. Então
um dos obstáculos que precisa ser vencido
para a plena implementação da
lei é de fato a criação de mais juizados
especializados. Outro obstáculo é que,
como a lei prevê uma articulação do
atendimento integral às mulheres, e
isso pressupõe uma articulação de todos
os poderes públicos e a criação de serviços
especializados, existem poucos
serviços especializados disponíveis para
as mulheres, que são serviços de atendimento
jurídico, social, de programas
sociais para a inclusão de mulheres em
situação de violência. Isso também dificulta
a mulher sair da situação de violência.
Os serviços precisam ser melhorados,
outros, criados. Os poderes
públicos precisam entender que isso é
uma atribuição deles e que não podem
dizer que não têm nada a ver com isso.
Então é responsabilidade do poder público
fazer valer o direito das mulheres.
Elas por Elas - Casos que demoram
para serem julgados são
também um obstáculo para a efetivação
da lei?
Claro. A lei prevê um mecanismo
muito importante e muito utilizado pelas
mulheres que são as medidas protetivas
de urgência. Se uma mulher está numa
situação de violência e sente que pode
sofrer um mal maior, pode ser ameaçada
de morte, então ela pede uma medida
protetiva de urgência. Se essa medida
demora a ser expedida - assim que o
Saulo Martins
juiz toma conhecimento ele tem que se
manifestar em 48 horas -, há um prejuízo
e a mulher começa a correr risco,
a integridade física e psíquica pode
estar correndo risco. Há muitos processos
nas varas especializadas existentes,
há uma demanda muito grande.
É necessário para que o juiz possa conceder
essa medida no tempo previsto
legalmente que ele não tenha dez mil
processos na mesa dele. Porque, se ele
tiver 10 mil processos, não vai conseguir
conceder a medida de urgência no
tempo previsto. Então é preciso que os
tribunais dos estados se conscientizem
da necessidade de criar varas especializadas
de violência doméstica. Só para
você ter uma ideia: no estado do Rio
Grande do Sul, existe apenas uma vara
de violência doméstica. O juizado possui
mais de 20 mil processos. Se a gente
comparar, por exemplo, com a vara de
família, o juizado possui nove varas de
família, com 1,5 mil processos cada
uma. É uma desproporção muito grande.
Não é aceitável que uma vara de um
único juiz tenha 20 mil processos enquanto
as oito ou nove varas de família
possuam cada uma 1,5 mil processos.
Isso promove de certa forma uma denegação
da Justiça. O poder judiciário
precisa rever como ele está promovendo
a distribuição dessas varas. É preciso
fazer esse redimensionamento.
Elas por Elas - A sra. acredita
que, depois desses quase seis anos
de implementação da lei, existe
algum ponto que precisa avançar?
Várias questões precisam ser melhor
resolvidas ainda. É preciso compreender
que a violência contra as mulheres não
é mais um assunto privado, é público,
de segurança, que diz respeito aos direitos
fundamentais das mulheres. Precisa
mudar a noção de quem lida com
isso. Segundo, do ponto de vista prático,
precisamos ampliar os juizados da vio-
32
lência contra a mulher, criar mais juizados,
formar juízes, magistrados, Ministério
Público, Defensoria Pública que
atendam casos de violência, para que
eles percebam que não é um crime
como qualquer outro. Precisa-se cumprir
a lei, para que depois a gente possa
apontar o que deve ser melhorado. O
que não pode é ser negada na sua dimensão
prática.
Elas por Elas - Qual foi o objetivo
da audiência que vocês participaram,
em outubro do ano passado,
na Comissão Interamericana
de Direitos Humanos?
Periodicamente, temos de informar
à Comissão como está o andamento
da Lei Maria da Penha no Brasil. E nós
levamos exatamente estes pontos: primeiro,
a demora do Supremo Tribunal
Federal em julgar os crimes. Informamos
também um número muito baixo de
juizados especializados de violência doméstica,
porque os tribunais demoram
a criar, ou resistem a criar, o que é
ruim para as mulheres.
Elas por Elas - De quem é a
obrigação de criar esses juizados?
Dos tribunais de justiça. Eles têm de
prever recursos para criá-los, em conformidade
com a lei. Levamos também
a ausência de uma estatística nacional
sobre a lei Maria da Penha. Não temos
dados oficiais nacionais. Não há um
cadastro nacional que permita dizer:
em todo o Brasil, foram julgados tantos
mil processos referentes à lei Maria da
Penha, foram expedidas tantas liminares,
tantas medidas protetivas, prisões. Quer
dizer, isso é uma debilidade que precisa
ser sanada. Precisamos ter uma ideia
do volume de processos para poder
pensar inclusive em políticas. E levamos
também esse ponto da rede de atendimento
que ainda é insuficiente para a
necessidade das mulheres. A Comissão
deve fazer um relatório, e tão logo a
gente o receba, vamos dar publicidade.
Elas por Elas - Alguns especialistas
dizem que as dificuldades
de efetivação da lei também se
devem à ideologia patriarcal dominante
em nossa sociedade, inclusive
no meio jurídico. Você concorda
com esse ponto de vista?
Com certeza. Vivemos numa sociedade
ainda muito machista, que tem dificuldades
em compreender que as relações
entre homens e mulheres devem
ser igualitárias, respeitosas. E esse pensamento,
particularmente no campo da
violência doméstica, tem uma longa tradição
no campo do direito. Basta lembrar
que até muito pouco tempo atrás se absolviam
homens que matavam por suposta
legítima defesa da honra. Havia
uma condescendência com esse tipo de
comportamento masculino. Hoje não se
admite mais isso, mas o tipo de ideologia,
ou seja, esse tipo de pensamento não
mudou totalmente. Quer dizer, essa cultura
machista está enraizada nessa sociedade
que as feministas chamaram de
sociedade patriarcal, onde o poder masculino
é muito forte e se exerce sobre as
mulheres. Isso vem mudando, com certeza,
mas ainda permanecem as desigualdades
que precisam ser enfrentadas
e superadas.ø
Revista Elas por Elas - março 2012 33
HISTÓRIA
por Saulo Martins
www.joaodesousalima.com
As lendas, os mitos
e as revelações sobre
a vida da primeira
cangaceira
Maria Bonita:
amor e fuga
no cangaço
“Acorda, Maria Bonita! Levanta,
vai fazer o café! Que o dia já vem
raiando! E a Polícia já está de pé!” A
letra de Antônio dos Santos remonta
um pouco do cotidiano de alguns personagens
que vivenciaram os tempos
do cangaço no Nordeste brasileiro.
Entre esses sertanejos que decidiram
se enveredar na caatinga e acompanhar
o bando de Virgulino Lampião está
Maria Bonita, a primeira mulher cangaceira.
Não são poucas as lendas e anedotas
contadas a respeito da jovem baiana,
nativa da fazenda Malhada da Caiçara.
Muitos livros já foram escritos e, até
mesmo, as apostilas escolares trazem
relatos sobre a vida e a saga dessa nordestina.
No entanto, pesquisadores acreditam
que ainda existem muitos fatos a
serem explicados sobre a mulher que
abriu as portas para a figura feminina
no cangaço.
As revelações sobre a vida de Maria
Bonita ainda surgem nas publicações
recentes e estimulam pesquisadores
apaixonados pelo tema. De acordo
com o pesquisador João de Sousa
Lima, membro da Sociedade Brasileira
de Estudos do Cangaço, depois de décadas
de muita controvérsia sobre a
data de seu nascimento, o padre Celso
Anunciação e o historiador Voldir Ribeiro
descobriram que Maria Gomes de Oliveira
nasceu em 17 de janeiro de 1910.
O dado foi constatado no documento
do batistério, guardado pela igreja católica.
Tomando como base esses estudos,
o nascimento da rainha do cangaço
completou 102 anos em 2012.
Até essa descoberta, a data lembrada
era o dia 8 de março de 1911.
Outro ponto polêmico nos debates
recentes sobre a vida da mulher de
Lampião é em relação à maternidade.
Oficialmente, Maria Bonita teve apenas
uma filha, Expedita Ferreira da Silva.
“Das quatro gestações da cangaceira,
sabíamos apenas sobre Expedita.
Quando comecei a escrever o livro A
Trajetória Guerreira de Maria Bonita,
a Rainha do Cangaço, sempre que
perguntava aos meus entrevistados detalhes
sobre os gêmeos Arlindo e Ananias,
irmãos de Maria Bonita, ou obtinha
o silêncio por resposta ou escutava um
curto e desafiador resmungar: Ananias
não é irmão de Maria Bonita!”, relata.
João Lima conta que um dos primos
de Maria, chamado Manuel Maria dos
Santos, foi o primeiro a confidenciar
que Ananias era filho de Lampião e
Revista Elas por Elas - março 2012 35
Maria Bonita. Ele era ex-barqueiro acostumado
a atravessar, junto com o pai,
os cangaceiros que cruzavam o Rio
São Francisco. De acordo com o pesquisador,
muitas outras fontes confirmaram
a história.
“O Manuel ainda indicou mais pessoas
que poderiam atestar o que ele
estava dizendo e fui buscar a comprovação.
Dentre as pessoas que fizeram
seus relatos estão Servina Oliveira de
Sá (prima de Maria Bonita), Eribaldo
Ferreira Oliveira (sobrinho de Maria
Bonita), os irmãos Osvaldo, Olindina e
Maria Martins de Sá (primos de Maria
Bonita) e Firmino Martins de Sá, que
foi casado com Maria Rodrigues de Sá,
considerada a melhor amiga de Maria
Bonita”, ressalta João Lima.
Desvendado o mistério
O pesquisador continuou no rastro
das informações e constatou, após
árdua apuração, que Dona Maria Joaquina
Conceição Oliveira, “Dona Déa”,
mãe da Rainha do Cangaço, estava
grávida, e, por coincidência, Maria Bonita
havia engravidado quase que na
mesma época. Por questão de aproximadamente
dois dias, as duas mulheres
deram à luz a seus filhos.
“Diante das dificuldades da vida nômade
dos cangaceiros, Lampião arquitetou
deixar o filho com a sogra, para que
ela criasse as crianças como se fossem
gêmeas e assim aconteceu. O filho de
Dona Déa ganhou o nome de Arlindo
Gomes de Oliveira e o filho de Lampião
e Maria Bonita foi batizado como Ananias
Gomes Oliveira”, constata João.
Dos depoimentos que se tem registro
daquela época, o mais contundente
é o deixado por José Mutti, major reformado
do exército, que foi casado
com Antonia Oliveira (irmã de Maria
Bonita) e que escreveu o livro: Reminiscências
de um ex-comandante de
volante, que retrata com detalhes a
descoberta desse segredo.
“Aí está desvendado mais um dos
mistérios do cangaço, para registro histórico.
Vale salientar que Ananias concordou
fazer o exame de DNA, sendo
coletado sangue de dona Mocinha (irmã
de lampião), de Arlindo (o irmão gêmeo)
e do irmão Ozéas Gomes. A questão
foi parar na justiça, uma vez que a Expedita
e a Vera Ferreira (filha e neta de
Lampião e Maria Bonita) se negaram a
fazer os exames”, enfatiza João.
Para João Lima, as mulheres registraram
sua passagem também nas veredas
do cangaço. Todas tiveram
grande importância no contexto histórico.
Ele lembra que a cidade de Paulo
Afonso na Bahia, quando na época do
cangaço era distrito de Santo Antonio
da Glória do Curral dos Bois, foi lá o
palco principal da entrada da mulher
para as fileiras do cangaceirismo, sendo
Maria Bonita, a rainha do cangaço,
uma das que mais ganhou destaque
nesse meio.
O escritor também rebate algumas
definições dadas à Maria Bonita e aos
seus companheiros. “A questão de bandido
ou herói tem dividido opiniões,
porém o mais importante é o registro
dos fatos acontecidos, não podemos julgar
a história de um povo, de uma raça,
de uma comunidade. Toda a história
desde a criação é repleta de momentos
sangrentos, de guerras e de lutas. Precisamos
levar para as gerações vindouras
esses fatos, sem nada alterar ou modificar.
