um abolicionista da plebe ^ A globalização vem d - Centro de ...
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1259<br />
30/10/97<br />
^V O movimento sindical luta pela<br />
redução <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong><br />
^Antônio Conselheiro:<br />
<strong>um</strong> <strong>abolicionista</strong> <strong>da</strong> <strong>plebe</strong><br />
^ A <strong>globalização</strong> <strong>vem</strong> <strong>de</strong> longe<br />
^ Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia:paraíso ou inferno?<br />
^ Resoluções sobre o programa mínimo<br />
<strong>de</strong> ações dos trabalhadores frente a<br />
<strong>globalização</strong> neoliberal<br />
Custo unitário <strong>de</strong>sta edição: R$ 2,50
Quinzena N 0 259 - 31/10/97 Trabalhadores<br />
Curtas<br />
Vale anuncia<br />
<strong>de</strong>missãc <strong>de</strong> 3 mil<br />
trabalhadcres<br />
Depois <strong>da</strong>s privatizações, <strong>vem</strong> as<br />
<strong>de</strong>missões. E com a Companhia Vale<br />
do Rio Doce não havena <strong>de</strong> ser dife-<br />
rente. Após 4 meses do conturbado lei-<br />
lão, que entregou a maior mineradora<br />
do mundo ao capital privado, o atual<br />
presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> empresa, Benjamin<br />
Steinbruch, anunciou a <strong>de</strong>missão <strong>de</strong><br />
3.000 funcionários - <strong>um</strong> quarto do efe-<br />
tivo total <strong>da</strong> CVRD - até o final do ano.<br />
Com esta medi<strong>da</strong>, a empresa espe-<br />
ra enfiar no bolso quase R$ 11 milhões<br />
mensais, referentes aos salários que<br />
<strong>de</strong>ixarão <strong>de</strong> ser pagos.<br />
O programa <strong>de</strong> <strong>de</strong>missões teve ini-<br />
cio em 23 <strong>de</strong> setembro e, segundo o<br />
critério adotado pela empresa, cabe aos<br />
gerentes escolher escolher os <strong>de</strong>miti-<br />
dos. A direção <strong>da</strong> Vale preferiu não<br />
adotar o Programa <strong>de</strong> Demissão Vo-<br />
luntária (PDV), tão usuais nas empre-<br />
sas privatiza<strong>da</strong>s.<br />
Estas <strong>de</strong>missões afetarão fortemen-<br />
te o mercado <strong>de</strong> trabalho, que, em tem-<br />
pos <strong>de</strong> real, viu aprofun<strong>da</strong>r a sua crise.<br />
Direta ou indiretamente, cerca <strong>de</strong> 15<br />
mil pessoas <strong>de</strong><strong>vem</strong> ser atingi<strong>da</strong>s.<br />
♦ ♦♦<br />
CÍC€§<br />
Nos últimos 10 anos, a ren<strong>da</strong> dos<br />
super ricos cresceu 8% no mundo e<br />
22% na América Latina. No Brasil, os<br />
10% mais ricos ficam com 51,3% <strong>da</strong><br />
ren<strong>da</strong> nacional (19Q4). Na África do<br />
Sul, os mais ricos ficam com 47,3% <strong>da</strong><br />
ren<strong>da</strong> nacional.<br />
ü<br />
I<br />
N<br />
Z<br />
E<br />
N<br />
A<br />
Emprese<br />
Segundo a Organização Internacional<br />
do Trabalho (OIT), cerca <strong>de</strong> 56% do total<br />
<strong>de</strong> empregos existentes nos centros urbanos<br />
<strong>da</strong> América Latina estão no setor informal.<br />
De ca<strong>da</strong> 10 novas vagas que surgem,<br />
duas são absorvi<strong>da</strong>s pelo setor formal.<br />
As oito restantes vão para empregos<br />
não formais (trabalhadores sem carteira,<br />
autônomos e terceirizados).<br />
A pesquisa aponta que 54% dos jovens<br />
que trabalham nas ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s latino-americanas<br />
estão no setor informal e 75% a<br />
80% dos postos, no setor informal, estão<br />
ocupados por pessoas <strong>de</strong> baixa ren<strong>da</strong>.<br />
♦ ♦ ♦<br />
Carrc§<br />
Segundo infomiou Carlos Heitor Cony,<br />
"no ano 2000 haverá <strong>um</strong> superávit <strong>de</strong> 22<br />
milhões <strong>de</strong> carros na oferta mundial Dois<br />
anos mais tar<strong>de</strong>, a oferta <strong>de</strong>verá dobrar.<br />
Mais <strong>de</strong>z anos e teremos <strong>um</strong>a fantástica<br />
proporção <strong>de</strong> <strong>um</strong> carro para ca<strong>da</strong> habitante<br />
ativo do planeta. A Microsoft está<br />
, com <strong>um</strong>a reserva <strong>de</strong> US$ 9 bilhões sem<br />
saber on<strong>de</strong> gastar". Até on<strong>de</strong> vamos continuar<br />
a não enxergar a miséria h<strong>um</strong>ana 9<br />
♦ ♦ ♦<br />
Saú<strong>de</strong><br />
O governo fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>u mais dinheiro<br />
para salvar os bancos, em 96, do que para<br />
a saú<strong>de</strong>. Segundo <strong>da</strong>dos do Tribunal <strong>de</strong><br />
Contas <strong>da</strong> União, foram gastos com os<br />
bancos US$ 14,9 bilhões, e com a saú<strong>de</strong>,<br />
US$ 14,7 bilhões. Em relação a 95, houve<br />
redução <strong>de</strong> 51,86% nos investimentos na<br />
saú<strong>de</strong>.<br />
O boletim QUINZENA é <strong>um</strong>a publicação do:<br />
CPV- <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Doc<strong>um</strong>entação e Pesquisa Vergueiro<br />
Rua São Domingos, 224 - Térreo<br />
Bela Vista - São Paulo - SP - CEP 01326-000<br />
Caixa Postal 65107 - CEP 01390-970<br />
Telefone (011) 604-7995<br />
Fax: (011) 604-3133<br />
O objetivo do boletim é divulgar <strong>um</strong>a seleção do material informativo,<br />
analítico e opinativo, publicado na gran<strong>de</strong> imprensa, imprensa partidária e<br />
alternativa e outras fontes <strong>de</strong> informações importantes existentes nos movi-<br />
mentos. A proposta do boletim é ampliar a circulação <strong>de</strong>ssas informações,<br />
facilitando o <strong>de</strong>bate sobre as questões políticas em pauta na conjuntura.<br />
Pobreza<br />
A população mundial que vive na po-<br />
breza mais do que duplicou entre 1975 e<br />
1990. Acentua-se a linha divisória entre<br />
ricos e pobres. Em 1960, a ren<strong>da</strong> dos<br />
20% mais ricos <strong>da</strong> população mundial era<br />
30 vezes maior do que 20% mais pobres,<br />
enquanto que no início dos anos 90, era<br />
60 vezes maior.<br />
A linha <strong>de</strong>marcatória é a crescente<br />
divisão <strong>da</strong>s reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s econômicas dos<br />
ricos e a dos pobres, sendo que estes não<br />
se beneficiam com a <strong>de</strong>mocracia nem<br />
<strong>da</strong> tecnologia necessária para o seu <strong>de</strong>-<br />
senvolvimento. (Boletim CNBB).<br />
♦ ♦ ♦<br />
Greve <strong>de</strong> 24 h€ra§<br />
iitu afeta predução<br />
<strong>da</strong> Petrcbras<br />
Os petroleiros <strong>de</strong> todo o pais inicia-<br />
ram á zero hora <strong>de</strong> hoje sua paralisa-<br />
ção mais longa - 24 horas - <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a gre-<br />
ve <strong>de</strong> 32 dias <strong>de</strong> 1995, que acabou re-<br />
sultando n<strong>um</strong>a multa que hoje ultrapas-<br />
sa os R$ 60 milhões e na <strong>de</strong>missão <strong>de</strong><br />
71 trabalhadores. No ano passado,<br />
n<strong>um</strong>a negociação salarial <strong>um</strong> pouco<br />
menos atribula<strong>da</strong>, ocorreram apenas<br />
paralisações <strong>de</strong> pequena duração<br />
O protesto <strong>de</strong> hoje é motivado pelo ai-<br />
cerramento <strong>da</strong>s negociações por parte <strong>da</strong><br />
Petrobras. Mas a empresa não admite ofe-<br />
recer na<strong>da</strong> além dos 3% <strong>de</strong> reajuste salan-<br />
al e abono <strong>de</strong> <strong>um</strong> saláno base, que até já<br />
foi pago a todos os funcionános. Os petro-<br />
leiros exigem, entre outros itais, a reposi-<br />
ção <strong>da</strong> inflação calcula<strong>da</strong> pelo Dieese, <strong>de</strong><br />
6,71%. A idéia inicial é apaias forçar a<br />
empresa a retomar as negociações.<br />
Caso você queira divulgar alg<strong>um</strong><br />
texto no QUINZENA, basta nos<br />
enviar. Pedimos que se atenha a, no<br />
máximo, 8 lau<strong>da</strong>s. Textos que ultra-<br />
passem este limite estarão sujeitos a<br />
cortes, por imposição <strong>de</strong> espaço.<br />
O boletim QUINZENA é edi-<br />
tado e diagramado pela Equipe do<br />
CPV.<br />
Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"
Quinzena N 0 259 - 31/10/97<br />
Boletim do DIEESE - Agosto <strong>de</strong> 1997 - N 0 197<br />
O tema <strong>da</strong> redução <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> tra<br />
balho no Brasil não é novo: faz par-<br />
te <strong>da</strong> luta sindicai há quase <strong>um</strong> século.<br />
Des<strong>de</strong> o inicio do processo <strong>de</strong> industria-<br />
lização, no final do século XIX e come-<br />
ço do século XX, as primeiras greves <strong>de</strong><br />
trabalhadoresjá apresentavam como <strong>um</strong>a<br />
<strong>da</strong>s principais reivindicações a redução<br />
<strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho. Atualmente, com<br />
o a<strong>um</strong>ento dos níveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego, que<br />
se tomou <strong>um</strong> dos mais dramáticos pro-<br />
blemas sociais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> contempo-<br />
rânea e motivo <strong>de</strong> preocupações em todo<br />
o mundo, o <strong>de</strong>bate sobre a redução <strong>da</strong><br />
jorna<strong>da</strong> ganha maior importância na con-<br />
juntura econômica do pais.<br />
As lutas pela redução <strong>da</strong><br />
Jorna<strong>da</strong> no Brasil<br />
No Brasil, estabeleceu-se <strong>um</strong> consen-<br />
so <strong>de</strong> que o brasileiro trabalha pouco, não<br />
gosta <strong>de</strong> "pegar no pesado" e a malan-<br />
dragem é <strong>um</strong>a característica inerente a<br />
ele Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, essa i<strong>de</strong>ologia procura<br />
responsabilizai o própno trabalhador pelo<br />
atraso, a pobreza e a <strong>de</strong>sorganização do<br />
pais. <strong>um</strong>a vez que o trabalho apresenta<br />
baixa produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> em relação aos tra-<br />
balhadores dos paises <strong>de</strong>senvolvidos.<br />
Os levantamentos estatísticos e as<br />
pesquisas mostram exatamente o con-<br />
trário. No Brasil, a jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho é<br />
<strong>um</strong>a <strong>da</strong>s mais extensas do mundo. E essa<br />
reali<strong>da</strong><strong>de</strong> pouco se alterou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o inicio<br />
do processo <strong>de</strong> industrialização brasilei-<br />
ro até os dias <strong>de</strong> hoje.<br />
No final do século XIX e inicio do<br />
século XX, quando as primeiras indústri-<br />
as se instalaram no país, houve <strong>um</strong> alon-<br />
gamento e intensificação do tempo <strong>de</strong><br />
trabalho. Naquele período, a jorna<strong>da</strong> era<br />
<strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> doze horas diárias, o que<br />
totalizava 3.600 horas por ano, semelhan-<br />
te ao tempo <strong>de</strong> trabalho na época <strong>da</strong><br />
Revolução Industrial <strong>da</strong> Inglaterra, <strong>um</strong><br />
século antes No inicio <strong>da</strong> industrializa-<br />
ção no Brasil era com<strong>um</strong> a prática <strong>de</strong><br />
jorna<strong>da</strong>s diárias <strong>de</strong> 12 a 15 horas, que<br />
podiam ser fixa<strong>da</strong>s, reduzi<strong>da</strong>s ou ampli-<br />
a<strong>da</strong>s <strong>de</strong> acordo com a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> dita-<br />
<strong>da</strong> pelo empregador.<br />
O movimento sindical luta pela<br />
redução <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong><br />
Mas, já em 1907, ocorre a primeira<br />
gran<strong>de</strong> greve geral, taido como princi-<br />
pal reivindicação a redução <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong><br />
para 8 horas por dia. Essa greve colo-<br />
cou o movimento sindical brasileiro pró-<br />
ximo ás reivindicações dos trabalhado-<br />
res dos paises <strong>de</strong>senvolvidos <strong>da</strong> Europa<br />
e dos Estados Unidos. A paralisação,<br />
inicia<strong>da</strong> em São Paulo, irradiou-se por<br />
alg<strong>um</strong>as gran<strong>de</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s do interior pau-<br />
lista, como Santos, Ribeirão Preto e Cam-<br />
pinas, atingindo também o Rio <strong>de</strong> Janei-<br />
ro. Houve a<strong>de</strong>são <strong>da</strong>s principais catego-<br />
rias profissionais <strong>da</strong> época, chapeleiros,<br />
pedreiros, metalúrgicos, gráficos, carvo-<br />
eiros, sapateiros, carpinteiros, costureiros,<br />
marceneiros, empregados no serviço <strong>de</strong><br />
limpeza pública e trabalhadores nas in-<br />
dústrias têxtil e <strong>de</strong> alimentação.<br />
A greve foi parcialmente bem-suce-<br />
di<strong>da</strong>, obtendo maior sucesso nas peque-<br />
nas empresas, on<strong>de</strong> os trabalhadores<br />
conquistaram a redução <strong>de</strong> jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />
trabalho diária para cerca <strong>de</strong> 10 horas,<br />
sendo que, em alg<strong>um</strong>as <strong>de</strong>las, foram con-<br />
quista<strong>da</strong>s as 8 horas. Essa vitória foi<br />
muito importante, tendo em vista que a<br />
jorna<strong>da</strong> era longuissima, como, por exem-<br />
plo, a dos carvoeiros do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
que chegavam a trabalhar 14 horas por<br />
dia. Portanto, a conquista <strong>de</strong> 10 ou II<br />
horas <strong>de</strong> trabalho diário significou, na-<br />
quele momento, <strong>um</strong>a baital diminuição.<br />
Outro movimento grevista ocorre em<br />
1912, mais restrito, abrangendo duas ca-<br />
tegorias: sapateiros e têxteis <strong>de</strong> São Pau-<br />
lo. O movimento obteve êxito para os<br />
sapateiros, que conseguiram regulamen-<br />
tar sua jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho diária em 8<br />
horas e 30 minutos.<br />
Os movimentos operários repercutem<br />
na organização política, em 1911, quando<br />
foi apresentado no Congresso Nacional<br />
<strong>um</strong> projeto <strong>de</strong> lei que previa a fixação <strong>da</strong><br />
jorna<strong>da</strong> normal <strong>de</strong> trabalho em 8 horas<br />
diánas. Na época, esse projeto foi consi-<br />
<strong>de</strong>rado pelas classes dominantes "imoral,<br />
subversivo e anárquico" e nem sequer foi<br />
analisado pelos parlamentares.<br />
Mas não houve trégua na luta dos tra-<br />
Trabalhadores<br />
balhadores. Em 1917 ocorre outra gran-<br />
<strong>de</strong> greve em São Paulo, que contou, in<br />
clusive, com intensa participação dos<br />
movimentos populares. Entre outras rei-<br />
vindicações relativas ao emprego, <strong>de</strong>s-<br />
tacam-se a redução <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> para 8<br />
horas diánas e o adicionai <strong>de</strong> 50% no<br />
valor <strong>da</strong>s horas extras. O movimento<br />
grevista foi fortemente reprimido pelas<br />
forças policiais, onginando-se nessa épo-<br />
ca os processos que baniram do pais<br />
vánas li<strong>de</strong>ranças operárias estrangeiras.<br />
No mesmo ano <strong>de</strong> 1917 é apresentado,<br />
novamente, no Congresso Nacional <strong>um</strong><br />
projeto <strong>de</strong> lei para estabelecer a jorna<strong>da</strong><br />
<strong>de</strong> trabalho. Contudo, a proposta é mais<br />
<strong>um</strong>a vez bloquea<strong>da</strong> pelos setores conser-<br />
vadores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, que eram majontá-<br />
nos no Legislativo. Assim, nesse período<br />
não houve nenh<strong>um</strong>a regulamentação que<br />
estabelecesse <strong>um</strong> limite <strong>de</strong> jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> tra-<br />
balho, embora o movimento sindical, atra-<br />
vés <strong>da</strong>s ações direta, tenha firmado vários<br />
acordos fonnais ou informais que previam<br />
novos padrões <strong>de</strong>joma<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho. Essa<br />
forma <strong>de</strong> regulamentação não consegue<br />
abranger as categonas maios organiza<strong>da</strong>s<br />
com as vitórias conquista<strong>da</strong>s pela luta dos<br />
trabalhadores.<br />
No entanto, a primeira lei que regula-<br />
mentou a jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho em 8 ho-<br />
ras diárias foi adota<strong>da</strong> pelo Estado <strong>da</strong><br />
Bahia, também em 1917. Conforme Dal<br />
Rosso "a corrente rompeu por <strong>um</strong> elo<br />
mais fraco", <strong>um</strong>a vez que o movimento<br />
sindical operário era muito mais forte nas<br />
regiões mais industrializa<strong>da</strong>s do pais,<br />
como São Paulo e Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Após o movimento político e social<br />
<strong>de</strong> 1930, que mudou o perfil <strong>da</strong>s classes<br />
dominantes, o Estado passa a regulamen-<br />
tar a jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho através <strong>de</strong> <strong>de</strong>-<br />
cretos. Entre 1932 e 1934, vános <strong>de</strong>les<br />
são editados, estabelecendo para algu-<br />
mas categonas jorna<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 8 horas diá-<br />
nas e 48 horas semanais. Para outras,<br />
as jorna<strong>da</strong>s fixa<strong>da</strong>s foram inferiores,<br />
caso dos bancários <strong>de</strong> telegrafia, que<br />
passaram a trabalhar 6 horas por dia e<br />
36 horas por semana.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"
Quinzena N 0 259 - 31/10/97 Trabalhadores<br />
A primeira lei abrangente que regu-<br />
lamenta a jorna<strong>da</strong> para todos os traba-<br />
lhadores foi inseri<strong>da</strong> na Constituição Fe-<br />
<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1934, que fixou a jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> tra-<br />
balho em 8 horas diárias e 48 horas se-<br />
manais. Dessa forma, os <strong>de</strong>cretos que<br />
beneficiavam poucas categorias passam<br />
a valer para todos os trabalhadores.<br />
Entretanto, o que parecia ser <strong>um</strong>a<br />
vitória para os trabalhadores não repre-<br />
sentou, <strong>de</strong> fato, a implantação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> 8 horas diárias semanais.<br />
Naquele momento, as elites brasileiras<br />
criam <strong>um</strong> mecanismo que passou a ser<br />
repetir: se <strong>um</strong>a lei conce<strong>de</strong>sse direitos e<br />
benefícios aos trabalhadores na sua re-<br />
gulamentação alterava-se o conteúdo,<br />
transformando direitos em <strong>de</strong>veres, ou<br />
introduzindo <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> exceções, <strong>de</strong><br />
modo que a legislação passava a não ter<br />
a abrangência <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>. Assim, criou-se<br />
<strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> extensão <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> atra-<br />
vés <strong>da</strong>s horas extraordinárias, que a lei<br />
regulamentar <strong>de</strong>ixou ao livre arbitrio do<br />
setor patronal.<br />
Com a entra<strong>da</strong> em vigor <strong>da</strong> Consoli-<br />
<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s Leis do Trabalho (CLT), em<br />
1943, praticamente não houve inovações<br />
significativas quanto á duração <strong>da</strong> jor-<br />
na<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho em relação ao que já<br />
previa o texto constitucional. Ao contrá-<br />
rio, a CLT, ain<strong>da</strong> vigente, admite <strong>um</strong>a<br />
séne <strong>de</strong> exceções, como a realização <strong>de</strong><br />
até duas horas extras diárias. É impor-<br />
tante salientar que a CLT lista alg<strong>um</strong>as<br />
categorias <strong>de</strong> trabalhadores urbanos, que<br />
não <strong>de</strong><strong>vem</strong> adotar a jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho<br />
estipula<strong>da</strong> em lei, e também exclui todos<br />
os trabalhadores <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s agríco-<br />
las, extrativas minerais e vegetais <strong>da</strong> jor-<br />
na<strong>da</strong> máxima <strong>de</strong> 8 horas diárias.<br />
Somente em i 988, a nova Constitui-<br />
ção reduz a jorna<strong>da</strong> para 44 horas se-<br />
manais. Portanto, em 56 anos <strong>de</strong> histó-<br />
ria, <strong>de</strong> 1932 a 1988, o Brasil assistiu a<br />
poucas alterações na legislação sobre<br />
a duração <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho. Nes-<br />
se periodo, porém, o movimento sindi-<br />
cal procurou diversas formas para re-<br />
duzir a jorna<strong>da</strong>, conquistando jorna<strong>da</strong>s<br />
menores para alg<strong>um</strong>as categorias. Mas,<br />
como as lutas foram localiza<strong>da</strong>s em al-<br />
g<strong>um</strong>as <strong>de</strong>las, nunca se conseguiu que<br />
essas vitórias fossem estendi<strong>da</strong>s aos<br />
<strong>de</strong>mais trabalhadores.<br />
A greve pelas 40 horas acabou <strong>de</strong><br />
vez com o padrão habitual <strong>de</strong> trabalho.<br />
até então <strong>de</strong> 60 horas semanais (48<br />
estabeleci<strong>da</strong>s em lei e mais 12 horas ex-<br />
tras). O resultado prático foi a assinatu-<br />
ra <strong>de</strong> diversos acordos setonais que es-<br />
tabeleciam, em sua maioria, <strong>um</strong>a jorna-<br />
<strong>da</strong> <strong>de</strong> até 44 horas semanais. Três me-<br />
ses após o encerramento <strong>da</strong> greve (que<br />
durou <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> abnl até 4 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong><br />
1985), cerca <strong>de</strong> 90% <strong>da</strong> categoria dos<br />
metalúrgicos <strong>de</strong> São Bernardo do Cam-<br />
po e Dia<strong>de</strong>ma passaram a trabalhar me-<br />
nos que 48 horas semanais, segundo do-<br />
c<strong>um</strong>ento divulgado pelo sindicato. Esse<br />
movimento vitonoso pela redução <strong>da</strong> jor-<br />
na<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho acabou tendo forte in-<br />
fluência nas discussões que se seguiram<br />
para a elaboração <strong>da</strong> Constituição <strong>de</strong><br />
1988.<br />
Em 1988, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral es-<br />
tabelece em 44 horas a jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> tra-<br />
balho semanal para todos os brasileiros.<br />
Isso <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> inúmeras e intensas dis-<br />
cussões ocorri<strong>da</strong>s no âmbito <strong>da</strong> comis-<br />
são <strong>de</strong> sistematização, na qual a emen<strong>da</strong><br />
constitucional <strong>de</strong> 40 horas semanais, <strong>de</strong><br />
autona do <strong>de</strong>putado Brandão Monteiro<br />
(PDT-RJ) e <strong>de</strong>fendi<strong>da</strong> pelas principais<br />
li<strong>de</strong>ranças do movimento sindical <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
a Conferência Nacional <strong>da</strong> Classe Tra-<br />
balhadora (Conclat), realiza<strong>da</strong> na ci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> Praia Gran<strong>de</strong> (SP), em 1981, sofre<br />
<strong>um</strong> duro golpe, em consequàicia <strong>da</strong> arti-<br />
culação do gaipo <strong>de</strong> parlamentares do<br />
chamado "Centrão".<br />
Jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> Trabalho<br />
no Mundo<br />
A jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> 40 horas semanais é<br />
<strong>um</strong>a <strong>da</strong>s principais reivindicações do<br />
movimento sindical do pós-guerra, sobre-<br />
tudo na Europa. Em diversos países eu-<br />
ropeus, a jorna<strong>da</strong> regular <strong>de</strong> trabalho pre-<br />
Tabela 1<br />
Jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho semanal na Indústria<br />
<strong>de</strong> transformação<br />
Países selecionados -1994<br />
Brasil" 1<br />
44,0<br />
México 44.8<br />
Uruguai 111<br />
43,1<br />
Chile 44,6<br />
EUA Bi<br />
Japão" 1<br />
Dinamarca 1 ' 1<br />
42,0<br />
37,7<br />
31,5<br />
Canadá' 1 ' 38,6<br />
Alemanha, RF" 38,0<br />
França 38,6<br />
Fonte: OIT Anuário <strong>de</strong> estatísticas <strong>de</strong>i trabajo In Anuário<br />
dos Trabalhadores 1996/97 - DIEESE<br />
(1) jorna<strong>da</strong> legal.<br />
(2) <strong>da</strong>dos <strong>de</strong> 1993.<br />
(3) horas remunera<strong>da</strong>s.<br />
vista em lei é <strong>de</strong> 40 horas, sendo que<br />
acordos coletivos prevêem <strong>um</strong> tempo<br />
menor, que varia <strong>de</strong> 35 a 39 horas, como<br />
mostram os <strong>da</strong>dos reunidos nas tabelas<br />
1 e2<br />
Tabela Z.,<br />
Jorna<strong>da</strong> semanal <strong>de</strong> trabalho legal e/ou<br />
convencional<br />
Países selecionados -1996 (em horas)<br />
Países Lei Convenções coletivas<br />
Alemanha<br />
37,5<br />
Áustria 40<br />
37 a 40<br />
Bélgica 40 36 a 38<br />
Dinamarca - 35 a 37<br />
Espanha 40<br />
Finlândia - 38,5<br />
França 39 35 a 39<br />
Grã-Bretanha 35 a 40<br />
Grécia 41 37,5 a 40<br />
Irlan<strong>da</strong> 48 39<br />
Islândia 40 37 a 40<br />
Itália 40 36 a 40<br />
Luxemburgo 40 36 a 40<br />
Holan<strong>da</strong> 48 35 a 40<br />
Noruega 40 37,5<br />
Portugal 40 35 a 40<br />
Suécia 40 35 a 40<br />
Suíça 46 a 50 40,4<br />
Fonte: confe<strong>de</strong>rações nacionais <strong>de</strong> trabalhadores<br />
Elaboração: DIEESE.<br />
Dados recentes divulgados pela Or-<br />
ganização para a Cooperação do Desen-<br />
volvimento Econômico (OCDE) revelam<br />
que em várias nações <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s, in-<br />
cluindo os Estados Unidos e o Japão, o<br />
número <strong>de</strong> horas efetivamente trabalha-<br />
<strong>da</strong>s pelos assalariados é bem inferior à<br />
jorna<strong>da</strong> legal <strong>de</strong> 2 640 horas por ano, no<br />
Brasil. Naqueles dois países, a jorna<strong>da</strong><br />
efetiva atingiu 1.951 e 1.919 horas, res-<br />
pectivamente, em 1996. Outros exemplos<br />
<strong>de</strong> maiores jorna<strong>da</strong>s anuais <strong>de</strong> trabalho<br />
são encontra<strong>da</strong>s na Espanha (1.747), Itá-<br />
lia (1.682), França (I 529), Alemanha<br />
(1.508) e Holan<strong>da</strong> (1.372)<br />
Atualmente, o governo francês dis-<br />
cute o projeto <strong>de</strong> redução <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> se-<br />
manal <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> 39 para 35 horas,<br />
sem rebaixamento <strong>de</strong> salários, pelo me-<br />
nos por ora. Já na Inglaterra, a proposta<br />
do primeiro-ministro Tony Blair é <strong>de</strong> re-<br />
duzi-la para 32 horas, com <strong>de</strong>sconto <strong>de</strong><br />
3% sobre o rendimento dos assalariados<br />
Observando a tabela 1, percebe-se<br />
que <strong>um</strong>a parcela importante dos paises<br />
tem <strong>um</strong>a jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho, na indús-<br />
tria, abaixo <strong>da</strong>s 40 horas semanais. Os<br />
exemplos <strong>da</strong> Suécia, Alemanha, França<br />
e do próprio Japão, que acompanha as<br />
gran<strong>de</strong>s discussões <strong>de</strong> redução do tem-<br />
Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do'
Quinzena N 0 259 - 31/10/97<br />
po <strong>de</strong> trabalho, são ilustrativos. O Uru-<br />
guai e o Chile estabeleceram jorna<strong>da</strong>s<br />
próximas à existente no Brasil, enquanto<br />
nos Estados Unidos se trabalham 42 ho-<br />
ras (remunera<strong>da</strong>s) por semana.<br />
Os <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> tabela 2 <strong>de</strong>monstram a<br />
existèicia <strong>de</strong> diversas categorias nos pa-<br />
íses europeus com jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho<br />
inferior às 40 horas semanais. Os acor-<br />
dos coletivos prevêem <strong>um</strong>a jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> 36<br />
a 38 horas, na Bélgica, <strong>de</strong> 35 a 40 horas,<br />
na Inglaterra e Portugal, <strong>de</strong> 36 a 40 horas,<br />
na Itália, <strong>de</strong> 35 a 39 horas, na França.<br />
Em gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>sses países, a jor-<br />
na<strong>da</strong> máxima legal einfenorá estabeleci<strong>da</strong><br />
pela Constituição brasileira. Mas, o fato<br />
mais grave é que, no Brasil, além <strong>da</strong> jorna-<br />
<strong>da</strong> legal ser relativamaite maior, há o agra-<br />
vante do uso indiscriminado <strong>de</strong> horas ex-<br />
traordinárias, que, na prática, acabam<br />
esten<strong>de</strong>ndo o tempo efetivo <strong>de</strong> trabalho.<br />
Por outro lado, nos paises <strong>de</strong>senvolvidos,<br />
a jorna<strong>da</strong> legal está sendo supera<strong>da</strong> pela<br />
estabeleci<strong>da</strong> nos contratos coletivos, que<br />
têm fixado jorna<strong>da</strong>s bem inferiores.<br />
Mercado <strong>de</strong> trabalho<br />
O mercado <strong>de</strong> trabalho no Brasil ca-<br />
racteriza-se pelo elevado <strong>de</strong>semprego, a<br />
heterogaiei<strong>da</strong><strong>de</strong> estartural e a precanza-<br />
ção <strong>da</strong>s relações aitre empregados e em-<br />
pregadores. O <strong>de</strong>semprego é <strong>um</strong> faiome-<br />
no tanto estaíural quanto conjuntural, etem<br />
a<strong>um</strong>aitado, sobretudo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o inicio dos<br />
anos QO.<br />
De fato, o problema do <strong>de</strong>semprego<br />
no Brasil tem dimensões que vão além<br />
<strong>da</strong>s flutuações <strong>da</strong> economia. Portanto,<br />
qualquer análise sobre o assunto <strong>de</strong>ve<br />
consi<strong>de</strong>rar os novos paradigmas tecnoló-<br />
gicos e as mais recentes formas <strong>de</strong> or-<br />
ganização do trabalho.<br />
A Pesquisa <strong>de</strong> Emprego e Desempre-<br />
go (PED), realiza<strong>da</strong> pelo convênio<br />
DIEESE/Fun<strong>da</strong>ção Sea<strong>de</strong> em parceria<br />
com órgãos <strong>de</strong> governo e instituições <strong>de</strong><br />
pesquisa estaduais, em sas regiões metro-<br />
politanas, revela que as taxas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sem-<br />
prego se mantiveram acima <strong>de</strong> 13,0% <strong>da</strong><br />
população economicamaite ativa (PEA),<br />
no pnmeiro semestre do ano. Na Gran<strong>de</strong><br />
São Paulo, principal polo econômico do país,<br />
o indicador atingiu 16,0%, em junho, cor-<br />
respon<strong>da</strong>ite ao recor<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1.394.000 <strong>de</strong>-<br />
sempregados no período <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1985, quan-<br />
do se iniciou o levantamaito.<br />
Se não bastasse o a<strong>um</strong>ento do <strong>de</strong>sem-<br />
prego, há outro fator que agrava e dificul-<br />
ta a criação <strong>de</strong> novos postos <strong>de</strong> trabalho<br />
no Brasil: o excesso <strong>de</strong> jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> tra-<br />
balho e o abuso <strong>da</strong> prática <strong>de</strong> horas ex-<br />
tras pelos empregadores.<br />
O que é importante no <strong>de</strong>bate sobre<br />
a redução <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho? Se os<br />
ocupados trabalharem menos horas por<br />
semana, é possível gerar novos empre-<br />
gos para que mais pessoas possam se<br />
inserir no mercado <strong>de</strong> trabalho. Se os tra-<br />
balhadores do setor formal <strong>da</strong> economia<br />
reduzirem sua carga horária, a tendên-<br />
cia é que sejam cria<strong>da</strong>s novas vagas.<br />
A questão do <strong>de</strong>semprego <strong>vem</strong> assu-<br />
mindo <strong>um</strong>a importância fun<strong>da</strong>maital nas<br />
discussões políticas em todo o mundo. O<br />
Japão, que sempre apresentou taxa <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>semprego muito baixa, atualmente está<br />
<strong>de</strong>senvolvendo <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> políticas<br />
para fomentar a cnação <strong>de</strong> empregos.<br />
As recaites eleições na Europa (França<br />
e Inglaterra) também foram fun<strong>da</strong>men-<br />
talmente marca<strong>da</strong>s pelo tema.<br />
Esse novo tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego é di-<br />
feraite, na medi<strong>da</strong> em que não reflete<br />
mais a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> temporária <strong>de</strong> o tra-<br />
balhador aicontrar <strong>um</strong>a nova ocupação.<br />
Atualmente, o <strong>de</strong>sanprego expressa <strong>um</strong>a<br />
série <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiências do sistema produti-<br />
vo em criar novas oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s aos tra-<br />
balhadores. A forma atual <strong>de</strong> organizar<br />
o setor industrial, que incorporou novas<br />
tecnologias <strong>de</strong> produção mais avança<strong>da</strong>s<br />
e <strong>de</strong>senvolveu diferentes técnicas <strong>de</strong><br />
administrar o sistema produtivo, reduziu<br />
drasticamente a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> traba-<br />
lho. As novas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> concor-<br />
rência entre as gran<strong>de</strong>s empresas multi-<br />
nacionais também impuseram mecanis-<br />
mos <strong>de</strong> redução dos custos <strong>de</strong> produção<br />
em todo o mundo. Assim, o setor indus-<br />
trial, que historicamente <strong>de</strong>sempenhou<br />
<strong>um</strong> papel mais dinâmico na criação <strong>de</strong><br />
