Elas por elas 2010
A revista sobre gênero Elas por Elas foi criada, em 2007, com o objetivo de dar voz às mulheres e incentivar a luta pela emancipação feminina. A revista enfatiza as questões de gênero e todos os temas que perpassam por esse viés. Elas por Elas traz reportagens sobre mulheres que vivenciam histórias de superação e incentivam outras a serem protagonistas das mudanças, num processo de transformação da sociedade. A revista aborda temas políticos, comportamentais, históricos, culturais, ambientais, literatura, educação, entre outros, para reflexão sobre a história de luta de mulheres que vivem realidades diversas.
A revista sobre gênero Elas por Elas foi criada, em 2007, com o objetivo de dar voz às mulheres e incentivar a luta pela emancipação feminina. A revista enfatiza as questões de gênero e todos os temas que perpassam por esse viés. Elas por Elas traz reportagens sobre mulheres que vivenciam histórias de superação e incentivam outras a serem protagonistas das mudanças, num processo de transformação da sociedade. A revista aborda temas políticos, comportamentais, históricos, culturais, ambientais, literatura, educação, entre outros, para reflexão sobre a história de luta de mulheres que vivem realidades diversas.
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PROSINDICATO DOS PROFESSORES DO ESTADO DE MINAS GERAIS - FILIADO À FITEE, CONTEE E CTB - WWW.SIN
MINAS.ORG.BR - SETEMBRO DE 2010 - NÚMERO 4
Um século de lutas com
mais mulheres no poder
[ Conteúdo ]
Dia Internacional da Mulher
As diferentes versões sobre a
origem do 8 de março
Pág 5
Artigo
Descumprimentos da
Lei Maria da Penha
Pág 38
História
100 anos de conquistas
das mulheres
Pág 7
Entrevista
Danielle Mitterrand manifesta
a sua preocupação com a privatização
dos recursos hídricos
Pág 42
Memória
Memorial da Mulher
Brasileira quer resgatar o
valor da participação
feminina na sociedade
Pág 12
Comportamento
Moda: uma alternativa
de expressão
Pág 45
Trabalhadoras rurais
As mulheres representam
grande parte da força de
trabalho no campo
Pág 14
Esporte
Mulheres encaram o universo
machista do futebol
Pág 49
Capa
Um grande salto:
mais mulheres no
poder no Brasil
Pág 18
Saúde
Feminização da aids desafia as
políticas de combate à doença
Pág 28
Artigo
O que os filmes de animação
podem ensinar sobre gênero
Pág 33
Direitos da Mulher
Licença de 6 meses pode se
tornar obrigatória
Pág 52
Perfil
Hercília Levy: uma feminista
por convicção
Pág 57
Cultura
O feminino em cartaz
Pág 60
Homenagem
Frida Kahlo – Um
ícone na arte e na vida
Pág 62
Artigo
Mundo infantil: reflexões sobre
mídia e sexualidade
Pág 35
Sessões
Dicas culturais ... pág 64
Poucas e boas ... pág 65
Retrato ... pág 70
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 3
[ Expediente ]
[ Apresentação ]
Departamento de Comunicação:
Diretores responsáveis: Aerton Silva e Marco Eliel de Carvalho
Jornalista responsável e editora: Débora Junqueira (MG 05150JP)
Jornalistas: Adriana Borges (MG 06545JP), Cecília Alvim (MG 09287JP) e
Denilson Cajazeiro (MG 09943JP)
Designer gráfico, programação visual e diagramação: Mark Florest
Designer gráfico: Érika Melo
Assistente de Comunicação: Saulo Martins
Revisão: Aerton Silva
Conselho Editorial: Lavínia Rodrigues, Terezinha Avelar, Marilda Silva,
Liliani Salum Moreira, Cláudia Pessoa, Clarice Barreto, Ana Maria Prestes,
Nádia Maria Barbosa, Maria Izabel Bebela Ramos e Antonieta Mateus
Impressão: Lastro
Tiragem: 4.000 exemplares
Distribuição gratuita: Circulação dirigida
comunicacao@sinprominas.org.br
Diretoria Gestão 2009-2012
Presidente: Gilson Luiz Reis (licenciado); 1º Vice-Presidente: Valéria Peres Morato
Gonçalves; 2º Vice-Presidente: Marco Eliel Santos de Carvalho (Presidente em
exercício); Tesoureiro Geral: Décio Braga de Souza; 1º Tesoureiro: Dimas Enéas Soares
Ferreira; Secretária Geral: Liliani Salum Alves Moreira; 1º Secretário: Clovis Alves Caldas
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Amaral Ramalho;
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Júnior; Altamir Fernandes de Sousa; Alzira dos Reis Silva; Ana Maria Franco e Fraga
Gerçossimo; Andrey Borges Bernardes; Angelo Filomeno Palhares Leite; Anivaldo Matias
de Sousa; Antonieta Shirlene Mateus; Antônio de Pádua Ubirajara e Silva; Antônio Marcelo
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190 Fone: (35) 3221 1831, varginha@sinprominas.org.br
Século das mulheres
Após um século de comemorações do Dia Internacional
da Mulher, o Brasil está a um passo de ter
uma mulher na presidência da República. Conforme
as pesquisas eleitorais, a candidata Dilma Rousseff tem
grandes chances de vencer, e ainda no primeiro turno,
uma das eleições mais femininas da história. A
candidata tem o apoio da diretoria do Sinpro Minas,
definido pelos participantes no 11º Consinpro, por representar
um projeto de valorização do trabalho e distribuição
de renda, iniciado no governo do presidente
Lula.
A Revista Elas por Elas dedica a matéria de capa à
participação feminina na política, trazendo entrevistas
exclusivas com as candidatas à Presidência, Dilma
Rousseff e Marina Silva. Em um país em que uma mulher
nunca esteve tão perto do mais alto posto de
poder, essas eleições já representam um avanço histórico.
Um exemplo e alento para todas as mulheres do mundo
continuarem a lutar pela igualdade de gênero.
Além do centenário do dia 8 de março, cuja
origem a matéria acerca do tema traz uma pesquisa
sobre as diferentes versões, em 2010 também
comemorou-se os quatro anos da Lei Maria da Penha.
Mesmo sendo uma conquista da sociedade, a Lei
ainda encontra resistência em sua aplicação imediata,
conforme constata o artigo sobre a mesma.
Esta edição também aborda os desafios e avanços
das mulheres no campo, que já representam a metade
dos trabalhadores rurais. Nos últimos anos, as
mudanças para essas mulheres foram significativas,
como os projetos de concessão de títulos de propriedade
da terra, de acesso ao crédito e qualificação
profissional para as mulheres, mas há um longo trabalho
pela frente. De acordo com pesquisa da UFRJ, do
total de pessoas sem acesso à renda no país, 80% são mulheres
trabalhadoras rurais, que vivem sem benefícios
sociais e proteção legal do Ministério do Trabalho.
Destacamos também a entrevista com a exprimeira
dama da França, Danielle Mitterrand, assim
como as matérias sobre moda e comportamento; o
fenômeno da feminização da aids e o futebol feminino,
entre outras. Tudo isso auxilia-nos em nossa formação
e representa o desejo de que nós, mulheres, que somos
grande parte da categoria de professores, continuemos
a lutar − e alcançar! − um maior empoderamento,
respeito e dignidade.
Boa leitura!
4 ELAS POR ELAS - JUNHO DE 2009
[ Dia Internacional da Mulher ]
Mulheres na luta por justiça
por Adriana Borges
Saulo Martins
No dia 8 de março, as mulheres protestaram contra as injustiças sociais.
Protestos pelo fim da violência marcaram mais
uma vez as manifestações do Dia Internacional da Mulher.
O Sinpro Minas participou de um ato unificado
dos movimentos de mulheres que se reuniram em
passeata da Praça da Assembléia até a Praça 7, em Belo
Horizonte. Os destaques foram o repúdio à
precariedade na aplicação da Lei Maria da Penha e as
agressões sofridas por centenas de mulheres em
Minas todos os dias.
Cerca de 500 mulheres participaram das
atividades que ainda envolveram palestras e estudos
de formação política. As manifestantes simularam um
velório na Praça 7, usando um caixão com fotos de mulheres
que foram mortas pelos parceiros nos últimos
meses. Além da luta contra a violência doméstica, as
mulheres reafirmaram suas principais bandeiras
como a defesa do emprego, dos direitos sociais e da
igualdade e comemoraram o centésimo Dia Internacional
da Mulher.
Para lembrar a data, o Sinpro Minas distribuiu
um material impresso em forma de leque, com as
principais conquistas das mulheres nesses 100 anos
de lutas. Também, durante todo o mês de março, as
salas de cinema do sindicato, o Cineclube Joaquim Pedro
de Andrade e o Cine Mais Cultura, exibiram filmes
com temáticas e enfoques femininos, dedicados ao
debate das questões de gênero.
Origens da data
A referência histórica principal da instituição
do Dia Internacional da Mulher é a II Conferência
Internacional das Mulheres Socialistas em 1910, em
Copenhague, na Dinamarca, quando Clara Zetkin,
dirigente do Partido Social Democrata Alemão,
propôs a resolução de instaurar oficialmente um dia
internacional das mulheres. Nessa resolução, não se
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 5
[ Dia Internacional da Mulher ]
faz nenhuma alusão ao dia 8 de março, mas Clara
menciona o exemplo das socialistas estadunidenses.
De novembro de 1909 a fevereiro de 1910,
uma longa greve dos operários têxteis de Nova
Iorque, liderada pelas mulheres, terminou pouco
antes do “Woman’s Day”, em 27 de fevereiro 1910,
realizado no Carnegie Hall, quando três mil mulheres
se reuniram em favor do sufrágio, conquistado em
1920 em todo os Estados Unidos.
A versão mais popularizada é uma homenagem
às 129 operárias têxteis que durante uma greve, no
dia 8 de março de 1857, em Nova Iorque, morreram
queimadas na fábrica onde trabalhavam quando
reivindicavam redução da jornada de trabalho e
aumento salarial. Os donos da empresa teriam sido
os responsáveis pelo incêndio criminoso.
Diferentes versões
Para a pesquisadora canadense Renée Coté,
autora do livro O Dia Internacional da Mulher – os
verdadeiros fatos e datas das misteriosas origens do 8 de
março, até hoje confusas, maquiadas e esquecidas, não
há fontes históricas que registrem essa greve, e sim
uma série de lutas das mulheres para se firmarem.
Seu livro, publicado em 1984, ficou esquecido
porque incomodava social-democratas, burgueses e
outros que preferiam uma data menos ideológica
para o dia.
Também existem vários estudos, cada um
acompanhado de uma vasta bibliografia, que vão no
mesmo sentido das pesquisas de Renée Côté. Entre
eles destacam-se os artigos 8 de Março: Conquistas e
Controvérsias, de Eva A. Blay, de 1999. Outro estudo
é de Liliane Kandel, de 1982, O Mito das Origens: sobre
o Dia Internacional da Mulher. Outro texto muito rico
é o da Sempreviva Organização Feminista (SOF), de
2000, 8 de Março, Dia Internacional da Mulher: em
busca da memória perdida.
Outra versão para a escolha do 8 de março está
na ligação dessa data com a participação ativa das
operárias russas em ações que desencadearam a
Revolução Russa de 1917. Naquele ano, uma ação das
operárias realizada no dia 8 de março – no calendário
ocidental (que usamos no Brasil), ou 23 de fevereiro,
no calendário russo – foi o fato político que
precipitou o início das ações revolucionárias que
tornaram vitoriosa a Revolução Russa.
Em Petrogrado, explodiu uma greve de tecelãs
e costureiras. Contrariando a decisão do partido, que
defendia que aquele não era o momento ideal para
a mobilização, 90 mil trabalhadoras saíram às ruas
exigindo paz e alimento. A manifestação foi
considerada o estopim da revolução. Lembrando a
iniciativa das mulheres russas, anos mais tarde, em
1921, durante a Conferência Internacional das Mulheres
Comunistas, o 8 de março foi considerado a
data unificada para a luta das mulheres trabalhadoras.
Apesar de diferentes, as versões guardam entre
si a semelhança da histórica reivindicação feminina
por melhores condições de trabalho e vida.
Evidenciam também que as mulheres historicamente
estiveram nas lutas sociais em todo o mundo.
Luta no Brasil
No Brasil, a luta feminista conquista mani -
festação expressiva no Ano Internacional da Mulher,
comemorado em 1975 e que refletiu de forma
positiva no movimento de mulheres, instaurando
definitivamente o 8 de março como data integrante
da agenda de luta dos movimentos sociais e
organizações de trabalhadores do país. A partir de
então, grupos e entidades feministas se organizaram
ou ganharam força para encaminhar as atividades.
Grandes manifestações promovidas por mulheres
organizadas em partidos, sindicatos e outras
entidades passaram a tomar as ruas.
A luta das mulheres por justiça faz parte da
história e do desenvolvimento da humanidade. A
busca por liberdade, fraternidade e igualdade é um
sonho de todos. O Dia Internacional da Mulher é
um referencial definitivo da força feminina.
6 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
[ História ]
100 anos de conquistas das mulheres
por Adriana Borges
Agência Brasil
A luta das mulheres vai além das questões de gênero; saúde, educação e melhor qualidade de vida estão entre as reivindicações das feministas
Entrada no mundo do trabalho, direito ao
voto, mudança de comportamento, pílula
anticoncepcional, liberdade sexual e afetiva, divórcio,
luta por melhores salários e por igualdade de
direitos. Tudo isso começou há cem anos pelas
mãos das primeiras feministas que lideraram greves,
revoltas e desafiaram a sociedade. Com um histórico
de lutas e conquistas, um dos movimentos sociais
mais importantes do século 20, o feminismo, ainda
continua necessário e atual.
O Dia Internacional da Mulher começou com
Clara Zetkin, em 1910, propondo o 8 de março como
um dia de luta para as mulheres em todo o mundo.
O centenário desta conquista simboliza a busca pela
igualdade social entre homens e mulheres. Um
marco para as feministas que ousaram exigir respeito,
espaço e poder.
Hoje, as mulheres fazem suas próprias escolhas,
são autônomas, independentes e capazes de assumir
qualquer tarefa. As mulheres conquistaram a
liberdade, embora ainda haja um longo caminho a
ser trilhado para uma sociedade mais justa e
igualitária para todos. Apesar dos avanços, muitas
mulheres, principalmente as mais pobres, são vítimas
da violência, do preconceito e do machismo.
Emancipação feminina
A luta das mulheres teve seu auge na década de
60, quando o movimento conquistou espaço público
e político e fortaleceu os demais movimentos de
emancipação. A década foi marcada pela
efervescência das lutas sociais pela democracia,
contra a guerra, o racismo e o capitalismo. As mu-
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 7
[ História ]
lheres tinham suas próprias bandeiras e lideraram
a luta pela igualdade de direitos. Todos queriam
mudar o mundo e elas conseguiram.
Para a coordenadora da União Brasileira de Mulheres
(UBM/MG) e presidente do Movimento Popular
da Mulher (MPM), Maria Izabel Ramos de Siqueira,
Bebela, a maior conquista feminina foi o voto, a
chamada à consciência da cidadania. “Em 1932, a mulher
brasileira já tinha o direito de escolher os
candidatos nas eleições. Mas tudo foi fruto da luta das
sufragistas da época como Chiquinha Gonzaga, que
teve um papel fundamental nesse processo”, conta.
Segundo Bebela, apesar da conquista do voto nos
anos 30, a mulher brasileira começou a sair do
mundo doméstico somente a partir dos anos 40 e 50.
O feminismo brasileiro só ganhou força nos anos 70,
com os movimentos sexistas (das mulheres contra os
homens) e legalistas (que lutavam por direitos no
campo jurídico). “O feminismo começou radical,
uma forma de enfrentamento entre homens e mulheres.
Com o tempo, ele foi encontrando o seu caminho
através da vivência no movimento. Nos anos 80,
começamos a compreender que a igualdade só viria
de fato com a transformação da sociedade, quando
todos tiverem direito à terra, ao trabalho e a melhores
condições de vida”, afirma.
Os anos de 1975 a 1985 foram declarados pela
Organização das Nações Unidas (ONU) como a
Década da Mulher. Foi nesse período que o movimento
feminista do Brasil teve um grande desenvolvimento
e seguiu avançando nas décadas seguintes.
Na década de 80, questões sobre direitos civis
também ganharam espaço na discussão da constituinte
brasileira. As questões femininas foram
tratadas de uma forma especial e a constituição foi
bastante cidadã em termos de direitos da mulher.
“Mas 22 anos depois, a questão das creches ainda
é um grande desafio para as mulheres. Em Belo
Horizonte, terceira capital do país, só 23% da cidade
é contemplada com creches e escolas infantis. Para
que possamos avançar nessa questão é preciso
organização e disciplina”, avalia Bebela.
Para a feminista, “o grande avanço nos anos 80
foi fazer com que o Estado assumisse algumas
reivindicações das mulheres como as delegacias da
mulher, os conselhos estaduais da mulher, o programa
pós-parto, a licença maternidade e
paternidade”.
Trabalho e reconhecimento
Entrar no mundo do trabalho também foi uma
das maiores conquistas das mulheres. E ainda é uma
das lutas mais importantes para as feministas. Se há
cem anos, em 1910, elas lutavam nas fábricas por
Cláudia Pessoa, da UBM, destaca que a qualificação profissional
ainda é um desafio.
Mark Florest
8 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
redução da jornada de trabalho e por melhores
condições de trabalho, hoje a luta é por salários
compatíveis para homens e mulheres que exercem
a mesma função. As mudanças e os avanços foram
muitos, mas a luta continua.
A secretária geral da UBM, Cláudia Pessoa,
passou por situações de preconceito e discriminação,
nos anos 80, quando procurava o primeiro emprego.
“Há trinta anos, a mulher ainda era preterida no
mercado de trabalho. No meu caso, quando comecei
a trabalhar, fiz concurso público”, conta.
Para ela, em todos esses anos de luta, o maior
ganho que a mulher teve foi mostrar que é um ser
“O grande desafio da
mulher hoje é fazer com
que o homem também assuma
as funções de cuidado na
família e passe a dividir com
ela as tarefas”
humano pleno. “A mulher mostrou que é capaz, que
tem desejos e autonomia”, analisa Cláudia.
Hoje, o maior problema para a entrada no
mercado de trabalho é a falta de qualificação
profissional. Uma grande parcela de mulheres pobres
encontra dificuldades para arranjar emprego por
falta de estudo e formação. Para Cláudia, incentivar
a qualificação dessas mulheres é uma grande missão
das feministas.
“Atualmente, a formação para o trabalho e a luta
contra a violência são as nossas grandes bandeiras.
Muitas mulheres ainda enfrentam uma realidade
difícil. Sem emprego e vítimas da violência doméstica,
elas se sentem desamparadas. Em Belo Horizonte só
temos uma delegacia especializada para o
atendimento da mulher”, reclama.
Se a falta de qualificação impede hoje as mulheres
de conseguirem um emprego, há 50 anos, uma
mulher que cursava uma faculdade e possuía
qualificação profissional era malvista pela sociedade.
A feminista Rose Marie Muraro conta que quando
saiu da universidade e foi buscar emprego sentiu-se
discriminada. “A mulher que estudava era vista
com muito preconceito. Felizmente, o mundo
mudou. Hoje, a mulher está presente em todas as
áreas do conhecimento, desde as ciências exatas até
as ciências humanas”, destaca.
Jornada compartilhada
O sol nem apareceu direito e ela acorda às 5h40
da manhã. Chama as crianças, faz o café, vê o que
precisa comprar no supermercado, lembra das
pendências do dia: levar o caçula ao médico, mandar
consertar a máquina de lavar, pagar a conta de luz,
o condomínio e a reforma do banheiro. Chama as
crianças mais uma vez... Corre pra não chegar
atrasada no trabalho. Volta pra casa no início da
noite. Ensina o dever e ajuda as crianças no trabalho
da escola. Faz o jantar, arruma a cozinha, põe o
lixo na rua.
Com quantas jornadas de trabalho se faz uma
mulher? Segundo Muraro, historicamente, a mulher
sempre desenvolveu a vocação de cuidadora, mas ela
pode muito mais. “O grande desafio da mulher hoje
é fazer com que o homem também assuma as
funções de cuidado na família e passe a dividir com
ela as tarefas”, avalia.
Segundo Bebela, a conquista da mulher é
notória, mas é preciso uma maior participação dos
homens no espaço privado e da mulher no espaço público
para que os direitos da mulher sejam plenos.
“Hoje, a relação da mulher com o homem ainda não
é fácil. Em relação à conquista da igualdade parece
que a mulher acumulou mais experiência nos
últimos anos, muito por causa de sua luta. Os
homens ainda estão digerindo essas mudanças”,
analisa.
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 9
[ História ]
Adriana Borges
Novos movimentos
Para a militante da Marcha Mundial das Mulheres
(MMM), Bernadete Esperança, a luta da mulher
ainda está só começando. O próprio MMM é
muito novo, surgiu em 2000 como um movimento
baseado na ação de marchar, fruto de uma grande
mobilização social que reuniu mulheres do mundo
todo em uma campanha contra a pobreza e a
violência, em Quebec, no Canadá.
Apesar de jovem, Esperança tem grande consciência
do papel da mulher na transformação da
sociedade. “Durante a faculdade de enfermagem,
comecei a questionar sobre o espaço que a mulher
ocupa. Na minha profissão, os salários são baixos e
o profissional é muito desvalorizado. Então, fui investigar
as causas de tanta exploração”, relembra.
Esperança encontrou as respostas no movimento
estudantil e ao discutir os problemas com os colegas
de curso. “As profissões ligadas ao cuidado e exercidas
pelas mulheres, em sua maioria, não têm reconhecimento
por causa da forma de organização da
nossa sociedade, baseada no patriarcado. A partir daí
comecei a ser feminista. O MMM veio como apoio
e uma forma de luta”, afirma.
Segundo Esperança, a Marcha Mundial das
Mulheres no Brasil consegue reunir muitas jovens,
principalmente estudantes do ensino médio e da
periferia. “Em Belo Horizonte, temos um comitê metropolitano
onde se reúnem núcleos divididos por
temáticas como o hip-hop, cultura afro, economia
solidária, luta por creches, por moradia e
sindicalismo”, explica.
