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um abolicionista da plebe ^ A globalização vem d - Centro de ...

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1259<br />

30/10/97<br />

^V O movimento sindical luta pela<br />

redução <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong><br />

^Antônio Conselheiro:<br />

<strong>um</strong> <strong>abolicionista</strong> <strong>da</strong> <strong>plebe</strong><br />

^ A <strong>globalização</strong> <strong>vem</strong> <strong>de</strong> longe<br />

^ Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia:paraíso ou inferno?<br />

^ Resoluções sobre o programa mínimo<br />

<strong>de</strong> ações dos trabalhadores frente a<br />

<strong>globalização</strong> neoliberal<br />

Custo unitário <strong>de</strong>sta edição: R$ 2,50


Quinzena N 0 259 - 31/10/97 Trabalhadores<br />

Curtas<br />

Vale anuncia<br />

<strong>de</strong>missãc <strong>de</strong> 3 mil<br />

trabalhadcres<br />

Depois <strong>da</strong>s privatizações, <strong>vem</strong> as<br />

<strong>de</strong>missões. E com a Companhia Vale<br />

do Rio Doce não havena <strong>de</strong> ser dife-<br />

rente. Após 4 meses do conturbado lei-<br />

lão, que entregou a maior mineradora<br />

do mundo ao capital privado, o atual<br />

presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> empresa, Benjamin<br />

Steinbruch, anunciou a <strong>de</strong>missão <strong>de</strong><br />

3.000 funcionários - <strong>um</strong> quarto do efe-<br />

tivo total <strong>da</strong> CVRD - até o final do ano.<br />

Com esta medi<strong>da</strong>, a empresa espe-<br />

ra enfiar no bolso quase R$ 11 milhões<br />

mensais, referentes aos salários que<br />

<strong>de</strong>ixarão <strong>de</strong> ser pagos.<br />

O programa <strong>de</strong> <strong>de</strong>missões teve ini-<br />

cio em 23 <strong>de</strong> setembro e, segundo o<br />

critério adotado pela empresa, cabe aos<br />

gerentes escolher escolher os <strong>de</strong>miti-<br />

dos. A direção <strong>da</strong> Vale preferiu não<br />

adotar o Programa <strong>de</strong> Demissão Vo-<br />

luntária (PDV), tão usuais nas empre-<br />

sas privatiza<strong>da</strong>s.<br />

Estas <strong>de</strong>missões afetarão fortemen-<br />

te o mercado <strong>de</strong> trabalho, que, em tem-<br />

pos <strong>de</strong> real, viu aprofun<strong>da</strong>r a sua crise.<br />

Direta ou indiretamente, cerca <strong>de</strong> 15<br />

mil pessoas <strong>de</strong><strong>vem</strong> ser atingi<strong>da</strong>s.<br />

♦ ♦♦<br />

CÍC€§<br />

Nos últimos 10 anos, a ren<strong>da</strong> dos<br />

super ricos cresceu 8% no mundo e<br />

22% na América Latina. No Brasil, os<br />

10% mais ricos ficam com 51,3% <strong>da</strong><br />

ren<strong>da</strong> nacional (19Q4). Na África do<br />

Sul, os mais ricos ficam com 47,3% <strong>da</strong><br />

ren<strong>da</strong> nacional.<br />

ü<br />

I<br />

N<br />

Z<br />

E<br />

N<br />

A<br />

Emprese<br />

Segundo a Organização Internacional<br />

do Trabalho (OIT), cerca <strong>de</strong> 56% do total<br />

<strong>de</strong> empregos existentes nos centros urbanos<br />

<strong>da</strong> América Latina estão no setor informal.<br />

De ca<strong>da</strong> 10 novas vagas que surgem,<br />

duas são absorvi<strong>da</strong>s pelo setor formal.<br />

As oito restantes vão para empregos<br />

não formais (trabalhadores sem carteira,<br />

autônomos e terceirizados).<br />

A pesquisa aponta que 54% dos jovens<br />

que trabalham nas ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s latino-americanas<br />

estão no setor informal e 75% a<br />

80% dos postos, no setor informal, estão<br />

ocupados por pessoas <strong>de</strong> baixa ren<strong>da</strong>.<br />

♦ ♦ ♦<br />

Carrc§<br />

Segundo infomiou Carlos Heitor Cony,<br />

"no ano 2000 haverá <strong>um</strong> superávit <strong>de</strong> 22<br />

milhões <strong>de</strong> carros na oferta mundial Dois<br />

anos mais tar<strong>de</strong>, a oferta <strong>de</strong>verá dobrar.<br />

Mais <strong>de</strong>z anos e teremos <strong>um</strong>a fantástica<br />

proporção <strong>de</strong> <strong>um</strong> carro para ca<strong>da</strong> habitante<br />

ativo do planeta. A Microsoft está<br />

, com <strong>um</strong>a reserva <strong>de</strong> US$ 9 bilhões sem<br />

saber on<strong>de</strong> gastar". Até on<strong>de</strong> vamos continuar<br />

a não enxergar a miséria h<strong>um</strong>ana 9<br />

♦ ♦ ♦<br />

Saú<strong>de</strong><br />

O governo fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>u mais dinheiro<br />

para salvar os bancos, em 96, do que para<br />

a saú<strong>de</strong>. Segundo <strong>da</strong>dos do Tribunal <strong>de</strong><br />

Contas <strong>da</strong> União, foram gastos com os<br />

bancos US$ 14,9 bilhões, e com a saú<strong>de</strong>,<br />

US$ 14,7 bilhões. Em relação a 95, houve<br />

redução <strong>de</strong> 51,86% nos investimentos na<br />

saú<strong>de</strong>.<br />

O boletim QUINZENA é <strong>um</strong>a publicação do:<br />

CPV- <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Doc<strong>um</strong>entação e Pesquisa Vergueiro<br />

Rua São Domingos, 224 - Térreo<br />

Bela Vista - São Paulo - SP - CEP 01326-000<br />

Caixa Postal 65107 - CEP 01390-970<br />

Telefone (011) 604-7995<br />

Fax: (011) 604-3133<br />

O objetivo do boletim é divulgar <strong>um</strong>a seleção do material informativo,<br />

analítico e opinativo, publicado na gran<strong>de</strong> imprensa, imprensa partidária e<br />

alternativa e outras fontes <strong>de</strong> informações importantes existentes nos movi-<br />

mentos. A proposta do boletim é ampliar a circulação <strong>de</strong>ssas informações,<br />

facilitando o <strong>de</strong>bate sobre as questões políticas em pauta na conjuntura.<br />

Pobreza<br />

A população mundial que vive na po-<br />

breza mais do que duplicou entre 1975 e<br />

1990. Acentua-se a linha divisória entre<br />

ricos e pobres. Em 1960, a ren<strong>da</strong> dos<br />

20% mais ricos <strong>da</strong> população mundial era<br />

30 vezes maior do que 20% mais pobres,<br />

enquanto que no início dos anos 90, era<br />

60 vezes maior.<br />

A linha <strong>de</strong>marcatória é a crescente<br />

divisão <strong>da</strong>s reali<strong>da</strong><strong>de</strong>s econômicas dos<br />

ricos e a dos pobres, sendo que estes não<br />

se beneficiam com a <strong>de</strong>mocracia nem<br />

<strong>da</strong> tecnologia necessária para o seu <strong>de</strong>-<br />

senvolvimento. (Boletim CNBB).<br />

♦ ♦ ♦<br />

Greve <strong>de</strong> 24 h€ra§<br />

iitu afeta predução<br />

<strong>da</strong> Petrcbras<br />

Os petroleiros <strong>de</strong> todo o pais inicia-<br />

ram á zero hora <strong>de</strong> hoje sua paralisa-<br />

ção mais longa - 24 horas - <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a gre-<br />

ve <strong>de</strong> 32 dias <strong>de</strong> 1995, que acabou re-<br />

sultando n<strong>um</strong>a multa que hoje ultrapas-<br />

sa os R$ 60 milhões e na <strong>de</strong>missão <strong>de</strong><br />

71 trabalhadores. No ano passado,<br />

n<strong>um</strong>a negociação salarial <strong>um</strong> pouco<br />

menos atribula<strong>da</strong>, ocorreram apenas<br />

paralisações <strong>de</strong> pequena duração<br />

O protesto <strong>de</strong> hoje é motivado pelo ai-<br />

cerramento <strong>da</strong>s negociações por parte <strong>da</strong><br />

Petrobras. Mas a empresa não admite ofe-<br />

recer na<strong>da</strong> além dos 3% <strong>de</strong> reajuste salan-<br />

al e abono <strong>de</strong> <strong>um</strong> saláno base, que até já<br />

foi pago a todos os funcionános. Os petro-<br />

leiros exigem, entre outros itais, a reposi-<br />

ção <strong>da</strong> inflação calcula<strong>da</strong> pelo Dieese, <strong>de</strong><br />

6,71%. A idéia inicial é apaias forçar a<br />

empresa a retomar as negociações.<br />

Caso você queira divulgar alg<strong>um</strong><br />

texto no QUINZENA, basta nos<br />

enviar. Pedimos que se atenha a, no<br />

máximo, 8 lau<strong>da</strong>s. Textos que ultra-<br />

passem este limite estarão sujeitos a<br />

cortes, por imposição <strong>de</strong> espaço.<br />

O boletim QUINZENA é edi-<br />

tado e diagramado pela Equipe do<br />

CPV.<br />

Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"


Quinzena N 0 259 - 31/10/97<br />

Boletim do DIEESE - Agosto <strong>de</strong> 1997 - N 0 197<br />

O tema <strong>da</strong> redução <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> tra<br />

balho no Brasil não é novo: faz par-<br />

te <strong>da</strong> luta sindicai há quase <strong>um</strong> século.<br />

Des<strong>de</strong> o inicio do processo <strong>de</strong> industria-<br />

lização, no final do século XIX e come-<br />

ço do século XX, as primeiras greves <strong>de</strong><br />

trabalhadoresjá apresentavam como <strong>um</strong>a<br />

<strong>da</strong>s principais reivindicações a redução<br />

<strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho. Atualmente, com<br />

o a<strong>um</strong>ento dos níveis <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego, que<br />

se tomou <strong>um</strong> dos mais dramáticos pro-<br />

blemas sociais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> contempo-<br />

rânea e motivo <strong>de</strong> preocupações em todo<br />

o mundo, o <strong>de</strong>bate sobre a redução <strong>da</strong><br />

jorna<strong>da</strong> ganha maior importância na con-<br />

juntura econômica do pais.<br />

As lutas pela redução <strong>da</strong><br />

Jorna<strong>da</strong> no Brasil<br />

No Brasil, estabeleceu-se <strong>um</strong> consen-<br />

so <strong>de</strong> que o brasileiro trabalha pouco, não<br />

gosta <strong>de</strong> "pegar no pesado" e a malan-<br />

dragem é <strong>um</strong>a característica inerente a<br />

ele Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, essa i<strong>de</strong>ologia procura<br />

responsabilizai o própno trabalhador pelo<br />

atraso, a pobreza e a <strong>de</strong>sorganização do<br />

pais. <strong>um</strong>a vez que o trabalho apresenta<br />

baixa produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> em relação aos tra-<br />

balhadores dos paises <strong>de</strong>senvolvidos.<br />

Os levantamentos estatísticos e as<br />

pesquisas mostram exatamente o con-<br />

trário. No Brasil, a jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho é<br />

<strong>um</strong>a <strong>da</strong>s mais extensas do mundo. E essa<br />

reali<strong>da</strong><strong>de</strong> pouco se alterou <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o inicio<br />

do processo <strong>de</strong> industrialização brasilei-<br />

ro até os dias <strong>de</strong> hoje.<br />

No final do século XIX e inicio do<br />

século XX, quando as primeiras indústri-<br />

as se instalaram no país, houve <strong>um</strong> alon-<br />

gamento e intensificação do tempo <strong>de</strong><br />

trabalho. Naquele período, a jorna<strong>da</strong> era<br />

<strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> doze horas diárias, o que<br />

totalizava 3.600 horas por ano, semelhan-<br />

te ao tempo <strong>de</strong> trabalho na época <strong>da</strong><br />

Revolução Industrial <strong>da</strong> Inglaterra, <strong>um</strong><br />

século antes No inicio <strong>da</strong> industrializa-<br />

ção no Brasil era com<strong>um</strong> a prática <strong>de</strong><br />

jorna<strong>da</strong>s diárias <strong>de</strong> 12 a 15 horas, que<br />

podiam ser fixa<strong>da</strong>s, reduzi<strong>da</strong>s ou ampli-<br />

a<strong>da</strong>s <strong>de</strong> acordo com a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> dita-<br />

<strong>da</strong> pelo empregador.<br />

O movimento sindical luta pela<br />

redução <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong><br />

Mas, já em 1907, ocorre a primeira<br />

gran<strong>de</strong> greve geral, taido como princi-<br />

pal reivindicação a redução <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong><br />

para 8 horas por dia. Essa greve colo-<br />

cou o movimento sindical brasileiro pró-<br />

ximo ás reivindicações dos trabalhado-<br />

res dos paises <strong>de</strong>senvolvidos <strong>da</strong> Europa<br />

e dos Estados Unidos. A paralisação,<br />

inicia<strong>da</strong> em São Paulo, irradiou-se por<br />

alg<strong>um</strong>as gran<strong>de</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s do interior pau-<br />

lista, como Santos, Ribeirão Preto e Cam-<br />

pinas, atingindo também o Rio <strong>de</strong> Janei-<br />

ro. Houve a<strong>de</strong>são <strong>da</strong>s principais catego-<br />

rias profissionais <strong>da</strong> época, chapeleiros,<br />

pedreiros, metalúrgicos, gráficos, carvo-<br />

eiros, sapateiros, carpinteiros, costureiros,<br />

marceneiros, empregados no serviço <strong>de</strong><br />

limpeza pública e trabalhadores nas in-<br />

dústrias têxtil e <strong>de</strong> alimentação.<br />

A greve foi parcialmente bem-suce-<br />

di<strong>da</strong>, obtendo maior sucesso nas peque-<br />

nas empresas, on<strong>de</strong> os trabalhadores<br />

conquistaram a redução <strong>de</strong> jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

trabalho diária para cerca <strong>de</strong> 10 horas,<br />

sendo que, em alg<strong>um</strong>as <strong>de</strong>las, foram con-<br />

quista<strong>da</strong>s as 8 horas. Essa vitória foi<br />

muito importante, tendo em vista que a<br />

jorna<strong>da</strong> era longuissima, como, por exem-<br />

plo, a dos carvoeiros do Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />

que chegavam a trabalhar 14 horas por<br />

dia. Portanto, a conquista <strong>de</strong> 10 ou II<br />

horas <strong>de</strong> trabalho diário significou, na-<br />

quele momento, <strong>um</strong>a baital diminuição.<br />

Outro movimento grevista ocorre em<br />

1912, mais restrito, abrangendo duas ca-<br />

tegorias: sapateiros e têxteis <strong>de</strong> São Pau-<br />

lo. O movimento obteve êxito para os<br />

sapateiros, que conseguiram regulamen-<br />

tar sua jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho diária em 8<br />

horas e 30 minutos.<br />

Os movimentos operários repercutem<br />

na organização política, em 1911, quando<br />

foi apresentado no Congresso Nacional<br />

<strong>um</strong> projeto <strong>de</strong> lei que previa a fixação <strong>da</strong><br />

jorna<strong>da</strong> normal <strong>de</strong> trabalho em 8 horas<br />

diánas. Na época, esse projeto foi consi-<br />

<strong>de</strong>rado pelas classes dominantes "imoral,<br />

subversivo e anárquico" e nem sequer foi<br />

analisado pelos parlamentares.<br />

Mas não houve trégua na luta dos tra-<br />

Trabalhadores<br />

balhadores. Em 1917 ocorre outra gran-<br />

<strong>de</strong> greve em São Paulo, que contou, in<br />

clusive, com intensa participação dos<br />

movimentos populares. Entre outras rei-<br />

vindicações relativas ao emprego, <strong>de</strong>s-<br />

tacam-se a redução <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> para 8<br />

horas diánas e o adicionai <strong>de</strong> 50% no<br />

valor <strong>da</strong>s horas extras. O movimento<br />

grevista foi fortemente reprimido pelas<br />

forças policiais, onginando-se nessa épo-<br />

ca os processos que baniram do pais<br />

vánas li<strong>de</strong>ranças operárias estrangeiras.<br />

No mesmo ano <strong>de</strong> 1917 é apresentado,<br />

novamente, no Congresso Nacional <strong>um</strong><br />

projeto <strong>de</strong> lei para estabelecer a jorna<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> trabalho. Contudo, a proposta é mais<br />

<strong>um</strong>a vez bloquea<strong>da</strong> pelos setores conser-<br />

vadores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, que eram majontá-<br />

nos no Legislativo. Assim, nesse período<br />

não houve nenh<strong>um</strong>a regulamentação que<br />

estabelecesse <strong>um</strong> limite <strong>de</strong> jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> tra-<br />

balho, embora o movimento sindical, atra-<br />

vés <strong>da</strong>s ações direta, tenha firmado vários<br />

acordos fonnais ou informais que previam<br />

novos padrões <strong>de</strong>joma<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho. Essa<br />

forma <strong>de</strong> regulamentação não consegue<br />

abranger as categonas maios organiza<strong>da</strong>s<br />

com as vitórias conquista<strong>da</strong>s pela luta dos<br />

trabalhadores.<br />

No entanto, a primeira lei que regula-<br />

mentou a jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho em 8 ho-<br />

ras diárias foi adota<strong>da</strong> pelo Estado <strong>da</strong><br />

Bahia, também em 1917. Conforme Dal<br />

Rosso "a corrente rompeu por <strong>um</strong> elo<br />

mais fraco", <strong>um</strong>a vez que o movimento<br />

sindical operário era muito mais forte nas<br />

regiões mais industrializa<strong>da</strong>s do pais,<br />

como São Paulo e Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />

Após o movimento político e social<br />

<strong>de</strong> 1930, que mudou o perfil <strong>da</strong>s classes<br />

dominantes, o Estado passa a regulamen-<br />

tar a jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho através <strong>de</strong> <strong>de</strong>-<br />

cretos. Entre 1932 e 1934, vános <strong>de</strong>les<br />

são editados, estabelecendo para algu-<br />

mas categonas jorna<strong>da</strong>s <strong>de</strong> 8 horas diá-<br />

nas e 48 horas semanais. Para outras,<br />

as jorna<strong>da</strong>s fixa<strong>da</strong>s foram inferiores,<br />

caso dos bancários <strong>de</strong> telegrafia, que<br />

passaram a trabalhar 6 horas por dia e<br />

36 horas por semana.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"


Quinzena N 0 259 - 31/10/97 Trabalhadores<br />

A primeira lei abrangente que regu-<br />

lamenta a jorna<strong>da</strong> para todos os traba-<br />

lhadores foi inseri<strong>da</strong> na Constituição Fe-<br />

<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1934, que fixou a jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> tra-<br />

balho em 8 horas diárias e 48 horas se-<br />

manais. Dessa forma, os <strong>de</strong>cretos que<br />

beneficiavam poucas categorias passam<br />

a valer para todos os trabalhadores.<br />

Entretanto, o que parecia ser <strong>um</strong>a<br />

vitória para os trabalhadores não repre-<br />

sentou, <strong>de</strong> fato, a implantação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> 8 horas diárias semanais.<br />

Naquele momento, as elites brasileiras<br />

criam <strong>um</strong> mecanismo que passou a ser<br />

repetir: se <strong>um</strong>a lei conce<strong>de</strong>sse direitos e<br />

benefícios aos trabalhadores na sua re-<br />

gulamentação alterava-se o conteúdo,<br />

transformando direitos em <strong>de</strong>veres, ou<br />

introduzindo <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> exceções, <strong>de</strong><br />

modo que a legislação passava a não ter<br />

a abrangência <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>. Assim, criou-se<br />

<strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> extensão <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> atra-<br />

vés <strong>da</strong>s horas extraordinárias, que a lei<br />

regulamentar <strong>de</strong>ixou ao livre arbitrio do<br />

setor patronal.<br />

Com a entra<strong>da</strong> em vigor <strong>da</strong> Consoli-<br />

<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>s Leis do Trabalho (CLT), em<br />

1943, praticamente não houve inovações<br />

significativas quanto á duração <strong>da</strong> jor-<br />

na<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho em relação ao que já<br />

previa o texto constitucional. Ao contrá-<br />

rio, a CLT, ain<strong>da</strong> vigente, admite <strong>um</strong>a<br />

séne <strong>de</strong> exceções, como a realização <strong>de</strong><br />

até duas horas extras diárias. É impor-<br />

tante salientar que a CLT lista alg<strong>um</strong>as<br />

categorias <strong>de</strong> trabalhadores urbanos, que<br />

não <strong>de</strong><strong>vem</strong> adotar a jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho<br />

estipula<strong>da</strong> em lei, e também exclui todos<br />

os trabalhadores <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s agríco-<br />

las, extrativas minerais e vegetais <strong>da</strong> jor-<br />

na<strong>da</strong> máxima <strong>de</strong> 8 horas diárias.<br />

Somente em i 988, a nova Constitui-<br />

ção reduz a jorna<strong>da</strong> para 44 horas se-<br />

manais. Portanto, em 56 anos <strong>de</strong> histó-<br />

ria, <strong>de</strong> 1932 a 1988, o Brasil assistiu a<br />

poucas alterações na legislação sobre<br />

a duração <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho. Nes-<br />

se periodo, porém, o movimento sindi-<br />

cal procurou diversas formas para re-<br />

duzir a jorna<strong>da</strong>, conquistando jorna<strong>da</strong>s<br />

menores para alg<strong>um</strong>as categorias. Mas,<br />

como as lutas foram localiza<strong>da</strong>s em al-<br />

g<strong>um</strong>as <strong>de</strong>las, nunca se conseguiu que<br />

essas vitórias fossem estendi<strong>da</strong>s aos<br />

<strong>de</strong>mais trabalhadores.<br />

A greve pelas 40 horas acabou <strong>de</strong><br />

vez com o padrão habitual <strong>de</strong> trabalho.<br />

até então <strong>de</strong> 60 horas semanais (48<br />

estabeleci<strong>da</strong>s em lei e mais 12 horas ex-<br />

tras). O resultado prático foi a assinatu-<br />

ra <strong>de</strong> diversos acordos setonais que es-<br />

tabeleciam, em sua maioria, <strong>um</strong>a jorna-<br />

<strong>da</strong> <strong>de</strong> até 44 horas semanais. Três me-<br />

ses após o encerramento <strong>da</strong> greve (que<br />

durou <strong>de</strong> 11 <strong>de</strong> abnl até 4 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong><br />

1985), cerca <strong>de</strong> 90% <strong>da</strong> categoria dos<br />

metalúrgicos <strong>de</strong> São Bernardo do Cam-<br />

po e Dia<strong>de</strong>ma passaram a trabalhar me-<br />

nos que 48 horas semanais, segundo do-<br />

c<strong>um</strong>ento divulgado pelo sindicato. Esse<br />

movimento vitonoso pela redução <strong>da</strong> jor-<br />

na<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho acabou tendo forte in-<br />

fluência nas discussões que se seguiram<br />

para a elaboração <strong>da</strong> Constituição <strong>de</strong><br />

1988.<br />

Em 1988, a Constituição Fe<strong>de</strong>ral es-<br />

tabelece em 44 horas a jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> tra-<br />

balho semanal para todos os brasileiros.<br />

Isso <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> inúmeras e intensas dis-<br />

cussões ocorri<strong>da</strong>s no âmbito <strong>da</strong> comis-<br />

são <strong>de</strong> sistematização, na qual a emen<strong>da</strong><br />

constitucional <strong>de</strong> 40 horas semanais, <strong>de</strong><br />

autona do <strong>de</strong>putado Brandão Monteiro<br />

(PDT-RJ) e <strong>de</strong>fendi<strong>da</strong> pelas principais<br />

li<strong>de</strong>ranças do movimento sindical <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

a Conferência Nacional <strong>da</strong> Classe Tra-<br />

balhadora (Conclat), realiza<strong>da</strong> na ci<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Praia Gran<strong>de</strong> (SP), em 1981, sofre<br />

<strong>um</strong> duro golpe, em consequàicia <strong>da</strong> arti-<br />

culação do gaipo <strong>de</strong> parlamentares do<br />

chamado "Centrão".<br />

Jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> Trabalho<br />

no Mundo<br />

A jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> 40 horas semanais é<br />

<strong>um</strong>a <strong>da</strong>s principais reivindicações do<br />

movimento sindical do pós-guerra, sobre-<br />

tudo na Europa. Em diversos países eu-<br />

ropeus, a jorna<strong>da</strong> regular <strong>de</strong> trabalho pre-<br />

Tabela 1<br />

Jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho semanal na Indústria<br />

<strong>de</strong> transformação<br />

Países selecionados -1994<br />

Brasil" 1<br />

44,0<br />

México 44.8<br />

Uruguai 111<br />

43,1<br />

Chile 44,6<br />

EUA Bi<br />

Japão" 1<br />

Dinamarca 1 ' 1<br />

42,0<br />

37,7<br />

31,5<br />

Canadá' 1 ' 38,6<br />

Alemanha, RF" 38,0<br />

França 38,6<br />

Fonte: OIT Anuário <strong>de</strong> estatísticas <strong>de</strong>i trabajo In Anuário<br />

dos Trabalhadores 1996/97 - DIEESE<br />

(1) jorna<strong>da</strong> legal.<br />

(2) <strong>da</strong>dos <strong>de</strong> 1993.<br />

(3) horas remunera<strong>da</strong>s.<br />

vista em lei é <strong>de</strong> 40 horas, sendo que<br />

acordos coletivos prevêem <strong>um</strong> tempo<br />

menor, que varia <strong>de</strong> 35 a 39 horas, como<br />

mostram os <strong>da</strong>dos reunidos nas tabelas<br />

1 e2<br />

Tabela Z.,<br />

Jorna<strong>da</strong> semanal <strong>de</strong> trabalho legal e/ou<br />

convencional<br />

Países selecionados -1996 (em horas)<br />

Países Lei Convenções coletivas<br />

Alemanha<br />

37,5<br />

Áustria 40<br />

37 a 40<br />

Bélgica 40 36 a 38<br />

Dinamarca - 35 a 37<br />

Espanha 40<br />

Finlândia - 38,5<br />

França 39 35 a 39<br />

Grã-Bretanha 35 a 40<br />

Grécia 41 37,5 a 40<br />

Irlan<strong>da</strong> 48 39<br />

Islândia 40 37 a 40<br />

Itália 40 36 a 40<br />

Luxemburgo 40 36 a 40<br />

Holan<strong>da</strong> 48 35 a 40<br />

Noruega 40 37,5<br />

Portugal 40 35 a 40<br />

Suécia 40 35 a 40<br />

Suíça 46 a 50 40,4<br />

Fonte: confe<strong>de</strong>rações nacionais <strong>de</strong> trabalhadores<br />

Elaboração: DIEESE.<br />

Dados recentes divulgados pela Or-<br />

ganização para a Cooperação do Desen-<br />

volvimento Econômico (OCDE) revelam<br />

que em várias nações <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s, in-<br />

cluindo os Estados Unidos e o Japão, o<br />

número <strong>de</strong> horas efetivamente trabalha-<br />

<strong>da</strong>s pelos assalariados é bem inferior à<br />

jorna<strong>da</strong> legal <strong>de</strong> 2 640 horas por ano, no<br />

Brasil. Naqueles dois países, a jorna<strong>da</strong><br />

efetiva atingiu 1.951 e 1.919 horas, res-<br />

pectivamente, em 1996. Outros exemplos<br />

<strong>de</strong> maiores jorna<strong>da</strong>s anuais <strong>de</strong> trabalho<br />

são encontra<strong>da</strong>s na Espanha (1.747), Itá-<br />

lia (1.682), França (I 529), Alemanha<br />

(1.508) e Holan<strong>da</strong> (1.372)<br />

Atualmente, o governo francês dis-<br />

cute o projeto <strong>de</strong> redução <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> se-<br />

manal <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> 39 para 35 horas,<br />

sem rebaixamento <strong>de</strong> salários, pelo me-<br />

nos por ora. Já na Inglaterra, a proposta<br />

do primeiro-ministro Tony Blair é <strong>de</strong> re-<br />

duzi-la para 32 horas, com <strong>de</strong>sconto <strong>de</strong><br />

3% sobre o rendimento dos assalariados<br />

Observando a tabela 1, percebe-se<br />

que <strong>um</strong>a parcela importante dos paises<br />

tem <strong>um</strong>a jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho, na indús-<br />

tria, abaixo <strong>da</strong>s 40 horas semanais. Os<br />

exemplos <strong>da</strong> Suécia, Alemanha, França<br />

e do próprio Japão, que acompanha as<br />

gran<strong>de</strong>s discussões <strong>de</strong> redução do tem-<br />

Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do'


Quinzena N 0 259 - 31/10/97<br />

po <strong>de</strong> trabalho, são ilustrativos. O Uru-<br />

guai e o Chile estabeleceram jorna<strong>da</strong>s<br />

próximas à existente no Brasil, enquanto<br />

nos Estados Unidos se trabalham 42 ho-<br />

ras (remunera<strong>da</strong>s) por semana.<br />

Os <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> tabela 2 <strong>de</strong>monstram a<br />

existèicia <strong>de</strong> diversas categorias nos pa-<br />

íses europeus com jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho<br />

inferior às 40 horas semanais. Os acor-<br />

dos coletivos prevêem <strong>um</strong>a jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> 36<br />

a 38 horas, na Bélgica, <strong>de</strong> 35 a 40 horas,<br />

na Inglaterra e Portugal, <strong>de</strong> 36 a 40 horas,<br />

na Itália, <strong>de</strong> 35 a 39 horas, na França.<br />

Em gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>sses países, a jor-<br />

na<strong>da</strong> máxima legal einfenorá estabeleci<strong>da</strong><br />

pela Constituição brasileira. Mas, o fato<br />

mais grave é que, no Brasil, além <strong>da</strong> jorna-<br />

<strong>da</strong> legal ser relativamaite maior, há o agra-<br />

vante do uso indiscriminado <strong>de</strong> horas ex-<br />

traordinárias, que, na prática, acabam<br />

esten<strong>de</strong>ndo o tempo efetivo <strong>de</strong> trabalho.<br />

Por outro lado, nos paises <strong>de</strong>senvolvidos,<br />

a jorna<strong>da</strong> legal está sendo supera<strong>da</strong> pela<br />

estabeleci<strong>da</strong> nos contratos coletivos, que<br />

têm fixado jorna<strong>da</strong>s bem inferiores.<br />

Mercado <strong>de</strong> trabalho<br />

O mercado <strong>de</strong> trabalho no Brasil ca-<br />

racteriza-se pelo elevado <strong>de</strong>semprego, a<br />

heterogaiei<strong>da</strong><strong>de</strong> estartural e a precanza-<br />

ção <strong>da</strong>s relações aitre empregados e em-<br />

pregadores. O <strong>de</strong>semprego é <strong>um</strong> faiome-<br />

no tanto estaíural quanto conjuntural, etem<br />

a<strong>um</strong>aitado, sobretudo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o inicio dos<br />

anos QO.<br />

De fato, o problema do <strong>de</strong>semprego<br />

no Brasil tem dimensões que vão além<br />

<strong>da</strong>s flutuações <strong>da</strong> economia. Portanto,<br />

qualquer análise sobre o assunto <strong>de</strong>ve<br />

consi<strong>de</strong>rar os novos paradigmas tecnoló-<br />

gicos e as mais recentes formas <strong>de</strong> or-<br />

ganização do trabalho.<br />

A Pesquisa <strong>de</strong> Emprego e Desempre-<br />

go (PED), realiza<strong>da</strong> pelo convênio<br />

DIEESE/Fun<strong>da</strong>ção Sea<strong>de</strong> em parceria<br />

com órgãos <strong>de</strong> governo e instituições <strong>de</strong><br />

pesquisa estaduais, em sas regiões metro-<br />

politanas, revela que as taxas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sem-<br />

prego se mantiveram acima <strong>de</strong> 13,0% <strong>da</strong><br />

população economicamaite ativa (PEA),<br />

no pnmeiro semestre do ano. Na Gran<strong>de</strong><br />

São Paulo, principal polo econômico do país,<br />

o indicador atingiu 16,0%, em junho, cor-<br />

respon<strong>da</strong>ite ao recor<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1.394.000 <strong>de</strong>-<br />

sempregados no período <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1985, quan-<br />

do se iniciou o levantamaito.<br />

Se não bastasse o a<strong>um</strong>ento do <strong>de</strong>sem-<br />

prego, há outro fator que agrava e dificul-<br />

ta a criação <strong>de</strong> novos postos <strong>de</strong> trabalho<br />

no Brasil: o excesso <strong>de</strong> jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> tra-<br />

balho e o abuso <strong>da</strong> prática <strong>de</strong> horas ex-<br />

tras pelos empregadores.<br />

O que é importante no <strong>de</strong>bate sobre<br />

a redução <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho? Se os<br />

ocupados trabalharem menos horas por<br />

semana, é possível gerar novos empre-<br />

gos para que mais pessoas possam se<br />

inserir no mercado <strong>de</strong> trabalho. Se os tra-<br />

balhadores do setor formal <strong>da</strong> economia<br />

reduzirem sua carga horária, a tendên-<br />

cia é que sejam cria<strong>da</strong>s novas vagas.<br />

A questão do <strong>de</strong>semprego <strong>vem</strong> assu-<br />

mindo <strong>um</strong>a importância fun<strong>da</strong>maital nas<br />

discussões políticas em todo o mundo. O<br />

Japão, que sempre apresentou taxa <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>semprego muito baixa, atualmente está<br />

