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O Sonhador (2006) - Belas Palavras

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QUEM PODE SABER?<br />

Quem pode saber quando a morte chega? Preciso contar isto. Desde<br />

uns tempos para cá tenho sido acordado de madrugada ouvindo pancadas na<br />

porta. Levanto-me e vou ver se é alguém que saiu sem levar chave (isso<br />

acontece muito com Patrícia, que prefere bater na porta porque sabe que<br />

acordo mais tardar na segunda batida, em vez de tocar a campainha e<br />

despertar todo mundo e dessa maneira só eu acordava).<br />

Enfim, vou até à porta, espio pelo olho mágico e não há ninguém.<br />

Geralmente eu me deito de novo e volto a dormir. Ultimamente até nem mais<br />

perdia tempo para ver se havia alguém: ficava na expectativa de ouvir uma<br />

nova batida para levantar. Como não acontecia nada, voltava a dormir.<br />

Da última vez que isso aconteceu (foi agora em janeiro), despertei e em<br />

vez de ir até à porta fiquei pensando no que estava acontecendo. O que<br />

significava essa batida? Que porta era essa? Quem e por que batiam na porta?<br />

Aí pensei muito e eu mesmo concluí que a porta é a minha porta. Uma porta<br />

que está fechada. É a porta da minha vida. A porta da minha vida está fechada.<br />

Eu mesmo fechei a porta da minha vida. Algum dia, por algum motivo.<br />

eu mesmo fechei a porta da minha vida. deixei muitas coisas de fora. E agora<br />

os meus amigos. os que me conheceram alegre. brincalhão, feliz e sempre<br />

com uma perspectiva positiva de tudo que a vida traz. mesmo nos momentos<br />

mais difíceis. agora as pessoas que me amam estão batendo na porta.<br />

mandando um sinal para que eu abra de novo a porta da minha vida. e deixe<br />

entrar tudo aquilo que tive juntado comigo todo tempo. Eu mesmo abrirei a<br />

porta da minha vida.<br />

Jamais pensei em maldade ou que fosse outra gente que tivesse feito<br />

isso comigo. Fui eu mesmo que fiz essas coisas. Eu que sou o dono da minha<br />

vida e da minha porta. Depois de pensar isso tudo e refletir ali deitado<br />

enquanto a manhã chegava, eram 4 horas da madrugada, pouco mais já<br />

começava a clarear.<br />

Na próxima vez que eu ouvir as pancadas na porta – pensei comigo<br />

mesmo – mesmo sabendo que não haverá ninguém, abrirei a porta bem<br />

escancarada e deixarei entrar tudo de bom que sempre tive, tudo que, por<br />

minha própria natureza, sempre me pertenceu.<br />

Não vou deixar mais fora de mim a alegria, não serei um carregamento<br />

de tristeza, vou namorar de novo a esperança, pensar as coisas boas que<br />

sempre pensei e, principalmente, vou acreditar que, apesar de tudo, existe a<br />

felicidade para ser usufruída. Foi isso que pensei...<br />

[Oito horas da manhã. Está a Quarta Sinfonia de Mahler para ser ouvida.<br />

Da janela vejo no quintal do vizinho uma pata e sua ninhada. Dois pintos foram<br />

chocados entre os patinhos. Eles não largam à mãe-pata e andam em fila<br />

indiana atrás dos patinhos. Será que vão se recusar a nadar no tanque de

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