“Hoje, um dos temas discutidos pelas jovens é
a mercantilização do corpo da mulher e a imposição
de um padrão de beleza pela mídia. Nós discutimos
a questão e problematizamos sobre a falta de
verdadeiros valores na sociedade, a questão do
consumo e da propaganda. É um debate importante
para as jovens”, diz Esperança.
O MMM é um movimento que retoma a ação
de ocupar as ruas através das marchas. Para
Esperança, ele é uma forma de dar visibilidade às
Para Bebela, coordenadora da UBM/MG e presidente do MPM, o
voto é a maior conquista da mulheres.
causas da mulher e de reforçar a ideia de reconstrução
de uma luta internacional. “No dia 08 de
março desse ano, cerca de três mil mulheres
comemoraram os 10 anos da Marcha, caminhando
Para Esperança, do MMM, a marcha tem conseguido elevar o nível
de consciência das mulheres
Adriana Borges
10 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
Principais conquistas das mulheres
1910
A Conferência Internacional na Dinamarca
estabelece o 8 de março como o "Dia Internacional
da Mulher", em homenagem às mulheres
que morreram numa fábrica têxtil, em
Nova York, em 1857. A data foi oficializada pela
ONU em 1975.
de 8 a18 de março. Foram 10 dias de marcha de
Campinas a São Paulo. Caminhamos de 10 a 15 km
por dia. Para nós o movimento da marcha não pode
parar”, afirma a militante.
Para Esperança, a Marcha tem conseguido
elevar o nível de consciência das mulheres,
principalmente as mais jovens, que se aproximam
muito por causa das cores, das perucas e da agitação
promovidas pelo movimento. “A partir desse contato
elas vão se interessando pela leitura de livros
feministas e conhecem mais de perto as conquistas
e os avanços da mulher nos últimos anos”.
Futuro do feminismo
Em 2010, as mulheres mais pobres ainda lutam
por trabalho, melhores salários e qualidade de vida.
A grande novidade é que hoje temos duas candidatas
à presidência da República, com chances reais de uma
mulher chegar ao Planalto.
Para Esperança, esta eleição tem um valor
simbólico muito grande. “A mulher não pode se
acomodar e nem se contentar com a realidade do
mundo em que vivemos. Nós, mulheres, somos a
maioria da população e temos que avançar na
conquista de mais espaço”, reflete.
Segundo Bebela, o movimento feminista ainda
é muito elitista, para as classes mais privilegiadas.
Para ela, a saída é socializar o feminismo, difundindoo
em toda a sociedade. “O nosso grande desafio é
vencer a cultura, uma tarefa que passa pela mudança
na educação, nas instituições e na mídia. As famílias
continuam a ensinar as filhas a brincar de casinha
e os meninos, de carrinho e bola. Os papéis
tradicionais ainda são apregoados e vistos como
normais”.
Para a presidente da UBM, mulheres e homens
devem se unir e trabalhar juntos por uma sociedade
mais harmônica e solidária. “Nós, mulheres, não
podemos passar pela vida sem cumprir nosso legado
e deixar nossas marcas”, finaliza.f
1932
O voto feminino foi definitivamente conquistado
no Brasil.
1962
O Código Civil Brasileiro, de 1916, é alterado
concedendo o direito das mulheres trabalharem
fora do lar sem a autorização do marido ou do pai
e, em caso de separação do casal, o direito à
guarda do filho.
1988
Com o “ lobby do batom” , as mulheres incluíram
122 emendas na Constituição Federal Brasileira.
A partir daí, direitos como licença maternidade,
políticas contra a discriminação no mercado de
trabalho e maior igualdade entre homens e mulheres
começam a valer.
1995
Realizada a IV Conferência Mundial das Nações
Unidas sobre a Mulher, em Beijing, China, que
marcou o reconhecimento definitivo do papel
econômico e social da mulher.
1996
Instituído o sistema de cotas, na Legislação
Eleitoral, obrigando os partidos políticos a inscreverem
no mínimo 20% de mulheres em suas
chapas proporcionais.
2006
A luta contra a violência doméstica ganha a Lei
Maria da Penha.
2010
Entra em vigor a lei que amplia a licença
maternidade para seis meses.
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 11
[ Memória ]
Visibilidade histórica para as mulheres
por Adriana Borges
Reprodução
Murais de Di Cavalcanti no teatro João Caetano: artista retratava a mulher brasileira.
Essa é a promessa do projeto Memorial da
Mulher Brasileira, desenvolvido pela Secretaria de
Políticas para as Mulheres (SPM), a partir de um decreto
assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, durante as comemorações do Dia Internacional
da Mulher em 2010. Um espaço de pesquisa, resgate
e preservação da memória da participação das mulheres
na história e no desenvolvimento do Brasil, o
museu será instalado em um prédio público
disponível no Rio de Janeiro, ainda sem data para ser
inaugurado.
Segundo a ministra da SPM, Nilcéa Freire, o
Memorial da Mulher Brasileira (MMB) é um compromisso
da Secretaria, previsto no capítulo VIII do
II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, que
determina o investimento na reconstrução de uma
história que dê às mulheres o seu real e devido lugar.
Para a ministra Nilcéa Freire, o espaço vai dar às
mulheres visibilidade tanto pela sua participação na
história quanto pela sua atuação nas transformações
pelas quais passou e passa a sociedade brasileira. “O
Memorial da Mulher Brasileira” é uma iniciativa
pioneira que se configura como uma ação extremamente
democrática a ser desenvolvida pela
SPM em parceria com instituições gover namentais e
não-governamentais”, destaca a ministra.
No momento, o museu está em fase de implantação.
A estrutura preliminar será criada a
partir de um relatório encaminhado pelo grupo de
trabalho interministerial, criado para este fim. Os
governos municipais e estaduais, juntos com a Petrobras,
são parceiros do projeto. A expectativa da
12 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
Secretaria é que o funcionamento técnico e administrativo
do museu comece ainda neste ano.
Projeto
O Memorial será um centro de valorização da
memória, com acesso universal, que propiciará o
fomento às pesquisas acadêmico-científicas, não só
no âmbito das temáticas relativas às mulheres, mas
também das diversas áreas do conhecimento e dos
diferentes níveis educacionais. Além de acervo de
documentos, teses, livros, peças, mobiliários, obras
de arte, artefatos, imagens e sons que estejam
diretamente ligados à trajetória das mulheres em
nossa sociedade.
Está previsto no projeto a utilização de
modernos meios de comunicação associados às
novas tecnologias da informação e interatividade que
contribuirão para conduzir a comunidade à reflexão
e à crítica. “O museu pretende ser um espaço
de formação e empoderamento das mulheres”, explica
Nilcéa Freire.
O MMB será um espaço museológico e de
difusão cultural, com a missão de garantir o direito
à memória e ao reconhecimento da trajetória das mulheres
brasileiras, resgatando e preservando os
diversos registros existentes.
Segundo a SPM, parte do acervo já está sendo
digitalizado pelo Arquivo Nacional – parceiro no empreendimento
– fruto de um processo de releitura de
outros arquivos, com foco na participação da mulher.
Um site e outros processos de divulgação também
estão sendo concebidos com o intuito, entre outras
ações, de atrair doações espontâneas do público em
geral.
Além disso, serão produzidos programas que
visem à documentação escrita, oral e audiovisual,
assim como banco de dados, biblioteca virtual, publicações,
acervos de referências e outros instrumentos
que possam contribuir para o conhecimento
sobre a realidade das mulheres
brasileiras.
Segundo a ministra, ainda serão promovidos
estudos e pesquisas voltados à reconstrução da
memória histórica, política, social e cultural das mulheres
brasileiras. “Vamos estimular a atuação na
divulgação do conhecimento produzido e do acervo
constituído à comunidade científica, ao público
escolar e à população em geral. Também serão
estabelecidos intercâmbios e parcerias com entidades
afins nos âmbitos local, nacional e internacional”,
afirma. f
Para a ministra Nilcéa Freire, o Memorial da Mulher é uma
iniciativa pioneira.
Agência Brasil
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 13
[ Trabalhadoras rurais ]
A força das mulheres no campo
por Saulo Martins
Arquivo Contag
Das pessoas sem acesso à renda no país, 80% são trabalhadoras rurais.
Hoje, cerca de 15 milhões de brasileiras vivem
no campo, conforme levantamento do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As mulheres
somam 50% do contingente rural e representam
grande parte da força de trabalho que
sustenta a produção agrícola no Brasil, um dos
principais pilares da economia nacional.
Apesar dessa importância notável no
crescimento econômico da nação, de acordo com
pesquisa do Instituto de Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do total de
pessoas sem acesso à renda no país, 80% são mulheres
trabalhadoras rurais, que vivem sem benefícios
sociais e proteção legal do Ministério do Trabalho.
Muitas delas trabalham na lavoura e em casa,
mas, como não recebem seu próprio dinheiro ainda
vivem submissas aos seus maridos. Os dados da
pesquisa também apontam que mais de 6,5 milhões
de agricultoras são analfabetas. Outros problemas
atingem as mulheres do campo, o acesso precário à
assistência médica, baixos salários e a violência
sexista são alguns deles.
De acordo com a secretária de Mulheres da
Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura (Contag), Carmen Foro, as mulheres
trabalhadoras são ainda mais exploradas nas regiões
Norte e Nordeste. Para ela, a pobreza está diretamente
relacionada com a falta de acesso à educação. “Existe
uma necessidade de se garantir a instalação de
escolas em regiões mais próximas aos estabelecimentos
rurais e também de creches para que as mães possam
estudar e se desenvolverem social e economicamente.
Estimamos que são necessárias seis mil creches para
preencher essa lacuna”, completa.
14 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
Avanços
A falta de documentação é outro entrave para
a inclusão social das mulheres do campo. Em 2000,
mais de nove milhões de trabalhadoras não possuíam
documento de identidade. A partir de 2003, o
Governo Federal implantou algumas ações concretas
de valorização dos trabalhadores e trabalhadoras
rurais, especialmente no que diz respeito
à confecção de documentos de identidade e certidões
de nascimento, atendendo 80% das mulheres.
Também foi elaborado um projeto de concessão
de títulos de propriedade da terra, acesso ao crédito
e qualificação profissional para as mulheres. Os
terrenos passaram a ser registrados em nome do
homem e da mulher e as famílias chefiadas por mulheres
têm preferência na titulação. Com isso, o índice
de mulheres titulares de lotes da reforma
agrária aumentou de 24,1% em 2003 para 55,8% em
2007. Além de serem donas da terra, elas recebem
crédito e assistência técnica, através do Pronaf Mulher.
O projeto consiste em uma linha de
financiamento que garante a autonomia das trabalhadoras
do campo. Já foram concedidos 37 mil contratos,
com 236 milhões de reais emprestados,
segundo informações do Governo Federal.
Carmen Foro reconhece que as mudanças para
as mulheres rurais foram muito significativas, mas
que há um longo trabalho pela frente. “Conseguimos
criar linhas de crédito para as mulheres, mas os
bancos ainda agem com preconceito”, alerta. Para ela,
mais importante que os números apresentados é o
debate aberto pelo atual governo sobre o papel das
mulheres no campo. “Saímos daquela condição ‘invisível’
para sermos atuantes em vários programas
sociais, como a aposentadoria, acesso ao crédito e
programas de saúde e combate à violência”, avalia.
Minas Gerais
Uma parceria entre a Federação dos Trabalhadores
na Agricultura de Minas Gerais (Fetaemg)
e as prefeituras do Estado pode ser uma saída para
Alaide Lúcia defende mais investimento para reduzir o analfabetismo.
reduzir o analfabetismo entre os trabalhadores e
trabalhadoras rurais, mas, de acordo com Alaíde
Lúcia Bagetto, coordenadora da Comissão Estadual
de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Federação,
ainda será necessário que o poder público aumente
os investimentos e a infraestrutura nesse setor para
acabar com o problema.
De acordo com informações fornecidas pela
Comissão, outro problema grave assola o campo: a
violência sexista. “Os elevados índices de consumo
de álcool no campo afetam diretamente nesse caso.
A maioria das agressões que acontecem dentro de
casa é motivada pelo excesso de bebida, que
geralmente é ingerida pelos homens em maior
quantidade”, afirma Bagetto.
Segundo Alaíde, a mulher só vai superar essas
barreiras a partir do momento em que o nível de
organização aumentar. “A nossa esperança para
Arquivo FETAEMG
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 15
[ Trabalhadoras rurais ]
melhorar esse quadro está depositada na eleição de
Dilma Rousseff para a presidência do país. Só uma
de nós poderá ter um olhar mais carinhoso em
relação à dignidade das mulheres”, aponta.
Violência
Em 2000, quando a Comissão Nacional de Mulheres
Trabalhadoras Rurais (CNMTR) da Contag
coordenou a 1ª Marcha das Margaridas, reunindo 20
mil trabalhadoras rurais em Brasília, a questão da
violência foi destacada na pauta de reivindicações do
movimento. Contudo, até hoje essa dificuldade não
foi superada. “Vivemos em um país que, há bem
pouco tempo, começou a dar atenção ao meio rural
brasileiro. O histórico de abandono tem reflexo na
vida das pessoas", afirma Carmen Foro.
De acordo com a secretária da Contag, faltam
ações no âmbito do atendimento à mulher agredida
e na prevenção à violência, assim como medidas
voltadas ao fortalecimento da autonomia econômica
das trabalhadoras rurais, para que elas possam sair
de situações de violência. “Precisamos de um
Carmem Foro: “Saimos daquela condição invisível”.
Arquivo Contag
conjunto de políticas que se articulem", afirma, ao
destacar áreas como saúde e educação.
Carmen reclama da pouca quantidade de
pesquisas e estudos sobre a violência contra mulheres
no campo. A ausência de um diagnóstico preciso no
país foi confirmada pela secretária nacional de Enfrentamento
à Violência contra a Mulher da Secretaria
de Políticas para as Mulheres, Aparecida
Gonçalves.
Em 2003, o Governo Federal implantou a
Política Nacional de Enfrentamento à Violência
contra a Mulher, por meio da Secretaria Especial de
Políticas para Mulheres. Ela se estrutura por redes
de serviços de atendimento (delegacias especializadas,
casas-abrigo, centros de referência, defensorias públicas,
disque-denúncia); capacitação de profissionais
que trabalham com o tema da violência; mudanças
na legislação, como a aprovação da Lei Maria da Penha,
e, mais recentemente, com a criação do Fórum
de Elaboração de Política para o Enfrentamento à
Violência contra as Mulheres do Campo e da
Floresta, resultado da mobilização da Marcha das
Margaridas, cujo objetivo é formular e debater
propostas de políticas públicas relacionadas à
realidade das trabalhadoras rurais.
A Contag aponta que as políticas avançaram, no
entanto, as ações e metas dessa iniciativa
governamental devem ser incorporadas à realidade
e às demandas das trabalhadoras rurais. Para isso,
precisam se estruturar e se estender para além dos
limites urbanos, se articulando com outras políticas,
como o acesso à terra, renda, trabalho, formação
profissional, habitação, educação, saúde e segurança.
A 4ª Marcha das Margaridas em 2011 vai cobrar
um conjunto de políticas públicas de igualdade e
oportunidade de trabalho e aumento da participação
política das mulheres. “Somos apenas 9% dos
deputados e 12% dos senadores e para a construção
de uma sociedade mais justa e democrática é preciso
democratizar os espaços de poder e as mulheres
precisam se qualificar para isso”, complementa
Cármen Foro, secretária de Mulheres da Contag.f
16 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
Mulheres que marcaram a luta camponesa
Margarida Maria Alves
Nascida no dia 5 de agosto de 1933 na cidade
de Alagoa Grande, foi eleita presidenta do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais da cidade em 1973. Foi
responsável por mais de cem ações trabalhistas na
justiça do trabalho local, em plena ditadura militar. Sua
atuação no sindicato entrou em choque com os interesses
do proprietário da maior usina de açúcar local
(Usina Tanques). O proprietário era o líder do chamado
"grupo da Várzea" e o seu genro, então gerente da
usina, foi acusado de ser o mandante do assassinato
de Margarida no dia 12 de agosto de 1983.
Ela foi assassinada por um matador de aluguel com
uma espingarda calibre 12. O tiro a atingiu no rosto,
deformando sua face. No momento do disparo, ela
estava em frente à sua casa, na presença do marido e
do filho. Margarida dizia que é “melhor morrer na luta
do que morrer de fome", por isso, é considerada um
símbolo na luta pelos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras
rurais. Mais de duas décadas depois, ninguém
foi punido pelo crime. Seu caso foi incorporado às lutas
do Movimento Nacional de Defesa dos Direitos Humanos,
mas o principal acusado, Vítor Buarque, foi julgado
inocente em júri realizado no ano de 2003.
Fundação Margarida Alves
Elizabeth Altina Teixeira
Natural do município de Sapé, na Paraíba, nasceu
no dia 13 de fevereiro de 1925. Foi fundadora da Liga
Camponesa de Sapé (1958), em companhia de seu
marido, João Pedro Teixeira. Ele foi assassinado em 1962
por dois policiais disfarçados, a mando de usineiros
paraibanos. Elizabeth assumiu a liderança da
organização e, em dois anos, a Liga passou a ter 30
mil associados.
Com o golpe militar (1964), ela entrou na
clandestinidade e trocou o seu nome para Marta, indo
morar no Rio Grande do Norte. Chegou a ser dada
como morta, mas, reapareceu 17 anos depois, em 1981,
quando o governo Figueiredo decretou a anistia. Ela foi
encontrada pelo cineasta Eduardo Coutinho que
partiu em busca de camponeses/atores para atuarem
em um filme documentário, o histórico Cabra Marcado
para Morrer (1981-1984), que narra a luta camponesa
no Nordeste do Brasil. Ela reassumiu seu verdadeiro
nome e com a ajuda de Coutinho conseguiu localizar
seus filhos.
Hoje, com 85 anos, Elizabeth mora no interior da
Paraíba e é um símbolo vivo da luta camponesa. “A
mensagem que eu deixo é que todos os companheiros
que lutam no campo continuem a luta por uma reforma
agrária justa”, em entrevista concedida à equipe do Informativo
Memorial das Ligas Camponesas, em maio
de 2010.
Jorge Galdino
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 17
[ Capa ]
Um grande salto
Mais mulheres no poder no Brasil
Por Cecília Alvim
Agência Brasil
De olho no poder: mulheres querem participar mais da política
De 1500 ao início do século XX, as mulheres
brasileiras não participavam da política eleitoral. A
conquista do direito ao voto veio somente em 24 de
fevereiro de 1932. No entanto, até 1974, apenas uma
ou duas mulheres se revezavam na Câmara dos
Deputados. A primeira senadora foi eleita somente em
1990 e a primeira governadora em 1994.
Hoje, o eleitorado feminino (51,6%) é maior do
que o masculino (48,12%). As mulheres acima de 25
anos constituem 42,6% do eleitorado e aquelas de 35
anos ou mais constituem 30,3% do eleitorado
brasileiro, segundo dados do TSE para julho de 2010.
Mesmo com o crescimento da participação feminina
no cenário político, seja elegendo ou sendo eleitas, as
mulheres brasileiras ainda estão sub-representadas em
todos os níveis do poder político. No entanto, essa
realidade está prestes a mudar com a possível eleição
da primeira presidente do Brasil, pois finalmente há
duas mulheres candidatas, uma delas com chances reais
de vencer o pleito de 3 de outubro de 2010. Sendo esta,
uma das eleições mais femininas dos últimos tempos.
Segundo pesquisa Datafolha, divulgada em 13
de setembro, a presidenciável Dilma Rousseff, da
coligação Para o Brasil Seguir Mudando, abriu 23
pontos de vantagem sobre seu principal oponente,
o candidato tucano, José Serra, e agora lidera por 50%
a 27% A candidata Marina Silva obteve 11% das intenções
de voto.
Se essa tendência se concretizar, pela primeira vez
não haverá nenhum cargo eletivo do país que não tenha
sido preenchido por uma mulher. “Simbolicamente
isso tem um efeito importante e duradouro na formação
18 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
do inconsciente coletivo, pois pouco a pouco vão se quebrando
os preconceitos quanto à participação da mulher
na política e em diversos papéis na sociedade”,
afirma a doutoranda em Ciência Política pela UFMG,
Ana Maria Prestes Rabelo. Segundo ela, como o Brasil
tem hoje muito prestígio internacional, “esta eleição
dará uma mensagem ao mundo de que uma mulher
tem plenas condições de dirigir um país grande, em
desenvolvimento e cada vez mais proeminente nas
relações internacionais. Será também um exemplo e um
alento para todas as mulheres do mundo”, completa.
“Elas abrem caminhos para
as mulheres brasileiras terem
sonhos mais ousados, para se
enxergarem em tarefas cada
vez mais desafiadoras.”
de sustentação. “Dilma projetou sua identidade no
aprofundamento das transformações promovidas
por Lula, e Marina na sua história de luta pelas causas
ambientais”, destaca. “O diferencial de Dilma é que,
desde a democratização, ela perseguiu o objetivo de
governar o país e, há oito anos, vem ajudando a transformar
positivamente o Brasil”, completa.
Esse debate parece apontar que o simples fato de
haver duas mulheres como principais candidatas à
presidência, mesmo que elas não empunhem
bandeiras especificamente femininas, já é algo
singular. No entanto, um questionamento paira no ar.
Para além de uma conquista simbólica, que tipo de
mudança social e política estas mulheres podem
empreender pelo simples fato de serem mulheres? De
acordo com Ana Prestes, o fato de elas serem mulheres
agrega ao debate político e às metas para o Brasil o
elemento da democracia de gênero. “Elas abrem
caminhos para as mulheres brasileiras terem sonhos
mais ousados, para se enxergarem em tarefas
cada vez mais desafiadoras, para ser em parte ativa
de um projeto transformador”.
Avanço histórico
Em um país em que uma mulher nunca esteve tão
perto do mais alto posto de poder, essas eleições já representam
um avanço histórico, pois os partidos
poderiam ter escolhido homens, mas escolheram duas
mulheres para representar seus projetos políticos para
a nação. Os movimentos progressistas no Brasil
sempre levantaram as bandeiras da participação da
mulher e do respeito à diversidade de credo, cor,
gênero e opção sexual. “Somente nesta frente
poderiam ter surgido duas mulheres com ampla
capacidade de se candidatarem e almejarem a
presidência do país, porque são fruto de uma cultura
democratizante, plural e avançada”, diz Ana.
