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O Sonhador (2006) - Belas Palavras

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42<br />

O tempo passou, mantive contato com o velho Moya, mas havia um<br />

detalhe que me incomodava: me dei conta de que alguma coisa me impedia de<br />

mexer naqueles papéis. Parecia-me ser o guardião de um tesouro, que a minha<br />

obrigação era guardá-lo e defendê-lo com a própria vida, porque a qualquer<br />

momento o velho Moya, estando vivo, poderia chegar, reassumir a morada do<br />

Catete, reaver a posse de todos os documentos e tudo voltaria ao normal.<br />

Acredito que todo mundo já teve um sentimento assim, pois afinal, ele estava<br />

vivo, se mantinha presente em espírito. Junto com aqueles papéis, o velho jogo<br />

de xadrez, as planilhas de partidas inacabadas, o relógio alemão para xadrez<br />

relâmpago, sentia a presença eloqüente do professor e isso me impedia de<br />

mexer em tudo aquilo.<br />

Márcia continuava fazendo a ponte Rio - São Paulo. Não se queixava,<br />

fazia com prazer. Um dia confessou-me que o professor praticamente a tirou da<br />

rua, quando a mãe dela faleceu. Durante muitos anos a sua mãe serviu à<br />

família do professor como arrumadeira, cozinheira, fazia de tudo um pouco.<br />

Aceitaram a presença de Márcia e em pouco tempo ela fazia parte da família.<br />

Quando a mãe dela passou mal do coração, fez todo o tratamento à custa do<br />

professor. Operou, colocou duas pontes de safena, mas pouco tempo depois<br />

veio a falecer. Ia fazer oitenta anos, o corpo cansado não podia resistir tanto.<br />

Márcia se viu na obrigação de substituir a mãe e ficou tomando conta da<br />

casa, do professor que também enviuvara e agora era um homem só e triste.<br />

Márcia aos poucos ia contando a razão daquela dedicação. Era mesmo<br />

gratidão: "O professor Moya jamais abandonou a minha mãe, pagou exames, a<br />

operação, os melhores médicos e hospitais, sempre deu o maior apoio. Depois<br />

que ela morreu o professor, que sempre teve um grande coração, me acolheu,<br />

pagou meus estudos, tratou-me como filha. Só assim pude arrumar um bom<br />

marido, temos um casal de filhos. Na verdade não preciso trabalhar. Digo a<br />

meu marido: é de meu pai que estou cuidando. Ele compreende."<br />

No retorno de uma dessas viagens ela trouxe a notícia: o professor<br />

faleceu. Só então senti a liberdade suficiente para revolver todos os trastes, no<br />

bom sentido, que tinha trazido comigo. E foi mexendo na papelada que<br />

encontrei uma carta dirigida a mim, mas por algum motivo difícil de descobrir,<br />

nunca foi enviada. Não era uma carta de tanta importância, se não fosse um<br />

pequeno detalhe, uma referência ao seu filho, cujo destino ele jamais<br />

esclareceu. Ficou esse vácuo, um muro, que eu nunca tive coragem de<br />

ultrapassar e essa fronteira estabelecida naturalmente entre o que ocorreu e o<br />

silêncio permaneceu inviolável até a morte de Moya.<br />

A carta referia-se a um artigo que mandei para a revista de xadrez postal<br />

do nosso clube, um artigo simples, sem maiores pretensões, mas que deve ter<br />

abalado muito as memórias do professor Moya. Reproduzo o artigo e em<br />

seguida a carta. Mais uma vez tive a ajuda de Márcia para desatar o nó e<br />

chegarmos à conclusão final, sem o que seria impossível. (Ver o artigo - revista<br />

Caissa ? - ver a carta - arquivo...)<br />

O que aconteceu, enfim, com o professor Moya, que me veio à<br />

lembrança neste momento em que acabava a partida relâmpago, é que

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