<strong>de</strong>senvolvendo <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> políticas<br />

para fomentar a cnação <strong>de</strong> empregos.<br />

As recaites eleições na Europa (França<br />

e Inglaterra) também foram fun<strong>da</strong>men-<br />

talmente marca<strong>da</strong>s pelo tema.<br />

Esse novo tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego é di-<br />

feraite, na medi<strong>da</strong> em que não reflete<br />

mais a dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> temporária <strong>de</strong> o tra-<br />

balhador aicontrar <strong>um</strong>a nova ocupação.<br />

Atualmente, o <strong>de</strong>sanprego expressa <strong>um</strong>a<br />

série <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiências do sistema produti-<br />

vo em criar novas oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s aos tra-<br />

balhadores. A forma atual <strong>de</strong> organizar<br />

o setor industrial, que incorporou novas<br />

tecnologias <strong>de</strong> produção mais avança<strong>da</strong>s<br />

e <strong>de</strong>senvolveu diferentes técnicas <strong>de</strong><br />

administrar o sistema produtivo, reduziu<br />

drasticamente a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> traba-<br />

lho. As novas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> concor-<br />

rência entre as gran<strong>de</strong>s empresas multi-<br />

nacionais também impuseram mecanis-<br />

mos <strong>de</strong> redução dos custos <strong>de</strong> produção<br />

em todo o mundo. Assim, o setor indus-<br />

trial, que historicamente <strong>de</strong>sempenhou<br />

<strong>um</strong> papel mais dinâmico na criação <strong>de</strong><br />

empregos, hoje <strong>vem</strong> eliminando postos<br />

em proporções ca<strong>da</strong> vez maiores.<br />

Arg<strong>um</strong>enta-se que o setor <strong>de</strong> serviços<br />

<strong>de</strong>verá <strong>de</strong>sanpailiar <strong>um</strong> papel fun<strong>da</strong>men-<br />

tal na nova dinâmica do emprego. Mas<br />

observam-se dois movimaitos. O pnmei-<br />

ro é que as novas tecnologias tambán tân<br />

trazido impactos negativos, <strong>de</strong> forma que<br />

muitas áreas têm apresentado reduções no<br />

nível <strong>de</strong> ocupação. O segundo é que os<br />

novos anpregos criados pelos serviços são,<br />

em gran<strong>de</strong> parte, <strong>de</strong> baixa qualificação e,<br />

portanto, não substituem, do ponto <strong>de</strong> vista<br />

qualitativo, os empregos industriais.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do'<br />

Trabalhadores<br />

A implementação <strong>de</strong> novas formas <strong>de</strong><br />

produção resulta em elevados ganhos <strong>de</strong><br />

produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Isso significa que há <strong>um</strong><br />

a<strong>um</strong>ento no vol<strong>um</strong>e <strong>de</strong> bens e serviços<br />

oferecidos à socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, combinado com<br />

<strong>um</strong>a redução <strong>de</strong> trabalho socialmente<br />

necessário para a sua produção. O <strong>de</strong>-<br />

senvolvimento <strong>de</strong>ssas novas técnicas e<br />

tecnologias <strong>de</strong> produção, ou seja, do<br />

avanço do conhecimento h<strong>um</strong>ano, tem<br />

proporcionado a geração <strong>de</strong> <strong>um</strong> vol<strong>um</strong>e<br />

maior <strong>de</strong> riqueza com <strong>um</strong> menor esfor-<br />

ço. A questão fun<strong>da</strong>mental, portanto, é<br />

quem vai se apropriar <strong>de</strong>ssas novas con-<br />

quistas. E a partir <strong>de</strong>ssa questão que<br />

<strong>de</strong><strong>vem</strong>-se <strong>de</strong>senrolar os principais em-<br />

bates políticos <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Há <strong>um</strong>a corrente <strong>de</strong> pensamento que<br />

<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> que o mercado <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>ve<br />

ser transformado, com a flexibilização <strong>da</strong>s<br />

atuais normas regulamentadoras. Den-<br />

tro <strong>de</strong>ssa concepção, mercados <strong>de</strong> tra-<br />

balho com regras rígi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> contratação<br />

dificultam a geração <strong>de</strong> novos postos.<br />

Por outro lado, se forem reduzi<strong>da</strong>s as<br />

exigências e flexiona<strong>da</strong>s as normas atu-<br />

ais, os empregadores terão maior liber-<br />

<strong>da</strong><strong>de</strong> para contratar novos trabalhadores.<br />

Outra forma <strong>de</strong> enfrentar o proble-<br />

ma tem sido coloca<strong>da</strong> por representan-<br />

tes dos trabalhadores. Eles arg<strong>um</strong>entam<br />

que a flexibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do mercado não tem<br />

o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> cnar empregos, mas, como a<br />

experiência tem <strong>de</strong>monstrado, essa polí-<br />

tica tai<strong>de</strong> a tomar precários os vínculos<br />

trabalhistas em <strong>de</strong>trimento dos salános<br />

e <strong>da</strong>s <strong>de</strong>mais condições <strong>de</strong> trabalho. Por<br />

isso, conforme <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m, <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong><br />

atacar o problema é através <strong>da</strong> redução<br />

<strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho.<br />

Evi<strong>da</strong>itanaite, essa política, por si só,<br />

não produzirá todos os efeitos necessári-<br />

os. Outras medi<strong>da</strong>s <strong>de</strong><strong>vem</strong> ser adota<strong>da</strong>s.<br />

Além <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> retoma<strong>da</strong> do<br />

crescimento econômico, a limitação do<br />

uso <strong>de</strong> horas extras também é <strong>um</strong>a <strong>da</strong>s<br />

condições importantes para a cnação <strong>de</strong><br />

novos postos <strong>de</strong> trabalho Nesse sentido,<br />

nos últimos congressos <strong>da</strong>s centrais sin-<br />

dicais os <strong>de</strong>legados (CUT e Força Sindi-<br />

cal) reafirmaram o propósito <strong>de</strong> lutar pela<br />

redução <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho.<br />

Por sua vez, o ministro do Trabalho<br />

garantiu, recentemaite, que o projeto do<br />

governo para incentivar a geração <strong>de</strong><br />

emprego <strong>de</strong>ve ser votado no Senado nos<br />

próximos dois meses. O projeto prevê a


Quinzena N 0 259-31/10/97 Trabalhadores<br />

ampliação <strong>da</strong> contratação dos trabalha-<br />

dores por prazo <strong>de</strong>terminado, altera o<br />

artigo 59 <strong>da</strong> CLT, facilitando a criação<br />

<strong>de</strong> bancos <strong>de</strong> horas <strong>de</strong> trabalho, e reduz<br />

a alíquota do Fundo <strong>de</strong> Garantia por Tem-<br />

po <strong>de</strong> Serviço (FGTS) nos contratos por<br />

tempo <strong>de</strong>terminado. Os empregadores<br />

não terão <strong>de</strong> pagar aviso prévio nem<br />

multa rescisória para os trabalhadores<br />

vinculados a esse tipo <strong>de</strong> contrato. As<br />

contribuições sociais que inci<strong>de</strong>m sobre<br />

a folha <strong>de</strong> pagamento são reduzi<strong>da</strong>s em<br />

50% para contratos <strong>de</strong>sse tipo.<br />

A questão do emprego na socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

contemporânea é caicial; to<strong>da</strong>s as rela-<br />

ções <strong>de</strong> sociabili<strong>da</strong><strong>de</strong> estão centra<strong>da</strong>s na<br />

RAE - Fun<strong>da</strong>ção Getúlio Vargas - Out/Dez/1997 - N" 4<br />

figura do trabalho. Aquele que por qual-<br />

quer razão per<strong>de</strong>r a condição <strong>de</strong> realizá-<br />

lo, encontra-se sem as mínimas condi-<br />

ções <strong>de</strong> sobrevivência com digni<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Conforme afirma com to<strong>da</strong> a plenitu<strong>de</strong><br />

Viviene Forrester; "Segundo o cost<strong>um</strong>e<br />

secular, atua aqui <strong>um</strong> principio fun<strong>da</strong>men-<br />

tal: para <strong>um</strong> indivíduo sem função não<br />

há lugar, não há mais acesso evi<strong>de</strong>nte à<br />

vi<strong>da</strong>, pelo menos ao seu alcance. Ora,<br />

as funções hoje <strong>de</strong>saparecem irrevoga-<br />

velmente, mas esse princípio perdura,<br />

mesmo que doravante ele não possa mais<br />

organizar a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, mas apenas <strong>de</strong>s-<br />

truir o estatuto dos h<strong>um</strong>anos, <strong>de</strong>tenorar<br />

vi<strong>da</strong>s ou até mesmo dizimá-las".<br />

A escritora também atesta com to-<br />

<strong>da</strong>s as letras que as classes dominantes,<br />

que têm implementado essas políticas,<br />

estão atuando em outras esferas:"... esse<br />

<strong>de</strong>saparecimento (do trabalho) não inco-<br />

mo<strong>da</strong> em na<strong>da</strong> os ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iros po<strong>de</strong>ro-<br />

sos, os <strong>da</strong> economia <strong>de</strong> mercado. Mas a<br />

miséria causa<strong>da</strong> por esse <strong>de</strong>sapareci-<br />

mento também não é o seu objetivo... O<br />

que lhes importa e que <strong>de</strong>ixa na sombra<br />

todos os outros fenômenos são as mas-<br />

sas monetárias, os jogos financeiros - as<br />

especulações, as transações inéditas, os<br />

fluxos impalpáveis, aquela reali<strong>da</strong><strong>de</strong> vir-<br />

tual, hoje mais influente que qualquer<br />

outra". H<br />

A participação dos trabalhadores nos lucros e<br />

resultados <strong>da</strong>s empresas no Brasil: <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento<br />

para acelerar a reestruturação necessária<br />

Apesar <strong>de</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1946, as sucessi<br />

vas constituições brasileiras estabe-<br />

lecerem o direito dos trabalhadores <strong>de</strong><br />

participar nos lucros <strong>da</strong>s empresas, a<br />

falta <strong>de</strong> regulamentação sobre isso limi-<br />

tou sua aplicação a iniciativas isola<strong>da</strong>s.<br />

Em <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1994, anunciou-se a<br />

Medi<strong>da</strong> Provisória (MP) n 0 794, que re-<br />

gula a disposição constitucional com res-<br />

peito à participação dos trabalhadores<br />

nos lucros ou resultados <strong>da</strong>s empresas.<br />

Des<strong>de</strong> então, o conteúdo <strong>da</strong> mesma <strong>vem</strong><br />

sendo reeditado sucessivamente, man-<br />

tendo-se sua vigência. Desse modo, pôs-<br />

se fim a <strong>um</strong> vazio regulamentar (ain<strong>da</strong><br />

que <strong>de</strong> fonna precária até seu tratamen-<br />

to legislativo), abrindo <strong>um</strong> amplo espaço<br />

para sua aplicação.<br />

A participação financeira é <strong>um</strong> ins-<br />

tr<strong>um</strong>ento pelo qual os trabalhadores ad-<br />

quirem acesso a <strong>um</strong>a remuneração adi-<br />

cional variável <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que sejam atingi-<br />

dos certos objetivos pre<strong>de</strong>terminados. No<br />

caso do Brasil, esses objetivos são <strong>de</strong>-<br />

terminados pela negociação direta no ní-<br />

vel <strong>da</strong> empresa e po<strong>de</strong>m consistir em<br />

metas <strong>de</strong> lucros ou diversos tipos <strong>de</strong> re-<br />

sultados. Trata-se, portanto, <strong>de</strong> <strong>um</strong> com-<br />

ponente variável <strong>da</strong> remuneração, <strong>um</strong>a<br />

vez que, em função <strong>da</strong> realização <strong>da</strong>s<br />

metas, se efetuará ou não <strong>um</strong> pagamen-<br />

Andrés K. Marinakis''<br />

to àqueles trabalhadores envolvidos (as-<br />

sim como variará o seu valor),<br />

A partir <strong>de</strong>sse impulso <strong>da</strong>do à partia-<br />

pação financeira dos trabalhadores, o Bra-<br />

sil se incorpora ao gaipo <strong>de</strong> países que<br />

aplicam <strong>de</strong> forma crescente esse instru-<br />

mento. Como se verá repeti<strong>da</strong>s vezes, os<br />

objetivos perseguidos em ca<strong>da</strong> país dife-<br />

rem, <strong>de</strong>tenninando as características do<br />

sistema a ser aplicado. O objetivo <strong>de</strong>ste<br />

trabalho é estabelecer qual é o objetivo<br />

buscado no caso brasileiro, os baiefícios<br />

e as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s que sua aplicação vai<br />

encontrar e, finalmente, o potencial que<br />

sua utilização apresaita para melhorar o<br />

<strong>de</strong>sempenho <strong>da</strong>s empresas brasileiras.<br />

Objetivos dos programas<br />

<strong>de</strong> participação financeira<br />

E importante <strong>de</strong>stacar que os progra-<br />

mas <strong>de</strong> participação financeira po<strong>de</strong>m<br />

perseguir diferentes objetivos. No que se<br />

refere aos princípios que po<strong>de</strong>m guiar a<br />

introdução <strong>de</strong> tais programas, estes po-<br />

<strong>de</strong>m constituir a instituição <strong>de</strong> <strong>um</strong> direito<br />

dos trabalhadores ou po<strong>de</strong>m constituir <strong>um</strong><br />

instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> gestão.<br />

• Como expressão <strong>de</strong> <strong>um</strong> direi-<br />

to dos trabalhadores: consiste em que<br />

os programas dêem alg<strong>um</strong>a participação<br />

na distribuição do resultado financeiro <strong>da</strong><br />

empresa, proporcional à importância do<br />

fator trabalho no valor agregado total.<br />

Dessa forma procura-se melhorar a ren-<br />

<strong>da</strong> dos trabalhadores ou <strong>da</strong>r alg<strong>um</strong> be-<br />

nefício adicional, especialmente àqueles<br />

cuja ren<strong>da</strong> é mais mo<strong>de</strong>sta. Esse é o prin-<br />

cípio perseguido pelo sistema <strong>de</strong> partici-<br />

pação obrigatória em prática na França.<br />

* Como instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> gestão:<br />

os programas são implemaitados <strong>de</strong> tal for-<br />

ma que criam incaitivos para os trabalha-<br />

dores ao relacionar parte <strong>da</strong>s remunerações<br />

a indicadores selecionados <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>sem-<br />

paiho. Neste caso, busca-se motivar os tra-<br />

balhadores para solucionar/melhorar aspec-<br />

tos importantes <strong>da</strong> organização.<br />

Esses dois princípios não são neces-<br />

sanamente exclu<strong>da</strong>ites: po<strong>de</strong>-se aceitar<br />

que a participação nos lucros é <strong>um</strong> direi-<br />

to dos trabalhadores e que, ao mesmo<br />

tempo, po<strong>de</strong> ser utiliza<strong>da</strong> como instru-<br />

mento <strong>de</strong> gestão. Entretanto, a diferen-<br />

ça fun<strong>da</strong>maital radica em que, ao cons-<br />

tituir <strong>um</strong> direito, a participação nos lu-<br />

cros <strong>de</strong>ve ser extensiva a todos os tra-<br />

balhadores e, portanto, <strong>de</strong> aplicação obn-<br />

gatóna; enquanto que, ao estabelecer-se<br />

que o objetivo principal é constituir <strong>um</strong><br />

instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> gestão, sua aplicação<br />

<strong>de</strong>ve estar sujeita à necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s<br />

empresas e, portanto, ser voluntária.<br />

Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"


Quinzena N 0 259 - 31/10/97<br />

A Constituição Brasileira inscreve a<br />

partiapação nos lucros como <strong>um</strong> direito<br />

<strong>de</strong> todos os trabalhadores, o que lhe <strong>da</strong>na<br />

<strong>um</strong> caráter <strong>de</strong> aplicação obngatóna. Na<br />

sua instr<strong>um</strong>entalização através <strong>da</strong> MR<br />

reforça-se esse conceito ao estabelecer<br />

que to<strong>da</strong> empresa <strong>de</strong>vera conven-cionar<br />

com seus empregados a forma <strong>de</strong> partici-<br />

pação Estabelece, alem disso, que sobre<br />

ela não inci<strong>de</strong>m os encargos sociais ou<br />

previ<strong>de</strong>nciais. o que constitui <strong>um</strong> incaiti-<br />

vo para o empregador De tal modo, o<br />

Brasil se inscreve entre os países on<strong>de</strong><br />

esses programas recebem o impulso <strong>da</strong>s<br />

autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s e on<strong>de</strong> se estabelece <strong>um</strong><br />

marco legal obrigatório ou semi-obnga-<br />

tono. como é o caso <strong>da</strong> França (ver qua-<br />

dro I) Mas. alem disso, a reforma cons-<br />

titucional <strong>de</strong> 1^88 introduz a participa-<br />

ção alternativa nos lucros ou resultados<br />

<strong>da</strong>s empresas Este ultimo aspecto ori-<br />

enta o uso <strong>de</strong>sses programas como ins-<br />

tr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> gestão Desta forma, a<br />

Medi<strong>da</strong> Provisória brasileira parece bus-<br />

car ambos os objetivos<br />

Ouadro 1 - Classificaçãn <strong>de</strong> acordo com o<br />

marco leqai P a origem <strong>da</strong> iniciativa<br />

Pr>r miciat va <strong>de</strong><br />

Fmpfçsa^os<br />

Autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

ERtartos<br />

Unuios<br />

(Va-Brelarha Frar^s<br />

Bras


Quinzena N 0 259 - 31/10/97 8 Trabalhadores<br />

trabalhadores participantes e <strong>um</strong>a esca-<br />

la <strong>de</strong> prêmios <strong>de</strong> acordo com sua execu-<br />

ção. Para isso, <strong>de</strong>ve-se prestar muita<br />

atenção em como medir o <strong>de</strong>sempenho,<br />

bem como fixar metas que sejam perce-<br />

bi<strong>da</strong>s como justas pelos trabalhadores e<br />

que, ao mesmo tempo, constituam <strong>um</strong>a<br />

melhora real em seu rendimento.<br />

Para potenciar a motivação, os pa-<br />

gamentos <strong>de</strong><strong>vem</strong> ser realizados com a<br />

maior freqüência possível, permitindo<br />

relacionar o pagamento <strong>da</strong> participação<br />

com a melhora no <strong>de</strong>sempenho. Do mes-<br />

mo modo, a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> a remunerar <strong>de</strong>ve<br />

ser individual ou abranger grupos homo-<br />

gêneos <strong>de</strong> pequeno tamanho.<br />

A escolha <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rá não só <strong>de</strong> ques-<br />

tões práticas (dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar<br />

a produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> certos trabalhadores,<br />

por exemplo) como também <strong>da</strong> atitu<strong>de</strong><br />

que se quer promover (trabalho em equi-<br />

pe ou individual). Os programas po<strong>de</strong>m<br />

estar orientados a estimular o esforço<br />

individual (a<strong>um</strong>ento <strong>da</strong> produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> no<br />

sentido estrito), melhorar a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />

produto, economizar o uso <strong>de</strong> recursos,<br />

diminuir o <strong>de</strong>sperdício e o tempo ocioso,<br />

reduzir os aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho etc.<br />

Também po<strong>de</strong>m incentivar mais <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

aspecto ao mesmo tempo. E fun<strong>da</strong>men-<br />

tal que os resultados combinados tenham<br />

como objetivo a realização <strong>de</strong> aspectos<br />

estratégicos <strong>da</strong> organização, razão pela<br />

qual sua i<strong>de</strong>ntificação requer <strong>um</strong>a cui-<br />

<strong>da</strong>dosa análise.<br />

Precauções e dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

na implementação <strong>de</strong><br />

programas <strong>de</strong> participação<br />

financeira<br />

Tanto na participação nos lucros como<br />

nos resultados, <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> precauções<br />

<strong>de</strong><strong>vem</strong> ser toma<strong>da</strong>s. Em primeiro lugar,<br />

não se <strong>de</strong>ve esquecer que as somas dis-<br />

tnbuí<strong>da</strong>s por esses conceitos não consti-<br />

tuem <strong>um</strong> ingresso regular e, portanto, di-<br />

ferenciam-se dos salários. A MP, assim<br />

como os artigos relacionados <strong>da</strong> Consti-<br />

tuição, mencionam esse aspecto.<br />

No caso brasileiro, existe certa preo-<br />

cupação por parte <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s para<br />

que a participação nos lucros ou resulta-<br />

dos não substitua parte dos salários re-<br />

gulares, com o objetivo <strong>de</strong> que as em-<br />

presas tenham <strong>um</strong> simples benefício nos<br />

seus custos (estão liberados dos encar-<br />

gos sociais e previ<strong>de</strong>nciais). Isso se ma-<br />

nifesta na MP através do estabelecimen-<br />

to <strong>de</strong> <strong>um</strong>a periodici<strong>da</strong><strong>de</strong> mínima <strong>de</strong> seis<br />

meses para o <strong>de</strong>sembolso <strong>da</strong> participa-<br />

ção, com o qual se dificulta essa substi-<br />

tuição. Essa periodici<strong>da</strong><strong>de</strong> mínima, en-<br />

tretanto, vai contra a participação nos<br />

resultados como incentivo aos trabalha-<br />

dores, <strong>um</strong>a vez que o pagamento por esse<br />

conceito não está muito próximo <strong>de</strong> todo<br />

o período avaliado.<br />

Sendo <strong>um</strong>a ren<strong>da</strong> variável, os paga-<br />

mentos por participação nos lucros e re-<br />

sultados não <strong>de</strong>veriam representar <strong>um</strong>a<br />

Quadro 2 — Principais dil»r«nças entre a participação nos lucros e nos resultados<br />

Objetivos<br />

Fator a remunerar<br />

Uni<strong>da</strong><strong>de</strong> a<br />

remunerar<br />

Freqüência <strong>da</strong><br />

remuneração<br />

Disponibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong> retribuição<br />

Principal ponto<br />

positivo<br />

Principal ponto<br />

negativo<br />

Fonte: do autor.<br />

proporção muito significativa na ren<strong>da</strong><br />

dos trabalhadores. Caso contrário, po<strong>de</strong>-<br />

se estar criando distorções que se mani-<br />

festarão em alg<strong>um</strong> momento postenor.<br />

Durante períodos <strong>de</strong> <strong>de</strong>pressão, por<br />

exemplo, a empresa po<strong>de</strong> ter dificul<strong>da</strong>-<br />

<strong>de</strong>s para manter seus melhores trabalha-<br />

dores, já que o não-pagamento <strong>da</strong> parte<br />

variável po<strong>de</strong> fazer cair sua remunera-<br />

ção a níveis abaixo do mercado. Portan-<br />

to, ao estabelecer o sistema <strong>de</strong> partici-<br />

pação a ser aplicado na empresa, <strong>de</strong>ve-<br />

se ter em conta os salários do mercado.<br />

PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS PARTICIPAÇÃO NOS RESULTADOS<br />

Ligar as remunerações ao êxito<br />

<strong>da</strong> empresa e promover a<br />

i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> dos trabalhadores<br />

com os objetivos <strong>da</strong> empresa<br />

{a<strong>um</strong>entar lucro).<br />

Lucro.<br />

Empresa como <strong>um</strong> todo >u<br />

uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s fabris.<br />

Anual ou semestral.<br />

Imediata (pagamento em<br />

dinheiro, sem beneficio fiscal<br />

para o trabalhador).<br />

Uediata {pagamento diferido,<br />

com Incentivo fiscal para o<br />

trabalhador).<br />

Nos períodos <strong>de</strong> lucro, dá <strong>um</strong>a<br />

parte aos trabalhadores. Em<br />

período recessivo, o custo<br />

trabalhista se reduz <strong>de</strong> forma<br />

automática, aliviando o ajuste.<br />

Fatores importantes não estão<br />

sob o controle doa<br />

trabalhadores (<strong>de</strong>cisões <strong>da</strong><br />

direção ou fatores<br />

macroeconômicos).<br />

No momento <strong>de</strong> estabelecer a natu-<br />

reza do que vai ser remunerado (produ-<br />

tivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, quali<strong>da</strong><strong>de</strong> etc), <strong>de</strong>ve-se ter cui-<br />

<strong>da</strong>do para que o incentivo não repercuta<br />

negativamente em outros aspectos. Por<br />

exemplo, existem incentivos para elevar<br />

a produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> que po<strong>de</strong>m levar, <strong>de</strong> for-<br />

ma in<strong>de</strong>seja<strong>da</strong>, a <strong>um</strong>a <strong>de</strong>terioração <strong>da</strong><br />

quali<strong>da</strong><strong>de</strong> do produto final ou a <strong>um</strong> au-<br />

mento dos aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho. Uma<br />

forma <strong>de</strong> evitar esses efeitos é construin-<br />

Po<strong>de</strong> ser projeta<strong>da</strong> para:<br />

- estimular o esforço individual;<br />

- melhorar a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> do produto:<br />

- economizar uso <strong>de</strong> recursos:<br />

- estimular cooperação e trabalho<br />

em grupo.<br />

Produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> (medi<strong>da</strong> a partir <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> ou múltiplos Indicadores).<br />

Individual ou grupos <strong>de</strong> trabalho<br />

i Mensal, trimestral, semestral.<br />

Imediata (pagamento em dinheiro,<br />

sem beneficio fiscal para o<br />

trabalhador).<br />

Os trabalhadores têm maior<br />

influência e controle sobre o<br />

resultado do que no caso dos<br />

planos <strong>de</strong> participação nos lucros.<br />

Ãs vezes é dificil <strong>de</strong>terminar e medir<br />

os indicadores mais a<strong>de</strong>quados.<br />

Deve-se evitar que o incentivo tenha<br />

efeitos in<strong>de</strong>sejados sobre outros<br />

aspectos.<br />

do indicadores mistos que explicitem, por<br />

exemplo, que o bônus resultante do in-<br />

cremento na produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> po<strong>de</strong> ver-se<br />

anulado se os índices <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> não<br />

são satisfatórios. E o caso, por exemplo,<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong>a fábrica norte-americana <strong>de</strong> apa-<br />

relhos <strong>de</strong> ar condicionado que utiliza <strong>um</strong>a<br />

séne <strong>de</strong> fatores ligados à economia (eco-<br />

nomia no custo <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra, maten-<br />

ais e ins<strong>um</strong>os). O resultado combinado<br />

<strong>de</strong>sses fatores é modificado, em última<br />

"Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do'


Quinzena N 0 259 - 31/10/97 Trabalhadores<br />

instância, por <strong>um</strong>a escala <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Como <strong>de</strong>monstra o quadro 3, se a quali-<br />

<strong>da</strong><strong>de</strong> dos produtos for igual ou inferior a<br />

78% <strong>da</strong> meta fixa<strong>da</strong>, elimina-se totalmen-<br />

te o bônus resultante <strong>da</strong> economia<br />

alcança<strong>da</strong>; se a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> for <strong>de</strong> 98% <strong>da</strong><br />

meta, o bônus resultante é igual à eco-<br />

nomia consegui<strong>da</strong>; e, atingindo 100% <strong>da</strong><br />

meta <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, o bônus é ain<strong>da</strong> mai-<br />

or do que a economia consegui<strong>da</strong>, em<br />

10%. Desse modo, a maximização <strong>da</strong><br />

economia que po<strong>de</strong> comprometer a qua-<br />

li<strong>da</strong><strong>de</strong> do produto finai fica claramente<br />

penaliza<strong>da</strong><br />

O quadro 4 apresenta <strong>um</strong> exemplo <strong>da</strong><br />

aplicação <strong>da</strong> tabela antenor para <strong>um</strong> caso<br />

em que é premiado o trabalho em gaipo e<br />

não <strong>de</strong>sempenho individual Em pnmeiro<br />

lugar, registra-se a pontuação <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>-<br />

<strong>de</strong> obti<strong>da</strong> pelos grupos <strong>de</strong> trabalho. A, B<br />

e C ao final do período. Na seqüência, a<br />

partir do quadro 3, converte-se o resulta-<br />

do <strong>da</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> grupo no<br />

multiplicador <strong>da</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> correspon<strong>da</strong>i-<br />

te. O mesmo é aplicado sobre o bônus<br />

resultante <strong>da</strong> economia realiza<strong>da</strong> (a qual<br />

e igual para todos os grupos para simplifi-<br />

car a comparação entre os gaipos) para<br />

obter o bônus final. Neste exemplo, o gm-<br />

po B atinge o bônus máximo graças a sua<br />

excelente performance <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

No plano <strong>de</strong> sua aplicação, progra-<br />

mas baseados nos lucros ou nos resulta-<br />

dos têm probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> muito diferente <strong>de</strong><br />

ser implementados no caso brasileiro. A<br />

participação nos lucros requer que as<br />

empresas ponham seus livros contábeis<br />

à disposição dos trabalhadores, represen-<br />

tados pelo sindicato ou comissões <strong>de</strong> fá-<br />

brica, que po<strong>de</strong>m verificar a informação<br />

relevante. No Brasil existe muita relu-<br />

tância <strong>da</strong>s empresas em <strong>da</strong>r esse passo.<br />

Mas, na prática, existe uni obstáculo mai-<br />

or, <strong>um</strong>a vez que esses programas preci-<br />

sam <strong>da</strong> existência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a contabili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>talha<strong>da</strong> no âmbito <strong>da</strong> empresa. Hoje<br />

em dia, a maior parte <strong>da</strong>s empresas bra-<br />

sileiras fazem suas contnbmções impositi-<br />

vas basea<strong>da</strong>s no lucro conjecturado, com<br />

o qual carecem do instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> base.<br />