Para ela, cada uma das candidatas defende um
projeto de país, de acordo com suas trajetórias e bases
Estímulo à participação política
A possibilidade de uma mulher chegar à
Presidência da República parece já estar estimulando
mais mulheres a disputarem as eleições. Segundo os
dados do TSE, as mulheres representam 22,33% das
candidaturas nas eleições 2010. São duas mulheres
candidatas à Presidência, uma candidata a vicepresidente,
18 candidatas aos governos estaduais, 40
a vice-governadoras, 35 postulantes ao Senado, 3246
às Assembleias Legislativas e 224 à Câmara Distrital.
As projeções de crescimento da participação
feminina são baseadas no aumento do número de
candidaturas ao cargo de deputada federal. O Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) registrou 1345 candidaturas
femininas para as próximas eleições. Em 2002 e
2006, foram 490 e 737 candidatas, respectivamente.
De acordo com o site Mais Mulheres no Poder, com
essas projeções, pode-se esperar para a próxima
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 19
[ capa ]
legislatura, em 2011, uma bancada feminina mais
fortalecida na Câmara Federal para manter e ampliar
seus direitos, principalmente na luta pela igualdade
de gênero.
Entretanto, segundo o artigo A Sub-representação
da Mulher na Política no Brasil e a Nova Política de Cotas
nas Eleições de 2010, de José Eustáquio Diniz Alves,
Doutor em Demografia e professor do mestrado da
ENCE/IBGE, mesmo com a possibilidade de mais mulheres
no Parlamento, a paridade pode estar bem
distante. “Levando-se em consideração o ritmo de
crescimento do número de eleitas nas eleições dos
últimos 20 anos, o Brasil chegaria à paridade de gênero
no Parlamento, 256 deputadas, apenas em 2218, ou
seja, daqui a dois séculos”.
Deputadas federais eleitas
entre 1950 e 2006
Descumprimento da lei de cotas
contribui para a desigualdade
Ainda que essas eleições possam representar
avanços no que tange à maior participação da mulher
na política, atualmente, nos espaços de Poder
Executivo, a sub-representação feminina é evidente.
Nas prefeituras e governos de estados, a presença
feminina está entre 8% e 13%, respectivamente.
Nas secretarias de governo das capitais e dos
estados e Distrito Federal, esse percentual aumenta
para próximo a 20%, mas é interessante ressaltar que
as secretárias ocupam, em sua grande maioria, entre
60% e 70%, pastas relacionadas ao mundo
doméstico e de cuidados, as áreas de Educação e
Assistência Social, e encontram dificuldade de
inserção em outras áreas, como a administrativa,
econômica e tecnológica.
O percentual de mulheres é muito baixo também
nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras
Municipais, entre 11% e 12%. Segundo o site Mais
Mulheres no Poder, esse quadro se deve a diversos
motivos, entre eles a ideia ainda reproduzida de que
à mulher cabe o espaço doméstico ou privado, e não
o público, o da política, culturalmente reservado aos
homens. Contribui para a manutenção desta
desigualdade o não cumprimento por parte dos
partidos políticos brasileiros da legislação que
assegura uma cota por sexo mínima de 30% e
máxima de 70% para as candidaturas nas eleições
proporcionais. "A Lei não impõe sanções ao seu
descumprimento. Tais distorções fazem com que a
democracia brasileira não seja representativa e
participativa em relação a todos os segmentos da
sociedade”, aponta o site.
A política de cotas no Brasil foi estabelecida
inicialmente com a Lei 9.100, de setembro de 1995,
que determinou que um percentual de 20% das vagas
de cada partido ou coligação deveriam ser preenchidas
por candidaturas de mulheres. Em 1997, esse
percentual foi alterado para 30%.
20 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
Estudo aponta sub-representação feminina na ALMG
Alair Vieira
As historiadoras Fabiana e Valentina constatam que apenas 22 mulheres conquistaram uma vaga na Assembleia Legislativa em 170 anos.
Um perfil biográfico das 28 deputadas estaduais
e federais e senadora eleitas por Minas até hoje é o
resultado de pesquisa realizada pela Gerência-Geral
de Projetos Institucionais (GPI) da Assembleia
Legislativa de Minas Gerais, que se transformou no
livro Mulheres na política: as representantes de Minas
no Poder Legislativo. As historiadoras Fabiana
Belizário e Valentina Somarriba, organizadoras da
obra, ouviram 23 das 28 mulheres homenageadas no
livro. Nos depoimentos, as parlamentares contam
como ingressaram no universo político, os obstáculos
que vivenciaram e o legado de sua atuação,
além de opinarem sobre questões como o sistema de
cotas e o financiamento das campanhas eleitorais.
A pesquisa traz uma constatação preocupante.
Ao longo dos seus 170 anos de existência, apenas 22
mulheres chegaram a conquistar vagas na Assembleia
Legislativa, sendo que a primeira mulher foi eleita
em 1963. Para a atual bancada feminina foram
eleitas apenas oito deputadas, em um universo de 77
parlamentares. “Sempre houve uma sub-representação
gritante, mas o número atual assusta,
uma vez que mais da metade da população brasileira
é composta por mulheres”, destaca Valentina.
Segundo as pesquisadoras, muitas deputadas entraram
na política por laços familiares, outras por
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 21
[ Capa ]
atuação no movimento sindical, de igreja, por influência
de famílias tradicionais do interior, ou
por já terem exercido cargos públicos. Muitas
relataram que é difícil entrar e se manter na política,
porque o universo domiciliar ainda fica por conta
da mulher. “É um aspecto muito sofrido para elas
conciliar a dimensão do lar e da maternidade com
as atividades parlamentares e partidárias. Isso
retarda a entrada da mulher na política, que parece
acontecer por volta dos 40 anos de idade”, observa
Fabiana. Muitas alegam não querer continuar pelo
excesso de cobrança e pela falta de apoio dos colegas
e dos partidos, cuja direção é hegemonicamente
masculina. “Para o homem, é muito mais cômodo
participar ativamente da política, pois não se cobra
dele a mesma dedicação à família”, completa.
Entre os temas discutidos pelas deputadas na
ALM G, alguns se destacam. Elas costumam
apresentar projetos mais ligados ao cuidado com as
pessoas, como políticas para os idosos e para as
crianças, licença-maternidade de seis meses, distribuição
de ácido fólico para gestantes, e estão mais
atentas às questões de saúde e direitos do consumidor.
“Muitos desses assuntos elas vivenciam também na
família. São temáticas que emergem a partir do papel
da mulher na sociedade”, destaca Valentina.
O livro aponta, ainda, que a existência de
preconceito não é percebida ou admitida por todas
as parlamentares entrevistadas. No entanto, elas
relatam que sentem um tratamento diferenciado no
dia a dia das atividades legislativas. Algumas dizem
que são recebidas com flores, interrompidas nas
tribunas quando se pronunciam, que encontram
dificuldade de assumir os cargos principais nas
comissões mais importantes e de compor as mesas,
ou ainda que notam a impaciência dos homens
quando colocam temas femininos em debate. “O
preconceito é sutil, não é descarado. Elas percebem
que nem sempre são levadas a sério por seus pares.
Tudo isso demonstra que o universo da política ainda
permanece muito fechado para as mulheres”,
observam as pesquisadoras.
Cidadania incompleta
Para Marlise Matos (foto), coordenadora do Núcleo
de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher
(Nepem/UFMG) e autora do ensaio Mulheres em
busca de cidadania política, publicado no livro da
ALMG, o custo subjetivo/objetivo da participação
política feminina, no Brasil, é extremamente alto para
as candidatas, muito mais alto para elas do que para
eles. “A cidadania política brasileira está incompleta,
e cada um de nós tem uma contribuição a dar nesse
processo, de modo a influenciar as condições para
a transformação de uma cultura política tão refratária
à efetiva inclusão política de mulheres em nossos
parlamentos”, afirma.
Segundo ela, na sociedade patriarcal em que
vivemos, ainda há eleitores com baixíssimo senso de
responsabilidade em relação ao voto e quase nenhuma
consciência crítica sobre as diferenças e
discriminações de gênero nesse processo. “A incompletude
da cidadania feminina, mesmo que a maioria
masculina não aceite ou pretenda ignorar este fato,
é a incompletude da cidadania humana, da experiência
humana de direitos numa dimensão de
emancipação e justiça”, completa.
Saulo Martins
22 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
Uma mulher que fez a diferença
Com uma mulher na Presidência, o Chile avançou em termos de igualdade social e de gênero.
Ex-presidente do Chile, a médica socialista Michele
Bachelet foi eleita em 2006 para um mandato de quatro
anos. A despeito de ter começado o governo enfrentando
protestos, Bachelet terminou o mandato
como a presidente com maior popularidade da América
Latina, com um índice de aprovação de 81%. Entre os
motivos para essa alta aceitação popular, estão as
ações de gênero que Bachelet implementou em seu país,
tornando-se um exemplo de que as mulheres podem
fazer política de uma forma diferente, mais sensível às
demandas das próprias mulheres e da sociedade.
Em seu governo, Bachelet reformou o sistema
previdenciário do Chile e gerou uma pensão para as
donas de casa, além de um bônus para cada filho nascido
vivo. Criou o programa “O Chile cresce com você”, rede
de apoio às mães e filhos na primeira infância. Ampliou
o número de salas em creches e escolas infantis públicas,
facilitando o acesso da mulher ao trabalho. Aprovou
uma lei que elimina a diferença salarial entre homens
e mulheres e que concede benefícios trabalhistas às
domésticas.
“No simbólico, causou impacto nos modelos dos
papéis de meninos e meninas, já que sua chegada à
Presidência representou a ampliação do horizonte de
possibilidades para as mulheres”, disse a especialista em
política, María de los Ángeles Fernández, diretoraexecutiva
da Fundação Chile 21 ao portal Terra Viva.
“Pela primeira vez, a grande aspiração dos movimentos
de mulheres no Chile, de integrar a agenda política, foi
conseguida com a chamada agenda de gênero do
governo Bachelet”, disse ao TerraViva a ministra do
Serviço Nacional da Mulher, Carmen Andrade. Para ela,
essa mudança de políticas públicas não se explica
apenas porque Bachelet é mulher, mas por ser uma “mulher
comprometida com os temas da igualdade social
e de gênero”.
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 23
[ Capa ]
Mirem-se no exemplo dessas mulheres
O que pensam as candidatas à Presidência da República
Dilma Rousseff
Divulgação
Entrevista exclusiva para a
Revista Elas por elas
Desafios de ser uma mulher candidata à
Presidência da República
Dilma: Pela primeira vez, em 500 anos de história
e 120 anos de República, o Brasil se vê na iminência concreta
de ter uma mulher na Presidência da República.
Somos hoje 70 milhões de eleitoras, um universo que
provavelmente decidirá as eleições deste ano. Ainda nos
veem como diferentes, seja na ocupação de espaços de
decisão, na definição de nossos salários, ou na oferta
de empregos, enfim, ainda há o preconceito, fruto de
um padrão cultural. No entanto, acho que o Brasil está
preparado para ter uma mulher no seu maior posto de
comando, que é a Presidência da República. E eu
estou preparada para assumir este lugar, se esta for a
decisão da maioria das eleitoras e dos eleitores do país.
Nascida em 14 de dezembro de 1947, em Belo Horizonte
(MG), Dilma Vana Rousseff participou de vários movimentos de luta
pelo fim da Ditadura Militar, viveu na clandestinidade, foi presa e
torturada. Em 1973, muda-se para Porto Alegre, onde conclui o
curso de Economia, iniciado na UFMG, na Universidade Federal do
Rio Grande do Sul. Participa da luta pela Anistia e do movimento
pelas Diretas Já.
Exerceu diversos cargos importantes na Prefeitura de Porto
Alegre e no governo do Rio Grande do Sul. Filiada ao Partido dos
Trabalhadores (PT) desde 2001, Dilma foi ministra da pasta das
Minas e Energia entre 2003 e 2005, passando a ocupar o cargo de
Ministra-Chefe da Casa Civil a partir de junho de 2005.
Em 2010, Dilma é candidata à presidência da República pela
coligação Para o Brasil seguir mudando (PT, PCdoB, PMDB, PDT,
PRB, PR, PSB, PSC, PTC, PTN).
Enfrentamento de preconceitos
Tenho uma trajetória administrativa que me
confere experiência e conhecimento necessários. Rompi
barreiras de gênero: fui a primeira secretária de
Fazenda de uma capital, na prefeitura de Porto Alegre;
a primeira secretária de Energia, no governo do Rio
Grande do Sul, por duas vezes; a primeira Ministra de
Minas e Energia, nos dois primeiros anos do primeiro
governo do Presidente Lula; e a primeira mulher a
ocupar a Casa Civil da Presidência da República,
coordenando todos os ministérios e ações do governo.
Conheço o Brasil de ponta a ponta.
Propostas para o Brasil
O nosso projeto de governo tem um norte: seguir
transformando, para fazer do Brasil um país com
desenvolvimento para todos. Desenvolvimento
econômico só faz sentido quando vem acompanhado
da eliminação de desigualdades e de todos os tipos de
24 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
discriminação. E nenhum outro governo assumiu
ações tão claras e seguras nessa direção, como o
governo do Presidente Lula. Eu aceitei o desafio de dar
outros passos nos próximos anos, para avançarmos
ainda mais porque sabemos que o que foi feito não é
suficiente para a superação da nossa história de exclusão.
Ainda falta muito. E isso se faz por meio de ações
afirmativas.
Propostas para as mulheres brasileiras
Reconheço que há muito a avançar em questões
fundamentais para nós, mulheres. Apoiamos a ampliação
da licença-maternidade para seis meses. Reconhecemos
a importância das creches e estamos
propondo a criação de cerca de seis mil creches em quatro
anos. A saúde da mulher deve merecer um olhar
abrangente, da infância ao climatério, no contexto da
política de atenção integral à saúde da mulher, que o
Ministério da Saúde vem desenvolvendo desde 2004.
“Um país melhor é, aquele
onde as meninas possam
dizer, do mesmo jeito do que
os meninos, eu posso ser
presidenta do meu país”
Pretendo criar centros de prevenção e tratamento do
câncer. As drogas, especialmente o crack, atingem de
forma devastadora as mulheres: quando não são elas
as usuárias, elas sofrem com o vício de seus filhos e
maridos.
Sobre a Secretaria Especial de Políticas
para as Mulheres e os Planos Nacionais de
Políticas para as Mulheres
A Secretaria de Políticas para as Mulheres tem
avançado bastante na reflexão e na proposição de
ações. Meu propósito é continuar incentivando a implementação
do II Plano Nacional de Políticas para as
Mulheres. Mas é importante falar também dos avanços
que tivemos, nos últimos anos, na luta contra o padrão
de injustiça e submissão. Vale citar alguns dados
importantes, como o de que 53% do total dos
beneficiários e 93% do total de responsáveis preferenciais
pelo recebimento do Bolsa Família são mulheres. Outro
grande avanço é que, desde 2003, a inscrição dos
candidatos à reforma agrária passou a incluir, em caráter
obrigatório, o nome da mulher e do homem, independentemente
do estado civil. As famílias chefiadas
por mulheres também passaram a ter preferência
como beneficiárias de reforma agrária. No programa
Minha Casa, Minha Vida, a mulher também tem papel
essencial. É ela preferencialmente quem recebe o título
de propriedade porque ela é central na questão da casa,
do lar, da vida em família. Na agricultura familiar,
também promovemos mudanças. Antes o homem
recebia a titulação. Hoje, ela é compartilhada entre
homens e mulheres.
Violência contra as mulheres – Lei Maria da
Penha
O nosso governo enviou ao Congresso e sancionou
a Lei Maria da Penha. Das palavras de ordem “Quem
ama não mata”, que foram gritadas ao país inicialmente
a partir de Minas Gerais, até a Lei sancionada há quatro
anos, foram muitos os avanços. Construímos um
processo de debate que permitiu a conscientização da
sociedade para o fato de que a violência contra a mulher
é uma violência contra a família. São
acontecimentos que demonstram que o Brasil está
mudando.
Sua mensagem de esperança para as mulheres
do Brasil
Esses pontos abordados são apenas algumas das
questões específicas das mulheres a que darei ênfase
porque entendo que um país melhor é, antes de tudo,
um país onde nossos filhos e filhas são felizes. Onde as
meninas possam dizer, do mesmo jeito que os meninos
vêm dizendo durante toda a nossa história: “eu posso
ser Presidenta do meu país”.
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 25
[ Capa ]
Marina Silva
Divulgação
Entrevista exclusiva para a
Revista Elas por elas
Desafios de ser uma mulher candidata à
Presidência da República
Marina: M inha candidatura se dá em um
momento em que o país tem abertura para conceber
uma mulher na Presidência. Portanto, não tenho mais
que romper uma barreira de gênero, mas tenho que
demonstrar que as mulheres podem governar tão bem
quanto os homens, com as vantagens de um modelo
mais integrador e inclusivo. Meu diferencial é mais de
percepção das urgências do planeta do que uma
emanação da condição feminina. Mas acredito que a
gestão das mulheres – embora algumas apenas repliquem
o modelo masculino – tende a ser mais
cuidadosa com as pessoas, mais negociadora do que de
dominação, a fazer mais esforço para incluir do que para
disputar, ou seja, aplica uma democracia humanizada
e não a fria matemática da maioria impondo as coisas
para a minoria.
Nascida em 8 de fevereiro de 1958, em Seringal Bagaço, no
Acre, Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima trabalhou na extração
de látex e na plantação de roças. Aos 16 anos, muda-se
para Rio Branco, em busca de tratamento para a hepatite que contraíra.
Passa a trabalhar como empregada doméstica. Aprende a
ler e escrever no Mobral e conclui o ensino médio através de supletivos.
Cursa História na Universidade Federal do Acre. Atua no
Partido Revolucionário Comunista (PRC), organização política
clandestina. Funda a Central Única dos Trabalhadores (CUT) no
Acre, ao lado de Chico Mendes.
Em 1988, já integrada ao PT, foi a vereadora mais votada para
a Câmara Municipal de Rio Branco. Em 1990, elege-se deputada
estadual. Aos 36 anos, torna-se a senadora mais jovem da história
da República. Em 2002, com a eleição de Lula, foi nomeada ministra
do Meio Ambiente, cargo em que ficou até 2008. Marina Silva é a
candidata do PV às eleições presidenciais de 2010.
Enfrentamento de preconceitos
Sempre fui muito respeitada em minha trajetória
pública. Tive debates duros, adversários ferrenhos, tanto
na Câmara de Rio Branco quanto no Senado, mas nada
que levasse para os preconceitos de gênero, cor ou social.
Ultimamente, na condição de candidata à Presidência,
tenho sentido discriminação pela fé que professo, e isso
me surpreende porque desde a Constituição de 1988
estão asseguradas todas as garantias para a liberdade
religiosa.
Propostas para o Brasil
Temos a necessidade urgente de fazer uma
proposta para o país que não seja apenas uma boa gestão
do que foi construído até o momento. É preciso melhorar
e avançar. O que me leva a concorrer à
Presidência da República é ter uma militância de 30 anos
26 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
na agenda socioambiental e perceber que o Brasil
reúne as melhores condições para dar sua contribuição
nessa crise ambiental e econômica a fim de mudar o
modelo de desenvolvimento em direção a uma
economia de baixo carbono. Estamos à beira de um
apagão de recursos humanos por falta de uma visão estratégica
para a educação. O país precisa apostar em
educação e investir pesado para promover o fim das injustiças
sociais. Portanto, o desenvolvimento social e
econômico que queremos é um desafio que exige a contribuição
de homens e mulheres.
Propostas para as mulheres brasileiras
O investimento na mulher beneficia toda a família.
Para isso, vamos integrar programas sociais para
alcançar maior equidade e garantir condições de
acesso ao mercado de trabalho através de políticas como:
combate à violência contra a mulher e assistência às
“Dá certo lutar e desejar
amorosamente que o futuro
seja mais justo e mais feliz
para todas e todos”
famílias e às crianças; educação adequada a uma
sociedade do conhecimento; promoção da saúde da mulher,
através de ações de prevenção das doenças
sexualmente transmissíveis, de educação reprodutiva
e de acompanhamento das diferentes fases da vida
feminina; melhor atendimento pré-natal; e período de
licença-maternidade respeitado e ampliado para seis
meses.
Sobre a Secretaria Especial de Políticas
para as Mulheres e os Planos Nacionais de
Políticas para as Mulheres
Em meu governo, a Secretaria será mantida e terá
suas ações ampliadas junto a outras áreas e ministérios.
Uma das suas primeiras tarefas será garantir a plena implementação
dos Planos Nacionais de Políticas para as
Mulheres. Entre as ações prioritárias está a ampliação
das creches integrais e de qualidade, pois a ausência
destes equipamentos públicos é um grande entrave à
inserção ou retorno das mulheres ao mercado de
trabalho, afetando principalmente mães e crianças de
baixa renda.
Violência contra as mulheres – Lei Maria da
Penha
A lei é um marco, mas ainda é preciso avançar. Para
isso, propomos: Disque Denúncia acessível em todo o
território e articulado com a rede de atendimento à mulher,
que deve ser ampliada junto a municípios e
estados, com a construção e manutenção de delegacias,
juizados, centros de convivência e abrigos; assistência
às famílias e às crianças e humanização do cuidado com
as vítimas; e uma política de combate ao uso de drogas,
entre elas o crack.
Sua mensagem de esperança para as mulheres
do Brasil
Tive toda a chance de morrer jovem e analfabeta.