empregos, hoje <strong>vem</strong> eliminando postos<br />
em proporções ca<strong>da</strong> vez maiores.<br />
Arg<strong>um</strong>enta-se que o setor <strong>de</strong> serviços<br />
<strong>de</strong>verá <strong>de</strong>sanpailiar <strong>um</strong> papel fun<strong>da</strong>men-<br />
tal na nova dinâmica do emprego. Mas<br />
observam-se dois movimaitos. O pnmei-<br />
ro é que as novas tecnologias tambán tân<br />
trazido impactos negativos, <strong>de</strong> forma que<br />
muitas áreas têm apresentado reduções no<br />
nível <strong>de</strong> ocupação. O segundo é que os<br />
novos anpregos criados pelos serviços são,<br />
em gran<strong>de</strong> parte, <strong>de</strong> baixa qualificação e,<br />
portanto, não substituem, do ponto <strong>de</strong> vista<br />
qualitativo, os empregos industriais.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do'<br />
Trabalhadores<br />
A implementação <strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong><br />
produção resulta em elevados ganhos <strong>de</strong><br />
produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Isso significa que há <strong>um</strong><br />
a<strong>um</strong>ento no vol<strong>um</strong>e <strong>de</strong> bens e serviços<br />
oferecidos à socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, combinado com<br />
<strong>um</strong>a redução <strong>de</strong> trabalho socialmente<br />
necessário para a sua produção. O <strong>de</strong>-<br />
senvolvimento <strong>de</strong>ssas novas técnicas e<br />
tecnologias <strong>de</strong> produção, ou seja, do<br />
avanço do conhecimento h<strong>um</strong>ano, tem<br />
proporcionado a geração <strong>de</strong> <strong>um</strong> vol<strong>um</strong>e<br />
maior <strong>de</strong> riqueza com <strong>um</strong> menor esfor-<br />
ço. A questão fun<strong>da</strong>mental, portanto, é<br />
quem vai se apropriar <strong>de</strong>ssas novas con-<br />
quistas. E a partir <strong>de</strong>ssa questão que<br />
<strong>de</strong><strong>vem</strong>-se <strong>de</strong>senrolar os principais em-<br />
bates políticos <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Há <strong>um</strong>a corrente <strong>de</strong> pensamento que<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que o mercado <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>ve<br />
ser transformado, com a flexibilização <strong>da</strong>s<br />
atuais normas regulamentadoras. Den-<br />
tro <strong>de</strong>ssa concepção, mercados <strong>de</strong> tra-<br />
balho com regras rígi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> contratação<br />
dificultam a geração <strong>de</strong> novos postos.<br />
Por outro lado, se forem reduzi<strong>da</strong>s as<br />
exigências e flexiona<strong>da</strong>s as normas atu-<br />
ais, os empregadores terão maior liber-<br />
<strong>da</strong><strong>de</strong> para contratar novos trabalhadores.<br />
Outra forma <strong>de</strong> enfrentar o proble-<br />
ma tem sido coloca<strong>da</strong> por representan-<br />
tes dos trabalhadores. Eles arg<strong>um</strong>entam<br />
que a flexibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do mercado não tem<br />
o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> cnar empregos, mas, como a<br />
experiência tem <strong>de</strong>monstrado, essa polí-<br />
tica tai<strong>de</strong> a tomar precários os vínculos<br />
trabalhistas em <strong>de</strong>trimento dos salános<br />
e <strong>da</strong>s <strong>de</strong>mais condições <strong>de</strong> trabalho. Por<br />
isso, conforme <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m, <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong><br />
atacar o problema é através <strong>da</strong> redução<br />
<strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho.<br />
Evi<strong>da</strong>itanaite, essa política, por si só,<br />
não produzirá todos os efeitos necessári-<br />
os. Outras medi<strong>da</strong>s <strong>de</strong><strong>vem</strong> ser adota<strong>da</strong>s.<br />
Além <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> retoma<strong>da</strong> do<br />
crescimento econômico, a limitação do<br />
uso <strong>de</strong> horas extras também é <strong>um</strong>a <strong>da</strong>s<br />
condições importantes para a cnação <strong>de</strong><br />
novos postos <strong>de</strong> trabalho Nesse sentido,<br />
nos últimos congressos <strong>da</strong>s centrais sin-<br />
dicais os <strong>de</strong>legados (CUT e Força Sindi-<br />
cal) reafirmaram o propósito <strong>de</strong> lutar pela<br />
redução <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho.<br />
Por sua vez, o ministro do Trabalho<br />
garantiu, recentemaite, que o projeto do<br />
governo para incentivar a geração <strong>de</strong><br />
emprego <strong>de</strong>ve ser votado no Senado nos<br />
próximos dois meses. O projeto prevê a
Quinzena N 0 259-31/10/97 Trabalhadores<br />
ampliação <strong>da</strong> contratação dos trabalha-<br />
dores por prazo <strong>de</strong>terminado, altera o<br />
artigo 59 <strong>da</strong> CLT, facilitando a criação<br />
<strong>de</strong> bancos <strong>de</strong> horas <strong>de</strong> trabalho, e reduz<br />
a alíquota do Fundo <strong>de</strong> Garantia por Tem-<br />
po <strong>de</strong> Serviço (FGTS) nos contratos por<br />
tempo <strong>de</strong>terminado. Os empregadores<br />
não terão <strong>de</strong> pagar aviso prévio nem<br />
multa rescisória para os trabalhadores<br />
vinculados a esse tipo <strong>de</strong> contrato. As<br />
contribuições sociais que inci<strong>de</strong>m sobre<br />
a folha <strong>de</strong> pagamento são reduzi<strong>da</strong>s em<br />
50% para contratos <strong>de</strong>sse tipo.<br />
A questão do emprego na socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
contemporânea é caicial; to<strong>da</strong>s as rela-<br />
ções <strong>de</strong> sociabili<strong>da</strong><strong>de</strong> estão centra<strong>da</strong>s na<br />
RAE - Fun<strong>da</strong>ção Getúlio Vargas - Out/Dez/1997 - N" 4<br />
figura do trabalho. Aquele que por qual-<br />
quer razão per<strong>de</strong>r a condição <strong>de</strong> realizá-<br />
lo, encontra-se sem as mínimas condi-<br />
ções <strong>de</strong> sobrevivência com digni<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Conforme afirma com to<strong>da</strong> a plenitu<strong>de</strong><br />
Viviene Forrester; "Segundo o cost<strong>um</strong>e<br />
secular, atua aqui <strong>um</strong> principio fun<strong>da</strong>men-<br />
tal: para <strong>um</strong> indivíduo sem função não<br />
há lugar, não há mais acesso evi<strong>de</strong>nte à<br />
vi<strong>da</strong>, pelo menos ao seu alcance. Ora,<br />
as funções hoje <strong>de</strong>saparecem irrevoga-<br />
velmente, mas esse princípio perdura,<br />
mesmo que doravante ele não possa mais<br />
organizar a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas apenas <strong>de</strong>s-<br />
truir o estatuto dos h<strong>um</strong>anos, <strong>de</strong>tenorar<br />
vi<strong>da</strong>s ou até mesmo dizimá-las".<br />
A escritora também atesta com to-<br />
<strong>da</strong>s as letras que as classes dominantes,<br />
que têm implementado essas políticas,<br />
estão atuando em outras esferas:"... esse<br />
<strong>de</strong>saparecimento (do trabalho) não inco-<br />
mo<strong>da</strong> em na<strong>da</strong> os ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros po<strong>de</strong>ro-<br />
sos, os <strong>da</strong> economia <strong>de</strong> mercado. Mas a<br />
miséria causa<strong>da</strong> por esse <strong>de</strong>sapareci-<br />
mento também não é o seu objetivo... O<br />
que lhes importa e que <strong>de</strong>ixa na sombra<br />
todos os outros fenômenos são as mas-<br />
sas monetárias, os jogos financeiros - as<br />
especulações, as transações inéditas, os<br />
fluxos impalpáveis, aquela reali<strong>da</strong><strong>de</strong> vir-<br />
tual, hoje mais influente que qualquer<br />
outra". H<br />
A participação dos trabalhadores nos lucros e<br />
resultados <strong>da</strong>s empresas no Brasil: <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento<br />
para acelerar a reestruturação necessária<br />
Apesar <strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1946, as sucessi<br />
vas constituições brasileiras estabe-<br />
lecerem o direito dos trabalhadores <strong>de</strong><br />
participar nos lucros <strong>da</strong>s empresas, a<br />
falta <strong>de</strong> regulamentação sobre isso limi-<br />
tou sua aplicação a iniciativas isola<strong>da</strong>s.<br />
Em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1994, anunciou-se a<br />
Medi<strong>da</strong> Provisória (MP) n 0 794, que re-<br />
gula a disposição constitucional com res-<br />
peito à participação dos trabalhadores<br />
nos lucros ou resultados <strong>da</strong>s empresas.<br />
Des<strong>de</strong> então, o conteúdo <strong>da</strong> mesma <strong>vem</strong><br />
sendo reeditado sucessivamente, man-<br />
tendo-se sua vigência. Desse modo, pôs-<br />
se fim a <strong>um</strong> vazio regulamentar (ain<strong>da</strong><br />
que <strong>de</strong> fonna precária até seu tratamen-<br />
to legislativo), abrindo <strong>um</strong> amplo espaço<br />
para sua aplicação.<br />
A participação financeira é <strong>um</strong> ins-<br />
tr<strong>um</strong>ento pelo qual os trabalhadores ad-<br />
quirem acesso a <strong>um</strong>a remuneração adi-<br />
cional variável <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sejam atingi-<br />
dos certos objetivos pre<strong>de</strong>terminados. No<br />
caso do Brasil, esses objetivos são <strong>de</strong>-<br />
terminados pela negociação direta no ní-<br />
vel <strong>da</strong> empresa e po<strong>de</strong>m consistir em<br />
metas <strong>de</strong> lucros ou diversos tipos <strong>de</strong> re-<br />
sultados. Trata-se, portanto, <strong>de</strong> <strong>um</strong> com-<br />
ponente variável <strong>da</strong> remuneração, <strong>um</strong>a<br />
vez que, em função <strong>da</strong> realização <strong>da</strong>s<br />
metas, se efetuará ou não <strong>um</strong> pagamen-<br />
Andrés K. Marinakis''<br />
to àqueles trabalhadores envolvidos (as-<br />
sim como variará o seu valor),<br />
A partir <strong>de</strong>sse impulso <strong>da</strong>do à partia-<br />
pação financeira dos trabalhadores, o Bra-<br />
sil se incorpora ao gaipo <strong>de</strong> países que<br />
aplicam <strong>de</strong> forma crescente esse instru-<br />
mento. Como se verá repeti<strong>da</strong>s vezes, os<br />
objetivos perseguidos em ca<strong>da</strong> país dife-<br />
rem, <strong>de</strong>tenninando as características do<br />
sistema a ser aplicado. O objetivo <strong>de</strong>ste<br />
trabalho é estabelecer qual é o objetivo<br />
buscado no caso brasileiro, os baiefícios<br />
e as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s que sua aplicação vai<br />
encontrar e, finalmente, o potencial que<br />
sua utilização apresaita para melhorar o<br />
<strong>de</strong>sempenho <strong>da</strong>s empresas brasileiras.<br />
Objetivos dos programas<br />
<strong>de</strong> participação financeira<br />
E importante <strong>de</strong>stacar que os progra-<br />
mas <strong>de</strong> participação financeira po<strong>de</strong>m<br />
perseguir diferentes objetivos. No que se<br />
refere aos princípios que po<strong>de</strong>m guiar a<br />
introdução <strong>de</strong> tais programas, estes po-<br />
<strong>de</strong>m constituir a instituição <strong>de</strong> <strong>um</strong> direito<br />
dos trabalhadores ou po<strong>de</strong>m constituir <strong>um</strong><br />
instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> gestão.<br />
• Como expressão <strong>de</strong> <strong>um</strong> direi-<br />
to dos trabalhadores: consiste em que<br />
os programas dêem alg<strong>um</strong>a participação<br />
na distribuição do resultado financeiro <strong>da</strong><br />
empresa, proporcional à importância do<br />
fator trabalho no valor agregado total.<br />
Dessa forma procura-se melhorar a ren-<br />
<strong>da</strong> dos trabalhadores ou <strong>da</strong>r alg<strong>um</strong> be-<br />
nefício adicional, especialmente àqueles<br />
cuja ren<strong>da</strong> é mais mo<strong>de</strong>sta. Esse é o prin-<br />
cípio perseguido pelo sistema <strong>de</strong> partici-<br />
pação obrigatória em prática na França.<br />
* Como instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> gestão:<br />
os programas são implemaitados <strong>de</strong> tal for-<br />
ma que criam incaitivos para os trabalha-<br />
dores ao relacionar parte <strong>da</strong>s remunerações<br />
a indicadores selecionados <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sem-<br />
paiho. Neste caso, busca-se motivar os tra-<br />
balhadores para solucionar/melhorar aspec-<br />
tos importantes <strong>da</strong> organização.<br />
Esses dois princípios não são neces-<br />
sanamente exclu<strong>da</strong>ites: po<strong>de</strong>-se aceitar<br />
que a participação nos lucros é <strong>um</strong> direi-<br />
to dos trabalhadores e que, ao mesmo<br />
tempo, po<strong>de</strong> ser utiliza<strong>da</strong> como instru-<br />
mento <strong>de</strong> gestão. Entretanto, a diferen-<br />
ça fun<strong>da</strong>maital radica em que, ao cons-<br />
tituir <strong>um</strong> direito, a participação nos lu-<br />
cros <strong>de</strong>ve ser extensiva a todos os tra-<br />
balhadores e, portanto, <strong>de</strong> aplicação obn-<br />
gatóna; enquanto que, ao estabelecer-se<br />
que o objetivo principal é constituir <strong>um</strong><br />
instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> gestão, sua aplicação<br />
<strong>de</strong>ve estar sujeita à necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s<br />
empresas e, portanto, ser voluntária.<br />
Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"
Quinzena N 0 259 - 31/10/97<br />
A Constituição Brasileira inscreve a<br />
partiapação nos lucros como <strong>um</strong> direito<br />
<strong>de</strong> todos os trabalhadores, o que lhe <strong>da</strong>na<br />
<strong>um</strong> caráter <strong>de</strong> aplicação obngatóna. Na<br />
sua instr<strong>um</strong>entalização através <strong>da</strong> MR<br />
reforça-se esse conceito ao estabelecer<br />
que to<strong>da</strong> empresa <strong>de</strong>vera conven-cionar<br />
com seus empregados a forma <strong>de</strong> partici-<br />
pação Estabelece, alem disso, que sobre<br />
ela não inci<strong>de</strong>m os encargos sociais ou<br />
previ<strong>de</strong>nciais. o que constitui <strong>um</strong> incaiti-<br />
vo para o empregador De tal modo, o<br />
Brasil se inscreve entre os países on<strong>de</strong><br />
esses programas recebem o impulso <strong>da</strong>s<br />
autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s e on<strong>de</strong> se estabelece <strong>um</strong><br />
marco legal obrigatório ou semi-obnga-<br />
tono. como é o caso <strong>da</strong> França (ver qua-<br />
dro I) Mas. alem disso, a reforma cons-<br />
titucional <strong>de</strong> 1^88 introduz a participa-<br />
ção alternativa nos lucros ou resultados<br />
<strong>da</strong>s empresas Este ultimo aspecto ori-<br />
enta o uso <strong>de</strong>sses programas como ins-<br />
tr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> gestão Desta forma, a<br />
Medi<strong>da</strong> Provisória brasileira parece bus-<br />
car ambos os objetivos<br />
Ouadro 1 - Classificaçãn <strong>de</strong> acordo com o<br />
marco leqai P a origem <strong>da</strong> iniciativa<br />
Pr>r miciat va <strong>de</strong><br />
Fmpfçsa^os<br />
Autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
ERtartos<br />
Unuios<br />
(Va-Brelarha Frar^s<br />
Bras
Quinzena N 0 259 - 31/10/97 8 Trabalhadores<br />
trabalhadores participantes e <strong>um</strong>a esca-<br />
la <strong>de</strong> prêmios <strong>de</strong> acordo com sua execu-<br />
ção. Para isso, <strong>de</strong>ve-se prestar muita<br />
atenção em como medir o <strong>de</strong>sempenho,<br />
bem como fixar metas que sejam perce-<br />
bi<strong>da</strong>s como justas pelos trabalhadores e<br />
que, ao mesmo tempo, constituam <strong>um</strong>a<br />
melhora real em seu rendimento.<br />
Para potenciar a motivação, os pa-<br />
gamentos <strong>de</strong><strong>vem</strong> ser realizados com a<br />
maior freqüência possível, permitindo<br />
relacionar o pagamento <strong>da</strong> participação<br />
com a melhora no <strong>de</strong>sempenho. Do mes-<br />
mo modo, a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> a remunerar <strong>de</strong>ve<br />
ser individual ou abranger grupos homo-<br />
gêneos <strong>de</strong> pequeno tamanho.<br />
A escolha <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá não só <strong>de</strong> ques-<br />
tões práticas (dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar<br />
a produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> certos trabalhadores,<br />
por exemplo) como também <strong>da</strong> atitu<strong>de</strong><br />
que se quer promover (trabalho em equi-<br />
pe ou individual). Os programas po<strong>de</strong>m<br />
estar orientados a estimular o esforço<br />
individual (a<strong>um</strong>ento <strong>da</strong> produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> no<br />
sentido estrito), melhorar a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />
produto, economizar o uso <strong>de</strong> recursos,<br />
diminuir o <strong>de</strong>sperdício e o tempo ocioso,<br />
reduzir os aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho etc.<br />
Também po<strong>de</strong>m incentivar mais <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
aspecto ao mesmo tempo. E fun<strong>da</strong>men-<br />
tal que os resultados combinados tenham<br />
como objetivo a realização <strong>de</strong> aspectos<br />
estratégicos <strong>da</strong> organização, razão pela<br />
qual sua i<strong>de</strong>ntificação requer <strong>um</strong>a cui-<br />
<strong>da</strong>dosa análise.<br />
Precauções e dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
na implementação <strong>de</strong><br />
programas <strong>de</strong> participação<br />
financeira<br />
Tanto na participação nos lucros como<br />
nos resultados, <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> precauções<br />
<strong>de</strong><strong>vem</strong> ser toma<strong>da</strong>s. Em primeiro lugar,<br />
não se <strong>de</strong>ve esquecer que as somas dis-<br />
tnbuí<strong>da</strong>s por esses conceitos não consti-<br />
tuem <strong>um</strong> ingresso regular e, portanto, di-<br />
ferenciam-se dos salários. A MP, assim<br />
como os artigos relacionados <strong>da</strong> Consti-<br />
tuição, mencionam esse aspecto.<br />
No caso brasileiro, existe certa preo-<br />
cupação por parte <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s para<br />
que a participação nos lucros ou resulta-<br />
dos não substitua parte dos salários re-<br />
gulares, com o objetivo <strong>de</strong> que as em-<br />
presas tenham <strong>um</strong> simples benefício nos<br />
seus custos (estão liberados dos encar-<br />
gos sociais e previ<strong>de</strong>nciais). Isso se ma-<br />
nifesta na MP através do estabelecimen-<br />
to <strong>de</strong> <strong>um</strong>a periodici<strong>da</strong><strong>de</strong> mínima <strong>de</strong> seis<br />
meses para o <strong>de</strong>sembolso <strong>da</strong> participa-<br />
ção, com o qual se dificulta essa substi-<br />
tuição. Essa periodici<strong>da</strong><strong>de</strong> mínima, en-<br />
tretanto, vai contra a participação nos<br />
resultados como incentivo aos trabalha-<br />
dores, <strong>um</strong>a vez que o pagamento por esse<br />
conceito não está muito próximo <strong>de</strong> todo<br />
o período avaliado.<br />
Sendo <strong>um</strong>a ren<strong>da</strong> variável, os paga-<br />
mentos por participação nos lucros e re-<br />
sultados não <strong>de</strong>veriam representar <strong>um</strong>a<br />
Quadro 2 — Principais dil»r«nças entre a participação nos lucros e nos resultados<br />
Objetivos<br />
Fator a remunerar<br />
Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> a<br />
remunerar<br />
Freqüência <strong>da</strong><br />
remuneração<br />
Disponibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>da</strong> retribuição<br />
Principal ponto<br />
positivo<br />
Principal ponto<br />
negativo<br />
Fonte: do autor.<br />
proporção muito significativa na ren<strong>da</strong><br />
dos trabalhadores. Caso contrário, po<strong>de</strong>-<br />
se estar criando distorções que se mani-<br />
festarão em alg<strong>um</strong> momento postenor.<br />
Durante períodos <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão, por<br />
exemplo, a empresa po<strong>de</strong> ter dificul<strong>da</strong>-<br />
<strong>de</strong>s para manter seus melhores trabalha-<br />
dores, já que o não-pagamento <strong>da</strong> parte<br />
variável po<strong>de</strong> fazer cair sua remunera-<br />
ção a níveis abaixo do mercado. Portan-<br />
to, ao estabelecer o sistema <strong>de</strong> partici-<br />
pação a ser aplicado na empresa, <strong>de</strong>ve-<br />
se ter em conta os salários do mercado.<br />
PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS PARTICIPAÇÃO NOS RESULTADOS<br />
Ligar as remunerações ao êxito<br />
<strong>da</strong> empresa e promover a<br />
i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> dos trabalhadores<br />
com os objetivos <strong>da</strong> empresa<br />
{a<strong>um</strong>entar lucro).<br />
Lucro.<br />
Empresa como <strong>um</strong> todo >u<br />
uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s fabris.<br />
Anual ou semestral.<br />
Imediata (pagamento em<br />
dinheiro, sem beneficio fiscal<br />
para o trabalhador).<br />
Uediata {pagamento diferido,<br />
com Incentivo fiscal para o<br />
trabalhador).<br />
Nos períodos <strong>de</strong> lucro, dá <strong>um</strong>a<br />
parte aos trabalhadores. Em<br />
período recessivo, o custo<br />
trabalhista se reduz <strong>de</strong> forma<br />
automática, aliviando o ajuste.<br />
Fatores importantes não estão<br />
sob o controle doa<br />
trabalhadores (<strong>de</strong>cisões <strong>da</strong><br />
direção ou fatores<br />
macroeconômicos).<br />
No momento <strong>de</strong> estabelecer a natu-<br />
reza do que vai ser remunerado (produ-<br />
tivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, quali<strong>da</strong><strong>de</strong> etc), <strong>de</strong>ve-se ter cui-<br />
<strong>da</strong>do para que o incentivo não repercuta<br />
negativamente em outros aspectos. Por<br />
exemplo, existem incentivos para elevar<br />
a produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> que po<strong>de</strong>m levar, <strong>de</strong> for-<br />
ma in<strong>de</strong>seja<strong>da</strong>, a <strong>um</strong>a <strong>de</strong>terioração <strong>da</strong><br />
quali<strong>da</strong><strong>de</strong> do produto final ou a <strong>um</strong> au-<br />
mento dos aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho. Uma<br />
forma <strong>de</strong> evitar esses efeitos é construin-<br />
Po<strong>de</strong> ser projeta<strong>da</strong> para:<br />
- estimular o esforço individual;<br />
- melhorar a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> do produto:<br />
- economizar uso <strong>de</strong> recursos:<br />
- estimular cooperação e trabalho<br />
em grupo.<br />
Produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> (medi<strong>da</strong> a partir <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong> ou múltiplos Indicadores).<br />
Individual ou grupos <strong>de</strong> trabalho<br />
i Mensal, trimestral, semestral.<br />
Imediata (pagamento em dinheiro,<br />
sem beneficio fiscal para o<br />
trabalhador).<br />
Os trabalhadores têm maior<br />
influência e controle sobre o<br />
resultado do que no caso dos<br />
planos <strong>de</strong> participação nos lucros.<br />
Ãs vezes é dificil <strong>de</strong>terminar e medir<br />
os indicadores mais a<strong>de</strong>quados.<br />
Deve-se evitar que o incentivo tenha<br />
efeitos in<strong>de</strong>sejados sobre outros<br />
aspectos.<br />
do indicadores mistos que explicitem, por<br />
exemplo, que o bônus resultante do in-<br />
cremento na produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> po<strong>de</strong> ver-se<br />
anulado se os índices <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> não<br />
são satisfatórios. E o caso, por exemplo,<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a fábrica norte-americana <strong>de</strong> apa-<br />
relhos <strong>de</strong> ar condicionado que utiliza <strong>um</strong>a<br />
séne <strong>de</strong> fatores ligados à economia (eco-<br />
nomia no custo <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra, maten-<br />
ais e ins<strong>um</strong>os). O resultado combinado<br />
<strong>de</strong>sses fatores é modificado, em última<br />
"Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do'
Quinzena N 0 259 - 31/10/97 Trabalhadores<br />
instância, por <strong>um</strong>a escala <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Como <strong>de</strong>monstra o quadro 3, se a quali-<br />
<strong>da</strong><strong>de</strong> dos produtos for igual ou inferior a<br />
78% <strong>da</strong> meta fixa<strong>da</strong>, elimina-se totalmen-<br />
te o bônus resultante <strong>da</strong> economia<br />
alcança<strong>da</strong>; se a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> for <strong>de</strong> 98% <strong>da</strong><br />
meta, o bônus resultante é igual à eco-<br />
nomia consegui<strong>da</strong>; e, atingindo 100% <strong>da</strong><br />
meta <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, o bônus é ain<strong>da</strong> mai-<br />
or do que a economia consegui<strong>da</strong>, em<br />
10%. Desse modo, a maximização <strong>da</strong><br />
economia que po<strong>de</strong> comprometer a qua-<br />
li<strong>da</strong><strong>de</strong> do produto finai fica claramente<br />
penaliza<strong>da</strong><br />
O quadro 4 apresenta <strong>um</strong> exemplo <strong>da</strong><br />
aplicação <strong>da</strong> tabela antenor para <strong>um</strong> caso<br />
em que é premiado o trabalho em gaipo e<br />
não <strong>de</strong>sempenho individual Em pnmeiro<br />
lugar, registra-se a pontuação <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>-<br />
<strong>de</strong> obti<strong>da</strong> pelos grupos <strong>de</strong> trabalho. A, B<br />
e C ao final do período. Na seqüência, a<br />
partir do quadro 3, converte-se o resulta-<br />
do <strong>da</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> grupo no<br />
multiplicador <strong>da</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> correspon<strong>da</strong>i-<br />
te. O mesmo é aplicado sobre o bônus<br />
resultante <strong>da</strong> economia realiza<strong>da</strong> (a qual<br />
e igual para todos os grupos para simplifi-<br />
car a comparação entre os gaipos) para<br />
obter o bônus final. Neste exemplo, o gm-<br />
po B atinge o bônus máximo graças a sua<br />
excelente performance <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
No plano <strong>de</strong> sua aplicação, progra-<br />
mas baseados nos lucros ou nos resulta-<br />
dos têm probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> muito diferente <strong>de</strong><br />
ser implementados no caso brasileiro. A<br />
participação nos lucros requer que as<br />
empresas ponham seus livros contábeis<br />
à disposição dos trabalhadores, represen-<br />
tados pelo sindicato ou comissões <strong>de</strong> fá-<br />
brica, que po<strong>de</strong>m verificar a informação<br />
relevante. No Brasil existe muita relu-<br />
tância <strong>da</strong>s empresas em <strong>da</strong>r esse passo.<br />
Mas, na prática, existe uni obstáculo mai-<br />
or, <strong>um</strong>a vez que esses programas preci-<br />
sam <strong>da</strong> existência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a contabili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>talha<strong>da</strong> no âmbito <strong>da</strong> empresa. Hoje<br />
em dia, a maior parte <strong>da</strong>s empresas bra-<br />
sileiras fazem suas contnbmções impositi-<br />
vas basea<strong>da</strong>s no lucro conjecturado, com<br />
o qual carecem do instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> base.<br />
Mas, além disso, existe na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
falta <strong>de</strong> confiança nos balanços <strong>da</strong>s em-<br />
presas, que se baseia na suposição <strong>de</strong><br />
altos niveis <strong>de</strong> evasão fiscal. Tudo isso<br />
faz pensar que que, ao menos n<strong>um</strong>a pri-<br />
meira instância, programas <strong>de</strong> participa-<br />
ção nos resultados terão preferências so-<br />
Quadro 3 — Modificador <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> para a <strong>de</strong>terminação do bônus final<br />
1<br />
I<br />
QUALIDADE COMO % DA META MULTIPLICADOR DO BÔNUS<br />
78 0.0<br />
80 0.10<br />
.- 85 0.35<br />
90<br />
0.60<br />
95 0.90<br />
98<br />
100<br />
1.00<br />
1.10<br />
_ , ..<br />
o elimina bônus por economia<br />
~ bônus igual a economia<br />
Fonte: BELCHER, J. Gain sharing. Huston, Texas: Gulf Publishing Company, 1991.<br />
Quadro 4 — Exemplo <strong>de</strong> aplicação do multiplicador<br />
1<br />
1<br />
GRUPO A GRUPO B GRUPO C<br />
Pontuação <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> 67% 99% 87%<br />
Multiplicador 0.0 1.10 0.35<br />
Bônus resultante <strong>da</strong> economia R$ 3.200 RS 3.200 RS 3.200<br />
Bônus final RS0 R$ 3.520 HS 1.120<br />
Fonte: do autor.<br />
bre os <strong>de</strong> participação nos lucros. De<br />
fato, nos <strong>de</strong>bates estabelecidos com as<br />
organizações sindicais, estas <strong>de</strong>monstram<br />
que já perceberam essa reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e al-<br />
g<strong>um</strong>as <strong>de</strong>las estão impulsionando-a <strong>de</strong><br />
forma ativa.<br />
Cabe apontar, além disso, que no caso<br />
do Brasil há <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> acordos que<br />
estabelecem a distribuição <strong>de</strong> <strong>um</strong> bônus<br />
fixo anual como participação nos lucros,<br />
como é o caso do acordo conseguido pela<br />
FEBRABAN com o sindicato do setor<br />
bancário. Apesar <strong>de</strong>sses tipos <strong>de</strong> acor-<br />
dos c<strong>um</strong>prirem com a MP, já que são<br />
resultado <strong>da</strong> livre-negociação entre as<br />
partes interessa<strong>da</strong>s, não c<strong>um</strong>prem com<br />
o objetivo e o espirito <strong>da</strong> mesma. Dado<br />
que o montante a ser distribuido é fixo, o<br />
mesmo constitui <strong>um</strong> custo trabalhista<br />
adicional assimilável ao pagamento do<br />
salário anual complementar. Dessa for-<br />
ma, a participação não está liga<strong>da</strong> ao<br />
sucesso financeiro <strong>da</strong> firma e também<br />
não constitui <strong>um</strong> instaimento para incen-<br />
tivar os trabalhadores. Isso <strong>de</strong>monstra<br />
que, em geral, o potencial <strong>da</strong>s ver<strong>da</strong><strong>de</strong>i-<br />
ras políticas <strong>de</strong> recursos h<strong>um</strong>anos não<br />
está sendo explorado a fundo e, em par-<br />
ticular, o instr<strong>um</strong>ento que esta MP prove<br />
1<br />
não foi entendido em alguns setores.<br />
Finalmente, <strong>de</strong>ve-se <strong>de</strong>stacar que<br />
esses programas <strong>de</strong> participação nos re-<br />
sultados não têm caráter permanente. O<br />
ciclo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> própna organização, pas-<br />
sando por fases <strong>de</strong> crescimento, conso-<br />
li<strong>da</strong>ção e <strong>de</strong>clínio, requer diferentes polí-<br />
ticas <strong>de</strong> remuneração. Por outro lado,<br />
mu<strong>da</strong>nças importantes nos niveis <strong>de</strong> pro-<br />
dução e na tecnologia utiliza<strong>da</strong> são cir-<br />
cunstâncias que pe<strong>de</strong>m <strong>um</strong>a revisão dos<br />
acordos, já que os parâmetros são dife-<br />
rentes. Portanto, é importante que os<br />
acordos incluam <strong>um</strong>a cláusula que esta-<br />
beleça as circunstâncias ou a eventual<br />
penodici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> renegociação entre as<br />
partes.<br />
O potencial dos programas<br />
<strong>de</strong> participação nos lucros<br />
ou resultados no Brasil<br />
Para analisar o potencial que esses<br />
programas apresentam no Brasil, <strong>de</strong>ve-<br />
se levar em conta a estrutura <strong>da</strong>s firmas<br />
e o contexto em que atuam. O contexto<br />
socioeconômico po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>terminante<br />
o que diz respeito ao <strong>de</strong>senvolvimento<br />
<strong>de</strong>sse instr<strong>um</strong>ento.Nos países <strong>de</strong> longa<br />
aplicação <strong>de</strong>sses sistemas, observam-se<br />
Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do 1
Quinzena N 0 259 - 31/10/97 10 Trabalhadores<br />
modificações que correspon<strong>de</strong>m às no-<br />
vas circunstâncias.<br />
A experiência dos Estados Unidos,<br />
por exemplo, indica que na sua origem o<br />
objetivo predominantemente perseguido<br />
pelos planos <strong>de</strong> participação era o <strong>de</strong> dis-<br />
tribuição. Isso acontece em <strong>um</strong> contex-<br />
to <strong>de</strong> crescimento continuo <strong>da</strong> economia<br />
e do setor privado - manufatureiro, em<br />
particular -, com alta criação <strong>de</strong> empre-<br />
gos e niveis <strong>de</strong> sindicalização crescen-<br />
tes. Hoje em dia, nos Estados Unidos, a<br />
participação nos lucros ou resultados é<br />