Mas, além disso, existe na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

falta <strong>de</strong> confiança nos balanços <strong>da</strong>s em-<br />

presas, que se baseia na suposição <strong>de</strong><br />

altos niveis <strong>de</strong> evasão fiscal. Tudo isso<br />

faz pensar que que, ao menos n<strong>um</strong>a pri-<br />

meira instância, programas <strong>de</strong> participa-<br />

ção nos resultados terão preferências so-<br />

Quadro 3 — Modificador <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> para a <strong>de</strong>terminação do bônus final<br />

1<br />

I<br />

QUALIDADE COMO % DA META MULTIPLICADOR DO BÔNUS<br />

78 0.0<br />

80 0.10<br />

.- 85 0.35<br />

90<br />

0.60<br />

95 0.90<br />

98<br />

100<br />

1.00<br />

1.10<br />

_ , ..<br />

o elimina bônus por economia<br />

~ bônus igual a economia<br />

Fonte: BELCHER, J. Gain sharing. Huston, Texas: Gulf Publishing Company, 1991.<br />

Quadro 4 — Exemplo <strong>de</strong> aplicação do multiplicador<br />

1<br />

1<br />

GRUPO A GRUPO B GRUPO C<br />

Pontuação <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> 67% 99% 87%<br />

Multiplicador 0.0 1.10 0.35<br />

Bônus resultante <strong>da</strong> economia R$ 3.200 RS 3.200 RS 3.200<br />

Bônus final RS0 R$ 3.520 HS 1.120<br />

Fonte: do autor.<br />

bre os <strong>de</strong> participação nos lucros. De<br />

fato, nos <strong>de</strong>bates estabelecidos com as<br />

organizações sindicais, estas <strong>de</strong>monstram<br />

que já perceberam essa reali<strong>da</strong><strong>de</strong> e al-<br />

g<strong>um</strong>as <strong>de</strong>las estão impulsionando-a <strong>de</strong><br />

forma ativa.<br />

Cabe apontar, além disso, que no caso<br />

do Brasil há <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> acordos que<br />

estabelecem a distribuição <strong>de</strong> <strong>um</strong> bônus<br />

fixo anual como participação nos lucros,<br />

como é o caso do acordo conseguido pela<br />

FEBRABAN com o sindicato do setor<br />

bancário. Apesar <strong>de</strong>sses tipos <strong>de</strong> acor-<br />

dos c<strong>um</strong>prirem com a MP, já que são<br />

resultado <strong>da</strong> livre-negociação entre as<br />

partes interessa<strong>da</strong>s, não c<strong>um</strong>prem com<br />

o objetivo e o espirito <strong>da</strong> mesma. Dado<br />

que o montante a ser distribuido é fixo, o<br />

mesmo constitui <strong>um</strong> custo trabalhista<br />

adicional assimilável ao pagamento do<br />

salário anual complementar. Dessa for-<br />

ma, a participação não está liga<strong>da</strong> ao<br />

sucesso financeiro <strong>da</strong> firma e também<br />

não constitui <strong>um</strong> instaimento para incen-<br />

tivar os trabalhadores. Isso <strong>de</strong>monstra<br />

que, em geral, o potencial <strong>da</strong>s ver<strong>da</strong><strong>de</strong>i-<br />

ras políticas <strong>de</strong> recursos h<strong>um</strong>anos não<br />

está sendo explorado a fundo e, em par-<br />

ticular, o instr<strong>um</strong>ento que esta MP prove<br />

1<br />

não foi entendido em alguns setores.<br />

Finalmente, <strong>de</strong>ve-se <strong>de</strong>stacar que<br />

esses programas <strong>de</strong> participação nos re-<br />

sultados não têm caráter permanente. O<br />

ciclo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> própna organização, pas-<br />

sando por fases <strong>de</strong> crescimento, conso-<br />

li<strong>da</strong>ção e <strong>de</strong>clínio, requer diferentes polí-<br />

ticas <strong>de</strong> remuneração. Por outro lado,<br />

mu<strong>da</strong>nças importantes nos niveis <strong>de</strong> pro-<br />

dução e na tecnologia utiliza<strong>da</strong> são cir-<br />

cunstâncias que pe<strong>de</strong>m <strong>um</strong>a revisão dos<br />

acordos, já que os parâmetros são dife-<br />

rentes. Portanto, é importante que os<br />

acordos incluam <strong>um</strong>a cláusula que esta-<br />

beleça as circunstâncias ou a eventual<br />

penodici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> renegociação entre as<br />

partes.<br />

O potencial dos programas<br />

<strong>de</strong> participação nos lucros<br />

ou resultados no Brasil<br />

Para analisar o potencial que esses<br />

programas apresentam no Brasil, <strong>de</strong>ve-<br />

se levar em conta a estrutura <strong>da</strong>s firmas<br />

e o contexto em que atuam. O contexto<br />

socioeconômico po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>terminante<br />

o que diz respeito ao <strong>de</strong>senvolvimento<br />

<strong>de</strong>sse instr<strong>um</strong>ento.Nos países <strong>de</strong> longa<br />

aplicação <strong>de</strong>sses sistemas, observam-se<br />

Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do 1


Quinzena N 0 259 - 31/10/97 10 Trabalhadores<br />

modificações que correspon<strong>de</strong>m às no-<br />

vas circunstâncias.<br />

A experiência dos Estados Unidos,<br />

por exemplo, indica que na sua origem o<br />

objetivo predominantemente perseguido<br />

pelos planos <strong>de</strong> participação era o <strong>de</strong> dis-<br />

tribuição. Isso acontece em <strong>um</strong> contex-<br />

to <strong>de</strong> crescimento continuo <strong>da</strong> economia<br />

e do setor privado - manufatureiro, em<br />

particular -, com alta criação <strong>de</strong> empre-<br />

gos e niveis <strong>de</strong> sindicalização crescen-<br />

tes. Hoje em dia, nos Estados Unidos, a<br />

participação nos lucros ou resultados é<br />

vista principalmente como <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>en-<br />

to que flexibiliza os custos trabalhistas e/<br />

ou <strong>um</strong> incentivo para melhorar o <strong>de</strong>sem-<br />

penho <strong>da</strong> empresa. Os planos negocia-<br />

dos <strong>de</strong> forma coletiva em anos mais re-<br />

centes foram parte <strong>da</strong>s concessões<br />

introduzi<strong>da</strong>s em troca <strong>da</strong> eliminação <strong>de</strong><br />

incrementos salariais ou outros benefíci-<br />

os. Nesse caso, as empresas com pro-<br />

blemas são aquelas que passam a estar<br />

mais interessa<strong>da</strong>s em introduzir progra-<br />

mas <strong>de</strong> participação financeira <strong>de</strong> forma<br />

a contribuir ao processo <strong>de</strong> reestrutura-<br />

ção <strong>da</strong>s mesmas. Esse novo interesse<br />

aparece n<strong>um</strong> contexto marcado por bai-<br />

xas taxas <strong>de</strong> crescimento e <strong>de</strong> criação<br />

<strong>de</strong> emprego, crescente <strong>globalização</strong> e<br />

concorrência internacional, e que<strong>da</strong> nos<br />

Índices <strong>de</strong> sindicalização.<br />

A situação <strong>da</strong> economia brasileira<br />

neste momento encontra-se marca<strong>da</strong><br />

principalmente pelo aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong><br />

abertura comercial e do processo <strong>de</strong><br />

integração regional, bem como pela con-<br />

soli<strong>da</strong>ção do processo <strong>de</strong> estabilização.<br />

Essas circunstâncias confluem para a<br />

empresa elevando os níveis <strong>de</strong> quali<strong>da</strong>-<br />

<strong>de</strong> exigidos, restringindo a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> na<br />

<strong>de</strong>terminação dos preços, <strong>da</strong>ndo <strong>um</strong>a<br />

nova dimensão à estrutura <strong>de</strong> custos etc.<br />

Constituem, portanto, fatores que impul-<br />

sionam a reestruturação organizacional<br />

<strong>de</strong> modo a alcançar niveis <strong>de</strong> produtivi-<br />

<strong>da</strong><strong>de</strong> e competitivi<strong>da</strong><strong>de</strong> requendos pelos<br />

novos mercados. A participação nos re-<br />

sultados ou metas estabelecidos clara-<br />

mente po<strong>de</strong> ser muito apropria<strong>da</strong> nesse<br />

contexto, <strong>um</strong>a vez que po<strong>de</strong> contribuir<br />

para acelerar o processo <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rniza-<br />

ção <strong>da</strong>s empresas brasileiras, estimulan-<br />

do a melhora dos seus stan<strong>da</strong>rds e a pro-<br />

dutivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> seus trabalhadores.<br />

Em nivel micro, <strong>de</strong>ve-se apontar o<br />

impacto diferenciado que po<strong>de</strong> se <strong>da</strong>r <strong>de</strong><br />

acordo com o tamanho <strong>da</strong> empresa. No<br />

que se refere aos programas baseados<br />

nos lucros, estes são <strong>de</strong> aplicação possí-<br />

vel nas empresas maiores, que contam<br />

com contabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>talha<strong>da</strong> (tributam<br />

sobre o lucro real) e, em alguns casos,<br />

com auditorias externas. Quanto aos pro-<br />

gramas baseados nos resultados, se fo-<br />

rem aplicados aten<strong>de</strong>ndo a melhoras ob-<br />

jetivas nos seus processos e produtos,<br />

po<strong>de</strong>m constituir <strong>um</strong> importante impulso,<br />

especialmente nas empresas médias e<br />

pequenas. Isso porque, na sua maioria,<br />

as empresas maiores e mo<strong>de</strong>rnas do<br />

Brasil já aplicam <strong>um</strong>a séne <strong>de</strong> sistemas<br />

<strong>de</strong> gestão que aten<strong>de</strong>m a esses objeti-<br />

vos. O que não quer dizer que as possi-<br />

bili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> melhoria tenham se esgota-<br />

do; ao contrário, simplesmente não se<br />

tratam <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>entos tão novos nem<br />

<strong>de</strong> áreas que anteriormente estiveram<br />

<strong>de</strong>scui<strong>da</strong><strong>da</strong>s.<br />

Por exemplo, <strong>de</strong>pois <strong>da</strong> introdução <strong>da</strong><br />

MP, a Souza Caiz prosseguiu as negoci-<br />

ações com os sindicatos para estabele-<br />

cer <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> resultados esperados<br />

por uni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Para ca<strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong> foram<br />

estabelecidos no máximo cinco fatores<br />

<strong>de</strong> avaliação, com sua escala <strong>de</strong> produ-<br />

ção, por exemplo, os fatores escolhidos<br />

foram: aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trabalho, não-com-<br />

parecimento ao trabalho, quali<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />

produto, índice <strong>de</strong> produção e <strong>de</strong>sperdí-<br />

cio <strong>de</strong> matéria-prima. Os sistemas <strong>de</strong><br />

informação existentes na empresa per-<br />

mitiram estabelecer <strong>um</strong> sistema muito<br />

sofisticado, fixando as metas em função<br />

<strong>da</strong>s médias históricas <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> <strong>um</strong>a <strong>da</strong>s<br />

uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Alg<strong>um</strong>as <strong>de</strong>ssas informações,<br />

ao contrário, são <strong>de</strong>sconheci<strong>da</strong>s pela di-<br />

reção <strong>de</strong> muitas pequenas e médias em-<br />

presas. A partir <strong>de</strong> <strong>um</strong>a só medição, es-<br />

sas empresas po<strong>de</strong>m conseguir melho-<br />

ras rápi<strong>da</strong>s nos seus resultados.<br />

N<strong>um</strong>a primeira etapa, a aplicação <strong>de</strong><br />

programas sobre os resultados po<strong>de</strong>rá<br />

gerar benefícios visíveis tanto para a<br />

parte empresarial quanto para os traba-<br />

lhadores, já que não a<strong>um</strong>enta o custo<br />

unitário laborai. Entretanto, essas opor-<br />

tuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> conseguir melhoras em cur-<br />

to ou médio prazos não são ilimita<strong>da</strong>s,<br />

razão pela qual esses programas <strong>de</strong>ve-<br />

rão ir sofísticando-se progressivamente.<br />

Em particular, a aplicação <strong>de</strong> programas<br />

<strong>de</strong> resultados, em momentos <strong>de</strong> que<strong>da</strong><br />

na <strong>de</strong>man<strong>da</strong> do produto <strong>de</strong>vido aos ci-<br />

clos econômicos, po<strong>de</strong> resultar em pa-<br />

gamento <strong>de</strong> bônus inclusive se a empre-<br />

sa está per<strong>de</strong>ndo dinheiro. Uma alterna-<br />

tiva para resolver essa eventuali<strong>da</strong><strong>de</strong> é<br />

a elaboração <strong>de</strong> indicadores que inclu-<br />

am tanto resultados quanto o lucro <strong>da</strong><br />

empresa. Na medi<strong>da</strong> em que se vai so-<br />

lucionando o problema <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> credibi-<br />

li<strong>da</strong><strong>de</strong> nos balanços e que a<strong>um</strong>enta a<br />

confiança entre os participantes, será<br />

possível ir avançando na direção <strong>de</strong>sse<br />

tipo <strong>de</strong> indicadores mistos.<br />

Apesar <strong>de</strong> a MP estabelecer que a<br />

introdução <strong>de</strong>sses programas <strong>de</strong>ve ser<br />

resultado <strong>da</strong> negociação <strong>da</strong>s partes, exis-<br />

te o risco <strong>de</strong> que em alg<strong>um</strong>as empresas<br />

se tente impor <strong>um</strong> programa, que po<strong>de</strong><br />

ser inclusiveteaiicamaite sofisticado, mas<br />

que na prática gere reações contrárias ás<br />

<strong>de</strong>seja<strong>da</strong>s. Deve-se recor<strong>da</strong>r que <strong>um</strong>a <strong>da</strong>s<br />

chaves do êxito radica na concepção con-<br />

junta, na comunicação e no crescente<br />

<strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> confiança entre as<br />

partes. Os trabalhadores <strong>de</strong>verão entai-<br />

<strong>de</strong>r a lógica e os parâmetros fixados pelo<br />

programa. Para isso é importante que as<br />

fórmulas utiliza<strong>da</strong>s sejam simples, não<br />

envolvam muitas vanáveis e que haja <strong>um</strong><br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro esforço <strong>de</strong> comunicação e<br />

acompanhamento <strong>da</strong> evolução do progra-<br />

ma <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua concepção.<br />

Conclusões<br />

Em primeiro lugar, ain<strong>da</strong> que a ques-<br />

tão abor<strong>da</strong><strong>da</strong> por essa MP seja impor-<br />

tante e sua implementação efetiva pos-<br />

sa constituir <strong>um</strong>a contribuição ao proces-<br />

so <strong>de</strong> reformas, é evi<strong>de</strong>nte que a mesma<br />

não constitui <strong>um</strong> caso <strong>de</strong> urgência (como<br />

<strong>de</strong>vena ser o caso <strong>da</strong>s medi<strong>da</strong>s provisó-<br />

rias). A manutaição <strong>de</strong>ssa regulagem em<br />

<strong>um</strong> marco tão precário por <strong>um</strong> tempo tão<br />

longo só po<strong>de</strong> gerar dúvi<strong>da</strong>s quanto a sua<br />

forma final. De fato, sucessivas versões<br />

têm introduzido alg<strong>um</strong>as mu<strong>da</strong>nças na<br />

sua re<strong>da</strong>ção. Portanto, passado <strong>um</strong> ano<br />

e meio <strong>da</strong> sua introdução, impõe-se seu<br />

tratamento legislativo <strong>de</strong> forma que se<br />

possa contar com orientações claras.<br />

No que diz respeito ao seu conteúdo,<br />

apesar <strong>da</strong> MP constituir <strong>um</strong>a medi<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

aplicação obrigatória, introduz <strong>um</strong>a am-<br />

pla flexibili<strong>da</strong><strong>de</strong> ao estabelecer que os<br />

programas <strong>de</strong><strong>vem</strong> surgir do acordo co-<br />

letivo no nível <strong>da</strong> empresa. Desse modo,<br />

não impõe <strong>um</strong>a fórmula única cuja apli-<br />

cação po<strong>de</strong>ria ser ajusta<strong>da</strong> em maior ou<br />

menor medi<strong>da</strong> a distintas empresas <strong>de</strong><br />

Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"


Quinzena N 0 259 - 31/10/97 11 Trabalhadores<br />

acordo com suas características especí-<br />

ficas. Esse enfoque implica que a parti-<br />

cipação financeira não é vista como <strong>um</strong><br />

novo custo trabalhista, mas sim como <strong>um</strong><br />

valioso instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> gestão.<br />

Sem dúvi<strong>da</strong>, a participação nos lucros<br />

ou nos resultados como instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong><br />

gestão implica <strong>da</strong>r <strong>um</strong> gran<strong>de</strong> salto <strong>de</strong>n-<br />

tro <strong>da</strong> maneira segundo a qual, até o mo-<br />

mento, se <strong>da</strong>va a gestão <strong>de</strong> recursos hu-<br />

manos e as políticas salariais na maioria<br />

<strong>da</strong>s empresas brasileiras. A negociação<br />

no nivei <strong>da</strong> empresa - na qual é neces-<br />

sário chegai a <strong>um</strong> acordo sobre quais os<br />

fatores a remunerar, as metas a alcan-<br />

çar, as porcentagens <strong>de</strong> distribuição, en-<br />

tre outros aspectos - requer o <strong>de</strong>senvol-<br />

vimento <strong>de</strong> sistemas <strong>de</strong> comunicação<br />

que garantam transparência Nesse sen-<br />

tido, e importante promover a constitui-<br />

ção <strong>de</strong> coipos mistos <strong>de</strong> acompanhamen-<br />

to e estabelecer sistemas <strong>de</strong> informação<br />

com os trabalhadores. Essa mu<strong>da</strong>nça<br />

reforça a tendência á redução <strong>da</strong> inter-<br />

venção estatal na política salarial e pro-<br />

cura estabelecer relações trabalhistas<br />

mais <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s<br />

Mas. alem disso, nesse período <strong>de</strong><br />

Debate Sindical - Outubro/No<strong>vem</strong>bro/Dezembro 1997 - N 0 26<br />

transformação <strong>da</strong>s empresas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

novas circunstâncias macroeconômicas,<br />

a participação nos resultados, em parti-<br />

cular, po<strong>de</strong> constituir <strong>um</strong> instaimento<br />

para acelerar a reestruturação necessá-<br />

na. Dá a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conjugar a con-<br />

secução <strong>de</strong> <strong>um</strong> objetivo estratégico <strong>da</strong><br />

empresa com o incentivo aos trabalha-<br />

dores necessário para atingi-lo. Nesse<br />

sentido, os pagamentos em dinheiro es-<br />

tabelecidos na MP constituem a forma<br />

<strong>de</strong> distribuição mais apropria<strong>da</strong>.<br />

O período mínimo <strong>de</strong> distribuição es-<br />

tabelecido na MP (seis meses) po<strong>de</strong> re-<br />

duzir a i<strong>de</strong>ntificação entre a melhora no<br />

<strong>de</strong>sempenho e o pagamento do bônus.<br />

Entretanto, durante essa primeira fase<br />

<strong>de</strong> implementação <strong>da</strong> MP, po<strong>de</strong> ser a<br />

melhor forma <strong>de</strong> evitar que esses paga-<br />

mentos variáveis substituam parte do<br />

salário. N<strong>um</strong>a segun<strong>da</strong> instância, po<strong>de</strong>-<br />

se estabelecer <strong>um</strong> limite máximo para o<br />

montante passível <strong>de</strong> isenção <strong>de</strong> paga-<br />

mento <strong>de</strong> encargos sociais e previ-<br />

<strong>de</strong>nciais, liberando a freqüência <strong>de</strong> sua<br />

distribuição <strong>de</strong> acordo com o combina-<br />

do em ca<strong>da</strong> empresa.<br />

Isso indica que se <strong>de</strong>ve ver o uso <strong>de</strong>s-<br />

Antônio Conselheiro: <strong>um</strong><br />

<strong>abolicionista</strong> <strong>da</strong> <strong>plebe</strong><br />

Clóvis Moura *<br />

se instr<strong>um</strong>ento como <strong>um</strong> processo<br />

evolutivo. Nos países on<strong>de</strong> esses pro-<br />

gramas têm sido aplicados já há <strong>um</strong> lon-<br />

go tempo, observa-se que os mesmos<br />

têm variado, a<strong>da</strong>ptando-se a novos con-<br />

textos e a novos objetivos. Por exem-<br />

plo, po<strong>de</strong>-se estabelecer que, no Brasil,<br />

<strong>da</strong><strong>da</strong> a estrutura salarial existente e a<br />

brevi<strong>da</strong><strong>de</strong> do período <strong>de</strong> baixa inflação,<br />

assim como a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong> incen-<br />

tivo aos trabalhadores em <strong>um</strong> periodo<br />

<strong>de</strong> reestruturação, a participação nos<br />

resultados com distribuição em dinhei-<br />

ro acaba sendo, na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a alter-<br />

nativa mais a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>. Isso não implica<br />

que, <strong>um</strong>a vez consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> a estabiliza-<br />

ção, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>um</strong>a recuperação na ren-<br />

<strong>da</strong> dos trabalhadores, e já avançado o<br />

processo <strong>de</strong> reestruturação, a partici-<br />

pação nos lucros com incentivos para a<br />

distribuição diferi<strong>da</strong> não possa consti-<br />

tuir a melhor alternativa para a<strong>um</strong>entar<br />

ataxa<strong>de</strong>poLçeonçanacicnaL "1<br />

* Andrés E. Marínakis, especialista em<br />

Remuneração do Departamento <strong>de</strong> Rela-<br />

ções Industriais <strong>da</strong> Organização Interna-<br />

cional do Trabalho (OIT). Genebra, Suíça.<br />

O movimento camponês <strong>de</strong> Canudos, no interior <strong>da</strong> Bahia, durante o governo <strong>de</strong> Pru<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Morais,<br />

infelizmente ain<strong>da</strong> não foi estu<strong>da</strong>do em to<strong>da</strong>s as suas vertentes e com a <strong>de</strong>vi<strong>da</strong> profundi<strong>da</strong><strong>de</strong> social e política<br />

<strong>da</strong> época. Ele é discutido mais a partir <strong>da</strong>s diversas correntes republicanas que disputavam o po<strong>de</strong>r. Situa-se<br />

o movimento como se ele fosse <strong>de</strong>corrente <strong>da</strong>s contradições <strong>da</strong>s próprias classes dominantes e não como <strong>um</strong>a<br />

conseqüência <strong>da</strong>s contradições entre as oligarquias latifundiárias e os interesses dos camponeses sem terra.<br />

A autonomia <strong>da</strong> solução <strong>de</strong>ssa contradi-<br />

-íVçào passou a ser o problema crucial quan-<br />

do os camponeses ass<strong>um</strong>iram a hegemonia<br />

do mesmo e o subordinaram aos seus interes-<br />

ses, criando <strong>um</strong>a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> comunitária no in-<br />

terior <strong>da</strong> Bahia, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e não subordi-<br />

na<strong>da</strong> aos interesses e valores do latifúndio. A<br />

imagem <strong>de</strong> Canudos como "perigo" surge exa-<br />

tamente <strong>de</strong>sse conflito <strong>de</strong> interesses e <strong>da</strong> so-<br />

lução que os camponeses encontraram, <strong>de</strong>s-<br />

ligando-se <strong>da</strong> estrutura latinfundiána. É aí que<br />

po<strong>de</strong>-se encontrar explicação para a violenta<br />

repressão contra Canudos e o heroísmo dos<br />

seus <strong>de</strong>fensores.<br />

Por outro lado, a obra <strong>de</strong> Euclí<strong>de</strong>s <strong>da</strong> Cu-<br />

nha. Os Senões, tornou-se <strong>um</strong> clássico lite-<br />

rário e aqueles estudiosos que procuram ana-<br />

lisar e interpretar esse acontecimento histó-<br />

rico na sua estrutura e na sua dinâmica qua-<br />

se sempre partem <strong>da</strong>s suas afirmações. Uma<br />

pesquisa rigorosa e exaustiva, feita <strong>de</strong> forma<br />

sistemática, ain<strong>da</strong> não foi feita com a profun-<br />

di<strong>da</strong><strong>de</strong> que merece. Um dos <strong>de</strong>feitos mais vi-<br />

síveis é ignorar-se a importância <strong>de</strong> Antônio<br />

Vicente Men<strong>de</strong>s Maciel (o Conselheiro) como<br />

lí<strong>de</strong>r, agitador e organiza- dor Ele é sempre<br />

visto como lunático, místico, messiânico,<br />

quando não como <strong>um</strong> <strong>de</strong>sequilibrado men-<br />

tal, <strong>um</strong> louco que teria transmitido a sua in-<br />

sani<strong>da</strong><strong>de</strong> àquelas populações que os segui-<br />

am. Seu crânio, após a <strong>de</strong>gola, foi enviado a<br />

Salvador para estudos médicos-antropoló-<br />

gicos por cientistas influenciados pela es-<br />

cola crimi-nalísta <strong>de</strong> Lombroso, para serem<br />

procurados nele os estigmas do "criminoso<br />

nato".<br />

Até hoje, por outro lado, não há <strong>um</strong>a bi-<br />

bliografia que o estu<strong>da</strong>sse através <strong>de</strong> pes-<br />

quisas mo<strong>de</strong>rnas e <strong>de</strong> <strong>um</strong>a metodolo-gia<br />

satisfatória. O livro <strong>de</strong> Edmundo Muniz, pro-<br />

curando resgatar a memória e o papel <strong>de</strong> li<strong>de</strong>-<br />

rança política do Conselheiro, ressente-se <strong>de</strong><br />

falhas teóricas muito acentua<strong>da</strong>s. O certo é<br />

que sua figura é sempre apresenta<strong>da</strong> como<br />

se ele fosse <strong>um</strong>a individuali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>lirante,<br />

<strong>de</strong>sliga<strong>da</strong> do contexto social, econômico e<br />

político <strong>de</strong> on<strong>de</strong> surgiu e sem nenh<strong>um</strong>a liga-<br />

ção funcional e dinâmica com os problemas<br />

Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do'


Quinzena N 0 259 - 31/10/97 12 Trabalhadores<br />

concretos e as contradições emergentes <strong>da</strong><br />

região em que a luta eclodiu. A biografia<br />

politica <strong>de</strong> Conselheiro ain<strong>da</strong> está por ser<br />

escrita.<br />

Por estas razões, poucas vezes ele é lem-<br />

brado como <strong>abolicionista</strong> e pregador para a<br />

massa escrava. Mas esse personagem, que<br />

percorreu a partir <strong>de</strong> 1874 gran<strong>de</strong> parte do<br />

território cuja população escrava era consi-<br />

<strong>de</strong>rável, não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> interessar-se<br />

pelos cativos - muitos <strong>de</strong>les egressos <strong>da</strong>s<br />

senzalas para os quilombos <strong>da</strong> região ou<br />

com a revolta latente em face <strong>da</strong>s contradi-<br />

ções cria<strong>da</strong>s pela sua situação <strong>de</strong> escravos.<br />

Em primeiro lugar, para avaliarmos o seu<br />

nível <strong>de</strong> interesse pela Abolição, <strong>de</strong><strong>vem</strong>os<br />

ver as suas raizes étnicas, pois quase todos<br />

os que <strong>de</strong>le se ocuparam afirmam ter sido<br />

branco. No entanto, no seu batistério, ele é<br />

registrado como pardo. Vejamos os seus ter-<br />

mos: "Aos vinte e dois <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> mil oito-<br />

centos e trinta batizei e pus os Santos Óleos<br />

nesta matriz <strong>de</strong> Quixeramobim ao párvulo An-<br />

tônio pardo nascido aos treze <strong>de</strong> março do<br />

mesmo ano, filho natural <strong>de</strong> Maria Joaquina;<br />

foram padrinhos Gonçalo Nunes Leitão e<br />

Maria Francisca <strong>de</strong> Paula. Do que, para cons-<br />

tar, fiz este termo em que assinei. O Vigário<br />

Gomingos Álvaro Vieira".<br />

Como se vê, pela sua certidão <strong>de</strong> batis-<br />

mo, Antônio Conselheiro foi consi<strong>de</strong>rado<br />

pardo pelo padre que o batizou. Se isto não<br />

é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância para avaliar o seu<br />

abolicionismo, serve para repor a ver<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

sobre as suas origens étnicas. Mas o que é<br />

importante apurar em sua biografia é que<br />

po<strong>de</strong>-se constatar <strong>um</strong>a postura <strong>abolicionista</strong><br />

nas suas pregações e no seu comportamen-<br />

to e, mais especialmente, se essas prédicas<br />

foram, em alg<strong>um</strong>a ocasião, dirigi<strong>da</strong>s aos pró-<br />

prios escravos.<br />

Quem toma como fonte <strong>de</strong> informações<br />

Os Sertões <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s <strong>da</strong> Cunha, certamen-<br />

te na<strong>da</strong> encontrará nessa direção. Para ele,<br />

as pregações <strong>de</strong> Antônio Conselheiro ti-<br />

nham sempre a incoerência <strong>de</strong> <strong>um</strong> louco. Diz<br />

ele, retratando o seu comportamento; "To<strong>da</strong>s<br />

as crenças ingênuas, do fetichismo bárbaro<br />

às aberrações católicas, to<strong>da</strong>s as tendências<br />

impulsivas <strong>da</strong>s raças inferiores, livremente<br />

exercita<strong>da</strong>s na indisciplina <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> sertaneja,<br />

se con<strong>de</strong>nsaram no seu misticismo feroz e<br />

extravagante. Ele foi, simultaneamente, o ele-<br />

mento ativo e passivo <strong>da</strong> agitação <strong>de</strong> que<br />

surgiu. O temperamento mais impressionável<br />

apenas fê-lo absorver as crenças ambientais,<br />

a princípio n<strong>um</strong>a quase passivi<strong>da</strong><strong>de</strong> pela pró-<br />

pria receptivi<strong>da</strong><strong>de</strong> mórbi<strong>da</strong> do espírito tortu-<br />

rado <strong>de</strong> reveses e elas refluiriam, <strong>de</strong>pois, mais<br />

fortemente sobre o próprio meio <strong>de</strong> on<strong>de</strong> ha-<br />

viam partido, partindo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a consciência<br />

<strong>de</strong>lirante". O seu discurso, para Eucli<strong>de</strong>s <strong>da</strong><br />