Mas recusei-me a me submeter sem lutar, sem esgotar
todas as oportunidades que tive, mesmo as mais
diminutas. Busquei desenvolver todo e qualquer talento
que Deus me deu. Trabalhei duro em cada coisa a que
me dediquei, sacrificando horas de sono, conforto, até
alimentação. E hoje tenho um bacharelado e estou concluindo
a segunda pós-graduação. Meus quatro filhos
também estão cursando ou já concluíram a
universidade. Neste momento, apresento para o Brasil
um projeto que considero ser o adequado para o
período que vivemos no planeta, pois nosso país tem
muito a oferecer à comunidade internacional. Portanto,
posso falar, com o testemunho de minha vida, que dá
certo lutar, se esforçar, ser honesta, ser íntegra, e
desejar amorosamente que o futuro seja mais justo, mais
solidário e mais feliz para todas e todos.f
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 27
[ Saúde ]
Feminização da aids
Superação exige mudança de comportamento
por Débora Junqueira
Casada, três filhos, Ana (nome fictício) levava
uma vida normal como qualquer dona de casa da
periferia de Belo Horizonte. Como doméstica,
trabalhava há mais de 10 anos na mesma casa para
ajudar o marido no sustento do lar. Nunca imaginou,
no entanto, que um dia pudesse ser contaminada pelo
vírus da aids, assim como a maioria das mulheres,
hoje, engrossam as estatísticas, o que demonstra ser
cada vez menor a diferença entre os sexos, nessa síndrome.
Atualmente, no Brasil, há 1,5 homens infectados
com HIV para cada mulher, em 1985, a
proporção era de 16 homens com aids para cada mulher.
No mundo todo, as mulheres já representam
50% da população infectada e, no continente africano,
já são maioria, com 60%. O fenômeno, conhecido
como a feminização da aids, remete às questões
sociais e relações patriarcais que ainda existem na
atualidade. E, não há dúvida, exige uma mudança
urgente de comportamento entre homens e mulheres.
Aos 34 anos, Ana começou a perder peso e a ter
uma série de sintomas, até um médico pedir o teste
de HIV. “Meu marido era namorador. Sabia que ele
era pai de 18 filhos fora do casamento, mas mesmo
sabendo de tudo, nunca consegui que ele usasse a
camisinha”, relata. Ao contar ao marido e alertá-lo
sobre a possibilidade de estar contaminado, ele
respondeu: “estou gordo, não tenho isso”. Dois anos
depois, os sintomas da doença apareceram. “Descobri
que a aids não tem cara”, reflete Ana.
Ela se separou e logo saiu do emprego, no qual,
num ato que considerou preconceituoso, foi transferida
de cozinheira para arrumadeira. Mais tarde conseguiu
se aposentar, uma conquista que nem sempre os
soropositivos conseguem facilmente. Passou por fases
de depressão, ficando cerca de quatro anos sem sair
de casa, com vergonha de sua aparência e do
preconceito. Após 12 anos de tratamento, conseguiu
superar os momentos mais difíceis com a ajuda de
grupos de apoio, onde faz trabalhos voluntários,
academia e participa de um coral.
Campanha “Quem tem amor próprio usa. Camisinha, um direito seu.”
Divulgação
28 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
Ana até se casou novamente, desta vez com um
homem soropositivo, que faz o tratamento
corretamente. No entanto, sem temer a
recontaminação, eles não usam preservativo nas
relações sexuais. Apesar de recomendar que todos
usem a camisinha, ela justifica: “O meu marido me
ama de verdade e é fiel”.
seduzidos por essas representações, a situação da
contaminação entre as mulheres não seria tão
grande”, acredita.
Para Chateaubriand, o aumento do número de
casos de aids entre as mulheres sempre foi uma
tragédia anunciada. Ele lembra que o primeiro
caso de contaminação pelo HIV anunciado foi o de
uma mulher infectada na África, mas no início criouse
a noção de que era uma doença só de
homossexuais, por este grupo liderar as estatísticas,
criando-se a ilusão de que as mulheres casadas
estavam livres de contaminação e não precisavam se
proteger.
“No mundo todo,
as mulheres já
representam 50%
da população
infectada pelo HIV”
Tragédia anunciada
Entre os especialistas, as relações de gênero
aparecem como uma forma de explicação para a atual
feminização da aids. A dificuldade de negociar o uso
do preservativo com o parceiro retrata como as mulheres
ainda estão numa posição de submissão aos
desejos masculinos. “As mulheres, de um modo geral,
mesmo galgando poder na sociedade, ainda se
preocupam em ser consideradas ‘fáceis’ ou não ser
respeitadas por andarem com uma camisinha na
bolsa”, avalia Roberto Chateaubriand, psicólogo e
conselheiro do Gapa-MG.
Segundo o psicólogo, dentro de um
relacionamento estável, se a mulher propõe a camisinha,
isso nem sempre é visto como proteção, o fato
é interpretado com desconfiança, como se houvesse
a possibilidade de traição. “Se não tivéssemos sido
Mulheres estão mais vulneráveis
A médica infectologista Carmem Mazzilli, em
entrevista ao Programa Sala de Imprensa da TV
Assembleia, explicou que quando a aids surgiu no
Brasil, no início dos anos 80, trabalhava-se com o
conceito de grupo de risco, liderado pelos
homessexuais, usuários de drogas e prostitutas, o que
excluía e gerava preconceito. Depois, passou-se a
utilizar o conceito de comportamento de risco que,
segundo ela, culpabiliza. Atualmente, o termo usado
é o de vulnerabilidade.
Portanto, pode-se dizer que a vulnerabilidade
das mulheres vai além das questões biológicas (o
aparelho reprodutor feminino propicia uma área de
contato maior para a contaminação), pois a questão
é social, sexual e cultural, exigindo mudanças de
comportamento por parte de homens e mulheres.
Segundo a médica, quando o preservativo
feminino foi lançado, surgiram novas perspectivas
de que a mulher pudesse ser sujeito nas implicações
sobre os riscos das doenças sexualmente transmissíveis.
O problema é que o preservativo feminino
é caro (cerca de R$ 5,00 a R$10,00), necessita de uma
orientação sobre o uso e tem uma distribuição restrita
nos postos de saúde.
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 29
[ Saúde ]
Mudança de perfil
Os dados comprovam que ao longo dos últimos
anos houve aumento expressivo nos casos de contágio
por HIV entre as mulheres, especialmente em
situação de pobreza e baixa escolaridade (Veja o box).
Também se verifica que a doença está deixando os
grandes centros urbanos e avançando em direção às
cidades menores e à zona rural.
Os números mais recentes, contudo, revelam
mudanças no que diz respeito ao nível de escolaridade
e à idade. Os dados mostram que 52% dos casos em
mulheres são entre aquelas que não têm nenhuma
escolaridade e entre aquelas que não concluíram o
ensino fundamental. Outro dado importante da
epidemia é o número crescente de contágio entre as
mulheres casadas e adultas.
A maior concentração ainda é entre pessoas de
20 a 30 anos, mas estão aparecendo mais casos entre
os maiores de 50. Em 2007, a taxa de incidência
da aids em mulheres acima de 50 anos praticamente
dobrou em relação a 1997, passando de 5,2 para 9,9
casos por 100 mil habitantes.
Entre as explicações para o fenômeno está o incremento
da vida sexual dos mais velhos, favorecido
pelos remédios contra impotência. Entre homens e
mulheres com mais de 60 anos há a percepção de que
não correm risco de serem infectados e normalmente
o sexo é praticado sem proteção.
Entre as ações adotadas dentro do Plano estão a
realização de oficinas com gestores estaduais da
saúde, das coordenadorias de políticas para as mulheres
e com lideranças da sociedade civil (como
grupo de mulheres que vivem com HIV; mulheres
vítimas de violência; e redes: feministas, negras,
jovens, mulheres com necessidades especiais, lésbicas,
transexuais e prostitutas).
Aids e violência
O Plano - o único da América Latina - faz parte
do Pacto Nacional de Enfrentamento da Violência
contra Mulheres. A relação entre aids e violência
sexual já vem sendo discutida há alguns anos.
Saulo Martins
Enfrentamento
O avanço da aids entre as mulheres levou a implementação
de várias políticas públicas para enfrentar
o crescimento de 44% na infecção por HIV
entre mulheres no período de 1995 a 2005. Em 2007,
começou a ser desenvolvido pela Secretaria de
Política para as Mulheres (SPM) e pelo Ministério da
Saúde o Plano Integrado de Enfrentamento da
Feminização da Epidemia do HIV/aids e DSTs.
De acordo com os ministérios, a intenção é
reduzir as vulnerabilidades das mulheres em relação
ao HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis.
Roberto Chateaubriand: “mulheres temem propor o uso do
preservativo.”
30 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
A ONU aponta a desigualdade de gênero e todas
as formas de violência contra as mulheres como
fatores determinantes para o aumento da
vulnerabilidade feminina à doença. Ou seja, as mulheres
muitas vezes são forçadas a ter relações
sexuais não desejadas e desprotegidas com seus
parceiros. Além da violência física, outras formas
sutis de opressão, como o preceito da fidelidade matrimonial,
concorrem para a proliferação do vírus.
Diante desse quadro, as campanhas educativas
passaram a focar com mais ênfase as mulheres. Além
da prevenção, outro viés tem sido o de orientar
aquelas que tiveram relações sexuais sem preservativo
a realizarem o teste de aids. Não saber que tem o vírus
pode levar o portador a continuar contaminando as
pessoas que ele gosta. E, segundo os especialistas,
quanto mais cedo for diagnosticada a doença, a
pessoa pode desfrutar dos avanços que a ciência e a
medicina proporcionam para os soropositivos.
No artigo científico aids e feminização: os
contornos da sexualidade (publicado na Revista Malestar
e Subjetividade – Fortaleza, Vol. VI, Nº 1, p. 103-
118, mar/2008), as autoras Maria Lúcia Chaves
Lima e Ana Cleide Guedes Moreira (professoras da
Universidade Federal do Pará) defendem que a
discussão sobre a aids deve passar também pelo
debate sobre a sexualidade humana.
O artigo cita as considerações do professor Paulo
Roberto Ceccarelli, que avalia a “educação sexual”
como uma importante contribuição para a prevenção
contra a aids. “Educação, não no sentido de
normatização, de imposição de uma regra, mas
sim, no sentido de informação eficaz, que não
apenas ensine a usar o preservativo (como
frequentemente se faz demonstrando em uma
banana), mas se discuta e dê atenção às manifestações
singulares da sexualidade. Esta seria uma maneira
de tornar a sexualidade familiar para as pessoas, pois,
dessa forma, elas estariam mais preparadas ao se defrontar
com situações de exposição ao risco de
contaminação da aids”, diz um trecho do artigo
disponível na internet.
Aids em números
• Mundialmente são 7,4 mil novos casos por
dia, dentre eles 6,2 mil adultos dos quais 48% são
mulheres.
• Em 2008, o número estimado de novas infecções
por HIV foi 30% menor que em 1996. O
número estimado de óbitos relacionados à aids em
2008 é aproximadamente 10% inferior ao de 2004.
• No período de 1995 a 2005, houve um
crescimento de 44% na infecção por HIV entre
mulheres.
• Além dos casos notificados (cerca de 630
mil brasileiros), estima-se que existam mais
250.000 pessoas infectadas pelo vírus HIV, que
não sabem que são portadoras, pois ainda não realizaram
o teste.
• No Brasil, as mulheres infectadas representam
um pouco mais de um terço dos casos. Mas o
que preocupa é a faixa etária: entre 13 e 19 anos,
para cada 8 meninos infectados, 10 meninas contraem
a doença.
• Há cerca de 3,2 milhões de pessoas infectadas
pelo vírus HIV no mundo. No Brasil, de 1980
a junho de 2007, foram notificados 474.273 casos
de aids.
• Na década de 80, havia em média um caso
em mulheres para cada 26,5 em homens. Com o
passar dos anos, a proporção foi caindo e em 2007
chegou a 1 caso de infecção em mulheres, para
cada 1,5 caso em homens.
Fontes:
- Relatório global sobre a epidemia de AIDS 2009 do Programa
Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UN-
AIDS) e a Organização Mundial de Saúde (OMS).
- Ministério da Saúde e Secretaria de Política para as Mulheres
(SPM).
- Programa Nacional de Doenças Sexualmente
Transmissíveis/AIDS, de 2007.
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 31
[ Saúde ]
AIDS - Sigla original da expressão em inglês Acquired
Immune Deficiency Syndrome. Identifica um
processo viral que ataca o sistema imunológico humano
e destrói as células que defendem o organismo
contra infecções. Quando isso ocorre, a pessoa fica
vulnerável a uma grande variedade de doenças graves,
como pneumonia, tuberculose, meningite, sarcoma de
Kaposi e outros tipos de câncer. São estas infecções
oportunistas que podem levar o doente de aids à
morte. O vírus que causa a aids, o HIV (Human Immuno
Deficiency Virus), já foi isolado em diferentes
concentrações de materiais ou líquidos orgânicos: no
sangue, no esperma, nas secreções vaginais, na saliva,
na urina e no leite materno. Porém, ainda não se comprovou
qualquer caso de infecção por meio de saliva
ou urina.
Comprovadamente, pode se dar por meio de
transfusões sangüíneas, pelo uso compartilhado de
seringas e/ou agulhas e nas relações sexuais. A mãe
portadora do vírus ou doente de aids também pode
transmitir o HIV a seu filho durante a gravidez, no
parto ou pelo aleitamento materno. Alguns medicamentos
vêm sendo usados com relativo sucesso no
combate à aids. A cura da doença, no entanto, ainda
não foi descoberta e uma vacina que a previna também
é uma possibilidade distante.f
Fonte: www.aids.gov.br
domingo8h50TV
TV
Band Minas
32 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
[ Artigo ]
O que os filmes de animação
podem ensinar sobre gênero
por Flávia P. Couto*
Crescemos e nos formamos academicamente sob
influências políticas, históricas e culturais. Como
pedagoga e habilitada para educar crianças de 2 a 10
anos, me propus a debruçar um olhar mais atento aos
artefatos culturais que poderiam contribuir de
forma positiva ou negativa em minha prática
docente, bem como nas de colegas. Passei a investigar
e tentar compreender os comportamentos de alunos
e alunas nos vários espaços formadores da escola, a
fim de perceber o que eles(as) traziam consigo dos
espaços de aprendizagem onde se encontravam
antes de chegarem à escola.
Observei também os recursos didáticos extracurriculares
adotados por professores(as) para
auxiliar no processo ensino/aprendizagem. Dentre
eles, me chamaram a atenção, os curtas e longas de
animação destinados ao público infantil. Impressionei-me
com o espaço que eles ocupam no
cotidiano das crianças. Os desenhos animados são
assistidos por crianças de 0 a 7 anos, em canais
abertos, no contraturno das atividades escolares e nos
canais fechados onde as exibições acontecem em
vários horários alternativos.
Na escola, os longas da Disney e da Nickelodeon,
dentre outras produtoras, são exibidos na biblioteca
como recurso didático ou como atividade recreativa
no formato “cineminha”. Em consequencia do longo
tempo em que crianças passam em companhia dos
personagens de seus desenhos prediletos, o que
percebo é uma apropriação de atitudes e vocabulários
que são repetidos por elas nas relações interpessoais.
Destaco o sucesso de algumas personagens:
Pequena Sereia, Barbie, os heróis das artes marciais,
Bob Esponja e Patrick Estrela. A estes últimos tenho
voltado um olhar investigativo mais amiúde. Os
personagens aqui eleitos fazem parte de tramas que
claramente expõe o universo masculino e o universo
feminino convencionalmente estabelecido. As
meninas aprendem com as princesas, que são
normalmente brancas, de cabelos lisos e longos,
cinturas finíssimas, extremamente vaidosas e zelosas
de suas aparências, que a mulher deve se cuidar para
se tornar atraente e sedutora para um pretenso
príncipe encantado.
Os meninos são informados de que homens
devem ter vigor físico, equilíbrio emocional e
suportar a dor ao ponto máximo.
Entretanto, dentro desse cenário, encontra-se,
por exemplo, Bob Esponja e Patrick Estrela,
personagens que transitam por espaços até então restritos
para personagens masculinos, pelo menos nas
produções direcionadas ao público infantil.
E é com base no interesse das crianças pelas
produções infantis que embaso minhas reflexões
acerca da interferência delas, no comportamento e
atitudes que reforçam e reafirmam as posições de
Internet
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 33
[ Artigo ]
homens e mulheres na sociedade ocidental a que pertencemos.
Sociedade que se estabelece em um
cenário heteronormativo onde a hierarquia entre os
sexos ainda ocupa espaço privilegiado. Basta vermos
que apesar de as mulheres conquistarem os espaços
públicos ainda são extremamente responsabilizadas
pela condução do espaço doméstico.
Quantas de nós não nos sentimos culpadas
quando um(a) filho(a) vai mal na escola ou mesmo
adoece, atribuindo tais fatos a uma extensa jornada
de trabalho. Em paralelo a isso, estão também
homens que se sentem muito incapazes, ao verem
suas esposas como provedoras, quando passam por
uma situação de desemprego. E qual então seria o
papel da escola diante dessas novas identidades
sociais de homens e mulheres? Penso que seria ampliar
o olhar de nossos(as) alunos(as) para uma perspectiva
na qual mulheres e homens transitam pelos
universos até então delimitados para um e para o outro.
Espaços delimitados por meio da cultura e da
história.
Nesse sentido, cabe aos docentes realizar uma
avaliação constante dos recursos didáticopedagógicos
utilizados na prática educativa. Livros
literários e didáticos, músicas e filmes infantis,
precisam ser problematizados em suas sutis
mensagens. Mensagens que têm um caráter formativo
poderoso.
Ressalto que no caso dos filmes infantis, a
cada dia mais bem elaborados, tanto em suas
narrativas como na qualidade das imagens e nos
efeitos especiais que os tornam enormemente
atrativos, em tempos em que a tecnologia cerca
alunos e alunas em todas as suas atividades, de forma
prática, penso que se pode e se deve utilizar nas
escolas, longas e curtas de animação como recurso
didático pedagógico.
Entretanto, alerto para a condução do trabalho
no seguinte sentido: é preciso assistir atentamente
aos filmes e desenhos escolhidos para exibição;
sugiro também que seja traçado um roteiro para
discussão sobre os mesmos, considerando os recados
explícitos e implícitos dados por seus personagens;
por fim entendo que o exercício não deve ser de
militância, mas de uma compreensão aprofundada
das relações de gênero a fim de abrir espaço para
possibilidades outras de identidades de gênero.
Se me perguntarem a relevância de se refletir
sobre as entrelinhas das pedagogias paralelas, diria
que romper com normas sociais pré-estabelecidas,
já na primeira infância, é contribuir para a almejada
inclusão escolar. Quando nos propomos a perceber
que socialmente há espaços reduzidos para mulheres,
obesos(as) ou muito magros(as), negros(as),
financeiramente menos favorecidos(as), os de cabelos
crespos e quando identificamos quais espaços
estes(as) ocupam nas animações infantis, nos apropriamos
de um bom material que nos oportuniza
redimensionar, junto com nossos(as) alunos(as), a
escola e a sociedade para a igualdade, valorizando
as diferentes diferenças. f
* Pedagoga/Pesquisadora do Grupo de estudo e pesquisa:
GSS-Gênero,Sexo e Sexualidade em Educação da FAE/UFMG
Internet
34 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
[ Artigo ]
Mundo infantil: reflexões sobre mídia e sexualidade
por Carla Brittes, Cássia Rocha, Luís Augusto, Paloma Toche,
Raquel Barbosa, Simone Moura e Tamires Godoy *
Internet
Este artigo tem por objetivo despertar no leitor
uma visão crítica relacionada à forma como a
sexualidade é tratada atualmente no contexto escolar.
Foi elaborado a partir de discussões realizadas no III
Núcleo Formativo do curso de Pedagogia, da
Faculdade de Educação da Universidade do Estado
de Minas Gerais (UEMG), quando foram debatidos
temas relacionados à “Criança na idade da mídia”.
Cada vez mais tem-se observado o excessivo
número de comerciais de TV, programas infantis,
desenhos animados e jogos eletrônicos carregados
de apelos eróticos, de violência e atitudes antiéticas.
De acordo com Marcos Nisti (2010),
coordenador da campanha “Semana do desligue a
TV”, 98% dos lares brasileiros têm televisão.
Conforme artigo publicado pelo site Socialtec,
Erotismo infantil nos programas de TV, de Márcio
Ruiz Schiavo, professor especialista em marketing
social, das 150 crianças entrevistadas por ele, 47,3%
manifestaram assistir TV mais de 4 horas diárias e
18,6% assistem mais de 3 horas diárias. Este dado é
bastante preocupante. Além dos programas ditos infantis,
as crianças assistem novelas, programas de
humor, séries, entre outras atrações que não são apropriadas
para determinadas idades.
Nessa atmosfera de desinformação, há algum
tempo, surgiu a tendência de se confundir sexualidade
com ato sexual e, até mesmo, com o coito. Dessa forma,
a discussão sobre sexualidade é alijada do seu
verdadeiro percurso, tomando rumos que vão desde
o tom da brincadeira à libertinagem. Além disso, para
maximizar a confusão no entendimento do assunto,
o termo amor, que define um sublime sentimento, é
utilizado como sinônimo de ato sexual.
Há que se esclarecer que sexualidade não pode
e nem deve ser confundida e definida como ato sexual
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 35
[ Artigo ]
e/ou coito. Sexualidade é o termo que se refere ao
conjunto de fenômenos da vida sexual de um ser
humano. Ela é um dos aspectos centrais de nossa
personalidade e por meio da qual nos relacionamos
com o outro. O ato sexual pode ser definido como
qualquer ato que envolva a sexualidade, tais como um
toque, um afeto, carícia, olhar, variantes sexuais e até
mesmo a penetração. Já o coito é o termo correto para
se definir a penetração propriamente dita, a qual
muitos confundem como sexo ou ato sexual único
(CHAUÍ, 1984).
Muito mais do que o simples debate sobre
educação sexual, utilizado muitas vezes apenas para
afirmar a diferença dos gêneros, a discussão sobre
sexualidade deve ser tratada de forma séria, necessária
e sem preconceitos dentro e fora da escola.
A erotização precoce, estimulada de diversas
formas, exige do educador atenção redobrada. É
urgente a percepção em relação aos desenhos, jogos
eletrônicos, filmes e revistas que trazem ora
disfarçados, ora explícitos, personagens sensuais que
atuam subliminarmente no inconsciente infantil.
