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3ª FEIRA (LONGE, MAS PERTO)<br />
De forma que a paisagem em frente do mar já começava a fazer parte<br />
das imagens que me vinham à cabeça como algo já comum em minha vida.<br />
Sentava numa mesa de bar, pedia uma cerveja ou vinho e começava a ler um<br />
livro. Era ali um estranho para todos menos para ela. Representávamos um<br />
drama, uma comédia, uma peça teatral. Para quem chegava – o restaurante<br />
dela era um local público – eu era apenas mais um consumidor. Um dia chegou<br />
um rapaz que a tratou com muito mais intimidade que qualquer outro. Apenas<br />
evitou o beijo na boca devido à minha presença, mas entrou na casa dando a<br />
impressão de quem era íntimo demais. Até a saída ficou muito próximo,<br />
sorrindo, dando abraços – eram amantes. Com uma explicação que não pedi<br />
Eusa me disse que aquele era o namorado da juventude de quem me havia<br />
falado. Não tirei os olhos do livro, mas a paisagem das ondas se deitando nas<br />
areias bem longe ficou mais turva. Esse foi o sinal de que os sentimentos a<br />
partir de agora seguiriam, sem remédio, o caminho inexorável da paixão, com<br />
todas as nuanças irracionais.<br />
4ª FEIRA (CHATEADO COM O SILÊNCIO)<br />
Vale mesmo a pena falar disso? Depois desse teatro cheio de ardor,<br />
ciúme e doloroso como cena de cinema francês, achei bom procurar Artur e me<br />
inteirar mais das pessoas, para saber mesmo quem é esse estranho grupo que<br />
estava prestes a fazer amizade. Quem é Eusa? Quem é esse estranho<br />
namorado de juventude que vive onipresente e tem sempre lugar cativo para<br />
beijá-la na boca? Quem são os homens que aparecem e desaparecem<br />
misteriosamente na cama de Eusa? Não conseguir falar com Artur mas<br />
encontrei Luzia saindo da aula de dança. Foi bom porque desde o primeiro<br />
instante simpatizamos de cara e estabelecemos uma cumplicidade assim: eu<br />
porque estava fazendo novos amigos e ela porque se sentia na obrigação de<br />
preservar a todo custo a felicidade da amiga. Sabia me cortejar com palavras<br />
de estímulo no meu novo relacionamento com Eusa, dizia que nunca a vira tão<br />
feliz e agora sim ela encontraria o equilíbrio que tanto buscava, estava<br />
precisando de um homem como eu, dizendo coisas assim que conseguiam me<br />
dobrar e me fazer entender o quanto eu era importante para ela.<br />
5ª FEIRA (THE DAY AFTER)<br />
Essa conversa toda porém desabou quando falei na pessoa que<br />
encontrei com Eusa. Ah, a minha amiga. Mas ela fez isso? Disse sinceramente,<br />
já chateada, quase chorando. Mas não é possível. É ela não tem jeito mesmo.<br />
Que será que deu nela? Na verdade quem não entendeu nada fui eu. Luzia<br />
dizia coisas como se estivesse falando sozinha, fazia gestos e expressões,<br />
dramas, tudo aquilo só servia para complicar mais toda a minha cabeça. No<br />
final das contas a Eusa foi desenhada mais como vítima do que outra coisa.<br />
Não desanima, meu amigo – era o que Luzia me dizia. Não pensa que isso vai<br />
diminuir o amor que ela encontrou em ti. Deixa-me recolocar a cabeça dela no<br />
lugar. Alguma coisa ela colocou na conversa que Eusa passou a ser uma<br />
vítima de uma série de maltrato, espancamento, crise, tortura mental. E eu<br />
havia sido colocado no âmago do fogo como se fosse um salvador, uma tábua