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A RESPEITO DE LIZA<br />
Se eu quiser contar a história de Liza eu conto. Se não quiser, não<br />
conto. Porque é uma história banal, bem ao jeito daquelas que nunca saem<br />
diariamente nos jornais e noticiários da TV. Faz parte da vida cotidiana, desse<br />
mistério que nos cerca na cidade grande, uma lógica que jamais daria fonte<br />
para um inventor de histórias policiais, que tira tramas misteriosas até do nada<br />
absoluto. Apesar de quê, não se trata de modo algum de uma história policial.<br />
Por isso estou aqui nessa indecisão: conto, não conto. Conto? Não conto.<br />
Primeiro vão me dar licença para pôr um disco na vitrola. Tem um<br />
Quinteto, um Sexteto e uma Sonata de Brahms para violoncelo e piano que<br />
ganhei e preciso escutar. Lembro o tio de cabelos escassos, alvos, sempre<br />
cuidando dos velhos discos long-play, passando cera, acarinhando-os com<br />
uma flanela umedecida com vinil líquido, até que todos ficassem brilhando sem<br />
um fio de poeira. E porque ficou viúvo me deu os discos de presente. São uns<br />
LPs velhos mas, tirando aquele chiado irritante, vê-se a música lá no fundo...<br />
Voltemos ao que pode ser uma história... Vinda de uma cidade pequena<br />
do interior, Liza sempre acompanhou com terror incontido as horríveis histórias<br />
de assassinatos de moças que, como ela, chegavam à cidade grande em<br />
busca de realizar um sonho, de ter uma vida semelhante às que se vê nas<br />
novelas de TV e no cinema. Aliás, já trouxe na bagagem os medos e temores<br />
incutidos, com muita razão, pelos parentes desde a despedida até nas cartas e<br />
bilhetes constantes. A ilusão de obter tudo com facilidade, porém, logo se<br />
desvanecia, mas a firmeza de alcançar o objetivo não. E seguir em frente, não<br />
se entregar, mandar notícias de progresso, sobreviver enfim, se transformava<br />
no objetivo maior.<br />
Contava, porém, com a proteção das rezas e orações dos amigos e<br />
parentes. Assim, se as más notícias não apavoravam, faziam-na se armar de<br />
cuidados levados a exageros tais que aparentavam traumas. Era jovem e<br />
seguia em frente, buscando fazer mais leve uma vida que passava pelo estudo<br />
na faculdade, se diplomar na profissão dos sonhos, encontrar um trabalho que<br />
lhe traga satisfação, o progresso necessário para conquista das pequenas<br />
ambições: comprar um carro, morar sozinha num apartamento de preferência<br />
seu. E principalmente fazer novas amizades e conhecer o grande amor da sua<br />
vida.<br />
Quantas vezes todos já viram ou ouviram coisa igual? Milhares, com<br />
certeza, mas quantas vezes isso já ocorreu bem embaixo dos seus narizes?<br />
Bom, aí já é outra coisa. Liza tinha pesadelos com gente que a convidava para<br />
grandes aventuras, passarelas, fotografias, uma ponta na TV, passeios em<br />
iates, fins de semana em ilhas douradas cheias de praias e de gente cuja<br />
fotografia saía semanalmente nas revistas de pessoas famosas. Tinha<br />
pesadelos menores com jantares em restaurantes refinados, com peças<br />
teatrais, shows de cantores que jamais imaginaria um dia assistir, concertos<br />
sinfônicos no Teatro Municipal.