Expostos constantemente durante a programação
da TV, propagandas, cartazes etc., a estes
estímulos que relacionam amor/sexo, adultos e
crianças naturalizam esta relação e legitimam
comportamentos sexuais precoces, acreditando-os
como manifestação da sensibilidade. Atentando
para este fato, observamos como os “marqueteiros”
e os profissionais da mídia se utilizam desta
associação para despertar o interesse de consumo em
seus espectadores e promover produtos. Sendo
agentes passivos na relação mercado versus
consumidor, as crianças passam a ser alvo fácil
para se atingir os interesses comerciais escusos de
certas empresas que, se aproveitando de personagens
“inocentes”, estimulam o consumo associado à
satisfação de necessidades sentimentais.
A televisão é um dos meios de comunicação
de maior acesso e por isso é também o principal
veículo de estímulo ao processo de erotização na infância.
A grade de programação dos canais vem sempre
recheada de sexo, mulheres bem aparentadas e
produtos para comprar. A mídia, nos dias atuais,
parece se resumir a isso e, não raro, as três coisas estão
interligadas cabendo ainda dizer que tais temas não
estão manifestos apenas em programas adultos,
mas também nos infantis.
Como a primeira aprendizagem da criança é
através da imitação, ela internaliza todos os conceitos
passados e, se não houver um acompanhamento
pedagógico, é claro, ocorrerá uma reprodução
desses valores. Marta Kohl (1999) deixa claro como
a criança, ao brincar (brincadeira de faz-de-conta),
imita o adulto e se comporta de forma avançada a sua
idade. Sendo assim, a criança tem o adulto como o
seu modelo.
Pode-se observar também que os estímulos eróticos
e as referências de gênero com cunho machista são
recorrentes nos programas infantis, que têm suas
atrações exibidas por mulheres bem apresentadas,
Internet
36 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
maquiadas e com pouca roupa, reforçando o mito que
o papel feminino na sociedade é o de educar e entreter.
As apresentadoras impõem um padrão de beleza que
influencia no modo como a criança quer vestir e ser.
Beleza, charme e sensualidade: requisitos básicos para
se dar bem na vida. Nota-se que conhecimento intelectual
não está na lista.
As meninas vêem seu corpo não apenas como
fonte de prazer, mas também de consumo e status
social. É muito simples perceber por que isso ocorre,
uma vez que o corpo feminino há muito faz parte da
“A sexualidade é vista
somente pelo lado sensual,
erótico e excitante, enquanto
deveria ser canalizada para a
construção de emoções, relações
pessoais e afetividade”
exposição banalizada, considerada natural e bela pela
mídia. Os meninos absorvem isso com a ideia de que
a mulher também é um produto a ser consumido e, caso
este tenha algum problema, basta trocar a marca.
A sexualidade é vista somente pelo lado sensual,
erótico e excitante, enquanto deveria ser canalizada
para a construção de emoções, relações pessoais e
afetividade. O brincar, que é típico dessa fase, já não
existe, o importante é parecer adulto e adotar os valores
da idade decadente. As crianças são “anãzinhas” e
daqui a pouco, num retrocesso histórico, o termo “infância”
cairá por terra. Tais valores são recorrentes nas
programações, visto que a maior parte do dia, a
criança fica com a “babá eletrônica”, pois os pais cada
dia mais atarefados, com menos tempo para se
dedicar a seus filhos, muitas vezes desconhecem o
conteúdo da programação televisiva ou não refletem
sobre o assunto. Assim, sem a intervenção deles ou de
outro adulto consciente, as crianças nem sempre
capazes de escolher algo adequado, acabam por ficar
horas expostas a uma quantidade absurda de estímulos
eróticos, como por exemplo, apresentação de
dançarinos de axé, cenas de orgia em clipes musicais,
corpos turbinados e flexíveis, criminalidade e violência.
Além disso, ainda há os jogos eletrônicos, que
apresentam cenas de sexo, de assassinato e assaltos à
mão armada.
Diante desta realidade é urgente que educadores
percebam como esta naturalização da lascívia vem
adentrando o contexto escolar a partir das
manifestações culturais. Crianças em danças com excesso
de sensualidade, músicas com conteúdo
ofensivo, roupas que estimulam o desejo sexual, são
aceitas em nome de uma “abertura cultural” às
vezes mal interpretada.
Talvez a resistência às investidas da TV seja
muito dura e o modismo tente nos engolir. Contudo,
no dia a dia da sala de aula, ao conhecer cada criança
com a qual se lida, que o educador possa descobrir o
ponto chave para se atingir realmente a sensibilidade
daquele ser que busca, nas interações com seus semelhantes,
o desenvolvimento por completo. f
* Estudantes do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação
(FaE/BH) da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).
Referências:
- CHAUÍ, Marilena. Repressão sexual: essa nossa
(des)conhecida. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1984.
- ESTEVES, Acúrsio Pereira. Mídia e sexualidade na
educação infantil. Disponível em
<http://www.overmundo.com.br/overblog/midia-esexualidade-na-educacao-infantilparte1>
último
acesso em 07 de junho de 2010.
- NISTI, Marcos. A TV não é o único meio que liga as
pessoas ao mundo. Disponível em:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos -
Acesso em 12/06/2010
- OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky: aprendizado e
desenvolvimento: um processo sócio-histórico. 4. ed..
São Paulo: Ed. Scipione, 1999.
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 37
[ Artigo ]
Descumprimentos da Lei Maria da Penha
por Elizabeth do Nascimento Mateus*
Madú Dorella
Um importante fato histórico para as mulheres
brasileiras comemora-se no mês de agosto, quando
completa quatro anos de existência a Lei nº. 11.
340/06, denominada Lei Maria da Penha em
homenagem à professora Maria da Penha Fernandes,
vítima da violência doméstica.
A Lei postula que os direitos das mulheres são
direitos humanos, em seu art. 2º lê-se “que toda mulher,
independentemente de classe, raça, etnia,
orientação sexual, renda, cultura, nível educacional,
idade e religião, goza dos direitos fundamentais
inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas
as oportunidades e facilidades para viver sem
violência, preservar sua saúde física e mental e seu
aperfeiçoamento moral, intelectual e social.”
Desde 2006, busca-se de forma mais efetiva
combater a discriminação contra as mulheres no país.
A violência doméstica e familiar contra as mulheres
consiste numa forma de discriminação com
base no fato de que a vítima do agressor só é
agredida por ser mulher. Assim, a violência familiar
e doméstica constitui-se numa violência de gênero.
Embora a referida lei seja inovadora na defesa
sistêmica dos direitos humanos da mulher, com reconhecimento
internacional de sua importância, no
sentido de contribuir para com o enfrentamento da
violência familiar e doméstica, no âmbito interno,
a mesma tem encontrado resistência em sua aplicação
imediata por parcela da autoridade policial e,
também, por parte do poder judiciário.
Apesar da Lei Maria da Penha, ainda são
inúmeros os casos de assassinatos de mulheres em
38 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
todo o país. Entretanto, nem todos alcançam os meios
de comunicação. Contudo, para a exemplificação da
negligência, da omissão, da desídia e do descaso das
autoridades mencionadas, destacam-se dois casos emblemáticos
do conhecimento público – Maria Islaine
e Eliza Samúdio –, ambas assassinadas.
A cabeleireira Maria Islaine foi brutalmente
assassinada, em janeiro de 2010, em Belo Horizonte,
pelo ex-marido, que disparou nove vezes contra ela.
Mesmo tendo procurado a polícia e registrado
várias queixas contra o ex-marido, feito oito registros
de crime de ameaça, que resultaram em três
prisões preventivas decretadas contra seu ex-marido,
nenhuma foi cumprida.
Por isso, ele continuou a procurá-la, mantendo
ameaças e agressões em sua própria casa, situação
registrada por telefonemas de Maria Islaine para a
polícia pedindo ajuda e socorro – mas tudo em vão.
Eliza Samúdio, supostamente assassinada pelo
jogador de futebol Bruno, teve seu corpo “desossado”
depois de ter sido esquartejada, seus restos mortais
“Eliza Samúdio foi vítima
da juiza que a discriminou
pelo fato de seu
relacionamento não
corresponder aos
padrões patriarcais”
jogados a cachorros e os ossos posteriormente
cimentados. A brutalidade e a banalização da vida
choca a todos que tomam conhecimento do ocorrido.
Ainda em outubro do ano passado, consta da
queixa registrada na Delegacia Especial de
Atendimento à Mulher (Jacarepaguá, RJ) que a
mesma estava grávida de cinco meses, quando foi
seqüestrada por Bruno e seus cúmplices, mantida em
cárcere privado, sendo agredida física e verbalmente,
ameaçada de morte e forçada a uma tentativa de
aborto.
Na ocasião, a delegada de plantão, reconhecendo
o risco que a jovem corria e a pertinência da Lei Maria
da Penha ao caso, solicitou ao Judiciário a aplicação
de uma medida protetiva contra o goleiro Bruno, que
o proibia de se aproximar de Eliza por menos de 300
metros. No entanto, a juíza responsável negou o
pedido, alegando a não existência de um
relacionamento entre as partes envolvidas, e acusando
a vítima de "tentar punir o agressor" (...) "sob pena
de banalizar a finalidade da Lei Maria da Penha".
Além de desconsiderar o fato de Eliza estar
grávida do agressor e desconhecer que a Lei Maria
da Penha foi criada para proteger as mulheres, essa
juíza afirmou, ainda, que a referida Lei "tem como
meta a proteção da família, seja ela proveniente de
união estável ou do casamento, bem como objetiva
a proteção da mulher na relação afetiva, e não na
relação puramente de caráter eventual e sexual".
Constata-se que Eliza foi vítima também da juíza
que a discriminou pelo fato de seu relacionamento
não corresponder aos padrões patriarcais e legais
estabelecidos e também questionou a honestidade da
vítima, quando afirmou que a relação foi apenas
‘eventual e sexual’.
Em nota publicada pela Secretaria de Políticas
para Mulheres (SPM) sobre o caso Eliza, registra-se
que o artigo 5°, inciso III da Lei Maria da Penha,
caracteriza como violência doméstica "qualquer
relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva
ou tenha convivido com a ofendida, independente
de coabitação".
“A legislação não estipula o tempo da relação,
porque a violência doméstica e familiar contra a mulher
se configura por meio de qualquer ação ou
omissão baseada no gênero que lhe cause morte,
lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, além
de dano moral ou patrimonial. Qualquer
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 39
[ Artigo ]
Agência Brasil
relacionamento amoroso, portanto, pode terminar
em processo judicial com aplicação da Lei Maria da
Penha, se envolver violência doméstica e familiar contra
a mulher e violar os direitos humanos.”
A representante do Fundo de Desenvolvimento
das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), Rebecca
Reichmann Tavares, também considera que a
situação vivenciada por Eliza se enquadra na Lei
Maria da Penha. “As mulheres são tratadas como se
estivessem provocando a violência, que não deveriam
sair de casa, porque policiais e juízes estão convivendo
com os próprios preconceitos e com a cultura que
muitas vezes culpa a mulher por esse tipo de caso,”
afirma.
Ainda sobre o assunto, Cecília Maria Bacellar
Sardenberg (professora e pesquisadora do
NEIM/UFBa e Coordenadora Nacional do OBSERVE
(Observatório de Monitoramento da Aplicação da
Lei Maria da Penha) defende que “quando a negligência
persistir, sigamos o exemplo da Professora
Maria da Penha, apelando para as cortes internacionais.
Ademais, é imprescindível que nos
organizemos para que se processe uma verdadeira
reforma no Sistema Judiciário e nos órgãos de
segurança pública – que deve começar com os
cursos de Direito – de sorte a livrá-los, de vez, das
ideologias patriarcais que acalentam a violência contra
nós, mulheres, em nome da ‘família’.”
De acordo com Cecília Maria Bacellar
Sardenberg, identifica-se, também, “uma prática
preocupante: a exigência de duas testemunhas que
atestem a veracidade dos fatos relatados pela mulher.
Sem a presença das testemunhas, o Boletim de
Ocorrência não é registrado. E se exige o
agendamento para comparecimento das vítimas e das
pessoas para testemunharem a seu favor, o que incorre
na desistência de algumas mulheres, por falta
de testemunha. Afinal, casais não costumam levar
“testemunhas” para o interior dos seus quartos e para
o leito conjugal onde ocorrem em grande medida,
os atos de violência doméstica.”
Diante deste quadro de violência persistente, o
Comitê CEDAW (Criado pela Convenção Contra
Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher
– Convenção CEDAW) já havia apresentado, em
2007, 41 recomendações que devem ser cumpridas
40 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
em defesa dos direitos humanos da mulher brasileira.
Destas destacam-se três pelo fato de apresentarem
um conteúdo pertinente com a reflexão sobre o
descumprimento da Lei Maria da Penha.
A recomendação 14 “assinala a responsabilidade
plena do Estado-Parte, inclusive em todos os poderes
do Estado, e independentemente de sua estrutura
constitucional, para cumprir em todos os níveis com
suas obrigações previstas na Convenção”; a
recomendação 16 “exorta o Estado-Parte a assegurar
que a Convenção e a legislação nacional correlata
sejam parte integrante da educação e treinamento
das autoridades judiciárias, inclusive juízes,
advogados, promotores e defensores públicos bem
como do currículo das universidades, de forma a
estabelecer firmemente no país uma cultura legal de
apoio à igualdade de gêneros e não discriminação.
Convida ainda o Estado-Parte a fomentar a conscientização
das mulheres sobre seus direitos, inclusive
em áreas remotas e entre os grupos em maior
desvantagem, através de programas de alfabetização
legal e assistência jurídica de forma a que possam
reivindicar todos os seus direitos previstos na
Convenção”.
A recomendação 22 diz que “o Estado-Parte
deve continuar dando prioridade à eliminação de todas
as formas de violência contra as mulheres, inclusive
violência doméstica, e a adotar rapidamente medidas
eficazes para a plena implementação da Lei nº.11.340
(Lei Maria da Penha), seu monitoramento sistemático
e avaliação de seu impacto, bem como a criação
acelerada de tribunais especiais sobre violência
doméstica contra as mulheres em todo o país e o total
envolvimento de todos os atores relevantes, incluindo
organizações não-governamentais, autoridades
judiciais e outros profissionais que trabalham para
cuidar da violência contra as mulheres.”
O descumprimento da Lei Maria da Penha
pelas autoridades policiais e judiciárias configurase
num formalismo jurídico vazio, insensível às
necessidades de proteção do ser humano. Impõe-se
uma urgente mudança de mentalidade, uma melhor
compreensão da matéria por parte do judiciário. Não
é possível continuar pensando dentro de categorias
jurídicas patriarcais, preconceituosas e ultrapassadas
ante a realidade do mundo atual.
Às mulheres cabe o uso de dois provimentos:
primeiro, responsabilizarem o Estado brasileiro
pela ação/omissão de seus agentes contra as mulheres;
segundo, postularem denúncia contra o Estado
brasileiro à Corte Interamericana de Direitos
Humanos (OEA) por violação dos seus direitos, como
o fez Maria da Penha.f
* Diretora do Sinpro Minas e membro do Fórum Mineiro
de Direitos Humanos
Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa
do Brasil. 9ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008.
___________ Lei nº. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria
mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra
a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição
Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe
sobre a criação dos J uizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal
e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial
da União, Brasília, 08 agosto 2006. Disponível em:
<www.planalto.gov.br/ccivil/_ato2004.../lei/l11340.htm>. Acesso
em: 03 jun. 2010.
_________Observatório de Monitoramento da Aplicação da Lei
Maria da P enha. Disponível em:
<http://www.observe.ufba.br/noticias/exibir/129>. Acesso em: 14
ago. 2010.
_________Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.
Disponível em <http://www.sepm.gov.br> Acesso em 12 ago. 2010.
OEA. Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação
contra a mulher (1979). (30 anos). Disponível em
<http://www.un.org.> Acesso em 01 jun.2010.
____________Recomendações do Comitê (CEDAW). Disponível em
<http://www.cidh.org/>. Acesso em 18 jul.2010.
TAVARES, Rebecca Reichmann. Caso do goleiro Bruno se encaixa
no perfil de violência contra a mulher. Disponível em: <agenciabrasil.ebc.com.br>.
Acesso em 5 jul. 2010.
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 41
[ Entrevista ]
Danielle Mitterrand
“A América Latina abre as esperanças de
um amanhã mais humanista do que contábil”
por Denilson Cajazeiro • Tradução: Sílvia Gomes
Mark Florest
Militante das causas humanitárias, a ex-primeira dama da França percorre o mundo para defender o direito à água potável.
Reconhecida internacionalmente por sua
atuação política e humanitária, a ex-primeira dama
da França Danielle Mitterrand, 86 anos, não se cansa
de percorrer o mundo para defender o direito à água
potável, a sua principal preocupação nos últimos
anos. “A água não é mercadoria, é um bem comum
da humanidade. Deve ser acessível a todos, e os
Estados precisam escrever em suas constituições que
o direito à água potável é inalienável e fundamental”,
afirmou a ativista, em entrevista ao Extra-Classe, programa
de TV do Sinpro Minas, em maio deste ano,
quando esteve em Belo Horizonte para participar de
atividades da Fundação France Libertés.
Com um jeito tranquilo, sereno, e um olhar
firme, Mitterrand manifestou sua preocupação com
a privatização dos recursos hídricos e disse haver falta
de vontade política dos governantes para resolver o
problema de acesso à água potável. Segundo dados
da France Libertés, 34 mil pessoas morrem a cada dia
em razão da falta de água potável e 1,5 bilhão de
pessoas não têm acesso a esse bem de forma
adequada.
Atualmente, Mitterrand preside a Fundação
France Libertés, entidade criada em 1986 por ela
mesma, que financia e apoia projetos sociais e
ambientais em países pobres. A primeira vez que veio
ao Brasil foi em 1982, em apoio a uma comunidade
de camponeses sem-terra. Desde então, mantém uma
42 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
relação amistosa com o nosso país, apoiando
iniciativas e projetos socioambientais. “É verdade que
no Brasil eu encontro grande concordância com minhas
ambições, minhas esperanças de outro mundo,
e aqui nós avançamos, particularmente bem, sobre
essas novas ideias”, disse Mitterrand, que já se
posicionou a favor dos povos indígenas da América
Latina, entre outros excluídos. Confira abaixo a entrevista.
Como se dá a atuação humanitária e
política da Fundação France Libertés,
fundada pela sra. em 1986?
“1,4 trilhões de dólares
são gastos por ano no
mundo com armamentos; 1%
desse orçamento seria
suficiente para que o projeto
de levar água para todos no
mundo fosse realizado.”
O objetivo da Fundação é defender os direitos
do homem e dos povos. Fizemos isso durante vários
anos, respondendo aos relatos de populações que sofriam
sob ditaduras, sejam elas econômicas ou
políticas. Durante esse percurso, eram cada vez
mais frequentes relatos sobre as inquietudes das
populações, dos povos, em relação ao futuro, tendo
em vista a poluição e a falta de água. Assim, a
Fundação compreendeu que se ela não defendesse o
estatuto da água, os direitos do homem não poderiam
mais ser abordados. Então começamos a trabalhar
seriamente com outras equipes e outras organizações,
em todo o mundo, sobre o porquê do problema da
água, no começo do século 21, tendo em vista que tais
questões não eram colocadas nas décadas
precedentes.
A água será considerada neste século tão
importante quanto o petróleo?
Todos os seres humanos, todos os seres vivos,
não podem ficar sem água; ela é a vida. Poderemos
muito bem ficar sem petróleo, mas não poderemos
ficar sem água.
Segundo dados da Fundação, 34 mil
pessoas morrem a cada dia em decorrência da
falta de água potável e 1 bilhão e meio de
pessoas não têm acesso a esse bem de forma
adequada. Qual a sua expectativa em relação
a mudanças nesse quadro?
Em 1992, houve um congresso, no Rio [a Eco 92,
no Rio de Janeiro], que culminou com uma declaração
bastante reconfortante e muito encorajadora
que dizia que a água seria acessível, em todas as partes
do mundo, no ano 2000. Ficamos felizes porque
parecia existir uma vontade política. Mas essa
vontade política não se concretizou e a razão dada
foi que não havia dinheiro. Ora, me revolto com essa
razão, que não é verdadeira. 1,4 trilhão de dólares são
gastos por ano no mundo com armamentos; 1% desse
orçamento seria suficiente para que o projeto de levar
água para todos no mundo fosse realizado. É uma
falsa razão. É porque não existe vontade política para
fazer. Estamos aqui para incitar nossos governos a
retomar o bom senso e se ocupar mais do interesse
geral da população do que da corrida ao poder e à
riqueza.
A Fundação também denuncia empresas
e governos que exploram de forma predatória
a água ou tentam privatizá-la, não é?
Esse modelo de privatização, no qual os Estados
delegam a responsabilidade a empresas privadas, que
visam a obtenção de lucros, não alcança os objetivos
de fazer com que a água seja acessível a todos. Aí que
deve ser feita uma escolha de sociedade. Temos que
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 43
[ Entrevista ]
saber se a água pode ser considerada como recurso
financeiro para alguns, ou se ela é realmente o
elemento constitutivo da vida – o que ela é realmente
– e se nós a consideramos como um bem comum a
ser dividido entre todos.
Como a sra. observa o Brasil em relação
à gestão e preservação dos recursos hídricos?
No Brasil, como no norte da Europa, há muita
água. Efetivamente quando falamos aos brasileiros,
eles não compreendem bem que existe um problema
com a água, porque eles abrem a torneira e
há água. Mas fazemos parte de um todo, um todo
que é o planeta, e somos todos comprometidos, o
Brasil e a Europa, com o que acontece na África,
na Índia e em outros lugares. Assim, é uma gestão
mundial da água que devemos buscar. Tudo que
acontece no Brasil e na Europa tem reflexo no resto
do mundo. Devemos estudar a questão da água em
seu conjunto e não simplesmente no terreno ou no
país onde estamos. Isso é difícil de conceber, que
devemos ter uma visão geral da política da água,
tendo em vista as diferenças de cada país, de cada
território.
A construção de um novo mundo, pelo
qual a sra. luta, passa por onde?