vista principalmente como <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>en-<br />
to que flexibiliza os custos trabalhistas e/<br />
ou <strong>um</strong> incentivo para melhorar o <strong>de</strong>sem-<br />
penho <strong>da</strong> empresa. Os planos negocia-<br />
dos <strong>de</strong> forma coletiva em anos mais re-<br />
centes foram parte <strong>da</strong>s concessões<br />
introduzi<strong>da</strong>s em troca <strong>da</strong> eliminação <strong>de</strong><br />
incrementos salariais ou outros benefíci-<br />
os. Nesse caso, as empresas com pro-<br />
blemas são aquelas que passam a estar<br />
mais interessa<strong>da</strong>s em introduzir progra-<br />
mas <strong>de</strong> participação financeira <strong>de</strong> forma<br />
a contribuir ao processo <strong>de</strong> reestrutura-<br />
ção <strong>da</strong>s mesmas. Esse novo interesse<br />
aparece n<strong>um</strong> contexto marcado por bai-<br />
xas taxas <strong>de</strong> crescimento e <strong>de</strong> criação<br />
<strong>de</strong> emprego, crescente <strong>globalização</strong> e<br />
concorrência internacional, e que<strong>da</strong> nos<br />
Índices <strong>de</strong> sindicalização.<br />
A situação <strong>da</strong> economia brasileira<br />
neste momento encontra-se marca<strong>da</strong><br />
principalmente pelo aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong><br />
abertura comercial e do processo <strong>de</strong><br />
integração regional, bem como pela con-<br />
soli<strong>da</strong>ção do processo <strong>de</strong> estabilização.<br />
Essas circunstâncias confluem para a<br />
empresa elevando os níveis <strong>de</strong> quali<strong>da</strong>-<br />
<strong>de</strong> exigidos, restringindo a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> na<br />
<strong>de</strong>terminação dos preços, <strong>da</strong>ndo <strong>um</strong>a<br />
nova dimensão à estrutura <strong>de</strong> custos etc.<br />
Constituem, portanto, fatores que impul-<br />
sionam a reestruturação organizacional<br />
<strong>de</strong> modo a alcançar niveis <strong>de</strong> produtivi-<br />
<strong>da</strong><strong>de</strong> e competitivi<strong>da</strong><strong>de</strong> requendos pelos<br />
novos mercados. A participação nos re-<br />
sultados ou metas estabelecidos clara-<br />
mente po<strong>de</strong> ser muito apropria<strong>da</strong> nesse<br />
contexto, <strong>um</strong>a vez que po<strong>de</strong> contribuir<br />
para acelerar o processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rniza-<br />
ção <strong>da</strong>s empresas brasileiras, estimulan-<br />
do a melhora dos seus stan<strong>da</strong>rds e a pro-<br />
dutivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> seus trabalhadores.<br />
Em nivel micro, <strong>de</strong>ve-se apontar o<br />
impacto diferenciado que po<strong>de</strong> se <strong>da</strong>r <strong>de</strong><br />
acordo com o tamanho <strong>da</strong> empresa. No<br />
que se refere aos programas baseados<br />
nos lucros, estes são <strong>de</strong> aplicação possí-<br />
vel nas empresas maiores, que contam<br />
com contabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>talha<strong>da</strong> (tributam<br />
sobre o lucro real) e, em alguns casos,<br />
com auditorias externas. Quanto aos pro-<br />
gramas baseados nos resultados, se fo-<br />
rem aplicados aten<strong>de</strong>ndo a melhoras ob-<br />
jetivas nos seus processos e produtos,<br />
po<strong>de</strong>m constituir <strong>um</strong> importante impulso,<br />
especialmente nas empresas médias e<br />
pequenas. Isso porque, na sua maioria,<br />
as empresas maiores e mo<strong>de</strong>rnas do<br />
Brasil já aplicam <strong>um</strong>a séne <strong>de</strong> sistemas<br />
<strong>de</strong> gestão que aten<strong>de</strong>m a esses objeti-<br />
vos. O que não quer dizer que as possi-<br />
bili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> melhoria tenham se esgota-<br />
do; ao contrário, simplesmente não se<br />
tratam <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>entos tão novos nem<br />
<strong>de</strong> áreas que anteriormente estiveram<br />
<strong>de</strong>scui<strong>da</strong><strong>da</strong>s.<br />
Por exemplo, <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> introdução <strong>da</strong><br />
MP, a Souza Caiz prosseguiu as negoci-<br />
ações com os sindicatos para estabele-<br />
cer <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> resultados esperados<br />
por uni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Para ca<strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> foram<br />
estabelecidos no máximo cinco fatores<br />
<strong>de</strong> avaliação, com sua escala <strong>de</strong> produ-<br />
ção, por exemplo, os fatores escolhidos<br />
foram: aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho, não-com-<br />
parecimento ao trabalho, quali<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />
produto, índice <strong>de</strong> produção e <strong>de</strong>sperdí-<br />
cio <strong>de</strong> matéria-prima. Os sistemas <strong>de</strong><br />
informação existentes na empresa per-<br />
mitiram estabelecer <strong>um</strong> sistema muito<br />
sofisticado, fixando as metas em função<br />
<strong>da</strong>s médias históricas <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> <strong>um</strong>a <strong>da</strong>s<br />
uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Alg<strong>um</strong>as <strong>de</strong>ssas informações,<br />
ao contrário, são <strong>de</strong>sconheci<strong>da</strong>s pela di-<br />
reção <strong>de</strong> muitas pequenas e médias em-<br />
presas. A partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a só medição, es-<br />
sas empresas po<strong>de</strong>m conseguir melho-<br />
ras rápi<strong>da</strong>s nos seus resultados.<br />
N<strong>um</strong>a primeira etapa, a aplicação <strong>de</strong><br />
programas sobre os resultados po<strong>de</strong>rá<br />
gerar benefícios visíveis tanto para a<br />
parte empresarial quanto para os traba-<br />
lhadores, já que não a<strong>um</strong>enta o custo<br />
unitário laborai. Entretanto, essas opor-<br />
tuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> conseguir melhoras em cur-<br />
to ou médio prazos não são ilimita<strong>da</strong>s,<br />
razão pela qual esses programas <strong>de</strong>ve-<br />
rão ir sofísticando-se progressivamente.<br />
Em particular, a aplicação <strong>de</strong> programas<br />
<strong>de</strong> resultados, em momentos <strong>de</strong> que<strong>da</strong><br />
na <strong>de</strong>man<strong>da</strong> do produto <strong>de</strong>vido aos ci-<br />
clos econômicos, po<strong>de</strong> resultar em pa-<br />
gamento <strong>de</strong> bônus inclusive se a empre-<br />
sa está per<strong>de</strong>ndo dinheiro. Uma alterna-<br />
tiva para resolver essa eventuali<strong>da</strong><strong>de</strong> é<br />
a elaboração <strong>de</strong> indicadores que inclu-<br />
am tanto resultados quanto o lucro <strong>da</strong><br />
empresa. Na medi<strong>da</strong> em que se vai so-<br />
lucionando o problema <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> credibi-<br />
li<strong>da</strong><strong>de</strong> nos balanços e que a<strong>um</strong>enta a<br />
confiança entre os participantes, será<br />
possível ir avançando na direção <strong>de</strong>sse<br />
tipo <strong>de</strong> indicadores mistos.<br />
Apesar <strong>de</strong> a MP estabelecer que a<br />
introdução <strong>de</strong>sses programas <strong>de</strong>ve ser<br />
resultado <strong>da</strong> negociação <strong>da</strong>s partes, exis-<br />
te o risco <strong>de</strong> que em alg<strong>um</strong>as empresas<br />
se tente impor <strong>um</strong> programa, que po<strong>de</strong><br />
ser inclusiveteaiicamaite sofisticado, mas<br />
que na prática gere reações contrárias ás<br />
<strong>de</strong>seja<strong>da</strong>s. Deve-se recor<strong>da</strong>r que <strong>um</strong>a <strong>da</strong>s<br />
chaves do êxito radica na concepção con-<br />
junta, na comunicação e no crescente<br />
<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> confiança entre as<br />
partes. Os trabalhadores <strong>de</strong>verão entai-<br />
<strong>de</strong>r a lógica e os parâmetros fixados pelo<br />
programa. Para isso é importante que as<br />
fórmulas utiliza<strong>da</strong>s sejam simples, não<br />
envolvam muitas vanáveis e que haja <strong>um</strong><br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro esforço <strong>de</strong> comunicação e<br />
acompanhamento <strong>da</strong> evolução do progra-<br />
ma <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua concepção.<br />
Conclusões<br />
Em primeiro lugar, ain<strong>da</strong> que a ques-<br />
tão abor<strong>da</strong><strong>da</strong> por essa MP seja impor-<br />
tante e sua implementação efetiva pos-<br />
sa constituir <strong>um</strong>a contribuição ao proces-<br />
so <strong>de</strong> reformas, é evi<strong>de</strong>nte que a mesma<br />
não constitui <strong>um</strong> caso <strong>de</strong> urgência (como<br />
<strong>de</strong>vena ser o caso <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s provisó-<br />
rias). A manutaição <strong>de</strong>ssa regulagem em<br />
<strong>um</strong> marco tão precário por <strong>um</strong> tempo tão<br />
longo só po<strong>de</strong> gerar dúvi<strong>da</strong>s quanto a sua<br />
forma final. De fato, sucessivas versões<br />
têm introduzido alg<strong>um</strong>as mu<strong>da</strong>nças na<br />
sua re<strong>da</strong>ção. Portanto, passado <strong>um</strong> ano<br />
e meio <strong>da</strong> sua introdução, impõe-se seu<br />
tratamento legislativo <strong>de</strong> forma que se<br />
possa contar com orientações claras.<br />
No que diz respeito ao seu conteúdo,<br />
apesar <strong>da</strong> MP constituir <strong>um</strong>a medi<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />
aplicação obrigatória, introduz <strong>um</strong>a am-<br />
pla flexibili<strong>da</strong><strong>de</strong> ao estabelecer que os<br />
programas <strong>de</strong><strong>vem</strong> surgir do acordo co-<br />
letivo no nível <strong>da</strong> empresa. Desse modo,<br />
não impõe <strong>um</strong>a fórmula única cuja apli-<br />
cação po<strong>de</strong>ria ser ajusta<strong>da</strong> em maior ou<br />
menor medi<strong>da</strong> a distintas empresas <strong>de</strong><br />
Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"
Quinzena N 0 259 - 31/10/97 11 Trabalhadores<br />
acordo com suas características especí-<br />
ficas. Esse enfoque implica que a parti-<br />
cipação financeira não é vista como <strong>um</strong><br />
novo custo trabalhista, mas sim como <strong>um</strong><br />
valioso instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> gestão.<br />
Sem dúvi<strong>da</strong>, a participação nos lucros<br />
ou nos resultados como instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong><br />
gestão implica <strong>da</strong>r <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> salto <strong>de</strong>n-<br />
tro <strong>da</strong> maneira segundo a qual, até o mo-<br />
mento, se <strong>da</strong>va a gestão <strong>de</strong> recursos hu-<br />
manos e as políticas salariais na maioria<br />
<strong>da</strong>s empresas brasileiras. A negociação<br />
no nivei <strong>da</strong> empresa - na qual é neces-<br />
sário chegai a <strong>um</strong> acordo sobre quais os<br />
fatores a remunerar, as metas a alcan-<br />
çar, as porcentagens <strong>de</strong> distribuição, en-<br />
tre outros aspectos - requer o <strong>de</strong>senvol-<br />
vimento <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> comunicação<br />
que garantam transparência Nesse sen-<br />
tido, e importante promover a constitui-<br />
ção <strong>de</strong> coipos mistos <strong>de</strong> acompanhamen-<br />
to e estabelecer sistemas <strong>de</strong> informação<br />
com os trabalhadores. Essa mu<strong>da</strong>nça<br />
reforça a tendência á redução <strong>da</strong> inter-<br />
venção estatal na política salarial e pro-<br />
cura estabelecer relações trabalhistas<br />
mais <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s<br />
Mas. alem disso, nesse período <strong>de</strong><br />
Debate Sindical - Outubro/No<strong>vem</strong>bro/Dezembro 1997 - N 0 26<br />
transformação <strong>da</strong>s empresas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />
novas circunstâncias macroeconômicas,<br />
a participação nos resultados, em parti-<br />
cular, po<strong>de</strong> constituir <strong>um</strong> instaimento<br />
para acelerar a reestruturação necessá-<br />
na. Dá a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conjugar a con-<br />
secução <strong>de</strong> <strong>um</strong> objetivo estratégico <strong>da</strong><br />
empresa com o incentivo aos trabalha-<br />
dores necessário para atingi-lo. Nesse<br />
sentido, os pagamentos em dinheiro es-<br />
tabelecidos na MP constituem a forma<br />
<strong>de</strong> distribuição mais apropria<strong>da</strong>.<br />
O período mínimo <strong>de</strong> distribuição es-<br />
tabelecido na MP (seis meses) po<strong>de</strong> re-<br />
duzir a i<strong>de</strong>ntificação entre a melhora no<br />
<strong>de</strong>sempenho e o pagamento do bônus.<br />
Entretanto, durante essa primeira fase<br />
<strong>de</strong> implementação <strong>da</strong> MP, po<strong>de</strong> ser a<br />
melhor forma <strong>de</strong> evitar que esses paga-<br />
mentos variáveis substituam parte do<br />
salário. N<strong>um</strong>a segun<strong>da</strong> instância, po<strong>de</strong>-<br />
se estabelecer <strong>um</strong> limite máximo para o<br />
montante passível <strong>de</strong> isenção <strong>de</strong> paga-<br />
mento <strong>de</strong> encargos sociais e previ-<br />
<strong>de</strong>nciais, liberando a freqüência <strong>de</strong> sua<br />
distribuição <strong>de</strong> acordo com o combina-<br />
do em ca<strong>da</strong> empresa.<br />
Isso indica que se <strong>de</strong>ve ver o uso <strong>de</strong>s-<br />
Antônio Conselheiro: <strong>um</strong><br />
<strong>abolicionista</strong> <strong>da</strong> <strong>plebe</strong><br />
Clóvis Moura *<br />
se instr<strong>um</strong>ento como <strong>um</strong> processo<br />
evolutivo. Nos países on<strong>de</strong> esses pro-<br />
gramas têm sido aplicados já há <strong>um</strong> lon-<br />
go tempo, observa-se que os mesmos<br />
têm variado, a<strong>da</strong>ptando-se a novos con-<br />
textos e a novos objetivos. Por exem-<br />
plo, po<strong>de</strong>-se estabelecer que, no Brasil,<br />
<strong>da</strong><strong>da</strong> a estrutura salarial existente e a<br />
brevi<strong>da</strong><strong>de</strong> do período <strong>de</strong> baixa inflação,<br />
assim como a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> incen-<br />
tivo aos trabalhadores em <strong>um</strong> periodo<br />
<strong>de</strong> reestruturação, a participação nos<br />
resultados com distribuição em dinhei-<br />
ro acaba sendo, na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a alter-<br />
nativa mais a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>. Isso não implica<br />
que, <strong>um</strong>a vez consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> a estabiliza-<br />
ção, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>um</strong>a recuperação na ren-<br />
<strong>da</strong> dos trabalhadores, e já avançado o<br />
processo <strong>de</strong> reestruturação, a partici-<br />
pação nos lucros com incentivos para a<br />
distribuição diferi<strong>da</strong> não possa consti-<br />
tuir a melhor alternativa para a<strong>um</strong>entar<br />
ataxa<strong>de</strong>poLçeonçanacicnaL "1<br />
* Andrés E. Marínakis, especialista em<br />
Remuneração do Departamento <strong>de</strong> Rela-<br />
ções Industriais <strong>da</strong> Organização Interna-<br />
cional do Trabalho (OIT). Genebra, Suíça.<br />
O movimento camponês <strong>de</strong> Canudos, no interior <strong>da</strong> Bahia, durante o governo <strong>de</strong> Pru<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Morais,<br />
infelizmente ain<strong>da</strong> não foi estu<strong>da</strong>do em to<strong>da</strong>s as suas vertentes e com a <strong>de</strong>vi<strong>da</strong> profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> social e política<br />
<strong>da</strong> época. Ele é discutido mais a partir <strong>da</strong>s diversas correntes republicanas que disputavam o po<strong>de</strong>r. Situa-se<br />
o movimento como se ele fosse <strong>de</strong>corrente <strong>da</strong>s contradições <strong>da</strong>s próprias classes dominantes e não como <strong>um</strong>a<br />
conseqüência <strong>da</strong>s contradições entre as oligarquias latifundiárias e os interesses dos camponeses sem terra.<br />
A autonomia <strong>da</strong> solução <strong>de</strong>ssa contradi-<br />
-íVçào passou a ser o problema crucial quan-<br />
do os camponeses ass<strong>um</strong>iram a hegemonia<br />
do mesmo e o subordinaram aos seus interes-<br />
ses, criando <strong>um</strong>a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> comunitária no in-<br />
terior <strong>da</strong> Bahia, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e não subordi-<br />
na<strong>da</strong> aos interesses e valores do latifúndio. A<br />
imagem <strong>de</strong> Canudos como "perigo" surge exa-<br />
tamente <strong>de</strong>sse conflito <strong>de</strong> interesses e <strong>da</strong> so-<br />
lução que os camponeses encontraram, <strong>de</strong>s-<br />
ligando-se <strong>da</strong> estrutura latinfundiána. É aí que<br />
po<strong>de</strong>-se encontrar explicação para a violenta<br />
repressão contra Canudos e o heroísmo dos<br />
seus <strong>de</strong>fensores.<br />
Por outro lado, a obra <strong>de</strong> Euclí<strong>de</strong>s <strong>da</strong> Cu-<br />
nha. Os Senões, tornou-se <strong>um</strong> clássico lite-<br />
rário e aqueles estudiosos que procuram ana-<br />
lisar e interpretar esse acontecimento histó-<br />
rico na sua estrutura e na sua dinâmica qua-<br />
se sempre partem <strong>da</strong>s suas afirmações. Uma<br />
pesquisa rigorosa e exaustiva, feita <strong>de</strong> forma<br />
sistemática, ain<strong>da</strong> não foi feita com a profun-<br />
di<strong>da</strong><strong>de</strong> que merece. Um dos <strong>de</strong>feitos mais vi-<br />
síveis é ignorar-se a importância <strong>de</strong> Antônio<br />
Vicente Men<strong>de</strong>s Maciel (o Conselheiro) como<br />
lí<strong>de</strong>r, agitador e organiza- dor Ele é sempre<br />
visto como lunático, místico, messiânico,<br />
quando não como <strong>um</strong> <strong>de</strong>sequilibrado men-<br />
tal, <strong>um</strong> louco que teria transmitido a sua in-<br />
sani<strong>da</strong><strong>de</strong> àquelas populações que os segui-<br />
am. Seu crânio, após a <strong>de</strong>gola, foi enviado a<br />
Salvador para estudos médicos-antropoló-<br />
gicos por cientistas influenciados pela es-<br />
cola crimi-nalísta <strong>de</strong> Lombroso, para serem<br />
procurados nele os estigmas do "criminoso<br />
nato".<br />
Até hoje, por outro lado, não há <strong>um</strong>a bi-<br />
bliografia que o estu<strong>da</strong>sse através <strong>de</strong> pes-<br />
quisas mo<strong>de</strong>rnas e <strong>de</strong> <strong>um</strong>a metodolo-gia<br />
satisfatória. O livro <strong>de</strong> Edmundo Muniz, pro-<br />
curando resgatar a memória e o papel <strong>de</strong> li<strong>de</strong>-<br />
rança política do Conselheiro, ressente-se <strong>de</strong><br />
falhas teóricas muito acentua<strong>da</strong>s. O certo é<br />
que sua figura é sempre apresenta<strong>da</strong> como<br />
se ele fosse <strong>um</strong>a individuali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>lirante,<br />
<strong>de</strong>sliga<strong>da</strong> do contexto social, econômico e<br />
político <strong>de</strong> on<strong>de</strong> surgiu e sem nenh<strong>um</strong>a liga-<br />
ção funcional e dinâmica com os problemas<br />
Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do'
Quinzena N 0 259 - 31/10/97 12 Trabalhadores<br />
concretos e as contradições emergentes <strong>da</strong><br />
região em que a luta eclodiu. A biografia<br />
politica <strong>de</strong> Conselheiro ain<strong>da</strong> está por ser<br />
escrita.<br />
Por estas razões, poucas vezes ele é lem-<br />
brado como <strong>abolicionista</strong> e pregador para a<br />
massa escrava. Mas esse personagem, que<br />
percorreu a partir <strong>de</strong> 1874 gran<strong>de</strong> parte do<br />
território cuja população escrava era consi-<br />
<strong>de</strong>rável, não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> interessar-se<br />
pelos cativos - muitos <strong>de</strong>les egressos <strong>da</strong>s<br />
senzalas para os quilombos <strong>da</strong> região ou<br />
com a revolta latente em face <strong>da</strong>s contradi-<br />
ções cria<strong>da</strong>s pela sua situação <strong>de</strong> escravos.<br />
Em primeiro lugar, para avaliarmos o seu<br />
nível <strong>de</strong> interesse pela Abolição, <strong>de</strong><strong>vem</strong>os<br />
ver as suas raizes étnicas, pois quase todos<br />
os que <strong>de</strong>le se ocuparam afirmam ter sido<br />
branco. No entanto, no seu batistério, ele é<br />
registrado como pardo. Vejamos os seus ter-<br />
mos: "Aos vinte e dois <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> mil oito-<br />
centos e trinta batizei e pus os Santos Óleos<br />
nesta matriz <strong>de</strong> Quixeramobim ao párvulo An-<br />
tônio pardo nascido aos treze <strong>de</strong> março do<br />
mesmo ano, filho natural <strong>de</strong> Maria Joaquina;<br />
foram padrinhos Gonçalo Nunes Leitão e<br />
Maria Francisca <strong>de</strong> Paula. Do que, para cons-<br />
tar, fiz este termo em que assinei. O Vigário<br />
Gomingos Álvaro Vieira".<br />
Como se vê, pela sua certidão <strong>de</strong> batis-<br />
mo, Antônio Conselheiro foi consi<strong>de</strong>rado<br />
pardo pelo padre que o batizou. Se isto não<br />
é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância para avaliar o seu<br />
abolicionismo, serve para repor a ver<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
sobre as suas origens étnicas. Mas o que é<br />
importante apurar em sua biografia é que<br />
po<strong>de</strong>-se constatar <strong>um</strong>a postura <strong>abolicionista</strong><br />
nas suas pregações e no seu comportamen-<br />
to e, mais especialmente, se essas prédicas<br />
foram, em alg<strong>um</strong>a ocasião, dirigi<strong>da</strong>s aos pró-<br />
prios escravos.<br />
Quem toma como fonte <strong>de</strong> informações<br />
Os Sertões <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s <strong>da</strong> Cunha, certamen-<br />
te na<strong>da</strong> encontrará nessa direção. Para ele,<br />
as pregações <strong>de</strong> Antônio Conselheiro ti-<br />
nham sempre a incoerência <strong>de</strong> <strong>um</strong> louco. Diz<br />
ele, retratando o seu comportamento; "To<strong>da</strong>s<br />
as crenças ingênuas, do fetichismo bárbaro<br />
às aberrações católicas, to<strong>da</strong>s as tendências<br />
impulsivas <strong>da</strong>s raças inferiores, livremente<br />
exercita<strong>da</strong>s na indisciplina <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> sertaneja,<br />
se con<strong>de</strong>nsaram no seu misticismo feroz e<br />
extravagante. Ele foi, simultaneamente, o ele-<br />
mento ativo e passivo <strong>da</strong> agitação <strong>de</strong> que<br />
surgiu. O temperamento mais impressionável<br />
apenas fê-lo absorver as crenças ambientais,<br />
a princípio n<strong>um</strong>a quase passivi<strong>da</strong><strong>de</strong> pela pró-<br />
pria receptivi<strong>da</strong><strong>de</strong> mórbi<strong>da</strong> do espírito tortu-<br />
rado <strong>de</strong> reveses e elas refluiriam, <strong>de</strong>pois, mais<br />
fortemente sobre o próprio meio <strong>de</strong> on<strong>de</strong> ha-<br />
viam partido, partindo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a consciência<br />
<strong>de</strong>lirante". O seu discurso, para Eucli<strong>de</strong>s <strong>da</strong><br />
Cunha, era subordinado na sua essência ao<br />
"atavismo" <strong>da</strong>s raças inferiores, agravado pela<br />
sua personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>lirante. Tudo isto, em úl-<br />
tima análise, significa escon<strong>de</strong>r a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira<br />
mensagem do lí<strong>de</strong>r atrás <strong>de</strong> véus mistifí-<br />
cadores, apresentando o seu discurso como<br />
fruto <strong>de</strong> distúrbios patológicos e não <strong>da</strong> sua<br />
posição diante dos acontecimentos sociais.<br />
Quem toma, por estas razões, como fonte<br />
<strong>de</strong> informações <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> Antônio Conse-<br />
lheiro o texto <strong>de</strong> Os Sertões, especialmente<br />
sobre sua posição em relação aos escravos e<br />
à escravidão, na<strong>da</strong> encontra. O seu racismo<br />
no particular é evi<strong>de</strong>nte, pois como acentua<br />
com muita razão o professor José Calasans,<br />
apoiado em livro <strong>de</strong> Pedro A. Pinto sobre o<br />
vocabulário usado no livro, as palavras "es-<br />
cravos" e "escravidão" não se encontram ali<br />
<strong>um</strong>a só vez. É por isso que, se quisermos sa-<br />
ber a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre a posição <strong>de</strong> Conselhei-<br />
ro sobre o assunto teremos <strong>de</strong> recorrer a ou-<br />
tras fontes.<br />
Essas outras fontes, porém, relevam <strong>um</strong><br />
Antônio Conselheiro preocupado com a es-<br />
cravidão e a sorte dos cativos, dirigindo-se<br />
aos próprios escravos, os quais, posterior-<br />
mente, irão engrossar as suas fileiras. Ain<strong>da</strong><br />
o professor Calasans escreve que o jornalis-<br />
ta Manuel Benício - correspon<strong>de</strong>nte do Jor-<br />
nal do Comércio, do Rio <strong>de</strong> Janeiro, junto às<br />
forças em operações contra os "jagunços" -<br />
autor <strong>de</strong> <strong>um</strong> bom livro relativo à vi<strong>da</strong> dos<br />
"conselheiristas" e <strong>de</strong> seu guia e lí<strong>de</strong>r, perce-<br />
beu e registrou a posição adota<strong>da</strong> por Con-<br />
selheiro em face do problema <strong>da</strong> escravidão:<br />
"Ignorante e enraizado nos velhos hábitos<br />
<strong>da</strong> administração <strong>de</strong> então, <strong>de</strong>sconfiado como<br />
são todos os sertanejos", escreveu Manuel<br />
Benício, "<strong>de</strong> índole conservadora por nas-<br />
cença, achava que to<strong>da</strong> reforma na adminis-<br />
tração e to<strong>da</strong> inovação na economia política<br />
era <strong>um</strong> meio <strong>de</strong> se roubar o povo. Fora contra<br />
a introdução do sistema métrico-<strong>de</strong>cimal no<br />
comércio e a única reforma que encontrou<br />
sua aquiescência mais tar<strong>de</strong>, em 1888, foi a<br />
abolição dos escravos. Talvez porque gran-<br />
<strong>de</strong> porção <strong>de</strong> quilom-bos e mucambeiros acau-<br />
telassem a sua errante estra<strong>da</strong>".<br />
Para José Calasans, ele "trasmitiu aos es-<br />
cravos os ensinamentos dos evangelhos.<br />
Não estamos formulando <strong>um</strong>a hipótese (...)<br />
Baseamos nossa assertiva n<strong>um</strong> <strong>de</strong>poimento<br />
contemporâneo, perdido nas folhas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
gazeta baiana <strong>de</strong> 1897, no auge <strong>da</strong> luta<br />
fratrici<strong>da</strong>. Um italiano que trabalhava na cons-<br />
trução <strong>da</strong> estra<strong>da</strong> <strong>de</strong> ferro Salvador-Tímbó,<br />
narrou nestes termos seu encontro com o pe-<br />
regrino: "Veja como este povo", dizia-lhe o<br />
conselheiro apontando a gente que aguar<strong>da</strong>-<br />
va a sua pregação, "na sua totali<strong>da</strong><strong>de</strong> escra-<br />
va vive pobre e miserável. Veja como ela <strong>vem</strong><br />
<strong>de</strong> quatro e mais léguas para ouvir a palavra<br />
<strong>de</strong> Deus. Sem alimentar-se, sem saber como<br />
se alimentará amanhã, ele nunca <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />
atrair pressuroso ás palavras religiosas, que,<br />
indigno servo <strong>de</strong> Deus e por ele amaldiçoado,<br />
iniciei neste local para a re<strong>de</strong>nção <strong>de</strong> muitos<br />
pecados". No lugarejo mencionado, que ou-<br />
tro não era senão Província <strong>da</strong> Bahia, durante<br />
o dia quase não havia alma. Mais <strong>de</strong> 2.000<br />
pessoas, porém, surgiram <strong>de</strong> noite, ansiosas<br />
para ouvirem os conselhos do Bom Jesus. "Ao<br />
anoitecer", prosseguiu o empreteiro, "come-<br />
çaram a chegar e às 8 horas a praça estava<br />
cheia, tendo mais <strong>de</strong> mil pessoas, to<strong>da</strong>s escra-<br />
vas, e após o sermão, que em segui<strong>da</strong> <strong>um</strong> ex-<br />
plicava ao outro, visto que somente os mais<br />
vizinhos podiam ouvi-lo, todos cantavam as<br />
seguintes estrofes: "louvado seja nosso Se-<br />
nhor Jesus Cristo", ao que as mulheres e me-<br />
ninos respondiam "para sempre seja louvado<br />
o santo nome <strong>de</strong> Maria", e isto até à meia noi-<br />
te, alg<strong>um</strong>as vezes. De manhã não havia pes-<br />
soa alg<strong>um</strong>a no arraial".<br />
"A informação transcrita doc<strong>um</strong>enta, com<br />
segurança, as relações do Conselheiro com<br />
os escravos <strong>da</strong> zona cita<strong>da</strong> que atentamente<br />
escutavam a pregação do "santo" <strong>de</strong><br />
Quixeramobim. Convém esclarecer, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
logo, que, na região <strong>de</strong> Itapicuru, on<strong>de</strong> An-<br />
tônio Conselheiro passou gran<strong>de</strong> parte <strong>da</strong><br />
sua vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> pregador, havia na época aqui<br />
estu<strong>da</strong><strong>da</strong>, apreciável número <strong>de</strong> pequenos<br />
engenhos, o que explica a presença <strong>de</strong> gran-<br />
<strong>de</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> escravos. Os escravos ca-<br />
tivos necessitavam <strong>da</strong> palavra <strong>de</strong> conforto e<br />
aju<strong>da</strong> do bondoso peregrino, que, conforme<br />
escreveu o informante acima citado, distri-<br />
buía apreciáveis quantias para as famílias<br />
pobres, naturalmente obti<strong>da</strong>s nas casas dos<br />
mais ricos, <strong>da</strong>queles senhores <strong>de</strong> engenhos<br />
e negociantes mais generosos.<br />
Convém notar que na zona <strong>de</strong> Itapicuru<br />
existiu quilombo que durante muito tempo <strong>de</strong>u<br />
trabalho às autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s e do qual certamente<br />
Conselheiro ouvira falar, assim como na re-<br />
gião <strong>de</strong> Tucano, <strong>um</strong> dos locais que forneceu-<br />
lhe gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> a<strong>de</strong>ptos. Por outro lado,<br />
a sua área <strong>de</strong> pregação era também a região do<br />
quilombos. Foram registrados ajuntamentos<br />
<strong>de</strong> negros fugidos em Caim, Rio <strong>da</strong>s Contas,<br />
Geremoabo, Jacobina, Rio <strong>de</strong> São Francisco e<br />
em outros pontos <strong>da</strong> Serra Negra. A estas<br />
populações, certamente Conselheiro teve con-<br />
tato direto ou indireto ao que tudo indica.<br />
José Calasans, cujo esclarecedor traba-<br />
lho acompanhamos, escreve ain<strong>da</strong> que "ou-<br />
tros elementos po<strong>de</strong>rão ser apresentados no<br />
mesmo sentido, isto é, compro- batório do<br />
papel <strong>de</strong>sempenhado pelo Conselheiro jun-<br />
to à população escrava no Nor<strong>de</strong>ste baiano,<br />
que ele mais <strong>de</strong> perto conheceu e assistiu<br />
N<strong>um</strong> interessante artigo publicado no Jor-<br />
nal cie Notícias, <strong>da</strong> Bahia, <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong><br />
março <strong>de</strong> 1897, o doutor Cícero Dantas, ba-<br />
rão <strong>de</strong> Geremoabo, proprietário no município<br />
<strong>de</strong> Itapicuru e prestigioso chefe político.<br />
Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"
Quinzena N 0 259-31/10/97<br />
contou que com a abolição <strong>da</strong> escravatura<br />
a<strong>um</strong>entara o número <strong>de</strong> acompanhantes do<br />
Bom Jesus Conselheiro. "O povo em mas-<br />
sa", <strong>de</strong>clarou o barão Geremoabo, "abando-<br />
nava suas casas e seus afazeres para<br />
acompanhá-lo. Com a abolição do elemento<br />
servil ain<strong>da</strong> mais se fizeram sentir os efeitos<br />
<strong>da</strong> propagan<strong>da</strong> pela falta <strong>de</strong> braços livres para<br />
o trabalho. A população vivia como que em<br />
<strong>de</strong>lirio ou êxtase e tudo quanto não fosse<br />
útil ao alucinado <strong>de</strong> Deus facilmente não<br />
prestava (...) Assim foi escasseando o tra-<br />
balho agrícola e é atualmente com dificul-<br />
<strong>da</strong><strong>de</strong> que <strong>um</strong>a ou outra proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> funcio-<br />
na, embora sem precisa regulari<strong>da</strong><strong>de</strong>".<br />
O mesmo autor, refutando as razões do<br />
barão <strong>de</strong> Geremoabo, afirma que talvez esse<br />
chefe conservador tivesse confundido a cau-<br />
sa com o efeito, pois não teria sido "Antônio<br />
Vicente quem afastou <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s agrí-<br />
colas os negros libertados pela lei <strong>de</strong> 1888.0<br />