Cunha, era subordinado na sua essência ao<br />

"atavismo" <strong>da</strong>s raças inferiores, agravado pela<br />

sua personali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>lirante. Tudo isto, em úl-<br />

tima análise, significa escon<strong>de</strong>r a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira<br />

mensagem do lí<strong>de</strong>r atrás <strong>de</strong> véus mistifí-<br />

cadores, apresentando o seu discurso como<br />

fruto <strong>de</strong> distúrbios patológicos e não <strong>da</strong> sua<br />

posição diante dos acontecimentos sociais.<br />

Quem toma, por estas razões, como fonte<br />

<strong>de</strong> informações <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> Antônio Conse-<br />

lheiro o texto <strong>de</strong> Os Sertões, especialmente<br />

sobre sua posição em relação aos escravos e<br />

à escravidão, na<strong>da</strong> encontra. O seu racismo<br />

no particular é evi<strong>de</strong>nte, pois como acentua<br />

com muita razão o professor José Calasans,<br />

apoiado em livro <strong>de</strong> Pedro A. Pinto sobre o<br />

vocabulário usado no livro, as palavras "es-<br />

cravos" e "escravidão" não se encontram ali<br />

<strong>um</strong>a só vez. É por isso que, se quisermos sa-<br />

ber a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre a posição <strong>de</strong> Conselhei-<br />

ro sobre o assunto teremos <strong>de</strong> recorrer a ou-<br />

tras fontes.<br />

Essas outras fontes, porém, relevam <strong>um</strong><br />

Antônio Conselheiro preocupado com a es-<br />

cravidão e a sorte dos cativos, dirigindo-se<br />

aos próprios escravos, os quais, posterior-<br />

mente, irão engrossar as suas fileiras. Ain<strong>da</strong><br />

o professor Calasans escreve que o jornalis-<br />

ta Manuel Benício - correspon<strong>de</strong>nte do Jor-<br />

nal do Comércio, do Rio <strong>de</strong> Janeiro, junto às<br />

forças em operações contra os "jagunços" -<br />

autor <strong>de</strong> <strong>um</strong> bom livro relativo à vi<strong>da</strong> dos<br />

"conselheiristas" e <strong>de</strong> seu guia e lí<strong>de</strong>r, perce-<br />

beu e registrou a posição adota<strong>da</strong> por Con-<br />

selheiro em face do problema <strong>da</strong> escravidão:<br />

"Ignorante e enraizado nos velhos hábitos<br />

<strong>da</strong> administração <strong>de</strong> então, <strong>de</strong>sconfiado como<br />

são todos os sertanejos", escreveu Manuel<br />

Benício, "<strong>de</strong> índole conservadora por nas-<br />

cença, achava que to<strong>da</strong> reforma na adminis-<br />

tração e to<strong>da</strong> inovação na economia política<br />

era <strong>um</strong> meio <strong>de</strong> se roubar o povo. Fora contra<br />

a introdução do sistema métrico-<strong>de</strong>cimal no<br />

comércio e a única reforma que encontrou<br />

sua aquiescência mais tar<strong>de</strong>, em 1888, foi a<br />

abolição dos escravos. Talvez porque gran-<br />

<strong>de</strong> porção <strong>de</strong> quilom-bos e mucambeiros acau-<br />

telassem a sua errante estra<strong>da</strong>".<br />

Para José Calasans, ele "trasmitiu aos es-<br />

cravos os ensinamentos dos evangelhos.<br />

Não estamos formulando <strong>um</strong>a hipótese (...)<br />

Baseamos nossa assertiva n<strong>um</strong> <strong>de</strong>poimento<br />

contemporâneo, perdido nas folhas <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

gazeta baiana <strong>de</strong> 1897, no auge <strong>da</strong> luta<br />

fratrici<strong>da</strong>. Um italiano que trabalhava na cons-<br />

trução <strong>da</strong> estra<strong>da</strong> <strong>de</strong> ferro Salvador-Tímbó,<br />

narrou nestes termos seu encontro com o pe-<br />

regrino: "Veja como este povo", dizia-lhe o<br />

conselheiro apontando a gente que aguar<strong>da</strong>-<br />

va a sua pregação, "na sua totali<strong>da</strong><strong>de</strong> escra-<br />

va vive pobre e miserável. Veja como ela <strong>vem</strong><br />

<strong>de</strong> quatro e mais léguas para ouvir a palavra<br />

<strong>de</strong> Deus. Sem alimentar-se, sem saber como<br />

se alimentará amanhã, ele nunca <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />

atrair pressuroso ás palavras religiosas, que,<br />

indigno servo <strong>de</strong> Deus e por ele amaldiçoado,<br />

iniciei neste local para a re<strong>de</strong>nção <strong>de</strong> muitos<br />

pecados". No lugarejo mencionado, que ou-<br />

tro não era senão Província <strong>da</strong> Bahia, durante<br />

o dia quase não havia alma. Mais <strong>de</strong> 2.000<br />

pessoas, porém, surgiram <strong>de</strong> noite, ansiosas<br />

para ouvirem os conselhos do Bom Jesus. "Ao<br />

anoitecer", prosseguiu o empreteiro, "come-<br />

çaram a chegar e às 8 horas a praça estava<br />

cheia, tendo mais <strong>de</strong> mil pessoas, to<strong>da</strong>s escra-<br />

vas, e após o sermão, que em segui<strong>da</strong> <strong>um</strong> ex-<br />

plicava ao outro, visto que somente os mais<br />

vizinhos podiam ouvi-lo, todos cantavam as<br />

seguintes estrofes: "louvado seja nosso Se-<br />

nhor Jesus Cristo", ao que as mulheres e me-<br />

ninos respondiam "para sempre seja louvado<br />

o santo nome <strong>de</strong> Maria", e isto até à meia noi-<br />

te, alg<strong>um</strong>as vezes. De manhã não havia pes-<br />

soa alg<strong>um</strong>a no arraial".<br />

"A informação transcrita doc<strong>um</strong>enta, com<br />

segurança, as relações do Conselheiro com<br />

os escravos <strong>da</strong> zona cita<strong>da</strong> que atentamente<br />

escutavam a pregação do "santo" <strong>de</strong><br />

Quixeramobim. Convém esclarecer, <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

logo, que, na região <strong>de</strong> Itapicuru, on<strong>de</strong> An-<br />

tônio Conselheiro passou gran<strong>de</strong> parte <strong>da</strong><br />

sua vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> pregador, havia na época aqui<br />

estu<strong>da</strong><strong>da</strong>, apreciável número <strong>de</strong> pequenos<br />

engenhos, o que explica a presença <strong>de</strong> gran-<br />

<strong>de</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> escravos. Os escravos ca-<br />

tivos necessitavam <strong>da</strong> palavra <strong>de</strong> conforto e<br />

aju<strong>da</strong> do bondoso peregrino, que, conforme<br />

escreveu o informante acima citado, distri-<br />

buía apreciáveis quantias para as famílias<br />

pobres, naturalmente obti<strong>da</strong>s nas casas dos<br />

mais ricos, <strong>da</strong>queles senhores <strong>de</strong> engenhos<br />

e negociantes mais generosos.<br />

Convém notar que na zona <strong>de</strong> Itapicuru<br />

existiu quilombo que durante muito tempo <strong>de</strong>u<br />

trabalho às autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s e do qual certamente<br />

Conselheiro ouvira falar, assim como na re-<br />

gião <strong>de</strong> Tucano, <strong>um</strong> dos locais que forneceu-<br />

lhe gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> a<strong>de</strong>ptos. Por outro lado,<br />

a sua área <strong>de</strong> pregação era também a região do<br />

quilombos. Foram registrados ajuntamentos<br />

<strong>de</strong> negros fugidos em Caim, Rio <strong>da</strong>s Contas,<br />

Geremoabo, Jacobina, Rio <strong>de</strong> São Francisco e<br />

em outros pontos <strong>da</strong> Serra Negra. A estas<br />

populações, certamente Conselheiro teve con-<br />

tato direto ou indireto ao que tudo indica.<br />

José Calasans, cujo esclarecedor traba-<br />

lho acompanhamos, escreve ain<strong>da</strong> que "ou-<br />

tros elementos po<strong>de</strong>rão ser apresentados no<br />

mesmo sentido, isto é, compro- batório do<br />

papel <strong>de</strong>sempenhado pelo Conselheiro jun-<br />

to à população escrava no Nor<strong>de</strong>ste baiano,<br />

que ele mais <strong>de</strong> perto conheceu e assistiu<br />

N<strong>um</strong> interessante artigo publicado no Jor-<br />

nal cie Notícias, <strong>da</strong> Bahia, <strong>de</strong> edição <strong>de</strong> 5 <strong>de</strong><br />

março <strong>de</strong> 1897, o doutor Cícero Dantas, ba-<br />

rão <strong>de</strong> Geremoabo, proprietário no município<br />

<strong>de</strong> Itapicuru e prestigioso chefe político.<br />

Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"


Quinzena N 0 259-31/10/97<br />

contou que com a abolição <strong>da</strong> escravatura<br />

a<strong>um</strong>entara o número <strong>de</strong> acompanhantes do<br />

Bom Jesus Conselheiro. "O povo em mas-<br />

sa", <strong>de</strong>clarou o barão Geremoabo, "abando-<br />

nava suas casas e seus afazeres para<br />

acompanhá-lo. Com a abolição do elemento<br />

servil ain<strong>da</strong> mais se fizeram sentir os efeitos<br />

<strong>da</strong> propagan<strong>da</strong> pela falta <strong>de</strong> braços livres para<br />

o trabalho. A população vivia como que em<br />

<strong>de</strong>lirio ou êxtase e tudo quanto não fosse<br />

útil ao alucinado <strong>de</strong> Deus facilmente não<br />

prestava (...) Assim foi escasseando o tra-<br />

balho agrícola e é atualmente com dificul-<br />

<strong>da</strong><strong>de</strong> que <strong>um</strong>a ou outra proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> funcio-<br />

na, embora sem precisa regulari<strong>da</strong><strong>de</strong>".<br />

O mesmo autor, refutando as razões do<br />

barão <strong>de</strong> Geremoabo, afirma que talvez esse<br />

chefe conservador tivesse confundido a cau-<br />

sa com o efeito, pois não teria sido "Antônio<br />

Vicente quem afastou <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s agrí-<br />

colas os negros libertados pela lei <strong>de</strong> 1888.0<br />

Santo Conselheiro outra coisa não teria feito<br />

senão recebê-los e, possivelmente, ampará-<br />

los, quando eles próprios, sequiosos <strong>de</strong> <strong>de</strong>s-<br />

frutarem a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> alcança<strong>da</strong>, fugiram dos<br />

antigos locais do seu cativeiro (...)<br />

Não foram poucos os ex-escravos recebi-<br />

dos na comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> conselheirista. Antônio<br />

<strong>de</strong> Cerqueira Galo, morador em Tucano, loca-<br />

li<strong>da</strong><strong>de</strong> baiana don<strong>de</strong> sairam inúmeros segui-<br />

dores do conselheiro, n<strong>um</strong>a carta envia<strong>da</strong> ao<br />

barão <strong>de</strong> Geremoabo, <strong>da</strong>ndo notícias dos ha-<br />

bitantes <strong>de</strong> Canudos, <strong>de</strong>stacou que o contin-<br />

gente <strong>de</strong> ex-escravos formava a maioria. "Lá<br />

os vultosos vultos que estão disinvolvendo<br />

(sic) a revolta", escreveu o missivista, "é o<br />

mesmo conselheiro com os seus sequazes<br />

<strong>de</strong>ntre estes sol<strong>da</strong>dos e <strong>de</strong>sertores <strong>de</strong> diver-<br />

sos e o povo 13 <strong>de</strong> maio, que é a maior gente".<br />

O <strong>de</strong>poimento altamente esclarecedor <strong>de</strong><br />

José Calasans, <strong>de</strong>scobrindo novas fontes <strong>de</strong><br />

informações sobre o pensamento e a ação<br />

<strong>de</strong> Antônio Conselheiro em relação ao siste-<br />

ma escravista e às suas contradições estru-<br />

turais, é plenamente corroborado pelas pró-<br />

prias palavras do lí<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Canudos no ma-<br />

nuscrito que sobreviveu á chacina (sabe-se<br />

que ele escreveu ou ditou outros os quais<br />

certamente foram <strong>de</strong>struídos ou perdidos),<br />

intitula-do Prédicas aos canu<strong>de</strong>nses e <strong>um</strong><br />

discurso sobre a República. A obra foi en-<br />

contra<strong>da</strong> em <strong>um</strong>a velha caixa, no Santuário,<br />

por José Pon<strong>de</strong>, médico baiano que se en-<br />

contrava na expedição que <strong>de</strong>struiu a comu-<br />

ni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Afrânio Peixoto recebeu-o <strong>de</strong> quem<br />

o encontrou e fez doação do mesmo a<br />

Eucli<strong>de</strong>s <strong>da</strong> Cunha, cuja reação sobre o texto<br />

ninguém sabe. O certo é que o subestimou,<br />

pois refere-se a outros manuscritos encon-<br />

trados entre os escombros, mais silencia so-<br />

bre este. Talvez não teve tempo <strong>de</strong> analisá-lo<br />

após recebê-lo.<br />

13<br />

Dizia Antônio Vicente Men<strong>de</strong>s Maciel<br />

nesse manuscrito, referindo-se à Abolição e<br />

ao trabalho escravo: "É preciso, porém, que<br />

não se <strong>de</strong>ixe no silêncio a origem do ódio que<br />

ten<strong>de</strong>s à família imperial, porque sua alteza a<br />

Senhora Dana Isabel libertou a escravidão,<br />

que não fez mais do que c<strong>um</strong>prir a or<strong>de</strong>m do<br />

Céu; porque era chegado o tempo marcado<br />

por Deus para libertar esse povo <strong>de</strong> seme-<br />

lhante estado, o mais <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>nte a que podia<br />

ser reduzido o ser h<strong>um</strong>ano; a força moral (que<br />

tanto a orna) com que ela proce<strong>de</strong>u à satisfa-<br />

ção <strong>da</strong> vonta<strong>de</strong> divina, constitui a confiança<br />

que bem tem Deus para libertar esse povo,<br />

(mas) não era suficiente para soar o brado <strong>da</strong><br />

indignação que arrancou o ódio <strong>da</strong> maior par-<br />

te <strong>da</strong>queles a quem o povo estava restrito.<br />

Mas os homens não penetram a inspiração<br />

divina que moveu o coração <strong>da</strong> digna e virtu-<br />

osa princesa para <strong>da</strong>r semelhante passo; não<br />

obstante ela dispor do seu po<strong>de</strong>r, to<strong>da</strong>via era<br />

<strong>de</strong> supor que meditaria, antes <strong>de</strong> por em exe-<br />

cução, acerca <strong>da</strong> perseguição que havia <strong>de</strong><br />

sofrer, tanto assim que na noite que tinha <strong>de</strong><br />

assinar o <strong>de</strong>creto <strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>um</strong> ministro<br />

lhe disse: Sua Alteza assina o <strong>de</strong>creto <strong>da</strong> li-<br />

ber<strong>da</strong><strong>de</strong>, olhe a República como ameaça; ao<br />

que ela não ligou a mínima importância assi-<br />

nando o <strong>de</strong>creto com aquela disposição que<br />

tanto a caracteriza. A sua disposição, porém,<br />

é prova que atesta do modo mais significativo<br />

que era a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus que libertasse esse<br />

povo. Os homens ficaram assombrados com<br />

o belo acontecimento, porque já sentiam o<br />

braço que sustentava o seu tesouro,<br />

correspon<strong>de</strong>ndo com ingratidão e irrespon-<br />

sabili<strong>da</strong><strong>de</strong> ao trabalho que <strong>de</strong>sse povo rece-<br />

biam. Quantos morreram <strong>de</strong>baixo dos açoites<br />

por alg<strong>um</strong>as faltas que cometeram; alguns<br />

quase nus, oprimidos <strong>de</strong> fome e <strong>de</strong> pesado<br />

trabalho. E que direi eu <strong>da</strong>queles que não le-<br />

vavam com paciência tanta cruel<strong>da</strong><strong>de</strong> e no<br />

furor <strong>de</strong> excesso <strong>da</strong> sua infeliz estrela se mata-<br />

vam? Chegou, enfim, o dia que Deus tinha <strong>de</strong><br />

pôr termo a tanta cruel<strong>da</strong><strong>de</strong>, movido <strong>de</strong> com-<br />

paixão a favor do seu povo, e or<strong>de</strong>nar para<br />

que se liberte <strong>de</strong> tanta penosa escravidão".<br />

Pelo exposto - o pensamento <strong>de</strong> Antônio<br />

Conselheiro através do texto por ele redigi-<br />

do -, po<strong>de</strong>mos concluir que ele não era aque-<br />

le personagem bronco ou louco, o que cos-<br />

CAMOS<br />

x>->xo:-:-x':-::::;W::::í:W:';<br />

Trabalhadores<br />

t<strong>um</strong>a se afirmar nos ensaios tradicionais so-<br />

bre a guerra <strong>de</strong> Canudos. Era <strong>um</strong> agente <strong>da</strong><br />

dinâmica social no período que vai <strong>da</strong> escra-<br />

vidão ao abolicionismo e, posteriormente, <strong>de</strong><br />

13 <strong>de</strong> maio até a luta e <strong>de</strong>struição do arraial<br />

<strong>de</strong> Belo Monte. Na primeira fase, reunia es-<br />

cravos e com eles falava através <strong>de</strong> <strong>um</strong> códi-<br />

go ligado à simbologia religiosa para <strong>de</strong>nun-<br />

ciar a situação e sugerir a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />

libertarem, com isto atraindo, n<strong>um</strong>a região <strong>de</strong><br />

pequena <strong>de</strong>nsi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>mográfica na época,<br />

cerca <strong>de</strong> 2.000 escravos para ouvirem as suas<br />

prédicas, segundo testemunho <strong>da</strong> época.<br />

Em 1897, escreve n<strong>um</strong> dos seus muitos<br />

manuscritos. Nele expressa a sua aprova-<br />

ção <strong>da</strong> Lei que pôs fim à escravidão e pro-<br />

cura explicar, a seu modo, porque a prince-<br />

sa Isabel estava apoia<strong>da</strong> nas forças divinas<br />

(Direito divino) ao assinar a lei <strong>de</strong> 13 <strong>de</strong><br />

maio, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ndo a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> se aca-<br />

bar com a escravidão, que para ele era <strong>um</strong>a<br />

situação que chegava aos limites <strong>da</strong> <strong>de</strong>gra-<br />

<strong>da</strong>ção h<strong>um</strong>ana, levando, por isto, muitos<br />

escravos ao suicídio.<br />

Finalmente, quando os ex-escravos fugi-<br />

am <strong>da</strong>s terras que simbolizavam a escravi-<br />

dão. Conselheiro abre-lhes <strong>um</strong> espaço físi-<br />

co, social e h<strong>um</strong>ano - <strong>um</strong> espaço livre - no<br />

qual eles se reintegram participando ativa-<br />

mente como agentes históricos e sociais <strong>da</strong><br />

comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Canudos até o seu final. Fi-<br />

zeram parte do seu componente militar, reli-<br />

gioso e político. Lutaram juntamente com o<br />

lí<strong>de</strong>r que os reintegrou na sua condição <strong>de</strong><br />

homens livres. E antes (quando ain<strong>da</strong> eram<br />

escravos) acenava-lhes com a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

<strong>da</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong>, com eles reunindo-se e esclare-<br />

cendo a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça social<br />

capaz <strong>de</strong> libertá-los, palavras que eram trans-<br />

miti<strong>da</strong>s <strong>de</strong> boca em boca.<br />

Queremos crer, por tudo isto, que Antô-<br />

nio Conselheiro foi <strong>um</strong> <strong>abolicionista</strong> <strong>plebe</strong>u,<br />

atuando na área rural do Nor<strong>de</strong>ste, on<strong>de</strong> os<br />

lí<strong>de</strong>res do abolicionismo tradicional e, por isto<br />

mesmo, conciliador, nunca atuaram, com <strong>um</strong>a<br />

mensagem dirigi<strong>da</strong> diretamente às popula-<br />

ções oprimi<strong>da</strong>s e às massas escravas <strong>de</strong>s-<br />

contentes. Muitos dos seus membros possi-<br />

velmente saíam dos quilombos existentes na<br />

região - e eram muitos - para ouvi-lo e refugi-<br />

arem <strong>de</strong>pois no arraial <strong>de</strong> Belo Monte. □<br />

À VENDA NO CPV<br />

"Canudcs"<br />

Autor: Antônio Carlos Olivieri<br />

Editora: Atica<br />

Este livro faz parte <strong>da</strong> coleção<br />

"Guerras e Revoluções Brasileiras"<br />

PREÇO: 8,30<br />

"Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"


Wíííííííííííííííí: vm;mm:ímx-mx-;':-;v íWííííí íWAWíííííí:<br />

Quinzena N 0 259 - 31/10/97 14<br />

Dossiê AIDS e Trabalho: o caso brasileiro - CUT-1997<br />

Breve histórico <strong>da</strong><br />

AIDS no mundo<br />

1981 - Autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s americanas<br />

anunciam que ca<strong>da</strong> vez mais homosse-<br />

xuais sofrem infecções pouco comuns.<br />

1982 - A doença passa ser chama<strong>da</strong><br />

<strong>de</strong> aids e também aparece na Europa.<br />

1983 - Cientistas do Instituto Pasteur<br />

(França) anunciam o isolamento do ví-<br />

rus <strong>da</strong> aids. Japão e Austrália registram<br />

os primeiros casos.<br />

1984 - São <strong>de</strong>senvolvidos os primei-<br />

ros testes <strong>de</strong> anticorpos. O pesquisador<br />

americano Roberto Gallo, diz ter <strong>de</strong>sco-<br />

berto o virus <strong>da</strong> aids.<br />

1985 - Primeira Conferência Inter-<br />

nacional Cientifica <strong>de</strong> Aids (Atlanta -<br />

EUA).<br />

1986 - Especialistas qualificam o HIV<br />

e distinguem os tipos HTV-l e H1V-2.<br />

1987 - O primeiro medicamento para<br />

a aids (o AZT) é autorizado nos EUA.<br />

Usuários <strong>de</strong> droga injetável marca o<br />

perfil <strong>da</strong> AIDS no Brasil, particulamien-<br />

te entre as mulheres.<br />

1988 - Pesquisas provam que a aids<br />

avança rapi<strong>da</strong>mente pela África Central.<br />

Começam os primeiros estudos <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

vacina experimental.<br />

1989 - A Ásia se converte em foco<br />

<strong>da</strong> aids. Os paises mais afetados são<br />

Tailândia e índia.<br />

Na opinião dos brasileiros que vi<strong>vem</strong><br />

em São Paulo, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Belo Ho-<br />

rizonte, Porto Alegre e Recife a aids está<br />

entre os trê mais graves problemas soci-<br />

ais que o país enfrenta, sendo mencio-<br />

nado por 41% dos entrevistados em pes-<br />

quisa realiza<strong>da</strong> pela CBPA - Companhia<br />

Brasileira <strong>de</strong> Pesquisa e Análise (Folha<br />

<strong>de</strong> São Paulo - 22/05/95).<br />

O Brasil há alguns anos é o segundo<br />

país do mundo com o maior número <strong>de</strong><br />

casos <strong>de</strong> aids registrados:<br />

I o Estados Unidos.;<br />

2 o Brasil.;<br />

3 o Ugan<strong>da</strong>.<br />

Nos últimos anos houve <strong>um</strong>a mu<strong>da</strong>n-<br />

ça profun<strong>da</strong> no perfil social <strong>da</strong> Aids.<br />

1990 - A OMS anuncia casos <strong>de</strong> aids<br />

em 156 países.<br />

1991 - Médicos norte-americanos<br />

<strong>de</strong>tectam a<strong>um</strong>ento exagerado <strong>de</strong> casos<br />

<strong>de</strong> tuberculose nos doentes com aids.<br />

1992 - Começam estudos terpêuti-<br />

cos, controlados com vacinas.<br />

1993 - A OMS divulga que pelo me-<br />

nos 10 milhões <strong>de</strong> pessoas possuem o<br />

vírus.<br />

1993 - Nos EUA e Europa é amplia-<br />

do o número <strong>de</strong> sintomas que <strong>de</strong>finem a<br />

doença.<br />

1994 - Pesquisadores europeus mos-<br />

tram que o AZT não trás benefícios a<br />

longo prazo.<br />

1994 - O número <strong>de</strong> casos dobra em<br />

relação aos últimos seis anos.<br />

1995 - Os EUA admitem que a equi-<br />

pe do Instituto Pasteur <strong>de</strong>scobriu o vírus<br />

<strong>da</strong> AIDS antes <strong>da</strong> amencana.<br />

1996 - É anunciado através <strong>da</strong> equi-<br />

pe do Dr. David Ho, <strong>um</strong> tratamento<br />

combinado <strong>de</strong>nominado "coquetel" que<br />

eliminara o vi ms em 9 pacientes <strong>de</strong> con-<br />

taminação recente.<br />

1997 - Segundo a OMS 6,4 milhões<br />

<strong>de</strong> já morreram infectados pelo HIV E<br />

que entre 3/1/95 e 15/12/95 houve <strong>um</strong><br />

a<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> 26% no número <strong>de</strong> casos.<br />

AIDS no Brasil<br />

Sabe-se que qualquer pessoa, in<strong>de</strong>pen-<br />

<strong>de</strong>ntemente do sexo, raça, i<strong>da</strong><strong>de</strong> ou gru-<br />

po social po<strong>de</strong> contraí-la.<br />

Pelos <strong>da</strong>dos oficiais do Ministério <strong>da</strong><br />

Saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> 1980 a março <strong>de</strong> 1997 o Bra-<br />

sil registrou 103.262 casos <strong>de</strong> aids. So-<br />

bre este <strong>da</strong>do po<strong>de</strong> se acrescentar, se-<br />

gundo o próprio Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>,<br />

50% <strong>de</strong> subnotificações. Seriam, então,<br />

mais ou menos 153.000 mil casos. Nes-<br />

te período o Brasil registrou 52.099 óbi-<br />

tos. Há que se ressaltar que os números<br />

divulgados pelo Ministério são comuni-<br />

cados com atraso pelos Estados e Muni-<br />

cípios, dificultando a análise do real nú-<br />

mero <strong>de</strong> casos <strong>de</strong> aids no Brasil.<br />

E importante consi<strong>de</strong>rar para este<br />

ÍÍSÍÍiSÍXiXÍÍSfiíí<br />

Saú<strong>de</strong><br />

perfil epi<strong>de</strong>miológico, que os <strong>da</strong>dos noti-<br />

ficados se referem àqueles que já estão<br />

manifestando a doença e não aos que<br />

foram apenas diagnosticados.<br />

Estima-se que o Brasil tem hoje cin-<br />

co milhões <strong>de</strong> soropositivos. Assim, te-<br />

remos cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z milhões no ano 2000.<br />

"A socie<strong>da</strong><strong>de</strong> brasileira tem o di-<br />

reito <strong>de</strong> saber <strong>da</strong> real gravi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

epi<strong>de</strong>mia <strong>de</strong> aids no nosso pais! E nós,<br />

ativistas, temos que cobrar do gover-<br />

no atitu<strong>de</strong>s firmes no sentido <strong>de</strong> se<br />

avaliar com mais exatidão os <strong>da</strong>dos<br />

<strong>de</strong> soroprevalência e incidência <strong>da</strong><br />

infecção pelo HIV em todos os seg-<br />

mentos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>", afirma Nelson<br />

Solano.<br />

Nos <strong>da</strong>dos do Boletim Epi<strong>de</strong>miológico<br />

do Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, 77,3% dos ca-<br />

sos notificados ocorreram na região Su-<br />

<strong>de</strong>ste, porém há registros portodo o país.<br />

E preciso consi<strong>de</strong>rar que nesta região<br />

existem mais recursos para contabiliza-<br />

ção dos <strong>da</strong>dos.<br />

Como já dissemos, 81% dos casos<br />

estão na faixa etária <strong>de</strong> 20 a 45 anos,<br />

sendo gran<strong>de</strong> o número <strong>de</strong> jovens que<br />

contraem o vírus em plena ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> pro-<br />

dutiva. E claro que atingindo em sua<br />

maiona trabalhadores, a aids traz profun-<br />

dos prejuízos à economia do país e cria<br />

novos conflitos no local <strong>de</strong> trabalho.<br />

Sobre as categorias <strong>de</strong> transmissão,<br />

a maior incidência <strong>de</strong> aids continua se<br />

<strong>da</strong>ndo pela transmissão sexual Porém,<br />

em relação ás subcategonas <strong>de</strong> trans-<br />

missão, houve <strong>um</strong>a sensível mu<strong>da</strong>nça.<br />

Em relação aos homossexuais, apesar <strong>de</strong><br />

continuar sendo o grupo com maior índi-<br />

ce (23,5%), ocorreu <strong>um</strong> <strong>de</strong>créscimo <strong>de</strong><br />

casos. Entre 1980/87 representavam<br />

41% dos casos, hoje apenas 18,2%<br />

A aids agora está crescendo entre os<br />

heterossexuais. Eles representavam en-<br />

tre 1980/87 1,6%, hojejá são 27,8% dos<br />

casos notificados.<br />

Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do'


Quinzena N 0 259 - 31/10/97 15 Mulher<br />

Mulheres em Dados - SEADE - Outubro/97 - N 0 8<br />

Trabalho doméstico, <strong>um</strong><br />

trabalho invisível<br />

O segmento <strong>de</strong> mulheres que alegam<br />

não se colocar no mercado <strong>de</strong> tra-<br />

balho por <strong>de</strong>sempenharem alg<strong>um</strong>a ativi-<br />

<strong>da</strong><strong>de</strong> doméstica, estão 13% <strong>da</strong>s adoles-<br />

centes <strong>de</strong> 15 a 17 anos e 45% <strong>da</strong>s jo-<br />

vens <strong>de</strong> 18 a 24 anos.<br />

O envolvimento <strong>da</strong>s mulheres com os<br />

afazeres domésticos começa muito cedo.<br />

No Estado <strong>de</strong> São Paulo, 30% <strong>da</strong>s meni-<br />

nas <strong>de</strong> 10 a 14 anos c<strong>um</strong>prem <strong>um</strong>a dupla<br />

jorna<strong>da</strong>: cursam o primeiro grau e aju-<br />

<strong>da</strong>m em casa. Entre os meninos, a ocor-<br />

rência é <strong>de</strong> apenas 6%.<br />

Heilbom (1QOV) mostra, em pesquisa<br />

realiza<strong>da</strong> em bairros populares do Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, que as meninas apren<strong>de</strong>m <strong>de</strong>s-<br />

<strong>de</strong> logo que a casa é "coisa <strong>de</strong> mulher".<br />

Uma menina conta que, enquanto seu<br />

irmão dorme, ela gasta cerca <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

hora para aju<strong>da</strong>r a mãe a arr<strong>um</strong>ar a casa,<br />

tempo que dobra caso a mãe esteja fora<br />

trabalhando O pior é que estas tarefas<br />

são menos valoriza<strong>da</strong>s do que <strong>um</strong> traba-<br />

lho remunerado, em geral realizado pe-<br />

los meninos fora <strong>de</strong> casa.<br />

O envolvimento <strong>da</strong>s meninas ejovens<br />

em alg<strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> domésti-<br />

ca é confirmado por outras pesquisas.<br />

No Brasil, segundo <strong>da</strong>dos do PNAD <strong>de</strong><br />

1993, 52% <strong>da</strong>s filhas foram consi<strong>de</strong>ra-<br />

<strong>da</strong>s inativas, embora realizassem afaze-<br />

res domésticos. A Pesquisa Nacional<br />

sobre Demografia e Saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong> 1996, re-<br />

vela que 10,2% <strong>da</strong>s filhas <strong>de</strong> trabalhado-<br />

ras com filhos menores <strong>de</strong> cinco anos<br />

cui<strong>da</strong>m <strong>de</strong> seus irmãos pequenos, o que<br />

ocorre com apenas 1,8% dos filhos. Esta<br />

cifra é muito superior na zona rural<br />

(25%) e nos segmentos sociais menos<br />

escolarizados (32% <strong>da</strong>s filhas <strong>de</strong> mães<br />

analfabetas e 23% <strong>da</strong>s que têm menos<br />

<strong>de</strong> três anos <strong>de</strong> estudo estão nesse caso).<br />