Estou convencida de que é pela democracia que
sairemos desse mundo atual, que é predador. Para
voltar ao problema da água, ela é o melhor vetor,
porque dá a todos o senso de responsabilidade que
temos em face de nós mesmos, aos outros homens
e ao meio-ambiente. Essa tomada de consciência de
que tudo está ligado deve vir de um movimento da
população, de cada um de nós. Acredito que essa será
a vitória da democracia.
A América Latina vem passando por
algumas mudanças, com a eleição, em alguns
países, de governos de esquerda e de centroesquerda.
A sra. acredita que essas mudanças
estão apontando para um novo caminho?
Certamente. É na América Latina que o direito
à água foi inscrito nas constituições da Bolívia, do
Equador e do Uruguai. Eu espero que outras constituições
tenham essa inscrição rapidamente. Vemos
também, no Chile, um sentido contrário, mas no
conjunto é verdade que a América Latina abre as
esperanças de um amanhã mais humanista do que
contábil, se posso dizer assim.f
Arquivo Associação Lagoa do Nado
Crianças do projeto Mensageiros da Água, que tem o apoio da Fundação France Libertés, em Belo Horizonte
44 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
[ Comportamento ]
Moda: uma alternativa de expressão
por Débora Junqueira
Divulgação
Quando a estudante Geisy Arruda saiu de casa
com um minivestido rosa-choque não imaginava o
frisson que iria causar na universidade. Protagonista
de um dos episódios mais machistas dos últimos
tempos, Geisy deu a volta por cima, virou celebridade
e até vai lançar uma autobiografia. Também se
tornou dona de uma loja que só vende roupas de cor
rosa e com preços populares.
Para quem não se lembra, em outubro de 2009,
a estudante da Uniban (Universidade Bandeirante),
de São Paulo, foi humilhada por cerca de 800 alunos
enlouquecidos que urravam “puta”, “vamos linchar”,
“vamos estuprar”, simplesmente porque ela
usava um vestido curto na escola. Vídeos feitos em
celulares foram divulgados na mídia e o fato tomou
grandes proporções.
A Uniban divulgou anúncios em jornais
comunicando a expulsão de Geisy, sob alegação de
que ela usava “trajes inadequados”, num “flagrante
desrespeito aos princípios éticos, à dignidade
acadêmica e à moralidade”. Depois, a faculdade
voltou atrás, mas a repercussão do caso já havia ultrapassado
as fronteiras do Brasil. Manifestações de
feministas e de estudantes ligados à UNE aconte -
ceram em frente à Uniban. Na universidade de
Brasília, mulheres tiraram a roupa e pintaram seus
corpos em solidariedade a Geisy.
Conforme descreveu a Revista IstoÉ, em novembro
de 2009, depois do ataque, Geisy largou o trabalho
de balconista num mercadinho em Diadema,
onde ganhava R$ 400,00 e não foi mais à faculdade.
“Ficou enfurnada em casa, remoendo a culpa que não
era dela, durante uma semana. Só quando o
escândalo repercutiu nos meios de comunicação,
entendeu que a indecência não estava em suas coxas
despidas ou em seu corpo parcialmente coberto pelo
vestido rosa-choque. Indecência foram as mani -
festações de machismo e intolerância que ela fora
submetida”, diz um trecho da reportagem.
É inadmissível que, em pleno século XXI, pessoas
sejam humilhadas e agredidas pelas roupas que usam.
Rechaçado pela sociedade, o episódio constituiu-se em
um perigoso precedente de retrocesso.
Moda e futebol
Para Tereza Scofield, professora do Curso de
Design de Moda da Faculdade Estácio de Sá, mestre
em Comunicação e designer de bolsas, Geisy Arruda
usava uma roupa fora do contexto, assim como o
Dunga, técnico da seleção Brasileira, num jogo da
Copa na África. “Ele vestia um casaco clássico de um
estilista famoso, no campo de futebol, que lhe
rendeu muitas críticas. No caso da estudante, pelo
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 45
[ Comportamento ]
Ricardo Nogueira/Folhapress
No século passado, a atriz Leila Diniz também
protagonizou um escândalo na sociedade ao posar
grávida, com a barriga à mostra num maiô de duas
peças. A partir dali, inicia uma época em que a
revolução sexual se insere na revolução dos costumes,
refletida nas roupas, na maneira de agir. Mas no caso
de Geisy Arruda, o que intriga é que a garota estava
com uma roupa que muitas garotas da sua idade
usam. Portanto, diferente de Leila Diniz, ela não
chocou porque estava à frente do seu tempo. O que
faz refletir sobre o retrocesso e a postura de intolerância
machista dos estudantes e da própria
universidade.
Dunga lança moda na Copa do Mundo e recebe críticas
fato de ser mulher e usar uma roupa também
inadequada para a ocasião, a atitude dos seus
colegas foi machista e desproporcional”, avalia. A
professora compara a moda com o futebol não só nos
exemplos entre Geisy e Dunga. “O futebol é algo fútil,
assim como a moda, às vezes, também é encarada,
mas por interessar mais aos homens ocupa as
primeiras páginas dos jornais, enquanto o tema moda
só é abordado no segundo caderno”, opina.
Segundo Tereza, a roupa não chega a ser um código
lingüístico, mas comunica, diz sempre algo. “Branco,
por exemplo, pode representar pureza; preto, luto, e
vestido curto numa mulher loira pode comunicar que
ela está se oferecendo sexualmente”, explica.
Ela lembra que a minissaia surge no momento
em que houve a liberalização das mulheres e que o
desnudamento através da moda foi um processo de
transformação.
Realização subjetiva
Na dissertação de mestrado na área de
Comunicação sobre as possibilidades do feminino,
Tereza Scofield cita a autora Gilda de Mello e Souza
que, em sua tese de doutoramento em Ciências
Sociais, escrita em 1950, abordou a moda como um
elemento usado para seduzir o sexo masculino,
mas também como o único meio lícito de expressão
da individualidade da mulher no século XIX.
Nesse período, segundo a autora, o casamento
era a alternativa mais eficaz para que as moças
adquirissem status econômico e social. Isto é, aquela
que não conseguia conquistar um marido era tida
como fracassada, sendo levada a conformar-se à vida
monótona de solteirona, acompanhando a mãe às
visitas, entregando-se aos longos bordados ou à
educação dos sobrinhos. No entanto, conforme a
pesquisadora, as roupas não tomaram seu lugar
apenas no jogo de esconde-esconde, no qual a mulher
do século XIX chamava a atenção para os seus
encantos físicos. A moda adquiriu importância na
realização subjetiva das mulheres, tornando-se uma
espécie de fresta, através da qual elas podiam se
comunicar com o mundo. Tendo a moda como
uma alternativa de expressão permitida socialmente
à mulher.
46 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
Modos do Brasil Colônia sob a perspectiva das mulheres
Na história, os valores e costumes estão refletidos
nas vestimentas, que fazem da moda um
espelho da evolução do compor tamento humano
e o retrato de uma época. Exemplos de como a
política e os costumes nos tempos do Brasil
Colônia refletiam no modo de vestir puderam ser
vistos na exposição Mulheres Reais – modas e modos
no Rio de Dom João VI, instalada no Rio de J aneiro,
Belo Horizonte e outras cidades, que exibiu roupas
e objetos usados pelas mulheres da realeza e escravas
brasileiras em 1808.
Com o objetivo de comemorar o bicen te nário
da chegada de Dom J oão VI e da família real ao
Brasil, a exposição abordou a história sobre a perspectiva
das mulheres. Uma vasta pesquisa histórica
e iconográfica permitiu a construção de um acervo
de 42 figurinos que suprem as lacunas de trajes que
já não existem mais.
Uma rainha deveria se vestir com luxo e esplendor
para assinalar seu poder e sua posição. O
fato de a rainha (D. Maria I) ter-se mantido fiel à
moda monárquica após a Revolução Francesa,
servia para mostrar que Portugal ainda conservava
a velha ordem.
As únicas mulheres vistas do lado de fora eram
as escravas. Os diferentes trabalhos que realizavam
refletiam-se no modo de vestir: lavadeiras,
vendedoras, carregadoras distin guiam-se umas
das outras pela sua “ moda” própria. As escravas
vestiam trajes simples de algodão, tingidos de azul,
o corante mais barato da época. Como recebiam
roupas usadas, nem sempre do tamanho de seu
corpo, tinham de amarrar as pontas, arregaçar as
blusas ou subir a barra das saias para ter a
liberdade de movimento que o trabalho exigia. Com
o rosto, os ombros, os braços e as pernas à vista,
elas mostravam que, como na África, a roupa servia
apenas para enfeitar ou proteger, e não para
esconder. A preservação de sua cultura foi muitas
vezes a única forma de resistência possível.
Antes da Chegada da corte, as filhas e esposas
dos senhores brancos viviam a maior parte do
tempo dentro de casa. Elas não tinham permissão
de sair à rua sozinhas. Quando saíam, para ir à missa,
cobriam-se dos pés à cabeça com uma mantilha
pesada e escura.
Júlio Aguiar Marcelo Coelho
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 47
[ Comportamento ]
Para Tereza, as mulheres têm o direito à beleza.
Distinção social
A moda é um elemento da cultura feminina.
Pode até ser tratada como efêmera e fútil, mas
movimenta um enorme mercado que emprega muitas
mulheres, principalmente as costureiras. Para Márcia
Mendonça, professora do curso de Design de Moda do
Uni-BH, que também é jornalista e historiadora, contrastando
com luxo das passarelas, o lado cruel da moda
é o da superexploração do trabalho, tanto das
costureiras, como dos operários que fabricam tecidos,
principalmente os produzidos na China.
A professora Márcia também lembra que, na sua
origem, a moda esteve relacionada à distinção
social. Ela explica que o conceito de moda apareceu
no final da Idade Média (século xv) e princípio da
Renascença, na França, com o desenvolvimento
das cidades e a organização da vida das cortes.
“Com o desenvolvimento do capitalismo, a moda ganha
mais força e cresce a necessidade de consumo e
Vera Godoy
de novidades”, afirma.
“A aproximação das pessoas na área urbana
levou ao desejo de imitar: enriquecidos pelo
comércio, os burgueses passaram a copiar as roupas
dos nobres. Ao tentar variar suas roupas para se
diferenciarem dos burgueses, os nobres fizeram
funcionar a engrenagem — os burgueses copiavam,
os nobres inventavam algo novo, e assim por diante.
Desde seu aparecimento, a moda trazia em si o
caráter estratificador”, confirma Erika Palomino, em
seu livro A Moda, editado pela Publifolha.
Conforme a autora, moda vem do latim, modus,
significando modo, maneira. Em inglês, moda é
fashion, alteração da palavra francesa façon, que
também quer dizer modo, maneira. Ela explica que
os povos primitivos, por exemplo, desconhecem o
conceito. Tampouco a moda é algo que existe há
muito tempo: no Egito antigo, por exemplo, nada no
vestuário mudou num período de 3 mil anos.
Ao analisar a ligação entre moda e gênero, Tereza
Scofield lembra que num determinado momento, o
movimento feminista negou a moda, como se para
ser emancipada a aparência não importasse. “Mas a
moda é um elemento feminino, que não pode ser
considerado inferior por isso. Ainda vivemos numa
época de hegemonia masculina, em que as regras são
ditadas pelos homens, mas temos o direito à beleza
e à liberdade de expressão”, diz.
Ainda segundo a professora, aos poucos o novo
movimento feminista entendeu que a moda não
podia ser negada, sob o argumento de representar
uma ditadura para as mulheres, pois a mulher saiu
daquele papel tradicional de dona de casa e boa
esposa para ocupar o mercado de trabalho, com isso
passou a repensar vários conceitos. “A moda tem a
ver com a autoestima da mulher, que é mais ligada
ao corpo do que os homens”, esclarece.
Para Márcia Mendonça, a partir do século XX, a
moda passou por uma transformação profunda.
“Adquiriu um novo estatuto, que extrapola as tendências
e o corpo ganha uma dimensão de suporte para a
vivência e representação da moda”, conclui.f
48 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
[ Esporte ]
Mulher Futebol Clube
por Saulo Martins
Divulgação
Time feminino do projeto Menina também joga bem dá um show de bola.
Em 1894, quando Charles Miller trouxe para o
Brasil duas bolas, um par de chuteiras e uniformes
usados, poucas pessoas imaginavam que o futebol se
tornaria a maior paixão nacional. No entanto, durante
muitas décadas, as mulheres tiveram que se contentar
com uma participação secundária nesse espetáculo.
Com o tempo, elas deixaram de ser meras espectadoras
e foi inevitável que surgissem mulheres com talento de
sobra para jogar o futebol. A formação de times
femininos num esporte considerado masculino foi
uma questão de tempo e de muita luta contra o machismo.
Hoje, podemos dizer que o futebol feminino é uma
realidade mundial. No Brasil, todos os dias aparecem
novas jogadoras, a maioria ainda são meninas e jogam
em escolas, clubes, quadras e campinhos espalhados pelo
nosso território. O aumento do interesse das mulheres
pelo futebol está diretamente relacionado com
o surgimento de esportistas talentosas, que encantaram
o mundo com dribles e toda a ginga brasileira.
Na primeira geração de sucesso da seleção
brasileira feminina de futebol brilharam Cici,
Formiga e Pretinha. Elas tinham muita garra e
habilidade, mas não receberam o reconhecimento
financeiro devido. Agora temos o talento de Marta
e Cristiane, entre muitas outras componentes do
elenco atual, que já atuaram fora do país, ganharam
prestígio e dinheiro.
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 49
[ Esporte ]
Futebol é paixão
Inspirada por todas essas mulheres corajosas,
que encararam o universo machista do futebol,
Rozimeire dos Santos, 29, começou a jogar bola na
adolescência, no Juventus de Contagem/MG. Nesses
dezesseis anos de carreira passou por quinze times.
Atuou pelas equipes do Cruzeiro e do Atlético
Mineiro e coleciona vinte e sete títulos, incluindo
premiações como a goleira menos vazada.
Apesar de ser uma jogadora profissiona, um
detalhe chama a atenção na vida da atleta, somente
em uma temporada ela recebeu salário para jogar
bola. Em todas as outras ocasiões, foram feitos
contratos informais. Para se manter, ela sempre
exerceu outras profissões, paralelamente. Rozimeire
engravidou em 2009 e teve a carreira interrompida
no Atlético. Após o nascimento da filha, foi convidada
para participar do projeto Menina Também Joga
Bem. O projeto fornece apoio profissional e
emocional para as mulheres.
“Eu joguei com a Marta em 2004, aqui em Belo
Horizonte. Ela já chamava a atenção pela habilidade
e atraía um grande público para os nossos jogos. É
um grande exemplo de como é possível jogar
profissionalmente e construir uma carreira sólida,
mas, temos que valorizar os novos talentos, pois tem
muita menina boa de bola por aí sem apoio”,
comenta Rozimeire.
Time feminino do Batom Esporte Clube.
Divulgação
Projeto Menina também joga bem
O criador do projeto Menina também joga bem,
Eder Soares, comenta que ele e a mulher foram
motivados pela necessidade de revelar novos talentos
e dar oportunidade e espaço para as meninas
jogarem, diante da falta de investimentos no futebol
feminino. “O futebol feminino passou a ser nossa
primeira paixão. Depois de anos de luta e várias
conquistas, podemos afirmar com certeza que
menina também joga muito bem”, diz Eder Soares.
A gestora do projeto, Camila Rolim, avalia
que nos últimos dez anos o futebol feminino evoluiu
no Brasil, em especial em Minas Gerais, estado que
revelou a melhor jogadora do mundo, a gigante
Marta. Nosso objetivo é formar atletas, melhorar a
imagem do futebol feminino e tentar mostrá-lo como
um bom negócio para as empresas”, completa
Camila.
Ana Gonçalves,18 anos, também atua no
time do Menina também joga bem. Ela conta que
jogava com meninos da mesma idade desde os nove
anos, em Mário Campos (MG). Aos 13 iniciou em um
time da Prefeitura. Atualmente possui conquistas
como a Taça BH e a Copa Topper. “Eu amo o futebol
e quero construir uma carreira vitoriosa” afirma.
Opção de lazer
O futebol também pode ser usado para manter
um bom condicionamento físico ou como uma
opção de lazer. Incentivadas pela família e amigos,
muitas meninas praticam o esporte. “Passei minha
infância rodeada por dois irmãos e muitos primos.
Eu entrava nas brincadeiras deles. Foi assim que
aprendi a jogar bola. Mas encaro como uma opção
de lazer. Nunca tive o interesse de seguir carreira
como jogadora”, relata Aline Brito, estudante
universitária de Administração e Relações Públicas.
Aline e as amigas da faculdade organizaram um time
de futebol amador, o Batom Esporte Clube. A
equipe foi montada para disputar os campeonatos
50 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
promovidos pelo Diretório Acadêmico (DA), uma
vez por ano.
Outra jogadora do Batom, Aline Melo, estudante
de Comunicação Social da PUC Minas, também
encara o esporte como uma opção de lazer, mas
confessa que quando criança pensava em ser jogadora
profissional de futebol. “Não tive muitos incentivos
e chances, mas fico satisfeita em jogar com as
meninas da faculdade”, ressalta.
Machismo
Entre os anos de 1900 e 1930, os jornais
brasileiros noticiaram algumas partidas de futebol
com a presença de mulheres, marcando o início da
prática do esporte entre as brasileiras. No entanto,
o desenvolvimento do futebol feminino no Brasil
ficou comprometido ao longo da história, em razão
do machismo presente na sociedade. A evolução da
modalidade só aconteceu graças ao empenho de
muitas mulheres que lutaram pela igualdade de
direitos.
Em 1940, um cidadão escreveu ao presidente
Getúlio Vargas o seguinte: “Venho solicitar a
clarividente atenção de V. Exa. para que seja
conjurada uma calamidade que está prestes a desabar
em cima da juventude feminina do Brasil. Refiro-me,
Sr. presidente, ao movimento entusiasta que está
empolgando centenas de moças, atraindo-as para se
transformarem em jogadoras de futebol sem se
levar em conta que a mulher não poderá praticar esse
esporte violento, sem afetar, seriamente, o equilíbrio
fisiológico das suas funções orgânicas, devido à
natureza que dispôs a ser mãe”... (José Fuzeira,
carta datada de 25/04/1940 In - SUGIMOTO, Luiz.
Eva futebol clube, 2003).
Como resultado dessa onda machista, Getúlio
Vargas publicou em 1941 o decreto-lei 3.199 que
previa: “Às mulheres não se permitirá a prática de
desportos incompatíveis com as condições de sua
natureza, devendo, para este efeito, o Conselho
Nacional de Desportos (CND) baixar as necessárias
instruções às entidades desportivas do país. Completando
a doutrina, em 1965, o CND baixou a
seguinte deliberação: “Não é permitida às mulheres
a prática de lutas de qualquer natureza, futebol,
futebol de salão, futebol de praia, pólo, halterofilismo
e baseball”. A proibição só foi revogada no início da
década de 1980, com o processo de redemocratização.
Mesmo diante dessa repressão, mais de 200 times
femininos aguardavam o registro.
Atualmente, as mulheres estão cada vez mais
presentes no mundo do futebol. Entretanto, não
podemos esquecer que elas venceram muitas etapas
até serem aceitas nesse esporte. A inclusão da
modalidade nos jogos olímpicos foi um grande
passo para atingir um grau de profissionalismo ainda
maior e para incentivar a prática. Mas, para que elas
possam jogar bola e receber salários dignos, muita
coisa terá que mudar, principalmente, em relação ao
preconceito ainda existente contra as mulheres.f
Rozimeire, jogadora profissional, para se manter sempre exerceu
outras profissões paralelamente.
Divulgação
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 51
[ Direitos da mulher ]
Licença de 6 meses pode se tornar obrigatória
por Cecília Alvim
Ivna Sá
Futuras mamães aguardam a tramitação da PEC 515/10 para desfrutar, como algumas mulheres, da licença-maternidade de 180 dias.
Mais tranquilidade e tempo para as mães
amamentarem e cuidarem dos filhos após o parto.
Mais saúde para os bebês e mais qualidade de vida
para as mulheres. Esses são alguns dos benefícios da
extensão da licença-maternidade. Em breve, a licença
de 6 meses poderá valer para todas as trabalhadoras
brasileiras. Aprovada pelo Senado, no dia 3 de
agosto, a Proposta de Emenda à Constituição -
PEC 515/10 - recebeu 62 votos favoráveis e nenhum
voto contrário. De lá, seguiu para análise pela
Câmara dos Deputados, onde já havia uma outra
PEC 30/07 sobre o mesmo tema. Agora, ambas
tramitam juntas na Câmara.
A PEC 515/10 “altera a redação do inciso XVIII
do art. 7º da Constituição Federal, para aumentar
para 180 dias a duração do período da licença à
gestante”. Dessa forma, a licença de 6 meses se
tornará obrigatória no país. Levantamento realizado
pelo DataSenado revelou o apoio da sociedade à
iniciativa, já que cerca de 80% dos entrevistados
disseram concordar com a prorrogação da licençamaternidade.
“Há evidências de que o alongamento do
período de licença-maternidade, benefício
importante na proteção da mulher no mercado de
trabalho, da saúde da mãe e do recém-nascido, não
incentiva aumento de ações discriminatórias em
relação à mulher no mercado de trabalho”, avalia
a autora da proposta, senadora Rosalba
Ciarlini (RN).
52 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
Ampliação do direito
A Constituição de 1988 instituiu a licençamaternidade
(ou licença-gestante) no país,
possibilitando às mães o afastamento remunerado
do trabalho por 120 dias. Os salários-maternidade
durante esses 4 meses são pagos pelo empregador e
descontados por ele dos recolhimentos destinados
à Previdência Social.
A licença de seis meses facultativa se tornou
realidade a partir de um projeto de lei que a
Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) encaminhou
Divulgação
“A concessão dos seis
meses de licença não é um
custo, e sim um investimento
no país. Afinal, todos sairão
ganhando. As crianças vão
crescer com mais saúde e
equilíbrio emocional.”
ao Senado, como parte da campanha "Licençamaternidade.
Seis meses é melhor!". A lei 11.770, que
cria o Programa Empresa Cidadã, foi aprovada
pelos parlamentares e sancionada pelo presidente
Lula em 2008. Em dezembro de 2009, o ressarcimento
fiscal às empresas foi previsto no Orçamento da
União e regulamentado pelo decreto 7.052. Em
janeiro de 2010, veio a regulamentação da Receita
Federal.