Santo Conselheiro outra coisa não teria feito<br />
senão recebê-los e, possivelmente, ampará-<br />
los, quando eles próprios, sequiosos <strong>de</strong> <strong>de</strong>s-<br />
frutarem a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> alcança<strong>da</strong>, fugiram dos<br />
antigos locais do seu cativeiro (...)<br />
Não foram poucos os ex-escravos recebi-<br />
dos na comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> conselheirista. Antônio<br />
<strong>de</strong> Cerqueira Galo, morador em Tucano, loca-<br />
li<strong>da</strong><strong>de</strong> baiana don<strong>de</strong> sairam inúmeros segui-<br />
dores do conselheiro, n<strong>um</strong>a carta envia<strong>da</strong> ao<br />
barão <strong>de</strong> Geremoabo, <strong>da</strong>ndo notícias dos ha-<br />
bitantes <strong>de</strong> Canudos, <strong>de</strong>stacou que o contin-<br />
gente <strong>de</strong> ex-escravos formava a maioria. "Lá<br />
os vultosos vultos que estão disinvolvendo<br />
(sic) a revolta", escreveu o missivista, "é o<br />
mesmo conselheiro com os seus sequazes<br />
<strong>de</strong>ntre estes sol<strong>da</strong>dos e <strong>de</strong>sertores <strong>de</strong> diver-<br />
sos e o povo 13 <strong>de</strong> maio, que é a maior gente".<br />
O <strong>de</strong>poimento altamente esclarecedor <strong>de</strong><br />
José Calasans, <strong>de</strong>scobrindo novas fontes <strong>de</strong><br />
informações sobre o pensamento e a ação<br />
<strong>de</strong> Antônio Conselheiro em relação ao siste-<br />
ma escravista e às suas contradições estru-<br />
turais, é plenamente corroborado pelas pró-<br />
prias palavras do lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Canudos no ma-<br />
nuscrito que sobreviveu á chacina (sabe-se<br />
que ele escreveu ou ditou outros os quais<br />
certamente foram <strong>de</strong>struídos ou perdidos),<br />
intitula-do Prédicas aos canu<strong>de</strong>nses e <strong>um</strong><br />
discurso sobre a República. A obra foi en-<br />
contra<strong>da</strong> em <strong>um</strong>a velha caixa, no Santuário,<br />
por José Pon<strong>de</strong>, médico baiano que se en-<br />
contrava na expedição que <strong>de</strong>struiu a comu-<br />
ni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Afrânio Peixoto recebeu-o <strong>de</strong> quem<br />
o encontrou e fez doação do mesmo a<br />
Eucli<strong>de</strong>s <strong>da</strong> Cunha, cuja reação sobre o texto<br />
ninguém sabe. O certo é que o subestimou,<br />
pois refere-se a outros manuscritos encon-<br />
trados entre os escombros, mais silencia so-<br />
bre este. Talvez não teve tempo <strong>de</strong> analisá-lo<br />
após recebê-lo.<br />
13<br />
Dizia Antônio Vicente Men<strong>de</strong>s Maciel<br />
nesse manuscrito, referindo-se à Abolição e<br />
ao trabalho escravo: "É preciso, porém, que<br />
não se <strong>de</strong>ixe no silêncio a origem do ódio que<br />
ten<strong>de</strong>s à família imperial, porque sua alteza a<br />
Senhora Dana Isabel libertou a escravidão,<br />
que não fez mais do que c<strong>um</strong>prir a or<strong>de</strong>m do<br />
Céu; porque era chegado o tempo marcado<br />
por Deus para libertar esse povo <strong>de</strong> seme-<br />
lhante estado, o mais <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>nte a que podia<br />
ser reduzido o ser h<strong>um</strong>ano; a força moral (que<br />
tanto a orna) com que ela proce<strong>de</strong>u à satisfa-<br />
ção <strong>da</strong> vonta<strong>de</strong> divina, constitui a confiança<br />
que bem tem Deus para libertar esse povo,<br />
(mas) não era suficiente para soar o brado <strong>da</strong><br />
indignação que arrancou o ódio <strong>da</strong> maior par-<br />
te <strong>da</strong>queles a quem o povo estava restrito.<br />
Mas os homens não penetram a inspiração<br />
divina que moveu o coração <strong>da</strong> digna e virtu-<br />
osa princesa para <strong>da</strong>r semelhante passo; não<br />
obstante ela dispor do seu po<strong>de</strong>r, to<strong>da</strong>via era<br />
<strong>de</strong> supor que meditaria, antes <strong>de</strong> por em exe-<br />
cução, acerca <strong>da</strong> perseguição que havia <strong>de</strong><br />
sofrer, tanto assim que na noite que tinha <strong>de</strong><br />
assinar o <strong>de</strong>creto <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>um</strong> ministro<br />
lhe disse: Sua Alteza assina o <strong>de</strong>creto <strong>da</strong> li-<br />
ber<strong>da</strong><strong>de</strong>, olhe a República como ameaça; ao<br />
que ela não ligou a mínima importância assi-<br />
nando o <strong>de</strong>creto com aquela disposição que<br />
tanto a caracteriza. A sua disposição, porém,<br />
é prova que atesta do modo mais significativo<br />
que era a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus que libertasse esse<br />
povo. Os homens ficaram assombrados com<br />
o belo acontecimento, porque já sentiam o<br />
braço que sustentava o seu tesouro,<br />
correspon<strong>de</strong>ndo com ingratidão e irrespon-<br />
sabili<strong>da</strong><strong>de</strong> ao trabalho que <strong>de</strong>sse povo rece-<br />
biam. Quantos morreram <strong>de</strong>baixo dos açoites<br />
por alg<strong>um</strong>as faltas que cometeram; alguns<br />
quase nus, oprimidos <strong>de</strong> fome e <strong>de</strong> pesado<br />
trabalho. E que direi eu <strong>da</strong>queles que não le-<br />
vavam com paciência tanta cruel<strong>da</strong><strong>de</strong> e no<br />
furor <strong>de</strong> excesso <strong>da</strong> sua infeliz estrela se mata-<br />
vam? Chegou, enfim, o dia que Deus tinha <strong>de</strong><br />
pôr termo a tanta cruel<strong>da</strong><strong>de</strong>, movido <strong>de</strong> com-<br />
paixão a favor do seu povo, e or<strong>de</strong>nar para<br />
que se liberte <strong>de</strong> tanta penosa escravidão".<br />
Pelo exposto - o pensamento <strong>de</strong> Antônio<br />
Conselheiro através do texto por ele redigi-<br />
do -, po<strong>de</strong>mos concluir que ele não era aque-<br />
le personagem bronco ou louco, o que cos-<br />
CAMOS<br />
x>->xo:-:-x':-::::;W::::í:W:';<br />
Trabalhadores<br />
t<strong>um</strong>a se afirmar nos ensaios tradicionais so-<br />
bre a guerra <strong>de</strong> Canudos. Era <strong>um</strong> agente <strong>da</strong><br />
dinâmica social no período que vai <strong>da</strong> escra-<br />
vidão ao abolicionismo e, posteriormente, <strong>de</strong><br />
13 <strong>de</strong> maio até a luta e <strong>de</strong>struição do arraial<br />
<strong>de</strong> Belo Monte. Na primeira fase, reunia es-<br />
cravos e com eles falava através <strong>de</strong> <strong>um</strong> códi-<br />
go ligado à simbologia religiosa para <strong>de</strong>nun-<br />
ciar a situação e sugerir a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />
libertarem, com isto atraindo, n<strong>um</strong>a região <strong>de</strong><br />
pequena <strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>mográfica na época,<br />
cerca <strong>de</strong> 2.000 escravos para ouvirem as suas<br />
prédicas, segundo testemunho <strong>da</strong> época.<br />
Em 1897, escreve n<strong>um</strong> dos seus muitos<br />
manuscritos. Nele expressa a sua aprova-<br />
ção <strong>da</strong> Lei que pôs fim à escravidão e pro-<br />
cura explicar, a seu modo, porque a prince-<br />
sa Isabel estava apoia<strong>da</strong> nas forças divinas<br />
(Direito divino) ao assinar a lei <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong><br />
maio, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se aca-<br />
bar com a escravidão, que para ele era <strong>um</strong>a<br />
situação que chegava aos limites <strong>da</strong> <strong>de</strong>gra-<br />
<strong>da</strong>ção h<strong>um</strong>ana, levando, por isto, muitos<br />
escravos ao suicídio.<br />
Finalmente, quando os ex-escravos fugi-<br />
am <strong>da</strong>s terras que simbolizavam a escravi-<br />
dão. Conselheiro abre-lhes <strong>um</strong> espaço físi-<br />
co, social e h<strong>um</strong>ano - <strong>um</strong> espaço livre - no<br />
qual eles se reintegram participando ativa-<br />
mente como agentes históricos e sociais <strong>da</strong><br />
comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Canudos até o seu final. Fi-<br />
zeram parte do seu componente militar, reli-<br />
gioso e político. Lutaram juntamente com o<br />
lí<strong>de</strong>r que os reintegrou na sua condição <strong>de</strong><br />
homens livres. E antes (quando ain<strong>da</strong> eram<br />
escravos) acenava-lhes com a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
<strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, com eles reunindo-se e esclare-<br />
cendo a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça social<br />
capaz <strong>de</strong> libertá-los, palavras que eram trans-<br />
miti<strong>da</strong>s <strong>de</strong> boca em boca.<br />
Queremos crer, por tudo isto, que Antô-<br />
nio Conselheiro foi <strong>um</strong> <strong>abolicionista</strong> <strong>plebe</strong>u,<br />
atuando na área rural do Nor<strong>de</strong>ste, on<strong>de</strong> os<br />
lí<strong>de</strong>res do abolicionismo tradicional e, por isto<br />
mesmo, conciliador, nunca atuaram, com <strong>um</strong>a<br />
mensagem dirigi<strong>da</strong> diretamente às popula-<br />
ções oprimi<strong>da</strong>s e às massas escravas <strong>de</strong>s-<br />
contentes. Muitos dos seus membros possi-<br />
velmente saíam dos quilombos existentes na<br />
região - e eram muitos - para ouvi-lo e refugi-<br />
arem <strong>de</strong>pois no arraial <strong>de</strong> Belo Monte. □<br />
À VENDA NO CPV<br />
"Canudcs"<br />
Autor: Antônio Carlos Olivieri<br />
Editora: Atica<br />
Este livro faz parte <strong>da</strong> coleção<br />
"Guerras e Revoluções Brasileiras"<br />
PREÇO: 8,30<br />
"Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"
Wíííííííííííííííí: vm;mm:ímx-mx-;':-;v íWííííí íWAWíííííí:<br />
Quinzena N 0 259 - 31/10/97 14<br />
Dossiê AIDS e Trabalho: o caso brasileiro - CUT-1997<br />
Breve histórico <strong>da</strong><br />
AIDS no mundo<br />
1981 - Autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s americanas<br />
anunciam que ca<strong>da</strong> vez mais homosse-<br />
xuais sofrem infecções pouco comuns.<br />
1982 - A doença passa ser chama<strong>da</strong><br />
<strong>de</strong> aids e também aparece na Europa.<br />
1983 - Cientistas do Instituto Pasteur<br />
(França) anunciam o isolamento do ví-<br />
rus <strong>da</strong> aids. Japão e Austrália registram<br />
os primeiros casos.<br />
1984 - São <strong>de</strong>senvolvidos os primei-<br />
ros testes <strong>de</strong> anticorpos. O pesquisador<br />
americano Roberto Gallo, diz ter <strong>de</strong>sco-<br />
berto o virus <strong>da</strong> aids.<br />
1985 - Primeira Conferência Inter-<br />
nacional Cientifica <strong>de</strong> Aids (Atlanta -<br />
EUA).<br />
1986 - Especialistas qualificam o HIV<br />
e distinguem os tipos HTV-l e H1V-2.<br />
1987 - O primeiro medicamento para<br />
a aids (o AZT) é autorizado nos EUA.<br />
Usuários <strong>de</strong> droga injetável marca o<br />
perfil <strong>da</strong> AIDS no Brasil, particulamien-<br />
te entre as mulheres.<br />
1988 - Pesquisas provam que a aids<br />
avança rapi<strong>da</strong>mente pela África Central.<br />
Começam os primeiros estudos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
vacina experimental.<br />
1989 - A Ásia se converte em foco<br />
<strong>da</strong> aids. Os paises mais afetados são<br />
Tailândia e índia.<br />
Na opinião dos brasileiros que vi<strong>vem</strong><br />
em São Paulo, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Belo Ho-<br />
rizonte, Porto Alegre e Recife a aids está<br />
entre os trê mais graves problemas soci-<br />
ais que o país enfrenta, sendo mencio-<br />
nado por 41% dos entrevistados em pes-<br />
quisa realiza<strong>da</strong> pela CBPA - Companhia<br />
Brasileira <strong>de</strong> Pesquisa e Análise (Folha<br />
<strong>de</strong> São Paulo - 22/05/95).<br />
O Brasil há alguns anos é o segundo<br />
país do mundo com o maior número <strong>de</strong><br />
casos <strong>de</strong> aids registrados:<br />
I o Estados Unidos.;<br />
2 o Brasil.;<br />
3 o Ugan<strong>da</strong>.<br />
Nos últimos anos houve <strong>um</strong>a mu<strong>da</strong>n-<br />
ça profun<strong>da</strong> no perfil social <strong>da</strong> Aids.<br />
1990 - A OMS anuncia casos <strong>de</strong> aids<br />
em 156 países.<br />
1991 - Médicos norte-americanos<br />
<strong>de</strong>tectam a<strong>um</strong>ento exagerado <strong>de</strong> casos<br />
<strong>de</strong> tuberculose nos doentes com aids.<br />
1992 - Começam estudos terpêuti-<br />
cos, controlados com vacinas.<br />
1993 - A OMS divulga que pelo me-<br />
nos 10 milhões <strong>de</strong> pessoas possuem o<br />
vírus.<br />
1993 - Nos EUA e Europa é amplia-<br />
do o número <strong>de</strong> sintomas que <strong>de</strong>finem a<br />
doença.<br />
1994 - Pesquisadores europeus mos-<br />
tram que o AZT não trás benefícios a<br />
longo prazo.<br />
1994 - O número <strong>de</strong> casos dobra em<br />
relação aos últimos seis anos.<br />
1995 - Os EUA admitem que a equi-<br />
pe do Instituto Pasteur <strong>de</strong>scobriu o vírus<br />
<strong>da</strong> AIDS antes <strong>da</strong> amencana.<br />
1996 - É anunciado através <strong>da</strong> equi-<br />
pe do Dr. David Ho, <strong>um</strong> tratamento<br />
combinado <strong>de</strong>nominado "coquetel" que<br />
eliminara o vi ms em 9 pacientes <strong>de</strong> con-<br />
taminação recente.<br />
1997 - Segundo a OMS 6,4 milhões<br />
<strong>de</strong> já morreram infectados pelo HIV E<br />
que entre 3/1/95 e 15/12/95 houve <strong>um</strong><br />
a<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> 26% no número <strong>de</strong> casos.<br />
AIDS no Brasil<br />
Sabe-se que qualquer pessoa, in<strong>de</strong>pen-<br />
<strong>de</strong>ntemente do sexo, raça, i<strong>da</strong><strong>de</strong> ou gru-<br />
po social po<strong>de</strong> contraí-la.<br />
Pelos <strong>da</strong>dos oficiais do Ministério <strong>da</strong><br />
Saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> 1980 a março <strong>de</strong> 1997 o Bra-<br />
sil registrou 103.262 casos <strong>de</strong> aids. So-<br />
bre este <strong>da</strong>do po<strong>de</strong> se acrescentar, se-<br />
gundo o próprio Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>,<br />
50% <strong>de</strong> subnotificações. Seriam, então,<br />
mais ou menos 153.000 mil casos. Nes-<br />
te período o Brasil registrou 52.099 óbi-<br />
tos. Há que se ressaltar que os números<br />
divulgados pelo Ministério são comuni-<br />
cados com atraso pelos Estados e Muni-<br />
cípios, dificultando a análise do real nú-<br />
mero <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> aids no Brasil.<br />
E importante consi<strong>de</strong>rar para este<br />
ÍÍSÍÍiSÍXiXÍÍSfiíí<br />
Saú<strong>de</strong><br />
perfil epi<strong>de</strong>miológico, que os <strong>da</strong>dos noti-<br />
ficados se referem àqueles que já estão<br />
manifestando a doença e não aos que<br />
foram apenas diagnosticados.<br />
Estima-se que o Brasil tem hoje cin-<br />
co milhões <strong>de</strong> soropositivos. Assim, te-<br />
remos cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z milhões no ano 2000.<br />
"A socie<strong>da</strong><strong>de</strong> brasileira tem o di-<br />
reito <strong>de</strong> saber <strong>da</strong> real gravi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />
epi<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> aids no nosso pais! E nós,<br />
ativistas, temos que cobrar do gover-<br />
no atitu<strong>de</strong>s firmes no sentido <strong>de</strong> se<br />
avaliar com mais exatidão os <strong>da</strong>dos<br />
<strong>de</strong> soroprevalência e incidência <strong>da</strong><br />
infecção pelo HIV em todos os seg-<br />
mentos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>", afirma Nelson<br />
Solano.<br />
Nos <strong>da</strong>dos do Boletim Epi<strong>de</strong>miológico<br />
do Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, 77,3% dos ca-<br />
sos notificados ocorreram na região Su-<br />
<strong>de</strong>ste, porém há registros portodo o país.<br />
E preciso consi<strong>de</strong>rar que nesta região<br />
existem mais recursos para contabiliza-<br />
ção dos <strong>da</strong>dos.<br />
Como já dissemos, 81% dos casos<br />
estão na faixa etária <strong>de</strong> 20 a 45 anos,<br />
sendo gran<strong>de</strong> o número <strong>de</strong> jovens que<br />
contraem o vírus em plena ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> pro-<br />
dutiva. E claro que atingindo em sua<br />
maiona trabalhadores, a aids traz profun-<br />
dos prejuízos à economia do país e cria<br />
novos conflitos no local <strong>de</strong> trabalho.<br />
Sobre as categorias <strong>de</strong> transmissão,<br />
a maior incidência <strong>de</strong> aids continua se<br />
<strong>da</strong>ndo pela transmissão sexual Porém,<br />
em relação ás subcategonas <strong>de</strong> trans-<br />
missão, houve <strong>um</strong>a sensível mu<strong>da</strong>nça.<br />
Em relação aos homossexuais, apesar <strong>de</strong><br />
continuar sendo o grupo com maior índi-<br />
ce (23,5%), ocorreu <strong>um</strong> <strong>de</strong>créscimo <strong>de</strong><br />
casos. Entre 1980/87 representavam<br />
41% dos casos, hoje apenas 18,2%<br />
A aids agora está crescendo entre os<br />
heterossexuais. Eles representavam en-<br />
tre 1980/87 1,6%, hojejá são 27,8% dos<br />
casos notificados.<br />
Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do'
Quinzena N 0 259 - 31/10/97 15 Mulher<br />
Mulheres em Dados - SEADE - Outubro/97 - N 0 8<br />
Trabalho doméstico, <strong>um</strong><br />
trabalho invisível<br />
O segmento <strong>de</strong> mulheres que alegam<br />
não se colocar no mercado <strong>de</strong> tra-<br />
balho por <strong>de</strong>sempenharem alg<strong>um</strong>a ativi-<br />
<strong>da</strong><strong>de</strong> doméstica, estão 13% <strong>da</strong>s adoles-<br />
centes <strong>de</strong> 15 a 17 anos e 45% <strong>da</strong>s jo-<br />
vens <strong>de</strong> 18 a 24 anos.<br />
O envolvimento <strong>da</strong>s mulheres com os<br />
afazeres domésticos começa muito cedo.<br />
No Estado <strong>de</strong> São Paulo, 30% <strong>da</strong>s meni-<br />
nas <strong>de</strong> 10 a 14 anos c<strong>um</strong>prem <strong>um</strong>a dupla<br />
jorna<strong>da</strong>: cursam o primeiro grau e aju-<br />
<strong>da</strong>m em casa. Entre os meninos, a ocor-<br />
rência é <strong>de</strong> apenas 6%.<br />
Heilbom (1QOV) mostra, em pesquisa<br />
realiza<strong>da</strong> em bairros populares do Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro, que as meninas apren<strong>de</strong>m <strong>de</strong>s-<br />
<strong>de</strong> logo que a casa é "coisa <strong>de</strong> mulher".<br />
Uma menina conta que, enquanto seu<br />
irmão dorme, ela gasta cerca <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
hora para aju<strong>da</strong>r a mãe a arr<strong>um</strong>ar a casa,<br />
tempo que dobra caso a mãe esteja fora<br />
trabalhando O pior é que estas tarefas<br />
são menos valoriza<strong>da</strong>s do que <strong>um</strong> traba-<br />
lho remunerado, em geral realizado pe-<br />
los meninos fora <strong>de</strong> casa.<br />
O envolvimento <strong>da</strong>s meninas ejovens<br />
em alg<strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> domésti-<br />
ca é confirmado por outras pesquisas.<br />
No Brasil, segundo <strong>da</strong>dos do PNAD <strong>de</strong><br />
1993, 52% <strong>da</strong>s filhas foram consi<strong>de</strong>ra-<br />
<strong>da</strong>s inativas, embora realizassem afaze-<br />
res domésticos. A Pesquisa Nacional<br />
sobre Demografia e Saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> 1996, re-<br />
vela que 10,2% <strong>da</strong>s filhas <strong>de</strong> trabalhado-<br />
ras com filhos menores <strong>de</strong> cinco anos<br />
cui<strong>da</strong>m <strong>de</strong> seus irmãos pequenos, o que<br />
ocorre com apenas 1,8% dos filhos. Esta<br />
cifra é muito superior na zona rural<br />
(25%) e nos segmentos sociais menos<br />
escolarizados (32% <strong>da</strong>s filhas <strong>de</strong> mães<br />
analfabetas e 23% <strong>da</strong>s que têm menos<br />
<strong>de</strong> três anos <strong>de</strong> estudo estão nesse caso).<br />
Essas informações fazem retomar<br />
<strong>um</strong>a velha e controverti<strong>da</strong> questão: o tra-<br />
balho doméstico po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado<br />
<strong>um</strong>a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> econômica 9 Até meados<br />
dos anos 70, quando o feminismo levan-<br />
tou essa ban<strong>de</strong>ira, a resposta era não.<br />
Nos recenseamentos e pesquisas do-<br />
Cristina Hruschini *<br />
miciliares, a categoria inativos inclui in-<br />
divíduos que vi<strong>vem</strong> <strong>de</strong> ren<strong>da</strong>, ou que são<br />
inaptos para o trabalho, como aposenta-<br />
dos, pensionistas, doentes, inválidos, es-<br />
tu<strong>da</strong>ntes e donas <strong>de</strong> casa. Apesar do<br />
vol<strong>um</strong>e <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s que mantêm ocu-<br />
pa<strong>da</strong>s mulheres <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as cama<strong>da</strong>s<br />
sociais, o trabalho doméstico não é<br />
contabilizado como ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> econômica<br />
Caso fosse, as taxas <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> fe-<br />
minina seriam muito superiores. Segun-<br />
do o PNAD, em 1993, 46,5% <strong>da</strong>s brasi-<br />
leiras eram economicamente ativas e<br />
49% inativas que se ocupavam dos afa-<br />
zeres domésticos. Porém, ao se agregar<br />
estas duas categorias, constata-se que<br />
95,4% <strong>da</strong>s mulheres <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 10 anos<br />
podiam ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s trabalhadoras.<br />
Vale lembrar que as ativas continuam<br />
responsáveis pelos afazeres domésticos,<br />
mas essa dupla jorna<strong>da</strong> também fica in-<br />
visível nos <strong>da</strong>dos.<br />
Por que o trabalho doméstico é tão<br />
importante 9 Porque inclui <strong>um</strong> conjunto<br />
<strong>de</strong> tarefas que são essenciais para o gai-<br />
po familiar e para to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, que<br />
teria que arcar com elas, caso não fos-<br />
sem realiza<strong>da</strong>s pelas mulheres na famí-<br />
lia e também porque consome <strong>um</strong>a par-<br />
te consi<strong>de</strong>rável do tempo <strong>da</strong>s mulheres,<br />
que po<strong>de</strong>ria se <strong>de</strong>dicado ao estudo, ao<br />
trabalho remunerado e ao lazer.<br />
O Relatório <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />
H<strong>um</strong>ano <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s (PNUD/<br />
ONU, 1995) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong><br />
que as tarefas domésticas contribuem<br />
para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
e <strong>de</strong><strong>vem</strong> ser valoriza<strong>da</strong>s. Com base no<br />
conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento h<strong>um</strong>ano, faz<br />
<strong>um</strong>a estimativa <strong>da</strong> contribuição invisível<br />
<strong>de</strong> homens e <strong>de</strong> mulheres para a ren<strong>da</strong><br />
nacional, por meio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a pesquisa so-<br />
bre o tempo <strong>de</strong>spendido em ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
mercantis e não-mercantis em 3 1 países.<br />
Os resultados mostram que, enquanto os<br />
homens consomem 66% <strong>de</strong> seu tempo<br />
em ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s remunera<strong>da</strong>s e 34% em<br />
não-pagas, as mulheres gastam 66% <strong>de</strong><br />
seu tempo em ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s não-remunera-<br />
"A libertação <strong>da</strong> mulher é<br />
condição fun<strong>da</strong>mental para a<br />
libertação <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a h<strong>um</strong>ani<strong>da</strong><strong>de</strong>".<br />
Karl Marx<br />
<strong>da</strong>s. Os homens, assim, recebem a mai-<br />
or parcela <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> e do reconhecimen-<br />
to por sua contribuição econômica, en-<br />
quanto a maior parte do trabalho <strong>da</strong>s<br />
mulheres continua não-remunera<strong>da</strong>, não<br />
reconheci<strong>da</strong> e não-valoriza<strong>da</strong>.<br />
Na busca <strong>da</strong> valorização sob <strong>um</strong>a<br />
perspectiva h<strong>um</strong>ana, e não apenas eco-<br />
nômica, na avaliação do <strong>de</strong>senvolvimen-<br />
to dos países, o Relatório propõe que se<br />
consi<strong>de</strong>re o tempo cons<strong>um</strong>ido por todos<br />
os membros do grupo familiar em to<strong>da</strong>s<br />
as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, inclusive as não-remune-<br />
ra<strong>da</strong>s. Este procedimento começa a ser<br />
adotado em alguns países. No Cana<strong>da</strong>,<br />
o Caiso Populacional <strong>de</strong> 1996 incluiu <strong>um</strong>a<br />
questão sobre trabalho não-remunerado<br />
(Na semana passa<strong>da</strong>, cpiantas horas<br />
você gastou nas seguintes ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
não remunera<strong>da</strong>s 7 ), que <strong>de</strong>sdobrava-<br />
se nas categonas:<br />
a) em afazeres domésticos;<br />
b) no cui<strong>da</strong>do <strong>de</strong> crianças;<br />
c) no cui<strong>da</strong>do e assistência aos ido-<br />
sos. Estamos longe <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mensuração<br />
tão precisa <strong>da</strong> contribuição não-remune-<br />
ra<strong>da</strong> dos indivíduos, principalmente as<br />
mulheres, para a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Mas na<strong>da</strong><br />
impe<strong>de</strong> que este objetivo esteja presente<br />
nos projetos para o futuro.<br />
*Socióloga e Pesquisadora <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção<br />
Carlos Chagas<br />
Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"<br />
\ ~Víí N*^ / : :
;:■;■:■:■:■:■:■:■:■:■:■:■:■:■:■:<br />
Quinzena N 0 259-31/10/97 16 Movimento Popular<br />
Doc<strong>um</strong>ento - 1997<br />
O que é chamado pela midia comer<br />
ciai <strong>de</strong> cultura, nós chamamos <strong>de</strong><br />
cultura enlata<strong>da</strong>. Ou seja, aquela séne<br />
<strong>de</strong> comportamentos prontos para serem<br />
cons<strong>um</strong>idos pela população. O compor-<br />
tamento <strong>de</strong> usar <strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> tê-<br />
nis, assistir este ou aquele filme, frequai-<br />
tar aquela específica <strong>da</strong>nceteria, ouvir<br />
este ou aquele estilo musical. Enfim,<br />
correspon<strong>de</strong>r com a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> as diver-<br />
sas mo<strong>da</strong>s existentes, os diversos gos-<br />
tos existentes, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que todos sejam <strong>de</strong><br />
alg<strong>um</strong>a forma aceitos pelo sistema capi-<br />
talista, isso, para nós não é cultura.<br />
Cultura é, entre tantas outras coisas<br />
a preservação <strong>de</strong> valores dos diferentes<br />
povos existentes e não simplesmente a<br />
reciclagem do cons<strong>um</strong>ismo exacerbado<br />
e insensato, sob <strong>um</strong>a tentativa quase<br />
sempre vitoriosa <strong>de</strong> transformar o ci<strong>da</strong>-<br />
dão em <strong>um</strong> boneco camaleão que se<br />
a<strong>de</strong>qua as diferentes imposições <strong>da</strong> mo<strong>da</strong><br />
e dos cost<strong>um</strong>es pré-<strong>de</strong>fínidos.<br />
Preservar também é fazer com que o<br />
ci<strong>da</strong>dão mantenha posições e não tomar-<br />
se <strong>um</strong> ser maleável que hoje <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
coisa e no dia <strong>de</strong> amanhã estará <strong>de</strong>fen-<br />
<strong>da</strong>ido outra sem o menor saiso <strong>de</strong> avali-<br />
ação. Não preservar é exatamente o que<br />
o sistema através <strong>da</strong> midia faz, em outras<br />
palavras, tira a cultura do ci<strong>da</strong>dão.<br />
A chama<strong>da</strong> cultura enlata<strong>da</strong> é<strong>um</strong> dos<br />
gran<strong>de</strong>s alicerces do sistema, porque<br />
nela está conti<strong>da</strong>: os lugares mais alie-<br />
nados, músicas sem conteúdo social <strong>de</strong><br />
contestação, os filmes recheados <strong>de</strong><br />
"mocinhos e bandidos", as roupas padro-<br />
niza<strong>da</strong>s que o povo veste, os pensamen-<br />
tos mais ridículos insconscientemente<br />
<strong>de</strong>fendidos pela população, os ídolos, as<br />
lanchonetes, até mesmo os esportes,<br />
aifim <strong>um</strong> cotidiano preparado para a ali-<br />
enação <strong>de</strong> to<strong>da</strong> <strong>um</strong>a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, que na<br />
ocorrência dos fatos é extremamente<br />
viola<strong>da</strong> pelo sistema, mas que no âmago<br />
do sofrimento não consegue se rebelar<br />
Engana-se quem pensa que a mani-<br />
pulação <strong>da</strong> mídia só acontece nos jor-<br />
nais, noticiários, e nas opiniões dos co-<br />
mentaristas serviçais do sistema. Pelo<br />
contrário ela acontece no dia a dia quan-<br />
O alicerce <strong>da</strong> rádio comunitária<br />
é a cultura<br />
Cláudio Camundonso*<br />
do a mídia cria <strong>um</strong>a vitrine <strong>de</strong> cons<strong>um</strong>o<br />
diante dos olhos <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a população.<br />
Ação e reação, <strong>de</strong>ssa forma alimenta<br />
<strong>de</strong>ntro do sistema a disputa por bens<br />
materiais, nem que para isso irmãos te-<br />
nham que passar a perna em irmãos, dis-<br />
putar cargos, puxar tapetes, aifim subir<br />
na vi<strong>da</strong> pela ótica do sistema capitalista,<br />
e no processo final, ter recursos para<br />
cons<strong>um</strong>ir tudo o que ostenta aquela vitri-<br />
ne chama<strong>da</strong> mídia.<br />
Muitas pessoas engaja<strong>da</strong>s na luta <strong>da</strong>s<br />
rádios comunitárias, tem em sua essàicia<br />
to<strong>da</strong> essa clareza, no aitanto fatidicamaite<br />
não conseguem <strong>de</strong>senvolver <strong>um</strong>a linha<br />
lógica que traga resultados práticos para<br />
o veículo. Se aiten<strong>de</strong>rmos que a base <strong>da</strong>s<br />
rádios comunitárias éto<strong>da</strong> essa cultura que<br />
está inibi<strong>da</strong> pelo sistema, aitão entai<strong>de</strong>-<br />
remos <strong>de</strong>finitivamente como fazer acon-<br />
tecer a <strong>de</strong>mocratização <strong>da</strong> comunicação<br />
pelas vias <strong>da</strong>s rádios <strong>de</strong> baixa potàicia.<br />
Mas, se usannos as rádios comunitárias<br />
para fazer discursos políticos contra o sis-<br />
tema, estaremos, como já foi dito, fazai-<br />
do rádio para nós mesmos.<br />
Constniir as rádios comunitánas à par-<br />
tir<strong>de</strong><strong>um</strong>a discussão cultural égarantiradi-<br />
anta<strong>da</strong>maite o sucesso do projeto. Dessa<br />
fomia estaremos combataido o câncer do<br />
sistema com <strong>um</strong> ranédio mais eficaz.<br />
Para que as rádios comunitánas tor-<br />
nem-se no futuro veículos com o po<strong>de</strong>r<br />
<strong>de</strong> formar opinião, elas <strong>de</strong><strong>vem</strong> ao menos<br />
terem conquistado a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> qual<br />
se dispôs a atuar e preparar to<strong>da</strong> <strong>um</strong>a<br />
conjuntura para a aceitação <strong>da</strong>s idéias<br />
discuti<strong>da</strong>s. Não estamos brincando com<br />
<strong>um</strong> sistema que não sabe o que faz e que<br />
acabou por culminar nessa alienação<br />
geral. Pelo contrário, a mídia éinteligen-<br />
tíssima e tudo o que foi feito na cabeça<br />
do ci<strong>da</strong>dão foi propositalmente, no exer-<br />
cício <strong>da</strong> função <strong>de</strong> alienar.<br />
Acontece hoje em dia, pelas mãos <strong>de</strong><br />
companheiros do movimento popular <strong>um</strong><br />
erro gravíssimo, achar que a rádio co-<br />
munitária é <strong>um</strong> caminhão <strong>de</strong> som com<br />
<strong>um</strong>a antena espeta<strong>da</strong> em cima. Equivo-<br />
cam-se porque o momento em que faze-<br />
mos isto estamos subestimando a inteli-<br />
gência do inimigo. E ele mais do que nin-<br />
guém sabe as formas <strong>de</strong> utilização do<br />
rádio.<br />
Por exemplo, n<strong>um</strong>a campanha salan-<br />
al na porta <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>da</strong>ermina<strong>da</strong> fábrica o<br />
sindicato utiliza-se do caminhão <strong>de</strong> som,<br />
primeiro tocando alg<strong>um</strong>a música geralmai-<br />
te <strong>de</strong> agrado do operário, para <strong>de</strong>pois ini-<br />
ciar a séne <strong>de</strong> discursos referentes a cam-<br />
panha. Para o resultado que se <strong>de</strong>stina a<br />
ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, o máodo utilizado está correto<br />
No aitanto, existem pessoas que se ba-<br />
seiam nessa fonna e acham que as rádi-<br />
os comunitárias se emanciparão assim.<br />
Pnmeiro tocando qualquer música popu-<br />
lar, para <strong>de</strong>pois discursar contra o siste-<br />
ma no microfone <strong>da</strong> rádio, tentando <strong>de</strong><br />
alg<strong>um</strong>a forma imitar o processo<br />