Essas informações fazem retomar<br />

<strong>um</strong>a velha e controverti<strong>da</strong> questão: o tra-<br />

balho doméstico po<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado<br />

<strong>um</strong>a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> econômica 9 Até meados<br />

dos anos 70, quando o feminismo levan-<br />

tou essa ban<strong>de</strong>ira, a resposta era não.<br />

Nos recenseamentos e pesquisas do-<br />

Cristina Hruschini *<br />

miciliares, a categoria inativos inclui in-<br />

divíduos que vi<strong>vem</strong> <strong>de</strong> ren<strong>da</strong>, ou que são<br />

inaptos para o trabalho, como aposenta-<br />

dos, pensionistas, doentes, inválidos, es-<br />

tu<strong>da</strong>ntes e donas <strong>de</strong> casa. Apesar do<br />

vol<strong>um</strong>e <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s que mantêm ocu-<br />

pa<strong>da</strong>s mulheres <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as cama<strong>da</strong>s<br />

sociais, o trabalho doméstico não é<br />

contabilizado como ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> econômica<br />

Caso fosse, as taxas <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> fe-<br />

minina seriam muito superiores. Segun-<br />

do o PNAD, em 1993, 46,5% <strong>da</strong>s brasi-<br />

leiras eram economicamente ativas e<br />

49% inativas que se ocupavam dos afa-<br />

zeres domésticos. Porém, ao se agregar<br />

estas duas categorias, constata-se que<br />

95,4% <strong>da</strong>s mulheres <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> 10 anos<br />

podiam ser consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s trabalhadoras.<br />

Vale lembrar que as ativas continuam<br />

responsáveis pelos afazeres domésticos,<br />

mas essa dupla jorna<strong>da</strong> também fica in-<br />

visível nos <strong>da</strong>dos.<br />

Por que o trabalho doméstico é tão<br />

importante 9 Porque inclui <strong>um</strong> conjunto<br />

<strong>de</strong> tarefas que são essenciais para o gai-<br />

po familiar e para to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, que<br />

teria que arcar com elas, caso não fos-<br />

sem realiza<strong>da</strong>s pelas mulheres na famí-<br />

lia e também porque consome <strong>um</strong>a par-<br />

te consi<strong>de</strong>rável do tempo <strong>da</strong>s mulheres,<br />

que po<strong>de</strong>ria se <strong>de</strong>dicado ao estudo, ao<br />

trabalho remunerado e ao lazer.<br />

O Relatório <strong>de</strong> Desenvolvimento<br />

H<strong>um</strong>ano <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s (PNUD/<br />

ONU, 1995) <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong><br />

que as tarefas domésticas contribuem<br />

para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

e <strong>de</strong><strong>vem</strong> ser valoriza<strong>da</strong>s. Com base no<br />

conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento h<strong>um</strong>ano, faz<br />

<strong>um</strong>a estimativa <strong>da</strong> contribuição invisível<br />

<strong>de</strong> homens e <strong>de</strong> mulheres para a ren<strong>da</strong><br />

nacional, por meio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a pesquisa so-<br />

bre o tempo <strong>de</strong>spendido em ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

mercantis e não-mercantis em 3 1 países.<br />

Os resultados mostram que, enquanto os<br />

homens consomem 66% <strong>de</strong> seu tempo<br />

em ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s remunera<strong>da</strong>s e 34% em<br />

não-pagas, as mulheres gastam 66% <strong>de</strong><br />

seu tempo em ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s não-remunera-<br />

"A libertação <strong>da</strong> mulher é<br />

condição fun<strong>da</strong>mental para a<br />

libertação <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a h<strong>um</strong>ani<strong>da</strong><strong>de</strong>".<br />

Karl Marx<br />

<strong>da</strong>s. Os homens, assim, recebem a mai-<br />

or parcela <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> e do reconhecimen-<br />

to por sua contribuição econômica, en-<br />

quanto a maior parte do trabalho <strong>da</strong>s<br />

mulheres continua não-remunera<strong>da</strong>, não<br />

reconheci<strong>da</strong> e não-valoriza<strong>da</strong>.<br />

Na busca <strong>da</strong> valorização sob <strong>um</strong>a<br />

perspectiva h<strong>um</strong>ana, e não apenas eco-<br />

nômica, na avaliação do <strong>de</strong>senvolvimen-<br />

to dos países, o Relatório propõe que se<br />

consi<strong>de</strong>re o tempo cons<strong>um</strong>ido por todos<br />

os membros do grupo familiar em to<strong>da</strong>s<br />

as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, inclusive as não-remune-<br />

ra<strong>da</strong>s. Este procedimento começa a ser<br />

adotado em alguns países. No Cana<strong>da</strong>,<br />

o Caiso Populacional <strong>de</strong> 1996 incluiu <strong>um</strong>a<br />

questão sobre trabalho não-remunerado<br />

(Na semana passa<strong>da</strong>, cpiantas horas<br />

você gastou nas seguintes ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

não remunera<strong>da</strong>s 7 ), que <strong>de</strong>sdobrava-<br />

se nas categonas:<br />

a) em afazeres domésticos;<br />

b) no cui<strong>da</strong>do <strong>de</strong> crianças;<br />

c) no cui<strong>da</strong>do e assistência aos ido-<br />

sos. Estamos longe <strong>de</strong> <strong>um</strong>a mensuração<br />

tão precisa <strong>da</strong> contribuição não-remune-<br />

ra<strong>da</strong> dos indivíduos, principalmente as<br />

mulheres, para a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Mas na<strong>da</strong><br />

impe<strong>de</strong> que este objetivo esteja presente<br />

nos projetos para o futuro.<br />

*Socióloga e Pesquisadora <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção<br />

Carlos Chagas<br />

Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"<br />

\ ~Víí N*^ / : :


;:■;■:■:■:■:■:■:■:■:■:■:■:■:■:■:<br />

Quinzena N 0 259-31/10/97 16 Movimento Popular<br />

Doc<strong>um</strong>ento - 1997<br />

O que é chamado pela midia comer<br />

ciai <strong>de</strong> cultura, nós chamamos <strong>de</strong><br />

cultura enlata<strong>da</strong>. Ou seja, aquela séne<br />

<strong>de</strong> comportamentos prontos para serem<br />

cons<strong>um</strong>idos pela população. O compor-<br />

tamento <strong>de</strong> usar <strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> tê-<br />

nis, assistir este ou aquele filme, frequai-<br />

tar aquela específica <strong>da</strong>nceteria, ouvir<br />

este ou aquele estilo musical. Enfim,<br />

correspon<strong>de</strong>r com a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> as diver-<br />

sas mo<strong>da</strong>s existentes, os diversos gos-<br />

tos existentes, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que todos sejam <strong>de</strong><br />

alg<strong>um</strong>a forma aceitos pelo sistema capi-<br />

talista, isso, para nós não é cultura.<br />

Cultura é, entre tantas outras coisas<br />

a preservação <strong>de</strong> valores dos diferentes<br />

povos existentes e não simplesmente a<br />

reciclagem do cons<strong>um</strong>ismo exacerbado<br />

e insensato, sob <strong>um</strong>a tentativa quase<br />

sempre vitoriosa <strong>de</strong> transformar o ci<strong>da</strong>-<br />

dão em <strong>um</strong> boneco camaleão que se<br />

a<strong>de</strong>qua as diferentes imposições <strong>da</strong> mo<strong>da</strong><br />

e dos cost<strong>um</strong>es pré-<strong>de</strong>fínidos.<br />

Preservar também é fazer com que o<br />

ci<strong>da</strong>dão mantenha posições e não tomar-<br />

se <strong>um</strong> ser maleável que hoje <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

coisa e no dia <strong>de</strong> amanhã estará <strong>de</strong>fen-<br />

<strong>da</strong>ido outra sem o menor saiso <strong>de</strong> avali-<br />

ação. Não preservar é exatamente o que<br />

o sistema através <strong>da</strong> midia faz, em outras<br />

palavras, tira a cultura do ci<strong>da</strong>dão.<br />

A chama<strong>da</strong> cultura enlata<strong>da</strong> é<strong>um</strong> dos<br />

gran<strong>de</strong>s alicerces do sistema, porque<br />

nela está conti<strong>da</strong>: os lugares mais alie-<br />

nados, músicas sem conteúdo social <strong>de</strong><br />

contestação, os filmes recheados <strong>de</strong><br />

"mocinhos e bandidos", as roupas padro-<br />

niza<strong>da</strong>s que o povo veste, os pensamen-<br />

tos mais ridículos insconscientemente<br />

<strong>de</strong>fendidos pela população, os ídolos, as<br />

lanchonetes, até mesmo os esportes,<br />

aifim <strong>um</strong> cotidiano preparado para a ali-<br />

enação <strong>de</strong> to<strong>da</strong> <strong>um</strong>a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, que na<br />

ocorrência dos fatos é extremamente<br />

viola<strong>da</strong> pelo sistema, mas que no âmago<br />

do sofrimento não consegue se rebelar<br />

Engana-se quem pensa que a mani-<br />

pulação <strong>da</strong> mídia só acontece nos jor-<br />

nais, noticiários, e nas opiniões dos co-<br />

mentaristas serviçais do sistema. Pelo<br />

contrário ela acontece no dia a dia quan-<br />

O alicerce <strong>da</strong> rádio comunitária<br />

é a cultura<br />

Cláudio Camundonso*<br />

do a mídia cria <strong>um</strong>a vitrine <strong>de</strong> cons<strong>um</strong>o<br />

diante dos olhos <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a população.<br />

Ação e reação, <strong>de</strong>ssa forma alimenta<br />

<strong>de</strong>ntro do sistema a disputa por bens<br />

materiais, nem que para isso irmãos te-<br />

nham que passar a perna em irmãos, dis-<br />

putar cargos, puxar tapetes, aifim subir<br />

na vi<strong>da</strong> pela ótica do sistema capitalista,<br />

e no processo final, ter recursos para<br />

cons<strong>um</strong>ir tudo o que ostenta aquela vitri-<br />

ne chama<strong>da</strong> mídia.<br />

Muitas pessoas engaja<strong>da</strong>s na luta <strong>da</strong>s<br />

rádios comunitárias, tem em sua essàicia<br />

to<strong>da</strong> essa clareza, no aitanto fatidicamaite<br />

não conseguem <strong>de</strong>senvolver <strong>um</strong>a linha<br />

lógica que traga resultados práticos para<br />

o veículo. Se aiten<strong>de</strong>rmos que a base <strong>da</strong>s<br />

rádios comunitárias éto<strong>da</strong> essa cultura que<br />

está inibi<strong>da</strong> pelo sistema, aitão entai<strong>de</strong>-<br />

remos <strong>de</strong>finitivamente como fazer acon-<br />

tecer a <strong>de</strong>mocratização <strong>da</strong> comunicação<br />

pelas vias <strong>da</strong>s rádios <strong>de</strong> baixa potàicia.<br />

Mas, se usannos as rádios comunitárias<br />

para fazer discursos políticos contra o sis-<br />

tema, estaremos, como já foi dito, fazai-<br />

do rádio para nós mesmos.<br />

Constniir as rádios comunitánas à par-<br />

tir<strong>de</strong><strong>um</strong>a discussão cultural égarantiradi-<br />

anta<strong>da</strong>maite o sucesso do projeto. Dessa<br />

fomia estaremos combataido o câncer do<br />

sistema com <strong>um</strong> ranédio mais eficaz.<br />

Para que as rádios comunitánas tor-<br />

nem-se no futuro veículos com o po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> formar opinião, elas <strong>de</strong><strong>vem</strong> ao menos<br />

terem conquistado a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> qual<br />

se dispôs a atuar e preparar to<strong>da</strong> <strong>um</strong>a<br />

conjuntura para a aceitação <strong>da</strong>s idéias<br />

discuti<strong>da</strong>s. Não estamos brincando com<br />

<strong>um</strong> sistema que não sabe o que faz e que<br />

acabou por culminar nessa alienação<br />

geral. Pelo contrário, a mídia éinteligen-<br />

tíssima e tudo o que foi feito na cabeça<br />

do ci<strong>da</strong>dão foi propositalmente, no exer-<br />

cício <strong>da</strong> função <strong>de</strong> alienar.<br />

Acontece hoje em dia, pelas mãos <strong>de</strong><br />

companheiros do movimento popular <strong>um</strong><br />

erro gravíssimo, achar que a rádio co-<br />

munitária é <strong>um</strong> caminhão <strong>de</strong> som com<br />

<strong>um</strong>a antena espeta<strong>da</strong> em cima. Equivo-<br />

cam-se porque o momento em que faze-<br />

mos isto estamos subestimando a inteli-<br />

gência do inimigo. E ele mais do que nin-<br />

guém sabe as formas <strong>de</strong> utilização do<br />

rádio.<br />

Por exemplo, n<strong>um</strong>a campanha salan-<br />

al na porta <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>da</strong>ermina<strong>da</strong> fábrica o<br />

sindicato utiliza-se do caminhão <strong>de</strong> som,<br />

primeiro tocando alg<strong>um</strong>a música geralmai-<br />

te <strong>de</strong> agrado do operário, para <strong>de</strong>pois ini-<br />

ciar a séne <strong>de</strong> discursos referentes a cam-<br />

panha. Para o resultado que se <strong>de</strong>stina a<br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, o máodo utilizado está correto<br />

No aitanto, existem pessoas que se ba-<br />

seiam nessa fonna e acham que as rádi-<br />

os comunitárias se emanciparão assim.<br />

Pnmeiro tocando qualquer música popu-<br />

lar, para <strong>de</strong>pois discursar contra o siste-<br />

ma no microfone <strong>da</strong> rádio, tentando <strong>de</strong><br />

alg<strong>um</strong>a forma imitar o processo<br />

seqüencial do caminhão <strong>de</strong> som.<br />

Para que consigamos resultados<br />

satisfatórios com as rádios comunitárias<br />

muito se <strong>de</strong>ve fazer. E a primeira pon<strong>de</strong>-<br />

ração é garantir que a rádio tenha <strong>um</strong><br />

caráter extremamente cultural. Analisan-<br />

do músicas, criando formas <strong>de</strong> partici-<br />

pação dos ouvintes, arg<strong>um</strong>entando com<br />

inteligência e tomando cui<strong>da</strong>do para não<br />

assustai" o público, conquistando terreno<br />

nos fóruns culturais do bairro, buscando<br />

<strong>da</strong>r total espaço aos compositores regio-<br />

nais e nunca impondo regras que<br />

serceiem a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão<br />

E veja, que <strong>de</strong>bater a radio cultural-<br />

mente não significa estar contra <strong>um</strong> perfil<br />

político do projeto, á partir do momento<br />

em que ela se posiciona contrariamente<br />

ao sistema automaticamaite ela ass<strong>um</strong>e<br />

a característica natural <strong>da</strong> contestação.<br />

Alguns problemas comuns acontecem<br />

nos projetos que estão iniciando as suas<br />

programações, isso porque nas melho-<br />

res <strong>da</strong>s intenções tenta se contemplar<br />

<strong>um</strong>a gra<strong>de</strong> distribuí<strong>da</strong> para todos os mo-<br />

vimentos políticos e culturais <strong>da</strong> região<br />

São problemas <strong>de</strong>correntes pnncipalmai-<br />

te <strong>da</strong> conceituação <strong>de</strong> gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> progra-<br />

mação comunitária.<br />

A composição dos horários dos pro-<br />

gramas geralmente são feitos á partir <strong>da</strong><br />

ótica <strong>de</strong> distribuir para os diversos movi-<br />

mentos liaados a radio n<strong>um</strong> <strong>de</strong>terminado<br />

Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do 1


Quinzena N 0 259 - 31/10/97 17 Movimento Popular<br />

horário, para que se faça ca<strong>da</strong> <strong>um</strong> o seu<br />

programa segmentado. Ex: programa do<br />

movimento negro, programa do movimen-<br />

to <strong>de</strong> moradia, programa feminista, etc.<br />

Acaba saído a fomia mais fácil <strong>de</strong> monta-<br />

gem <strong>da</strong> gra<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação. No entan-<br />

to, ca<strong>da</strong> movimento fica meio que perdido<br />

na gra<strong>de</strong>, isolado e o que é pior, limitado.<br />

Os programa acabam ten<strong>de</strong>ndo para<br />

<strong>um</strong>a linha pouco estratégica, o programa-<br />

dor toca músicas referentes ao assunto<br />

abor<strong>da</strong>do para na seqüência intervir como<br />

gancho. Cria-se <strong>um</strong>a ilusão <strong>de</strong> que o pro-<br />

grama está sendo ouvido pelas pessoas<br />

que se interessam pelo assunto, quando<br />

na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> po<strong>de</strong> até culminar n<strong>um</strong>a<br />

empatia por parte dos ouvintes, que rara-<br />

mente reconhece <strong>um</strong> formador <strong>de</strong> opinião.<br />

Por outro lado, ouvintes <strong>de</strong> outros horári-<br />

os ficam <strong>de</strong>spnvilegiados <strong>de</strong> acompanha-<br />

rem o programa<br />

Se os movimentos ligados a emissora<br />

tiverem a preocupação <strong>de</strong> transmitirem a<br />

sua mensagem, não só em <strong>um</strong> programa,<br />

mas no <strong>de</strong>correr <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a programação<br />

os resultados dos movimentos serão atin-<br />

gidos mais eficazmente. Precisamos ter<br />

claro como fazer com que os movimen-<br />

tos ligados a rádio obtenham resultados.<br />

No <strong>de</strong>correr <strong>da</strong>s experiências com rá-<br />

dios comunitárias assistimos basicamen-<br />

te a duas maneiras <strong>de</strong> organização <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

gra<strong>de</strong> comunitária: <strong>um</strong>a extremamente<br />

politica na sua essência e outra pelo<br />

posicionamento equiparado a <strong>um</strong>a estra-<br />

tégia <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>, recebe a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> po-<br />

lítico-cultural.<br />

No mo<strong>de</strong>lo politico a distribuição <strong>de</strong><br />

programas é feito <strong>de</strong> forma acima <strong>de</strong>s-<br />

crita, segmentado, assemelha-se ao sis-<br />

tema <strong>de</strong> inscrição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a plenária, as<br />

pessoas se inscre<strong>vem</strong> e <strong>de</strong>pois pontu-<br />

am, <strong>vem</strong> outra pessoa inscrita e <strong>de</strong>pois<br />

também pontua sobre <strong>um</strong> assunto. To-<br />

dos os horários foram garantidos, ne-<br />

nh<strong>um</strong> movimento ficou <strong>de</strong> fora, todos,<br />

tem o seu espaço. Já a música acabai<br />

sendo utiliza<strong>da</strong> apenas para fazer pau-<br />

sa entre os cansativos blocos <strong>de</strong> passa-<br />

gem. Frente a ter que contemplar o as-<br />

sunto base do programa, muitas outras;<br />

informações ficam sem priori<strong>da</strong><strong>de</strong>s.<br />

Nesse mo<strong>de</strong>lo acaba havendo <strong>um</strong>i<br />

impedimento natural <strong>de</strong> que a rádioi<br />

exerça maior ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e ain<strong>da</strong> pior,,<br />

prioriza-se a sistematização e não ai<br />

criação.<br />

O lado positivo <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo é que,,<br />

com a urgência <strong>de</strong> se estruturar a gra-<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong> programação, a rádio em poucos,<br />

dias já possuirá <strong>um</strong> cotidiano instável.<br />

Nesse mo<strong>de</strong>lo nota-se <strong>um</strong> fato co-<br />

m<strong>um</strong>, outros grupos culturais, que não<br />

propriamente <strong>de</strong> contestação politica,<br />

acabam ausentando-se do projeto, ou<br />

em muitos casos sendo postos secun-<br />

<strong>da</strong>riamente na programação. Ex: gru-<br />

pos teatrais, músicos, poetas, etc.<br />

Já no mo<strong>de</strong>lo politico-cultural a or-<br />

ganização dos segmentos geralmente se<br />

A VENDA NO CPV<br />

ANTOtlKj OWO CÀTtAW<br />

"Trabalho e Tecnologia"<br />

Dicionário crítico<br />

Organizador: Antônio David Cattani<br />

A complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> e a veloci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s transformações<br />

no mundo do trabalho reduzem a niti<strong>de</strong>z dos processos<br />

em curso, dificultando a sua real compreensão. Conceitos<br />

consagrados necessitam reformulações e atualizações,<br />

TRABALHO E novos conceitos surgem continuamente para <strong>da</strong>r conta <strong>da</strong><br />

tlCNOLOGiA reali<strong>da</strong><strong>de</strong> em mutação. Este dicionário apresenta <strong>de</strong> maneira<br />

crítica os referenciais indispensáveis para analisar<br />

as práticas e as percepções que estão construindo as no-<br />

PRCÇO: 15,00 vas relações entre trabalho e tecnologia.<br />

"Automação, Terceirização e Programas <strong>de</strong> Quali<strong>da</strong><strong>de</strong> Total:<br />

Os Fatos e a Lógica <strong>da</strong>s Mu<strong>da</strong>nças nos Processos <strong>de</strong> Trabalho"<br />

Um conjunto <strong>de</strong> reflexões sobre as novas formas <strong>de</strong> organização <strong>da</strong> produção e<br />

suas conseqüências sobre as organizações dos trabalhadores. Os textos foram escritos<br />

com a preocupação <strong>de</strong> explicitar as relações entre a reestruturação dos processos <strong>de</strong><br />

trabalho e as necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> ac<strong>um</strong>ulação <strong>de</strong> capitais.<br />

faz em chamados "núcleos <strong>de</strong> criação",<br />

on<strong>de</strong> não há programas específicos <strong>de</strong><br />

movimentos, estes por sua vez são en-<br />

carregados <strong>de</strong> alimentar <strong>de</strong> informações<br />

todos os programas <strong>da</strong> rádio, fazendo com<br />

que o ouvinte tenha a to<strong>da</strong> hora informa-<br />

ções sobre todos os setores organizados<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. E <strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> fazer com<br />

que os movimentos preocupem-se em<br />

construir a audiência <strong>da</strong> rádio como <strong>um</strong><br />

todo e não somente <strong>de</strong> <strong>um</strong> programa es-<br />

pecífico.<br />

Assim os resultados atingidos são fá-<br />

ceis <strong>de</strong> serem canalizados já que a plásti-<br />

ca <strong>da</strong> emissora está nas mãos <strong>de</strong> <strong>um</strong> co-<br />

letivo, que relevará entre outras coisas<br />

<strong>um</strong>a certa estética na programação.<br />

Os casos que <strong>vem</strong> adotando este<br />

mo<strong>de</strong>lo tem como ponta <strong>de</strong> lança os gru-<br />

pos culturais dos bairros como os rappers,<br />

os grupos teatrais, conjuntos musicais,<br />

poetas, etc, que em aliança com os mo-<br />

vimentos populares produzem <strong>de</strong> forma<br />

mais estratégica as intervenções que<br />

serão inseri<strong>da</strong>s no <strong>de</strong>correr <strong>da</strong> progra-<br />

mação. O interesse é político, pois con-<br />

testa, mas as formas diversas <strong>de</strong> lingua-<br />

gem estarão nas mãos <strong>de</strong> pessoas mais<br />

acost<strong>um</strong>a<strong>da</strong>s a transmitirem mensagens<br />

por vias ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente culturais. A li-<br />

nha política é a base, a cultura no caso é<br />

a forma. ~]<br />

*é membro <strong>da</strong> Rádio Nossa FM. 97.3 e<br />

membro <strong>da</strong> ABRAÇO, SP<br />

'Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"<br />

mtomtjifi, iiiMiiii'r*r>h>«<br />

rnOCIMWMWttUIWDOBWOMIj<br />

Autor: Emílio Gennari<br />

Produção: CPV<br />

PREÇO: 5,00


Quinzena N 0 259 - 31/10/97 18 Economia<br />

Curtas<br />

NY encerra a sexta-feira<br />

em baixa<br />

Ain<strong>da</strong> abalado pela que<strong>da</strong> em Hong<br />

Cong, mercado americano registra que-<br />

<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1,7%. O indice Dow Jones <strong>de</strong> 30<br />

ações industriais caiu 132,36 pontos, ou<br />

1,7%, para 7.715,41 pontos na última<br />

sexta-feira. A Bolsa <strong>de</strong> Nova York en-<br />

cerrou o dia em baixa pelo segundo dia<br />

consecutivo por causa <strong>da</strong> preocupação <strong>de</strong><br />

que a <strong>de</strong>saceleração <strong>da</strong>s economias asiáti-<br />

cas possa prejudicar as empresas produto-<br />

ras <strong>de</strong> "chips". O indice Stan<strong>da</strong>rd & Pooi J s<br />

<strong>de</strong> 500 ações (S&P 500) caiu 9,05 pontos,<br />

ou 1,7% para Q41,64 pontos.<br />

A que<strong>da</strong> generaliza<strong>da</strong> dos mercados<br />

no Su<strong>de</strong>ste asiático e a <strong>de</strong>svalorização<br />

<strong>da</strong>s divisas, além <strong>da</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>da</strong> Intel <strong>de</strong><br />

adiar a abertura <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova fábnca <strong>de</strong><br />

US$ 1,3 bilhão por causa <strong>da</strong> <strong>de</strong>man<strong>da</strong><br />

fraca por seus "chips", foram responsá-<br />

veis pela baixa.<br />

♦ ♦ ♦<br />

México<br />

O IPC, principal indicador do merca-<br />

do acionário mexicano, caiu 138,67 pon-<br />

tos, ou 2.74%, para 4.Q20,06 pontos Os<br />

investidores ven<strong>de</strong>ram suas ações <strong>de</strong> for-<br />

ma agressiva na última sexta-feira por<br />

causa <strong>da</strong>s perspectivas <strong>de</strong> que as <strong>de</strong>sva-<br />

lorizações generaliza<strong>da</strong>s nos mercados<br />

acionários po<strong>de</strong>m continuar<br />

As ações <strong>da</strong> Cemex encerraram a<br />

sexta-feira a 36 pesos, com que<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

7,7%. Os papéis <strong>da</strong> Varejista El Pueito<br />

<strong>de</strong> Liveipool registraram que<strong>da</strong> <strong>de</strong> 7,4%<br />

para 10,5 pesos<br />

♦ ♦ ♦<br />

Buenos Aires<br />

O índice Merval <strong>de</strong> 32 ações caiu<br />

4,18% para 786,13 pontos. Os papéis<br />

argentinos foram <strong>de</strong>svalorizados pelo<br />

segundo dia consecutivo já que a crise<br />

financeira na Ásia provocou dúvi<strong>da</strong>s so-<br />

bre a habili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> Argentina em man-<br />

ter sua política <strong>de</strong> câmbio.<br />

As ações <strong>da</strong> Telefônica caíram 5,525<br />

para 3,25 pesos Os papéis <strong>da</strong> Telecom<br />

Argentina Stet-France Telecom caíram<br />

1,99% para 5,9 pesos. A YPF caiu 3,33%<br />

para 34,8 pesos.<br />

(Continuaremos no próximo Quinzena a<br />

colocar nesta coluna a situação <strong>da</strong>s Bolsas)<br />

Gazeta Mercantil - 27/10/97 - The Economist<br />

A <strong>globalização</strong> <strong>vem</strong> <strong>de</strong> longe<br />

Integração econômica é <strong>um</strong> processo capitalista só<br />

interrompido no período entre guerras<br />

T)ara ou bem ou para o mal, globa-<br />

lização se tomou a palavra mágica<br />

dos anos 90. As economias nacionais<br />

estão, sem dúvi<strong>da</strong>, ficando ca<strong>da</strong> vez mais<br />

integra<strong>da</strong>s enquanto a<strong>um</strong>entam os fluxos<br />

<strong>de</strong> comércio, investimaitos e capital finan-<br />

ceuo entre fronteiras Os cons<strong>um</strong>idores<br />

compram mais produtos estrangeiros, <strong>um</strong><br />

número crescaite <strong>de</strong> empresas opera atu-<br />

almente além <strong>da</strong>s fronteiras nacionais e<br />

os poupadores investem em locais distan-<br />

tes como nunca o fizeram antes<br />

Se tudo isso é para o bem ou para o<br />

mal é tema <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>bate acalorado. Uma<br />

visão, positiva, é a <strong>de</strong> que a <strong>globalização</strong><br />