A polícia, que era quem devia proteger
a população, o sertanejo, foi muito
pior que os homens e mulheres que viviam
à margem da lei. A polícia matou,
estuprou, roubou mais. Muitos desses
crimes foram creditados aos cangaceiros.
É importante que escritores e estudiosos
do tema saibam manter a
imparcialidade na hora de retratar os
casos e deixem que a história e o tempo
decidam essas questões polêmicas e que
não cabem no olhar individual de algum
analista”, completa o escritor João de
Sousa Lima.
Em 63 anos de pesquisa sobre o
tema, o pesquisador paulista Antônio
Amaury Corrêa de Araújo reuniu mais
de 250 horas de conversa com cangaceiros
e mais de 7 mil entrevistas realizadas
sobre o assunto. “Existem muitas
lendas a respeito dos cangaceiros. E
em relação à Maria Bonita não é diferente.
A minha missão atual é ajudar a
contar a verdade sobre os protagonistas
desse movimento histórico e rebater
muitas mentiras que têm sido ditas e escritas
sobre o cangaço”, lembra.
Maria Bonita rompeu vários parâmetros
da época. Casou-se muito
jovem com um primo, mas logo se separou.
Conheceu Lampião em 1929 e
juntou-se ao grupo em 1931. Ela percorreu
junto com o companheiro cerca
de cinco estados e viveu pelo agreste,
durante cerca de oito anos. Acabou assassinada
pela volante policial em 28
de junho de 1938.
“Conversei com as irmãs de Maria e
ouvi muitas histórias sobre a rainha do
cangaço. Odilon Café apresentou o pai
de Maria para Lampião, juntamente com
outros fazendeiros que, posteriormente,
passaram a ser coiteiros de Lampião, ou
seja, deixavam que os cangaceiros se escondessem
nas fazendas. Como Lampião
tratou todas essas pessoas muito bem,
então deixou-se de ter aquele medo que
se espalhava do bando. A polícia tinha
grande interesse de colocar Lampião
como um homem que chegava nos lugares,
abusava das mulheres e criava confusão.
E as famílias ficavam reféns dessas
informações. Quando viram que nada
disso aconteceu, foi quebrada a mística”,
destaca Antônio.
Antônio lembra que no mesmo dia
em que Maria Bonita acompanhou
Lampião, a cunhada dela também decidiu
morar com o cangaceiro Ângelo
36
Roque. “Alguns já tinham mulheres.
Elas ficavam sob o cuidado de pessoas
de confiança, agora Maria foi a primeira
a ficar junto com o bando”, enfatiza.
Símbolo do movimento
feminista
A entrada das mulheres no cangaço
aconteceu por motivos diversos. Algumas
moças enxergavam a oportunidade
de uma vida melhor, pois cangaceiros
cobriam as mulheres de metais
preciosos. Algumas jovens eram trocadas
a peso de ouro pelos pais, outras foram
raptadas. No caso de Maria Bonita, ela
se encantou pelo líder do movimento.
Apesar de ser lembrada como um
dos símbolos do movimento feminista,
o pesquisador João Lima aponta que o
movimento do cangaço não tinha fins
políticos ou ideológicos. “Ela se tornou
sinônimo de mulher corajosa, decidida,
que rompeu parâmetros de uma época
para seguir um grupo comandado por
um homem que vivia à margem da lei.
Pode ter se tornado exemplo para algumas
outras mulheres, porém não foi
intencional, ela foi para o cangaço
apenas por ter se apaixonado por Lampião”,
destaca.
João Lima tenta definir Maria Bonita
em poucas palavras. “Era mulher corajosa,
decidida, acima de tudo, apaixonada
pelo homem que ela decidiu seguir.
Foi menina, criança, amiga, companheira
e mãe. Tomou banho de chuva,
se molhou em biqueiras e barreiros,
fez bonecas de pano e de milho, correu,
caiu levantou, amou, sofreu, sorriu,
chorou, colheu flores, sentiu o calor
causticante do sertão, divisou o verde
em certos momentos, foi amada, ferida,
feliz e sofrida, foi mulher sertaneja, de
brio, forte, serena, severa, amamentou,
partiu, voltou, tombou crivada de balas,
uma mulher comum, porém com uma
história diferenciada de todas as outras
de sua época e de seu convívio”.ø
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Revista Elas por Elas - março 2012 37
COMPORTAMENTO | por Saulo Martins
fotos Mark Florest
Rilary Katlen
Entre a
imagem real
e a ideal
Mídia impõe padrões
de beleza inatingíveis
para as mulheres
Decidida a mudar o visual dos seus
cabelos anelados, a estudante Rilary
Katleen Carapiá resolveu fazer uma escova
progressiva. Mas, ao procurar um
salão de beleza no centro de Belo Horizonte,
ela não esperava que um simples
tratamento capilar a levasse a um hospital.
Após a escova, Rilary começou a
sentir fortes dores de cabeça e enjôo,
sintomas que a induziram a procurar
um médico.
O formol, substância utilizada nesse
tipo de intervenção, causou uma intoxicação
que, se não fosse constatada e
medicada a tempo, poderia levá-la a
um quadro mais grave. “Eu queria simplesmente
ficar mais bonita e ter um
cabelo mais prático, liso. Nunca imaginei
que isso pudesse acontecer comigo.
Agora vou tomar mais cuidado”,
comenta Rilary, que apesar do risco,
ficou feliz com o resultado: cabelos
bem lisos.
A história dessa jovem é semelhante
à de muitas outras mulheres que se arriscam,
sem medir as consequências,
em busca de um padrão de beleza, que
muitas vezes é inatingível. Estimuladas
pela publicidade das grandes marcas
de cosméticos e das grifes famosas,
milhares de mulheres vivem em busca
da beleza ideal.
O padrão de beleza imposto às mulheres
pode ser um problema social.
Essa é a visão da psicóloga Rachel Moreno,
autora do livro A Beleza Impossível
– Mídia Mulher e Consumo. “Esse
ideal de beleza é imposto de uma maneira
autoritária, mas, sutilmente autoritária,
porque, na verdade é uma promessa
de felicidade ao alcance das
mãos. E para alcançá-la basta comprar
os produtos adequados. Mas, no fundo
é impositivo e quase que ditatorial”,
comenta a psicóloga.
De acordo com Rachel Moreno,
nós somos absolutamente manipulados,
pois vivemos num mundo no qual não
importa mais o que queremos, o que
fazemos e o que somos. “O grau de
importância de uma pessoa é determinado
por aquilo que ela tem e pelo que
ela aparenta ser. Daí a importância da
aparência física. É nesse sentido que o
nosso desejo é organizado e o nosso
comportamento direcionado. Todas as
Revista Elas por Elas - março 2012 39
ações publicitárias estimulam as pessoas
a se esforçarem no sentido de alcançar
esse ideal de beleza que é colocado
para nós e que acaba resolvendo o
problema da sociedade de consumo e
não o nosso”, alfineta Rachel.
Para Alexsandra, cuidar-se faz bem para a autoestima
Alta, magra e loira
A psicóloga enfatiza que, por mais
que as pautas das mulheres tenham
evoluído, a mídia faz questão de dizer:
“Escuta aqui, minha filha, você tem
que ser alta, magra, loira e comportamento
que dá certo é você tirar a
roupa e mostrar o corpo, porque do
contrário ninguém vai te escutar. Eles
reiteram os valores ultrapassados e
antigos, passando por cima de todos
os avanços e conquistas que conseguimos
e utilizam ícones de beleza
para nos dar o recado”, diz Rachel
Moreno.
“A mídia interfere na formação da
autoimagem das mulheres e gera um
40
desconforto entre essa imagem ideal e
a imagem real. Geralmente, as transformações
que as mulheres realizam
em busca dessa perfeição atingem o
meio do caminho, então fica aquela
distância entre o que você já foi um dia
e aquilo que você gostaria de ser. Isso
se transforma em uma angústia, provocada
por essa tentativa desenfreada
de chegar nessa imagem idealizada pela
publicidade. No caso das mulheres negras,
nós sofremos dupla discriminação”,
lembra a mestre em educação Carolina
dos Santos Oliveira.
De acordo com Carolina dos Santos,
o corpo da mulher negra é visto como
problemático, seja pela mídia em geral
ou por publicações específicas. Ela explica
que as revistas para jovens, por
exemplo, dão dicas de como afinar o
nariz, reduzir o quadril e alisar o cabelo.
“A grande questão não é deixar de manipular
os corpos, isso é uma coisa ancestral.
O foco é discutir esse modelo a
ser alcançado, que nunca será atingido.
E para a mulher negra isso é praticamente
impossível”, diz.
A mestre em educação afirma que
não existe espaço para a diferença.
Segundo Carolina, até dá para conviver
desse jeito, mas, não é o ideal. “Esse
tratamento dado pela sociedade diminui
a mulher e limita a sua participação
em inúmeras áreas de seu interesse.
Às vezes, a própria mulher não está
preocupada com esse padrão, mas,
ela não é levada a sério, não tem voz
e não é vista como alguém ativo, um
ser social que não passa da imagem.
Sempre existe uma intenção por trás
das ações midiáticas e educacionais. É
preciso prestar atenção aos papéis
que são colocados para as mulheres”
enfatiza.
A bacharel em Direito Alexsandra
de Freitas Silva sentiu diferença em
sua vida quando passou a se preocupar
mais com os padrões estéticos de beleza
exigidos das mulheres como estar
sempre com as unhas feitas, pele bem
cuidada, maquiagem, cabelo e roupas
da moda. “Até me casar, eu não era
uma mulher muito preocupada com a
imagem, no entanto, o convívio social,
principalmente no trabalho, incentivoume
a repaginar o meu visual. Senti a
necessidade de me cuidar melhor. Isso
dá trabalho, mas me sinto mais bonita
e mais segura. Com isso, percebi que
o meu relacionamento com as pessoas
melhorou significativamente, o que me
deixa feliz”, relata.
Para ela, cuidar-se faz bem para a
autoestima, mas tudo tem um limite.
“Há muitas mulheres angustiadas por
não alcançarem o ideal de beleza, normalmente
eurocêntrico, imposto pela
mídia e muitas vezes, essa busca incessante
por algo inatingível pode trazer
consequências negativas tanto no lado
estético quanto para o psicológico”,
completa Alexsandra.ø
Revista Elas por Elas - março 2012 41
Internet
GÊNERO E EDUCAÇÃO | por Cecília Alvim
Formar para transformar
Professores se capacitam para promover
equidade de gênero na escola
42
As desigualdades persistentes entre
as mulheres brasileiras; a concentração
das mulheres em cursos e carreiras
ditas “femininas"; a baixa valorização
das profissionais de educação básica; o
acesso desigual à educação infantil; a
manutenção de uma educação sexista,
homofóbica/lesbofóbica, racista e discriminatória
são alguns dos desafios
para a garantia da equidade de gênero
no espaço escolar, apontados no Informe
Brasil – Gênero e Educação. O
documento traça um panorama sobre
essa temática e apresenta recomendações
que teriam repercussões diretas
no campo das políticas públicas.
O informe brasileiro, apresentado
na audiência pública da Comissão Interamericana
de Direitos Humanos da
Organização dos Estados Americanos
(OEA), realizada em outubro de 2011,
em Washington, foi produzido no marco
da Campanha Educação Não Sexista e
Antidiscriminatória pela organização
Ação Educativa. A Campanha tem a
colaboração da organização Ecos – Comunicação
e Sexualidade e do Centro
de Referência às Vítimas de Violência
do Instituto Sedes Sapientiae.
