um abolicionista da plebe ^ A globalização vem d - Centro de ...
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Quinzena N 0 259 - 31/10/97 12 Trabalhadores<br />
concretos e as contradições emergentes <strong>da</strong><br />
região em que a luta eclodiu. A biografia<br />
politica <strong>de</strong> Conselheiro ain<strong>da</strong> está por ser<br />
escrita.<br />
Por estas razões, poucas vezes ele é lem-<br />
brado como <strong>abolicionista</strong> e pregador para a<br />
massa escrava. Mas esse personagem, que<br />
percorreu a partir <strong>de</strong> 1874 gran<strong>de</strong> parte do<br />
território cuja população escrava era consi-<br />
<strong>de</strong>rável, não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> interessar-se<br />
pelos cativos - muitos <strong>de</strong>les egressos <strong>da</strong>s<br />
senzalas para os quilombos <strong>da</strong> região ou<br />
com a revolta latente em face <strong>da</strong>s contradi-<br />
ções cria<strong>da</strong>s pela sua situação <strong>de</strong> escravos.<br />
Em primeiro lugar, para avaliarmos o seu<br />
nível <strong>de</strong> interesse pela Abolição, <strong>de</strong><strong>vem</strong>os<br />
ver as suas raizes étnicas, pois quase todos<br />
os que <strong>de</strong>le se ocuparam afirmam ter sido<br />
branco. No entanto, no seu batistério, ele é<br />
registrado como pardo. Vejamos os seus ter-<br />
mos: "Aos vinte e dois <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> mil oito-<br />
centos e trinta batizei e pus os Santos Óleos<br />
nesta matriz <strong>de</strong> Quixeramobim ao párvulo An-<br />
tônio pardo nascido aos treze <strong>de</strong> março do<br />
mesmo ano, filho natural <strong>de</strong> Maria Joaquina;<br />
foram padrinhos Gonçalo Nunes Leitão e<br />
Maria Francisca <strong>de</strong> Paula. Do que, para cons-<br />
tar, fiz este termo em que assinei. O Vigário<br />
Gomingos Álvaro Vieira".<br />
Como se vê, pela sua certidão <strong>de</strong> batis-<br />
mo, Antônio Conselheiro foi consi<strong>de</strong>rado<br />
pardo pelo padre que o batizou. Se isto não<br />
é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância para avaliar o seu<br />
abolicionismo, serve para repor a ver<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
sobre as suas origens étnicas. Mas o que é<br />
importante apurar em sua biografia é que<br />
po<strong>de</strong>-se constatar <strong>um</strong>a postura <strong>abolicionista</strong><br />
nas suas pregações e no seu comportamen-<br />
to e, mais especialmente, se essas prédicas<br />
foram, em alg<strong>um</strong>a ocasião, dirigi<strong>da</strong>s aos pró-<br />
prios escravos.<br />
Quem toma como fonte <strong>de</strong> informações<br />
Os Sertões <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s <strong>da</strong> Cunha, certamen-<br />
te na<strong>da</strong> encontrará nessa direção. Para ele,<br />
as pregações <strong>de</strong> Antônio Conselheiro ti-<br />
nham sempre a incoerência <strong>de</strong> <strong>um</strong> louco. Diz<br />
ele, retratando o seu comportamento; "To<strong>da</strong>s<br />
as crenças ingênuas, do fetichismo bárbaro<br />
às aberrações católicas, to<strong>da</strong>s as tendências<br />
impulsivas <strong>da</strong>s raças inferiores, livremente<br />
exercita<strong>da</strong>s na indisciplina <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> sertaneja,<br />
se con<strong>de</strong>nsaram no seu misticismo feroz e<br />
extravagante. Ele foi, simultaneamente, o ele-<br />
mento ativo e passivo <strong>da</strong> agitação <strong>de</strong> que<br />
surgiu. O temperamento mais impressionável<br />
apenas fê-lo absorver as crenças ambientais,<br />
a princípio n<strong>um</strong>a quase passivi<strong>da</strong><strong>de</strong> pela pró-<br />
pria receptivi<strong>da</strong><strong>de</strong> mórbi<strong>da</strong> do espírito tortu-<br />
rado <strong>de</strong> reveses e elas refluiriam, <strong>de</strong>pois, mais<br />
fortemente sobre o próprio meio <strong>de</strong> on<strong>de</strong> ha-<br />
viam partido, partindo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a consciência<br />