é pura benção, com potencial para esti-<br />

mular a produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e os padrões <strong>de</strong><br />

vi<strong>da</strong> por to<strong>da</strong> a parte Isso acontece por-<br />

que <strong>um</strong>a economia globalmente integra-<br />

<strong>da</strong> po<strong>de</strong> conduzir a <strong>um</strong>a divisão melhor<br />

do trabalho entre países, permitindo que<br />

os países <strong>de</strong> baixos salários se especi-<br />

alizem em tarefas trabalho-intensivas,<br />

enquanto os países <strong>de</strong> altos salários em-<br />

pregam trabalhadores <strong>de</strong> modos mais<br />

produtivos Isso permitirá que as empre-<br />

sas explorem maiores economias <strong>de</strong> es-<br />

cala. E, com a <strong>globalização</strong>, o capital po<strong>de</strong><br />

ser transferido para qualquer país que<br />

ofereça as oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s mais produti-<br />

vas <strong>de</strong> investimento, sem o empecilho do<br />

financiamento doméstico <strong>de</strong> projetos com<br />

retornos pobres.<br />

Os críticos <strong>da</strong> <strong>globalização</strong> adotam<br />

<strong>um</strong>a visão mais sombria Eles prevêem<br />

que a crescente competição dos países<br />

em <strong>de</strong>senvolvimento com baixos salários<br />

<strong>de</strong>struirá empregos, forçando a redução<br />

dos salários nas economias hoje ricas<br />

Haverá <strong>um</strong>a "corri<strong>da</strong> para o fundo" com<br />

os países reduzindo salários, impostos,<br />

benefícios sociais e controles ambientais<br />

para se tomar mais "competitivos".<br />

As pressões para competir <strong>de</strong>sgasta-<br />

rão a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> dos governos para fi-<br />

xar suas próprias políticas econômicas.<br />

Os críticos também temem que o po<strong>de</strong>r<br />

ampliado dos mercados financeiros, pro-<br />

voque <strong>um</strong>a <strong>de</strong>vastação econômica, como<br />

nas crises monetárias européias <strong>de</strong> 1992<br />

e I993, México em 1994-95 e Su<strong>de</strong>ste<br />

<strong>da</strong> Ásia em 1997.<br />

Preten<strong>de</strong>-se, aqui, examinar a fundo<br />

esses arg<strong>um</strong>entos controversos <strong>de</strong> ca<strong>da</strong><br />

lado do <strong>de</strong>bate <strong>da</strong> <strong>globalização</strong>. Mas,<br />

antes <strong>de</strong> tudo, é necessário examinar o<br />

que precisamente se quer dizer com glo-<br />

balização, até que ponto ela avançou, e<br />

se o fenômeno é tão novo quanto geral-<br />

mente se supõe Alg<strong>um</strong>as <strong>da</strong>s respostas<br />

são surpreen<strong>de</strong>ntes<br />

A <strong>de</strong>speito do palavreado <strong>de</strong>sconexo<br />

sobre a "nova" economia global, a<br />

integração econômica internacional atu-<br />

al tem prece<strong>de</strong>ntes Nos 50 anos anteri-<br />

ores á Primeira Guerra Mundial foram<br />

registrados amplos fluxos <strong>de</strong> bens. capi-<br />

tal e pessoas entre fronteiras Aquele<br />

período <strong>de</strong> <strong>globalização</strong>, como o atual,<br />

foi conduzido por reduções <strong>de</strong> barreiras<br />

ao comércio e por que<strong>da</strong>s bruscas nos<br />

custos do transporte, graças ao <strong>de</strong>sen-<br />

volvimento <strong>da</strong>s ferrovias e navios a va-<br />

por. O presente impulso <strong>da</strong> <strong>globalização</strong><br />

é. <strong>de</strong> certa forma, <strong>um</strong>a retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong>que-<br />

la tendência anterior<br />

Aquela tentativa anterior <strong>de</strong> globali-<br />

zação terminou abruptamente com a<br />

Primeira Guerra Mundial, após a qual o<br />

mundo entrou n<strong>um</strong> período <strong>de</strong> feroz pro-<br />

tecionismo comercial e duras restrições<br />

ao movimento <strong>de</strong> capitais. No início dos<br />

anos 30. os EUA. a<strong>um</strong>entaram abrupta-<br />

mente suas tarifas, e outros países reta-<br />

lharam, tomando a Gran<strong>de</strong> Depressão<br />

ain<strong>da</strong> maior. O vol<strong>um</strong>e do comercio mun-<br />

dial caiu rapi<strong>da</strong>mente. Os fluxos inter-<br />

nacionais <strong>de</strong> capital virtualmente seca-<br />

ram no período entre guerras, enquanto<br />

os governos impunham controles sobre<br />

o capital para tentar isolar suas econo-<br />

mias do impacto do <strong>de</strong>clínio global.<br />

Os controles sobre o capital foram<br />

mantidos apôs a Segun<strong>da</strong> Guerra Mun-<br />

dial, enquanto os vitoriosos <strong>de</strong>cidiam<br />

manter fixas suas taxas <strong>de</strong> câmbio - <strong>um</strong><br />

arranjo conhecido como sistema <strong>de</strong><br />

Bretton Woods. em homenagem á ci<strong>da</strong>-<br />

■AiA»Vl*\n-Mính]â*h]^Mii\)\»h)ãt^nW,\<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"


Quinzena N 0 259-31/10/97 19 Economia<br />

<strong>de</strong> americana na qual foi aprovado. Mas<br />

as gran<strong>de</strong>s potências econômicas também<br />

concor<strong>da</strong>ram que a redução <strong>da</strong>s barrá-<br />

ras comerciais era vital para a recupera-<br />

ção Elas elaboraram o Acordo Geral so-<br />

bre Tarifas e Comércio (Gatt), que orga-<br />

nizou <strong>um</strong>a série <strong>de</strong> negociações que<br />

gradualment reduziram as tarifas sobre<br />

importações. O Gatt foi substituído pela<br />

Organização Mundial do Comércio<br />

(OMC) em 1995. O comércio floresceu.<br />

No inicio dos anos 70, o sistema <strong>de</strong><br />

Bretton Woods entrou em colapso e per-<br />

mitiu-se que as moe<strong>da</strong>s "flutuassem"<br />

entre si às taxas <strong>de</strong> mercado, quaisquer<br />

que fossem. Isso assinalou o renasci-<br />

mento do mercado global <strong>de</strong> capitais. Os<br />

EUA e a Alemanha pararam rapi<strong>da</strong>men-<br />

te <strong>de</strong> controlar as entra<strong>da</strong>s e saí<strong>da</strong>s <strong>de</strong><br />

capitai. A Grã-Bretanha aboliu os con-<br />

troles <strong>de</strong> capital em 1979, e o Japão (na<br />

maior parte) em ! 980. A França e a Itá-<br />

lia, entretanto, não abandonaram suas<br />

últimas restrições ao investimento entre<br />

fronteiras a não ser em 1990. Isso é par-<br />

te do motivo por que os europeus do con-<br />

tinente ten<strong>de</strong>m a temer mais o po<strong>de</strong>r dos<br />

mercados globais <strong>de</strong> capital: a exposição<br />

dos EUA aos mercados é muito mais<br />

antiga que a <strong>de</strong>les.<br />

Duas forças têm conduzido esses flu-<br />

xos crescentes <strong>de</strong> bens e dinheiro. A<br />

primeira é a tecnologia. Com os custos<br />

<strong>da</strong> comunicação e <strong>da</strong> computação cain-<br />

do rapi<strong>da</strong>mente, as barreiras naturais <strong>de</strong><br />

tempo e espaço que separam os merca-<br />

dos nacionais também diminuíram. O<br />

custo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a chama<strong>da</strong> telefônica <strong>de</strong> três<br />

minutos entre Nova York e Londres caiu<br />

<strong>de</strong> US$ 300 (em dólares <strong>de</strong> 1996), em<br />

1930, para US$ 1, hoje. O custo do pro-<br />

cessamento <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos por computador<br />

caiu 30% em média ao ano em termos<br />

reais, durante o último par <strong>de</strong> déca<strong>da</strong>s.<br />

A segun<strong>da</strong> força motriz é a liberali-<br />

zação. Como resultado tanto <strong>da</strong>s nego-<br />

ciações no Gatt quanto <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões uni-<br />

laterais, quase todos os países reduziram<br />

as barreiras sobre o comércio externo.<br />

A maioria dos países aplaudiu igualmen-<br />

te o capital internacional.<br />

Embora a liberalização tenha avan-<br />

çado a veloci<strong>da</strong><strong>de</strong>s diversas em lugares<br />

diferentes, a tendência é mundial. Ape-<br />

nas <strong>um</strong> punhado <strong>de</strong> renegados ain<strong>da</strong> tenta<br />

se isolar. Durante a déca<strong>da</strong> passa<strong>da</strong>, o<br />

comércio a<strong>um</strong>entou duas vezes mais ra-<br />

pi<strong>da</strong>mente do que a produção, o investi-<br />

mento estrangeiro direto três vezes mais<br />

e o comércio <strong>de</strong> ações entre fronteiras,<br />

<strong>de</strong>z vezes mais.<br />

A tendência para a <strong>globalização</strong> é cla-<br />

ra. Mas sua extensão po<strong>de</strong> estar sendo<br />

exagera<strong>da</strong>. Consi<strong>de</strong>re-se separa<strong>da</strong>men-<br />

te os mercados <strong>de</strong> produtos, capitais e<br />

mercados.<br />

Uma forma <strong>de</strong> medir a extensão <strong>da</strong><br />

integração entre os mercados <strong>de</strong> produ-<br />

tos é a proporção do comércio para a pro-<br />

dução. Esta a<strong>um</strong>entou acentua<strong>da</strong>mente na<br />

maior parte dos países <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1950. Mas,<br />

por essa medi<strong>da</strong>, a Grã-Bretanha e a Fran-<br />

ça estão apenas ligeiramente mais aber-<br />

tas ao comércio hoje do que estavam em<br />

1913, aiquanto o Japão está menos aber-<br />

to agora do que então.<br />

Outra medi<strong>da</strong> do grau <strong>de</strong> integração<br />

do mercado <strong>de</strong> produtos é a extensão <strong>da</strong><br />

convergâicia <strong>de</strong> preços através dos pa-<br />

íses. Na teoria, o livre comércio <strong>de</strong>veria<br />

aproximar os preços, à medi<strong>da</strong> que a<br />

competição força os produtores <strong>de</strong> cus-<br />

tos elevados as reduzir seus preços. Es-<br />

tudos mostram, entretanto, que as am-<br />

plas divergências <strong>de</strong> preços com fre-<br />

qüência persistem por longos períodos<br />

Computadores laptop ejeans Levi's, por<br />

exemplo, são consistentemente mais ba-<br />

ratos nos EUA do que na Europa ou no<br />

Japão. Isso reflete <strong>um</strong>a varie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

fatores, inclusive gostos, custos dos trans-<br />

portes, diferenças <strong>de</strong> taxas e re<strong>de</strong>s inefi-<br />

cientes <strong>de</strong> distribuição. Mas parte <strong>da</strong> di-<br />

ferença é <strong>de</strong>vi<strong>da</strong> á persistência <strong>da</strong>s bar-<br />

reiras à importação.<br />

^ Mas em nenh<strong>um</strong> lugar os mercados<br />

<strong>de</strong> produtos são tão integrados através <strong>da</strong>s<br />

fronteiras quanto são <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong>s nações.<br />

Consi<strong>de</strong>re-se o exemplo do intercâmbio<br />

entre os EUA e o Canadá, <strong>um</strong>a <strong>da</strong>s fron-<br />

teiras on<strong>de</strong> o comércio sofre menos res-<br />

tnções no mundo. Em média, o comerão<br />

entre <strong>um</strong>a província cana<strong>de</strong>nse e <strong>um</strong> Es-<br />

tado amencano é 20 vezes maior do que<br />

o comerão interno entre duas províncias<br />

cana<strong>da</strong>ises, após ajustes para distância e<br />

níveis <strong>de</strong> ren<strong>da</strong>. Apesar <strong>de</strong> tanta discus-<br />

sões sobre o mercado único, os merca-<br />

dos cana<strong>da</strong>ises e americano continuam<br />

substancialmaite separados <strong>um</strong> do outro.<br />

Para outros países, isso é ain<strong>da</strong> mais<br />

ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro.<br />

Os mercados financeiros tampouco<br />

estão realmente integrados. A <strong>de</strong>speito<br />

<strong>da</strong> recém-<strong>de</strong>scoberta populari<strong>da</strong><strong>de</strong> do<br />

investimento internacional, os mercados<br />

<strong>de</strong> capitais encontravam-se, por alg<strong>um</strong>as<br />

medi<strong>da</strong>s, mais integrados no início <strong>de</strong>ste<br />

século do que estão agora. Durante os<br />

30 anos antes <strong>da</strong> Primeira Guerra Mun-<br />

dial, quando a maioria <strong>da</strong>s moe<strong>da</strong>s esta-<br />

va ancora<strong>da</strong> ao ouro, somas imensas flu-<br />

íram <strong>da</strong> Europa Oci<strong>de</strong>ntal para a Amén-<br />

ca do Norte, a Argentina e a Austrália.<br />

A saí<strong>da</strong> líqui<strong>da</strong> <strong>de</strong> capital dsa Grã-<br />

Bretanha (ou seja, o superávit em sua<br />

conta corrente) chegou em média a 5%<br />

do PIB durante o período 1880-1913, al-<br />

cançando quase 10% do PIB em seu<br />

pico. Por comparação, o "excessivo" su-<br />

perávit do Japão em conta corrente atin-<br />

giu em média apenas 2-3% do PIB du-<br />

rante a déca<strong>da</strong> passa<strong>da</strong>.<br />

O investimento estrangeiro direto,<br />

envolvendo o controle <strong>de</strong> empresas ou<br />

imóveis através <strong>da</strong>s fronteiras nacionais,<br />

tampouco é <strong>um</strong> fenômeno novo. Hoje,<br />

eqüivale a 6% do investimanto domésti-<br />

co total <strong>da</strong>s economias ncas. Na déca<strong>da</strong><br />

anterior a 1914, por contraste, os inves-<br />

timentos diretos <strong>de</strong> capitalistas britânicos<br />

no exterior foram quase tão gran<strong>de</strong>s<br />

quanto seus investimentos diretos em<br />

casa. Nos países europeus, os estoques<br />

<strong>de</strong> investimentos diretos externos estão<br />

muito menores em relação a seus PlBs<br />

do que em 1914.<br />

Embora os mercados <strong>de</strong> produtos e<br />

capitais tenham se tomado ca<strong>da</strong> vez mais<br />

integrados, isso não aconteceu com os<br />

mercados <strong>de</strong> trabalho. Dezenas <strong>de</strong> milha-<br />

res <strong>de</strong> pessoas trabalham atualmente fora<br />

<strong>de</strong> seus países natais. Mas o trabalho está<br />

menos móvel do que na segun<strong>da</strong> meta<strong>de</strong><br />

do século XIX, quando 60 milhões <strong>de</strong> pes-<br />

soas saíram <strong>da</strong> Europa para o Novo Mun-<br />

do. Mesmo <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> União Européia, que<br />

dá aos ci<strong>da</strong>dãos <strong>de</strong> qualquer Estado man-<br />

bro o direito <strong>de</strong> trabalhar e viver em qual-<br />

quer outro, apenas <strong>um</strong>a pequaia propor-<br />

ção dos trabalhadores se avaitura a atra-<br />

vessar as fronteiras nacionais. Língua,<br />

barreiras culturais e educação e qualifi-<br />

cações profissionais incompatíveis se<br />

combinam para manter nacionais os mer-<br />

cados <strong>de</strong> trabalho.<br />

Isso não significa que a <strong>globalização</strong> seja<br />

apenas <strong>um</strong> mito. De alg<strong>um</strong>as maneiras no-<br />

vas e diferaites, a economia mundial está<br />

se tomando mais internacionalmente inte-<br />

gra<strong>da</strong> do que era na vira<strong>da</strong> do século.<br />

"Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do'


Quinzena N 0 259 - 31/10/97 20 Economia<br />

Por <strong>um</strong> lado, amplas regiões do mun-<br />

do não participaram <strong>da</strong> economia global<br />

pré-1914. Hoje, mais economias do que<br />

nunca antes abriram suas fronteiras ao<br />

comércio e ao investimento. Não ape-<br />

nas países <strong>de</strong>senvolvidos, mas também<br />

países em <strong>de</strong>senvolvimento na Ásia e<br />

América Latina abraçaram reformas<br />

favoráveis ao mercado.<br />

A segun<strong>da</strong> diferença é que, enquan-<br />

to no século XIX a <strong>globalização</strong> foi im-<br />

pulsiona<strong>da</strong> pela que<strong>da</strong> dos custos <strong>de</strong><br />

transporte, agora é conduzi<strong>da</strong> pela que-<br />

<strong>da</strong> dos custos <strong>da</strong>s comunicações. Isso<br />

criou novas maneiras <strong>de</strong> organizar em-<br />

presas em escala mundial, com <strong>um</strong>a<br />

integração internacional mais estreita do<br />

que no passado.<br />

Re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> comunicação baratas e efi-<br />

cientes permitem que as empresas situ-<br />

em diferentes partes do seu processo <strong>de</strong><br />

produção em países diversos, mas per-<br />

manecendo em contato intimo. A mo<strong>de</strong>r-<br />

na tecnologia <strong>da</strong> informação também<br />

reduz a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> contato físico<br />

entre produtores e cons<strong>um</strong>idores e, por-<br />

tanto, permite que alguns serviços que<br />

não podiam ser negociados antes pas-<br />

sem a ser negociados. Qualquer ativi<strong>da</strong>-<br />

<strong>de</strong> que possa ser conduzi<strong>da</strong> n<strong>um</strong>a tela<br />

ou por telefone, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> escrever software<br />

a ven<strong>de</strong>r passagens <strong>de</strong> avião, po<strong>de</strong> ser<br />

realiza<strong>da</strong> em qualquer lugar do mundo,<br />

liga<strong>da</strong> ao escritório central por satélite e<br />

computador. Mesmo assistência médica<br />

ou educação po<strong>de</strong>m ser vendi<strong>da</strong>s à dis-<br />

tância pelas re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> telecomunicações.<br />

Uma terceira diferaiça é que, embo-<br />

ra os fluxos líquidos <strong>de</strong>capitai global pos-<br />

sam ser menores do que no passado, os<br />

Gazeta Mercantil - 27/10/97<br />

fluxos financeiros brutos internacionais são<br />

muito maiores. Por exemplo, o movimen-<br />

to diário do câmbio externo a<strong>um</strong>entou <strong>de</strong><br />

US$ 15 bilhões, em 1973, para US$ 1,2<br />

trilhão em 1995. As compras e ven<strong>da</strong>s<br />

internacionais <strong>de</strong> títulos e ações por in-<br />

vestidores amen canos a<strong>um</strong>entaram <strong>de</strong><br />

9% do PIB, em 1980, para 164% em 1996.<br />

Entretanto, a economia mundial ain-<br />

<strong>da</strong> está longe <strong>de</strong> ser genuinamente inte-<br />

gra<strong>da</strong>. No futuro, novas tecnologias pro-<br />

vavelmente estimularão <strong>um</strong>a maior<br />

integração. Espera-se, por exemplo, que<br />

a Internet e tecnologias afins aju<strong>de</strong>m a<br />

tomar os mercados mais transparentes,<br />

permitindo que compradores e ven<strong>de</strong>do-<br />

res comparem preços <strong>de</strong> diferentes paí-<br />

ses. Os preços <strong>da</strong> telecomunicação cai-<br />

rão ain<strong>da</strong> mais acentua<strong>da</strong>mente durante<br />

a próxima déca<strong>da</strong>.<br />

Assim, a tecnologia continuará sendo<br />

a força motnz do trem <strong>da</strong> globaliza-ção.<br />

Isso apresenta <strong>um</strong> <strong>de</strong>safio aos governos.<br />

Permitindo <strong>um</strong> uso mais eficiente dos re-<br />

cursos mundiais, a <strong>globalização</strong> <strong>de</strong>verá<br />

estimular as rai<strong>da</strong>s médias. Entretanto,<br />

os custos e os benefícios serão distribuí-<br />

dos <strong>de</strong>sigualmente. Muitas pessoas - so-<br />

bretudo traballiadores industnais não-qua-<br />

líficados <strong>da</strong>s economias ricas - <strong>de</strong>scobri-<br />

rão que a <strong>de</strong>man<strong>da</strong> por seu trabalho está<br />

caindo, enquanto as funções que costu-<br />

mavam exercer são <strong>de</strong>sempenha<strong>da</strong>s no<br />

exterior por <strong>um</strong> custo menor. Isso provo-<br />

ca o risco <strong>de</strong> <strong>um</strong> recuo político contra o<br />

livre comércio e os fluxos <strong>de</strong> capital.<br />

A tendência à <strong>globalização</strong> po<strong>de</strong>rá ser<br />

reverti<strong>da</strong> <strong>um</strong>a segun<strong>da</strong> vez? Fazê-lo po<strong>de</strong><br />

ser mais difícil do que antes. Novas<br />

tecnologias e novos tipos <strong>de</strong> instr<strong>um</strong>en-<br />

tos financeiros dificultam a imposição <strong>de</strong><br />

controle efetivos sobre o capital por par-<br />

te dos governos. Da mesma forma, o<br />

a<strong>um</strong>ento do número <strong>da</strong>s empresas multi-<br />

nacionais que po<strong>de</strong>m transferir produção<br />

<strong>de</strong> <strong>um</strong> país para outro dificultará a ado-<br />

ção <strong>de</strong> barreiras comerciais efetivas.<br />

Novas tecnologias também criam<br />

canais <strong>de</strong> distribuição que os governos<br />

dificilmente po<strong>de</strong>rão bloquear. O gover-<br />

no francês que quiser proteger sua in-<br />

dústria cinematográfica <strong>da</strong> competição<br />

americana, restringindo as importações,<br />

po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>scobrir que é impossível impe-<br />

dir a transmissão <strong>de</strong> filmes estrangeiros<br />

por satélite ou sua difusão pela Internet<br />

Filmes estrangeiros po<strong>de</strong>m ser introdu-<br />

zidos através <strong>de</strong> janelas eletrônicas que<br />

não po<strong>de</strong>m ser fecha<strong>da</strong>s.<br />

Outra razão para supor que a globa-<br />

lização é mais durável <strong>de</strong>sta vez é que o<br />

livre comércio se apoia sobre bases insti-<br />

tucionais mais firmes do que no inicio<br />

<strong>de</strong>ste século. Naquela época, o livre co-<br />

mércio avançou sobretudo por meio <strong>de</strong><br />

tratados bilaterais em vez <strong>de</strong> por institui-<br />

ções multilateraís, tais como a OMC.<br />

Recuar <strong>da</strong> OMC não será fácil.<br />

Entretanto, a experiência passa<strong>da</strong><br />

mostra com que rapi<strong>de</strong>z a fé nos merca-<br />

dos e na abertura po<strong>de</strong> ser esmagadora<br />

por gran<strong>de</strong>s choques econômicos, tais<br />

como a Gran<strong>de</strong> Depressão dos anos 30.<br />

Em confronto com outro <strong>de</strong>clínio seve-<br />

ro, alguns governos ain<strong>da</strong> po<strong>de</strong>m ser to-<br />

los o suficiente para usar o protecionis-<br />

mo a fim <strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r trabalhadores e<br />

empresas <strong>da</strong>s forças globais. Isso tam-<br />

bém protegeria as economias <strong>de</strong> po<strong>de</strong>-<br />

rosas fontes <strong>de</strong> crescimento. 1<br />

Máxi pós-eleitoral é tese <strong>de</strong>scarta<strong>da</strong><br />

Economista acreditam que não há clima no governo para<br />

Oito entre nove economistas e/ou altos<br />

executivos <strong>de</strong> bancos e <strong>de</strong> <strong>um</strong>a consultoria<br />

compulsados por este jornal <strong>de</strong>scartaram a<br />

possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> o governo promover <strong>um</strong>a<br />

<strong>de</strong>svalorização mais acelera<strong>da</strong> ou abrupta -<br />

<strong>um</strong>a midi ou maxi<strong>de</strong>s-valorização - do real<br />

após as eleições <strong>de</strong> 1998, como <strong>vem</strong> sendo<br />

discutido e comentado entre mesas <strong>de</strong> ope-<br />

rações, meios acadêmicos e, principalmente,<br />

na mídia não especializa<strong>da</strong>.<br />

mu<strong>da</strong>r a política cambial<br />

William Salasar<br />

O motivo principal é que não há fun<strong>da</strong>-<br />

mentos econômicos para o governo mu<strong>da</strong>r a<br />

política cambial atual, <strong>de</strong> <strong>de</strong>svalorizações<br />

constantes e graduais, ao mesmo tempo em<br />

que procura melhorar as condições <strong>de</strong><br />

competitivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s exportações via refor-<br />

mas constitucionais e regulamentações <strong>de</strong><br />

leis que <strong>de</strong>smontem cartórios, corporativis-<br />

mos e tudo aquilo que se convencionou cha-<br />

mar <strong>de</strong> "Custo Brasil"- essa mancha esbran-<br />

quiça<strong>da</strong> e difusa como <strong>um</strong>a nebulosa que<br />

não há ninguém que explique com precisão e<br />

ninguém que não enten<strong>da</strong> mais ou menos.<br />

A idéia mais difundi<strong>da</strong>, segundo <strong>um</strong> texto<br />

do ex-ministro <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Maílson <strong>da</strong><br />

Nóbrega, que inspirou a son<strong>da</strong>gem entre ou-<br />

tros economistas influentes, é que se imagina<br />

que o governo não mexe no câmbio agora,<br />

porque teria problemas para reeleger o presi-<br />

<strong>de</strong>nte Fernando Henrique Cardoso no ano que<br />

Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do'


Quinzena N 0 259 - 31/10/97 21 Economia<br />

<strong>vem</strong>. Mas fazendo a máxi <strong>de</strong>pois <strong>da</strong>s eleições,<br />

FHC tornaria as exportações brasileiras mais<br />

competitivas, solucionando, assim, o proble-<br />

ma dos déficits comercial e em conta corrente.<br />

FHC ficaria, então, livre para tocar aquelas re-<br />

formas to<strong>da</strong>s, porque, em tese, teria eliminado<br />

constrangimentos externos.<br />

Não é o que acham os nove economistas<br />

e altos profissionais do mercado ouvidos por<br />

este jornal, que acham que mexer no câmbio,<br />

<strong>de</strong>svalorizar o real <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma mais apres-<br />

sa<strong>da</strong> ten<strong>de</strong> a ser contraproducente. Sua ar-<br />

g<strong>um</strong>entação é que <strong>um</strong>a, por assim dizer, máxi<br />

ten<strong>de</strong>ria a trazer <strong>de</strong> volta a inflação e a<br />

in<strong>de</strong>xação que alimenta e realimenta a alta<br />

dos preços, naquela espiral maluca que du-<br />

rou mais <strong>de</strong> <strong>um</strong>a déca<strong>da</strong>, <strong>de</strong>strambelhando a<br />

economia brasileira.<br />

Incisivo, o economista André Loes, do<br />

Banco Bozano, Simonsen - <strong>um</strong>a instituição<br />

que tem se mostrado <strong>da</strong>s mais ativas e efici-<br />

entes na captação <strong>de</strong> recursos externos e na<br />

cooptação <strong>de</strong> investidores estrangeiros -<br />

consi<strong>de</strong>ra que <strong>um</strong>a alteração cambial <strong>de</strong> por-<br />

te <strong>de</strong>veria ser evita<strong>da</strong> ao máximo e em qual-<br />

quer momento, para evitar o retorno <strong>da</strong> infla-<br />

ção e <strong>da</strong> recessão. A <strong>de</strong>svalorização gradual<br />

que o governo <strong>vem</strong> promovendo <strong>de</strong>ve ser<br />

Jornal Nação Brasil - Setembro/97 - N" 101<br />

manti<strong>da</strong> e no mesmo ritmo vigente. Para esti-<br />

mular o exportador, lembra Loes, o governo<br />

já está <strong>da</strong>ndo crédito, transferindo ren<strong>da</strong> ao<br />

exportador <strong>de</strong> forma mais inteligente do que<br />

pela mera <strong>de</strong>svalorização cambial.<br />

O<strong>da</strong>ir Abate, economista-chefe do<br />

Lloyds Bank (instituição <strong>da</strong>s mais ativas<br />

no comércio exterior e que, aliás, está com<br />

crédito oficial à exportação; o Banco do<br />

Brasil, que é o carro-chefe por <strong>de</strong>finição<br />

<strong>de</strong>sse programa, <strong>de</strong>ve estar com <strong>um</strong> mon-<br />

tante bem maior), consi<strong>de</strong>ra muito peque-<br />

na a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>svalorização<br />

pós-eleição. Lembra que não se vai fazer<br />

<strong>de</strong>svalorização pré-eleitoral porque é<br />

politiqueiramente incorreto. Mas, se fizer<br />

<strong>de</strong>pois, o governo corre o risco <strong>de</strong> contra-<br />

riar interesses e <strong>de</strong>ixar <strong>um</strong> mal estar sufici-<br />

ente para obstar a votação <strong>da</strong>s reformas.<br />

Ficaria <strong>um</strong> odor na<strong>da</strong> agradável <strong>de</strong> Plano<br />

Cruzado 2 ou Plano Collor 2.<br />

A politica em curso, observa Dany<br />

Rappaport, economista-chefe do Banco<br />

Santan<strong>de</strong>r, está possibilitando <strong>um</strong>a recupe-<br />

ração <strong>da</strong> competitivi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s exportações<br />

brasileiras com a <strong>de</strong>svalorização do real, que,<br />

assinala, contribui para reduzir e/ou inibir<br />

a alta dos preços. É, na sua visão, <strong>um</strong>a<br />

política a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>, capaz <strong>de</strong> gerar <strong>um</strong> ambien-<br />

te propício aos investimentos, sem causar trau-<br />

mas a <strong>um</strong> país que já penou com a inflação<br />

crônica.<br />

A avaliação é basicamente a mesma <strong>de</strong><br />

Paulo Mallmann, diretor financeiro e econo-<br />

mista-chefe do Bic-Banco (<strong>um</strong> permanente<br />

critico <strong>de</strong> idéias e comentários pasteurizados<br />

e homogeneizados que circulam pelo merca-<br />

do e, por extensão, pela mídia). "Não tem por<br />

que <strong>de</strong>svalorizar. O governo optou por <strong>um</strong>a<br />

trajetória <strong>de</strong> <strong>de</strong>svalorização real que está <strong>da</strong>n-<br />

do certo", diz Mallmann.<br />

Voltando ao Dr. Mailson, <strong>um</strong>a <strong>de</strong>svalori-<br />

zação pós-eleição seria contraproducente<br />

também porque ocorreria com as fabricas tra-<br />

balhando praticamente a pleno vapor, com<br />

escassa capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> ociosa, o que tornaria<br />

os preços dos produtos nacionais, mesmo<br />

aqueles similares aos importados (que é cla-<br />

ro que ficariam mais caros). E também au-<br />

mentaria substancialmente o endivi<strong>da</strong>mento<br />

<strong>de</strong> pessoas e empresas (inclusive agriculto-<br />

res), já que tem muita gente, fisica e jurídica,<br />

com dívi<strong>da</strong> em dólar. O resultado seria au-<br />

mento dos juros, logo <strong>da</strong> inadimplência e,<br />

<strong>da</strong>í, redução <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> econômica. Outra<br />

<strong>de</strong>riva<strong>da</strong>: crise no sistema financeiro. "1<br />

Em 3 anos o Plano Real quebrou 69 bancos<br />

PROER: RS 20,3 - bilhões para recuperar só 2,3%<br />

Ao criar <strong>um</strong> câmbio artificial com <strong>um</strong>a<br />

moe<strong>da</strong> supervaloriza<strong>da</strong> e acabar com a infla-<br />

ção <strong>de</strong> <strong>um</strong> dia para outro, evi<strong>de</strong>ntemente o<br />

governo FHC <strong>de</strong>veria ter criado <strong>um</strong> contra-<br />

peso- isto é; introduzir medi<strong>da</strong>s <strong>de</strong> compen-<br />

sação para o sistema financeiro privado.<br />

De fato, se <strong>de</strong> <strong>um</strong> lado a reestmtura-ção<br />

do sistema passava pela privatização dos ban-<br />

cos estatais, por outro exigia o enxugamento<br />

<strong>da</strong>s <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> pequenos bancos <strong>de</strong> investi-<br />

mentos a serem absorvidos pelas corporações<br />

financeiras priva<strong>da</strong>s brasileiras (Itaú,<br />

Bra<strong>de</strong>sco, Safra, Unibanco, BBC, etc). Assim<br />

foram quebrados 69 bancos.<br />

Apenas RS 470 milhões<br />

O que o governo não previa era que nessa<br />

on<strong>da</strong> <strong>de</strong> reestruturação também os gran<strong>de</strong>s<br />

bancos corriam sérios riscos. Primeiro foi o<br />

Nacional, <strong>de</strong>pois o Econômico e, enfim, o<br />

Bamerindus que faliram. Esse alerta levou o<br />

governo a criar o PROER (Programa <strong>de</strong><br />

Reestruturação e Fortalecimento do Sistema<br />

Financeiro) que em <strong>um</strong> ano e meio entregou<br />

aos bancos R$ 20,3 bilhões - isto é: 43% <strong>da</strong>s<br />

resevas cambiais.<br />

Para aprovar o PROER no Congresso, o<br />

governo recorreu ao fisiologismo, á chanta-<br />

gem, e até a <strong>um</strong>a mesquinharia política, só<br />

pareci<strong>da</strong> com a do governo Mediei. Foram<br />

assim <strong>de</strong>senvolsados R$ 20,3 bilhões, entre-<br />

tanto só após <strong>um</strong> ano e meio, pô<strong>de</strong> o Banco<br />