"A concessão dos seis meses de licença não é um
custo, e sim um investimento no país. Afinal, todos
sairão ganhando. As crianças vão crescer com mais
saúde e equilíbrio emocional. E as próprias mulheres
trabalharão mais motivadas e seguras", argumenta
a senadora Patrícia Saboya, autora da lei.
Empresa Cidadã
Atualmente, no setor público, a licença ampliada
está condicionada à instituição de programas
específicos pelas administrações locais. Segundo
levantamento feito pela Sociedade Brasileira de
Pediatria (SBP), 137 municípios, 22 estados e o Distrito
Federal já aderiram à licença de 6 meses. As
funcionárias públicas federais são as únicas que têm
esse direito plenamente assegurado, desde dezembro
de 2008.
Já na iniciativa privada, a concessão do benefício
depende da adesão das empresas ao programa Empresa
Cidadã. Pela lei 11.770, a empresa que
prorrogar a licença-maternidade por mais dois
meses poderá deduzir a remuneração integral da
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 53
[ Direitos da mulher ]
Mark Florest
funcionária de seu Imposto de Renda. No entanto,
a regra é válida somente para empresas que optam
pelo regime do lucro real, que são as cerca de 150 mil
grandes empresas do país.
As três milhões de empresas do Simples e as 1,4
milhão que usam o regime do lucro presumido não
poderão entrar no programa Empresa Cidadã, o que
exclui do benefício a maior parte das mulheres
trabalhadoras do país. “Essa restrição confronta o
princípio da igualdade, pois algumas mulheres usufruem
do direito e outras não”, afirma dr. Dioclécio
Campos Júnior, diretor de Assuntos Parlamentares
da SBP e professor de Pediatria da Universidade de
Brasília (UNB).
Mesmo com a possibilidade de benefícios
fiscais, ainda há resistência à medida por parte de
alguns setores, especialmente do empresariado.
“Alegações como a de que a mulher vai perder
mercado de trabalho não procedem. Desde a Constituição
de 1988, eles usam esses argumentos e a
inserção das mulheres no mundo do trabalho só
cresceu nos últimos anos”, destaca Dioclécio.
Licença estendida para as
professoras
Kaísa Canto, 31 anos, grávida de seis meses, terá
a pequena Isadora em novembro. Para ela, será muito
bom se a PEC for aprovada logo, para que possa ficar
mais tempo com sua filha. “Vai ser muito bom
acompanhar o crescimento e o desenvolvimento dela
de perto, poder amamentar até seis meses, sem ter
que guardar leite em mamadeira”, afirma a professora
de inglês de uma escola particular de BH. Kaísa conta
ter optado por trabalhar em apenas um turno este
ano, para ter mais qualidade de vida, uma gravidez
e um pós-parto mais tranquilos. Durante dez anos,
ela trabalhou em três turnos. “O ritmo era muito
cansativo. Eu ganhava mais, mas gastava mais
também com a minha saúde. Agora é diferente”,
destaca.
Os primeiros seis meses são insubstituíveis para o desenvolvimento
do bebê
Frequentemente, professoras grávidas recorrem
ao Sinpro para saber se a licença estendida já vale no
setor privado de ensino de Minas Gerais. Como a
maior parte das escolas não aderiram ao programa
Empresa Cidadã, a maioria das professoras ainda não
conta com esse benefício.
Para que isso aconteça, o Sinpro Minas tem
apresentado a reivindicação da licença de seis meses,
desde a Campanha Reivindicatória de 2008, junto aos
sindicatos das escolas. “Ainda não houve nenhuma
sinalização positiva sobre a extensão do benefício, mas
o tema continua na pauta prioritária do sindicato”,
destaca a diretora do Sinpro, Celina Arêas.
Tramitação
Sem depender de negociações, a licença de 6
meses obrigatória se tornará uma realidade no país
a partir da aprovação da PEC 515/10. “Já é um avanço
o benefício de quatro meses e a extensão facultativa
para seis, mas temos que pressionar para que o
benefício ampliado seja estendido, sem
condicionantes, a todas as mulheres do Brasil”,
avalia Celina. A Proposta de Emenda 515/10, que
chegou à Câmara dos Deputados no dia 11 de
agosto, será analisada por duas comissões até seguir
para votação em Plenário.
54 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
“Os seis primeiros meses são insubstituíveis para
o crescimento e para o desenvolvimento do bebê, para
o fortalecimento do vínculo afetivo entre a mulher
e o filho e para o aleitamento materno exclusivo,
conforme recomendamos”, assinala o presidente
da SBP, dr. Eduardo Vaz. A Organização Mundial de
Saúde (OMS) preconiza o aleitamento materno exclusivo
até os seis meses de idade.
Dados da Sociedade Brasileira de Pediatria
apontam que a amamentação nos primeiros seis
meses de vida reduz em 17 vezes as chances de a
criança ter pneumonia; em 5,4 vezes a incidência de
anemia e em 2,5 vezes a possibilidade de diarréia. Isso
repercute, conforme acrescenta, na redução do
número de internações hospitalares.
De acordo com o médico pediatra, Dioclécio
Campos, durante os primeiros meses de vida, a
Uma aposta no futuro
criança recebe muitos estímulos sensoriais – tato,
olfato, visual – entra em contato com a pele e a voz
da mãe. É nesse período também em que o cérebro
do bebê se desenvolve mais velozmente. “Se criar um
laço afetivo forte, equilibrado, terá condutas menos
agressivas e menos doenças na idade adulta. E o
tempo maior com a mãe contribui para isso”, aponta.
Segundo Dioclécio, para a sociedade melhorar,
é necessário investir na primeira infância.
“Precisamos de cidadãos construídos de forma
diferente. Tudo isso forma o direito fundamental da
criança quando nasce. Ela não tem como lutar por
isso. A sociedade é que deve cuidar da infância”. Para
ele, a continuidade do cuidado com a criança, após
os seis meses, se daria pela disponibilização de creches
de qualidade em tempo integral. Somente 14%
das crianças tem acesso a creches públicas no Brasil.
Benefício é garantido na maioria dos países
A maioria dos países assegura proteção à
maternidade em sua legislação, revela um estudo
elaborado pela Wasa - World Alliance for Breast-feeding
Action (Aliança Mundial em Prol do
Aleitamento Materno). No caso da licençamaternidade
remunerada, sua extensão e condições
variam imensamente. O Brasil, no entanto, parece
estar na vanguarda ao já possibilitar a licença de seis
meses.
Na África, ainda que a maior parte permita
menos de 12 semanas, muitas nações já garantem até
14. Na Ásia e do Oriente Médio, de uma maneira
geral, os países concedem menos de 12 semanas de
licença-maternidade remunerada. Na maior potência
econômica, os Estados Unidos, as licenças, quando
concedidas, são de apenas 12 semanas e, mesmo
assim, custeadas exclusivamente pelos empregadores.
Entre os países que já concedem a licença
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 55
[ Direitos da mulher ]
superior a quatro meses (16 semanas), podendo, em
alguns casos, chegar a até um ano destacam-se a
Noruega, a Dinamarca, a Venezuela e Cuba, onde o
período é de 18 semanas. Em alguns países, o
benefício é contado em dias, como na Rússia (140
dias) e na Ucrânia (126 dias).
O primeiro país que transformou a licença em
benefício remunerado foi a Suécia, hoje a nação que
concede o maior período de afastamento para as mulheres
(480 dias). Além de mais tempo, a mãe e o filho
contam também com a presença do pai durante
o período. Isso foi feito para estimular os homens a
assumirem um papel mais ativo na criação dos filhos
e propiciar ainda uma divisão mais igualitária das
tarefas domesticas. Segundo a legislação sueca, até
o terceiro mês, a licença é para o pai e para a mãe,
mas a partir daí o casal tem que optar sobre qual dos
dois continuará de licença, mesmo que a mãe ainda
esteja amamentando, sendo que o período pode ser
alternado.
Baixo custo para as empresas
Lançado em março pela Organização Internacional
do Trabalho (OIT), o livro Questionando
um Mito: Custos do Trabalho de Homens e Mulheres
apresenta os resultados de uma pesquisa realizada
pela entidade em cinco países da América Latina, entre
eles o Brasil.
A conclusão desmascara a retórica de muitos patrões
de que empregar mulheres é mais oneroso, em
consequência dos custos indiretos associados à contratação,
como os oriundos de dispositivos legais de
proteção à maternidade e ao cuidado infantil.
Dados do estudo evidenciam que, para o empregador,
os custos associados a esses direitos são
muito reduzidos – em média, menos de 2% da
remuneração bruta mensal das mulheres –,
basicamente porque os benefícios médicos e
financeiros são pagos pela seguridade social (casos
do Brasil, Argentina, México e Uruguai) ou por
fundos públicos (como no Chile).
"Esse tipo de informação é cada vez mais
necessário para que se possa avançar a discussão
sobre a forma de enfrentar os custos da reprodução
social e a igualdade de oportunidades entre homens
e mulheres no trabalho", avalia a especialista da OIT
Laís Abramo, que coordenou o trabalho.f
Com informações da Agência Senado
Saiba +
Direito das professoras
Emque consiste a estabilidade da gestante?
A CF de 1988 introduziu importante
inovação, que consiste em assegurar à
gestante, sem prejuízo de emprego e salário,
120 dias de licença, além de vedar sua dispensa
arbitrária ou sem justa causa, a partir do
momento da confirmação da gravidez e até
cinco meses após o parto.
Ao retornar ao trabalho, após a licençamaternidade,
que direito assiste à mulher?
Até o filho completar 6 meses de idade,
assiste à mulher, durante a jornada de trabalho,
o direito a descansos especiais, de meia
hora cada, destinados à amamentação do filho.
Conforme lembra Sércio da Silva Peçanha,
advogado do Sinpro Minas, na redação contida
na PEC 515/2010, no inciso XVIII do art. 7º da
Constituição Federal, a licença à gestante, deve
ser sem prejuízo do emprego e do salário, com
a duração de cento e oitenta dias.
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego
56 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
[ Perfil ]
Hercília Levy: uma feminista por convicção
por Saulo Martins
Saulo Martins
A ex-presidente do MPM usa a arte como instrumento de luta contra as desigualdades sociais.
Artista plástica de profissão, música de formação
e feminista por convicção. Assim se define Hercília
Levy. Casada, mãe de seis filhos (três biológicos, um
adotivo e dois enteados). Ela iniciou a sua luta em
defesa dos direitos da mulher, no final da década de
1980, em Uberaba, Minas Gerais, onde criou o
Centro de Integração da Mulher. Na sua caminhada
como mulher, mãe, artista e feminista tornouse
um exemplo da força e fibra das mulheres.
Hercília lembra que a sua história nos
movimentos organizados de mulheres foi motivada
pelo questionamento sobre o papel da mulher na
sociedade. “Cansei de ouvir minhas amigas reclamarem
da inferioridade das mulheres nas relações
afetivas com os homens. Muitas diziam “se eu
nascer novamente, quero ser homem”, comenta.
Em 1985, durante o Encontro Feminista Nacional,
em Belo Horizonte, Hercília foi apresentada às
lideranças do Movimento Popular da Mulher (MPM).
A presidente da entidade naquela época era a
deputada Jô Moraes, mas quem a convidou para fazer
parte do movimento foi Maria Izabel Bebela Ramos
de Siqueira.
“O MPM foi criado há 27 anos para ser uma
entidade de conscientização política das mulheres,
exercendo um papel muito relevante no combate à
discriminação de gênero. Isso chamou a minha
atenção, então passei a participar”, comenta Hercília.
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 57
[ Perfil ]
Saulo Martins
Tela produzida por Hercília Levy
Nos últimos vinte e cinco anos, Hercília atuou junto ao
MPM pela promoção da arte e da cultura como instrumento
de transformação da sociedade e de inclusão
social, contando sempre com o apoio das companheiras.
Ela presidiu a entidade por cinco gestões.
O teatro e a luta
O teatro é uma das ferramentas que Hercília
encontrou para tratar as questões das mulheres. Entre
os anos de 1980 e 1985, ela havia iniciado um
trabalho artístico-teatral com mulheres em Uberaba.
Inspirada pelo crescimento da participação das
mulheres daquela cidade, ela trouxe na bagagem a
convicção de que a arte era uma forma eficiente para
difundir o conteúdo da luta feminista, levantando
questionamentos, reflexões e debates acerca da
situação de opressão da mulher na sociedade.
Assim, surgiu sob sua coordenação o Teatro
Itinerante da Mulher (TIM), que leva para as praças,
escolas, igrejas, sindicatos, presídios, entre outros
lugares, temas como a sexualidade, violência de
gênero, saúde, lazer, moradia, invisibilidade da
mulher, participação política etc. “Todas as peças que
apresentamos possuem uma temática social
relacionada aos grupos envolvidos na produção”,
comenta Hercília.
O que era apenas mais uma maneira lúdica de
comunicação, com o tempo, o TIM transformou-se
em um projeto pedagógico dinâmico que busca, não
58 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
só divulgar informações importantes para mulheres
e homens, mas ajuda a abrir espaço para suas
reivindicações e participação. Com isso, o TIM
tornou-se um importante instrumento de luta das
mulheres.
Em 1995, Hercília empreende mais uma
iniciativa no campo da arte, com a criação do grupo
de teatro Vênus, em parceria com a Pastoral da Mulher
e o projeto Mulher e Saúde – Musa. A concepção
previa o desenvolvimento de atividades educativas
e culturais, através do teatro, com mulheres
marginalizadas da chamada “zona boêmia” de Belo
Horizonte.
Hercília criou, ensaiou e realizou diversos
espetáculos sobre temáticas de apelo social. Ela conta
que participou de muitas apresentações na rua e
muitas batalhas foram vencidas. “Eram mulheres
que nunca haviam feito teatro e me surpreenderam
pela dedicação e superação de limites. Eu chegava lá,
tinha meia dúzia de pessoas, mas, com o passar do
tempo tínhamos quase trinta. Algumas eram até
analfabetas. Estreamos no teatro Francisco Nunes e foi
um sucesso. Ainda hoje, o grupo continua em atuação
e eu participo das ações”, relembra com emoção.
assumiram uma postura individualista.
Recuperada de um problema de saúde, agora ela
pensa em novos projetos que possibilitem a reflexão
e também as ações sociais coletivas. “Tenho
pensado muito na importância das atividades físicas
para as mulheres que já atingiram a terceira idade.
É um plano para o futuro” planeja.
Feminista convicta, após 35 anos de luta em
defesa dos direitos das mulheres, Hercília se sente
realizada. Ela conta que um dia uma amiga lhe disse
“Antes eu tinha vergonha ao me expressar, hoje, sou
uma artista e me coloco sem medo”. Ela explica que
depois de participar de uma peça teatral, as mulheres
se transformam, sentem-se mais importantes,
fortalecidas e unidas. “No nosso grupo há avós interpretando
junto com suas netas, num trabalho que
atingiu três gerações. Elas sentem prazer em
participar e isso me faz muito bem”, comemora com
orgulho a sua trajetória.f
Saulo Martins
Desafios do século 21
Questionada sobre o período histórico mais
difícil para as mulheres, ela afirma que o momento mais
complicado é agora. “Vivemos uma mistura de
despolitização e desinteresse, o que dificulta a realização
de ações políticas”, acredita Hercília. Segundo a
feminista, na efervescência dos anos 80, as pessoas eram
mais radicais e os movimentos mais fortes.
A violência contra as mulheres é um problema
que tira o sono de Hercília. “A nossa sociedade é machista
e de vítima, a mulher passa, muitas vezes, a ser
a vilã. A violência tem que ser combatida dentro da
escola e em casa e é preciso acabar com o
autoritarismo,” defende. Segundo ela, este é um
momento difícil porque as pessoas perderam a
esperança, a solidariedade, a coletividade e
Tela pintada por Hercília
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 59
[ Cultura ]
O feminino em cartaz
por Denilson Cajazeiro
Mark Florest
Tânia Diniz, editora do jornal Mulheres Emergentes, divulga a literatura feminina.
A poeta e contista Tânia Diniz teve uma ideia
ousada no final dos anos 80. Depois de participar de
uma exposição de poemas num bar da Savassi, em
Belo Horizonte, em que, por acaso, só houve
participação feminina, decidiu criar um jornal com
poesias feitas por mulheres. Daí nasceu Mulheres
emergentes, em 1989, uma publicação trimestral
em formato de cartaz que enfatiza o feminino e o
sensual nas artes. Já são 21 anos dessa bem-sucedida
experiência poética que percorre o mundo.
“Vi essa exposição, com poemas muito mais
eróticos do que os meus, e disso nasceu a ideia de
fazer um jornal só de mulheres, que enfatizasse o
sensual. Fiz o número zero, experimental. Foi o maior
sucesso e a maior polêmica. A notícia foi parar no
Jornal do Brasil, e comecei a receber elogios e
poemas, montanhas de papel do país inteiro e do exterior
também”, conta Tânia Diniz, que também é
haicaista e já recebeu vários prêmios literários, entre
eles os de concursos realizados pelo Sindicato dos
Professores (Sinpro Minas), além de ter participado
de exposições na Alemanha, no Canadá, entre outros
países.
O nome do jornal, que a cada edição enfrenta
uma batalha financeira para ser publicado, veio do
livro A mulher emergente, da psicóloga Natalie Rogers,
60 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
que ela lera no final dos anos 80. “Percebi por
aquela leitura que todas nós, mulheres, fazemos o
tempo todo, a cada momento, uma emersão da
opressão masculina e uma colocação de si mesma,
exigindo respeito, reconhecimento. Naquela época,
esse assunto estava mais presente”.
Como muitos homens têm uma alma feminina
bem presente – o exemplo mais conhecido entre nós
é Chico Buarque de Holanda –, desde o número 1
Tânia reserva um pequeno espaço para a participação
deles. “Quando consigo, faço um jornal especial de
algum poeta, inclusive de homens. O Carlos Nejar
[poeta, ficcionista e membro da Academia Brasileira
de Letras] me pediu para eu fazer o dele, e eu fiz”,
revela.
Desde 2005, após enfrentar um câncer, Tânia
ampliou o espectro poético do Mulheres Emergentes
para além do sensual. “Espiritualizei-me mais depois
dessa fase da doença. Busco manter o clima que fez
o trabalho ser pioneiro, mas publico hoje
especialmente o belo, que é o que move as pessoas”,
afirma, após contar que amigos a ajudam no trabalho
de divulgação, distribuindo-o mundo afora, e que
o primeiro concurso do jornal, realizado três anos
após o número zero, foi feito em cinco línguas
(português, francês, espanhol, italiano e inglês) e
recebeu 1,6 mil inscrições do Brasil e de países da
Europa, Estados Unidos, América do Sul e África. “As
pessoas me ligavam, pedindo o regulamento. Meu
telefone não parava de tocar. Desciam kombis do
Correio aqui em casa com quilos de papel”, relata a
escritora.
Dias de inquietação
A relação dela com a literatura começou desde
jovem, mas a produção mesmo veio anos mais
tarde, em fins de 1987, depois de “alguns dias de inquietação”.
“Foi uma coisa louca. Não conseguia fazer
nada, deitava e não dormia. Até que um dia percebi
que minha cabeça estava cheia de palavras. Percebi
que possuíam algum valor e em uma semana escrevi
quilômetros de textos. Fui premiada no primeiro
concurso que participei, com um poema surrealista.
Ali descobri que era isso que fazia sentido em minha
vida. Não paro de fazê-lo porque não dou conta”,
afirma Tânia Diniz.
A estreia no circuito livreiro foi em 1988,
com uma obra de contos de realismo fantástico e
sensuais, O Mágico de nós, feita de forma independente.
“Quando Murilo Rubião leu, disse que
eram publicáveis. Achei isso um elogio, porque ele
era muito fechado. Então já fiquei feliz. Ele me perguntou
se eu havia participado de um concurso da
UFMG. Disse que sim, que havia enviado um
conto de realismo mágico. Aí ele falou: ‘ah, eu me
lembro, você foi a única que mandou dentro do
realismo mágico e não desagradou’. Outro elogio.
Depois ele fez muito mais por mim, me deu uma
carta de recomendação, dizendo que eu era um
jovem talento”, conta a escritora, hoje com mais de
dez livros publicados e participação em várias
antologias.
Atualmente, Tânia se dedica a administrar a
editora alternativa Mulheres Emergentes e a
alimentar o seu blog, também com o mesmo nome
do jornal (www.mulheresemergentes.blogspot.com),
além de ministrar oficinas de haicais e aulas
particulares de idiomas. Participa ainda de exposições
e saraus e realiza concursos internacionais
de poesias, ilustração, minicontos e lendas. Há
também o projeto de desengavetar um livro de
poemas, há tempos na fila de publicação. Tem se
enveredado, nos últimos anos, a fazer leituras públicas
de seus poemas e microcontos. Um dos seus
poemas, o Desamada, tem causado certo frisson entre
as mulheres, cujos versos dizem o seguinte:
Chega de romance, / amor agora só free-lance. Há
também um microconto com ibope elevado entre o
público feminino, conforme revela a própria poeta.
Chama-se Maria da Penha: Exultante, engoliu o
último sapo, ao molho pardo. Feito com sangue do
marido morto na cozinha. “Meu marido, quando leu,
falou: ‘você fez esse pra mim, não é?’”, conta Tânia
Diniz, em meio a risos de satisfação.f
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 61
[ Homenagem ]
Frida Kahlo – Um ícone na arte e na vida
por Adriana Borges
Imagens: Reprodução
Obra de Frida Kahlo revela sua personalidade.
Uma mulher apaixonada, autêntica, sofrida,
transparente e revolucionária. A pintora mexicana
Frida Kahlo completaria este ano seu centenário, se
tivesse nascido realmente no dia 6 de julho de 1910,
como costumava dizer, por se considerar filha da
Revolução Mexicana. A mais popular entre as mulheres
pintoras, nasceu mesmo em 1907, na Cidade
do México. Essas e outras curiosidades são
desvendadas agora com o lançamento do livro Frida
Kahlo - Suas Fotos(Cosac Naify) com mais de 400 fotografias
do arquivo Museu Frida Kahlo.