<strong>de</strong>lirante". O seu discurso, para Eucli<strong>de</strong>s <strong>da</strong><br />
Cunha, era subordinado na sua essência ao<br />
"atavismo" <strong>da</strong>s raças inferiores, agravado pela<br />
sua personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>lirante. Tudo isto, em úl-<br />
tima análise, significa escon<strong>de</strong>r a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira<br />
mensagem do lí<strong>de</strong>r atrás <strong>de</strong> véus mistifí-<br />
cadores, apresentando o seu discurso como<br />
fruto <strong>de</strong> distúrbios patológicos e não <strong>da</strong> sua<br />
posição diante dos acontecimentos sociais.<br />
Quem toma, por estas razões, como fonte<br />
<strong>de</strong> informações <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> Antônio Conse-<br />
lheiro o texto <strong>de</strong> Os Sertões, especialmente<br />
sobre sua posição em relação aos escravos e<br />
à escravidão, na<strong>da</strong> encontra. O seu racismo<br />
no particular é evi<strong>de</strong>nte, pois como acentua<br />
com muita razão o professor José Calasans,<br />
apoiado em livro <strong>de</strong> Pedro A. Pinto sobre o<br />
vocabulário usado no livro, as palavras "es-<br />
cravos" e "escravidão" não se encontram ali<br />
<strong>um</strong>a só vez. É por isso que, se quisermos sa-<br />
ber a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre a posição <strong>de</strong> Conselhei-<br />
ro sobre o assunto teremos <strong>de</strong> recorrer a ou-<br />
tras fontes.<br />
Essas outras fontes, porém, relevam <strong>um</strong><br />
Antônio Conselheiro preocupado com a es-<br />
cravidão e a sorte dos cativos, dirigindo-se<br />
aos próprios escravos, os quais, posterior-<br />
mente, irão engrossar as suas fileiras. Ain<strong>da</strong><br />
o professor Calasans escreve que o jornalis-<br />
ta Manuel Benício - correspon<strong>de</strong>nte do Jor-<br />
nal do Comércio, do Rio <strong>de</strong> Janeiro, junto às<br />
forças em operações contra os "jagunços" -<br />
autor <strong>de</strong> <strong>um</strong> bom livro relativo à vi<strong>da</strong> dos<br />
"conselheiristas" e <strong>de</strong> seu guia e lí<strong>de</strong>r, perce-<br />
beu e registrou a posição adota<strong>da</strong> por Con-<br />
selheiro em face do problema <strong>da</strong> escravidão:<br />
"Ignorante e enraizado nos velhos hábitos<br />
<strong>da</strong> administração <strong>de</strong> então, <strong>de</strong>sconfiado como<br />
são todos os sertanejos", escreveu Manuel<br />
Benício, "<strong>de</strong> índole conservadora por nas-<br />
cença, achava que to<strong>da</strong> reforma na adminis-<br />
tração e to<strong>da</strong> inovação na economia política<br />
era <strong>um</strong> meio <strong>de</strong> se roubar o povo. Fora contra<br />
a introdução do sistema métrico-<strong>de</strong>cimal no<br />
comércio e a única reforma que encontrou<br />
sua aquiescência mais tar<strong>de</strong>, em 1888, foi a<br />
abolição dos escravos. Talvez porque gran-<br />
<strong>de</strong> porção <strong>de</strong> quilom-bos e mucambeiros acau-<br />
telassem a sua errante estra<strong>da</strong>".<br />
Para José Calasans, ele "trasmitiu aos es-<br />
cravos os ensinamentos dos evangelhos.<br />
Não estamos formulando <strong>um</strong>a hipótese (...)<br />
Baseamos nossa assertiva n<strong>um</strong> <strong>de</strong>poimento<br />
contemporâneo, perdido nas folhas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
gazeta baiana <strong>de</strong> 1897, no auge <strong>da</strong> luta<br />
fratrici<strong>da</strong>. Um italiano que trabalhava na cons-<br />
trução <strong>da</strong> estra<strong>da</strong> <strong>de</strong> ferro Salvador-Tímbó,<br />
narrou nestes termos seu encontro com o pe-<br />
regrino: "Veja como este povo", dizia-lhe o<br />
conselheiro apontando a gente que aguar<strong>da</strong>-<br />
va a sua pregação, "na sua totali<strong>da</strong><strong>de</strong> escra-<br />
va vive pobre e miserável. Veja como ela <strong>vem</strong><br />
<strong>de</strong> quatro e mais léguas para ouvir a palavra<br />
<strong>de</strong> Deus. Sem alimentar-se, sem saber como<br />
se alimentará amanhã, ele nunca <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />
