Artigo Zé Lineu e Raimundo Nonato são dois nordestinos; por dedução, são brasileiros. Moram numa capital nordestina e nasceram em terras distantes de Estados diferentes. Vieram para a cidade grande, porque, segundo eles, “a coisa tava braba”. O primeiro, mais falante, chegou a dizer que, se lá permanecesse, morreria de fome. Ambos são ambulantes. Um vende produtos ‘genéricos’, também chamados de piratas. O outro se diz empresário. Comercializa produtos fabricados pela ‘patroa’. Gosto de trocar dois dedos de prosa com eles, principalmente com o primeiro, que sempre tem uma tirada para cada provocação. Sobrevivem e sustentam as suas famílias com a renda proporcionada pelos seus ‘negócios’. Um mora numa ‘puxadinha’ erguida em terreno não se sabe de quem, construída, como afirma, ‘a custo de muito esforço’. Diz que não dorme quando chove, preocupado com os deslizamentos que podem ocorrer na área. “Não é pela casa, é pela mulher e filhos”. O segundo mora noutro ‘puxadinho’ construído nos fundos de um terreno onde se encontra a casa de um parente. Em ocasiões distintas, perguntei se gostariam de voltar a morar nas terras onde nasceram. O primeiro foi taxativo: “Não!”. Alegou que os filhos já estavam “grandes”, que não se acostumaria com a vida que levava antes. O segundo não disse nem sim nem não. Falou das dificuldades do recomeço, questionou do que sobreviveria e lamentou não ter um pedacinho de terra para “erguer um barraco, criar uns bodes e plantar umas coisas”. Lineu e Nonato são mais dois exemplos de nordestinos que abandonaram as origens em busca da sobrevivência. Não vou entrar no detalhe da legalidade do comércio que Lineu atua para levar o dinheiro do arroz e feijão para sua casa. Certa vez, indagado, foi enfático: “O meu trabalho é honesto. Não tiro de ninguém, não peço esmola e nem vivo à custa do governo”. É a sua visão, ainda que alguém possa dizer que se trata de uma visão equivocada ou distorcida. Lineu e Nonato são nomes fictícios, mas os personagens são reais numa terra de desigualdades. São nativos do 44 > > dezembro José Carlos L. Poroca* jcporoca@uol.com.br Feliz e Próspero 2011 país que tem o maior número de horas trabalhadas para pagar impostos: 2.600 horas. A média, na América Latina, é de 563 horas. Os personagens nasceram e vivem num país que ocupa a 129ª posição numa lista dos países onde é mais difícil fazer negócio, onde a burocracia e o jeitinho prevalecem sobre a técnica e a lei. Os ‘prêmios’ conquistados pelo Brasil refletem a nossa realidade: temos, de um lado, um dos maiores PIBs do mundo e, do outro, altos índices de desemprego, a ampliação progressiva da produção informal e a evolução conformista (o “aceite”) do toma lá dá cá para resolver questões que a burocracia incentiva e não dá sinais de querer mudar. Voltemos aos personagens. Não se queixam da vida, estão sempre alegres, alertas para a gozação em cima de fulano ou beltrano a cada fato presenciado. Ficam chateados com a derrota dos seus times (torcem por clubes diferentes), com a possibilidade de ficar doentes (perda de receita) e com as notícias quase que diárias sobre as peraltices e travessuras que passaram a integrar a vida do brasileiro. Estão otimistas. Alguém - não sei quem - falou para eles que o Brasil vai se transformar numa potência em 2011 e que todos os brasileiros vão ficar endinheirados. “Tão dizendo que, ao invés de água, vai sair dinheiro pelas torneiras” – disse Lineu em tom de brincadeira. Peguei o gancho e perguntei o que pretendia fazer, em 2011, se a previsão se transformasse em realidade. O primeiro ato, segundo ele, seria sair de onde mora para ir “morar decente”; o segundo, “pegar a patroa e os meninos para fazer umas compras”. Perguntei pelo terceiro. Respondeu: “vou comprar um chapéu bonito, como aqueles americanos da TV...”. Tomara que o ‘profeta’ esteja certo. Tomara que 2010 passe rápido. Pode ser que, mesmo com excesso de otimismo, surjam, até lá (2011), homens públicos que sobreponham os valores da Nação a objetivos individuais ou a objetivos de grupos ou partidos. Tomara que a palavra vergonha volte a ter o significado que consta nos dicionários. Tomara que Lineu consiga realizar os seus sonhos, pelo menos o terceiro. *José Carlos L. Poroca é advogado e executivo do segmento shopping centers
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