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Prefeito restaura censura em Salvador - Revista Metrópole

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Por André Teixeira<br />

notas da <strong>Metrópole</strong><br />

Crônica<br />

A Quinta dos Inferno<br />

Qu<strong>em</strong> não conhece o Vale dos Indigentes, n<strong>em</strong> faz questão<br />

de conhecer, o lugar está localizado no pequeno despenhadeiro<br />

à esquerda do c<strong>em</strong>itério de Quinta dos Lázaros, na Baixa de<br />

Quinta. T<strong>em</strong> tamanho de dois campos de futebol profissional,<br />

com centenas de cruzes de cimento, brancas, com cerca de 50<br />

cm cada, espalhadas sobre as covas rasas que desc<strong>em</strong> tortas na<br />

vertical até os quintais dos barracos construídos irregularmente<br />

no terreno da necrópole. S<strong>em</strong> saneamento algum. Qu<strong>em</strong><br />

chega na Vala respira doença e miséria. Quando o t<strong>em</strong>po<br />

está bom sente-se o odor abafado de terra podre. Quando<br />

chove, a depender do aguaceiro, a<br />

enxurrada desenterra os defuntos,<br />

fazendo com que crânios, troncos<br />

e m<strong>em</strong>bros apareçam, rol<strong>em</strong><br />

e par<strong>em</strong> no fundo dos casebres.<br />

Bom para os cachorros. E para<br />

Umulum, o chefe do povo dos<br />

c<strong>em</strong>itérios da Quimbanda. São<br />

Lázaro, para os católicos.<br />

Não custa caro morrer se<br />

você for sepultado <strong>em</strong> Quinta<br />

dos Lázaros, a depender do lugar<br />

que seja enterrado. No chão, com<br />

ou s<strong>em</strong> os indigentes, é de graça,<br />

e nas carneiras, que pertenc<strong>em</strong> a<br />

entidades diversas, o custo fica <strong>em</strong> torno de<br />

R$300. Aceita cartão Visa. Cada carneira é<br />

dividida por uma placa de cimento de no máximo 4,0 cm de<br />

espessura com 2,5 m de profundidade. O contrato de locação<br />

deste equipamento é de três anos, a partir daí, os restos mortais<br />

dev<strong>em</strong> ser retirados e devolvidos à família. Os caixões, que são<br />

vendidos pelas funerárias do bairro, ficam entre R$280 (de compensado)<br />

e R$4 mil, mas pod<strong>em</strong> chegar a R$15 mil <strong>em</strong> outras<br />

funerárias da capital baiana. Tamanho, peso, adornos, vidro, com<br />

visor ou s<strong>em</strong>, e madeira, normalmente de lei, aumentam o valor<br />

Solução<br />

“Seria muito bom se apenas um<br />

deputado e um senador pegass<strong>em</strong><br />

febre aftosa, pois assim teríamos<br />

que sacrificar o rebanho todo”.<br />

Frase de Jonny Souza, ouvinte<br />

<strong>Metrópole</strong>.<br />

Capador<br />

Se uma das funções da<br />

Superintendência de Parques<br />

e Jardins é cortar madeira, o<br />

novo titular do órgão traz essa<br />

habilidade no nome: Evandro<br />

Castro Pinto.<br />

do féretro. Além é claro dos serviços funerários. No caso de<br />

Quintas, o velório é de R$80, mas a família pode velar o defunto<br />

coletivamente s<strong>em</strong> pagar nada numa das seis pedras mortuárias<br />

disponíveis. A capelinha também é de graça, sendo que neste<br />

caso, os parentes só pod<strong>em</strong> ficar 20 minutos no ambiente. “São<br />

muitos enterros por dia”, diz Raimundo Teixeira, funcionário<br />

do c<strong>em</strong>itério, “por isso não pode d<strong>em</strong>orar”. Fora as flores e os<br />

santinhos - que não vi, n<strong>em</strong> recebi nenhum enquanto acompanhava<br />

os funerais – o séqüito termina por<br />

aí. No caso dos indigentes, o enterro é no<br />

chão, e a responsabilidade é da Secretaria<br />

de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), que<br />

deposita o lixo humano - cerca de quatro<br />

a cinco bonecos por s<strong>em</strong>ana - s<strong>em</strong>pre<br />

nas quartas e quintas-feiras, na vala<br />

reservada exclusivamente para eles<br />

- jovens e velhos. Todos decrépitos.<br />

Um “umbral”, diriam os espíritas.<br />

Vindos do Instituto Médico Legal<br />

Nina Rodrigues (IML). “Cuidado<br />

que o bicho pega se você for<br />

pra lá. Ali só vou pra te enterrar”,<br />

desdenhava um funcionário do c<strong>em</strong>itério<br />

com a minha ida à quadra<br />

dos mendicantes, que t<strong>em</strong> cenário<br />

digno dos horrendos filmes do cineasta<br />

José Mojica Marins, o Zé do<br />

Caixão. E o que é pior, abandonados<br />

justamente por aqueles que mais lucraram e<br />

lucram com a miséria humana: as congregações de Deus. Que<br />

não têm responsabilidade alguma, diga-se de passag<strong>em</strong>, com o<br />