Central recuperar apenas R$ 470 milhões - isto<br />

é: uns miseráveis 2,3%. Nesse ritmo, o Banco<br />

Central <strong>de</strong>morará 45 anos para receber o valor<br />

emprestado, e mais 10 para os juros. Pratica-<br />

mente, no ano 2.032 o Banco Central po<strong>de</strong>rá<br />

fechar a pasta do Proer.<br />

Econômico, Bamerindus e Nacional rece-<br />

beram R$ 14 bilhões e continuam insolven-<br />

tes e falidos. No caso do Bamerin-dus, o go-<br />

verno além <strong>de</strong> pagar as dívi<strong>da</strong>s, ain<strong>da</strong> teve<br />

que oferecer R$ 1 bilhão ao HSBC <strong>de</strong> Hong<br />

Kong para que esse operasse a re<strong>de</strong> do<br />

Bamerindus. Nesse contexto, a Caixa Econô-<br />

mica Fe<strong>de</strong>ral - e não os gran<strong>de</strong>s bancos pri-<br />

vados - teve que "engolir" a compra <strong>da</strong>s car-<br />

teiras imobiliárias do Bamerindus, do Econô-<br />

mico e do Banorte, no expressivo valor <strong>de</strong> R$<br />

5 bilhões. Valor que o governo sempre negou<br />

ter para "oxigenar" o Banerj e o Banespa, e<br />

que <strong>de</strong> repente "apareceu" nos cofres <strong>da</strong> Cai-<br />

xa Econômica Fe<strong>de</strong>ral.<br />

tm banco... sem fundos<br />

Só agora os técnicos do Banco Central<br />

<strong>de</strong>scobriram que o Econômico é <strong>um</strong> poço sem<br />

fundo. De fato na época o Chefão do PFL,<br />

Antônio Carlos Magalhães, obrigou o go-<br />

verno a pagar as dívi<strong>da</strong>s do Econômico que<br />

o brilhante Ministro <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>, Pedro<br />

Malan, minimi-zou em apenas R$ 1,5 bilhão.<br />

Mas, hoje, resulta que o rombo do banco<br />

baiano é <strong>de</strong> mais R$ 3 bilhões, apesar dos R$<br />

5,9 bilhões já injetados pelo Banco Central<br />

com o Proer, que, pelo visto, não sanearam<br />

as dívi<strong>da</strong>s.<br />

O absurdo nisso tudo é que segundo o<br />

diretor <strong>de</strong> Fiscalização do BC, Cláudio Mauch,<br />

a liqui<strong>da</strong>ção do Econômico <strong>de</strong>morará uns 5<br />

anos!!! E vivendo esse clima <strong>de</strong> absur<strong>de</strong>z<br />

absoluta, Cláudio Mauch confirma que "to-<br />

dos so empréstimos têm garantias.<br />

Para R$ 20,3 bilhões emprestados, o BC<br />

só obteve R$ 24 bilhões em garantias, a mai-<br />

oria em créditos junto ao FCVS (Fundo <strong>de</strong><br />

Compensação <strong>da</strong>s Variações Salariais) e tí-<br />

tulos <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> externa brasileira (que não<br />

valem na<strong>da</strong>, pois são as famosas moe<strong>da</strong>s<br />

podres D<br />

"Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"


Quinzena N 0 259 - 31/10/97 22<br />

Curtas<br />

Esquer<strong>da</strong> busca consenso<br />

sobre programa, as propostas<br />

Novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

- O termo usado é "refün<strong>da</strong>r a estabili<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

em novas bases", isto é, buscar <strong>um</strong> mo<strong>de</strong>lo<br />

alternativo ao Real que pennita "a retoma-<br />

<strong>da</strong> do crescimento econômico, associa<strong>da</strong> à<br />

distribuição <strong>de</strong> ren<strong>da</strong>, riqueza e educação".<br />

O cálculo e que a econô-mia <strong>de</strong>ve crescer<br />

pdo maios 7% ao ano para absorver o con-<br />

tingaite <strong>de</strong> 1,9 milhão <strong>de</strong>jovais que che-<br />

gam ao mercado <strong>de</strong> trabalho, mantaido o<br />

nível <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego atual. E <strong>de</strong> que, com a<br />

redistnbui-ção <strong>de</strong> apaias 7% <strong>da</strong> rai<strong>da</strong> con-<br />

caitra<strong>da</strong> nas mãos dos 10% mais ncos, será<br />

possivel diminarto<strong>da</strong> a pobreza absoluta do<br />

Pais. O moddo embute duas convicções: a<br />

<strong>de</strong> que a estabili<strong>da</strong><strong>de</strong> do Real não se man-<br />

tán a longo prazo e a <strong>de</strong> que é necessáno<br />

aicontrar <strong>um</strong>a fórmula <strong>de</strong> "crescer distn-<br />

buindo rai<strong>da</strong>".<br />

Poupança interna - O programa con-<br />

centra-se em formas <strong>de</strong> incremento <strong>da</strong><br />

poupança <strong>de</strong> dos investimentos internos,<br />

para substituir o capital especulativo, que<br />

hqjeéo "coldião" <strong>da</strong>politica cambial. Uma<br />

"refonua tributária abrangente" é a pro-<br />

posta número <strong>um</strong> implicaria <strong>de</strong>soneração<br />

<strong>da</strong> produção, racionalização <strong>da</strong> estrutura<br />

tributária e simplificação <strong>da</strong> burocracia.<br />

A progressivi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos impostos sena ob-<br />

ti<strong>da</strong> via uso do imposto Terntorial Rural<br />

como "instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> eliminação <strong>da</strong> es-<br />

peculação fundiána" e via impostos sobre<br />

heranças, gran<strong>de</strong>s fortunas e lucros ex-<br />

traordinários, especialmaite <strong>de</strong> empresas<br />

pnvatiza<strong>da</strong>s. Outra proposta polêmica é<br />

adotar <strong>de</strong>finitivamente "fontes eficazes"<br />

<strong>de</strong> receita, como o imposto sobre cheques,<br />

hoje provisório, e impostos sobre cigarros<br />

e bebi<strong>da</strong>s. A reforma <strong>da</strong> Previdência tam-<br />

bém seria orienta<strong>da</strong> para captação <strong>de</strong><br />

poupança interna. Haveria <strong>um</strong>a previdâi-<br />

cia pública universal e na previdâicia com-<br />

plementar, optativa, conviveriam o po<strong>de</strong>r<br />

público e a iniciativa priva<strong>da</strong>. A idéia é<br />

tomar os fundos <strong>de</strong> pensão financiadores<br />

do <strong>de</strong>senvolvimaito. "Hoje só 2,9 milhões<br />

<strong>de</strong> pessoas têm acesso à previdência com-<br />

plementar e ain<strong>da</strong> assim ela soma R$ 73<br />

bilhões, tem 18% <strong>da</strong>s ações em bolsas,<br />

meta<strong>de</strong> dos shoppings, é a segun<strong>da</strong> acio-<br />

nista <strong>da</strong> Vale do Rio Doce e <strong>de</strong> todo o<br />

setor si<strong>de</strong>rúrgico", lembrou Merca<strong>da</strong>nte.<br />

(Continua no próximo Quinzena)<br />

FNM - Fór<strong>um</strong> Nacional <strong>de</strong> Monitores - Agosto/Setembro <strong>de</strong> 1997 - N" 32<br />

Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia:<br />

paraíso ou inferno?<br />

Nunca como nos últimos cinco anos<br />

as palavras ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia e ci<strong>da</strong>dão tem<br />

sido repeti<strong>da</strong>s pelos mais variados seto-<br />

res que compõem a nossa socie<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />

Lutar pela ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, transformar o bra-<br />

sileiro em ci<strong>da</strong>dão, fazer com que ca<strong>da</strong><br />

indivíduo <strong>de</strong>fen<strong>da</strong> seus direitos <strong>de</strong> ci<strong>da</strong>-<br />

dão, são as palavras <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m que unem<br />

empresános, trabalhadores, presi<strong>da</strong>ites,<br />

ministros e represaitantes <strong>de</strong> todos os mo-<br />

vimaitos organizados <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> civil<br />

Pensando bem, alguém po<strong>de</strong>ria discor-<br />

<strong>da</strong>r do fato <strong>de</strong> que ser ci<strong>da</strong>dão significa<br />

gozar <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong>sempenhar <strong>de</strong>veres<br />

no interior <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>terminado Estado 0<br />

Em plaia <strong>de</strong>mocracia, quem se atreveria<br />

a negar publicamaite o direito à escola, á<br />

moradia, à assistência médica, ao lazer,<br />

ao trabalho, ou, ain<strong>da</strong>, a escolher livremai-<br />

te os próprios governantes 9<br />

Parece tudo tão óbvio e natural que os<br />

críticos <strong>da</strong> luta pela ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia <strong>de</strong>veriam<br />

fazer, <strong>de</strong>mocraticamente, o favor <strong>de</strong> ca-<br />

lar-se diante <strong>da</strong>s manifestações <strong>de</strong> apoio,<br />

soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> e esperança que tem rece-<br />

bido as ações que os movimentos organi-<br />

zados <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> civil <strong>vem</strong> conseguin-<br />

do realizar em nome <strong>de</strong>ssa ban<strong>de</strong>ira.<br />

Ain<strong>da</strong> assim, queremos convi<strong>da</strong>r os<br />

nossos leitores a refletir conosco sobre<br />

<strong>um</strong>a pergunta incômo<strong>da</strong> á qual poucos<br />

se atre<strong>vem</strong> a respon<strong>de</strong>r exaustivamen-<br />

te. Se por ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia enten<strong>de</strong>mos o aces-<br />

IWHí/íO (iennari *<br />

Nacional<br />

so a direitos básicos capazes <strong>de</strong> garantir<br />

a vi<strong>da</strong> em socie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer indiví-<br />

duo, porque somente na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 90 a<br />

necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> transformar o brasileiro<br />

em ci<strong>da</strong>dão ganhou expressão nacional''<br />

Reparem todos que, no fundo, o que esta<br />

sendo pedido não é o máximo, e sim o<br />

mínimo do mínimo para viabilizar <strong>um</strong>a<br />

convivência social civiliza<strong>da</strong> Amenizar<br />

a fome, reduzir a miséria, gerar empre-<br />

gos, garantir escola, transporte, moradia,<br />

etc, são tarefas <strong>de</strong> qualquer governo que<br />

está interessado em manter a or<strong>de</strong>m,<br />

reduzir a violência e proporcionar às fa-<br />

mílias <strong>um</strong>a ren<strong>da</strong> mínima capaz, pelo<br />

menos, <strong>de</strong> garantir sua sobrevivência fí-<br />

sica Por que motivo, então, algo tão sim-<br />

ples e elementar ganhou tanto <strong>de</strong>staque''<br />

Não sei se os nossos leitores estão<br />

lembrados, mas durante o governo Collor<br />

o Brasil mergulha n<strong>um</strong>a profun<strong>da</strong><br />

recessão Sem emprego, sem dinheiro,<br />

<strong>de</strong>scamisados e sem casa, o número dos<br />

chamados "excluídos" a<strong>um</strong>enta a olhos<br />

vistos. Se, <strong>de</strong> <strong>um</strong> lado, as manifestações<br />

pelo impeachment legitimam a <strong>de</strong>rruba-<br />

<strong>da</strong> do presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> república e fortale-<br />

cem o sentimento <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia <strong>da</strong> na-<br />

ção, <strong>de</strong> outro, <strong>de</strong>ixam intacta a política<br />

neoliberal por ele inaugura<strong>da</strong>. A revolta<br />

contra a corrupção, a miséria e a falta<br />

<strong>de</strong> perspectivas no futuro alimaitam <strong>um</strong>a<br />

situação potencialmente explosiva e to-<br />

Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do 1


Quinzena N 0 259 - 31/10/97 23 Nacional<br />

talmente imprevisível do ponto <strong>de</strong> vista<br />

do controle do conflito social.<br />

Não é por acaso que, nesta época,<br />

José Eduardo <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> Vieira, ex-<br />

presi<strong>de</strong>nte do Grupo Bamerindus e se-<br />

nador pelo PTB, diz: "O Brasil foi <strong>um</strong>a<br />

nação <strong>de</strong> pobres. Hoje, marcha para<br />

se transformar n<strong>um</strong>a praça cie guer-<br />

ra <strong>de</strong> miseráveis, apesar <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as<br />

suas enormes potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>s". ] E<br />

ele não é o único a expressar preocu-<br />

pações <strong>de</strong>ste tipo.<br />

Ou seja, a classe dominante tem<br />

consciência <strong>de</strong> que, sob o incômodo es-<br />

timulo <strong>da</strong> fome, a paciência do exército<br />

dos Zé Ninguém que, em geral, não re-<br />

clama, não conhece a lei, mas apenas<br />

obe<strong>de</strong>ce e espera dias melhores, está se<br />

esgotando O problema é que a reação<br />

<strong>de</strong>sta massa, historicamente, não se ma-<br />

nifesta <strong>de</strong> forma or<strong>de</strong>ira e disciplina<strong>da</strong>,<br />

mas ten<strong>de</strong> a ass<strong>um</strong>ir as feições violen-<br />

tas e imprevisíveis <strong>de</strong> <strong>um</strong> quebra-quebra<br />

ou <strong>de</strong> <strong>um</strong> saque aos supermercados.<br />

Sabendo disso, as elites sentem a ur-<br />

gência <strong>de</strong> encontrar meios para evitar o<br />

caos e canalizar o <strong>de</strong>scontentamento para<br />

movimentos que possam ser controlados,<br />

dirigidos e, sobretudo, mantidos <strong>de</strong>ntro<br />

dos limites <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m. Duas tarefas se<br />

fazem necessárias: integrar <strong>de</strong>finitiva-<br />

mente o Movimento Operário Sindical,<br />

esvaziando-o <strong>da</strong>queles elementos que<br />

estimulam o conflito e evi<strong>de</strong>nciam os<br />

mecanismos <strong>de</strong> exploração, e realizar<br />

ações capazes <strong>de</strong> renovar as esperan-<br />

ças do povo simples n<strong>um</strong> futuro melhor.<br />

Neste contexto, a Ação <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>-<br />

nia contra a Miséria e pela Vi<strong>da</strong>, mais<br />

conheci<strong>da</strong> como Campanha contra a<br />

Fome, serve como <strong>um</strong>a luva para os pro-<br />

jetos <strong>da</strong> classe dominante. Para o soció-<br />

logo Herbert <strong>de</strong> Souza, o Betinho, ao<br />

sensibilizar e mobilizar a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> dian-<br />

te do problema <strong>da</strong> fome, a ação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>-<br />

<strong>da</strong>nia está fazendo a sua parte para com-<br />

bater este mal que atormenta as famílias<br />

do nosso país. De acordo com as suas<br />

<strong>de</strong>clarações, todos <strong>de</strong>veriam adotar o<br />

espírito e a <strong>de</strong>dicação do beija-flor que<br />

diante <strong>da</strong> floresta em chamas, longe <strong>de</strong><br />

fugir do perigo leva gotas <strong>de</strong> água no seu<br />

bico para <strong>de</strong>speja-las sobre o incêndio.<br />

E pouco, mas aju<strong>da</strong> a diminuir a intensi-<br />

<strong>da</strong><strong>de</strong> do fogo <strong>de</strong>vastador.<br />

A rigor, para o povo simples, isso tudo<br />

não é <strong>um</strong>a novi<strong>da</strong><strong>de</strong>, pois, diariamente.<br />

ele vivência práticas espontâneas <strong>de</strong> so-<br />

li<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> e aju<strong>da</strong> <strong>de</strong>sinteressa<strong>da</strong>s. Mas,<br />

ao tomar-se <strong>um</strong>a campanha nacional ali-<br />

menta<strong>da</strong> pelos meios <strong>de</strong> comunicação<br />

com ampla participação <strong>de</strong> artistas e<br />

personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> todos os setores soci-<br />

ais, a ação <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia captura as aten-<br />

ções e as emoções <strong>da</strong>s massas levando-<br />

as a acreditar que, no fundo, a solução<br />

<strong>da</strong> miséria e <strong>da</strong> fome <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> apenas<br />

<strong>de</strong> ca<strong>da</strong> <strong>um</strong> pôr a mão no bolso e repar-<br />

tir o pouco que tem. Afinal, os estragos<br />

provocados pelo incêndio senam meno-<br />

res se todos os bichos fizessem a sua<br />

parte no lugar <strong>de</strong> abandonar a floresta<br />

na <strong>de</strong>sespera<strong>da</strong> tentativa <strong>de</strong> salvar a pró-<br />

pna pele.<br />

Fácil, não é? E só distribuir <strong>um</strong>a sa-<br />

cola <strong>de</strong> alimentos aqui, a<strong>um</strong>entar <strong>um</strong> pou-<br />

co o emprego aí..., que <strong>de</strong>pois tudo se<br />

resolve. Apesar do terrível cheiro <strong>de</strong><br />

queimado, o sistema é apresentado como<br />

bom. Só precisa sofrer pequenos ajustes<br />

para evitar que se agra<strong>vem</strong> os proble-<br />

mas que <strong>vem</strong> se manifestando ao longo<br />

dos séculos.<br />

As boas intenções do beija-flor, ao<br />

centralizar as atenções <strong>da</strong> bichara<strong>da</strong> so-<br />

bre a sua ação <strong>de</strong> bombeiro, acabam<br />

ocultando exatamente as relações <strong>de</strong><br />

exploração que são as ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras res-<br />

ponsáveis pelo incêndio na floresta e di-<br />

ariamente alimentam as suas chamas ao<br />

excluir setores ca<strong>da</strong> vez mais amplos <strong>da</strong><br />

população do acesso aos bens necessá-<br />

rios para a sua sobrevivência.<br />

Se isso não bastasse, os próprios ex-<br />

plorados são chamados a contribuir do<br />

seu bolso pelos estragos que eles não<br />

provocaram e a aju<strong>da</strong>r as classes domi-<br />

nantes a recuperar o controle do conflito<br />

social que ameaça a sua or<strong>de</strong>m e os seus<br />

interesses. Ao <strong>da</strong>r voz a quem não tem<br />

voz, as elites e seus embaixadores estão<br />

<strong>da</strong>ndo a sua voz que busca fazer evoluir<br />

o senso com<strong>um</strong> aimo á renovação e á<br />

preservação <strong>da</strong>s condições <strong>de</strong> domina-<br />

ção <strong>de</strong>sgasta<strong>da</strong>s pelo impacto <strong>da</strong>s polí-<br />

ticas neoliberais.<br />

Sendo assim, por que o Movimento<br />

Operário Sindical comprou a idéia <strong>da</strong> ação<br />

pela a<strong>da</strong><strong>da</strong>nia sem opor <strong>um</strong>a crítica con-<br />

sistente aos objetivos e aos meios que vi-<br />

nham sendo propostos? Em primeiro lu-<br />

gar, é necessário lembrar que a luta para<br />

assegurar a todos o acesso a condições<br />

dignas <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> é <strong>um</strong>a preocupação per-<br />

manente <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> do mundo inteiro.<br />

Portanto, os nossos sindicatos não po<strong>de</strong>-<br />

riam simplesmente se omitir diante <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong>a campanha nacional <strong>de</strong>ssa enverga-<br />

dura. O problema está no fato <strong>de</strong> que a<br />

participação do Movimento na Ação pela<br />

Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia <strong>vem</strong> consoli<strong>da</strong>ndo o esvazia-<br />

mento <strong>de</strong> sua perspectiva classista para<br />

ass<strong>um</strong>ir, progressivamente, a lógica <strong>da</strong><br />

parceria. E do começo <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 90,<br />

por exemplo, a estratégia <strong>de</strong> "interven-<br />

ção propositiva" leva<strong>da</strong> adiante pelos<br />

setores majontános <strong>da</strong> Central Única dos<br />

Trabalhadores no interior <strong>da</strong>s Câmaras<br />

Setoriais. Estratégia esta que, longe <strong>de</strong><br />

levar os operários a formularem <strong>um</strong> pro-<br />

jeto próprio <strong>de</strong> organização <strong>da</strong> produção<br />

capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>smascarar para to<strong>da</strong> a soci-<br />

e<strong>da</strong><strong>de</strong> os valores e os interesses <strong>da</strong>s ini-<br />

ciativas empresariais, acaba incorporan-<br />

do a lógica <strong>da</strong> produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>da</strong> compe-<br />

titivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>da</strong> lucrativi<strong>da</strong><strong>de</strong> e <strong>da</strong> quali<strong>da</strong>-<br />

<strong>de</strong> capitalistas como referenciais capa-<br />

zes <strong>de</strong> orientar a intervenção do próprio<br />

movimento sindical.<br />

Em outras palavras, a CUT estava<br />

vestindo a camisa <strong>de</strong> força que a impe-<br />

diria <strong>de</strong> agir fora dos limites colocados<br />

pelo sistema. Enquanto isso, para as clas-<br />

ses dominantes trata-se <strong>de</strong> fazer com que<br />

estas referências, já consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>s no in-<br />

terior <strong>da</strong>s gran<strong>de</strong>s empresas, possam ser<br />

amplia<strong>da</strong>s e legitima<strong>da</strong>s perante todos os<br />

setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> pelas próprias di 1<br />

reções do Movimento.<br />

Os resultados não <strong>de</strong>moram a apare-<br />

cer. Ao aceitar a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia como objeti-<br />

vo último <strong>de</strong> sua ação, os sindicatos e<br />

<strong>um</strong>a parcela significativa <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong><br />

brasileira, mais <strong>um</strong>a vez, <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> for-<br />

talecer através <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> a cons-<br />

trução <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e do projeto <strong>da</strong>s<br />

classes trabalhadoras e colocam em se-<br />

gundo plano o ataque aos mecanismos<br />

<strong>de</strong> exploração dos quais são vítimas no<br />

quotidiano <strong>da</strong>s relações sociais. Pior, ao<br />

enfocar trabalhadores e capitalistas como<br />

simples ci<strong>da</strong>dãos, como vonta<strong>de</strong>s e cons-<br />

ciências cívicas livres e iguais perante a<br />

lei, contribuem para fazer <strong>de</strong>saparecer<br />

as marcas <strong>da</strong> dominação. Não é por aca-<br />

so que, por exemplo, diante <strong>da</strong>s <strong>um</strong>as<br />

que elegem Femando Henrique Cardo-<br />

so para a presidência <strong>da</strong> república o mais<br />

h<strong>um</strong>il<strong>de</strong> operário parece ter o mesmo<br />

po<strong>de</strong>r do ci<strong>da</strong>dão Roberto Marinho, pois,<br />

tanto <strong>um</strong> como outro, dispõem apenas <strong>de</strong><br />

Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"


Quinzena N 0 259 - 31/10/97 24 Nacional<br />

<strong>um</strong> voto para elegerem seus represen-<br />

tantes.<br />

No paraíso <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia <strong>de</strong>sapare-<br />

cem as diferenças entre patrões e em-<br />

pregados e a convivência harmoniosa <strong>de</strong><br />

ambos revela-se imprescindível inclusi-<br />

ve para garantir o emprego, elemento<br />

sem o qual não há nenh<strong>um</strong>a possibili<strong>da</strong>-<br />

<strong>de</strong> do indivíduo ser elevado ao status <strong>de</strong><br />

ci<strong>da</strong>dão.<br />

Estar empregado, portanto, acaba<br />

sendo sinônimo <strong>de</strong> meio caminho an<strong>da</strong>-<br />

do no esforço <strong>de</strong> alcançar este paraíso.<br />

Por incrível que pareça, ser explorado<br />

passa a ser <strong>um</strong>a vantagem, pois signifi-<br />

ca "ser incluído" no número dos candi-<br />

<strong>da</strong>tos à ci<strong>da</strong>dão, ao passo que os infeli-<br />

zes <strong>de</strong> hoje, os "excluídos", são exata-<br />

mente aqueles que não são explorados<br />

ou que, talvez, nem ser<strong>vem</strong> para serem<br />

explorados.<br />

Reparem todos que, nesse contexto,<br />

<strong>de</strong>saparece totalmente <strong>da</strong> análise <strong>da</strong> re-<br />

ali<strong>da</strong><strong>de</strong> o fato <strong>de</strong> que a produção <strong>da</strong> ri-<br />

queza realiza<strong>da</strong> pelo trabalhador coleti-<br />

vo continua sendo apropria<strong>da</strong> pelo capi-<br />

talista em função <strong>da</strong>s relações sociais<br />

alicerça<strong>da</strong>s na proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> priva<strong>da</strong>, ga-<br />

ranti<strong>da</strong> na lei ou... na marra. E não é por<br />

acaso que isso acontece: na produção as<br />

marcas <strong>da</strong> dominação são in<strong>de</strong>léveis.<br />

No local <strong>de</strong> trabalho não encontra-<br />

mos ci<strong>da</strong>dãos e sim capitalistas e traba-<br />

lhadores assalariados que ocupam posi-<br />

ções bem <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>s enquanto explorado-<br />

res e explorados. No interior <strong>da</strong> empre-<br />

sa, quando há espaço para a participa-<br />

ção dos operários ele é limitado àquilo<br />

que proporciona melhores condições <strong>de</strong><br />

lucrativi<strong>da</strong><strong>de</strong> para o capital. Apesar dos<br />

tapinhas nas costas, dos benefícios e dos<br />

incentivos financeiros, em nenh<strong>um</strong> mo-<br />

mento o vampiro coloca-se no lugar do<br />

pescoço ou <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> chupar o sangue <strong>de</strong><br />

suas vitimas que a ele ven<strong>de</strong>m sua força<br />

<strong>de</strong> trabalho coagi<strong>da</strong>s pela necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

garantir o seus sustento. Para além <strong>da</strong>s<br />

aparências, ao nível <strong>da</strong> produção não é<br />

possível nenh<strong>um</strong> acordo <strong>de</strong> paz entre as<br />

vítimas e o seu assassino.<br />

Ao <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rar essa reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a<br />

luta pela ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia oculta exatamente o<br />

alicerce sobre o qual se ergue a domina-<br />

ção <strong>da</strong>s elites <strong>de</strong>ntro e fora dos locais <strong>de</strong><br />

trabalho. Mais, por não relacionar a ques-<br />

tão <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> com a exploração e a pro-<br />

prie<strong>da</strong><strong>de</strong> capitalistas cna a ilusão <strong>de</strong> que.<br />

sob a égi<strong>de</strong> do capital, é possível cons-<br />

truir <strong>um</strong>a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> justa e fraterna ape-<br />

nas levando as massas a redistribuírem<br />

melhor o pouco que têm.<br />

Mas as nossas <strong>de</strong>sgraças não param<br />

por aqui. Uma vez consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> a visão<br />

do paraíso, as classes dominantes nos<br />

avisam que chegou a hora <strong>de</strong> visitarmos<br />

os novos ambientes do inferno nos quais<br />

os trabalhadores são chamados a vive-<br />

rem os próximos anos. De fato, se o<br />

emprego é o passaporte para a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>-<br />

nia, trata-se <strong>de</strong> ver agora até a que pon-<br />

to a lei, que <strong>de</strong>fine o espaço do ci<strong>da</strong>dão,<br />

está se tomando <strong>um</strong> empecilho á cria-<br />

ção <strong>de</strong> novos postos <strong>de</strong> trabalho e, por<br />

conseqüência, acaba inviabilizando a re-<br />

alização <strong>da</strong> própria ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia por ela pro-<br />

posta. Se o objetivo é transformar o bra-<br />

sileiro em ci<strong>da</strong>dão, faz-se necessário<br />

flexibilizar a lei naquelas poucas regras<br />

que, ao protegerem os trabalhadores,<br />

estariam negando na prática o acesso ao<br />

trabalho a <strong>um</strong>a parcela significativa do<br />

povo simples.<br />

Em outras palavras, o primeiro passo<br />

para alcançar a ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia não seria a<br />

manutenção e a realização dos poucos<br />

direitos já existentes, e sim a redução<br />

<strong>de</strong>stes como condição para, olhem só,<br />

alcançar o bem com<strong>um</strong>. Como dizem os<br />

patrões e seus intelectuais, é melhor que<br />

todos (os trabalhadores) ganhem <strong>um</strong> pou-<br />

co menos, mas que, ao reduzir o <strong>de</strong>sem-<br />

prego, <strong>um</strong> número maior <strong>de</strong> pessoas pos-<br />

sa, <strong>um</strong> dia, ser ci<strong>da</strong>dão. Não se trata,<br />

portanto, <strong>de</strong> dividir a riqueza ac<strong>um</strong>ula<strong>da</strong><br />

às custas do suor dos operários, nem,<br />

muito menos, <strong>de</strong> questionar a proprie<strong>da</strong>-<br />

<strong>de</strong> priva<strong>da</strong> dos meios <strong>de</strong> produção, mas<br />

apenas <strong>de</strong> administrar melhor a miséria<br />

já que os números <strong>de</strong> candi<strong>da</strong>tos a ela<br />

vai a<strong>um</strong>entar.<br />

Mas isso não é <strong>de</strong> se estranhar, pois<br />

o que alimenta o vampiro é <strong>um</strong>a maior<br />

quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> sangue <strong>de</strong> suas vítimas.<br />

O que preocupa mesmo é que ao longo<br />

<strong>de</strong>stes anos o senso com<strong>um</strong> do povo sim-<br />

ples, que vê como ba<strong>de</strong>rna qualquer<br />

ameaça á or<strong>de</strong>m existente e espera dos<br />

<strong>de</strong> cima a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> viver <strong>um</strong> fu-<br />

turo melhor, foi extremamente fortaleci-<br />

do pela ação <strong>de</strong> <strong>um</strong> número significativo<br />

<strong>de</strong> intelectuais e dirigentes <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong>.<br />

Sob a ban<strong>de</strong>ira <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia que traz<br />

em suas cores a legitimação dos limites<br />

do sistema, consciente ou inconsciente-<br />

mente, estes senhores aju<strong>da</strong>ram, e aju-<br />

<strong>da</strong>m, a direita a domesticar as formas <strong>de</strong><br />

resistência e <strong>de</strong> rebeldia <strong>da</strong>s massas, que<br />

representam os primeiros passos r<strong>um</strong>o a<br />

vôos maiores.<br />

Ao fazer refluir a ação para <strong>um</strong> campo<br />

on<strong>de</strong> as forças do capital tem melhores<br />

condições <strong>de</strong> trilhar os caminhos <strong>de</strong> sua<br />

dominação, longe <strong>de</strong> levar as classes tra-<br />

balhadoras ao paraíso, estão contribuin-<br />

do para prolongar a sua permanência no<br />

inferno <strong>da</strong> exploração. Os vampiros,<br />

emocionados, agra<strong>de</strong>cem.<br />

(') Em, Vários Autores,<br />

Brasileiro: Ci<strong>da</strong>dão?,<br />

Cultura Editores Associados,<br />

SãoPaulo, l992,Pág. 248.<br />

"Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do'<br />

*EmUio Gennari<br />

NEP 13 <strong>de</strong> Maio


Quinzena N 0 259-31/10/97 25 Nacional<br />

Boletim Informativo Camp - Setembro/97 - N 0 3<br />

Desafios <strong>da</strong>s esquer<strong>da</strong>s frente a <strong>globalização</strong><br />

A esquer<strong>da</strong> e os movimentos sindicais <strong>de</strong><strong>vem</strong> usar a Nova Or<strong>de</strong>m Mundial<br />