Os números apresentados pelo informe
apontam que as desigualdades
de gênero na educação ainda não foram
superadas, como defendem alguns setores
governamentais e da sociedade
civil. Em números absolutos, as mulheres
ainda constituem a maioria dos analfabetos
com mais de 10 anos de idade
no país, apesar da diferença entre os
sexos ter diminuído ao longo da última
década, segundo o Observatório da
Equidade. Se em 2001, havia cerca de
7,2 milhões de homens e 7,8 milhões
de mulheres analfabetos, em 2008,
este número passou para 6,9 milhões
e 7,2 milhões, respectivamente, revelando
um ritmo maior de queda entre
as mulheres.
“É importante observar que nos documentos
oficiais não se nega a existência
de grandes desafios com relação
à situação das mulheres no mercado
de trabalho, na saúde, na violência doméstica,
no acesso ao poder, ao direito
à moradia, mas na educação, a agenda
perde potência, apesar de se considerar
que o investimento na educação é estratégico
para o enfrentamento das diversas
desigualdades, discriminações e
violências de gênero que continuam
presentes no cotidiano e para o acesso
de mulheres e homens a outros direitos
humanos”, destaca o informe.
Esperança
Mas a pesquisa também desenha
um cenário de esperança para as mulheres
no que diz respeito ao aumento
do grau de escolarização feminina.
Desde 2004, elas representam cerca
de 55% da população com nível superior
completo (graduação) e superaram
os homens em obtenção de títulos de
doutorado. No entanto, quando se
trata dos níveis mais elevados de escolarização
(pós-graduação em geral), as
mulheres respondem por apenas 43%
do total de pessoas com mais de 16
anos de estudo.
Esses e outros dados do informe indicam
que as discriminações de gênero
ainda se perpetuam na educação brasileira.
“Não se pode negar o avanço
expresso nos indicadores nacionais de
educacão com relação ao acesso das
mulheres à escolarização. Porém, essa
conquista é insuficiente para afirmar
que o país tenha alcançado a equidade
entre homens e mulheres na educação
e cumprido as metas internacionais de
uma educação não-sexista e não-discriminatória”,
problematiza o documento.
Saiba mais:
http://educacion-nosexista.org
Revista Elas por Elas - março 2012 43
Informe Brasil recomenda
ampliar conteúdos sobre gênero
Ampliar a oferta de conteúdos referentes
a relações sociais de gênero e sexualidade
na formação inicial e continuada
de professores. Esse é um dos principais
desafios apontados pelo Informe Brasil
para promover a equidade de gênero na
educação. Segundo o documento, esses
conteúdos ainda estão pouco presentes
nos cursos de licenciatura das universidades
públicas e privadas. Quando aparecem
nos currículos, com frequência,
constam como disciplinas opcionais, o
que dificulta ainda mais o reconhecimento
por parte dos futuros professores sobre
a importância da temática de gênero ser
abordada na escola.
Para a professora doutora Carmem
Lúcia Costa, é preciso que os cursos
de licenciatura ofereçam disciplinas que
orientem os professores para a melhor
abordagem de temáticas como a de
gênero na escola. “Não adianta termos
Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs) que trazem os temas transversais
se os professores não estão preparados
ou não têm formação para lidar com
os mesmos”, destaca.
“Entendemos que o Ministério da Educação
e os Conselhos Universitários devem
atuar de forma decisiva nessa situação e
que o SINAES (Sistema Nacional de Avaliação
do Ensino Superior) deve ser usado
para induzir a incorporação desses conteúdos”,
destaca o informe. Com relação
à formação continuada, o documento
aponta, ainda, que é fundamental consolidar
os programas já existentes no Ministério
da Educação e considerar seus
conteúdos como questões estratégicas e
estruturantes da Política Nacional de Formação
dos Profissionais de Educação,
elaborada pelo Conselho Nacional de
Educação Básica, da Capes.
Um desses programas desenvolvidos
atualmente pelo Ministério da Educação
é o curso Gênero e Diversidade na Escola
(GDE). Ofertado pela primeira vez em
um projeto piloto em 2006, tem como
objetivo capacitar profissionais da educação
das redes pública e privada para
lidar com a diversidade nas salas de aula,
a partir do enfrentamento de atitudes e
comportamentos preconceituosos em relação
a gênero, raça/etnia e à orientação
sexual.
Especialização a distância
160 professores estão cursando a
especialização em GDE através da Universidade
Federal de Goiás (UFG). O
Núcleo de Estudos e Pesquisas Dialogus,
do Campus Catalão, está promovendo
uma edição do curso. Oferecido a distância,
por meio do ambiente virtual
de aprendizagem Moodle, o curso prevê
atividades presenciais, que são desenvolvidas
nos pólos de apoio presencial
da UAB, em Catalão, Inhumas, Itumbiara
e Morrinhos.
Diversidade, Gênero, Metodologia
da pesquisa, Sexualidade e orientação
sexual, Relações étnico-raciais, Metodologia
do ensino superior e Produção
do artigo final são as sete disciplinas
que compõem as 360 horas da especialização.
Ao longo do curso, os professores
debatem, em grupo, as temáticas
relacionadas a gênero e diversidade,
a partir de subsídios proporcionados
por material didático específico.
Identidades de gênero
Os homens são minoria nas turmas.
A proporção é de 1 homem para cada
10 mulheres. “Acredito que isso ocorra
em função também da feminização do
trabalho docente em Goiás”, afirma
Carmem Lúcia, que é coordenadora
administrativa do curso na UFG. Segundo
ela, os homens apresentam mais
resistência a alguns conteúdos. “A dis-
III Encontro Presencial do GDE, realizado em 26 de novembro de 2011, em Luís Gomes/RN.
Internet
44
ciplina sobre sexualidade e orientação
sexual é a que provoca mais debate
entre os alunos, porque é onde acontece
o enfrentamento das identidades de
gênero”, analisa Carmem Lúcia.
Para a professora Carmem, a educação
brasileira ainda reforça os padrões
da heteronormatividade, do não respeito
às diferenças, da violência. No entanto,
ela vê uma saída para que esse triste
quadro seja superado. “Ainda vivemos
em uma sociedade com preconceitos e
discriminação, e só outra educação poderá
mudar isso”. E é com esse olhar
de esperança que ela já começa a ver
os frutos do curso que coordena. “Os
professores afirmam, em seus depoimentos,
que mudam de atitude com
seus alunos a partir do momento em
que descobrem a importância de se
discutir esses conteúdos em sala de
aula e nos projetos que desenvolvem
em suas escolas”, conta.
Educação para a diversidade
O curso Gênero e Diversidade na
Escola é ofertado como aperfeiçoamento
(200h) e como especialização (360 h)
na modalidade semipresencial, através
do sistema Universidade Aberta do
Brasil (UAB). Foi desenvolvido por meio
da parceria entre o Ministério da Educação,
a Secretaria de Políticas para as
Mulheres (SPM), a Secretaria de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial
(SEPPIR), o British Council e o Centro
Latino Americano em Sexualidade e
Direitos Humanos da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro
(CLAM/UERJ). Em 2008, o curso foi
integrado à Rede de Educação para a
Diversidade (Rede), por meio da UAB.
29 Instituições Públicas de Ensino
Superior (IPES) ofertam o curso em diferentes
estados do Brasil: IFPA, UEG,
Uema, UEPG, Ufal, UFG, Ufma,
UFMG, UFMS, UFOP, Ufpa, UFPB,
UFPE, UFSC, Ufscar, UnB, Unesp,
Unimontes, UFPI, UFS, Furg, Ufes,
Ufla, Unifap, UFMT, UFG, Ufam, UFRN
e UFRR.
Entre 2009 e 2010, a Universidade
Federal de Minas Gerais ofertou o curso
Gênero e Diversidade na Escola, em
parceria com o MEC. Há projeto para
a realização de nova edição do curso,
mas ainda não há data prevista para
novas inscrições.
Segundo o MEC, até 2011, 31.629
profissionais da educação passaram
pelos cursos e a previsão é de que até
2014 mais 60 mil professores se capacitem
nas temáticas de gênero. Esses
números criam perspectivas de que o
olhar transformado e transformador
desses professores ajude a construir, a
partir da escola, uma cultura de menos
discriminação e mais respeito às diferenças,
em um mundo que valorize a
riqueza da diversidade humana.
Curso Gênero e
Diversidade na Escola
Ano Vagas já ofertadas
2006 1.000
2008 13.349
2009 3.550
2010 2.730
2011 12.000
Total 31.629
Metas 2012-2014
Ano Previsão de vagas
2012 10.000
2013 20.000
2014 30.000
Fonte: MEC
Desigualdades de gênero
são tema de mestrado
Também em Goiás as temáticas de
gênero estão no currículo de formação
de professores que cursam pós-graduação.
As transformações no mundo
contemporâneo e o seu impacto no
trabalho, na educação e na qualificação
profissional de homens e mulheres,
bem como suas implicações com a profissão
e a formação de professores(as)
são alguns dos assuntos abordados na
disciplina Educação, Trabalho e Gênero,
oferecida pelo mestrado em Educação
da PUC Goiás.
Para a professora da disciplina,
Lúcia Rincon, que é mestre em História
e doutora em Educação, ainda falta
entre os estudantes de mestrado e doutorado
consciência sobre a existência
da discriminação em seus diferentes níveis
e situações. “O maior desafio é
contribuir para que as pessoas entendam
as imbricações ideológicas que mantém
as relações de exploração, discriminatórias
e patriarcais, bem como o papel
que cumprem na manutenção da sociedade
de classes capitalista”, avalia.
Segundo Lúcia, o Informe Brasil
faz um diagnóstico pertinente sobre a
ausência das questões de gênero nos
currículos de formação universitária,
em particular os de licenciatura. No
entanto, para ela, esse quadro já está
começando a mudar. “Livros didáticos
têm sido analisados antes de serem indicados
e novos programas têm sido
desenvolvidos, o que é positivo, pois
demonstra que tem crescido a preocupação
e as ações de gestores públicos
relativas a abordagens necessárias para
a progressiva superação das desigualdades
e preconceitos de gênero no espaço
escolar”, analisa.ø
Revista Elas por Elas - março 2012 45
RIO+20
por Débora Junqueira
Foto: Cecília ALvim
Mobilizadas
em defesa
do planeta
Feministas se
preparam para a
Conferência das
Nações Unidas sobre
desenvolvimento
sustentável
“Se todo o dinheiro utilizado na
guerra fosse usado para acabar com a
pobreza e para achar soluções para os
problemas ambientais, que lugar maravilhoso
a Terra seria”. Esse é um trecho
do discurso da menina canadense, Severn
Suzuki, que emocionou o mundo
durante a ECO 92 (Conferência das
Nações Unidas para o Meio Ambiente
e o Desenvolvimento). Vinte anos depois,
líderes de várias partes do mundo
e representantes da sociedade civil se
preparam para um novo encontro no
Rio de Janeiro.
De 20 a 22 de junho deste ano,
acontecerá a Conferência das Nações
Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável,
conhecida como Rio+20. Paralelamente,
será realizada a Cúpula dos
Povos por Justiça Ambiental e Social,
em defesa dos bens comuns, organizada
por movimentos sociais em âmbito
mundial. Estará em discussão quem
paga a conta da degradação do Planeta
e a quem cabe a governança mundial.
A Eco 92, que também contou com
a participação ativa da sociedade civil
organizada, rendeu a criação de vários
documentos importantes como a
Agenda 21, a Carta da Terra e as Convenções
do Clima e da Diversidade
Biológica, incluindo o tema socioambiental
na agenda pública. A mobilização
das mulheres também foi importante
para consolidar a visão de que feminismo
e meio ambiente estão intrinsecamente
ligados. No entanto, atingida a marca
dos sete bilhões de habitantes no planeta,
os desafios para ultrapassar a
crise ambiental e as injustiças sociais e
as desigualdades de gênero continuam.
