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O Sonhador (2006) - Belas Palavras

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A RESPEITO DE LIZA<br />

Se eu quiser contar a história de Liza eu conto. Se não quiser, não<br />

conto. Porque é uma história banal, bem ao jeito daquelas que nunca saem<br />

diariamente nos jornais e noticiários da TV. Faz parte da vida cotidiana, desse<br />

mistério que nos cerca na cidade grande, uma lógica que jamais daria fonte<br />

para um inventor de histórias policiais, que tira tramas misteriosas até do nada<br />

absoluto. Apesar de quê, não se trata de modo algum de uma história policial.<br />

Por isso estou aqui nessa indecisão: conto, não conto. Conto? Não conto.<br />

Primeiro vão me dar licença para pôr um disco na vitrola. Tem um<br />

Quinteto, um Sexteto e uma Sonata de Brahms para violoncelo e piano que<br />

ganhei e preciso escutar. Lembro o tio de cabelos escassos, alvos, sempre<br />

cuidando dos velhos discos long-play, passando cera, acarinhando-os com<br />

uma flanela umedecida com vinil líquido, até que todos ficassem brilhando sem<br />

um fio de poeira. E porque ficou viúvo me deu os discos de presente. São uns<br />

LPs velhos mas, tirando aquele chiado irritante, vê-se a música lá no fundo...<br />

Voltemos ao que pode ser uma história... Vinda de uma cidade pequena<br />

do interior, Liza sempre acompanhou com terror incontido as horríveis histórias<br />

de assassinatos de moças que, como ela, chegavam à cidade grande em<br />

busca de realizar um sonho, de ter uma vida semelhante às que se vê nas<br />

novelas de TV e no cinema. Aliás, já trouxe na bagagem os medos e temores<br />

incutidos, com muita razão, pelos parentes desde a despedida até nas cartas e<br />

bilhetes constantes. A ilusão de obter tudo com facilidade, porém, logo se<br />

desvanecia, mas a firmeza de alcançar o objetivo não. E seguir em frente, não<br />

se entregar, mandar notícias de progresso, sobreviver enfim, se transformava<br />

no objetivo maior.<br />

Contava, porém, com a proteção das rezas e orações dos amigos e<br />

parentes. Assim, se as más notícias não apavoravam, faziam-na se armar de<br />

cuidados levados a exageros tais que aparentavam traumas. Era jovem e<br />

seguia em frente, buscando fazer mais leve uma vida que passava pelo estudo<br />

na faculdade, se diplomar na profissão dos sonhos, encontrar um trabalho que<br />

lhe traga satisfação, o progresso necessário para conquista das pequenas<br />

ambições: comprar um carro, morar sozinha num apartamento de preferência<br />

seu. E principalmente fazer novas amizades e conhecer o grande amor da sua<br />

vida.<br />

Quantas vezes todos já viram ou ouviram coisa igual? Milhares, com<br />

certeza, mas quantas vezes isso já ocorreu bem embaixo dos seus narizes?<br />

Bom, aí já é outra coisa. Liza tinha pesadelos com gente que a convidava para<br />

grandes aventuras, passarelas, fotografias, uma ponta na TV, passeios em<br />

iates, fins de semana em ilhas douradas cheias de praias e de gente cuja<br />

fotografia saía semanalmente nas revistas de pessoas famosas. Tinha<br />

pesadelos menores com jantares em restaurantes refinados, com peças<br />

teatrais, shows de cantores que jamais imaginaria um dia assistir, concertos<br />

sinfônicos no Teatro Municipal.

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