que acontece no terreno ao lado.<br />

Se os indigentes conheceram o inferno <strong>em</strong> vida, confirmaram<br />

a existência dele <strong>em</strong> Quinta dos Lázaros. Segundo a<br />

Sesab, “os sepultamentos normais de adultos <strong>em</strong> covas rasas<br />

só voltam a ser realizados no dia 1º de set<strong>em</strong>bro”. O órgão<br />

diz ainda que a suspensão é exclusiva para sepultamentos de<br />

adultos e que o serviço continuará sendo prestado para o enterro<br />

de crianças de até três anos e para os miseráveis. Ruim<br />

com, pior s<strong>em</strong> ele. O Quinta está com a capacidade esgotada,<br />

e para piorar a situação dos defuntos faltam espaços no<br />

chão, para os pobres. Até a determinação da secretaria, eram<br />

feitos de 25 a 30 sepultamentos por dia. Agora são 15. Diz<br />

a prefeitura de <strong>Salvador</strong> que os dez c<strong>em</strong>itérios do<br />

município dispõ<strong>em</strong> de 2.800 covas, e estão<br />

<strong>em</strong> condições de efetuar os sepultamentos<br />

que normalmente são realizados <strong>em</strong> Quinta<br />

dos Lázaros. Verdade. Até porque ser enterrado<br />

nos c<strong>em</strong>itérios do município não é<br />

difícil. Basta jogar o corpo <strong>em</strong> um buraco.<br />

O c<strong>em</strong>itério de Brotas, por ex<strong>em</strong>plo, um dos<br />

mais importantes da cidade, junto com o de<br />

Plataforma, além de ser feio – a preguiça impede<br />

a construção de jardins - t<strong>em</strong> entulho, lixo, mato,<br />

duas árvores e três funcionários trabalhando por turno<br />

- sendo que no dia que a reportag<strong>em</strong> resolveu visitar o<br />

local, às duas horas da tarde, um dos coveiros estava<br />

dormindo na capela do c<strong>em</strong>itério, (maldade, tinha<br />

acabado de rangar), o outro, o administrador, se<br />

encontrava <strong>em</strong> casa, e o terceiro, do nada, começou a<br />

limpar o terreno – uma hora depois - quando me viu avaliando<br />

as condições do ambiente. De acordo com o gerente - que não<br />

quis responder às minhas perguntas - ele foi ameaçado pela<br />

Secretaria Municipal de Serviços Públicos (Sesp), de exonera-<br />

ção caso dissesse alguma coisa contra o c<strong>em</strong>itério de Brotas.<br />

Ninguém abriu o bico. Só a moça de aparência funesta e suja,<br />

que acordou incomodada ao perceber minha aproximação no<br />

fundo do c<strong>em</strong>itério. Tinha todos os dentes da boca. Bonita,<br />

se não foss<strong>em</strong> os sinais de loucura e o abandono. Dormia<br />

sobre papelões. Assustada. Aos gritos, e com um pau na mão,<br />

exigia que saíss<strong>em</strong>os de perto, dizendo que não devia<br />

satisfação a ninguém. “Eu não quero conversa.<br />

Não se meta <strong>em</strong> assuntos de maçonaria”, berrava.<br />

Perguntamos se morava ali. Morava. Mas não disse.<br />

E se fazia trabalhos de magia “negra” no lugar.<br />

Ninguém sabe. Não respondeu. Mas é comum,<br />

pelo menos uma vez por mês, ver o c<strong>em</strong>itério<br />

invadido por quimbandeiros para a feitura<br />

de despachos com ossos humanos. “Antes<br />

era pior”, l<strong>em</strong>brava uma senhora, enquanto<br />

via o sepulcro do marido. Poucos tão b<strong>em</strong><br />

cuidados como aquele. Tinha lápide. O resto,<br />

na sua maioria, só números. À noite, além das almas -<br />

se existir<strong>em</strong> – só essa moça-zumbi dorme neste “campo<br />

santo”. Que t<strong>em</strong> destino igual ao nosso, é verdade. A<br />

morte. A diferença é que no dia que ela conseguir sair<br />

do mundo dos vivos, vai para Vala dos Indigentes. Porque<br />

no de Brotas o enterro custa R$12,88 para adulto. Ou a<br />

menos que alguém acredite <strong>em</strong> milagre e ela seja enterrada ou<br />

cr<strong>em</strong>ada no Jardim da Saudade, num belo caixão de madeira<br />

talhada, com flores, adornos, vidro fumê, padre... •<br />

40 <strong>Revista</strong> <strong>Metrópole</strong> - julho de 2007 41

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