O contexto exige da Conferência
Rio+20 um sentido de urgência para a
superação da crescente insustentabilidade,
tanto do ponto de vista econômico,
quanto social e ambiental. É fundamental
promover uma mudança de paradigma
no modelo de produção e consumo na
direção da sustentabilidade e da justiça
social. Esse é um consenso entre diversas
instituições que assinam o documento
“Acordo sobre o Desenvolvimento Sustentável
– Contribuições para a Rio+20”,
elaborado pelo Departamento Intersindical
de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos
(Dieese) juntamente com o Conselho do
Desenvolvimento Econômico e Social
(CDES).
A Rio+20 é uma conferência global
com inúmeros atores. Além dos países
membros da ONU, participam da organização
sete categorias da sociedade
Revista Elas por Elas - março 2012 47
civil (28 pessoas), representantes de
movimentos sociais, sindicais, de mulheres,
da juventude, de agricultores,
empresas, academias, ongs, entre outros.
Um dos temas centrais da Conferência
será a economia verde no contexto
da erradicação da pobreza e do
desenvolvimento sustentável e governança.
Segurança alimentar e agricultura
sustentável; segurança hídrica; energia
renovável e eficiência energética; urbanização
sustentável; gestão dos oceanos;
e preparo e adaptação a desastres,
serão temas que farão parte da pauta.
Se essas conferências servem para
renovar os compromissos políticos e
fazer um balanço do que não foi feito,
pelo visto não será possível esperar
grandes decisões da Rio+20. De qualquer
forma, será um espaço de importantes
discussões e de oportunidades para que
a sociedade organizada se posicione e
reafirme seus ideais para o futuro.
Segundo o sociólogo Boaventura
de Souza Santos, em palestra durante
o Fórum Temático 2012, realizado em
Porto Alegre, a Rio+20 será nada mais
do que uma afirmação do capitalismo,
onde serão apresentadas novas formas
de investimento sob a “falsa ideia” de
que o capitalismo verde é mais sustentável
que o capitalismo em vigor.
“Economia verde”
“Na verdade, a “economia verde”
surge como uma alternativa do sistema
capitalista mundial de se revestir de faceta
ambiental e dizer que está preocupado
com as crises alimentar, energética,
climática e econômica do Planeta”,
opina Laura Jesus de Moura e Costa,
doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento,
Secretária de Defesa do
Meio Ambiente da Central dos Trabalhadores
e Trabalhadoras do Brasil
(CTB-PR) e Coordenadora Geral do
Centro de Estudos, Defesa e Educação
Ambiental - CEDEA e da União Brasileira
de Mulheres (UBM-PR).
As críticas à chamada “economia
verde” (um novo conceito que deverá
substituir o esvaziado conceito de desenvolvimento
sustentável) serão a tônica
da Cúpula dos Povos, que pretende
reunir cinco mil pessoas entre os dias
15 e 23 de junho no Aterro do Flamengo.
“O discurso de economia verde vem
para legitimar o processo de mercantilização
da natureza com a presença de
empresas nos territórios”, reforça a socióloga
Tica Moreno, militante da
Marcha Mundial das Mulheres e da
Sempreviva Organização Feminista
(SOF) e membro do Comitê Facilitador
da Cúpula dos Povos. Para a Marcha
Mundial das Mulheres (MMM) a Rio+20
também pode se converter em um processo
mundial de forte mobilização que
fortaleça as lutas e resistências pela sobrevivência
através da construção de
alternativas não-capitalistas como a soberania
alimentar.
“Defendemos o desenvolvimento com
valorização do trabalho e sustentabilidade
socioambiental, que garanta o fim da
pobreza, melhor distribuição da riqueza,
preservação da natureza, democracia,
soberania nacional, autodeterminação
dos povos, integração solidária dos povos
e principalmente da América Latina, a
paz mundial e o combate ao imperialismo
e à governança bélica do Planeta”, afirma
Elza Maria Campos, coordenadora da
União Brasileira de Mulheres (UBM) e
integrante do Conselho Nacional de Direitos
da Mulher.
Para Elza, a crise ambiental é parte
da crise do capitalismo. “A consciência
sobre os problemas ambientais é crescente
em todo o planeta, mas as propostas de
enfrentamento são assimétricas, principalmente
porque estão ligadas aos interesses
geopolíticos dos países ricos que
têm posição hegemônica nas relações
mundiais de poder”, explica.
Cúpula dos povos
As discussões na Cúpula dos Povos
vão girar em torno de três eixos: análise
das causas estruturais da crise, as falsas
soluções do mercado, principalmente
na questão climática e apresentação
das soluções que os movimentos têm
construído como a agroecologia e segurança
alimentar. Por último, o debate
será em torno das lutas comuns dos
movimentos. “Será uma boa oportunidade
para os movimentos acumularem
forças”, acredita Tica Moreno.
“A sociedade civil global, organizações,
coletivos e movimentos sociais
ocuparão o Aterro do Flamengo para
propor uma nova forma de se viver no
planeta, em solidariedade, contra a
mercantilização da natureza e em defesa
dos bens comuns”, divulga a organização
da Cúpula. Eles também pretendem
promover uma passeata para marcar a
abertura do evento e uma grande mobilização
já no dia 5 de junho, dia do
meio ambiente, para chamar a atenção
da sociedade. “Daremos a mensagem
clara de que a gente não quer falsas soluções,
queremos uma mudança de paradigmas”,
confirma a feminista.
Participação das mulheres
Segundo a Articulação de Mulheres
Brasileiras (AMB), em seu boletim divulgado
na internet, as demandas das mulheres
tanto para a Rio+20 oficial quanto
para a Cúpula dos Povos giram em torno
da “implementação dos princípios da
Eco 92 e da Agenda 21, uma maior participação
política das mulheres nas decisões
sobre desenvolvimento sustentável,
maior acesso aos recursos, além do protagonismo
das mulheres como agentes
de mudança, a sua valorização como
portadoras dos conhecimentos tradicionais
e de contribuições para a mitigação das
mudanças climáticas, e a conservação
da biodiversidade”. A Agenda 21 traz
no capítulo 24 (Ação mundial pela mulher,
48
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Ministros participam da discussão sobre o texto báse da Rio+20 elaborado no ano passado
com vistas a um desenvolvimento sustentável
e equitativo) um plano de ações,
endossadas internacionalmente, direcionado
para as mulheres.
Para Tica Moreno, o debate ambiental
tem que estar articulado com a questão
mais geral da sociedade como as desigualdades
entre homens e mulheres.
“Da mesma forma que o sistema capitalista
usa os recursos naturais como se
fossem inesgotáveis, usam também o
trabalho e o tempo das mulheres como
se fossem recursos inesgotáveis”, avalia.
Segundo ela, o mercado identifica a importância
das mulheres e a utiliza para
beneficiar-se, sem contribuir para a transformação
da realidade das mulheres.
A socióloga explica que a crise ambiental
afeta as mulheres de várias
formas. “A violência sexista costuma
ser agravada quando há catástrofes ambientais;
as mulheres ficam à frente da
reconstrução dos territórios e isso nem
sempre é reconhecido. O controle populacional
nos países pobres também
contribui para a intervenção nos corpos
das mulheres”, exemplifica. Para a
Marcha Mundial das Mulheres, a Rio+20
será marcada pelo protesto anticapitalista
e pela defesa dos bens comuns na
construção da igualdade. “Além de
exigir uma mudança de paradigma ambiental,
as mulheres vão levantar a bandeira
da necessidade de autonomia econômica
como eixo estruturador na construção
da igualdade”, conclui.
Mais uma vez, as mulheres estão
dispostas a dar a sua contribuição para
a sustentabilidade econômica, social e
ambiental do Planeta. Portanto, a
Rio+20 e a Cúpula dos Povos promete
ser um momento histórico para o movimento
de mulheres e para toda a população
do planeta.ø
Para a Marcha Mundial das Mulheres, a Rio+20 será marcada por protestos anticapitalistas
Cecilia Alvim
Revista Elas por Elas - março 2012 49
Mark Florest
RAÇA | por Cecília Alvim
Estatuto garante direitos
às mulheres negras
Lei gera polêmica
entre o movimento
negro e ainda é pouco
conhecida pela
sociedade
Matilde da Conceição Santos, 39
anos, é operadora de máquinas. Trabalha
no setor de tecelagem há 20
anos. Tem 6 filhos, três crianças e três
adolescentes. Entra no trabalho às dez
horas da noite e sai às seis da manhã.
Prefere esse turno, pois pode ficar
com os filhos e cuidar da casa durante
o dia. Veio de Alvinópolis para Belo
Horizonte há três anos, em busca de
um salário melhor para sustentar a família,
coisa que sempre fez sozinha.
Já ouviu falar do Estatuto da Igualdade
Racial, mas diz não saber como
funciona na prática. Matilde é testemunha
de que o racismo ainda existe
no Brasil. Ela conta que já foi vítima
de discriminação por parte de colegas
quando era estudante.
A operadora de máquinas estudou
até a 8ª série, mas acredita que os filhos
podem ir mais longe, por isso
procura incentivá-los nos estudos. No
entanto, ela percebe que o preconceito
acontece também na escola,
onde é possível notar a segregação.
"Vejo que as crianças se separam em
grupos de brancos e grupos de negros.
Tenho medo de que amanhã ou
depois aconteça alguma discriminação
com meus filhos", comenta. Ela diz,
ainda, que as oportunidades no mercado
de trabalho são melhores para
"os brancos". "Essa situação já melhorou
muito, mas ainda é muito desigual".
Negra, Matilde sabe também que
as mulheres nessa condição, muitas
vezes, sofrem duplamente o preconceito
de uma sociedade que ainda
apresenta fortes traços de machismo e
discriminação. "As mulheres são mais
prejudicadas, sim", conclui. Ela sonha
com uma sociedade onde todos sejam
tratados com respeito. "Não entendo
o racismo, porque somos todos feitos
da mesma carne, estamos no mesmo
mundo".
Marco legal
O Estatuto da Igualdade Racial foi
sancionado em 20 de julho de 2010,
como lei 12.288/2010, pelo então
presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Criado para garantir à população negra
a efetivação da igualdade de oportunidades,
a defesa dos direitos étnicos individuais
e coletivos e o combate à discriminação
e às demais formas de intolerância
étnica, o Estatuto completa,
em julho próximo, dois anos de vigência.
O Estatuto reconhece a desigualdade
de gênero e raça, faz referências à
marginalização da mulher negra no trabalho
artístico e cultural e também assegura
atenção às mulheres negras em
situação de violência, garantida a assistência
física, psíquica, social e jurídica.
No capítulo sobre trabalho, assegura o
acesso ao crédito para a pequena produção,
nos meios rural e urbano, com
ações afirmativas para mulheres negras.
A Lei alcança cerca de 90 milhões
de pessoas e em seus 65 artigos tenta
corrigir desigualdades referentes às
oportunidades e direitos dos descendentes
de escravos do país, que atualmente
representam 50,6% da sociedade
brasileira. Mas o que mudou na realidade
da população negra brasileira a partir
da instituição desse marco legal?
O senador Paulo Paim (PT-RS),
autor do projeto que deu origem à lei,
considera a aprovação do texto um
avanço na ampliação dos direitos das
pessoas que sofrem discriminação.
"Quando se aprova um estatuto para
combater o preconceito significa que a
sociedade e o Congresso reconhecem
que o preconceito é forte no Brasil".
De acordo com Paim, o Estatuto representou
um marco jurídico, histórico,
social e moral em defesa de uma população
historicamente marginalizada. “A
conquista desta lei representa um caminho
sem volta para a inclusão”,
afirmou.
Revista Elas por Elas - março 2012 51
Depois de tramitar por quase uma
década no Congresso, o Estatuto ainda
precisa ser regulamentado, através de
leis específicas que viabilizem sua aplicação.
