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O tempo passou, mantive contato com o velho Moya, mas havia um<br />
detalhe que me incomodava: me dei conta de que alguma coisa me impedia de<br />
mexer naqueles papéis. Parecia-me ser o guardião de um tesouro, que a minha<br />
obrigação era guardá-lo e defendê-lo com a própria vida, porque a qualquer<br />
momento o velho Moya, estando vivo, poderia chegar, reassumir a morada do<br />
Catete, reaver a posse de todos os documentos e tudo voltaria ao normal.<br />
Acredito que todo mundo já teve um sentimento assim, pois afinal, ele estava<br />
vivo, se mantinha presente em espírito. Junto com aqueles papéis, o velho jogo<br />
de xadrez, as planilhas de partidas inacabadas, o relógio alemão para xadrez<br />
relâmpago, sentia a presença eloqüente do professor e isso me impedia de<br />
mexer em tudo aquilo.<br />
Márcia continuava fazendo a ponte Rio - São Paulo. Não se queixava,<br />
fazia com prazer. Um dia confessou-me que o professor praticamente a tirou da<br />
rua, quando a mãe dela faleceu. Durante muitos anos a sua mãe serviu à<br />
família do professor como arrumadeira, cozinheira, fazia de tudo um pouco.<br />
Aceitaram a presença de Márcia e em pouco tempo ela fazia parte da família.<br />
Quando a mãe dela passou mal do coração, fez todo o tratamento à custa do<br />
professor. Operou, colocou duas pontes de safena, mas pouco tempo depois<br />
veio a falecer. Ia fazer oitenta anos, o corpo cansado não podia resistir tanto.<br />
Márcia se viu na obrigação de substituir a mãe e ficou tomando conta da<br />
casa, do professor que também enviuvara e agora era um homem só e triste.<br />
Márcia aos poucos ia contando a razão daquela dedicação. Era mesmo<br />
gratidão: "O professor Moya jamais abandonou a minha mãe, pagou exames, a<br />
operação, os melhores médicos e hospitais, sempre deu o maior apoio. Depois<br />
que ela morreu o professor, que sempre teve um grande coração, me acolheu,<br />
pagou meus estudos, tratou-me como filha. Só assim pude arrumar um bom<br />
marido, temos um casal de filhos. Na verdade não preciso trabalhar. Digo a<br />
meu marido: é de meu pai que estou cuidando. Ele compreende."<br />
No retorno de uma dessas viagens ela trouxe a notícia: o professor<br />
faleceu. Só então senti a liberdade suficiente para revolver todos os trastes, no<br />
bom sentido, que tinha trazido comigo. E foi mexendo na papelada que<br />
encontrei uma carta dirigida a mim, mas por algum motivo difícil de descobrir,<br />
nunca foi enviada. Não era uma carta de tanta importância, se não fosse um<br />
pequeno detalhe, uma referência ao seu filho, cujo destino ele jamais<br />
esclareceu. Ficou esse vácuo, um muro, que eu nunca tive coragem de<br />
ultrapassar e essa fronteira estabelecida naturalmente entre o que ocorreu e o<br />
silêncio permaneceu inviolável até a morte de Moya.<br />
A carta referia-se a um artigo que mandei para a revista de xadrez postal<br />
do nosso clube, um artigo simples, sem maiores pretensões, mas que deve ter<br />
abalado muito as memórias do professor Moya. Reproduzo o artigo e em<br />
seguida a carta. Mais uma vez tive a ajuda de Márcia para desatar o nó e<br />
chegarmos à conclusão final, sem o que seria impossível. (Ver o artigo - revista<br />
Caissa ? - ver a carta - arquivo...)<br />
O que aconteceu, enfim, com o professor Moya, que me veio à<br />
lembrança neste momento em que acabava a partida relâmpago, é que