seqüencial do caminhão <strong>de</strong> som.<br />
Para que consigamos resultados<br />
satisfatórios com as rádios comunitárias<br />
muito se <strong>de</strong>ve fazer. E a primeira pon<strong>de</strong>-<br />
ração é garantir que a rádio tenha <strong>um</strong><br />
caráter extremamente cultural. Analisan-<br />
do músicas, criando formas <strong>de</strong> partici-<br />
pação dos ouvintes, arg<strong>um</strong>entando com<br />
inteligência e tomando cui<strong>da</strong>do para não<br />
assustai" o público, conquistando terreno<br />
nos fóruns culturais do bairro, buscando<br />
<strong>da</strong>r total espaço aos compositores regio-<br />
nais e nunca impondo regras que<br />
serceiem a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão<br />
E veja, que <strong>de</strong>bater a radio cultural-<br />
mente não significa estar contra <strong>um</strong> perfil<br />
político do projeto, á partir do momento<br />
em que ela se posiciona contrariamente<br />
ao sistema automaticamaite ela ass<strong>um</strong>e<br />
a característica natural <strong>da</strong> contestação.<br />
Alguns problemas comuns acontecem<br />
nos projetos que estão iniciando as suas<br />
programações, isso porque nas melho-<br />
res <strong>da</strong>s intenções tenta se contemplar<br />
<strong>um</strong>a gra<strong>de</strong> distribuí<strong>da</strong> para todos os mo-<br />
vimentos políticos e culturais <strong>da</strong> região<br />
São problemas <strong>de</strong>correntes pnncipalmai-<br />
te <strong>da</strong> conceituação <strong>de</strong> gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> progra-<br />
mação comunitária.<br />
A composição dos horários dos pro-<br />
gramas geralmente são feitos á partir <strong>da</strong><br />
ótica <strong>de</strong> distribuir para os diversos movi-<br />
mentos liaados a radio n<strong>um</strong> <strong>de</strong>terminado<br />
Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do 1
Quinzena N 0 259 - 31/10/97 17 Movimento Popular<br />
horário, para que se faça ca<strong>da</strong> <strong>um</strong> o seu<br />
programa segmentado. Ex: programa do<br />
movimento negro, programa do movimen-<br />
to <strong>de</strong> moradia, programa feminista, etc.<br />
Acaba saído a fomia mais fácil <strong>de</strong> monta-<br />
gem <strong>da</strong> gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação. No entan-<br />
to, ca<strong>da</strong> movimento fica meio que perdido<br />
na gra<strong>de</strong>, isolado e o que é pior, limitado.<br />
Os programa acabam ten<strong>de</strong>ndo para<br />
<strong>um</strong>a linha pouco estratégica, o programa-<br />
dor toca músicas referentes ao assunto<br />
abor<strong>da</strong>do para na seqüência intervir como<br />
gancho. Cria-se <strong>um</strong>a ilusão <strong>de</strong> que o pro-<br />
grama está sendo ouvido pelas pessoas<br />
que se interessam pelo assunto, quando<br />
na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> po<strong>de</strong> até culminar n<strong>um</strong>a<br />
empatia por parte dos ouvintes, que rara-<br />
mente reconhece <strong>um</strong> formador <strong>de</strong> opinião.<br />
Por outro lado, ouvintes <strong>de</strong> outros horári-<br />
os ficam <strong>de</strong>spnvilegiados <strong>de</strong> acompanha-<br />
rem o programa<br />
Se os movimentos ligados a emissora<br />
tiverem a preocupação <strong>de</strong> transmitirem a<br />
sua mensagem, não só em <strong>um</strong> programa,<br />
mas no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a programação<br />
os resultados dos movimentos serão atin-<br />
gidos mais eficazmente. Precisamos ter<br />
claro como fazer com que os movimen-<br />
tos ligados a rádio obtenham resultados.<br />
No <strong>de</strong>correr <strong>da</strong>s experiências com rá-<br />
dios comunitárias assistimos basicamen-<br />
te a duas maneiras <strong>de</strong> organização <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
gra<strong>de</strong> comunitária: <strong>um</strong>a extremamente<br />
politica na sua essência e outra pelo<br />
posicionamento equiparado a <strong>um</strong>a estra-<br />
tégia <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>, recebe a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> po-<br />
lítico-cultural.<br />
No mo<strong>de</strong>lo politico a distribuição <strong>de</strong><br />
programas é feito <strong>de</strong> forma acima <strong>de</strong>s-<br />
crita, segmentado, assemelha-se ao sis-<br />
tema <strong>de</strong> inscrição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a plenária, as<br />
pessoas se inscre<strong>vem</strong> e <strong>de</strong>pois pontu-<br />
am, <strong>vem</strong> outra pessoa inscrita e <strong>de</strong>pois<br />
também pontua sobre <strong>um</strong> assunto. To-<br />
dos os horários foram garantidos, ne-<br />
nh<strong>um</strong> movimento ficou <strong>de</strong> fora, todos,<br />
tem o seu espaço. Já a música acabai<br />
sendo utiliza<strong>da</strong> apenas para fazer pau-<br />
sa entre os cansativos blocos <strong>de</strong> passa-<br />
gem. Frente a ter que contemplar o as-<br />
sunto base do programa, muitas outras;<br />
informações ficam sem priori<strong>da</strong><strong>de</strong>s.<br />
Nesse mo<strong>de</strong>lo acaba havendo <strong>um</strong>i<br />
impedimento natural <strong>de</strong> que a rádioi<br />
exerça maior ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e ain<strong>da</strong> pior,,<br />
prioriza-se a sistematização e não ai<br />
criação.<br />
O lado positivo <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo é que,,<br />
com a urgência <strong>de</strong> se estruturar a gra-<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação, a rádio em poucos,<br />
dias já possuirá <strong>um</strong> cotidiano instável.<br />
Nesse mo<strong>de</strong>lo nota-se <strong>um</strong> fato co-<br />
m<strong>um</strong>, outros grupos culturais, que não<br />
propriamente <strong>de</strong> contestação politica,<br />
acabam ausentando-se do projeto, ou<br />
em muitos casos sendo postos secun-<br />
<strong>da</strong>riamente na programação. Ex: gru-<br />
pos teatrais, músicos, poetas, etc.<br />
Já no mo<strong>de</strong>lo politico-cultural a or-<br />
ganização dos segmentos geralmente se<br />
A VENDA NO CPV<br />
ANTOtlKj OWO CÀTtAW<br />
"Trabalho e Tecnologia"<br />
Dicionário crítico<br />
Organizador: Antônio David Cattani<br />
A complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> e a veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s transformações<br />
no mundo do trabalho reduzem a niti<strong>de</strong>z dos processos<br />
em curso, dificultando a sua real compreensão. Conceitos<br />
consagrados necessitam reformulações e atualizações,<br />
TRABALHO E novos conceitos surgem continuamente para <strong>da</strong>r conta <strong>da</strong><br />
tlCNOLOGiA reali<strong>da</strong><strong>de</strong> em mutação. Este dicionário apresenta <strong>de</strong> maneira<br />
crítica os referenciais indispensáveis para analisar<br />
as práticas e as percepções que estão construindo as no-<br />
PRCÇO: 15,00 vas relações entre trabalho e tecnologia.<br />
"Automação, Terceirização e Programas <strong>de</strong> Quali<strong>da</strong><strong>de</strong> Total:<br />
Os Fatos e a Lógica <strong>da</strong>s Mu<strong>da</strong>nças nos Processos <strong>de</strong> Trabalho"<br />
Um conjunto <strong>de</strong> reflexões sobre as novas formas <strong>de</strong> organização <strong>da</strong> produção e<br />
suas conseqüências sobre as organizações dos trabalhadores. Os textos foram escritos<br />
com a preocupação <strong>de</strong> explicitar as relações entre a reestruturação dos processos <strong>de</strong><br />
trabalho e as necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> ac<strong>um</strong>ulação <strong>de</strong> capitais.<br />
faz em chamados "núcleos <strong>de</strong> criação",<br />
on<strong>de</strong> não há programas específicos <strong>de</strong><br />
movimentos, estes por sua vez são en-<br />
carregados <strong>de</strong> alimentar <strong>de</strong> informações<br />
todos os programas <strong>da</strong> rádio, fazendo com<br />
que o ouvinte tenha a to<strong>da</strong> hora informa-<br />
ções sobre todos os setores organizados<br />
<strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. E <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> fazer com<br />
que os movimentos preocupem-se em<br />
construir a audiência <strong>da</strong> rádio como <strong>um</strong><br />
todo e não somente <strong>de</strong> <strong>um</strong> programa es-<br />
pecífico.<br />
Assim os resultados atingidos são fá-<br />
ceis <strong>de</strong> serem canalizados já que a plásti-<br />
ca <strong>da</strong> emissora está nas mãos <strong>de</strong> <strong>um</strong> co-<br />
letivo, que relevará entre outras coisas<br />
<strong>um</strong>a certa estética na programação.<br />
Os casos que <strong>vem</strong> adotando este<br />
mo<strong>de</strong>lo tem como ponta <strong>de</strong> lança os gru-<br />
pos culturais dos bairros como os rappers,<br />
os grupos teatrais, conjuntos musicais,<br />
poetas, etc, que em aliança com os mo-<br />
vimentos populares produzem <strong>de</strong> forma<br />
mais estratégica as intervenções que<br />
serão inseri<strong>da</strong>s no <strong>de</strong>correr <strong>da</strong> progra-<br />
mação. O interesse é político, pois con-<br />
testa, mas as formas diversas <strong>de</strong> lingua-<br />
gem estarão nas mãos <strong>de</strong> pessoas mais<br />
acost<strong>um</strong>a<strong>da</strong>s a transmitirem mensagens<br />
por vias ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente culturais. A li-<br />
nha política é a base, a cultura no caso é<br />
a forma. ~]<br />
*é membro <strong>da</strong> Rádio Nossa FM. 97.3 e<br />
membro <strong>da</strong> ABRAÇO, SP<br />
'Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"<br />
mtomtjifi, iiiMiiii'r*r>h>«<br />
rnOCIMWMWttUIWDOBWOMIj<br />
Autor: Emílio Gennari<br />
Produção: CPV<br />
PREÇO: 5,00
Quinzena N 0 259 - 31/10/97 18 Economia<br />
Curtas<br />
NY encerra a sexta-feira<br />
em baixa<br />
Ain<strong>da</strong> abalado pela que<strong>da</strong> em Hong<br />
Cong, mercado americano registra que-<br />
<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1,7%. O indice Dow Jones <strong>de</strong> 30<br />
ações industriais caiu 132,36 pontos, ou<br />
1,7%, para 7.715,41 pontos na última<br />
sexta-feira. A Bolsa <strong>de</strong> Nova York en-<br />
cerrou o dia em baixa pelo segundo dia<br />
consecutivo por causa <strong>da</strong> preocupação <strong>de</strong><br />
que a <strong>de</strong>saceleração <strong>da</strong>s economias asiáti-<br />
cas possa prejudicar as empresas produto-<br />
ras <strong>de</strong> "chips". O indice Stan<strong>da</strong>rd & Pooi J s<br />
<strong>de</strong> 500 ações (S&P 500) caiu 9,05 pontos,<br />
ou 1,7% para Q41,64 pontos.<br />
A que<strong>da</strong> generaliza<strong>da</strong> dos mercados<br />
no Su<strong>de</strong>ste asiático e a <strong>de</strong>svalorização<br />
<strong>da</strong>s divisas, além <strong>da</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>da</strong> Intel <strong>de</strong><br />
adiar a abertura <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova fábnca <strong>de</strong><br />
US$ 1,3 bilhão por causa <strong>da</strong> <strong>de</strong>man<strong>da</strong><br />
fraca por seus "chips", foram responsá-<br />
veis pela baixa.<br />
♦ ♦ ♦<br />
México<br />
O IPC, principal indicador do merca-<br />
do acionário mexicano, caiu 138,67 pon-<br />
tos, ou 2.74%, para 4.Q20,06 pontos Os<br />
investidores ven<strong>de</strong>ram suas ações <strong>de</strong> for-<br />
ma agressiva na última sexta-feira por<br />
causa <strong>da</strong>s perspectivas <strong>de</strong> que as <strong>de</strong>sva-<br />
lorizações generaliza<strong>da</strong>s nos mercados<br />
acionários po<strong>de</strong>m continuar<br />
As ações <strong>da</strong> Cemex encerraram a<br />
sexta-feira a 36 pesos, com que<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />
7,7%. Os papéis <strong>da</strong> Varejista El Pueito<br />
<strong>de</strong> Liveipool registraram que<strong>da</strong> <strong>de</strong> 7,4%<br />
para 10,5 pesos<br />
♦ ♦ ♦<br />
Buenos Aires<br />
O índice Merval <strong>de</strong> 32 ações caiu<br />
4,18% para 786,13 pontos. Os papéis<br />
argentinos foram <strong>de</strong>svalorizados pelo<br />
segundo dia consecutivo já que a crise<br />
financeira na Ásia provocou dúvi<strong>da</strong>s so-<br />
bre a habili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> Argentina em man-<br />
ter sua política <strong>de</strong> câmbio.<br />
As ações <strong>da</strong> Telefônica caíram 5,525<br />
para 3,25 pesos Os papéis <strong>da</strong> Telecom<br />
Argentina Stet-France Telecom caíram<br />
1,99% para 5,9 pesos. A YPF caiu 3,33%<br />
para 34,8 pesos.<br />
(Continuaremos no próximo Quinzena a<br />
colocar nesta coluna a situação <strong>da</strong>s Bolsas)<br />
Gazeta Mercantil - 27/10/97 - The Economist<br />
A <strong>globalização</strong> <strong>vem</strong> <strong>de</strong> longe<br />
Integração econômica é <strong>um</strong> processo capitalista só<br />
interrompido no período entre guerras<br />
T)ara ou bem ou para o mal, globa-<br />
lização se tomou a palavra mágica<br />
dos anos 90. As economias nacionais<br />
estão, sem dúvi<strong>da</strong>, ficando ca<strong>da</strong> vez mais<br />
integra<strong>da</strong>s enquanto a<strong>um</strong>entam os fluxos<br />
<strong>de</strong> comércio, investimaitos e capital finan-<br />
ceuo entre fronteiras Os cons<strong>um</strong>idores<br />
compram mais produtos estrangeiros, <strong>um</strong><br />
número crescaite <strong>de</strong> empresas opera atu-<br />
almente além <strong>da</strong>s fronteiras nacionais e<br />
os poupadores investem em locais distan-<br />
tes como nunca o fizeram antes<br />
Se tudo isso é para o bem ou para o<br />
mal é tema <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>bate acalorado. Uma<br />
visão, positiva, é a <strong>de</strong> que a <strong>globalização</strong><br />
é pura benção, com potencial para esti-<br />
mular a produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e os padrões <strong>de</strong><br />
vi<strong>da</strong> por to<strong>da</strong> a parte Isso acontece por-<br />
que <strong>um</strong>a economia globalmente integra-<br />
<strong>da</strong> po<strong>de</strong> conduzir a <strong>um</strong>a divisão melhor<br />
do trabalho entre países, permitindo que<br />
os países <strong>de</strong> baixos salários se especi-<br />
alizem em tarefas trabalho-intensivas,<br />
enquanto os países <strong>de</strong> altos salários em-<br />
pregam trabalhadores <strong>de</strong> modos mais<br />
produtivos Isso permitirá que as empre-<br />
sas explorem maiores economias <strong>de</strong> es-<br />
cala. E, com a <strong>globalização</strong>, o capital po<strong>de</strong><br />
ser transferido para qualquer país que<br />
ofereça as oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s mais produti-<br />
vas <strong>de</strong> investimento, sem o empecilho do<br />
financiamento doméstico <strong>de</strong> projetos com<br />
retornos pobres.<br />
Os críticos <strong>da</strong> <strong>globalização</strong> adotam<br />
<strong>um</strong>a visão mais sombria Eles prevêem<br />
que a crescente competição dos países<br />
em <strong>de</strong>senvolvimento com baixos salários<br />
<strong>de</strong>struirá empregos, forçando a redução<br />
dos salários nas economias hoje ricas<br />
Haverá <strong>um</strong>a "corri<strong>da</strong> para o fundo" com<br />
os países reduzindo salários, impostos,<br />
benefícios sociais e controles ambientais<br />
para se tomar mais "competitivos".<br />
As pressões para competir <strong>de</strong>sgasta-<br />
rão a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> dos governos para fi-<br />
xar suas próprias políticas econômicas.<br />
Os críticos também temem que o po<strong>de</strong>r<br />
ampliado dos mercados financeiros, pro-<br />
voque <strong>um</strong>a <strong>de</strong>vastação econômica, como<br />
nas crises monetárias européias <strong>de</strong> 1992<br />
e I993, México em 1994-95 e Su<strong>de</strong>ste<br />
<strong>da</strong> Ásia em 1997.<br />
Preten<strong>de</strong>-se, aqui, examinar a fundo<br />
esses arg<strong>um</strong>entos controversos <strong>de</strong> ca<strong>da</strong><br />
lado do <strong>de</strong>bate <strong>da</strong> <strong>globalização</strong>. Mas,<br />
antes <strong>de</strong> tudo, é necessário examinar o<br />
que precisamente se quer dizer com glo-<br />
balização, até que ponto ela avançou, e<br />
se o fenômeno é tão novo quanto geral-<br />
mente se supõe Alg<strong>um</strong>as <strong>da</strong>s respostas<br />
são surpreen<strong>de</strong>ntes<br />
A <strong>de</strong>speito do palavreado <strong>de</strong>sconexo<br />
sobre a "nova" economia global, a<br />
integração econômica internacional atu-<br />
al tem prece<strong>de</strong>ntes Nos 50 anos anteri-<br />
ores á Primeira Guerra Mundial foram<br />
registrados amplos fluxos <strong>de</strong> bens. capi-<br />
tal e pessoas entre fronteiras Aquele<br />
período <strong>de</strong> <strong>globalização</strong>, como o atual,<br />
foi conduzido por reduções <strong>de</strong> barreiras<br />
ao comércio e por que<strong>da</strong>s bruscas nos<br />
custos do transporte, graças ao <strong>de</strong>sen-<br />
volvimento <strong>da</strong>s ferrovias e navios a va-<br />
por. O presente impulso <strong>da</strong> <strong>globalização</strong><br />
é. <strong>de</strong> certa forma, <strong>um</strong>a retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong>que-<br />
la tendência anterior<br />
Aquela tentativa anterior <strong>de</strong> globali-<br />
zação terminou abruptamente com a<br />
Primeira Guerra Mundial, após a qual o<br />
mundo entrou n<strong>um</strong> período <strong>de</strong> feroz pro-<br />
tecionismo comercial e duras restrições<br />
ao movimento <strong>de</strong> capitais. No início dos<br />
anos 30. os EUA. a<strong>um</strong>entaram abrupta-<br />
mente suas tarifas, e outros países reta-<br />
lharam, tomando a Gran<strong>de</strong> Depressão<br />
ain<strong>da</strong> maior. O vol<strong>um</strong>e do comercio mun-<br />
dial caiu rapi<strong>da</strong>mente. Os fluxos inter-<br />
nacionais <strong>de</strong> capital virtualmente seca-<br />
ram no período entre guerras, enquanto<br />
os governos impunham controles sobre<br />
o capital para tentar isolar suas econo-<br />
mias do impacto do <strong>de</strong>clínio global.<br />
Os controles sobre o capital foram<br />
mantidos apôs a Segun<strong>da</strong> Guerra Mun-<br />
dial, enquanto os vitoriosos <strong>de</strong>cidiam<br />
manter fixas suas taxas <strong>de</strong> câmbio - <strong>um</strong><br />
arranjo conhecido como sistema <strong>de</strong><br />
Bretton Woods. em homenagem á ci<strong>da</strong>-<br />
■AiA»Vl*\n-Mính]â*h]^Mii\)\»h)ãt^nW,\<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"
Quinzena N 0 259-31/10/97 19 Economia<br />
<strong>de</strong> americana na qual foi aprovado. Mas<br />
as gran<strong>de</strong>s potências econômicas também<br />
concor<strong>da</strong>ram que a redução <strong>da</strong>s barrá-<br />
ras comerciais era vital para a recupera-<br />
ção Elas elaboraram o Acordo Geral so-<br />
bre Tarifas e Comércio (Gatt), que orga-<br />
nizou <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> negociações que<br />
gradualment reduziram as tarifas sobre<br />
importações. O Gatt foi substituído pela<br />
Organização Mundial do Comércio<br />
(OMC) em 1995. O comércio floresceu.<br />
No inicio dos anos 70, o sistema <strong>de</strong><br />
Bretton Woods entrou em colapso e per-<br />
mitiu-se que as moe<strong>da</strong>s "flutuassem"<br />
entre si às taxas <strong>de</strong> mercado, quaisquer<br />
que fossem. Isso assinalou o renasci-<br />
mento do mercado global <strong>de</strong> capitais. Os<br />
EUA e a Alemanha pararam rapi<strong>da</strong>men-<br />
te <strong>de</strong> controlar as entra<strong>da</strong>s e saí<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />
capitai. A Grã-Bretanha aboliu os con-<br />
troles <strong>de</strong> capital em 1979, e o Japão (na<br />
maior parte) em ! 980. A França e a Itá-<br />
lia, entretanto, não abandonaram suas<br />
últimas restrições ao investimento entre<br />
fronteiras a não ser em 1990. Isso é par-<br />
te do motivo por que os europeus do con-<br />
tinente ten<strong>de</strong>m a temer mais o po<strong>de</strong>r dos<br />
mercados globais <strong>de</strong> capital: a exposição<br />
dos EUA aos mercados é muito mais<br />
antiga que a <strong>de</strong>les.<br />
Duas forças têm conduzido esses flu-<br />
xos crescentes <strong>de</strong> bens e dinheiro. A<br />
primeira é a tecnologia. Com os custos<br />
<strong>da</strong> comunicação e <strong>da</strong> computação cain-<br />
do rapi<strong>da</strong>mente, as barreiras naturais <strong>de</strong><br />
tempo e espaço que separam os merca-<br />
dos nacionais também diminuíram. O<br />
custo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a chama<strong>da</strong> telefônica <strong>de</strong> três<br />
minutos entre Nova York e Londres caiu<br />
<strong>de</strong> US$ 300 (em dólares <strong>de</strong> 1996), em<br />
1930, para US$ 1, hoje. O custo do pro-<br />
cessamento <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos por computador<br />
caiu 30% em média ao ano em termos<br />
reais, durante o último par <strong>de</strong> déca<strong>da</strong>s.<br />
A segun<strong>da</strong> força motriz é a liberali-<br />
zação. Como resultado tanto <strong>da</strong>s nego-<br />
ciações no Gatt quanto <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões uni-<br />
laterais, quase todos os países reduziram<br />
as barreiras sobre o comércio externo.<br />
A maioria dos países aplaudiu igualmen-<br />
te o capital internacional.<br />
Embora a liberalização tenha avan-<br />
çado a veloci<strong>da</strong><strong>de</strong>s diversas em lugares<br />
diferentes, a tendência é mundial. Ape-<br />
nas <strong>um</strong> punhado <strong>de</strong> renegados ain<strong>da</strong> tenta<br />
se isolar. Durante a déca<strong>da</strong> passa<strong>da</strong>, o<br />
comércio a<strong>um</strong>entou duas vezes mais ra-<br />
pi<strong>da</strong>mente do que a produção, o investi-<br />
mento estrangeiro direto três vezes mais<br />
e o comércio <strong>de</strong> ações entre fronteiras,<br />
<strong>de</strong>z vezes mais.<br />
A tendência para a <strong>globalização</strong> é cla-<br />
ra. Mas sua extensão po<strong>de</strong> estar sendo<br />
exagera<strong>da</strong>. Consi<strong>de</strong>re-se separa<strong>da</strong>men-<br />
te os mercados <strong>de</strong> produtos, capitais e<br />
mercados.<br />
Uma forma <strong>de</strong> medir a extensão <strong>da</strong><br />
integração entre os mercados <strong>de</strong> produ-<br />
tos é a proporção do comércio para a pro-<br />
dução. Esta a<strong>um</strong>entou acentua<strong>da</strong>mente na<br />
maior parte dos países <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1950. Mas,<br />
por essa medi<strong>da</strong>, a Grã-Bretanha e a Fran-<br />
ça estão apenas ligeiramente mais aber-<br />
tas ao comércio hoje do que estavam em<br />
1913, aiquanto o Japão está menos aber-<br />
to agora do que então.<br />
Outra medi<strong>da</strong> do grau <strong>de</strong> integração<br />
do mercado <strong>de</strong> produtos é a extensão <strong>da</strong><br />
convergâicia <strong>de</strong> preços através dos pa-<br />
íses. Na teoria, o livre comércio <strong>de</strong>veria<br />
aproximar os preços, à medi<strong>da</strong> que a<br />
competição força os produtores <strong>de</strong> cus-<br />
tos elevados as reduzir seus preços. Es-<br />
tudos mostram, entretanto, que as am-<br />
plas divergências <strong>de</strong> preços com fre-<br />
qüência persistem por longos períodos<br />
Computadores laptop ejeans Levi's, por<br />
exemplo, são consistentemente mais ba-<br />
ratos nos EUA do que na Europa ou no<br />
Japão. Isso reflete <strong>um</strong>a varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
fatores, inclusive gostos, custos dos trans-<br />
portes, diferenças <strong>de</strong> taxas e re<strong>de</strong>s inefi-<br />
cientes <strong>de</strong> distribuição. Mas parte <strong>da</strong> di-<br />
ferença é <strong>de</strong>vi<strong>da</strong> á persistência <strong>da</strong>s bar-<br />
reiras à importação.<br />
^ Mas em nenh<strong>um</strong> lugar os mercados<br />
<strong>de</strong> produtos são tão integrados através <strong>da</strong>s<br />
fronteiras quanto são <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>s nações.<br />
Consi<strong>de</strong>re-se o exemplo do intercâmbio<br />
entre os EUA e o Canadá, <strong>um</strong>a <strong>da</strong>s fron-<br />
teiras on<strong>de</strong> o comércio sofre menos res-<br />
tnções no mundo. Em média, o comerão<br />
entre <strong>um</strong>a província cana<strong>de</strong>nse e <strong>um</strong> Es-<br />
tado amencano é 20 vezes maior do que<br />
o comerão interno entre duas províncias<br />
cana<strong>da</strong>ises, após ajustes para distância e<br />
níveis <strong>de</strong> ren<strong>da</strong>. Apesar <strong>de</strong> tanta discus-<br />
sões sobre o mercado único, os merca-<br />
dos cana<strong>da</strong>ises e americano continuam<br />
substancialmaite separados <strong>um</strong> do outro.<br />
Para outros países, isso é ain<strong>da</strong> mais<br />
ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro.<br />
Os mercados financeiros tampouco<br />
estão realmente integrados. A <strong>de</strong>speito<br />
<strong>da</strong> recém-<strong>de</strong>scoberta populari<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />
investimento internacional, os mercados<br />
<strong>de</strong> capitais encontravam-se, por alg<strong>um</strong>as<br />
medi<strong>da</strong>s, mais integrados no início <strong>de</strong>ste<br />
século do que estão agora. Durante os<br />
30 anos antes <strong>da</strong> Primeira Guerra Mun-<br />
dial, quando a maioria <strong>da</strong>s moe<strong>da</strong>s esta-<br />
va ancora<strong>da</strong> ao ouro, somas imensas flu-<br />
íram <strong>da</strong> Europa Oci<strong>de</strong>ntal para a Amén-<br />
ca do Norte, a Argentina e a Austrália.<br />
A saí<strong>da</strong> líqui<strong>da</strong> <strong>de</strong> capital dsa Grã-<br />
Bretanha (ou seja, o superávit em sua<br />
conta corrente) chegou em média a 5%<br />
do PIB durante o período 1880-1913, al-<br />
cançando quase 10% do PIB em seu<br />
pico. Por comparação, o "excessivo" su-<br />
perávit do Japão em conta corrente atin-<br />
giu em média apenas 2-3% do PIB du-<br />
rante a déca<strong>da</strong> passa<strong>da</strong>.<br />
O investimento estrangeiro direto,<br />
envolvendo o controle <strong>de</strong> empresas ou<br />
imóveis através <strong>da</strong>s fronteiras nacionais,<br />
tampouco é <strong>um</strong> fenômeno novo. Hoje,<br />
eqüivale a 6% do investimanto domésti-<br />
co total <strong>da</strong>s economias ncas. Na déca<strong>da</strong><br />
anterior a 1914, por contraste, os inves-<br />
timentos diretos <strong>de</strong> capitalistas britânicos<br />
no exterior foram quase tão gran<strong>de</strong>s<br />
quanto seus investimentos diretos em<br />
casa. Nos países europeus, os estoques<br />
<strong>de</strong> investimentos diretos externos estão<br />
muito menores em relação a seus PlBs<br />
do que em 1914.<br />
Embora os mercados <strong>de</strong> produtos e<br />
capitais tenham se tomado ca<strong>da</strong> vez mais<br />
integrados, isso não aconteceu com os<br />
mercados <strong>de</strong> trabalho. Dezenas <strong>de</strong> milha-<br />
res <strong>de</strong> pessoas trabalham atualmente fora<br />
<strong>de</strong> seus países natais. Mas o trabalho está<br />
menos móvel do que na segun<strong>da</strong> meta<strong>de</strong><br />
do século XIX, quando 60 milhões <strong>de</strong> pes-<br />
soas saíram <strong>da</strong> Europa para o Novo Mun-<br />
do. Mesmo <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> União Européia, que<br />
dá aos ci<strong>da</strong>dãos <strong>de</strong> qualquer Estado man-<br />
bro o direito <strong>de</strong> trabalhar e viver em qual-<br />
quer outro, apenas <strong>um</strong>a pequaia propor-<br />
ção dos trabalhadores se avaitura a atra-<br />
vessar as fronteiras nacionais. Língua,<br />
barreiras culturais e educação e qualifi-<br />
cações profissionais incompatíveis se<br />
combinam para manter nacionais os mer-<br />
cados <strong>de</strong> trabalho.<br />
Isso não significa que a <strong>globalização</strong> seja<br />
apenas <strong>um</strong> mito. De alg<strong>um</strong>as maneiras no-<br />
vas e diferaites, a economia mundial está<br />
se tomando mais internacionalmente inte-<br />
gra<strong>da</strong> do que era na vira<strong>da</strong> do século.<br />
"Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do'
Quinzena N 0 259 - 31/10/97 20 Economia<br />
Por <strong>um</strong> lado, amplas regiões do mun-<br />
do não participaram <strong>da</strong> economia global<br />
pré-1914. Hoje, mais economias do que<br />
nunca antes abriram suas fronteiras ao<br />
comércio e ao investimento. Não ape-<br />
nas países <strong>de</strong>senvolvidos, mas também<br />
países em <strong>de</strong>senvolvimento na Ásia e<br />
América Latina abraçaram reformas<br />
favoráveis ao mercado.<br />
A segun<strong>da</strong> diferença é que, enquan-<br />
to no século XIX a <strong>globalização</strong> foi im-<br />
pulsiona<strong>da</strong> pela que<strong>da</strong> dos custos <strong>de</strong><br />
transporte, agora é conduzi<strong>da</strong> pela que-<br />
<strong>da</strong> dos custos <strong>da</strong>s comunicações. Isso<br />
criou novas maneiras <strong>de</strong> organizar em-<br />
presas em escala mundial, com <strong>um</strong>a<br />
integração internacional mais estreita do<br />
que no passado.<br />
Re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicação baratas e efi-<br />
cientes permitem que as empresas situ-<br />
em diferentes partes do seu processo <strong>de</strong><br />
produção em países diversos, mas per-<br />
manecendo em contato intimo. A mo<strong>de</strong>r-<br />
na tecnologia <strong>da</strong> informação também<br />
reduz a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> contato físico<br />
entre produtores e cons<strong>um</strong>idores e, por-<br />
tanto, permite que alguns serviços que<br />
não podiam ser negociados antes pas-<br />
sem a ser negociados. Qualquer ativi<strong>da</strong>-<br />
<strong>de</strong> que possa ser conduzi<strong>da</strong> n<strong>um</strong>a tela<br />
ou por telefone, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> escrever software<br />
a ven<strong>de</strong>r passagens <strong>de</strong> avião, po<strong>de</strong> ser<br />
realiza<strong>da</strong> em qualquer lugar do mundo,<br />
liga<strong>da</strong> ao escritório central por satélite e<br />
computador. Mesmo assistência médica<br />
ou educação po<strong>de</strong>m ser vendi<strong>da</strong>s à dis-<br />
tância pelas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> telecomunicações.<br />
Uma terceira diferaiça é que, embo-<br />
ra os fluxos líquidos <strong>de</strong>capitai global pos-<br />
sam ser menores do que no passado, os<br />
Gazeta Mercantil - 27/10/97<br />
fluxos financeiros brutos internacionais são<br />
muito maiores. Por exemplo, o movimen-<br />
to diário do câmbio externo a<strong>um</strong>entou <strong>de</strong><br />
US$ 15 bilhões, em 1973, para US$ 1,2<br />
trilhão em 1995. As compras e ven<strong>da</strong>s<br />
internacionais <strong>de</strong> títulos e ações por in-<br />
vestidores amen canos a<strong>um</strong>entaram <strong>de</strong><br />
9% do PIB, em 1980, para 164% em 1996.<br />
Entretanto, a economia mundial ain-<br />
<strong>da</strong> está longe <strong>de</strong> ser genuinamente inte-<br />
gra<strong>da</strong>. No futuro, novas tecnologias pro-<br />
vavelmente estimularão <strong>um</strong>a maior<br />
integração. Espera-se, por exemplo, que<br />
a Internet e tecnologias afins aju<strong>de</strong>m a<br />
tomar os mercados mais transparentes,<br />
permitindo que compradores e ven<strong>de</strong>do-<br />
res comparem preços <strong>de</strong> diferentes paí-<br />
ses. Os preços <strong>da</strong> telecomunicação cai-<br />
rão ain<strong>da</strong> mais acentua<strong>da</strong>mente durante<br />
a próxima déca<strong>da</strong>.<br />
Assim, a tecnologia continuará sendo<br />
a força motnz do trem <strong>da</strong> globaliza-ção.<br />
Isso apresenta <strong>um</strong> <strong>de</strong>safio aos governos.<br />
Permitindo <strong>um</strong> uso mais eficiente dos re-<br />
cursos mundiais, a <strong>globalização</strong> <strong>de</strong>verá<br />
estimular as rai<strong>da</strong>s médias. Entretanto,<br />
os custos e os benefícios serão distribuí-<br />
dos <strong>de</strong>sigualmente. Muitas pessoas - so-<br />
bretudo traballiadores industnais não-qua-<br />
líficados <strong>da</strong>s economias ricas - <strong>de</strong>scobri-<br />
rão que a <strong>de</strong>man<strong>da</strong> por seu trabalho está<br />
caindo, enquanto as funções que costu-<br />
mavam exercer são <strong>de</strong>sempenha<strong>da</strong>s no<br />
exterior por <strong>um</strong> custo menor. Isso provo-<br />
ca o risco <strong>de</strong> <strong>um</strong> recuo político contra o<br />
livre comércio e os fluxos <strong>de</strong> capital.<br />
A tendência à <strong>globalização</strong> po<strong>de</strong>rá ser<br />
reverti<strong>da</strong> <strong>um</strong>a segun<strong>da</strong> vez? Fazê-lo po<strong>de</strong><br />
ser mais difícil do que antes. Novas<br />