No entanto, há alguns artigos
que são autoaplicáveis, como o 40,
que prevê o investimento de recursos
do Fundo de Amparo ao Trabalhador
em programas e projetos voltados para
a inclusão da população negra no mercado
de trabalho, e o artigo 51, que
cria Ouvidorias Permanentes em Defesa
da Igualdade Racial, para "receber e
encaminhar denúncias de preconceito
e discriminação com base em etnia ou
cor e acompanhar a implementação
de medidas para a promoção da igualdade".
Efetivar direitos
Frei David Santos, diretor executivo
do projeto Educação e Cidadania de
Afrodescendentes (Educafro), acompanhou
a tramitação da lei no Congresso,
e considera o Estatuto uma grande
conquista. “Avançamos no que foi possível.
Não é a lei ideal, mas já garante
direitos importantes. É melhor ter um
Estatuto possível na mão como ferramenta
do que um documento ideal,
parado nas gavetas do Congresso”,
avalia.
Ele lamenta, porém, que alguns
pontos importantes tenham ficado de
fora quando da aprovação da lei, como
a previsão de cotas de 20% para negros
nas universidades, no serviço público,
nas empresas particulares, e na mídia,
a definição de verbas, o direito aos territórios,
e a diferenciação entre discriminação
institucional e discriminação
individual. No entanto, segundo Frei
David, um ponto importante aprovado
foi o artigo 15, que diz que o poder
público deverá investir em ações afirmativas,
o que, na opinião dele, poderá
colaborar para uma progressiva redução
das desigualdades raciais.
“O Estatuto revelou o quanto a comunidade
negra está com o poder político
bastante reduzido, o quanto a esquerda
ainda não está levando a sério
a causa do negro, e o quanto a direita
conseguiu, mais uma vez, impor sua
visão colonialista que se perpetua até
hoje”, apontou Frei David, defensor
dos direitos da população negra há
trinta anos.
Frei David destaca que, embora haja
muitos desafios pela frente, já há iniciativas
isoladas de implementação do
Estatuto em estados e municípios, como
no Rio de Janeiro, onde as cotas foram
instituídas em concursos públicos, e na
cidade de São Sebastião, em São Paulo,
onde foi criado um roteiro turístico étnico-racial,
como prevê a lei.
O Estatuto trabalha com temas transversais,
como cultura, educação e trabalho,
por isso deve envolver um esforço
de diversos ministérios, governos e entidades
sociais, para sua efetivação.
Para Frei David, a sociedade deve pressionar
as instâncias do governo a adotar
políticas de ações afirmativas. “Cabe a
nós, comunidade negra, saber usar estrategicamente
essa ferramenta de luta
que é o Estatuto”, afirma.
José Cruz/ABr
Para Movimento
Negro Unificado,
Estatuto é carta
de intenções
Senador Paulo Paim e integrantes do movimento negro comemoram a aprovação da lei
Ainda que o Estatuto da Igualdade
Racial seja considerado um avanço por
grande parte da sociedade, há muitas
críticas por parte do movimento negro,
que teme por efeitos contrários aos pretendidos.
Para Ângela Gomes, coordenadora
estadual do Movimento Negro
Unificado (MNU) e professora doutora
em Geografia, que leciona na rede particular,
o Estatuto tende a minimizar a
gravidade de uma cultura racista que
ainda prevalece no Brasil. “É preciso
52
não reforçar o mito da democracia racial,
porque o racismo não acabou com essa
lei. Temos uma sociedade racista que
não admite o racismo”, destaca.
Ângela conta que o Estatuto era inicialmente
um documento do movimento
social, que visava garantir os direitos
da população negra, mas durante sua
longa e controversa tramitação no Congresso,
foram cortados pontos fundamentais,
que inviabilizam sua aceitação
e implementação. “A lei não garante a
penalização do crime de racismo, o direito
aos territórios étnicos negro-africanos,
como terreiros de candomblé e
Estatuto prevê ações afirmativas para as mulheres negras
Saulo Martins
umbanda, territórios quilombolas e escolas
de samba, e tantas outras demandas
históricas do povo negro. Por
tudo isso, consideramos que o Estatuto
é uma carta de intenções neoliberal,
retrógrada, esvaziada, que não cria
meios de reduzir a violência provocada
pelo racismo, e acaba por gerar ainda
mais passividade social”, avalia.
“O crime racial é praticado cotidianamente
no Brasil, porém é camuflado,
naturalizado”, denuncia Ângela Gomes.
Segundo ela, há uma pena de morte
não-oficial que atinge mais duramente
os afrodescendentes. “Há um grande número
de negros que são vítimas do tráfico
de drogas, da prostituição, de subempregos,
do abandono nas ruas, da violência,
da truculência policial, da educação
preconceituosa que ainda prevalece em
nossa sociedade”. Ela lamenta que o Estatuto
da Igualdade Racial não tenha trazido
propostas e normas mais claras e
rígidas que colaborem para a superação
dessa triste realidade. “O racismo é um
mecanismo capitalista de exclusão e de
genocídio, que, infelizmente, ainda mata
em nosso país”.
Leis ampliam
consciência de direitos
Rosa Margarida de Carvalho Rocha,
professora e escritora, desenvolve um
projeto, na Escola Estadual Dom Bosco,
de implementação da lei 10.639, que
determina a inclusão do ensino de história
da África e dos afrodescendentes
nos currículos escolares. Ela entende a
lei e também o Estatuto como mecanismos
de conscientização dos estudantes
para o reconhecimento de sua
origem e para a superação de preconceitos.
“Há instituições de ensino que
trabalham esses conteúdos, mas ainda
é um desafio ampliar tal debate junto à
comunidade escolar”.
Integrante do Núcleo de Relações Étnico-Raciais
e de Gênero, da Prefeitura
de Belo Horizonte, Rosa Margarida afirma
que o Estatuto da Igualdade Racial deve
ser abordado como um dos temas centrais
dentro da disciplina prevista na lei 10.639,
especialmente junto aos alunos das séries
finais do Ensino Fundamental, do Ensino
Médio e das turmas de Educação de Jovens
e Adultos. “Assim, esses estudantes
passam a ter mais consciência de seus
direitos para transformar a realidade”,
afirma. “O Estatuto, assim como a lei
10.639, fazem parte da história de resistência
do povo negro no Brasil, que
luta por reconhecimento, respeito, igualdade
e justiça social”, completa.ø
Revista Elas por Elas - março 2012 53
Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr
MOVIMENTO | por Débora Junqueira
Mais autonomia
para ampliar avanços
Reunidas na 3ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres,
elas reforçam as bandeiras da emancipação feminina
Valter Campanato/ABr
“
Não há mais qualquer
dúvida quanto à necessidade
de se investir em
uma nova cultura de paz
e de diálogo nas
relações de gênero.
Michele Bachelet
Mais de 2.500 mulheres de várias
partes do país se reuniram durante a
3ª Conferência Nacional de Políticas
para as Mulheres, realizada em Brasília,
de 12 a 15 de dezembro de 2011. Resultado
de um processo que envolveu
cerca de 200 mil participantes nos encontros
regionais, a Conferência teve
como tema a autonomia e igualdade
para as mulheres.
Os debates giraram em torno de
quatro eixos: autonomia econômica e
social e desafios para o desenvolvimento
sustentável; autonomia pessoal das mulheres;
autonomia cultural e autonomia
política, institucionalização e financiamento
de políticas públicas para as
mulheres. As propostas discutidas e
apresentadas tiveram como referência
o 2º Plano Nacional de Políticas para
as mulheres.
Assuntos importantes, sobretudo
para a formação das mulheres, também
foram temas das rodas de conversas simultâneas:
pensar políticas para a pluralidade,
história das desigualdades entre
mulheres e homens, as políticas e as
diferenças de geração, experiências da
gestão pública, orçamento para políticas
para as mulheres, um olhar internacional,
mulher e participação política.
“A Conferência foi uma demonstração
da vontade e da determinação da mulher
brasileira em participar das decisões
políticas, sociais e econômicas do país”,
disse a embaixadora do Brasil na
Revista Elas por Elas - março 2012 55
Organização das Nações Unidas (ONU)
em Genebra, Maria Nazareth Farani
Azevedo, que participou da Roda de
Conversa com o tema “Um olhar internacional”.
Essa foi a primeira conferência de
mulheres realizada na gestão da presidenta
Dilma Rousseff, que participou
da abertura do evento. "Senhoras e
Senhores, estou confiante de que este
será o século das mulheres”, afirmou.
Em resposta a boatos, Dilma garantiu
a continuidade da Secretaria de Políticas
para as Mulheres (SPM). “Nós vamos
avançar com essa secretaria que defende
o direito da mulher, que defende a
igualdade de gênero. Essa secretaria é
fundamental como é fundamental o
movimento que cada uma de vocês
fazem nos municípios e nas cidades de
vocês”, disse a presidenta se dirigindo
às delegadas.
Um dos pontos altos da Conferência
foi a participação da ex-presidenta do
Chile, Michelle Bachelet, atual diretora-executiva
da ONU Mulheres. “Ninguém
sabe as necessidades e demandas
das mulheres melhor do que vocês. A
oportunidade que esta Conferência oferece
em responder a essas demandas é
de extraordinário valor”, afirmou em
seu pronunciamento. Segundo ela, só
com mais mulheres no poder a democracia
será verdadeira.
Bachelet também destacou a importante
conquista nas ações de enfrentamento
à violência e apontou a
Lei Maria da Penha como uma das
melhores legislações do mundo. “Estamos
propondo medidas que reforçam
a aplicação da legislação antiviolência,
como a Lei Maria da Penha, e as medidas
que permitam maior e melhor
acesso de mulheres e crianças à justiça”.
Em seu pronunciamento, ela também
disse que “não há mais qualquer dúvida
Diversidade cultural: delegadas de todas as partes do país participaram da conferência
Internet
quanto à necessidade de se investir em
uma nova cultura de paz e de diálogo
nas relações de gênero para que a violência
realmente diminua”.
Principais bandeiras
A efetiva implementação da Lei
Maria da Penha, consolidação da rede
de enfrentamento à violência, Justiça
mais rápida, punição de agressores,
saúde, educação, reforma agrária com
atenção à mulher, valorização no mercado
de trabalho, aumento na ocupação
dos espaços de poder, direito a decidir
sobre o corpo, entre outras, continuam
sendo as principais bandeiras de lutas
das mulheres reafirmadas durante a 3ª
Conferência Nacional de Políticas para
as Mulheres.
Para a coordenadora da União Brasileira
de Mulheres (UBM), Elza Campos,
a Conferência também foi um espaço
privilegiado para ampliar o debate sobre
o enfrentamento ao machismo, sexismo,
racismo, lesbofobia, homofobia, da
construção e fortalecimento da autonomia
das mulheres, da defesa do SUS
e dos direitos sexuais e reprodutivos e
por mais poder para as mulheres, dentre
outros. “Entendemos que é necessário
ampliar e fortalecer a participação das
mulheres nos espaços de poder, democratizar
os mecanismos de representação.
Mas isso só não basta, a UBM
luta por um novo tipo de sociedade,
sem opressão e sem exploração”.
Temas da conjuntura nacional
também ganharam espaço entre as feministas,
como a reforma política e a
necessidade de se aprovar o marco regulatório
para o sistema de comunicação
brasileiro. A Educação também esteve
em foco. Em um dos painéis, a professora
da Universidade Federal de Pernambuco,
Tânia Bacelar, apresentou
dados sobre o analfabetismo no Brasil.
Promover a erradicação do analfabetismo
feminino, especialmente entre as
56
mulheres acima de 50 anos, estimulando
a participação das mulheres na modalidade
de Educação de Jovens e Adultos
(EJA) foi uma das propostas da Conferência.
Segundo Tânia, no início do século
passado, o analfabetismo entre as mulheres
era o dobro do masculino, mas
hoje esse quadro se inverteu. A professora
também lembrou que atualmente,
as mulheres representam 55% do número
de matrículas do ensino superior
(600 mil a mais) e elas também somam
60% dentre os números de graduados.
