Ano 2010 - AgeRH
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Algum tempo depois eu conheci a Dulce Magalhães, que também<br />
se tornaria pra mim apenas a Dulce. E que, aliás, também estará<br />
palestrando no 3º Congresso de Recursos Humanos do ABC.<br />
Ela finalizou uma palestra mostrando duas histórias, ou melhor, dois<br />
“pedacinhos” de vida: do “Seu” Getúlio, um carioca de Miguel Pereira<br />
e do “Seu” Deóclis, um mineiro de Ituiutaba.<br />
A história do Getúlio apareceu no Globo Esporte porque ele foi jogar<br />
num amistoso com o Botafogo e, quando ia entrar em campo, o juiz<br />
encerrou a partida e essa foi a maior frustração da vida dele porque<br />
pisar no Maracanã era seu maior sonho. Mas, vejam vocês, ele nunca<br />
tinha contado isso pra ninguém. Como alguém poderia ajudá-lo, se<br />
não sabia disso? Quem tinha poder para ajudá-lo, aliás, era o técnico<br />
do time, certo? E o técnico do time jamais soube desse sonho do<br />
Getúlio. Nem quando a oportunidade se apresentou.<br />
Aqui, a Dulce propôs uma reflexão sobre dois arquétipos do poder:<br />
A fada e a bruxa. As figuras de nossas histórias que têm o poder<br />
de transformar a realidade. A fada como sendo aquela figura linda<br />
e bondosa. Linda porque bondosa e bondosa porque utiliza todo<br />
seu poder para nos ajudar. O perigo deste mind set, desta forma de<br />
configurar nossa mente? Crescemos acreditando que basta sermos<br />
bons – e, do nosso ponto de vista, todos somos – e o Universo nos<br />
dará. Não precisamos fazer mais nada senão apenas sermos bons. O<br />
Getúlio fez isso. Sem consciência de que fazia, mas fez.<br />
A bruxa, por sua vez, é feia e má. É feia porque é má (e aí crescemos<br />
achando que pessoas bonitas são mais confiáveis, mas deve ser<br />
só coincidência, né…?) e é má porque é egoísta. Ela usa todo seu<br />
poder apenas pra satisfazer suas próprias necessidades e desejos. Aí<br />
crescemos acreditando que buscar algo pra nós mesmos é “feio”, é<br />
mau. O nome disso é maniqueísmo. Ou algo/alguém é bom ou é mau.<br />
Se não é bom, é mau. Se não é mau, é bom. Ai, ai, ai… Não tem nada<br />
no meio? É bom ter porque se não, eu não vou ter onde “morar” na<br />
classificação das coisas. Aliás, vai ter um monte de “desclassificados”<br />
porque tem mais gente comigo nessa situação.<br />
Mas deixa eu te contar sobre o “Seu” Deóclis Gomes. Ele era (já<br />
faleceu) um senhor de 91 anos, que ganhava um salário mínimo<br />
como lavrador aposentado, viúvo há 11 anos, sem posses e que<br />
gastava metade de seu salário com adubos e sementes e passava<br />
a vida batendo de porta em porta, pedindo se podia plantar alguma<br />
coisa no quintal de quem tinha um lote vago, transformando-o em<br />
lavoura farta. Sozinho, ele capinava, semeava e colhia. À época das<br />
reportagens do Jornal Nacional ele já havia triplicado a produção em<br />
um ano e entregava 60kg de alimentos por semana, 3 vezes por dia<br />
para 14 creches da cidade. Vocês acreditam nisso? Mil e quinhentas<br />
crianças comiam o que ele plantava. 1.500! Com meio salário mínimo<br />
e com 91 anos de idade!<br />
O “Seu” Deóclis tinha todas as desculpas do mundo pra “botar” seu<br />
pijaminha e se sentar na varanda vendo a vida passar, quando se<br />
aposentou ou quando ficou viúvo. E olha que ele tinha também as<br />
desculpas mais perigosas do mundo porque verdadeiras: era pobre,<br />
não tinha ninguém pra ajudá-lo e estava com 91 anos! Mas não o fez.<br />
A Lia Diskin diz que só 20% das pessoas no mundo fazem a história.<br />
Os outros 80% a sofrem. “Seu” Deóclis fez história.<br />
Eu estava dando uma palestra em Belo Horizonte/MG há alguns anos<br />
e passei as duas reportagens fazendo exatamente esses raciocínios,<br />
e um participante, cuja tia vive em Ituiutaba, me contou que ele<br />
tinha falecido no ano anterior, mas que deixou um grupo enorme de<br />
“meninos” e adultos continuando a obra dele. Sim senhor, o “Seu”<br />
Deóclis fez história. Ele era uma fada que ajudou muita gente, mas era<br />
também uma bruxa. Ele disse na reportagem: “Meu prazer é saber<br />
que as crianças estão se alimentando com meus produtos”. Então, ele<br />
fazia para o prazer dele… também.<br />
E foi assim que eu, uma “juntadora” de coisas que fazem cócegas no<br />
raciocínio, botei tudo isso num lugar só: Minha cabeça. Quero ser<br />
protagonista, 100% responsável pela condução da minha vida; não<br />
quero ser nem fada – ninguém precisa fazer por mim, nem bruxa –<br />
não quero só pra mim; quero ser FADRUXA: Uma fada que utilizou<br />
todo seu poder, inclusive consigo mesma. E quero fazer a história,<br />
não vou sofrê-la como mera vítima.<br />
Sempre que desanimo (anima quer dizer alma; sempre que minha<br />
alma parece me abandonar), eu assisto novamente a reportagem<br />
sobre o “seu” Deóclis e me dou uma sacudida federal do tipo: “Acorda!<br />
Você é jovem, tem saúde e tem recursos, toda sorte de recursos! Vai<br />
já começando a se mexer!”<br />
Aí me animo de novo – a alma volta pro corpo – e busco meus<br />
caminhos. Eu nem vou por onde o caminho pode levar. Prefiro ir por<br />
onde ainda nem há caminho e deixar lá o meu rastro.<br />
Ah, sim. Já ia me esquecendo. E com as Primaveras? Com as<br />
Primaveras, como a Cecília Meireles, eu aprendi a me deixar cortar e<br />
voltar sempre inteira...<br />
ABC RH - Revista de Negócios 29