tecnologias e novos tipos <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>en-<br />
tos financeiros dificultam a imposição <strong>de</strong><br />
controle efetivos sobre o capital por par-<br />
te dos governos. Da mesma forma, o<br />
a<strong>um</strong>ento do número <strong>da</strong>s empresas multi-<br />
nacionais que po<strong>de</strong>m transferir produção<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> país para outro dificultará a ado-<br />
ção <strong>de</strong> barreiras comerciais efetivas.<br />
Novas tecnologias também criam<br />
canais <strong>de</strong> distribuição que os governos<br />
dificilmente po<strong>de</strong>rão bloquear. O gover-<br />
no francês que quiser proteger sua in-<br />
dústria cinematográfica <strong>da</strong> competição<br />
americana, restringindo as importações,<br />
po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>scobrir que é impossível impe-<br />
dir a transmissão <strong>de</strong> filmes estrangeiros<br />
por satélite ou sua difusão pela Internet<br />
Filmes estrangeiros po<strong>de</strong>m ser introdu-<br />
zidos através <strong>de</strong> janelas eletrônicas que<br />
não po<strong>de</strong>m ser fecha<strong>da</strong>s.<br />
Outra razão para supor que a globa-<br />
lização é mais durável <strong>de</strong>sta vez é que o<br />
livre comércio se apoia sobre bases insti-<br />
tucionais mais firmes do que no inicio<br />
<strong>de</strong>ste século. Naquela época, o livre co-<br />
mércio avançou sobretudo por meio <strong>de</strong><br />
tratados bilaterais em vez <strong>de</strong> por institui-<br />
ções multilateraís, tais como a OMC.<br />
Recuar <strong>da</strong> OMC não será fácil.<br />
Entretanto, a experiência passa<strong>da</strong><br />
mostra com que rapi<strong>de</strong>z a fé nos merca-<br />
dos e na abertura po<strong>de</strong> ser esmagadora<br />
por gran<strong>de</strong>s choques econômicos, tais<br />
como a Gran<strong>de</strong> Depressão dos anos 30.<br />
Em confronto com outro <strong>de</strong>clínio seve-<br />
ro, alguns governos ain<strong>da</strong> po<strong>de</strong>m ser to-<br />
los o suficiente para usar o protecionis-<br />
mo a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r trabalhadores e<br />
empresas <strong>da</strong>s forças globais. Isso tam-<br />
bém protegeria as economias <strong>de</strong> po<strong>de</strong>-<br />
rosas fontes <strong>de</strong> crescimento. 1<br />
Máxi pós-eleitoral é tese <strong>de</strong>scarta<strong>da</strong><br />
Economista acreditam que não há clima no governo para<br />
Oito entre nove economistas e/ou altos<br />
executivos <strong>de</strong> bancos e <strong>de</strong> <strong>um</strong>a consultoria<br />
compulsados por este jornal <strong>de</strong>scartaram a<br />
possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> o governo promover <strong>um</strong>a<br />
<strong>de</strong>svalorização mais acelera<strong>da</strong> ou abrupta -<br />
<strong>um</strong>a midi ou maxi<strong>de</strong>s-valorização - do real<br />
após as eleições <strong>de</strong> 1998, como <strong>vem</strong> sendo<br />
discutido e comentado entre mesas <strong>de</strong> ope-<br />
rações, meios acadêmicos e, principalmente,<br />
na mídia não especializa<strong>da</strong>.<br />
mu<strong>da</strong>r a política cambial<br />
William Salasar<br />
O motivo principal é que não há fun<strong>da</strong>-<br />
mentos econômicos para o governo mu<strong>da</strong>r a<br />
política cambial atual, <strong>de</strong> <strong>de</strong>svalorizações<br />
constantes e graduais, ao mesmo tempo em<br />
que procura melhorar as condições <strong>de</strong><br />
competitivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s exportações via refor-<br />
mas constitucionais e regulamentações <strong>de</strong><br />
leis que <strong>de</strong>smontem cartórios, corporativis-<br />
mos e tudo aquilo que se convencionou cha-<br />
mar <strong>de</strong> "Custo Brasil"- essa mancha esbran-<br />
quiça<strong>da</strong> e difusa como <strong>um</strong>a nebulosa que<br />
não há ninguém que explique com precisão e<br />
ninguém que não enten<strong>da</strong> mais ou menos.<br />
A idéia mais difundi<strong>da</strong>, segundo <strong>um</strong> texto<br />
do ex-ministro <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Maílson <strong>da</strong><br />
Nóbrega, que inspirou a son<strong>da</strong>gem entre ou-<br />
tros economistas influentes, é que se imagina<br />
que o governo não mexe no câmbio agora,<br />
porque teria problemas para reeleger o presi-<br />
<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso no ano que<br />
Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do'
Quinzena N 0 259 - 31/10/97 21 Economia<br />
<strong>vem</strong>. Mas fazendo a máxi <strong>de</strong>pois <strong>da</strong>s eleições,<br />
FHC tornaria as exportações brasileiras mais<br />
competitivas, solucionando, assim, o proble-<br />
ma dos déficits comercial e em conta corrente.<br />
FHC ficaria, então, livre para tocar aquelas re-<br />
formas to<strong>da</strong>s, porque, em tese, teria eliminado<br />
constrangimentos externos.<br />
Não é o que acham os nove economistas<br />
e altos profissionais do mercado ouvidos por<br />
este jornal, que acham que mexer no câmbio,<br />
<strong>de</strong>svalorizar o real <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma mais apres-<br />
sa<strong>da</strong> ten<strong>de</strong> a ser contraproducente. Sua ar-<br />
g<strong>um</strong>entação é que <strong>um</strong>a, por assim dizer, máxi<br />
ten<strong>de</strong>ria a trazer <strong>de</strong> volta a inflação e a<br />
in<strong>de</strong>xação que alimenta e realimenta a alta<br />
dos preços, naquela espiral maluca que du-<br />
rou mais <strong>de</strong> <strong>um</strong>a déca<strong>da</strong>, <strong>de</strong>strambelhando a<br />
economia brasileira.<br />
Incisivo, o economista André Loes, do<br />
Banco Bozano, Simonsen - <strong>um</strong>a instituição<br />
que tem se mostrado <strong>da</strong>s mais ativas e efici-<br />
entes na captação <strong>de</strong> recursos externos e na<br />
cooptação <strong>de</strong> investidores estrangeiros -<br />
consi<strong>de</strong>ra que <strong>um</strong>a alteração cambial <strong>de</strong> por-<br />
te <strong>de</strong>veria ser evita<strong>da</strong> ao máximo e em qual-<br />
quer momento, para evitar o retorno <strong>da</strong> infla-<br />
ção e <strong>da</strong> recessão. A <strong>de</strong>svalorização gradual<br />
que o governo <strong>vem</strong> promovendo <strong>de</strong>ve ser<br />
Jornal Nação Brasil - Setembro/97 - N" 101<br />
manti<strong>da</strong> e no mesmo ritmo vigente. Para esti-<br />
mular o exportador, lembra Loes, o governo<br />
já está <strong>da</strong>ndo crédito, transferindo ren<strong>da</strong> ao<br />
exportador <strong>de</strong> forma mais inteligente do que<br />
pela mera <strong>de</strong>svalorização cambial.<br />
O<strong>da</strong>ir Abate, economista-chefe do<br />
Lloyds Bank (instituição <strong>da</strong>s mais ativas<br />
no comércio exterior e que, aliás, está com<br />
crédito oficial à exportação; o Banco do<br />
Brasil, que é o carro-chefe por <strong>de</strong>finição<br />
<strong>de</strong>sse programa, <strong>de</strong>ve estar com <strong>um</strong> mon-<br />
tante bem maior), consi<strong>de</strong>ra muito peque-<br />
na a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>svalorização<br />
pós-eleição. Lembra que não se vai fazer<br />
<strong>de</strong>svalorização pré-eleitoral porque é<br />
politiqueiramente incorreto. Mas, se fizer<br />
<strong>de</strong>pois, o governo corre o risco <strong>de</strong> contra-<br />
riar interesses e <strong>de</strong>ixar <strong>um</strong> mal estar sufici-<br />
ente para obstar a votação <strong>da</strong>s reformas.<br />
Ficaria <strong>um</strong> odor na<strong>da</strong> agradável <strong>de</strong> Plano<br />
Cruzado 2 ou Plano Collor 2.<br />
A politica em curso, observa Dany<br />
Rappaport, economista-chefe do Banco<br />
Santan<strong>de</strong>r, está possibilitando <strong>um</strong>a recupe-<br />
ração <strong>da</strong> competitivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s exportações<br />
brasileiras com a <strong>de</strong>svalorização do real, que,<br />
assinala, contribui para reduzir e/ou inibir<br />
a alta dos preços. É, na sua visão, <strong>um</strong>a<br />
política a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>, capaz <strong>de</strong> gerar <strong>um</strong> ambien-<br />
te propício aos investimentos, sem causar trau-<br />
mas a <strong>um</strong> país que já penou com a inflação<br />
crônica.<br />
A avaliação é basicamente a mesma <strong>de</strong><br />
Paulo Mallmann, diretor financeiro e econo-<br />
mista-chefe do Bic-Banco (<strong>um</strong> permanente<br />
critico <strong>de</strong> idéias e comentários pasteurizados<br />
e homogeneizados que circulam pelo merca-<br />
do e, por extensão, pela mídia). "Não tem por<br />
que <strong>de</strong>svalorizar. O governo optou por <strong>um</strong>a<br />
trajetória <strong>de</strong> <strong>de</strong>svalorização real que está <strong>da</strong>n-<br />
do certo", diz Mallmann.<br />
Voltando ao Dr. Mailson, <strong>um</strong>a <strong>de</strong>svalori-<br />
zação pós-eleição seria contraproducente<br />
também porque ocorreria com as fabricas tra-<br />
balhando praticamente a pleno vapor, com<br />
escassa capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> ociosa, o que tornaria<br />
os preços dos produtos nacionais, mesmo<br />
aqueles similares aos importados (que é cla-<br />
ro que ficariam mais caros). E também au-<br />
mentaria substancialmente o endivi<strong>da</strong>mento<br />
<strong>de</strong> pessoas e empresas (inclusive agriculto-<br />
res), já que tem muita gente, fisica e jurídica,<br />
com dívi<strong>da</strong> em dólar. O resultado seria au-<br />
mento dos juros, logo <strong>da</strong> inadimplência e,<br />
<strong>da</strong>í, redução <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> econômica. Outra<br />
<strong>de</strong>riva<strong>da</strong>: crise no sistema financeiro. "1<br />
Em 3 anos o Plano Real quebrou 69 bancos<br />
PROER: RS 20,3 - bilhões para recuperar só 2,3%<br />
Ao criar <strong>um</strong> câmbio artificial com <strong>um</strong>a<br />
moe<strong>da</strong> supervaloriza<strong>da</strong> e acabar com a infla-<br />
ção <strong>de</strong> <strong>um</strong> dia para outro, evi<strong>de</strong>ntemente o<br />
governo FHC <strong>de</strong>veria ter criado <strong>um</strong> contra-<br />
peso- isto é; introduzir medi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> compen-<br />
sação para o sistema financeiro privado.<br />
De fato, se <strong>de</strong> <strong>um</strong> lado a reestmtura-ção<br />
do sistema passava pela privatização dos ban-<br />
cos estatais, por outro exigia o enxugamento<br />
<strong>da</strong>s <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> pequenos bancos <strong>de</strong> investi-<br />
mentos a serem absorvidos pelas corporações<br />
financeiras priva<strong>da</strong>s brasileiras (Itaú,<br />
Bra<strong>de</strong>sco, Safra, Unibanco, BBC, etc). Assim<br />
foram quebrados 69 bancos.<br />
Apenas RS 470 milhões<br />
O que o governo não previa era que nessa<br />
on<strong>da</strong> <strong>de</strong> reestruturação também os gran<strong>de</strong>s<br />
bancos corriam sérios riscos. Primeiro foi o<br />
Nacional, <strong>de</strong>pois o Econômico e, enfim, o<br />
Bamerindus que faliram. Esse alerta levou o<br />
governo a criar o PROER (Programa <strong>de</strong><br />
Reestruturação e Fortalecimento do Sistema<br />
Financeiro) que em <strong>um</strong> ano e meio entregou<br />
aos bancos R$ 20,3 bilhões - isto é: 43% <strong>da</strong>s<br />
resevas cambiais.<br />
Para aprovar o PROER no Congresso, o<br />
governo recorreu ao fisiologismo, á chanta-<br />
gem, e até a <strong>um</strong>a mesquinharia política, só<br />
pareci<strong>da</strong> com a do governo Mediei. Foram<br />
assim <strong>de</strong>senvolsados R$ 20,3 bilhões, entre-<br />
tanto só após <strong>um</strong> ano e meio, pô<strong>de</strong> o Banco<br />
Central recuperar apenas R$ 470 milhões - isto<br />
é: uns miseráveis 2,3%. Nesse ritmo, o Banco<br />
Central <strong>de</strong>morará 45 anos para receber o valor<br />
emprestado, e mais 10 para os juros. Pratica-<br />
mente, no ano 2.032 o Banco Central po<strong>de</strong>rá<br />
fechar a pasta do Proer.<br />
Econômico, Bamerindus e Nacional rece-<br />
beram R$ 14 bilhões e continuam insolven-<br />
tes e falidos. No caso do Bamerin-dus, o go-<br />
verno além <strong>de</strong> pagar as dívi<strong>da</strong>s, ain<strong>da</strong> teve<br />
que oferecer R$ 1 bilhão ao HSBC <strong>de</strong> Hong<br />
Kong para que esse operasse a re<strong>de</strong> do<br />
Bamerindus. Nesse contexto, a Caixa Econô-<br />
mica Fe<strong>de</strong>ral - e não os gran<strong>de</strong>s bancos pri-<br />
vados - teve que "engolir" a compra <strong>da</strong>s car-<br />
teiras imobiliárias do Bamerindus, do Econô-<br />
mico e do Banorte, no expressivo valor <strong>de</strong> R$<br />
5 bilhões. Valor que o governo sempre negou<br />
ter para "oxigenar" o Banerj e o Banespa, e<br />
que <strong>de</strong> repente "apareceu" nos cofres <strong>da</strong> Cai-<br />
xa Econômica Fe<strong>de</strong>ral.<br />
tm banco... sem fundos<br />
Só agora os técnicos do Banco Central<br />
<strong>de</strong>scobriram que o Econômico é <strong>um</strong> poço sem<br />
fundo. De fato na época o Chefão do PFL,<br />
Antônio Carlos Magalhães, obrigou o go-<br />
verno a pagar as dívi<strong>da</strong>s do Econômico que<br />
o brilhante Ministro <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>, Pedro<br />
Malan, minimi-zou em apenas R$ 1,5 bilhão.<br />
Mas, hoje, resulta que o rombo do banco<br />
baiano é <strong>de</strong> mais R$ 3 bilhões, apesar dos R$<br />
5,9 bilhões já injetados pelo Banco Central<br />
com o Proer, que, pelo visto, não sanearam<br />
as dívi<strong>da</strong>s.<br />
O absurdo nisso tudo é que segundo o<br />
diretor <strong>de</strong> Fiscalização do BC, Cláudio Mauch,<br />
a liqui<strong>da</strong>ção do Econômico <strong>de</strong>morará uns 5<br />
anos!!! E vivendo esse clima <strong>de</strong> absur<strong>de</strong>z<br />
absoluta, Cláudio Mauch confirma que "to-<br />
dos so empréstimos têm garantias.<br />
Para R$ 20,3 bilhões emprestados, o BC<br />
só obteve R$ 24 bilhões em garantias, a mai-<br />
oria em créditos junto ao FCVS (Fundo <strong>de</strong><br />
Compensação <strong>da</strong>s Variações Salariais) e tí-<br />
tulos <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> externa brasileira (que não<br />
valem na<strong>da</strong>, pois são as famosas moe<strong>da</strong>s<br />
podres D<br />
"Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"
Quinzena N 0 259 - 31/10/97 22<br />
Curtas<br />
Esquer<strong>da</strong> busca consenso<br />
sobre programa, as propostas<br />
Novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
- O termo usado é "refün<strong>da</strong>r a estabili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
em novas bases", isto é, buscar <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo<br />
alternativo ao Real que pennita "a retoma-<br />
<strong>da</strong> do crescimento econômico, associa<strong>da</strong> à<br />
distribuição <strong>de</strong> ren<strong>da</strong>, riqueza e educação".<br />
O cálculo e que a econô-mia <strong>de</strong>ve crescer<br />
pdo maios 7% ao ano para absorver o con-<br />
tingaite <strong>de</strong> 1,9 milhão <strong>de</strong>jovais que che-<br />
gam ao mercado <strong>de</strong> trabalho, mantaido o<br />
nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego atual. E <strong>de</strong> que, com a<br />
redistnbui-ção <strong>de</strong> apaias 7% <strong>da</strong> rai<strong>da</strong> con-<br />
caitra<strong>da</strong> nas mãos dos 10% mais ncos, será<br />
possivel diminarto<strong>da</strong> a pobreza absoluta do<br />
Pais. O moddo embute duas convicções: a<br />
<strong>de</strong> que a estabili<strong>da</strong><strong>de</strong> do Real não se man-<br />
tán a longo prazo e a <strong>de</strong> que é necessáno<br />
aicontrar <strong>um</strong>a fórmula <strong>de</strong> "crescer distn-<br />
buindo rai<strong>da</strong>".<br />
Poupança interna - O programa con-<br />
centra-se em formas <strong>de</strong> incremento <strong>da</strong><br />
poupança <strong>de</strong> dos investimentos internos,<br />
para substituir o capital especulativo, que<br />
hqjeéo "coldião" <strong>da</strong>politica cambial. Uma<br />
"refonua tributária abrangente" é a pro-<br />
posta número <strong>um</strong> implicaria <strong>de</strong>soneração<br />
<strong>da</strong> produção, racionalização <strong>da</strong> estrutura<br />
tributária e simplificação <strong>da</strong> burocracia.<br />
A progressivi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos impostos sena ob-<br />
ti<strong>da</strong> via uso do imposto Terntorial Rural<br />
como "instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> eliminação <strong>da</strong> es-<br />
peculação fundiána" e via impostos sobre<br />
heranças, gran<strong>de</strong>s fortunas e lucros ex-<br />
traordinários, especialmaite <strong>de</strong> empresas<br />
pnvatiza<strong>da</strong>s. Outra proposta polêmica é<br />
adotar <strong>de</strong>finitivamente "fontes eficazes"<br />
<strong>de</strong> receita, como o imposto sobre cheques,<br />
hoje provisório, e impostos sobre cigarros<br />
e bebi<strong>da</strong>s. A reforma <strong>da</strong> Previdência tam-<br />
bém seria orienta<strong>da</strong> para captação <strong>de</strong><br />
poupança interna. Haveria <strong>um</strong>a previdâi-<br />
cia pública universal e na previdâicia com-<br />
plementar, optativa, conviveriam o po<strong>de</strong>r<br />
público e a iniciativa priva<strong>da</strong>. A idéia é<br />
tomar os fundos <strong>de</strong> pensão financiadores<br />
do <strong>de</strong>senvolvimaito. "Hoje só 2,9 milhões<br />
<strong>de</strong> pessoas têm acesso à previdência com-<br />
plementar e ain<strong>da</strong> assim ela soma R$ 73<br />
bilhões, tem 18% <strong>da</strong>s ações em bolsas,<br />
meta<strong>de</strong> dos shoppings, é a segun<strong>da</strong> acio-<br />
nista <strong>da</strong> Vale do Rio Doce e <strong>de</strong> todo o<br />
setor si<strong>de</strong>rúrgico", lembrou Merca<strong>da</strong>nte.<br />
(Continua no próximo Quinzena)<br />
FNM - Fór<strong>um</strong> Nacional <strong>de</strong> Monitores - Agosto/Setembro <strong>de</strong> 1997 - N" 32<br />
Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia:<br />
paraíso ou inferno?<br />
Nunca como nos últimos cinco anos<br />
as palavras ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e ci<strong>da</strong>dão tem<br />
sido repeti<strong>da</strong>s pelos mais variados seto-<br />
res que compõem a nossa socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Lutar pela ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, transformar o bra-<br />
sileiro em ci<strong>da</strong>dão, fazer com que ca<strong>da</strong><br />
indivíduo <strong>de</strong>fen<strong>da</strong> seus direitos <strong>de</strong> ci<strong>da</strong>-<br />
dão, são as palavras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m que unem<br />
empresános, trabalhadores, presi<strong>da</strong>ites,<br />
ministros e represaitantes <strong>de</strong> todos os mo-<br />
vimaitos organizados <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> civil<br />
Pensando bem, alguém po<strong>de</strong>ria discor-<br />
<strong>da</strong>r do fato <strong>de</strong> que ser ci<strong>da</strong>dão significa<br />
gozar <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong>sempenhar <strong>de</strong>veres<br />
no interior <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>terminado Estado 0<br />
Em plaia <strong>de</strong>mocracia, quem se atreveria<br />
a negar publicamaite o direito à escola, á<br />
moradia, à assistência médica, ao lazer,<br />
ao trabalho, ou, ain<strong>da</strong>, a escolher livremai-<br />
te os próprios governantes 9<br />
Parece tudo tão óbvio e natural que os<br />
críticos <strong>da</strong> luta pela ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia <strong>de</strong>veriam<br />
fazer, <strong>de</strong>mocraticamente, o favor <strong>de</strong> ca-<br />
lar-se diante <strong>da</strong>s manifestações <strong>de</strong> apoio,<br />
soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> e esperança que tem rece-<br />
bido as ações que os movimentos organi-<br />
zados <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> civil <strong>vem</strong> conseguin-<br />
do realizar em nome <strong>de</strong>ssa ban<strong>de</strong>ira.<br />
Ain<strong>da</strong> assim, queremos convi<strong>da</strong>r os<br />
nossos leitores a refletir conosco sobre<br />
<strong>um</strong>a pergunta incômo<strong>da</strong> á qual poucos<br />
se atre<strong>vem</strong> a respon<strong>de</strong>r exaustivamen-<br />
te. Se por ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia enten<strong>de</strong>mos o aces-<br />
IWHí/íO (iennari *<br />
Nacional<br />
so a direitos básicos capazes <strong>de</strong> garantir<br />
a vi<strong>da</strong> em socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer indiví-<br />
duo, porque somente na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 90 a<br />
necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> transformar o brasileiro<br />
em ci<strong>da</strong>dão ganhou expressão nacional''<br />
Reparem todos que, no fundo, o que esta<br />
sendo pedido não é o máximo, e sim o<br />
mínimo do mínimo para viabilizar <strong>um</strong>a<br />
convivência social civiliza<strong>da</strong> Amenizar<br />
a fome, reduzir a miséria, gerar empre-<br />
gos, garantir escola, transporte, moradia,<br />
etc, são tarefas <strong>de</strong> qualquer governo que<br />
está interessado em manter a or<strong>de</strong>m,<br />
reduzir a violência e proporcionar às fa-<br />
mílias <strong>um</strong>a ren<strong>da</strong> mínima capaz, pelo<br />
menos, <strong>de</strong> garantir sua sobrevivência fí-<br />
sica Por que motivo, então, algo tão sim-<br />
ples e elementar ganhou tanto <strong>de</strong>staque''<br />
Não sei se os nossos leitores estão<br />
lembrados, mas durante o governo Collor<br />
o Brasil mergulha n<strong>um</strong>a profun<strong>da</strong><br />
recessão Sem emprego, sem dinheiro,<br />
<strong>de</strong>scamisados e sem casa, o número dos<br />
chamados "excluídos" a<strong>um</strong>enta a olhos<br />
vistos. Se, <strong>de</strong> <strong>um</strong> lado, as manifestações<br />
pelo impeachment legitimam a <strong>de</strong>rruba-<br />
<strong>da</strong> do presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> república e fortale-<br />
cem o sentimento <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia <strong>da</strong> na-<br />
ção, <strong>de</strong> outro, <strong>de</strong>ixam intacta a política<br />
neoliberal por ele inaugura<strong>da</strong>. A revolta<br />
contra a corrupção, a miséria e a falta<br />
<strong>de</strong> perspectivas no futuro alimaitam <strong>um</strong>a<br />
situação potencialmente explosiva e to-<br />
Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do 1
Quinzena N 0 259 - 31/10/97 23 Nacional<br />
talmente imprevisível do ponto <strong>de</strong> vista<br />
do controle do conflito social.<br />
Não é por acaso que, nesta época,<br />
José Eduardo <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> Vieira, ex-<br />
presi<strong>de</strong>nte do Grupo Bamerindus e se-<br />
nador pelo PTB, diz: "O Brasil foi <strong>um</strong>a<br />
nação <strong>de</strong> pobres. Hoje, marcha para<br />
se transformar n<strong>um</strong>a praça cie guer-<br />
ra <strong>de</strong> miseráveis, apesar <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as<br />
suas enormes potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>s". ] E<br />
ele não é o único a expressar preocu-<br />
pações <strong>de</strong>ste tipo.<br />
Ou seja, a classe dominante tem<br />
consciência <strong>de</strong> que, sob o incômodo es-<br />
timulo <strong>da</strong> fome, a paciência do exército<br />
dos Zé Ninguém que, em geral, não re-<br />
clama, não conhece a lei, mas apenas<br />
obe<strong>de</strong>ce e espera dias melhores, está se<br />
esgotando O problema é que a reação<br />
<strong>de</strong>sta massa, historicamente, não se ma-<br />
nifesta <strong>de</strong> forma or<strong>de</strong>ira e disciplina<strong>da</strong>,<br />
mas ten<strong>de</strong> a ass<strong>um</strong>ir as feições violen-<br />
tas e imprevisíveis <strong>de</strong> <strong>um</strong> quebra-quebra<br />
ou <strong>de</strong> <strong>um</strong> saque aos supermercados.<br />
Sabendo disso, as elites sentem a ur-<br />
gência <strong>de</strong> encontrar meios para evitar o<br />
caos e canalizar o <strong>de</strong>scontentamento para<br />
movimentos que possam ser controlados,<br />
dirigidos e, sobretudo, mantidos <strong>de</strong>ntro<br />
dos limites <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m. Duas tarefas se<br />
fazem necessárias: integrar <strong>de</strong>finitiva-<br />
mente o Movimento Operário Sindical,<br />
esvaziando-o <strong>da</strong>queles elementos que<br />
estimulam o conflito e evi<strong>de</strong>nciam os<br />
mecanismos <strong>de</strong> exploração, e realizar<br />
ações capazes <strong>de</strong> renovar as esperan-<br />
ças do povo simples n<strong>um</strong> futuro melhor.<br />
Neste contexto, a Ação <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>-<br />
nia contra a Miséria e pela Vi<strong>da</strong>, mais<br />
conheci<strong>da</strong> como Campanha contra a<br />
Fome, serve como <strong>um</strong>a luva para os pro-<br />
jetos <strong>da</strong> classe dominante. Para o soció-<br />
logo Herbert <strong>de</strong> Souza, o Betinho, ao<br />
sensibilizar e mobilizar a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> dian-<br />
te do problema <strong>da</strong> fome, a ação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>-<br />
<strong>da</strong>nia está fazendo a sua parte para com-<br />
bater este mal que atormenta as famílias<br />
do nosso país. De acordo com as suas<br />
<strong>de</strong>clarações, todos <strong>de</strong>veriam adotar o<br />
espírito e a <strong>de</strong>dicação do beija-flor que<br />
diante <strong>da</strong> floresta em chamas, longe <strong>de</strong><br />
fugir do perigo leva gotas <strong>de</strong> água no seu<br />
bico para <strong>de</strong>speja-las sobre o incêndio.<br />
E pouco, mas aju<strong>da</strong> a diminuir a intensi-<br />
<strong>da</strong><strong>de</strong> do fogo <strong>de</strong>vastador.<br />
A rigor, para o povo simples, isso tudo<br />
não é <strong>um</strong>a novi<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois, diariamente.<br />
ele vivência práticas espontâneas <strong>de</strong> so-<br />
li<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> e aju<strong>da</strong> <strong>de</strong>sinteressa<strong>da</strong>s. Mas,<br />
ao tomar-se <strong>um</strong>a campanha nacional ali-<br />
menta<strong>da</strong> pelos meios <strong>de</strong> comunicação<br />
com ampla participação <strong>de</strong> artistas e<br />
personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> todos os setores soci-<br />
ais, a ação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia captura as aten-<br />
ções e as emoções <strong>da</strong>s massas levando-<br />
as a acreditar que, no fundo, a solução<br />
<strong>da</strong> miséria e <strong>da</strong> fome <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> apenas<br />
<strong>de</strong> ca<strong>da</strong> <strong>um</strong> pôr a mão no bolso e repar-<br />
tir o pouco que tem. Afinal, os estragos<br />
provocados pelo incêndio senam meno-<br />
res se todos os bichos fizessem a sua<br />
parte no lugar <strong>de</strong> abandonar a floresta<br />
na <strong>de</strong>sespera<strong>da</strong> tentativa <strong>de</strong> salvar a pró-<br />
pna pele.<br />
Fácil, não é? E só distribuir <strong>um</strong>a sa-<br />
cola <strong>de</strong> alimentos aqui, a<strong>um</strong>entar <strong>um</strong> pou-<br />
co o emprego aí..., que <strong>de</strong>pois tudo se<br />
resolve. Apesar do terrível cheiro <strong>de</strong><br />
queimado, o sistema é apresentado como<br />
bom. Só precisa sofrer pequenos ajustes<br />
para evitar que se agra<strong>vem</strong> os proble-<br />
mas que <strong>vem</strong> se manifestando ao longo<br />
dos séculos.<br />
As boas intenções do beija-flor, ao<br />
centralizar as atenções <strong>da</strong> bichara<strong>da</strong> so-<br />
bre a sua ação <strong>de</strong> bombeiro, acabam<br />
ocultando exatamente as relações <strong>de</strong><br />
exploração que são as ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras res-<br />
ponsáveis pelo incêndio na floresta e di-<br />
ariamente alimentam as suas chamas ao<br />
excluir setores ca<strong>da</strong> vez mais amplos <strong>da</strong><br />
população do acesso aos bens necessá-<br />
rios para a sua sobrevivência.<br />
Se isso não bastasse, os próprios ex-<br />
plorados são chamados a contribuir do<br />
seu bolso pelos estragos que eles não<br />
provocaram e a aju<strong>da</strong>r as classes domi-<br />
nantes a recuperar o controle do conflito<br />
social que ameaça a sua or<strong>de</strong>m e os seus<br />
interesses. Ao <strong>da</strong>r voz a quem não tem<br />
voz, as elites e seus embaixadores estão<br />
<strong>da</strong>ndo a sua voz que busca fazer evoluir<br />
o senso com<strong>um</strong> aimo á renovação e á<br />
preservação <strong>da</strong>s condições <strong>de</strong> domina-<br />
ção <strong>de</strong>sgasta<strong>da</strong>s pelo impacto <strong>da</strong>s polí-<br />
ticas neoliberais.<br />
Sendo assim, por que o Movimento<br />
Operário Sindical comprou a idéia <strong>da</strong> ação<br />
pela a<strong>da</strong><strong>da</strong>nia sem opor <strong>um</strong>a crítica con-<br />
sistente aos objetivos e aos meios que vi-<br />
nham sendo propostos? Em primeiro lu-<br />
gar, é necessário lembrar que a luta para<br />
assegurar a todos o acesso a condições<br />
dignas <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> é <strong>um</strong>a preocupação per-<br />
manente <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> do mundo inteiro.<br />
Portanto, os nossos sindicatos não po<strong>de</strong>-<br />
riam simplesmente se omitir diante <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a campanha nacional <strong>de</strong>ssa enverga-<br />
dura. O problema está no fato <strong>de</strong> que a<br />
participação do Movimento na Ação pela<br />
Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia <strong>vem</strong> consoli<strong>da</strong>ndo o esvazia-<br />
mento <strong>de</strong> sua perspectiva classista para<br />
ass<strong>um</strong>ir, progressivamente, a lógica <strong>da</strong><br />
parceria. E do começo <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 90,<br />
por exemplo, a estratégia <strong>de</strong> "interven-<br />
ção propositiva" leva<strong>da</strong> adiante pelos<br />
setores majontános <strong>da</strong> Central Única dos<br />
Trabalhadores no interior <strong>da</strong>s Câmaras<br />
Setoriais. Estratégia esta que, longe <strong>de</strong><br />
levar os operários a formularem <strong>um</strong> pro-<br />
jeto próprio <strong>de</strong> organização <strong>da</strong> produção<br />
capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>smascarar para to<strong>da</strong> a soci-<br />
e<strong>da</strong><strong>de</strong> os valores e os interesses <strong>da</strong>s ini-<br />
ciativas empresariais, acaba incorporan-<br />
do a lógica <strong>da</strong> produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>da</strong> compe-<br />
titivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>da</strong> lucrativi<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>-<br />
<strong>de</strong> capitalistas como referenciais capa-<br />
zes <strong>de</strong> orientar a intervenção do próprio<br />
movimento sindical.<br />
Em outras palavras, a CUT estava<br />
vestindo a camisa <strong>de</strong> força que a impe-<br />
diria <strong>de</strong> agir fora dos limites colocados<br />
pelo sistema. Enquanto isso, para as clas-<br />
ses dominantes trata-se <strong>de</strong> fazer com que<br />
estas referências, já consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s no in-<br />
terior <strong>da</strong>s gran<strong>de</strong>s empresas, possam ser<br />
amplia<strong>da</strong>s e legitima<strong>da</strong>s perante todos os<br />
setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> pelas próprias di 1<br />
reções do Movimento.<br />
Os resultados não <strong>de</strong>moram a apare-<br />
cer. Ao aceitar a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia como objeti-<br />
vo último <strong>de</strong> sua ação, os sindicatos e<br />
<strong>um</strong>a parcela significativa <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong><br />
brasileira, mais <strong>um</strong>a vez, <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> for-<br />
talecer através <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> a cons-<br />
trução <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e do projeto <strong>da</strong>s<br />
classes trabalhadoras e colocam em se-<br />
gundo plano o ataque aos mecanismos<br />
<strong>de</strong> exploração dos quais são vítimas no<br />
quotidiano <strong>da</strong>s relações sociais. Pior, ao<br />
enfocar trabalhadores e capitalistas como<br />
simples ci<strong>da</strong>dãos, como vonta<strong>de</strong>s e cons-<br />
ciências cívicas livres e iguais perante a<br />
lei, contribuem para fazer <strong>de</strong>saparecer<br />