A história de Frida é carregada de tragédias e
paixões. Pintora de estilo único, sua obra era impregnada
de um forte espírito nacionalista, mas
visivelmente marcada por sua história pessoal, um
reflexo de suas dores físicas e afetivas, e da intensa
busca pela liberdade.
Quando criança teve poliomielite e ficou com
a perna direita mais fina e curta que sua esquerda.
Aos 18 sofreu um acidente que lhe trouxe muita dor;
o choque de seu ônibus com um trem partiu lhe a
coluna e quebrou vários ossos. Ela passou anos de
repouso se recuperando. A ideia de pintar partiu de
Frida, que se tornou sua própria modelo com ajuda
de um espelho instalado na cama.
Aos 21, conheceu Diego Rivera – pintor
muralista renomado, comunista e muitos anos mais
velho que ela. Casaram-se em 1929. O marido
exerceu grande influência na formação de sua
personalidade política e artística, que valorizava as
raízes culturais mexicanas e suas origens índias.
O encontro com Rivera, seu círculo de amigos
e a intimidade com Andre Breton, Marcel Duchamp,
Trótski, Henry Ford e Dolores del Rio per-
62 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
meia todo o trabalho de Frida. Mas além das
referências políticas e estéticas, o sofrimento com o
corpo, as inúmeras cirurgias pelas quais passou e a
construção de sua identidade pública são temas
presentes em sua obra.
Raízes, 1943.
Obra politizada
O relacionamento dos dois artistas no contexto
da Revolução na Cidade do México, o papel que ela
exerceu como mulher, artista e militante colaboram
para a construção de uma obra bastante politizada,
mas ao mesmo tempo individual. Frida é a principal
personagem de seus quadros. Seu universo particular
e rico moldou uma mulher que se revelava transparente,
corajosa e inovadora ao se despir em suas
obras. “Nunca pintei sonhos. Pintava minha própria
realidade”, dizia.
Sua obra, com aproximadamente 200 telas,
considerada pequena, é bem maior em termos de
notoriedade e reconhecimento por parte do público
do que a do marido Diogo Rivera. A obra de Frida
expõe o rosto da mulher mexicana, nacionalista, de
traço forte e feminino. Sua arte é profundamente
realista, ainda que, em determinado período, tenha
sido classificada como surrealista. Seus autorretratos
são perturbadores e constantes, um reflexo do seu
mundo interior apaixonado.
A relação intensa com Diego Rivera foi marcada
por traições de ambas as partes. Nos períodos de
separação, Frida acabou produzindo muito e
conquistando sua independência econômica
passando a viver de sua arte. Sua obra começou a ser
reconhecida no México e internacionalmente a
partir da década de 40. Expôs em Nova York, em
Paris, e lecionou em escolas de arte mexicanas.
Com a saúde frágil e presa mais uma vez à cama,
Frida entrou em depressão. O tema da morte, que
sempre permeou sua obra, tornou-se mais constante.
Frida morreu em julho de 1954, na Casa Azul, no
México, que hoje abriga o Museu Frida Kahlo. A vida
da artista foi retratada no filme Frida, de 2002.f
O veadinho, 1946.
A coluna partida, 1944.
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 63
[ Dicas culturais ]
Livros
Condessa de Barral:
a Paixão do Imperador
A obra de Mary Del Priore lança
mão de cartas e diários pouco conhecidos
para decifrar a enig mática
e controversa perso nagem Luísa
Margarida Portugal e Barros, a
Condessa de Barral, que manteve
durante trinta anos um
relacionamento lendário com o
Imperador do Brasil, D.Pedro II.
Porém, muito mais do que uma simples amante, esta filha
de um senhor de engenhos apaixonado pelas letras foi uma
das figuras femininas mais originais e interessantes de seu
tempo.
Mary Del Priore, Editora Objetiva, 2008, 259 págs.
Internet
www.maismulheresnopoderbrasil.com.br
www.cfemea.org.br
Filmes
Cabra Marcado para Morrer
Documentário, direção de Eduardo
Coutinho, 120 min., 1984, Brasil.
Em fevereiro de 1964 inicia-se a
produção de Cabra Marcado Para
Morrer, que contaria a história
política do líder da liga camponesa
de Sapé (Paraíba), João Pedro
Teixeira, assassinado em 1962. No
entanto, com o golpe de 31 de
março, as forças militares cercam a
locação no engenho da Galiléia e interrompem
as filmagens. Dezessete anos depois, o diretor
Eduardo Coutinho volta à região e reencontra a viúva de
João Pedro, Elisabeth Teixeira – que até então vivia na
clandestinidade – e muitos dos outros camponeses que
haviam atuado no filme antes brutalmente interrompido.
www.anis.org.br
Preciosa - Uma História de Esperança
Direção de Lee Daniels, 110 min, 2009.
Filhas do Vento
Drama, direção de Joel Zito Araújo, 84 min, 2005.
Garotas do ABC
Drama, direção de Carlos Reichnbach, 125 min, 2005.
www.redemulher.org.br
www.portalctb.org.br
www.observatoriodegenero.gov.br
www.cemina.org.br
soscorpo.org.br
www.vermelho.org.br
www.homenspelofimdaviolencia.com.br
64 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
[ Poucas e boas ]
Mais mulheres
ganham o Nobel
Elinor Ostrom, primeira mulher a ganhar o Nobel de economia.
Dos dez prêmios Nobel entregues em 2009, cinco
foram obtidos por mulheres. É um número recorde.
Desde sua criação em 1901, o prêmio foi concedido
a apenas 35 mulheres, de um total de 789 nomes.
Ao desenvolver estudos sobre governança
econômica, a norte-americana Elinor Ostrom foi a
primeira mulher a receber o Nobel de Economia.
Elizabeth Blackburn e Carol Greider ganharam o
prêmio de Medicina, junto com o biólogo Jack
William Szostak, por suas descobertas de como a
enzima telomerase protege os cromossomos. O
trabalho contribui com os estudos do câncer e do
processo de envelhecimento.
Na literatura, a escritora alemã, nascida na
Romênia, Herta Müller, foi premiada. Outra ganhadora
do Nobel, na categoria Química, foi a
israelense Ada Yonath, que compartilhou o prêmio
com os americanos Venkatraman Ramakrishnan e
Thomas Steitz. Eles determinaram a estrutura do
ribossomo, o que ajuda no campo de estudos sobre
os antibióticos.
O prêmio foi inventado pelo sueco Alfred
Nobel (1833/1896). Ele deixou o pedido da criação
de uma fundação para fomentar as premiações em
seu testamento. Desde a sua instituição, nenhum
brasileiro foi premiado.f
Desigualdade de gênero
Dados do relatório de 2009, publicado pelo
Fórum Econômico Mundial, rebaixam o Brasil, entre
as 134 maiores economias do mundo, no que se
refere à desigualdade entre homens e mulheres.
Segundo o documento, o país passa da 73ª posição
em 2008 para a 82ª, atualmente. Mas especialista
recomenda cautela na análise dos dados.
O relatório mede a participação de homens e
mulheres na sociedade de acordo com quatro
critérios básicos: diferenças salariais e participação
no mercado de trabalho, acesso à educação e nível
de formação educacional, acesso à saúde e queda de
índices de mortalidade e, por fim, participação
política e posição em cargos de poder político.
Em matéria publicada pelo boletim do Centro
Latino-Americano em Sexualidade e Direitos
Humanos (CLAM), o demógrafo e professor da
Escola Nacional de Ciências Estatísticas
(ENCE/IBGE) José Eustáquio Diniz Alves analisa o
relatório e diz que é preciso ter cautela ao se julgar
o posicionamento do Brasil.
“Pode parecer estranho que a África do Sul esteja
em 3º lugar, à frente não só do Brasil mas também
dos Estados Unidos e da França, por exemplo. Mas,
isso só foi possível porque o país africano deu um
salto em relação à participação das mulheres na
política (com 44,5% de deputadas). Nos Estados
Unidos, as mulheres no parlamento somam 16,8%.
No Brasil, elas são apenas 9%”, avalia José Eustáquio.
O demógrafo ressalta que a participação política
das mulheres tem um peso importante no relatório,
o que explica também a liderança da Islândia, que
além de ter 42,9% de mulheres deputadas, elegeu uma
mulher para a presidência. “Além disso, a posição do
Brasil foi alterada por causa da inclusão de mais quatro
países na cobertura, dois deles na frente do Brasil”,
analisa o especialista.
De acordo com o demógrafo, a participação
feminina nas eleições gerais de 2010 é muito
importante. “Para que o Brasil possa melhorar a sua
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 65
[ Poucas e boas ]
posição relativa na equidade de gênero”, completa.
Com duas mulheres colocadas entre os principais
candidatos à presidência da república, neste ano, o
Brasil tem a chance de reverter esse quadro, elegendo
uma mulher para comandar a nação.f
Delegacias de
mulheres 24 horas
As delegacias de policia especializadas no
atendimento à mulher deverão funcionar durante as
24 horas do dia, no Brasil. É o que prevê o projeto
de lei 3901/08, da deputada Sueli Vidigal (PDT-ES),
aprovado no dia 24 de março de 2010, em caráter conclusivo
na Comissão de Seguridade Social e Família
da Câmara dos Deputados.
O projeto tramita na Comissão de Segurança
Pública e Combate ao Crime Organizado e se for
aprovado seguirá para a Comissão de Constituição
e Justiça para, então, ser encaminhado à apreciação
do Senado.
De acordo com Sueli Vidigal, existe uma grande
expectativa em relação à aprovação desse projeto, que
auxiliará no combate à violência contra a mulher
brasileira. “Da maneira como o atendimento é feito
hoje, a assistência nas delegacias comuns, durante a
noite, não é satisfatória e queremos mudar esse quadro”,
enfatiza a deputada.
Segundo Vidigal, se tudo correr bem, a partir
de 2011 já teremos o projeto sancionado. “Com isso,
todas as delegacias especializadas em casos de
agressão à mulher terão atendimento 24 horas por
dia, todos os dias da semana, em todo o território
nacional”, enfatiza.
Atualmente, o horário de funcionamento dessas
delegacias depende das secretarias de Segurança Pública
dos estados, embora a Central de Atendimento
à Mulher atenda ligações telefônicas durante 24 horas,
de segunda a domingo, inclusive nos feriados, em
qualquer lugar do país, pelo número 180. f
Pulseira com GPS em
maridos violentos
Os deputados franceses aprovaram no
dia 25 de fevereiro, de 2010, um projeto de lei
para combater a violência conjugal. A lei prevê
que maridos considerados violentos usem uma
pulseira eletrônica equipada com um GPS. Os
trajetos percorridos pelos maridos acusados de
violência doméstica serão monitorados em
tempo real pela polícia, que poderá verificar se
eles se aproximam dos locais frequentados
por suas esposas.
A ministra francesa da Justiça, Michèle
Alliot-Marie, disse que a pulseira eletrônica
poderá ser utilizada antes do julgamento dos
acusados de atos de violência e até mesmo em
casos apenas de ameaças feitas contra a mulher.
A legislação foi aprovada dez dias após o
assassinato a facadas de Tanja Pozgaj, de 26
anos, por seu ex-companheiro, na periferia de
Paris. Ela havia solicitado inúmeras vezes,
sem resultado, proteção da polícia, da Justiça
e das autoridades municipais após receber
várias ameaças de morte. O caso teve grande
repercussão no país.
Estatísticas
Segundo estatísticas do Ministério francês
do Interior, quase 20% do total de homicídios
no país, nos casos em que o autor foi
identificado, são cometidos por cônjuges. Mais
de um terço desses assassinatos estão ligados à
separação do casal. Em média, uma mulher
morre a cada três dias na França em razão da
violência doméstica. Em 2008, 157 mulheres
foram assassinadas por seus companheiros. Outra
novidade prevista no projeto de lei é a
definição do delito de “assédio psicológico”, que
terá penas severas de até três anos de prisão e
multa de 75 mil euros.f
66 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
Relatório Anual
Socioeconômico
da Mulher
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
sancionou, no dia 12 de abril de 2010, o projeto
de lei (PL 2155/99), de autoria da deputada Luiza
Erundina, que cria o Relatório Anual
Socioeconômico da Mulher. A ideia é reunir, em
um só documento, dados socioeconômicos e informações
relativas a políticas públicas voltadas
para as mulheres no Brasil.
“Hoje os dados estão dispersos e cada
ministério tem isoladamente – ou não tem –
esses dados, sem nenhuma condensação. Essa
é uma medida que obriga o poder executivo a
reunir esses dados”, explica a deputada. Segundo
Luiza Erundina, além de permitir que a
sociedade acompanhe e fiscalize com mais
eficácia as ações voltadas para as mulheres, o
relatório também servirá de base para o
planejamento de novas políticas públicas nesse
sentido.
“Uma das dificuldades para a elaboração
de políticas para as mulheres é a falta de dados.
Por isso, a intenção deste relatório é apresentar,
anualmente, um diagnóstico com a situação das
mulheres do ponto de visto da saúde, do trabalho,
da educação, da sua condição de trabalho,
da sua condição econômica em termos salariais
e outros dados”, completa.
Devem ser fontes de informação para a
elaboração do relatório o IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística), o IPEA
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a
Presidência da República e Ministérios, bem
como outras entidades nacionais e internacionais
que detenham informações
relevantes para o relatório. O projeto foi
sancionado após 11 anos em tramitação. f
Mulheres deixam de ser
minoria entre os doutores
Estudo aponta que número de doutores(as)
no Brasil tem crescido nos últimos anos e que as mulheres
chegam a ser maioria.
O Brasil vem aumentando consideravelmente
o número de doutores(as). Segundo aponta a
pesquisa “Doutores 2010 – Estudos da demografia
da base técnico-científica brasileira”, as mulheres
deixaram de ser minoria, chegando hoje a 51,5% dos
titulados doutores.
A pesquisa foi divulgada pelo Centro de Gestão
e Estudos Estratégicos, vinculado ao Ministério da
Ciência e Tecnologia, e contempla análises por
estados, por áreas de conhecimento e por áreas do
mercado profissional. Ela faz, ainda, analogias com
outros países, além de trazer dados relevantes por
gênero sobre o aumento da quantidade de
doutores(as).
No Brasil, o número de doutores(as) passou de
2.830, em 1996, para 10.705, em 2008. O percentual
de doutoras em 1996 era de 44,2% e chegou a 51,5%
em 2008. A concentração de doutores(as) ainda é
maior na região Sudeste – 70,1% – entretanto, a
Mark Florest
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 67
[ Poucas e boas ]
região Nordeste é a que apresentou o maior aumento
no quantitativo de titulados no período – 2487% –
contra 198% no Sudeste.
Eduardo Viotti, coordenador do estudo e
pesquisador associado pleno do Centro de Desen -
volvimento Sustentável (CDS), da Universidade de Bra -
sília (UnB) aponta que, apesar de os(as) doutores(as)
representarem uma minoria da população, são de
importância estratégica para o desenvolvimento do país
e para a realização de pesquisas. O aumento
significativo do número de doutores(as) pode ser
considerado uma vitória para o Brasil.f
Fonte: www.observatoriodegenero.gov.br
Situação das
mulheres na
América Latina
A Cepal (Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe) apresentou uma compilação
inédita de dados reunidos num documento com o
título: “Que tipo de Estado? Que tipo de Igualdade?”.
Segundo o documento, na América Latina e no
Caribe, as mulheres não apenas dedicam mais
tempo que os homens ao trabalho doméstico não
remunerado ou de cuidados, mas também sua carga
de trabalho total – incluindo as atividades
remuneradas – é maior. No entanto, continuam sendo
discriminadas no mercado de trabalho e recebem
salários inferiores.
Esses e outros dados foram apresentados na XI
Conferência Regional sobre a Mulher da América
Latina e do Caribe - um órgão subsidiário da Cepal,
realizado nos dias 13 a 16 de julho, em Brasília-DF.
O tema central da Conferência foi “O Papel do
Estado: Desenvolvimento Econômico das Mulheres
depois de 1995 e nas conferências regionais”. f
Fonte: www.conferenciasobreamulher.net.br e Contee
16 dias de ativismo
contra a violência
As mulheres trabalhadoras vão participar da
construção da Campanha 16 Dias de Ativismo pelo
Fim da Violência contra as Mulheres neste ano no
Brasil. Em reunião da Secretaria da Mulher da
CTB(Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras
do Brasil), acontecida no dia 17 de agosto, elas
discutiram a sua participação no evento, que será
promovido pela Coordenadora das Centrais
Sindicais do Cone Sul, em parceria com os
movimentos sociais. Dentro do cronograma
geral de atividades da campanha, será realizado
um dia de mobilização das mulheres trabalhadoras
contra a violência, em 25 de novembro,
em Brasília.
A Campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da
Violência contra as Mulheresacontece todo ano de
25 de novembro a 10 de dezembro, em 135
países, com o apoio da Organização das Nações
Unidas – ONU. No Brasil, ela começa mais cedo,
no dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra,
para destacar a dupla discriminação sofrida
pelas mulheres negras.
Desenvolvida pelo Center for Women´ s
Global Leadership (Centro para a Liderança
Global das Mulheres), desde 1991, a Campanha
conquistou espaço fundamental na sociedade
brasileira, sendo realizada pela Ações em Gênero
Cidadania Desenvolvimento - AGENDE, em
parceria com redes e articulações de mulheres,
feministas e de direitos humanos, órgãos
governamentais, representações de Agências da
ONU no Brasil, empresas públicas e privadas.
O período de 25 de novembro a 10 de
dezembro foi escolhido como foco de ação da
campanha por compreender cinco datas
significativas na luta pela erradicação da violência
contra as mulheres e garantia dos direitos
humanos.f
68 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
Campanha incentiva Nobel da Paz 2011 para as africanas
Em ano de Copa do Mundo na África do Sul, o
continente ficou em evidência, mas desde 2008, durante
o seminário internacional por um Novo Pacto de
Solidariedade entre Europa e África, surgiu um
movimento para incentivar a entrega do Prêmio Nobel
da Paz de 2011 para as mulheres africanas.
A África caminha com os pés das mulheres. No
desafio da sobrevivência, todos os dias centenas de milhares
de mulheres africanas percorrem as estradas do
continente à procura de uma paz duradoura e de uma vida
digna. Num continente massacrado há séculos, marcado
pela pobreza e sucessivas crises econômicas, o papel
desenvolvido pelas mulheres é notório.
Chama a atenção a luta e o crescente papel que as mulheres
africanas desenvolvem, tanto nas aldeias quanto nas
grandes cidades, em busca de melhores condições de vida.
Ao realizar qualquer atividade, principalmente na
economia informal, são elas que sustentam a economia
familiar, o que permite a cada dia a reprodução do
milagre da sobrevivência.
Existem na África milhares de cooperativas que
reúnem mulheres envolvidas na agricultura, no comércio,
na formação, no processamento de produtos agrícolas. Há
décadas, elas são protagonistas também na área de
microfinanças, e foi graças ao microcrédito que surgiram
milhares de pequenas empresas, beneficiando o
desenvolvimento econômico e social, nas áreas mais
remotas como nas mais desenvolvidas do continente.
Essas são algumas das justificativas dos idealizadores
da campanha, proposta pela CIPSI, coordenação de 48
associações de solidariedade internacional, e da ChiAma
África, surgida no Senegal, em Dakar.
Além de terem destaque cada vez mais crescente na
área de geração de emprego e renda, as mulheres, com seu
natural instinto materno e protetor, lutam pela defesa da
saúde, principalmente contra o HIV e a malária. São elas,
as mulheres africanas, que promovem a educação sanitária
nas aldeias. E, além de tudo, lutam para combater uma
prática tão tradicional e cruel na região: a mutilação
genital.
São milhares as organizações de mulheres comprometidas
na política, nas problemáticas sociais, na construção
da paz.
Em virtude de toda essa luta e para reconhecer o
papel de todas elas é que surgiu a proposta de lançar uma
Campanha Internacional para dar o Prêmio Nobel da Paz
de 2011 a todas as mulheres africanas. Trata-se de uma
proposta diferente, já que esta não é uma campanha para
atribuir o Nobel a uma pessoa singular ou a uma
associação, mas sim, um Prêmio Coletivo para todas essas
guerreiras.
A ideia é lançar um manifesto assinado por milhões
de pessoas, por personalidades reconhecidas internacionalmente
e criar comitês nacionais e internacionais
na África e em outros continentes. Além de
recolher assinaturas, a campanha deve estimular também
encontros organizados com mulheres africanas,
convenções e iniciativas de movimento.f

A petição online pode ser assinada no site www.adital.com.br.
Para mais informações, contate a Campanha pelo endereço:
info@noppaw.org ou segretaria@noppaw.org ou no site
http://www.noppaw.org/
Divulgação
ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010 69
[ Retrato ]
Poul Blomgren
Somaly Mam – Depois de uma infância de crueldade e degradação, ao ser abandonada e obrigada a se prostituir, a cambojana
reconstruiu sua vida na França e, em 1996, fundou a organização não governamental Ação pelas Mulheres em situação de Angústia.
A Afesip (sigla em francês) resgatou, abrigou e educou mais de cinco mil crianças do Camboja. Sua luta contra o tráfico sexual de
crianças lhe rendeu prêmios e reconhecimento internacional. Em 2008, publicou Inocência Perdida, obra que conta todo o inferno pelo
qual passou, e a forma como tem lutado para ajudar outras mulheres.Visite o site: www.somaly.org
70 ELAS POR ELAS - SETEMBRO DE 2010
Caminhando
Quando eu me libertar
processo que construo
sangue e suor,
tingirei minhas vestes
de uma cor intensa
que me apeteça a vida
e gere o mesmo em todo o
povo.
Minhas mãos serão mais
longas
ávidas do fazer imediato.
o coração multiplicado
repartido a quem o queira
ao mesmo tempo inteiro
cantará a canção da unidade.
Quando eu me libertar
meu corpo ardendo
curioso,
olhará mais ainda
para dentro de si mesmo
e, simultâneo,
explodirá para fora
perscrutando flores, gente,
ruas, a fumaça envenenada.
E cada vez mais
Sem ser promíscua
Mas comungando o todo
Encarei sem medo
Frente a frente
Minha própria identidade.
Maria Zélia Rogedo