atrair pressuroso ás palavras religiosas, que,<br />
indigno servo <strong>de</strong> Deus e por ele amaldiçoado,<br />
iniciei neste local para a re<strong>de</strong>nção <strong>de</strong> muitos<br />
pecados". No lugarejo mencionado, que ou-<br />
tro não era senão Província <strong>da</strong> Bahia, durante<br />
o dia quase não havia alma. Mais <strong>de</strong> 2.000<br />
pessoas, porém, surgiram <strong>de</strong> noite, ansiosas<br />
para ouvirem os conselhos do Bom Jesus. "Ao<br />
anoitecer", prosseguiu o empreteiro, "come-<br />
çaram a chegar e às 8 horas a praça estava<br />
cheia, tendo mais <strong>de</strong> mil pessoas, to<strong>da</strong>s escra-<br />
vas, e após o sermão, que em segui<strong>da</strong> <strong>um</strong> ex-<br />
plicava ao outro, visto que somente os mais<br />
vizinhos podiam ouvi-lo, todos cantavam as<br />
seguintes estrofes: "louvado seja nosso Se-<br />
nhor Jesus Cristo", ao que as mulheres e me-<br />
ninos respondiam "para sempre seja louvado<br />
o santo nome <strong>de</strong> Maria", e isto até à meia noi-<br />
te, alg<strong>um</strong>as vezes. De manhã não havia pes-<br />
soa alg<strong>um</strong>a no arraial".<br />
"A informação transcrita doc<strong>um</strong>enta, com<br />
segurança, as relações do Conselheiro com<br />
os escravos <strong>da</strong> zona cita<strong>da</strong> que atentamente<br />
escutavam a pregação do "santo" <strong>de</strong><br />
Quixeramobim. Convém esclarecer, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
logo, que, na região <strong>de</strong> Itapicuru, on<strong>de</strong> An-<br />
tônio Conselheiro passou gran<strong>de</strong> parte <strong>da</strong><br />
sua vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> pregador, havia na época aqui<br />
estu<strong>da</strong><strong>da</strong>, apreciável número <strong>de</strong> pequenos<br />
engenhos, o que explica a presença <strong>de</strong> gran-<br />
<strong>de</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> escravos. Os escravos ca-<br />
tivos necessitavam <strong>da</strong> palavra <strong>de</strong> conforto e<br />
aju<strong>da</strong> do bondoso peregrino, que, conforme<br />
escreveu o informante acima citado, distri-<br />
buía apreciáveis quantias para as famílias<br />
pobres, naturalmente obti<strong>da</strong>s nas casas dos<br />
mais ricos, <strong>da</strong>queles senhores <strong>de</strong> engenhos<br />
e negociantes mais generosos.<br />
Convém notar que na zona <strong>de</strong> Itapicuru<br />
existiu quilombo que durante muito tempo <strong>de</strong>u<br />
trabalho às autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s e do qual certamente<br />
Conselheiro ouvira falar, assim como na re-<br />
gião <strong>de</strong> Tucano, <strong>um</strong> dos locais que forneceu-<br />
lhe gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> a<strong>de</strong>ptos. Por outro lado,<br />
a sua área <strong>de</strong> pregação era também a região do<br />
quilombos. Foram registrados ajuntamentos<br />
<strong>de</strong> negros fugidos em Caim, Rio <strong>da</strong>s Contas,<br />
Geremoabo, Jacobina, Rio <strong>de</strong> São Francisco e<br />
em outros pontos <strong>da</strong> Serra Negra. A estas<br />
populações, certamente Conselheiro teve con-<br />
tato direto ou indireto ao que tudo indica.<br />
José Calasans, cujo esclarecedor traba-<br />
lho acompanhamos, escreve ain<strong>da</strong> que "ou-<br />
tros elementos po<strong>de</strong>rão ser apresentados no<br />
mesmo sentido, isto é, compro- batório do<br />
papel <strong>de</strong>sempenhado pelo Conselheiro jun-<br />
to à população escrava no Nor<strong>de</strong>ste baiano,<br />
que ele mais <strong>de</strong> perto conheceu e assistiu<br />
N<strong>um</strong> interessante artigo publicado no Jor-<br />
nal cie Notícias, <strong>da</strong> Bahia, <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong><br />
março <strong>de</strong> 1897, o doutor Cícero Dantas, ba-<br />
rão <strong>de</strong> Geremoabo, proprietário no município<br />
<strong>de</strong> Itapicuru e prestigioso chefe político.<br />
Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"