as marcas <strong>da</strong> dominação. Não é por aca-<br />
so que, por exemplo, diante <strong>da</strong>s <strong>um</strong>as<br />
que elegem Femando Henrique Cardo-<br />
so para a presidência <strong>da</strong> república o mais<br />
h<strong>um</strong>il<strong>de</strong> operário parece ter o mesmo<br />
po<strong>de</strong>r do ci<strong>da</strong>dão Roberto Marinho, pois,<br />
tanto <strong>um</strong> como outro, dispõem apenas <strong>de</strong><br />
Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"
Quinzena N 0 259 - 31/10/97 24 Nacional<br />
<strong>um</strong> voto para elegerem seus represen-<br />
tantes.<br />
No paraíso <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia <strong>de</strong>sapare-<br />
cem as diferenças entre patrões e em-<br />
pregados e a convivência harmoniosa <strong>de</strong><br />
ambos revela-se imprescindível inclusi-<br />
ve para garantir o emprego, elemento<br />
sem o qual não há nenh<strong>um</strong>a possibili<strong>da</strong>-<br />
<strong>de</strong> do indivíduo ser elevado ao status <strong>de</strong><br />
ci<strong>da</strong>dão.<br />
Estar empregado, portanto, acaba<br />
sendo sinônimo <strong>de</strong> meio caminho an<strong>da</strong>-<br />
do no esforço <strong>de</strong> alcançar este paraíso.<br />
Por incrível que pareça, ser explorado<br />
passa a ser <strong>um</strong>a vantagem, pois signifi-<br />
ca "ser incluído" no número dos candi-<br />
<strong>da</strong>tos à ci<strong>da</strong>dão, ao passo que os infeli-<br />
zes <strong>de</strong> hoje, os "excluídos", são exata-<br />
mente aqueles que não são explorados<br />
ou que, talvez, nem ser<strong>vem</strong> para serem<br />
explorados.<br />
Reparem todos que, nesse contexto,<br />
<strong>de</strong>saparece totalmente <strong>da</strong> análise <strong>da</strong> re-<br />
ali<strong>da</strong><strong>de</strong> o fato <strong>de</strong> que a produção <strong>da</strong> ri-<br />
queza realiza<strong>da</strong> pelo trabalhador coleti-<br />
vo continua sendo apropria<strong>da</strong> pelo capi-<br />
talista em função <strong>da</strong>s relações sociais<br />
alicerça<strong>da</strong>s na proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> priva<strong>da</strong>, ga-<br />
ranti<strong>da</strong> na lei ou... na marra. E não é por<br />
acaso que isso acontece: na produção as<br />
marcas <strong>da</strong> dominação são in<strong>de</strong>léveis.<br />
No local <strong>de</strong> trabalho não encontra-<br />
mos ci<strong>da</strong>dãos e sim capitalistas e traba-<br />
lhadores assalariados que ocupam posi-<br />
ções bem <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>s enquanto explorado-<br />
res e explorados. No interior <strong>da</strong> empre-<br />
sa, quando há espaço para a participa-<br />
ção dos operários ele é limitado àquilo<br />
que proporciona melhores condições <strong>de</strong><br />
lucrativi<strong>da</strong><strong>de</strong> para o capital. Apesar dos<br />
tapinhas nas costas, dos benefícios e dos<br />
incentivos financeiros, em nenh<strong>um</strong> mo-<br />
mento o vampiro coloca-se no lugar do<br />
pescoço ou <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> chupar o sangue <strong>de</strong><br />
suas vitimas que a ele ven<strong>de</strong>m sua força<br />
<strong>de</strong> trabalho coagi<strong>da</strong>s pela necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
garantir o seus sustento. Para além <strong>da</strong>s<br />
aparências, ao nível <strong>da</strong> produção não é<br />
possível nenh<strong>um</strong> acordo <strong>de</strong> paz entre as<br />
vítimas e o seu assassino.<br />
Ao <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar essa reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a<br />
luta pela ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia oculta exatamente o<br />
alicerce sobre o qual se ergue a domina-<br />
ção <strong>da</strong>s elites <strong>de</strong>ntro e fora dos locais <strong>de</strong><br />
trabalho. Mais, por não relacionar a ques-<br />
tão <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> com a exploração e a pro-<br />
prie<strong>da</strong><strong>de</strong> capitalistas cna a ilusão <strong>de</strong> que.<br />
sob a égi<strong>de</strong> do capital, é possível cons-<br />
truir <strong>um</strong>a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> justa e fraterna ape-<br />
nas levando as massas a redistribuírem<br />
melhor o pouco que têm.<br />
Mas as nossas <strong>de</strong>sgraças não param<br />
por aqui. Uma vez consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> a visão<br />
do paraíso, as classes dominantes nos<br />
avisam que chegou a hora <strong>de</strong> visitarmos<br />
os novos ambientes do inferno nos quais<br />
os trabalhadores são chamados a vive-<br />
rem os próximos anos. De fato, se o<br />
emprego é o passaporte para a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>-<br />
nia, trata-se <strong>de</strong> ver agora até a que pon-<br />
to a lei, que <strong>de</strong>fine o espaço do ci<strong>da</strong>dão,<br />
está se tomando <strong>um</strong> empecilho á cria-<br />
ção <strong>de</strong> novos postos <strong>de</strong> trabalho e, por<br />
conseqüência, acaba inviabilizando a re-<br />
alização <strong>da</strong> própria ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia por ela pro-<br />
posta. Se o objetivo é transformar o bra-<br />
sileiro em ci<strong>da</strong>dão, faz-se necessário<br />
flexibilizar a lei naquelas poucas regras<br />
que, ao protegerem os trabalhadores,<br />
estariam negando na prática o acesso ao<br />
trabalho a <strong>um</strong>a parcela significativa do<br />
povo simples.<br />
Em outras palavras, o primeiro passo<br />
para alcançar a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia não seria a<br />
manutenção e a realização dos poucos<br />
direitos já existentes, e sim a redução<br />
<strong>de</strong>stes como condição para, olhem só,<br />
alcançar o bem com<strong>um</strong>. Como dizem os<br />
patrões e seus intelectuais, é melhor que<br />
todos (os trabalhadores) ganhem <strong>um</strong> pou-<br />
co menos, mas que, ao reduzir o <strong>de</strong>sem-<br />
prego, <strong>um</strong> número maior <strong>de</strong> pessoas pos-<br />
sa, <strong>um</strong> dia, ser ci<strong>da</strong>dão. Não se trata,<br />
portanto, <strong>de</strong> dividir a riqueza ac<strong>um</strong>ula<strong>da</strong><br />
às custas do suor dos operários, nem,<br />
muito menos, <strong>de</strong> questionar a proprie<strong>da</strong>-<br />
<strong>de</strong> priva<strong>da</strong> dos meios <strong>de</strong> produção, mas<br />
apenas <strong>de</strong> administrar melhor a miséria<br />
já que os números <strong>de</strong> candi<strong>da</strong>tos a ela<br />
vai a<strong>um</strong>entar.<br />
Mas isso não é <strong>de</strong> se estranhar, pois<br />
o que alimenta o vampiro é <strong>um</strong>a maior<br />
quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> sangue <strong>de</strong> suas vítimas.<br />
O que preocupa mesmo é que ao longo<br />
<strong>de</strong>stes anos o senso com<strong>um</strong> do povo sim-<br />
ples, que vê como ba<strong>de</strong>rna qualquer<br />
ameaça á or<strong>de</strong>m existente e espera dos<br />
<strong>de</strong> cima a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> viver <strong>um</strong> fu-<br />
turo melhor, foi extremamente fortaleci-<br />
do pela ação <strong>de</strong> <strong>um</strong> número significativo<br />
<strong>de</strong> intelectuais e dirigentes <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong>.<br />
Sob a ban<strong>de</strong>ira <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia que traz<br />
em suas cores a legitimação dos limites<br />
do sistema, consciente ou inconsciente-<br />
mente, estes senhores aju<strong>da</strong>ram, e aju-<br />
<strong>da</strong>m, a direita a domesticar as formas <strong>de</strong><br />
resistência e <strong>de</strong> rebeldia <strong>da</strong>s massas, que<br />
representam os primeiros passos r<strong>um</strong>o a<br />
vôos maiores.<br />
Ao fazer refluir a ação para <strong>um</strong> campo<br />
on<strong>de</strong> as forças do capital tem melhores<br />
condições <strong>de</strong> trilhar os caminhos <strong>de</strong> sua<br />
dominação, longe <strong>de</strong> levar as classes tra-<br />
balhadoras ao paraíso, estão contribuin-<br />
do para prolongar a sua permanência no<br />
inferno <strong>da</strong> exploração. Os vampiros,<br />
emocionados, agra<strong>de</strong>cem.<br />
(') Em, Vários Autores,<br />
Brasileiro: Ci<strong>da</strong>dão?,<br />
Cultura Editores Associados,<br />
SãoPaulo, l992,Pág. 248.<br />
"Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do'<br />
*EmUio Gennari<br />
NEP 13 <strong>de</strong> Maio
Quinzena N 0 259-31/10/97 25 Nacional<br />
Boletim Informativo Camp - Setembro/97 - N 0 3<br />
Desafios <strong>da</strong>s esquer<strong>da</strong>s frente a <strong>globalização</strong><br />
A esquer<strong>da</strong> e os movimentos sindicais <strong>de</strong><strong>vem</strong> usar a Nova Or<strong>de</strong>m Mundial<br />
O atual processo <strong>de</strong> <strong>globalização</strong><br />
constitui <strong>um</strong>a fase do capitalismo<br />
mundial, inicia<strong>da</strong> como <strong>um</strong>a resposta à<br />
crise <strong>da</strong> economia fordista-keynesiana<br />
nos anos 70. Esta gigantesca transforma-<br />
ção, que se apresenta como <strong>um</strong>a Tercei-<br />
ra Revolução Industrial, é impulsiona<strong>da</strong><br />
pela Revolução Tecno-Científica (RTC).<br />
As esquer<strong>da</strong>s, nesta quadro, foram pro-<br />
fun<strong>da</strong>mente afeta<strong>da</strong>s, tanto pelos efeitos<br />
econômicos quanto político-sociais <strong>da</strong><br />
<strong>globalização</strong>. A recessão eneoliberalismo<br />
enfraqueceram o sindicalismo (on<strong>de</strong> ele<br />
era forte), enquanto a Nova Guerra Fria<br />
afimiava o discurso conservador no cam-<br />
po político nos anos 80.<br />
O colapso do Campo Soviético e o<br />
fim <strong>da</strong> Guerra Fria aprofun<strong>da</strong>ram tais ten-<br />
dências no início dos anos 90. A ausên-<br />
cia <strong>de</strong> <strong>um</strong> inimigo externo permitiu o<br />
aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> <strong>globalização</strong>, o trimi-<br />
falísmo do discurso neoliberal e o recuo<br />
<strong>da</strong> esquer<strong>da</strong>. Parte <strong>de</strong>la <strong>de</strong>sertou, outros<br />
procuraram a<strong>da</strong>ptar-se aos valores libe-<br />
rais, enquanto o restante ficava extre-<br />
mamente isolado Assim, as elites políti-<br />
co-econômicas burguesas pu<strong>de</strong>ram <strong>de</strong>-<br />
cretar a "morte ao marxismo", o "esgo-<br />
tamento do projeto socialista", a "inutili-<br />
<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s revoluções populares", o "ana-<br />
cronismo <strong>da</strong>s esquer<strong>da</strong>s" e o próprio "fim<br />
<strong>da</strong> História".<br />
O capitalismo neoliberal triunfante<br />
passou do discurso anti-estatista liberta-<br />
dor à redução <strong>de</strong> salários, eliminação <strong>de</strong><br />
postos <strong>de</strong> trabalho e dos direitos sociais<br />
conquistados com imensos sacrifícios ao<br />
longo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> <strong>um</strong> século. Assim as<br />
contradições do capitalismo acirraram-<br />
se, e na falta <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>safio socialista,<br />
sua política e economia tomaram-se ain-<br />
<strong>da</strong> mais arrogantes. Como <strong>de</strong>corrência,<br />
em meados dos anos 90 a situação se<br />
altera. Nos ex-países socialistas as for-<br />
ças <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong> (reforma<strong>da</strong>s) reafir-<br />
mam-se e, às vezes, voltam ao po<strong>de</strong>r com<br />
o apoio do povo tra<strong>um</strong>atizado pelos cus-<br />
tos sociais do ajuste econômico.<br />
Recuperando-se aos poucos <strong>de</strong> sua<br />
perplexi<strong>da</strong><strong>de</strong>, e com apoio <strong>de</strong> bases insa-<br />
parafrear o crescimento do neoliberalismo<br />
Paulo G. Fasun<strong>de</strong>s Vizenlini 1 '<br />
tisfeitas com li<strong>de</strong>ranças acomo<strong>da</strong><strong>da</strong>s na<br />
mídia e transformados em políticos pro-<br />
fissionais, a esquer<strong>da</strong> oci<strong>de</strong>ntal passou<br />
também a rearticular-se. O problema é<br />
que ela ain<strong>da</strong> está fragmenta<strong>da</strong> por lutas<br />
setonais em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> minorias concen-<br />
trando-se em administrações locais re-<br />
cém conquista<strong>da</strong>s e abraçando causas<br />
i<strong>de</strong>ologicamente ambíguas como certas<br />
versões do ecologismo. Enquanto isso,<br />
no 1 0 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1997, as manifestações<br />
<strong>de</strong> massa por emprego sacudiram o mun-<br />
do inteiro. Este protesto, ás vezes expres-<br />
so em revolta, ain<strong>da</strong> não encontrou par-<br />
tidos e li<strong>de</strong>ranças capazes <strong>de</strong> tomá-lo<br />
<strong>um</strong>a força política ofensiva contra <strong>um</strong><br />
neoliberalismojá sem vitali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Mesmo<br />
on<strong>de</strong> houve vitória <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> social<br />
<strong>de</strong>mocrata, como na Itália, Inglaterra e<br />
França, a situação não é diferente.<br />
Além <strong>da</strong> vonta<strong>de</strong> difusa <strong>de</strong> amplos<br />
setores populares <strong>de</strong> lutar contra os cus-<br />
tos sociais do neoliberalismo, existem hoje<br />
outros fatores positivos que precisam ser<br />
observados pelas esquer<strong>da</strong>s. Aglobaliza-<br />
ção e a formação <strong>de</strong> blocos regionais,<br />
ao lado dos fatores negativos amplamen-<br />
te conhecidos, geraram as possíveis ba-<br />
ses para <strong>um</strong>a nova estratégia <strong>da</strong>s esquer-<br />
<strong>da</strong>s. As elites nacionais estão <strong>de</strong>sloca<strong>da</strong>s<br />
frente ao processo <strong>de</strong> <strong>globalização</strong>, <strong>de</strong>i-<br />
xando espaço para a retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong> ques-<br />
tão nacional pelos movimentos progres-<br />
sistas n<strong>um</strong> campo on<strong>de</strong> as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
<strong>de</strong> estabelecer-se novas alianças são<br />
riquíssimas. Além disso, as velhas estru-<br />
turas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r encontram-se significati-<br />
vamente abala<strong>da</strong>s, razão pela qual os<br />
setores dominantes têm buscado a uni-<br />
<strong>da</strong><strong>de</strong> social em tomo <strong>de</strong> valores propa-<br />
gados pela mídia, bem como a reeleição<br />
<strong>de</strong> presi<strong>de</strong>ntes "confiáveis".<br />
Outro elemento importante é que,<br />
paralelamente á retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong> questão<br />
nacional, estabeleceram-se condições<br />
para a construção <strong>de</strong> <strong>um</strong> novo intemacio-<br />
nalismo, o que não é contraditório, pois a<br />
nação <strong>de</strong>ve constituir <strong>um</strong>a base para a<br />
luta contra fatores <strong>de</strong> marginalização e/<br />
ou subordinação contidos na <strong>globalização</strong><br />
existente. Provavelmente pela primeira<br />
vez tenham se criado possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
-se estabelecer as estratégias comuns<br />
entre os sindicatos e partidos <strong>de</strong> esquer-<br />
<strong>da</strong> em âmbito mundial, <strong>de</strong> forma a pas-<br />
sar-se do discurso intemacionalista a <strong>um</strong><br />
intemacionalismo concreto. As ameaças<br />
do capital (intemacional há tempo) que<br />
pesam sobre o trabalho (organizado na-<br />
cionalmente), impulsionam o estabeleci-<br />
mento <strong>de</strong> estratégias comuns. Além dis-<br />
so, o <strong>de</strong>safio representado pelo <strong>de</strong>sen-<br />
volvimento dos asiáticos sobre os oci<strong>de</strong>n-<br />
tais, proporciona <strong>um</strong>a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
sucesso que precisa ser explora<strong>da</strong>.<br />
Concretamente, as esquer<strong>da</strong>s preci-<br />
sam lutar para que a Revolução Tecno-<br />
Cientifíca que impulsiona a <strong>globalização</strong><br />
seja socialmente condiciona<strong>da</strong>. A RTC<br />
e a economia globaliza<strong>da</strong>, pelo nível avan-<br />
çado em termos <strong>de</strong> produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do tra-<br />
balho, criaram condições históricas para<br />
que to<strong>da</strong>s as necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s materiais <strong>da</strong><br />
h<strong>um</strong>ani<strong>da</strong><strong>de</strong> possam ser equaciona<strong>da</strong>s.<br />
E isto <strong>de</strong>ve ser obtido por meio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
ação política, <strong>um</strong>a vez que a idéia <strong>de</strong> que<br />
existe <strong>um</strong>a lógica econômica que, a<br />
priori, implicaria n<strong>um</strong>a marginalização<br />
dos trabalhadores é falsa, porque o<br />
neoliberalismo constitui apenas <strong>um</strong>a for-<br />
ma conservadora <strong>de</strong> regulação do pro-<br />
cesso <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>mização em curso. Ou<br />
seja, esta mo<strong>de</strong>mização po<strong>de</strong> tanto ser-<br />
vir para consoli<strong>da</strong>r a hegemonia dos <strong>de</strong>-<br />
tentores do po<strong>de</strong>r nos quadros <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
Nova Or<strong>de</strong>m Mundial (caso o neolibera-<br />
lismo mantenha-se), como permitir a re-<br />
toma<strong>da</strong> do socialismo, agora <strong>de</strong> <strong>um</strong>a for-<br />
ma mais viável do que a ocorri<strong>da</strong> duran-<br />
te a maior parte do século XX<br />
Hoje, lutar-se pela criação <strong>de</strong> empre-<br />
gos através <strong>da</strong> redução <strong>da</strong> joma<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />
trabalho, e a manutenção dos direitos<br />
sociais existentes e a criação <strong>de</strong> novos,<br />
constitui <strong>um</strong>a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> objetiva para<br />
que a RTC e a <strong>globalização</strong> se realizem<br />
como mo<strong>de</strong>mi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Isto porque o neoli-<br />
beralismo consiste n<strong>um</strong>a opção equivo-<br />
ca<strong>da</strong> mesmo pela ótica do capitalismo,<br />
além <strong>de</strong> historicamente suici<strong>da</strong>, e po<strong>de</strong><br />
Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"
Quinzena N 0 259 - 31/10/97 26 Nacional<br />
conduzir a h<strong>um</strong>ani<strong>da</strong><strong>de</strong> pelo canunho <strong>da</strong><br />
violência incontrolavel e <strong>da</strong> regressão. Os<br />
recursos gastos com a geração <strong>de</strong> em-<br />
pregos, a criação <strong>de</strong> direitos sociais e a<br />
redução <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho, certamen-<br />
te diminuinam o montante <strong>de</strong>stinado aos<br />
investimentos econômicos. Mas isto pro-<br />
duziria <strong>um</strong>a dupla vantagem: cnaria mer-<br />
cados domésticos estáveis, garantindo a<br />
<strong>de</strong>man<strong>da</strong> <strong>da</strong>s empresas e terminando com<br />
a concorrência intemacionai <strong>de</strong>senfrea-<br />
<strong>da</strong>, e reduzina <strong>um</strong> pouco o ntmo <strong>de</strong> mo-<br />
<strong>de</strong>rnização tecnológica, permitindo que a<br />
socie<strong>da</strong><strong>de</strong> tenha o tempo necessário para<br />
cnar estruturas compatíveis e a<strong>da</strong>ptar-se.<br />
Enfim, a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> internacional atin-<br />
giu tal dinamismo sob a <strong>globalização</strong>, que<br />
existem imensas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s para as<br />
esquer<strong>da</strong>s Não apenas a produção<br />
transnacionalizou-se, mas também os<br />
antagonismos sociais politicos<br />
Passamos <strong>da</strong> guerra <strong>de</strong> posições para<br />
a <strong>de</strong> movimento Se as esquer<strong>da</strong>s não<br />
tiraram proveito <strong>de</strong>sta situação, isto<br />
<strong>de</strong>ve-se mais a falta <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estratégia<br />
do que a força <strong>de</strong> seus adversários E<br />
Jornal do DIAP - Setembro/97 - N 0 130<br />
As omissões <strong>de</strong>mocráticas<br />
Em termos <strong>de</strong> aperfeiçoamento do<br />
processo <strong>de</strong>mocrático, o Brasil pa-<br />
tina hoje na lama dos casuismos e dos<br />
micos, expressão popular usa<strong>da</strong> para <strong>de</strong>-<br />
finir situações <strong>de</strong> <strong>de</strong>svantagem social ou<br />
pessoal O pais esta pagando os micos <strong>de</strong><br />
maus politicos, antigos e mo<strong>de</strong>rnos, que<br />
tratam muito <strong>de</strong> si mesmos e pouco dos<br />
brasileiros, aten<strong>da</strong>ido mais aos interesses<br />
do governo do que dos governados<br />
O mico maior foi a aprovação <strong>da</strong> emai-<br />
<strong>da</strong> constitucional <strong>da</strong>s reeleições Dela se<br />
beneficiaram o presi<strong>de</strong>nte Fernando<br />
Hennque e os governadores, eleitos sob a<br />
regra que proibia reeleições. A emen<strong>da</strong><br />
violou o espinto <strong>da</strong> Constituição, ao favo-<br />
recer os <strong>de</strong>taitores do po<strong>de</strong>r, e não. como<br />
sena lógico, futuros governantes<br />
Con<strong>de</strong>nou-se a novi<strong>da</strong><strong>de</strong> porque se<br />
temia que ela estimulasse a corrupção<br />
Pensava-se no futuro, mas se viu. como<br />
o caso <strong>da</strong> compra <strong>de</strong> votos pro-reelei-<br />
ções. ja no Congresso, que a corrupção<br />
já estava presente no próprio Legislativo.<br />
Alem disso, a emen<strong>da</strong> passou <strong>de</strong>vido<br />
a pressão dos que sonhavam em reele-<br />
ger-se Igualamos, pois, o Peru e a Ar-<br />
gentina Deixamos <strong>de</strong> estar a altura do<br />
pais que <strong>de</strong>pusera, <strong>de</strong>mocraticamente,<br />
pouco antes, <strong>um</strong> presi<strong>de</strong>nte julgado cor-<br />
aipto A melhor lição contra o casuismo<br />
reeleitoral veio <strong>da</strong>s Filipinas O presi<strong>de</strong>nte<br />
Fi<strong>de</strong>l Ramos, eleito em Q2, queria reele-<br />
ger-se. Ele empossou-se em junho e re-<br />
tomou dos EUA, em no<strong>vem</strong>bro, a base<br />
<strong>de</strong> Sibuc Bay, avalia<strong>da</strong> em US$ 8 bilhões<br />
E acertou com o FM! o pagamento <strong>da</strong><br />
dívi<strong>da</strong> externa do pais, usando só 20%<br />
Kuhcm Aicvedn /.mia*<br />
do valor <strong>de</strong> suas exportações anuais Fi-<br />
<strong>de</strong>l achava-se popular Os fihpmos pro-<br />
testaram, como so brasileiros contra<br />
Collor, e rejeitaram a reeleição Agora,<br />
para eleger-se <strong>de</strong> novo. sem casuísmo,<br />
ele <strong>de</strong>vera esperar ate 2004<br />
Outro mico brasilarofoi a rejeição, pdo<br />
Congresso, do financiamaito publico <strong>da</strong>s<br />
eleições Manteve-se o velho sistema <strong>de</strong><br />
doações <strong>da</strong>s empresas pnva<strong>da</strong>s a partidos<br />
e candi<strong>da</strong>tos, propicio a corrupção Nos<br />
ELA. o presi<strong>da</strong>ite reeleito Bill Clmton foi<br />
intimado, pela procuradora-geral. Janet<br />
Raio. a explicar as doações <strong>de</strong> empresas<br />
estrangeiras e ate <strong>de</strong> mafiosos ou obti<strong>da</strong>s<br />
com o uso <strong>da</strong> maquina estatal<br />
O ex-ministro Jarbas Passarinho con-<br />
tou que. quando senador, apoiara pro|eto<br />
do então colega FHC. a favor do custeio<br />
publico dos pleitos A matéria foi rejeita-<br />
<strong>da</strong> por <strong>um</strong> voto apenas Hoje. presi<strong>de</strong>n-<br />
te. FHC opõe-se a esse tipo <strong>de</strong> financia-<br />
mento, alegando que po<strong>de</strong> gerar "farras<br />
eleitorais com recursos públicos" Mas<br />
tais recursos não fazem a farra <strong>da</strong>s<br />
privatizações e dos acordos escusos en-<br />
PIZCM aue<br />
viv/eMos> NUM<br />
e-—<br />
enquanto ela não ocupa o seu espaço,<br />
setores que po<strong>de</strong>riam integrar-se a sua<br />
base social voltam-se para a religião,<br />
separatismo regional, conflitos étnicos,<br />
populismo ou individualismos Por isto<br />
hoje, com a conjuntura favorável n ação<br />
<strong>da</strong>s esquer<strong>da</strong>s, e preciso que elas consi-<br />
gam <strong>um</strong>a estratégia que recupere sua<br />
i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e encontrem formas <strong>de</strong><br />
mobilização social Com urgência "l<br />
* Professor e pesquisador <strong>de</strong> História Con-<br />
temporânea <strong>da</strong> UFRGS<br />
tre empresas priva<strong>da</strong>s e estatais' Das<br />
aju<strong>da</strong>s a bancos falidos e aos comprado-<br />
res estrangeiros <strong>de</strong> bancos' Segundo<br />
Passarinho, as verbas publicas po<strong>de</strong>riam<br />
não limpar totalmaite os pleitos, mas eles<br />
ficariam menos sujos<br />
Não temos a senhora Reno. mas uni<br />
Congresso com "cara <strong>de</strong> amem", como<br />
Lichtenberg. no século XVIII, dizia que<br />
eram os subservientes Lm Congresso<br />
que se afasta do povo e ce<strong>de</strong> as pres-<br />
sões ilegítimas do Executivo Oue <strong>da</strong><br />
golpes parlamentares, proíbe CPTs <strong>de</strong>s-<br />
respeita direitos adquiridos, a igual<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
entre brasileiros e legisla para o conti-<br />
nuismo do governo Tais violências são<br />
arranjos <strong>de</strong> elites Os nomes dos con-<br />
gressistas que as promo<strong>vem</strong> <strong>de</strong><strong>vem</strong> fi-<br />
car para sempre nos anais do Congres-<br />
so, como símbolos <strong>de</strong> quanto <strong>um</strong>a <strong>de</strong>mo-<br />
cracia po<strong>de</strong> ser socialmente anti<strong>de</strong>mo-<br />
crática, pela carência <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratas ou<br />
por omissão <strong>de</strong>les "1<br />
^Articulista. Transcrito do Correio<br />
BrazJliense <strong>de</strong> 29.09.97<br />
Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"
Quinzena N 0 259 - 31/10/97 27 Internacional<br />
Curtas<br />
Guatemala: Marcha contra<br />
as privatizações<br />
Em Guatemala se comemoram os 53<br />
anos <strong>da</strong> Revolução <strong>de</strong> Outubro com <strong>um</strong>a<br />
gran<strong>de</strong> marcha contra as privatizações.<br />
Não faltaram os enfrentamentos, porém<br />
não com o governo e sim com os ex-<br />
dingentes rebel<strong>de</strong>s.<br />
Na segun<strong>da</strong>-feira passa<strong>da</strong>, milhares<br />
<strong>de</strong> estu<strong>da</strong>ntes, sindicalistas e organiza-<br />
ções populares, marcharam para a mai-<br />
or praça <strong>da</strong> capital, para celebrar o ani-<br />
versário <strong>da</strong> Revolução <strong>de</strong> Outubro.<br />
A revolução nacionalista <strong>de</strong> 1944 foi<br />
encabeça<strong>da</strong> por Juan José Arevalo que<br />
estabeleceu a Reforma Agrária, a auto-<br />
nomia dos municipios e <strong>da</strong> universi<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
a educação gratuita e o seguro social.<br />
53 anos mais tar<strong>de</strong>, o governo <strong>de</strong> Ál-<br />
varo Arzu anuncia a ven<strong>da</strong> <strong>da</strong>s empre-<br />
sas <strong>de</strong> telecomunicações, ferrovias, por-<br />
tos e aeroportos e <strong>da</strong> educação. As me-<br />
di<strong>da</strong>s tem sido fortemente rechaça<strong>da</strong>s<br />
pela população.<br />
Alguns coman<strong>da</strong>ntes <strong>da</strong> União Re-<br />
volucionária Nacional Guatemalteca, se<br />
dirigiram com seus discursos aos mani-<br />
festantes, porém foram rechaçados pela<br />
multidão, acusam-no <strong>de</strong> politizar a cele-<br />
bração e terem-se vendido.<br />
Muitos setores indígenas e campone-<br />
ses se sentem abandonados pela ex-guer-<br />
rilha. Na Guatemala continuam as viola-<br />
ções aos Direitos H<strong>um</strong>anos e não se c<strong>um</strong>-<br />
prem os acordos <strong>de</strong> paz, aiquanto a guer-<br />
rilha toma distância <strong>de</strong>stes problemas.<br />
Agência Informativa Pulsar<br />
♦ ♦ ♦<br />
Itália: forças <strong>de</strong> "paz"<br />
A comissão especial que investiga a<br />
conduta dos sol<strong>da</strong>dos italianos <strong>da</strong>s for-<br />
ças <strong>de</strong> paz <strong>da</strong> ONU na Somália, em 1993,<br />
concluiu, no inicio <strong>de</strong> agosto, que "houve<br />
casos <strong>de</strong> torturas <strong>de</strong> civis somalis em<br />
várias ocasiões".<br />
A comissão limitou a responsabili<strong>da</strong>-<br />
<strong>de</strong> pelos episódios "á tropa, com tolerân-<br />
cia ocasionai <strong>de</strong> suboficiais". As <strong>de</strong>nún-<br />
cias, feitas pela imprensa italiana, incluí-<br />
ram fotos <strong>de</strong> <strong>um</strong> estupro coletivo.<br />
O ESTADO DE S PAULO<br />
Doc<strong>um</strong>ento - CSC-Corrente Sindical Classista - Agosto/97<br />
Resoluções sobre o programa mínimo<br />
<strong>de</strong> ações dos trabalhadores frente a<br />
<strong>globalização</strong> neoliberal<br />
O Encontro Internacional dos Trabalhadores frente a Globalização<br />
Neoliberal, reunidos em Havana, Cuba; <strong>de</strong> 6 a 8 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1997,<br />
com a participação <strong>de</strong> dirigentes <strong>de</strong> 453 Organizações Sindicais,<br />
bem como representantes <strong>de</strong> Organizações Políticas, Sociais, Inte-<br />
lectuais e Acadêmicas <strong>de</strong> 63 países.<br />
Convencidos <strong>de</strong> que a <strong>globalização</strong><br />
neoliberal é <strong>um</strong>a nova fase do capitalismo,<br />
exprimi<strong>da</strong> pela concentração econômica dos<br />
grupos transnacionais, os que na busca <strong>de</strong><br />
competitivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e rentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> financeira,<br />
tentam reduzir através <strong>de</strong> inúmeras vias o<br />
custo do trabalho.<br />
Esta estratégia sustenta<strong>da</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os es-<br />
tados mais po<strong>de</strong>rosos e as instituições inter-<br />
nacionais como sendo o FMI, o Banco Mun-<br />
dial do Comércio, tem no crescimento con-<br />
centrado <strong>da</strong> economia o coração d<strong>um</strong>a estra-<br />
tégia <strong>de</strong> dominação que tem <strong>um</strong> preço social<br />
tanto no Norte quanto ao Sul, produzindo<br />
<strong>um</strong> efeito mais grave nas situações <strong>de</strong> <strong>de</strong>si-<br />
gual<strong>da</strong><strong>de</strong> e exclusão nos países mais pobres.<br />
Constatando que a concentração e<br />
<strong>globalização</strong> do capital é a causa principal<br />
do agravamento do <strong>de</strong>semprego, a pobreza,<br />
a marginalização e a <strong>de</strong>sintegração social<br />
no mundo, e <strong>de</strong> maneira mais acentua<strong>da</strong> nos<br />
países sub<strong>de</strong>senvolvidos, e que inclusive,<br />
impe<strong>de</strong> que as acelera<strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças<br />
tecnológicas possam promover o maior bem-<br />
estar <strong>da</strong>s maiorias populares dos países mais<br />
avançados, e o <strong>de</strong>senvolvimento dos povos<br />
pobres.<br />
Conscientes <strong>de</strong> que todos os homens e<br />
mulheres são por natureza igualmente livres<br />
e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, e possuem <strong>de</strong>terminados<br />
direitos inatos; que os governos são institu-<br />
tos para com<strong>um</strong> proveito, proteção e segu-<br />
rança para os povos, as nações e a popula-<br />
ção mundiah que nenh<strong>um</strong> homem ou grupo<br />
<strong>de</strong> homens tem direito <strong>de</strong> receber <strong>da</strong> socie-<br />
<strong>da</strong><strong>de</strong> global privilégios exclusivos ou espe-<br />
ciais; que todo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>mocrático é inerente<br />
às maiorias, e em conseqüência proce<strong>de</strong> <strong>de</strong>-<br />
las, que a <strong>de</strong>mocracia que foi sonha<strong>da</strong> por<br />
povos e heróis em todo mundo, através <strong>de</strong><br />
lutas libertadoras e populares, é a <strong>de</strong>mocra-<br />
cia <strong>da</strong> participação <strong>de</strong>cisiva do povo e <strong>da</strong><br />
justiça social; do qual <strong>de</strong>claramo-nos her<strong>de</strong>i-<br />
ros e aban<strong>de</strong>irados com orgulho, é ameaça-<br />
do <strong>de</strong> morte pelo neolíberalismo, que funcio-<br />
na limitando todos espaço <strong>de</strong> participação<br />
popular e transparência.<br />
Constatando que as mu<strong>da</strong>nças intro-<br />
duzi<strong>da</strong>s no sistema capitalista, em momen-<br />
tos em que a <strong>globalização</strong> é acelera<strong>da</strong>, acom-<br />
panha<strong>da</strong> e impulsiona<strong>da</strong> pela doutrina<br />
neoliberal, têm significado entre outras coi-<br />