“O Brasil da minha mãe era muito diferente.
Elas não estudavam, não votavam,
e olha como estamos hoje”, comemora.
No entanto, lamenta que os
salários dos professores não acompanharam
os avanços na Educação.
A professora Celina Arêas, diretora
do Sinpro Minas e da Central dos Trabalhadores
e Trabalhadoras do Brasil
(CTB), participou da Conferência e destaca
os debates sobre a ampliação e
participação das mulheres no mercado
de trabalho como um dos momentos
importantes para discutir a ampliação
de direitos das mulheres. “A CTB e as
demais centrais sindicais defendem a
redução da jornada de trabalho para
40 horas sem redução de salário. Além
disso, é preciso combater todas as
formas de discriminação e promover
ações específicas para a igualdade entre
homens e mulheres”, defende.
Na plenária final da Conferência,
os ânimos ficaram exaltados durante a
discussão sobre a inclusão da legalização
do aborto no documento final do encontro,
que depois de muito protesto e
barulho, foi feito. “Legaliza. É meu direito
de escolha”, afirmavam as defensoras
da legalização. “A legalização
não vai ajudar no debate no Congresso”,
contestavam as contrárias.
A ex-ministra da Secretaria de Políticas
para as Mulheres, Iriny Lopes,
alertou que o debate com o objetivo de
mudar a lei brasileira para incluir a legalização
do aborto deve ser articulado
com o Congresso Nacional, e não com
o governo federal. Segundo ela, o governo
irá respeitar a legislação atual,
que considera o aborto crime e o autoriza
somente quando há risco de morte
para a gestante ou quando a gravidez
ocorre em decorrência de estupro. Para
a coordenadora da UBM, Elza Campos,
todo o processo de acúmulo do movimento
de mulheres repercutiu nessa
conferência e a inclusão da legalização
do aborto no documento final foi uma
importante conquista.
As conferencistas aprovaram
também a ampliação da licença maternidade
de quatro meses para seis e
medidas que garantam a autonomia financeira
das mulheres, como capacitação
e inclusão delas em atividades
econômicas dominadas pelos homens.
Balanço positivo
Muitas delegadas se incomodaram
com os problemas na organização do
evento, como a falta de condições de
hospedagem, mas isso não impediu
que a avaliação da Conferência de um
modo geral fosse positiva. Segundo a
ex-ministra da Secretaria de Políticas
para as Mulheres, Iriny Lopes, responsável
pela conferência, a empresa contratada
para providenciar a estadia
rompeu o contrato faltando dez dias
para o início do evento.
A ex-ministra fez um balanço positivo.
“As delegadas confirmaram a importância
de um conjunto de políticas
que configure o programa nacional de
autonomia econômica, financeira e pessoal
das mulheres brasileiras”, declarou
a ex-ministra no blog da Conferência.
O documento com as resoluções votadas
e aprovadas durante a Conferência
estão disponíveis no portal da SPM
(http://www.sepm.gov.br).ø
Saulo Martins
Revista Elas por Elas - março 2012 57
Waries Dirie
http://warisdirie.wordpress.com/
Uma Flor
Desabrocha
no Deserto
ARTIGO
por Sandra Machado
Doutora em História pela Universidade
de Brasília (UnB), Mestra em Cinema e
Vídeo pela School of Communication,
The American University, e Bacharel em
Comunicação Social, com habilitação em
Jornalismo, pela Universidade de Brasília.
É também professora, repórter e editora
em veículos da mídia nacional. Sua tese
de doutorado está sendo editada pela
Francis & Verbena Editora, com o lançamento
da publicação em livro intitulado
Câmera Clara - Tela Obscura: Estereótipos
Femininos e Questões de Gênero nos Cinemas,
previsto para o 1ª semestre de
2012. O livro analisa características marcantes
nas produções audiovisuais eurocêntricas,
hegemônicas e dominantes no
panorama mundial, que instigam e perpetuam
a anulação e a negação do feminino
e a formação dos estereótipos de
gênero que permeiam as diversas culturas
e sociedades globais.
O filme Desert Flower (Flor do Deserto
– 2009), que estreou na Alemanha,
Reino Unido e Áustria em 2009, e no
Brasil em 2010, poderia muito bem
ser um desses muitos contos de fadas
modernos, fantasiados nas produções
audiovisuais feitas para as grandes bilheterias
internacionais, e que visam
também a distribuição para as redes de
televisão. O enredo narra a saga inacreditável,
e improvável, de uma menina
“sobrevivente”, filha de uma família
nômade do deserto da Somália, que
aos 13 anos decide dar um basta e
foge da vida miserável.
A criança atravessa o deserto sozinha,
chega à capital Mogadíscio e de
lá parte para Londres, no Reino Unido,
de onde o destino a transportará para
as principais passarelas do mundo. De
nômade do deserto de um país pobre –
e entre os 10 mais corruptos –, transforma-se
em top model – uma supermodelo
exótica para os padrões internacionais
da moda nos anos 1980. A
história é bem real e os laços com os
contos infantis são tão superficiais
quanto o são a fragilidade e a efemeridade
das passarelas. E param por aí.
Na verdade, o filme é sobre a decisão
da modelo em interromper sua carreira,
no auge da fama e dos convites pelas
melhores casas de alta costura, e anunciar
ao mundo ter sido vítima de uma
das maiores atrocidades que se pode
cometer contra as mulheres – no caso,
meninas entre os três e até os oito ou
dez anos de idade – entre tantas outras
mais debatidas nas sociedades contemporâneas:
a Mutilação Genital Feminina
(FGM, na sigla em inglês). O filme é
permeado pela necessidade visceral da
mulher em denunciar o que considera
um crime.
O roteiro é baseado no livro homônimo,
escrito em 1998, pela própria
modelo Waris Dirie (em somali, o nome
significa flor do deserto), hoje com 47
anos, também autora de Desert Dawn
(2002), Desert Children (2005), e
Letter to My Mother (2007). A top
model etíope Liya Kebede interpreta o
papel de Dirie no filme, que é dirigido
pela norte-americana residente na Alemanha,
Sherry Hormann, e coescrito
por ela e pela argumentista angloindiana
Smita Bhide.
Ao considerarmos os interlaços com
outras violências impingidas às mulheres
(e/ou às crianças), essas que estão inscritas
sob a égide de “tradições culturais
e religiosas”, mas igualmente ou até
Revista Elas por Elas - março 2012 59
mais brutais, pouco são debatidas ou
conhecidas em países como o Brasil.
Claro, não é assunto-prioridade para
nossos Meios de Comunicação de
Massa, ou até mesmo para alguns
grupos e organizações feministas. Talvez,
por se pensar que este seja um problema
mais “distante”, algo que não nos
tocaria diretamente. Será que não?
Todos os anos, segundo estimativas
da Organização Mundial da Saúde
(OMS), aproximadamente três milhões
de meninas são vítimas da mutilação
genital, não só em nações africanas,
mas em pelo menos 28 países mundo
afora. Os dados contabilizam que aproximadamente
150 milhões de mulheres
foram afetadas pela prática cruel da
FGM, a qual continua a ser realizada
na África e também na Ásia, na Europa,
nas Américas e na Austrália.
A hoje bem organizada Waris Dirie
Foundation (Fundação Waris Dirie) arrebanha
suporte às vítimas da FGM e
luta para pôr um fim ao que chama de
crime, por meio das redes sociais e em
campanhas de apelo midiático, bem
como em eventos e programas educacionais.
“A mutilação feminina não tem
aspectos culturais, religiosos, ou de tradição.
É um crime que procura por justiça”,
afirma Dirie na página eletrônica
da Fundação.
No filme, o ato da mutilação é fotografado
em um crescendo de suspense,
até levar o espectador saudável à náusea,
inevitável para os mais sensíveis. Não
é uma cena de abertura. Foi editada
para a parte final da película. Antes, o
roteiro e a direção engendram toda a
saga de um ser humano que prefere
não apenas sobreviver, mas viver e denunciar
com todas as letras, apesar de
suas dores e marcas profundas, físicas
e psicológicas. A edição do filme não
obedece necessariamente a uma sequência
cronológica, mas é entrecortada
com flashbacks e forwards na vida de
Vítima de mutilação
genital,
a modelo Waries Dirie
expõe seu drama em
filme para
denunciar a violência
Dirie. Entre licenças criativas, aprendemos
desde o início sobre a sua índole
cuidadosa com outros, como seu irmão
mais novo ou com sua mãe, nas areias
do deserto.
Sua fuga é motivada pelo eminente
casamento, forçado, com um homem
de 60 anos, que poderia ser seu avô.
Seu pai a vende ao mercador para receber
cinco camelos em troca. Dirie
deixa o acampamento à noite, apenas
com a roupa do corpo, sem água ou
comida, e vence uma das grandes batalhas
de sua vida: o deserto. Consegue
encontrar sua avó na capital somali, e
esta, também sem recursos para mantêla,
consegue mandá-la para Londres,
onde um tio serve como embaixador.
Analfabeta, Dirie é obrigada a submeter-se
a um regime de escravidão
dentro da embaixada, de onde nunca
sai. Quando a Somália entra em guerra
civil e o golpe de Estado muda o governo,
seu tio tem que deixar o cargo.
Dirie foge novamente, agora para as
ruas de Londres.
A somali mal fala o inglês e tam-
Shonna Valeska
60
pouco lê ou escreve. Ela passa fome,
dorme nos becos e lava-se em banheiros
de lojas, até conseguir trabalho em
uma rede de fast-food. Além de lavar o
chão, ali conhecerá o bem-sucedido
fotógrafo de moda Terence Donovan.
Com ele, faz seu primeiro trabalho
como modelo – um calendário da Pirelli.
Portas abertas para uma agência de
moda e as passarelas.
Para evitar cair em glamour de uma
possível fabulação de príncipes e princesas,
a direção enxuga ao máximo os
recursos técnicos de efeitos especiais,
de enquadramentos e iluminação que
possam favorecer superficialmente o
engrandecimento da personagem, ou
make-up excessivos. O sucesso de Waris
Dirie como modelo mal é narrado pelo
roteiro. Pouco se conhece sobre seus
amigos e casos de passarela. Não é
esse o foco. A ênfase é dada ao instinto
de sobrevivência e ao conflito interno
da personagem: seguir escondendo e
respeitando a “tradição” imposta pelos
progenitores e conterrâneos ou quebrar
tabus e regras sociais, denunciar os
abusos e crimes.
Nos países e comunidades mais pobres,
ou seja, na maioria dos casos, os
órgãos genitais das meninas (clitóris e
lábios vaginais) são arrancados com lâminas
de barbear, ou qualquer instrumento
cortante – muitas vezes enferrujados,
sujos – sem anestesia ou desinfetante. O
que resta é costurado, cerzido mesmo,
com linha grossa e anzol, ou agulhas
maiores, para se ter a certeza que a menina
permanecerá virgem até ser dada,
ou vendida, em casamento. Essa é a tal
tradição cultural que argumentam os que
lutam por manter a dominação e as demonstrações
de poder. Na prática, além
das dores constantes e o desconforto
até para urinar, necessidade básica de
um ser vivo, esses procedimentos bárbaros,
não raro, levam à morte pelas infecções
e/ou hemorragias.
Waris Dirie, no apogeu da carreira,
em 1997, choca a opinião pública com
a revelação de que fora circuncidada –
um termo bastante brando para a selvageria
– quando tinha apenas cinco
anos de idade. O ato de coragem de
Dirie foi quebrar o “tabu do silêncio”
de suas raízes socioculturais. De exporse
e ameaçar o que havia conquistado
(o que fica claro não ser sua preocupação),
e escrever livros sobre sua vida,
detalhar o que passou e o que sabe
sobre a “tradição” à imprensa internacional.
Ela iniciou, desde então, uma luta
contra a FGM, inclusive, como embaixadora
especial da Organização das
Nações Unidas para a erradicação da
mutilação feminina, em todo o mundo.
Seu livro Flor do Deserto vendeu 11
milhões de cópias, até 2009, um best
seller, e o filme representou a Alemanha
no Festival de Cinema de Veneza,
também em 2009, além de receber
prêmios em outros festivais europeus.
Na cena final do filme, em que
Waris Dirie discursa para os membros
da Assembleia Geral da ONU, e a
seguir, nos créditos finais, a audiência
aprende, enfim, que o tema é algo que
não se pode mesmo subestimar. Em
diversos países são perpetuadas as tradições
bárbaras que visam a redução
da mulher a uma criatura servil ao
homem, impedida de ter prazer do
sexo, ou do ato sexual. Algo que as
tradições cristãs e outras religiões tentam
por meio da castração psicológica há
centenas de anos, com a demonstração
performática de poder e de força sobre
o Outro (a mulher), os que praticam a
FGM levam ao extremo da castração
física literal. Não importam quantas
meninas morram nesse processo da
excisão. A prática inumana continua a
ser infligida a aproximadamente oito
mil crianças por dia, ainda de acordo
com o site da Fundação, sediada em
Viena (Áustria), onde Dirie hoje reside
e é cidadã.
Quão próximos(as) estamos dessa
realidade? Há até bem pouco tempo,
costumava-se comentar no Brasil e em
outros países latino-americanos que a
pornografia, o estupro, e o abuso de
crianças e adolescentes, a maioria do
sexo feminino, seriam questões que tocavam
mais os “tarados e desviados”
europeus e (norte) americanos. Hoje,
basta abrir os jornais, revistas, portais
da Internet, ou ligar a TV e o rádio,
para se constatar que esses
“desviados/tarados/maníacos”, e/ou
espancadores e assassinos, podem estar
bem ao lado, sentados em nossos sofás,
aqui mesmo no Brasil ou nos países vizinhos.
A diferença reside na organização
e divulgação dos dados e estatísticas
latino-americanos e de outros
países periféricos, que ainda apresentam
dificuldades de acesso à informação e
à educação, em relação aos países desenvolvidos.
Neste início de milênio, as
estatísticas mostram que 10 mulheres
são assassinadas no Brasil, diaria -
mente. Isso sem contar os abusos e
espancamentos que as tornam social -
mente incapazes. Recentemente, uma
operação da Polícia Federal contra a
pornografia infantil e o abuso de
menores registrou um novo “recorde”
de prisões e cumprimento de manda -
dos de busca e apreensão de material
pornográfico. A operação, em 10
Estados e no Distrito Federal, teve 81
mandados cumpridos em 54 cidades.
Os policiais federais preveem que terão
ainda muito trabalho pela frente, “nos
próximos anos”. Ficamos sabendo,
também, que o Brasil está em quarto
lugar neste ranking terrível, atrás
apenas de três países europeus já cale -
jados nesses noticiários que remetem à
ficção de horror: Alemanha, Espanha
e Inglaterra.ø
Revista Elas por Elas - março 2012 61
Internet
Sucesso, intrigas, polêmicas e uma
vida pessoal tumultuada marcaram a trajetória
da atriz francesa Maria Schneider,
falecida em 3 de fevereiro de 2011, aos
58 anos. A história artística de Schneider
começou a mudar em 1972 quando estreou
nos cinemas o filme Último Tango
em Paris, de Bernardo Bertolucci. Ao
lado de Marlon Brando, a jovem abalou
o mundo com cenas tórridas de sexo e a
famosa cena da manteiga.
"Marlon teve a ideia daquela cena, e
eu tive uma explosão de raiva", ela lembrou.
"Mas eu era muito jovem [para
dizer não]. Eu não era mais que um
bebê aos 19 anos. Chorei lágrimas de
verdade durante a cena. Fui humilhada”.
Por causa do conteúdo sexual, o filme
foi proibido em alguns países. Apesar de
ganhar indicações ao Oscar, para Bertolucci
e Brando, o diretor foi levado ao tribunal
italiano. Maria Schneider, entretanto,
se tornou uma celebridade e passou a
frequentar as mais badaladas festas da
época. A dependência de drogas, tentativas
de suicídio e relacionamentos frustrados
passaram a fazer parte da realidade da
atriz. "Eu me senti muito triste, porque
fui tratada como um símbolo sexual",
queixou-se mais tarde. "Eu queria ser reconhecida
como atriz, e todo o escândalo
do filme levou-me a um colapso".
Não por acaso, Último Tango em
Paris data do mesmo ano do fenômeno
Garganta Profunda, que parecia refletir
a nova liberdade artística e sexual que
pontuava a década. No entanto, tal como
Linda Lovelace, a vedete do filme pornográfico,
Maria Schneider, que se assumiria
bissexual em 1974, foi tanto emblema
como vítima dessa década de excessos.
Mais tarde, a atriz renegaria o filme,
considerando-o o grande erro da sua
vida. Em várias entrevistas, afirmaria que
Bertolucci era "um bandido e um chulo",
que se aproveitara dela e de Brando. O
jornal The Guardian cita-a dizendo que
"nunca se deve tirar a roupa para um
homem de meia-idade que diz que está a
filmar arte"; o realizador italiano responderia
que ela era muito jovem para ter a
noção do que realmente se passara.
Embora Schneider tenha continuado
a fazer filmes, nada que ela protagonizou
HOMENAGEM | por Saulo Martins
O preço
da fama
A atriz francesa Maria Schneider
foi vítima de uma década
de excessos
depois teve o impacto do Último Tango,
que definiu a sua carreira para o resto
vida. O filme de que ela mais se orgulhava,
porém, foi O Passageiro (1975), de Antonioni,
no qual ela coestrelou com Jack
Nicholson.
O Passageiro não teve ampla distribuição
porque Nicholson detinha os direitos
e queria manter o filme "como
uma obra de arte". Mas muitos críticos
consideram como uma peça muito mais
durável o trabalho em o Último Tango,
alguns até mesmo o rotulam como
"uma obra-prima".
Embora ela tenha permanecido com
uma boa relação com Brando, Maria
nunca perdoou Bertolucci. "Eu não
tenho visto ou falado com ele desde
então. Ele era uma personalidade poderosa
e manipuladora. Fiquei presa
em sua fantasia. Além disso, ganhei
apenas $ 2.500 para o papel”.
Maria Schneider nasceu em 27 de
março de 1952, fruto de uma relação
entre o ator Daniel Gelin e Marie Christine,
uma jovem Romeno-francesa que
dirigia uma livraria em Paris. Era uma
adolescente que adorava filmes e frequentava
o cinema até quatro vezes por
semana. Saiu de casa aos 15 anos após
uma discussão com sua mãe. Alimentando
o sonho de ser atriz, trabalhava como figurante
e foi assim que conheceu Brigitte
Bardot, que era amiga de seu pai que a
convidou para morar com ela.
Através de Bardot, Maria também foi
apresentada a importantes figuras da indústria
cinematográfica. Warren Beatty a
introduziu na agência William Morris, e
seu primeiro filme veio em 1970, quando
ela apareceu em Madly, estrelado por
Alain Delon e dirigido por Roger Kahane.
Ela tinha recebido a oferta de um
papel em outro filme com Delon quando
veio o convite para o Último Tango em
Paris. Sua inclinação era para não aceitar
a proposta de Bertolucci, mas os agentes
da William Morris disseram: "É um papel
de destaque com Marlon Brando - você
não pode recusar".
Para além de O Passageiro, ela
também atuou em Memórias de uma
prostituta francesa (1979), Mama Drácula
(1980) e ainda Noites Felinas (1992);
em Jane Eyre, de Franco Zeffirelli (1996),
Algo em que acreditar (1998), e, mais
recentemente, em Cliente (2008). Zeffirelli
ofereceu-lhe o papel de Maria no filme
Jesus de Nazaré, mas ela recusou - uma
decisão que ela disse ter se arrependido.
Após Último Tango, Maria Schneider
raramente tirou a roupa para a sétima
arte novamente, apesar de ter sido convidada
a fazê-lo em muitas ocasiões. Ela
chegou a ver o filme com alguma ambivalência,
declarando em 2007: "Eu assisti
novamente três anos atrás, depois que
Marlon morreu e parece cafona”.
Ultimamente, em seu tempo livre,
ela trabalhava para uma organização
que apóia atores, dançarinos e outros
artistas que chegaram ao fim de suas
carreiras. "É uma existência muito precária",
explicou ela. "Meu conselho para
jovens atores é que eles tenham uma
outra profissão.”
Maria Schneider tinha um relacionamento
amoroso de longo prazo que, segundo
ela, a salvou de seu vício em
drogas. Em entrevistas ela se referiu a
essa pessoa como "meu anjo", mas nunca
divulgou se ele era um homem ou uma
mulher. "Eu gosto de manter um mistério",
explicou ela.ø
Revista Elas por Elas - março 2012 63
POUCAS E BOAS
Dilma é
destaque
na ONU
Primeira mulher a abrir uma Assembleia
Geral da Organização das Nações
Unidas (ONU), em sua 66ª edição,
em 21 de setembro de 2011, a presidenta
Dilma Rousseff impressionou e
emocionou as mulheres do mundo.
Logo nas primeiras frases conseguiu
arrancar aplausos entusiasmados da
plateia. “Pela primeira vez na história
das Nações Unidas uma voz feminina
inaugura o debate geral”. Em vários
outros momentos do discurso ela voltou
a falar da mulher.
Para a deputada federal Jô Moraes,
esse feito histórico de Dilma traz esperança
para os brasileiros. “Seu discurso
progressista aponta para o combate à
miséria e para a reafirmação da soberania
do país”, analisa Jô.
Discurso nota 8
"Falar num evento da magnitude da
Assembleia Geral da ONU é um desafio
que Dilma ainda não havia experimentado.
Para o conteúdo dei nove. Foi
um discurso quase perfeito na estrutura
organizacional e nos pontos abordados
na mensagem. Para o seu desempenho
dei sete. No conjunto, portanto, o Brasil
sai desse evento com oito. Ou seja,
muito bem aprovado", avaliou Reinaldo
Polito, que é mestre em Ciências da
Comunicação e professor de oratória
na Escola de Comunicação e Artes
(ECA-USP).
Para Polito, a conclusão do discurso
foi o momento mais elevado da apresentação
da presidenta, que foi reproduzido
em noticiários ao redor do
mundo. “Uma obra prima. O resultado
não poderia ser outro que não o aplauso
caloroso e prolongado do público. Ela
se incluiu na mensagem, dando mais
respaldo e autoridade às suas palavras”,
destacou.
Palavras de Dilma
“Além do meu querido Brasil, sintome,
aqui, representando todas as mulheres
do mundo. As mulheres anônimas,
aquelas que passam fome e
não podem dar de comer aos seus filhos;
aquelas que padecem de doenças
e não podem se tratar; aquelas que
sofrem violência e são discriminadas
no emprego, na sociedade e na vida
familiar; aquelas cujo trabalho no lar
cria as gerações futuras.”
“Junto minha voz às vozes das
mulheres que ousaram lutar, que ousaram
participar da vida política e
da vida profissional, e conquistaram
o espaço de poder que me permite
estar aqui hoje."
"Como mulher que sofreu tortura
no cárcere, sei como são importantes
os valores da democracia, da justiça,
dos direitos humanos e da liberdade”.ø
Fotos: Roberto Stuckert Filho /Presidência da República
64
Triplo Nobel da Paz
Pela primeira vez três mulheres receberam,
juntas, o Nobel da Paz. Nos
110 anos de entrega do Nobel, apenas
15 mulheres receberam o prêmio pela
Paz, incluindo as três de 2011, enquanto
o número de homens premiados é 85.