sas, o fato <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vintena <strong>de</strong> países <strong>de</strong>sen-<br />
volvidos, com apenas a quarta parte <strong>da</strong> po-<br />
pulação do planeta, concentrem aproxima<strong>da</strong>-<br />
mente as três quartas partes <strong>da</strong>s receitas<br />
mundiais, dos fluxos totais <strong>de</strong> comércio e dos<br />
empréstimos, e até do cons<strong>um</strong>o <strong>de</strong> matérias-<br />
primas e recursos naturais; ou ain<strong>da</strong> o que<br />
resulta mais <strong>de</strong>sproporcionado e injusto,<br />
observar que apenas os sete países mais ri-<br />
cos do mundo, o chamado G-7, concentra as<br />
duas terceiras partes do produto bruto e <strong>da</strong><br />
receita mundial.<br />
Consi<strong>de</strong>rando que a <strong>globalização</strong><br />
neoliberal tem alargado a aplicação <strong>de</strong> drás-<br />
ticos programas <strong>de</strong> ajustes estruturais, que<br />
implicam a indiscrimina<strong>da</strong> <strong>de</strong>sproteção e<br />
<strong>de</strong>sregulametação dos mercados <strong>de</strong> trabalho,<br />
comerciais e financeiros, a reestruturação dos<br />
estados nacionais visando subordinar o que<br />
é público ao interesse privado e, nomea<strong>da</strong>-<br />
mente, o públíco-nacional ao privado-<br />
transnacional; e que estas circunstâncias<br />
submeteram a não poucos países, e têm ex-<br />
posto a <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>les ao con-<br />
ceito <strong>de</strong> soberania limita<strong>da</strong>, e ã explicação,<br />
ca<strong>da</strong> vez mais freqüente, <strong>de</strong> mecanismos<br />
supranacionais <strong>de</strong> índole coercitiva e<br />
extraterritorial.<br />
Valorizando <strong>de</strong>s<strong>um</strong>ano custo social que<br />
acarreta a aplicação do mo<strong>de</strong>lo neoliberal que<br />
está <strong>de</strong>pauperando países e zonas geográfi-<br />
cas completas, afastando o homem do seu<br />
meio <strong>de</strong> produção fun<strong>da</strong>mental, a terem ao<br />
mesmo tempo que torna instável o trabalho,<br />
incrementa o <strong>de</strong>semprego, o contrato a tem-<br />
po parcial e o subempregos intensifica e au-<br />
menta as jorna<strong>da</strong>s <strong>de</strong> trabalho, a<strong>um</strong>enta a ex-<br />
ploração do trabalho infantil, reforça a <strong>de</strong>si-<br />
gual<strong>da</strong><strong>de</strong> e a discriminação <strong>da</strong> mulher, dimi-<br />
nui o salário real, <strong>de</strong>teriora as aposentadori-<br />
as e as prestações sociais, reduz o acesso e<br />
altera a finali<strong>da</strong><strong>de</strong> para a qual foram criados<br />
"Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"
Quinzena N 0 259 - 31/10/97<br />
os serviços públicos, re<strong>de</strong>fine substancial-<br />
mente, afinal, a relação capital-trabalho em<br />
prol do capital, atacando inclusive a saú<strong>de</strong><br />
dos trabalhadores.<br />
Confirmando a aplicação <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo<br />
levou, nos últimos anos, para <strong>um</strong> insuficien-<br />
te, instável e concentrador crescimento eco-<br />
nômico que privilegia o setor financeiro, e<br />
não consegue ultrapassar a crise sócio-eco-<br />
nômica. Isto manifesta-se fun<strong>da</strong>mentalmen-<br />
te no a<strong>um</strong>ento acelerado do <strong>de</strong>semprego, que<br />
para além <strong>de</strong> ter atingido níveis insustentá-<br />
veis nos paísfes sub<strong>de</strong>senvolvidos, afeta <strong>de</strong><br />
forma alarmante os países <strong>de</strong>senvolvidos.<br />
Observando que o movimento sindical<br />
está sendo particularmente golpeado, em<br />
número e força, pelo contexto econômico e<br />
sócio-político imperante, como espelho <strong>da</strong><br />
fragmentação e estratificação <strong>da</strong> classe tra-<br />
balhadora, e a mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> correlação <strong>de</strong><br />
forças operado nos últimos anos, com o <strong>de</strong>-<br />
saparecimento <strong>da</strong> URSS e do socialismo na<br />
Europa central e oriental. Da mesma forma,<br />
as empresas transacionais para a<strong>um</strong>entarem<br />
seu nivel <strong>de</strong> lucros, precisam arrasar o movi-<br />
mento sindical, reduzir o salário dos traba-<br />
lhadores, restringir o direito <strong>de</strong>les a se orga-<br />
nizarem, e a negociarem os convênios coleti-<br />
vos <strong>de</strong> trabalho, e que visando possibilitar<br />
<strong>um</strong> a<strong>um</strong>ento <strong>da</strong> exploração precisam <strong>de</strong> en-<br />
fraquecer ou eliminar as regulações sobre<br />
condições <strong>de</strong> trabalho, sociais e ambientais<br />
e, portanto enfraquecer ou eliminar o contro-<br />
le <strong>de</strong>mocrático do estado.<br />
Defen<strong>de</strong>ndo a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> e ação com<strong>um</strong> para<br />
acelerar a entra<strong>da</strong> em funcionamento <strong>de</strong> pro-<br />
jetos alternativos que enfrentem a globa-<br />
lização neoliberal, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>um</strong>a posição com-<br />
prometi<strong>da</strong> com os interesses dos povos<br />
e seus trabalhadores, com luta pelos direitos<br />
h<strong>um</strong>anos e sindicais, a justiça, a equi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
social, a <strong>de</strong>mocracia participativa e genuina-<br />
mente representativa, a paz e o <strong>de</strong>senvolvi-<br />
mento em escala mundial.<br />
Convocamos o movimento sindical <strong>de</strong> to-<br />
dos os países, os intelectuais, os campone-<br />
ses, as mulheres, os aposentados e pensio-<br />
nistas, os incapacitados e pessoas <strong>da</strong> terceira<br />
i<strong>da</strong><strong>de</strong>, a juventu<strong>de</strong> e em particular, os estu-<br />
<strong>da</strong>ntes, o empresariado ameaçado pela cres-<br />
cente transnacionalização e supercon-<br />
centração do capital, os movimentos religio-<br />
sos ligados aos seus povos, e preocupados<br />
pela pobreza e a <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>ção moral que gera<br />
a submissão mais absoluta às leis do merca-<br />
do e ao capitalismo selvagem, os ecologis-<br />
tas, as organizações comunitárias, os novos<br />
atores sociais que também são vítimas <strong>da</strong> ex-<br />
ploração, e <strong>de</strong>sesperança, e a frustração en-<br />
gendra<strong>da</strong> por <strong>um</strong>a doutrina cuja a filosofia<br />
se res<strong>um</strong>e em que "o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente ético<br />
é fazer bons negócios".<br />
28<br />
Perante esta reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, resulta imperioso<br />
que tracemos <strong>um</strong> programa mínimo que pos-<br />
sa enfrentar as conseqüências e as causas<br />
<strong>da</strong> <strong>globalização</strong> neoliberal passando do di-<br />
agnóstico à ação, <strong>da</strong> existência dispersa à<br />
ofensiva organiza<strong>da</strong> e unifica<strong>da</strong>, pelo que<br />
propomos;<br />
1 - Dar continui<strong>da</strong><strong>de</strong> a este diálogo aber-<br />
to e plural, em que terão espaço todos os<br />
trabalhadores e movimentos sociais que se<br />
opunham à mundialização e <strong>um</strong>a doutrina<br />
<strong>de</strong>s<strong>um</strong>anizante, exclu<strong>de</strong>nte, e perigosamen-<br />
te atentatória contra a natureza e as bases <strong>da</strong><br />
convivência internacional.<br />
2 - Deman<strong>da</strong>r a celebração, antes <strong>de</strong> fin-<br />
<strong>da</strong>r, o presente século, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Reunião <strong>de</strong><br />
Cúpula sobre o emprego, o salário e as con-<br />
dições <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> dos trabalhadores, tanto nas<br />
formais quanto nas informais, <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e do<br />
campo, sob o auspício <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s, e<br />
com ampla participação <strong>da</strong>s organizações<br />
sindicais <strong>de</strong> todo o mundo, antecedi<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />
ampla campanha <strong>de</strong> preparação e participa-<br />
ção dos trabalhadores.<br />
3 - Continuar realizando reuniões periódi-<br />
cas, encontros continentais e regionais, assim<br />
como foros nacionais, para fomentar a coor-<br />
<strong>de</strong>nação e as ações <strong>de</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong>, que po-<br />
<strong>de</strong>rão incluir a criação <strong>de</strong> fundos nos países<br />
para apoiar e aju<strong>da</strong>r os trabalhadores em gre-<br />
ves e outras manifestações <strong>de</strong> resistência<br />
frente a privatização, o <strong>de</strong>semprego e <strong>de</strong>mais<br />
ataques contra a classe trabalhadora, a troca<br />
<strong>de</strong> idéias e alternativas para enfrentar a<br />
<strong>globalização</strong> neoliberal e seus fun<strong>da</strong>mentos<br />
políticos, econômicos e sociais.<br />
4 - Criar mecanismos para a troca <strong>de</strong> in-<br />
formação mais atualiza<strong>da</strong> e verídica entre to-<br />
<strong>da</strong>s as organizações sindicais sociais, cen-<br />
tros <strong>de</strong> formação já existentes e instituições<br />
acadêmicas.<br />
5 - Procurar fórmulas que integrem ca<strong>da</strong><br />
vez mais interesses, métodos <strong>de</strong> luta e for-<br />
mas organizativas dos trabalhadores <strong>de</strong>sem-<br />
pregados, e aqueles do setor informal, bem<br />
como reformados e pensionistas, com as or-<br />
ganizações sindicais e seus filiados.<br />
6 - Denunciar, por to<strong>da</strong>s as vias possí-<br />
veis, a <strong>de</strong>s<strong>um</strong>ana e brutal exploração do tra-<br />
balho e pornografia infantil, a prostituição<br />
<strong>de</strong> crianças, o comércio <strong>de</strong> infantil, ou a utili-<br />
zação <strong>de</strong> seus órgãos vitais, e to<strong>da</strong>s as mani-<br />
festações <strong>de</strong> <strong>de</strong>sproteção e abusos contra a<br />
infância, em primeiro lugar, a enorme nega-<br />
ção do acesso ao ensino e à atenção médica.<br />
7 - Lutar pelos plenos direitos <strong>da</strong> mulher<br />
trabalhadora, contra o abuso sexual no local<br />
<strong>de</strong> trabalho; pelo seu direito à materni<strong>da</strong><strong>de</strong>;<br />
pelo acesso ao emprego e à salários em igual-<br />
<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> condições; contra a discriminação<br />
exerci<strong>da</strong> sobre as mulheres <strong>de</strong> maior i<strong>da</strong><strong>de</strong>, e<br />
a exploração do trabalho <strong>da</strong>s adolescentes.<br />
Internacional<br />
8 - Fazer valer realmente os direitos que<br />
os trabalhadores arrancaram do capital ao<br />
longo <strong>de</strong> muitos anos <strong>de</strong> ferozes lutas, re-<br />
conhecidos pelas organizações internacio-<br />
nais e outros direitos estabelecidos pelas<br />
leis e a tradição <strong>da</strong>s nações, que hoje não<br />
obstante, são violados, <strong>de</strong>sconhecidos ou<br />
ignorados <strong>de</strong>vido á flexibilização e<br />
<strong>de</strong>sregulamentação do mercado <strong>de</strong> trabalho,<br />
contando muitas vezes com a c<strong>um</strong>plici<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
do sistema judicial. Denunciar e enfrentar<br />
<strong>de</strong>cidi<strong>da</strong>mente as perseguições, prisões,<br />
torturas e assassinatos <strong>de</strong> que são vítimas<br />
os sindicalistas em muitos países, exigindo<br />
sua <strong>de</strong>vi<strong>da</strong> segurança.<br />
9 - Defen<strong>de</strong>r os princípios <strong>da</strong> auto<strong>de</strong>ter-<br />
minação, a in<strong>de</strong>pendência e a soberania <strong>da</strong>s<br />
nações, o direito dos povos a seu próprio<br />
regime legal e a proteger sua i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> cul-<br />
tural contra imposições externas. Razão pela<br />
qual se faz imperioso <strong>de</strong>nunciar o colonia-<br />
lismo como instr<strong>um</strong>ento do capital que <strong>de</strong>ve<br />
ser combatido e eliminado. Particularmente<br />
apoiar a resistência e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s<br />
comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s indígenas mais agredi<strong>da</strong>s hoje<br />
pela ação <strong>da</strong>s empresas transnacionais e seus<br />
aliados nacionais.<br />
10 - Reclamar a <strong>de</strong>mocratização do siste-<br />
ma <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s e, particularmente, <strong>de</strong><br />
seu Conselho <strong>de</strong> Segurança, órgão que <strong>de</strong>ve<br />
alargar a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> seus membros, in-<br />
cluindo países em <strong>de</strong>senvolvimento que atu-<br />
em como membros permanentes, além <strong>de</strong> eli-<br />
minar o privilégio anti<strong>de</strong>mocrático do veto,<br />
que agora ostentam apenas cinco países e,<br />
subordinar-se á Assembléia Geral integra<strong>da</strong><br />
por 158 países. Nos marcos <strong>de</strong>sta reclama-<br />
ção reforçar a sua ação instítu-cional a favor<br />
do <strong>de</strong>senvolvimento social e ao mesmo tem-<br />
po fortalecer e <strong>de</strong>mocratizar o papel e os mei-<br />
os dos organismos vinculados á ação sindi-<br />
cal e social.<br />
11 - Rejeitar a prática <strong>da</strong>s privatiza-ções<br />
que entregam o patrimônio nacional as<br />
transnacionais, fomentam o <strong>de</strong>semprego e o<br />
subemprego e sacralizam os critérios <strong>de</strong><br />
competitivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e rentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> máxima, ain-<br />
<strong>da</strong> para as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> puro interesse soci-<br />
al, como os serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, o ensino a<br />
previdência social e outros.<br />
12 - Propugnar, perante o avanço inusi-<br />
tado <strong>da</strong>s privatizações neoliberaís, a neces-<br />
si<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> fortalecer o papel do Estado parti-<br />
cularmente países <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, na ativi<strong>da</strong>-<br />
<strong>de</strong> econômica, responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> intrínseca e<br />
essencial perante todos os processos que<br />
afetam a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> dos povos. En-<br />
ten<strong>de</strong>mos que para o fortalecimento dos es-<br />
tados nacionais perante o crescente auge<br />
privatizador e <strong>de</strong>snacionalizador, resulta in-<br />
dispensável a luta por <strong>um</strong>a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira parti-<br />
cipação dos trabalhadores e sindicatos, bem<br />
"Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"
Quinzena N 0 259-31/10/97 30 Internacional<br />
te Encontro manifestamos nosso apoio e so-<br />
li<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> ao XIV Festival <strong>da</strong> Juventu<strong>de</strong> e<br />
dos estu<strong>da</strong>ntes, recentemente realizado em<br />
Cuba, com mais <strong>de</strong> 12.000 representantes <strong>de</strong><br />
131 paises.<br />
Por outro lado, este Encontro con<strong>de</strong>na,<br />
como proposto por <strong>um</strong> elevado número <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>legados o governo americano pelo crimi-<br />
Sem Fronteiras - N 0 254<br />
noso bloqueio e pela guerra econômica, po-<br />
lítica e diplomática praticado contra o herói-<br />
co povo cubano, chamamos to<strong>da</strong>s as forças<br />
progressistas do mundo a manifestar <strong>de</strong> to-<br />
<strong>da</strong>s as formas possiveis sua soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> a<br />
Cuba e opor-se ao propósito imperialista <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>struir o exemplo <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência e injus-<br />
tiça social que Cuba representa. G<br />
Dívi<strong>da</strong> externa cresce sem parar<br />
A dívi<strong>da</strong> externa <strong>da</strong> América Latina e o Caribe a<strong>um</strong>entou<br />
quase 900% nos últimos 21 anos<br />
Lima (Motícías Alia<strong>da</strong>s)<br />
Entre 1975 e 1996, a dívi<strong>da</strong> externa<br />
<strong>da</strong> América Latina e o Caribe a<strong>um</strong>entou<br />
quase nove vezes, passando <strong>de</strong> 69,09 bi-<br />
lhões para 603,43 bilhões, sagundo <strong>da</strong>-<br />
dos divulgados pelo Sistema Econômico<br />
Latino-Amencano (Sela), com se<strong>de</strong> em<br />
Caracas, durante <strong>um</strong> seminário realiza-<br />
do em julho, com o tema: "A dívi<strong>da</strong> ex-<br />
terna e o fim do milênio"<br />
Os países mais endivi<strong>da</strong>dos são o<br />
Brasil, México, Argentina, Venezuela e<br />
Peru {veja quadro), que ac<strong>um</strong>ulam cer-<br />
ca <strong>de</strong> 80% do total <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> externa la-<br />
tino-americana.<br />
Em matéria <strong>de</strong> juros, vinte países <strong>da</strong><br />
região, apenas em cinco anos (1990-94),<br />
pagaram na<strong>da</strong> menos que 174,60 bilhões<br />
<strong>de</strong> dólares - e nem por isso a dívi<strong>da</strong> pa-<br />
rou <strong>de</strong> crescer.<br />
"Sabemos que esta dívi<strong>da</strong> já foi paga<br />
duas ou três vezes", disse o presi<strong>de</strong>nte<br />
<strong>da</strong> Conferência Episcopal <strong>da</strong> Venezuela<br />
e arcebispo <strong>de</strong> Barquisimeto, Túlio Ma-<br />
nuel Chinvelia.<br />
A dívi<strong>da</strong> externa é <strong>um</strong> dos temas a<br />
! América Latina e Caribe<br />
l Brasil<br />
I México<br />
| Argentina<br />
Venezuela<br />
Peru<br />
ser tratado durante o Sínodo <strong>de</strong> Bispos<br />
para a América, em Roma, entre 16 <strong>de</strong><br />
no<strong>vem</strong>bro e 12 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro.<br />
Uma <strong>da</strong>s finali<strong>da</strong><strong>de</strong>s do evaito é "il<strong>um</strong>i-<br />
nar os problemas <strong>da</strong> justiça e as relações<br />
econômicas internacionais", como lembra<br />
Chinvelia, que é <strong>um</strong> dos organizadores<br />
"A dívi<strong>da</strong> externa éimpagável", escre-<br />
veu o presi<strong>de</strong>nte cubano Fi<strong>de</strong>l Castro,<br />
n<strong>um</strong>a carta envia<strong>da</strong> aos participantes do<br />
seminário em Caracas. "Ela contínua<br />
crescendo, nesse infame círculo vicio-<br />
so em que os per<strong>de</strong>dores são os povos".<br />
A dívi<strong>da</strong> externa <strong>de</strong>ve ser encara<strong>da</strong><br />
"sob a perspectiva do sofrimento dos po-<br />
vos afetados, em especial as pessoas mais<br />
pobres e <strong>de</strong>sprotegi<strong>da</strong>s", manifestou o pre-<br />
si<strong>de</strong>nte do Conselho Latino-Americano <strong>de</strong><br />
Igrejas (Ciai), o brasileiro Walter Altmann,<br />
igualmente n<strong>um</strong>a carta<br />
Altmann apoiou a proposta <strong>de</strong> que<br />
2000 seja <strong>de</strong>clarado o ano do perdão <strong>da</strong><br />
divi<strong>da</strong> externa. Segundo ele, <strong>um</strong>a "lógica<br />
do absurdo" está embutido na questão <strong>da</strong><br />
dívi<strong>da</strong>, porque "quanto mais se paga,<br />
mais se <strong>de</strong>ve" "1<br />
mais endivi<strong>da</strong>dos . (Embilhões <strong>de</strong> dólares)<br />
1975<br />
69.09<br />
20,09<br />
17.01<br />
5.76<br />
3,90<br />
3.92<br />
1985<br />
379.24<br />
105.12<br />
97.80<br />
49.32<br />
31.23<br />
13.72<br />
1996<br />
603.43<br />
175.00<br />
160.00<br />
96.00<br />
36.23<br />
28.50<br />
Divi<strong>da</strong> dos mais pobres (Emmilhões <strong>de</strong> dólares)<br />
Nicarágua 493 4,936* 6,100<br />
Bolívia 784 3,294 4,740<br />
República Dominicana 398 3,720 3,950<br />
Guatemala 277 2,536 2,050**<br />
Paraguai 207 1,772 1,310<br />
Haiti 66 600 915**<br />
! * Explicaçio também váli<strong>da</strong> p»ra os outros casos; significa que a dívi<strong>da</strong> exiema <strong>da</strong> Nicarágua passou <strong>de</strong> 493<br />
milhões, em 1975. para 4 bilhôeac 936 milhões, rm 1985. e paraóbilhÔcse lOOrmlhões.em 1996.<br />
! •* Apenas a dívi<strong>da</strong> pública.<br />
Sem Fronteiras - N 0 254<br />
Quem é quem no<br />
paraíso <strong>da</strong><br />
corrupção<br />
Costa Rica e Chile são os menos<br />
corruptos na América Latina; Brasil<br />
ocupa o 36° lugar.<br />
Pelo terceiro ano consecutivo, a orga-<br />
nização não go<strong>vem</strong>amaital alemã Trans-<br />
paràicia Internacional divulgou o índice<br />
<strong>da</strong> corrupção no mundo, com base em<br />
pesquisas realiza<strong>da</strong>s junto a empresários,<br />
analistas políticos epúblico em geral.<br />
O relatôno atribuí notas que vão <strong>de</strong> zero<br />
(maior índice <strong>de</strong> cormpção) a <strong>de</strong>z (maior<br />
índice). N<strong>um</strong>a lista <strong>de</strong> 52 países, a Nigéria<br />
ocupa o último lugar, como o país <strong>de</strong> maior<br />
Índice <strong>de</strong> Cormpção Aparaite.<br />
Quatro países latino-americanos es-<br />
tão entre os <strong>de</strong>z <strong>de</strong> maior índice <strong>de</strong><br />
corrupção: Venezuela, México, Colôm-<br />
bia e Bolívia. O Brasil está em 36° lugar,<br />
tendo melhorado a sua nota, <strong>de</strong> 2,96 em<br />
96 para 3,56 neste ano. Costa Rica (6,45)<br />
e Chile (6,05) são os países latino-ame-<br />
ricanos com o maior índice <strong>de</strong> corrupção,<br />
segundo o relatório.<br />
Dinamarca (a maior nota: 9,94), Fin-<br />
lândia, Suécia, Nova Zelândia, Canadá e<br />
Holan<strong>da</strong> integram o grupo <strong>da</strong>s nações<br />
com o menor índice <strong>de</strong> corrupção, alcan-<br />
çando entre nove e <strong>de</strong>z pontos.<br />
"Mais cormpção significa mais pobre-<br />
za, menos educação e menos saú<strong>de</strong>",<br />
advertiu Peter Eigen, presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong><br />
Transparência Internacional.<br />
Ele também observou que gran<strong>de</strong><br />
parte <strong>da</strong> corrupção nas esferas gover-<br />
namentais dos países <strong>de</strong>senvolvidos ou<br />
em <strong>de</strong>senvolvimento é produto <strong>de</strong> em-<br />
presas multinacionais cuja se<strong>de</strong> está nos<br />
países ricos. Por isso, a organização pre-<br />
ten<strong>de</strong>, no futuro, pesquisar também o<br />
índice <strong>de</strong> Corrupção Ativa, para i<strong>de</strong>nti-<br />
ficar quem corrompe quem.<br />
Eigen afirmou que o trabalho <strong>da</strong><br />
Transparência Internacional tem causa-<br />
do impacto positivo em muitos países -<br />
porque fama <strong>de</strong> corrupto não constituí<br />
<strong>um</strong>a boa carta <strong>de</strong> apresentação -, con-<br />
tribuíndo inclusive para a formação <strong>da</strong><br />
cpiiBO pública. "1<br />
Bonn - (IPS)<br />
"Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do'
Quinzena N 0 259 - 31/10/97 31 Internacional<br />
Boletim Nacional - Outubro/97 - N" 1<br />
150 anos do Manifesto Comunista<br />
Para a Opinião Pública, o comunis-<br />
mo i<strong>de</strong>ntificou-se com o regime soviéti-<br />
co, e o socialismo com a social-<strong>de</strong>mo-<br />
cracia. Isso não foi sempre assim. De-<br />
pois <strong>de</strong> 1917, os dois termos sinalizavam<br />
só duas vias diferentes, revolucionária e<br />
reformista, em direção <strong>de</strong> <strong>um</strong> objetivo<br />
único: a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> comunista. As noções<br />
mu<strong>da</strong>ram: os paises comunistas se cha-<br />
mavam <strong>de</strong> "socialismo real"; e a social-<br />
<strong>de</strong>mocracia chamava "socialismo" <strong>um</strong><br />
capitalismo regulado pelo Estado, ou com<br />
o contra-peso <strong>de</strong> <strong>um</strong> forte setor estatal.<br />
Hoje, a confusão é completa, e cui<strong>da</strong>do-<br />
samente manti<strong>da</strong>: com o "fim do comu-<br />
nismo", o próprio socialismo, real ou não,<br />
seria caduco. Dai o interesse <strong>de</strong> ler e<br />
até <strong>de</strong> reescrever o Manifesto Comunis-<br />
ta. Nele, Marx e Engels só falam <strong>de</strong> co-<br />
munismo (não <strong>de</strong> socialismo), atacam<br />
diversas formas <strong>de</strong> socialismo (pequeno<br />
burguês, conservador, utópico) e só mui-<br />
to mais tar<strong>de</strong> aceitam chamar <strong>de</strong> socia-<br />
lista a primeira etapa do comunismo. A<br />
questão hoje coloca<strong>da</strong> é: o socialismo é<br />
só o inicio do comunismo, ou po<strong>de</strong> ser<br />
<strong>um</strong>a forma especifica <strong>de</strong> organização <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong><strong>de</strong>:' O que <strong>de</strong><strong>vem</strong>os pensar do<br />
>c-<br />
( ) Anual R$ 50,00<br />
( ) Exterior - Anual US$ 120,00<br />
( ) Semestral R$ 35,00<br />
Socialismo ou comunismo<br />
Tony Andreoni<br />
programa <strong>de</strong> transição esboçado no<br />
Manifesto?<br />
Po<strong>de</strong>mos conceber ain<strong>da</strong> o comunis-<br />
mo como fazia Marx, sem classes, sem-<br />
relações mercantis etc? As respostas são<br />
provisórias, e para esclarecer o <strong>de</strong>bate,<br />
po<strong>de</strong>m ser distingui<strong>da</strong>s diversas posições,<br />
apoia<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s elas sobre <strong>um</strong>a renova-<br />
ção e aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> <strong>de</strong>mocracia:<br />
1) Para alguns, <strong>de</strong>ve-se abandonar o<br />
conceito <strong>de</strong> socialismo, como ele foi co-<br />
nhecido historicamente, apoiado na "di-<br />
tadura do proletariado", no "modo <strong>de</strong>pro-<br />
dução socialista" baseado na proprie<strong>da</strong>-<br />
<strong>de</strong> estatal. Deve-se reabrir a perspecti-<br />
va do comunismo, em base a alg<strong>um</strong>as<br />
idéias básicas: multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s formas<br />
<strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>senvolvimento dos<br />
serviços públicos, predominio <strong>da</strong><br />
regulação social sobre a regulação mer-<br />
cantil e dos critérios sociais sobre os cri-<br />
térios capitalismo <strong>de</strong> gestão;<br />
2) Para outros, a única perspectiva<br />
realista é a <strong>de</strong> <strong>um</strong> socialismo no sentido<br />
social-<strong>de</strong>mocrata, <strong>um</strong> retomo ao mo<strong>de</strong>lo<br />
keynesiano <strong>de</strong> capitalismo social, mas<br />
com <strong>um</strong>a base produtiva diferente (pós-<br />
fordista) e <strong>um</strong>a regulação amplia<strong>da</strong> ao<br />
Ficha <strong>de</strong> Assinatura<br />
( ) Semestral R$25,00<br />
( ) Exterior - Semestral US$ 60,00<br />
Assinatura <strong>de</strong> Apoio:<br />
( ) Anual R$ 70,00<br />
nível internacional, o que supõe instânci-<br />
as supra-estatais;<br />
3) Para outros, enfim, é preciso com-<br />
binar socialismo e mercado, imaginando<br />
novas formas <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>: consi<strong>de</strong>-<br />
ram que o Marx errou ao i<strong>de</strong>ntificar ca-<br />
pitalismo com mercado e colocam o co-<br />
munismo n<strong>um</strong> futuro in<strong>de</strong>terminado, <strong>de</strong>-<br />
pois do fim do trabalho e do valor, ou<br />
pensam que o socialismo sena <strong>um</strong>a tran-<br />
sição para o comunismo que passana por<br />
<strong>um</strong>a "socialização" do mercado, e pela<br />
abolição <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as <strong>de</strong> suas instituições,<br />
para <strong>de</strong>saguar <strong>um</strong> dia, com o dominio <strong>de</strong><br />
novas relações sociais, em outro tipo <strong>de</strong><br />
cálculo econômico.<br />
A reeleitura do Manifesto <strong>de</strong>ve per-<br />
mitir, para além <strong>da</strong>s questões tec-<br />
nológicas, e tirando as lições <strong>de</strong> <strong>um</strong> sé-<br />
culo <strong>de</strong> história (que não se limitaram a<br />
tragédias e fracassos) repensar teorica-<br />
mente a questão do socialismo e do co-<br />
munismo e <strong>de</strong>senhar, perto do movimen-<br />
to real, as alternativas possíveis ao capi-<br />
talismo, à sua mundialização e à sua ci-<br />
vilização.<br />
(Tradução <strong>de</strong> Osvaldo Coggiola)<br />
( )TnmestralR$ 15,00<br />
Nome completo<br />
En<strong>de</strong>reço N 0 bloco<br />
Bairro , C. Postal Fone ( )..<br />
Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> '...Estado Cep<br />
Profissão/Categoria<br />
TRABALHO QUE FAZ NO MOVIMENTO:<br />
Assinatura: Data:<br />
O pagamaito <strong>de</strong>verá ser fato em nome do CPV - <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Doc<strong>um</strong>entação e Pesquisa Vergueiro em cheque nominal cruzado, ou<br />
vale postal DESDE QUE SEJA ENDEREÇADO PARA A AGÊNCIA BELA VISTA - CEP: 01390-970 Código <strong>da</strong> Agàiaa 403.300<br />
QUINZENA<br />
Publicação do CPV - Caixa Postal 65.107 - Cep: 01390-970 São Paulo, Fone: (011) 604-7995 - Fax: (011) 604-3133<br />
E-mail cpvsp @ax.apc.org<br />
"Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"<br />
Apto.
Quinzena N 0 259 - 31/10/97 32 Cultura<br />
Aos que virão <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> nós<br />
Eu vivo nuiii tempo sem sol.<br />
Uma linguagem sem malícia é sinal <strong>de</strong> estupi<strong>de</strong>z,<br />
<strong>um</strong>a testa sem rugas é sinal <strong>de</strong> indiferença.<br />
Aquele que ri ain<strong>da</strong> não recebeu a terrível notícia.<br />
Que tempos são esses, quando<br />
falar sobre árvores é quase <strong>um</strong> crime.<br />
Pois significa silenciar sobre tanta injustiça!<br />
Aquele que cruza tranqüilamente a rua<br />
já está então inacessível aos amigos<br />
que se encontram necessitados?<br />
E ver<strong>da</strong><strong>de</strong>: eu ain<strong>da</strong> ganlio o bastante para viver.<br />
Mas acreditem: é o acaso. Na<strong>da</strong> do que eu faço<br />
me dá o direito <strong>de</strong> comer quando eu tenho fome.<br />
Por acaso eu estou sendo poupado (Se a minha sorte<br />
me <strong>de</strong>ixa, estou perdido).<br />
Me dizem: come e bebei Fica feliz por teres o que tensl<br />
Mas como é que eu posso comer e beber,<br />
se a comi<strong>da</strong> que eu como, eu tiro <strong>de</strong> quem tem fome?<br />
se o copo <strong>de</strong> água que eu bebo, faz falta a quem tem<br />
se<strong>de</strong>?<br />
Mas apesar disso, eu continuo comciulo e bebendo.<br />
Eu queria ser <strong>um</strong> sábio.<br />
Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:<br />
se manter afastado dos problemas do mundo<br />
e sem medo passar o tempo que se tem para viver na<br />
terra;<br />
seguir seu caminbo sem violência,<br />
pagar o mal com o bem,<br />
não satisfazer os <strong>de</strong>sejos, mas esquecê-los.<br />
Sabedoria é isso!<br />
Mas eu não consigo agir assim.<br />
E ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, eu vivo n<strong>um</strong> tempo sem sol!<br />
MEMÓRIA<br />
Eu vim para a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> no tempo <strong>da</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m,<br />
quando a fome reinava.<br />
Eu vim para o convívio dos homens no tempo <strong>da</strong> revolta<br />
e me revoltei ao lado <strong>de</strong>les.<br />
Assim se passou o tempo<br />
que me foi <strong>da</strong>do viver sobre a terra.<br />
Eu comi o meu pão no meio <strong>da</strong>s batalhas,<br />
para dormir eu me <strong>de</strong>itei entre os assassinos.<br />
Fiz amor sem muita atenção<br />
e não tive paciência com a natureza.<br />
Assim se passou o tempo<br />
que me foi <strong>da</strong>do viver sobre a terra.<br />
Vocês, que vão emergir <strong>da</strong>s on<strong>da</strong>s<br />
em que nós perecemos,<br />
pensem,<br />
quando falarem <strong>da</strong>s nossas fraquezas,<br />
nos tempos sem sol<br />
<strong>de</strong> que vocês tiveram a sorte <strong>de</strong> escapar.<br />
Nós existíamos através <strong>da</strong>s lutas <strong>de</strong> classe,<br />
mu<strong>da</strong>ndo mais seguido <strong>de</strong> país do que <strong>de</strong> sapatos,<br />
<strong>de</strong>sesperados,<br />
quando só havia injustiça e não havia revolta.<br />
Nós sabemos:<br />
o ódio contra a baixeza<br />
também endurece os rostos!<br />
A cólera contra a injustiça<br />
faz a voz ficar rouca. Infelizmente, nós,<br />
que queríamos preparar o terreno para a amiza<strong>de</strong>,<br />
não pu<strong>de</strong>mos ser, nós mesmos, bons amigos.<br />
Mas vocês, quando chegar o tempo<br />
em que o homem seja amigo do homem.<br />
pensem em nós<br />
com <strong>um</strong> pouco <strong>de</strong> compreensão.<br />
Vi<strong>da</strong> e Obra<br />
Bertold Brecht<br />
20 <strong>de</strong> No<strong>vem</strong>bro Dia Nacional <strong>da</strong> Consciência Negra, em memória<br />
do assassinato do lí<strong>de</strong>r negro dos Quilombos dos Palmares, ZUMBI,<br />
assassinado em 1695. O dia 20 <strong>de</strong> no<strong>vem</strong>bro passou a existir como<br />
contraponto à apologia do dia 13 <strong>de</strong> maio e representa a luta do povo<br />
negro pelos seus direitos e pelo resgate <strong>de</strong> sua ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />
Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />
Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do" B. Brecht