As ganhadoras foram a presidente
da Libéria, Ellen Sjohnson-Sirleaf, a militante
pela paz, também liberiana,
Leymah Gbowee e a ativista iemenita
Tawakkul Karman. O triplo prêmio Nobel
da Paz foi visto como um reconhecimento
do papel da mulher nos processos de
paz e de mudanças política e social.
As três foram recompensadas "por
sua luta pacífica pela segurança das mulheres
e de seus direitos de participar
nos processos de paz", declarou o presidente
do Comitê Nobel norueguês, Thorbjoern
Jagland. Ao escolher essas três
mulheres, o comitê do Nobel destaca,
ainda, a luta pela reconciliação nacional
na Libéria e os movimentos pró-democracia
da Primavera Árabe. "Não podemos
conseguir a democracia e uma
paz duradoura a menos que as mulheres
obtenham as mesmas oportunidades que
os homens” — disse Jagland, ex-premier
da Noruega.
O prêmio foi elogiado por vários governantes
e grupos de direitos humanos,
como a Anistia Internacional. Nos Estados
Unidos, o presidente Barack Obama,
ganhador do Nobel da Paz em 2009,
destacou que países que respeitam as
mulheres são mais bem-sucedidos.ø
Tawakkul Karman,
jornalista e ativista iemenita
Tawakkul Karman, 32, é uma opositora
do regime do presidente do
Iêmen, Abdullah Saleh, e chegou a ser
ameaçada de morte ao recusar um
cargo no governo do país. Ela lidera
principalmente um movimento de resistência
da juventude iemenita, embora
também tenha ligações com partidos
políticos do país, no caso o Islah.
A jornalista e ativista do Iêmen Tawakkul
Karman se divide entre a atuação
no partido de oposição, Islah, e a direção
da organização Women Journalists
Without Chain ("Mulheres Jornalistas
sem Correntes"), fundada por ela em
2005. Mãe de três filhos, é uma das ativistas
mais atuantes na busca de mais
espaço e poder para as mulheres e mais
atenção aos direitos humanos.
Ellen Sjohnson-Sirleaf,
presidente da Libéria
Sjohnson-Sirleaf, de 72 anos, era
uma forte candidata ao prêmio por
ser a primeira mulher africana eleita
presidenta democraticamente, por ter
colocado um fim ao conflito armado
na Libéria e contribuído pela queda
do presidente anterior, Charles Taylor,
julgado por crimes contra a humanidade
por um tribunal internacional.
A luta contra a corrupção e por
profundas reformas institucionais na
mais antiga república da África ao sul
do Saara, sempre esteve no centro de
sua ação política, o que a levou para a
prisão em duas oportunidades nos anos
1980 sob o regime de Samuel Doe.
Leymah Gbowee,
ativista africana
A ativista africana Leymah Gbowee
ajudou a organizar o movimento de
paz que colocou fim à Segunda Guerra
Civil da Libéria, em 2003. Gbowee é
o rosto mais conhecido do seu país
no que tange aos esforços de paz.
Trabalhou com mulheres e crianças
que atuaram como soldados para
Charles Taylor. Foi quando ela percebeu
que "qualquer mudança dentro
da sociedade (liberiana) teria de partir
das mães".
Yahya Arhab/EPA
International Reporting Project
Yahya Arhab/EPA
Revista Elas por Elas - março 2012 65
POUCAS E BOAS
Fim da impunidade para os assassinos
da deputada Ceci Cunha
Após 13 anos de impunidade,
chegou ao fim a luta por justiça
por parte da família da deputada
federal Ceci Cunha - assassinada
a tiros, com três parentes, no caso
conhecido como a "Chacina da
Gruta", ocorrida em Maceió, em
16 de dezembro de 1998. A Justiça
Federal de Alagoas condenou
os cinco acusados a penas somadas
de quase 500 anos de prisão. O
ex-deputado Talvane Albuquerque
foi considerado o mandante do
assassinato e outros quatro réus,
os executores.
Talvane foi condenado a 103
anos e 4 meses de prisão em regime
fechado. Jadielson Barbosa
da Silva pegou 105 anos, Alécio
César Alves, 87 anos e 3 meses,
Mendonça Medeiros, 75 anos e 7
meses, e José Alexandre dos
Santos, com 105 anos. O júri
também estabeleceu uma multa
de R$ 100 mil a ser paga aos familiares
das vítimas.
A deputada Ceci Cunha foi
morta em dezembro de 1998, em
Maceió, depois de ser diplomada
no cargo. Ela visitava a irmã, que
havia acabado de ter um bebê.
Três assessores de Talvane invadiram
a varanda onde todos conversavam
e dispararam dezenas
de tiros. Além de Ceci, foram
mortos seu marido, o cunhado e
a mãe do cunhado. Apenas a irmã
da política e o bebê escaparam
com vida.
Segundo o Ministério Público,
o crime teve motivação política,
pois o primeiro suplente da vaga era o
ex-deputado, que queria ocupar o posto
na Câmara dos Deputados para retardar
o julgamento de processos que respondia
na Justiça. Talvane assumiu a vaga de
Ceci Cunha, mas foi cassado por quebra
de decoro por suposto envolvimento com
pistoleiros em 1999.
Impunidade gera violência
Ao final do julgamento, o filho da deputada,
o advogado Rodrigo Cunha, agradeceu
o empenho dos advogados, do Ministério
Público Federal e da imprensa,
que não deixou o caso cair no esquecimento
ao longo de 13 anos. “Quero oferecer
em especial este dia histórico às famílias
de todas as vítimas de assassinato
em Alagoas. Infelizmente, nem todas conseguem
ver os culpados condenados”,
disse Rodrigo.
Para o advogado, o resultado do júri
encerra um ciclo na vida dos familiares
das vítimas. “O sentimento de impunidade
é o que gera a violência. Todavia, a elucidação
desse caso provou que pode acontecer
exatamente o contrário, já que
houve a punição dos acusados. Esse histórico
tem que mudar. Lugar de bandido
é na cadeia”, desabafou Rodrigo Cunha,
que não conseguia segurar as lágrimas.ø
OIT adota convenção
para proteção de
trabalhadores domésticos
Os 183 membros da Organização Internacional
do Trabalho (OIT) aprovaram em
16 de junho de 2011, em Genebra, uma
histórica convenção sobre o trabalho doméstico,
que pretende garantir condições
de trabalho decentes a milhões de pessoas,
em sua maioria mulheres.
Se todos os países membros da OIT adotarem
os documentos, mais de 53 milhões
de trabalhadores poderão ser beneficiados
em todo o mundo. No Brasil, são mais de 7
milhões de trabalhadores que exercem o trabalho
doméstico. A ratificação do instrumento
por parte dos países membros obrigará
a mudanças na legislação onde ela já
existe, como é o caso do Brasil, e, em outros
países, a construção do marco legal.
A convenção, discutida desde o início
da 100ª Assembleia da OIT, foi aprovada
por 396 votos a favor, 16 contra e 63 abstenções.
A Assembleia da OIT conta com a
participação de representantes governamentais,
das federações patronais e dos
sindicatos de cada país integrante da organização
que tem sede em Genebra.
A Convenção é o primeiro instrumento
internacional a contemplar os trabalhadores
domésticos no mundo e atinge uma
categoria que trabalha, em sua grande
maioria, informalmente. Em 24 artigos, a
convenção procura assegurar que os países
adotem medidas para garantir que trabalhadores
domésticos realizem suas tarefas de
forma decente, com proteção social e trabalhista,
respeitando a idade mínima para o
trabalho (Convenção 138 e legislações locais),
comprometendo-se com a abolição
do trabalho infantil e todas as formas de
violência.ø
Fonte: Agência France Press
66
DICAS CULTURAIS
Livros:
A Arte de Ser Leve
Autora: Leila Ferreira
Editora: Globo
Costurando informações
científicas, divagando,
conversando,
a autora propõe uma
pequena revolução:
num mundo abarrotado
de e-mails e telefones
celulares, de
pouca cortesia e
muitas dietas, cheio
de ambição e consumismo transformar os
gestos do cotidiano, aqueles que nos prendem
e sobrecarregam sem sequer nos dar a chance
de percebê-los.
Uma Aprendizagem ou
O Livro dos Prazeres
Autora: Clarice Lispector
Editora: Rocco
O livro conta história de uma mulher em busca
de si própria e do prazer sem culpa, depois de
várias experiências malsucedidas. Clarice Lispector
traduz, com perfeição, os labirintos da
emoção feminina.
Mulheres que
Correm
com os Lobos
Autora: Clarissa Pinkola
Estés
Editora: Rocco
O livro trata da
questão feminina pela
via das fábulas, dos
contos de fada. A autora
é psicanalista junguiana.
Sob esse viés,
ela interpreta contos
infantis, com foco especial na figura do lobo,
para revelar como a mulher teve suas características
instintivas esmagadas pelos condicionamentos
culturais predominantemente masculinos.
Histórias Íntimas
Autora: Mary Del Priore
Editora: Planeta do Brasil
A autora procura mostrar como a sexualidade
e a noção de intimidade foram mudando ao
longo do tempo, influenciadas por questões
políticas, econômicas e culturais, e passaram
de um assunto a ser evitado a todo custo para
um dos mais comentados no mundo contemporâneo.
A Jóia Afegã – Uma Mulher Entre
os Senhores da Guerra
Autora: Malalai Joya
Editora: QuidNovi
(Tradução de Edu Montesanti)
Extraordinária garota criada em campos de
refugiados no Irã e no Paquistão, Joya tornouse
professora em escolas secretas de meninas,
escondendo seus livros sob sua burca para
que o Taliban não os encontrasse; ajudou a
montar uma clínica médica gratuita e um orfanato
em sua pobre província natal de Farah;
e em uma assembléia constituinte em Cabul,
no Afeganistão em 2003, levantou-se e denunciou
os poderosos senhores da guerra
apoiados pela OTAN.
Filmes:
Minha vida sem
mim
Direção: Isabel Coixet
Gênero: Drama - Ano:
2003
Ann descobre que
terá no máximo três
meses de vida. Sem
contar a ninguém seu
problema, ela faz uma
lista de tudo que
sempre quis realizar,
mas nunca teve tempo ou oportunidade. Ela
começa uma trajetória em busca de seus
sonhos, desejos e fantasias, mas imaginando
como ficarão as coisas após a sua morte.
Vida e arte de Georgia O´Keeffe
Direção: Bob Baladan
Gênero: Drama - Ano: 2009
Os quadros deslumbrantes de Georgia O’Keeffe
são apresentados ao longo do romance de
Georgia com o carismático fotógrafo Alfred
Stieglitz, mas seu colapso emocional começa
ao perceber que Alfred era infiel.
Amor
Direção: João Jardim
Gênero: Drama - Ano: 2011
Amor é uma mistura poética de documentário
com ficção, um filme sobre relações amorosas
que envolvem alguma forma de violência.
Atrizes e atores interpretam o depoimento
sincero de pessoas que viveram situações que
envolvem ciúmes, culpa, paixão e poder.
(http://www.downloadlivre.org/2011/04/filmeamor.html)
Internet
www.crioula.com.br
www.redesaude.org.br
www.cancerdemama.org.br
www.mulheresnegras.org
http://www.cepia.org.br/
Revista Elas por Elas - março 2012 67
RETRATO
Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Mulher brasileira em primeiro lugar. Dilma Vana Rousseff
chegou onde nenhuma outra esteve em nosso país. Um fato marcante
com repercussões ainda incalculáveis para o imaginário e para o
protagonismo feminino na sociedade. Retrato da força de milhares de
mulheres que abriram novos caminhos e quebraram antigos tabus.
A primeira presidenta da República do Brasil é símbolo de esperança
para a redução das desigualdades entre homens e mulheres.
68
Se me contemplo,
tantas me vejo,
que não entendo
quem sou, no tempo
do pensamento.
Vou desprendendo
elos que tenho,
alças, enredos...
E é tudo imenso...
Auto-retrato
Cecília Meireles