O atual processo <strong>de</strong> <strong>globalização</strong><br />

constitui <strong>um</strong>a fase do capitalismo<br />

mundial, inicia<strong>da</strong> como <strong>um</strong>a resposta à<br />

crise <strong>da</strong> economia fordista-keynesiana<br />

nos anos 70. Esta gigantesca transforma-<br />

ção, que se apresenta como <strong>um</strong>a Tercei-<br />

ra Revolução Industrial, é impulsiona<strong>da</strong><br />

pela Revolução Tecno-Científica (RTC).<br />

As esquer<strong>da</strong>s, nesta quadro, foram pro-<br />

fun<strong>da</strong>mente afeta<strong>da</strong>s, tanto pelos efeitos<br />

econômicos quanto político-sociais <strong>da</strong><br />

<strong>globalização</strong>. A recessão eneoliberalismo<br />

enfraqueceram o sindicalismo (on<strong>de</strong> ele<br />

era forte), enquanto a Nova Guerra Fria<br />

afimiava o discurso conservador no cam-<br />

po político nos anos 80.<br />

O colapso do Campo Soviético e o<br />

fim <strong>da</strong> Guerra Fria aprofun<strong>da</strong>ram tais ten-<br />

dências no início dos anos 90. A ausên-<br />

cia <strong>de</strong> <strong>um</strong> inimigo externo permitiu o<br />

aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> <strong>globalização</strong>, o trimi-<br />

falísmo do discurso neoliberal e o recuo<br />

<strong>da</strong> esquer<strong>da</strong>. Parte <strong>de</strong>la <strong>de</strong>sertou, outros<br />

procuraram a<strong>da</strong>ptar-se aos valores libe-<br />

rais, enquanto o restante ficava extre-<br />

mamente isolado Assim, as elites políti-<br />

co-econômicas burguesas pu<strong>de</strong>ram <strong>de</strong>-<br />

cretar a "morte ao marxismo", o "esgo-<br />

tamento do projeto socialista", a "inutili-<br />

<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s revoluções populares", o "ana-<br />

cronismo <strong>da</strong>s esquer<strong>da</strong>s" e o próprio "fim<br />

<strong>da</strong> História".<br />

O capitalismo neoliberal triunfante<br />

passou do discurso anti-estatista liberta-<br />

dor à redução <strong>de</strong> salários, eliminação <strong>de</strong><br />

postos <strong>de</strong> trabalho e dos direitos sociais<br />

conquistados com imensos sacrifícios ao<br />

longo <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> <strong>um</strong> século. Assim as<br />

contradições do capitalismo acirraram-<br />

se, e na falta <strong>de</strong> <strong>um</strong> <strong>de</strong>safio socialista,<br />

sua política e economia tomaram-se ain-<br />

<strong>da</strong> mais arrogantes. Como <strong>de</strong>corrência,<br />

em meados dos anos 90 a situação se<br />

altera. Nos ex-países socialistas as for-<br />

ças <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong> (reforma<strong>da</strong>s) reafir-<br />

mam-se e, às vezes, voltam ao po<strong>de</strong>r com<br />

o apoio do povo tra<strong>um</strong>atizado pelos cus-<br />

tos sociais do ajuste econômico.<br />

Recuperando-se aos poucos <strong>de</strong> sua<br />

perplexi<strong>da</strong><strong>de</strong>, e com apoio <strong>de</strong> bases insa-<br />

parafrear o crescimento do neoliberalismo<br />

Paulo G. Fasun<strong>de</strong>s Vizenlini 1 '<br />

tisfeitas com li<strong>de</strong>ranças acomo<strong>da</strong><strong>da</strong>s na<br />

mídia e transformados em políticos pro-<br />

fissionais, a esquer<strong>da</strong> oci<strong>de</strong>ntal passou<br />

também a rearticular-se. O problema é<br />

que ela ain<strong>da</strong> está fragmenta<strong>da</strong> por lutas<br />

setonais em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> minorias concen-<br />

trando-se em administrações locais re-<br />

cém conquista<strong>da</strong>s e abraçando causas<br />

i<strong>de</strong>ologicamente ambíguas como certas<br />

versões do ecologismo. Enquanto isso,<br />

no 1 0 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 1997, as manifestações<br />

<strong>de</strong> massa por emprego sacudiram o mun-<br />

do inteiro. Este protesto, ás vezes expres-<br />

so em revolta, ain<strong>da</strong> não encontrou par-<br />

tidos e li<strong>de</strong>ranças capazes <strong>de</strong> tomá-lo<br />

<strong>um</strong>a força política ofensiva contra <strong>um</strong><br />

neoliberalismojá sem vitali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Mesmo<br />

on<strong>de</strong> houve vitória <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong> social<br />

<strong>de</strong>mocrata, como na Itália, Inglaterra e<br />

França, a situação não é diferente.<br />

Além <strong>da</strong> vonta<strong>de</strong> difusa <strong>de</strong> amplos<br />

setores populares <strong>de</strong> lutar contra os cus-<br />

tos sociais do neoliberalismo, existem hoje<br />

outros fatores positivos que precisam ser<br />

observados pelas esquer<strong>da</strong>s. Aglobaliza-<br />

ção e a formação <strong>de</strong> blocos regionais,<br />

ao lado dos fatores negativos amplamen-<br />

te conhecidos, geraram as possíveis ba-<br />

ses para <strong>um</strong>a nova estratégia <strong>da</strong>s esquer-<br />

<strong>da</strong>s. As elites nacionais estão <strong>de</strong>sloca<strong>da</strong>s<br />

frente ao processo <strong>de</strong> <strong>globalização</strong>, <strong>de</strong>i-<br />

xando espaço para a retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong> ques-<br />

tão nacional pelos movimentos progres-<br />

sistas n<strong>um</strong> campo on<strong>de</strong> as possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> estabelecer-se novas alianças são<br />

riquíssimas. Além disso, as velhas estru-<br />

turas <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r encontram-se significati-<br />

vamente abala<strong>da</strong>s, razão pela qual os<br />

setores dominantes têm buscado a uni-<br />

<strong>da</strong><strong>de</strong> social em tomo <strong>de</strong> valores propa-<br />

gados pela mídia, bem como a reeleição<br />

<strong>de</strong> presi<strong>de</strong>ntes "confiáveis".<br />

Outro elemento importante é que,<br />

paralelamente á retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong> questão<br />

nacional, estabeleceram-se condições<br />

para a construção <strong>de</strong> <strong>um</strong> novo intemacio-<br />

nalismo, o que não é contraditório, pois a<br />

nação <strong>de</strong>ve constituir <strong>um</strong>a base para a<br />

luta contra fatores <strong>de</strong> marginalização e/<br />

ou subordinação contidos na <strong>globalização</strong><br />

existente. Provavelmente pela primeira<br />

vez tenham se criado possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

-se estabelecer as estratégias comuns<br />

entre os sindicatos e partidos <strong>de</strong> esquer-<br />

<strong>da</strong> em âmbito mundial, <strong>de</strong> forma a pas-<br />

sar-se do discurso intemacionalista a <strong>um</strong><br />

intemacionalismo concreto. As ameaças<br />

do capital (intemacional há tempo) que<br />

pesam sobre o trabalho (organizado na-<br />

cionalmente), impulsionam o estabeleci-<br />

mento <strong>de</strong> estratégias comuns. Além dis-<br />

so, o <strong>de</strong>safio representado pelo <strong>de</strong>sen-<br />

volvimento dos asiáticos sobre os oci<strong>de</strong>n-<br />

tais, proporciona <strong>um</strong>a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

sucesso que precisa ser explora<strong>da</strong>.<br />

Concretamente, as esquer<strong>da</strong>s preci-<br />

sam lutar para que a Revolução Tecno-<br />

Cientifíca que impulsiona a <strong>globalização</strong><br />

seja socialmente condiciona<strong>da</strong>. A RTC<br />

e a economia globaliza<strong>da</strong>, pelo nível avan-<br />

çado em termos <strong>de</strong> produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> do tra-<br />

balho, criaram condições históricas para<br />

que to<strong>da</strong>s as necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s materiais <strong>da</strong><br />

h<strong>um</strong>ani<strong>da</strong><strong>de</strong> possam ser equaciona<strong>da</strong>s.<br />

E isto <strong>de</strong>ve ser obtido por meio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

ação política, <strong>um</strong>a vez que a idéia <strong>de</strong> que<br />

existe <strong>um</strong>a lógica econômica que, a<br />

priori, implicaria n<strong>um</strong>a marginalização<br />

dos trabalhadores é falsa, porque o<br />

neoliberalismo constitui apenas <strong>um</strong>a for-<br />

ma conservadora <strong>de</strong> regulação do pro-<br />

cesso <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>mização em curso. Ou<br />

seja, esta mo<strong>de</strong>mização po<strong>de</strong> tanto ser-<br />

vir para consoli<strong>da</strong>r a hegemonia dos <strong>de</strong>-<br />

tentores do po<strong>de</strong>r nos quadros <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

Nova Or<strong>de</strong>m Mundial (caso o neolibera-<br />

lismo mantenha-se), como permitir a re-<br />

toma<strong>da</strong> do socialismo, agora <strong>de</strong> <strong>um</strong>a for-<br />

ma mais viável do que a ocorri<strong>da</strong> duran-<br />

te a maior parte do século XX<br />

Hoje, lutar-se pela criação <strong>de</strong> empre-<br />

gos através <strong>da</strong> redução <strong>da</strong> joma<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

trabalho, e a manutenção dos direitos<br />

sociais existentes e a criação <strong>de</strong> novos,<br />

constitui <strong>um</strong>a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> objetiva para<br />

que a RTC e a <strong>globalização</strong> se realizem<br />

como mo<strong>de</strong>mi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Isto porque o neoli-<br />

beralismo consiste n<strong>um</strong>a opção equivo-<br />

ca<strong>da</strong> mesmo pela ótica do capitalismo,<br />

além <strong>de</strong> historicamente suici<strong>da</strong>, e po<strong>de</strong><br />

Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"


Quinzena N 0 259 - 31/10/97 26 Nacional<br />

conduzir a h<strong>um</strong>ani<strong>da</strong><strong>de</strong> pelo canunho <strong>da</strong><br />

violência incontrolavel e <strong>da</strong> regressão. Os<br />

recursos gastos com a geração <strong>de</strong> em-<br />

pregos, a criação <strong>de</strong> direitos sociais e a<br />

redução <strong>da</strong> jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho, certamen-<br />

te diminuinam o montante <strong>de</strong>stinado aos<br />

investimentos econômicos. Mas isto pro-<br />

duziria <strong>um</strong>a dupla vantagem: cnaria mer-<br />

cados domésticos estáveis, garantindo a<br />

<strong>de</strong>man<strong>da</strong> <strong>da</strong>s empresas e terminando com<br />

a concorrência intemacionai <strong>de</strong>senfrea-<br />

<strong>da</strong>, e reduzina <strong>um</strong> pouco o ntmo <strong>de</strong> mo-<br />

<strong>de</strong>rnização tecnológica, permitindo que a<br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong> tenha o tempo necessário para<br />

cnar estruturas compatíveis e a<strong>da</strong>ptar-se.<br />

Enfim, a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> internacional atin-<br />

giu tal dinamismo sob a <strong>globalização</strong>, que<br />

existem imensas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s para as<br />

esquer<strong>da</strong>s Não apenas a produção<br />

transnacionalizou-se, mas também os<br />

antagonismos sociais politicos<br />

Passamos <strong>da</strong> guerra <strong>de</strong> posições para<br />

a <strong>de</strong> movimento Se as esquer<strong>da</strong>s não<br />

tiraram proveito <strong>de</strong>sta situação, isto<br />

<strong>de</strong>ve-se mais a falta <strong>de</strong> <strong>um</strong>a estratégia<br />

do que a força <strong>de</strong> seus adversários E<br />

Jornal do DIAP - Setembro/97 - N 0 130<br />

As omissões <strong>de</strong>mocráticas<br />

Em termos <strong>de</strong> aperfeiçoamento do<br />

processo <strong>de</strong>mocrático, o Brasil pa-<br />

tina hoje na lama dos casuismos e dos<br />

micos, expressão popular usa<strong>da</strong> para <strong>de</strong>-<br />

finir situações <strong>de</strong> <strong>de</strong>svantagem social ou<br />

pessoal O pais esta pagando os micos <strong>de</strong><br />

maus politicos, antigos e mo<strong>de</strong>rnos, que<br />

tratam muito <strong>de</strong> si mesmos e pouco dos<br />

brasileiros, aten<strong>da</strong>ido mais aos interesses<br />

do governo do que dos governados<br />

O mico maior foi a aprovação <strong>da</strong> emai-<br />

<strong>da</strong> constitucional <strong>da</strong>s reeleições Dela se<br />

beneficiaram o presi<strong>de</strong>nte Fernando<br />

Hennque e os governadores, eleitos sob a<br />

regra que proibia reeleições. A emen<strong>da</strong><br />

violou o espinto <strong>da</strong> Constituição, ao favo-<br />

recer os <strong>de</strong>taitores do po<strong>de</strong>r, e não. como<br />

sena lógico, futuros governantes<br />

Con<strong>de</strong>nou-se a novi<strong>da</strong><strong>de</strong> porque se<br />

temia que ela estimulasse a corrupção<br />

Pensava-se no futuro, mas se viu. como<br />

o caso <strong>da</strong> compra <strong>de</strong> votos pro-reelei-<br />

ções. ja no Congresso, que a corrupção<br />

já estava presente no próprio Legislativo.<br />

Alem disso, a emen<strong>da</strong> passou <strong>de</strong>vido<br />

a pressão dos que sonhavam em reele-<br />

ger-se Igualamos, pois, o Peru e a Ar-<br />

gentina Deixamos <strong>de</strong> estar a altura do<br />

pais que <strong>de</strong>pusera, <strong>de</strong>mocraticamente,<br />

pouco antes, <strong>um</strong> presi<strong>de</strong>nte julgado cor-<br />

aipto A melhor lição contra o casuismo<br />

reeleitoral veio <strong>da</strong>s Filipinas O presi<strong>de</strong>nte<br />

Fi<strong>de</strong>l Ramos, eleito em Q2, queria reele-<br />

ger-se. Ele empossou-se em junho e re-<br />

tomou dos EUA, em no<strong>vem</strong>bro, a base<br />

<strong>de</strong> Sibuc Bay, avalia<strong>da</strong> em US$ 8 bilhões<br />

E acertou com o FM! o pagamento <strong>da</strong><br />

dívi<strong>da</strong> externa do pais, usando só 20%<br />

Kuhcm Aicvedn /.mia*<br />

do valor <strong>de</strong> suas exportações anuais Fi-<br />

<strong>de</strong>l achava-se popular Os fihpmos pro-<br />

testaram, como so brasileiros contra<br />

Collor, e rejeitaram a reeleição Agora,<br />

para eleger-se <strong>de</strong> novo. sem casuísmo,<br />

ele <strong>de</strong>vera esperar ate 2004<br />

Outro mico brasilarofoi a rejeição, pdo<br />

Congresso, do financiamaito publico <strong>da</strong>s<br />

eleições Manteve-se o velho sistema <strong>de</strong><br />

doações <strong>da</strong>s empresas pnva<strong>da</strong>s a partidos<br />

e candi<strong>da</strong>tos, propicio a corrupção Nos<br />

ELA. o presi<strong>da</strong>ite reeleito Bill Clmton foi<br />

intimado, pela procuradora-geral. Janet<br />

Raio. a explicar as doações <strong>de</strong> empresas<br />

estrangeiras e ate <strong>de</strong> mafiosos ou obti<strong>da</strong>s<br />

com o uso <strong>da</strong> maquina estatal<br />

O ex-ministro Jarbas Passarinho con-<br />

tou que. quando senador, apoiara pro|eto<br />

do então colega FHC. a favor do custeio<br />

publico dos pleitos A matéria foi rejeita-<br />

<strong>da</strong> por <strong>um</strong> voto apenas Hoje. presi<strong>de</strong>n-<br />

te. FHC opõe-se a esse tipo <strong>de</strong> financia-<br />

mento, alegando que po<strong>de</strong> gerar "farras<br />

eleitorais com recursos públicos" Mas<br />

tais recursos não fazem a farra <strong>da</strong>s<br />

privatizações e dos acordos escusos en-<br />

PIZCM aue<br />

viv/eMos> NUM<br />

e-—<br />

enquanto ela não ocupa o seu espaço,<br />

setores que po<strong>de</strong>riam integrar-se a sua<br />

base social voltam-se para a religião,<br />

separatismo regional, conflitos étnicos,<br />

populismo ou individualismos Por isto<br />

hoje, com a conjuntura favorável n ação<br />

<strong>da</strong>s esquer<strong>da</strong>s, e preciso que elas consi-<br />

gam <strong>um</strong>a estratégia que recupere sua<br />

i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> e encontrem formas <strong>de</strong><br />

mobilização social Com urgência "l<br />

* Professor e pesquisador <strong>de</strong> História Con-<br />

temporânea <strong>da</strong> UFRGS<br />

tre empresas priva<strong>da</strong>s e estatais' Das<br />

aju<strong>da</strong>s a bancos falidos e aos comprado-<br />

res estrangeiros <strong>de</strong> bancos' Segundo<br />

Passarinho, as verbas publicas po<strong>de</strong>riam<br />

não limpar totalmaite os pleitos, mas eles<br />

ficariam menos sujos<br />

Não temos a senhora Reno. mas uni<br />

Congresso com "cara <strong>de</strong> amem", como<br />

Lichtenberg. no século XVIII, dizia que<br />

eram os subservientes Lm Congresso<br />

que se afasta do povo e ce<strong>de</strong> as pres-<br />

sões ilegítimas do Executivo Oue <strong>da</strong><br />

golpes parlamentares, proíbe CPTs <strong>de</strong>s-<br />

respeita direitos adquiridos, a igual<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

entre brasileiros e legisla para o conti-<br />

nuismo do governo Tais violências são<br />

arranjos <strong>de</strong> elites Os nomes dos con-<br />

gressistas que as promo<strong>vem</strong> <strong>de</strong><strong>vem</strong> fi-<br />

car para sempre nos anais do Congres-<br />

so, como símbolos <strong>de</strong> quanto <strong>um</strong>a <strong>de</strong>mo-<br />

cracia po<strong>de</strong> ser socialmente anti<strong>de</strong>mo-<br />

crática, pela carência <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocratas ou<br />

por omissão <strong>de</strong>les "1<br />

^Articulista. Transcrito do Correio<br />

BrazJliense <strong>de</strong> 29.09.97<br />

Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"


Quinzena N 0 259 - 31/10/97 27 Internacional<br />

Curtas<br />

Guatemala: Marcha contra<br />

as privatizações<br />

Em Guatemala se comemoram os 53<br />

anos <strong>da</strong> Revolução <strong>de</strong> Outubro com <strong>um</strong>a<br />

gran<strong>de</strong> marcha contra as privatizações.<br />

Não faltaram os enfrentamentos, porém<br />

não com o governo e sim com os ex-<br />

dingentes rebel<strong>de</strong>s.<br />

Na segun<strong>da</strong>-feira passa<strong>da</strong>, milhares<br />

<strong>de</strong> estu<strong>da</strong>ntes, sindicalistas e organiza-<br />

ções populares, marcharam para a mai-<br />

or praça <strong>da</strong> capital, para celebrar o ani-<br />

versário <strong>da</strong> Revolução <strong>de</strong> Outubro.<br />

A revolução nacionalista <strong>de</strong> 1944 foi<br />

encabeça<strong>da</strong> por Juan José Arevalo que<br />

estabeleceu a Reforma Agrária, a auto-<br />

nomia dos municipios e <strong>da</strong> universi<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

a educação gratuita e o seguro social.<br />

53 anos mais tar<strong>de</strong>, o governo <strong>de</strong> Ál-<br />

varo Arzu anuncia a ven<strong>da</strong> <strong>da</strong>s empre-<br />

sas <strong>de</strong> telecomunicações, ferrovias, por-<br />

tos e aeroportos e <strong>da</strong> educação. As me-<br />

di<strong>da</strong>s tem sido fortemente rechaça<strong>da</strong>s<br />

pela população.<br />

Alguns coman<strong>da</strong>ntes <strong>da</strong> União Re-<br />

volucionária Nacional Guatemalteca, se<br />

dirigiram com seus discursos aos mani-<br />

festantes, porém foram rechaçados pela<br />

multidão, acusam-no <strong>de</strong> politizar a cele-<br />

bração e terem-se vendido.<br />

Muitos setores indígenas e campone-<br />

ses se sentem abandonados pela ex-guer-<br />

rilha. Na Guatemala continuam as viola-<br />

ções aos Direitos H<strong>um</strong>anos e não se c<strong>um</strong>-<br />

prem os acordos <strong>de</strong> paz, aiquanto a guer-<br />

rilha toma distância <strong>de</strong>stes problemas.<br />

Agência Informativa Pulsar<br />

♦ ♦ ♦<br />

Itália: forças <strong>de</strong> "paz"<br />

A comissão especial que investiga a<br />

conduta dos sol<strong>da</strong>dos italianos <strong>da</strong>s for-<br />

ças <strong>de</strong> paz <strong>da</strong> ONU na Somália, em 1993,<br />

concluiu, no inicio <strong>de</strong> agosto, que "houve<br />

casos <strong>de</strong> torturas <strong>de</strong> civis somalis em<br />

várias ocasiões".<br />

A comissão limitou a responsabili<strong>da</strong>-<br />

<strong>de</strong> pelos episódios "á tropa, com tolerân-<br />

cia ocasionai <strong>de</strong> suboficiais". As <strong>de</strong>nún-<br />

cias, feitas pela imprensa italiana, incluí-<br />

ram fotos <strong>de</strong> <strong>um</strong> estupro coletivo.<br />

O ESTADO DE S PAULO<br />

Doc<strong>um</strong>ento - CSC-Corrente Sindical Classista - Agosto/97<br />

Resoluções sobre o programa mínimo<br />

<strong>de</strong> ações dos trabalhadores frente a<br />

<strong>globalização</strong> neoliberal<br />

O Encontro Internacional dos Trabalhadores frente a Globalização<br />

Neoliberal, reunidos em Havana, Cuba; <strong>de</strong> 6 a 8 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1997,<br />

com a participação <strong>de</strong> dirigentes <strong>de</strong> 453 Organizações Sindicais,<br />

bem como representantes <strong>de</strong> Organizações Políticas, Sociais, Inte-<br />

lectuais e Acadêmicas <strong>de</strong> 63 países.<br />

Convencidos <strong>de</strong> que a <strong>globalização</strong><br />

neoliberal é <strong>um</strong>a nova fase do capitalismo,<br />

exprimi<strong>da</strong> pela concentração econômica dos<br />

grupos transnacionais, os que na busca <strong>de</strong><br />

competitivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e rentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> financeira,<br />

tentam reduzir através <strong>de</strong> inúmeras vias o<br />

custo do trabalho.<br />

Esta estratégia sustenta<strong>da</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os es-<br />

tados mais po<strong>de</strong>rosos e as instituições inter-<br />

nacionais como sendo o FMI, o Banco Mun-<br />

dial do Comércio, tem no crescimento con-<br />

centrado <strong>da</strong> economia o coração d<strong>um</strong>a estra-<br />

tégia <strong>de</strong> dominação que tem <strong>um</strong> preço social<br />

tanto no Norte quanto ao Sul, produzindo<br />

<strong>um</strong> efeito mais grave nas situações <strong>de</strong> <strong>de</strong>si-<br />

gual<strong>da</strong><strong>de</strong> e exclusão nos países mais pobres.<br />

Constatando que a concentração e<br />

<strong>globalização</strong> do capital é a causa principal<br />

do agravamento do <strong>de</strong>semprego, a pobreza,<br />

a marginalização e a <strong>de</strong>sintegração social<br />

no mundo, e <strong>de</strong> maneira mais acentua<strong>da</strong> nos<br />

países sub<strong>de</strong>senvolvidos, e que inclusive,<br />

impe<strong>de</strong> que as acelera<strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças<br />

tecnológicas possam promover o maior bem-<br />

estar <strong>da</strong>s maiorias populares dos países mais<br />

avançados, e o <strong>de</strong>senvolvimento dos povos<br />

pobres.<br />

Conscientes <strong>de</strong> que todos os homens e<br />

mulheres são por natureza igualmente livres<br />

e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, e possuem <strong>de</strong>terminados<br />

direitos inatos; que os governos são institu-<br />

tos para com<strong>um</strong> proveito, proteção e segu-<br />

rança para os povos, as nações e a popula-<br />

ção mundiah que nenh<strong>um</strong> homem ou grupo<br />

<strong>de</strong> homens tem direito <strong>de</strong> receber <strong>da</strong> socie-<br />

<strong>da</strong><strong>de</strong> global privilégios exclusivos ou espe-<br />

ciais; que todo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>mocrático é inerente<br />

às maiorias, e em conseqüência proce<strong>de</strong> <strong>de</strong>-<br />

las, que a <strong>de</strong>mocracia que foi sonha<strong>da</strong> por<br />

povos e heróis em todo mundo, através <strong>de</strong><br />

lutas libertadoras e populares, é a <strong>de</strong>mocra-<br />

cia <strong>da</strong> participação <strong>de</strong>cisiva do povo e <strong>da</strong><br />

justiça social; do qual <strong>de</strong>claramo-nos her<strong>de</strong>i-<br />

ros e aban<strong>de</strong>irados com orgulho, é ameaça-<br />

do <strong>de</strong> morte pelo neolíberalismo, que funcio-<br />

na limitando todos espaço <strong>de</strong> participação<br />

popular e transparência.<br />

Constatando que as mu<strong>da</strong>nças intro-<br />

duzi<strong>da</strong>s no sistema capitalista, em momen-<br />

tos em que a <strong>globalização</strong> é acelera<strong>da</strong>, acom-<br />

panha<strong>da</strong> e impulsiona<strong>da</strong> pela doutrina<br />

neoliberal, têm significado entre outras coi-<br />

sas, o fato <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vintena <strong>de</strong> países <strong>de</strong>sen-<br />

volvidos, com apenas a quarta parte <strong>da</strong> po-<br />

pulação do planeta, concentrem aproxima<strong>da</strong>-<br />

mente as três quartas partes <strong>da</strong>s receitas<br />

mundiais, dos fluxos totais <strong>de</strong> comércio e dos<br />

empréstimos, e até do cons<strong>um</strong>o <strong>de</strong> matérias-<br />

primas e recursos naturais; ou ain<strong>da</strong> o que<br />

resulta mais <strong>de</strong>sproporcionado e injusto,<br />

observar que apenas os sete países mais ri-<br />

cos do mundo, o chamado G-7, concentra as<br />

duas terceiras partes do produto bruto e <strong>da</strong><br />

receita mundial.<br />

Consi<strong>de</strong>rando que a <strong>globalização</strong><br />

neoliberal tem alargado a aplicação <strong>de</strong> drás-<br />

ticos programas <strong>de</strong> ajustes estruturais, que<br />

implicam a indiscrimina<strong>da</strong> <strong>de</strong>sproteção e<br />

<strong>de</strong>sregulametação dos mercados <strong>de</strong> trabalho,<br />

comerciais e financeiros, a reestruturação dos<br />

estados nacionais visando subordinar o que<br />

é público ao interesse privado e, nomea<strong>da</strong>-<br />

mente, o públíco-nacional ao privado-<br />

transnacional; e que estas circunstâncias<br />

submeteram a não poucos países, e têm ex-<br />

posto a <strong>um</strong>a gran<strong>de</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>les ao con-<br />

ceito <strong>de</strong> soberania limita<strong>da</strong>, e ã explicação,<br />

ca<strong>da</strong> vez mais freqüente, <strong>de</strong> mecanismos<br />

supranacionais <strong>de</strong> índole coercitiva e<br />

extraterritorial.<br />

Valorizando <strong>de</strong>s<strong>um</strong>ano custo social que<br />

acarreta a aplicação do mo<strong>de</strong>lo neoliberal que<br />

está <strong>de</strong>pauperando países e zonas geográfi-<br />

cas completas, afastando o homem do seu<br />

meio <strong>de</strong> produção fun<strong>da</strong>mental, a terem ao<br />

mesmo tempo que torna instável o trabalho,<br />

incrementa o <strong>de</strong>semprego, o contrato a tem-<br />

po parcial e o subempregos intensifica e au-<br />

menta as jorna<strong>da</strong>s <strong>de</strong> trabalho, a<strong>um</strong>enta a ex-<br />

ploração do trabalho infantil, reforça a <strong>de</strong>si-<br />

gual<strong>da</strong><strong>de</strong> e a discriminação <strong>da</strong> mulher, dimi-<br />

nui o salário real, <strong>de</strong>teriora as aposentadori-<br />

as e as prestações sociais, reduz o acesso e<br />

altera a finali<strong>da</strong><strong>de</strong> para a qual foram criados<br />

"Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"


Quinzena N 0 259 - 31/10/97<br />

os serviços públicos, re<strong>de</strong>fine substancial-<br />

mente, afinal, a relação capital-trabalho em<br />

prol do capital, atacando inclusive a saú<strong>de</strong><br />

dos trabalhadores.<br />

Confirmando a aplicação <strong>de</strong>ste mo<strong>de</strong>lo<br />

levou, nos últimos anos, para <strong>um</strong> insuficien-<br />

te, instável e concentrador crescimento eco-<br />

nômico que privilegia o setor financeiro, e<br />

não consegue ultrapassar a crise sócio-eco-<br />

nômica. Isto manifesta-se fun<strong>da</strong>mentalmen-<br />

te no a<strong>um</strong>ento acelerado do <strong>de</strong>semprego, que<br />

para além <strong>de</strong> ter atingido níveis insustentá-<br />

veis nos paísfes sub<strong>de</strong>senvolvidos, afeta <strong>de</strong><br />

forma alarmante os países <strong>de</strong>senvolvidos.<br />

Observando que o movimento sindical<br />

está sendo particularmente golpeado, em<br />

número e força, pelo contexto econômico e<br />

sócio-político imperante, como espelho <strong>da</strong><br />

fragmentação e estratificação <strong>da</strong> classe tra-<br />

balhadora, e a mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong> correlação <strong>de</strong><br />

forças operado nos últimos anos, com o <strong>de</strong>-<br />

saparecimento <strong>da</strong> URSS e do socialismo na<br />

Europa central e oriental. Da mesma forma,<br />

as empresas transacionais para a<strong>um</strong>entarem<br />

seu nivel <strong>de</strong> lucros, precisam arrasar o movi-<br />

mento sindical, reduzir o salário dos traba-<br />

lhadores, restringir o direito <strong>de</strong>les a se orga-<br />

nizarem, e a negociarem os convênios coleti-<br />

vos <strong>de</strong> trabalho, e que visando possibilitar<br />

<strong>um</strong> a<strong>um</strong>ento <strong>da</strong> exploração precisam <strong>de</strong> en-<br />

fraquecer ou eliminar as regulações sobre<br />

condições <strong>de</strong> trabalho, sociais e ambientais<br />

e, portanto enfraquecer ou eliminar o contro-<br />

le <strong>de</strong>mocrático do estado.<br />

Defen<strong>de</strong>ndo a uni<strong>da</strong><strong>de</strong> e ação com<strong>um</strong> para<br />

acelerar a entra<strong>da</strong> em funcionamento <strong>de</strong> pro-<br />

jetos alternativos que enfrentem a globa-<br />

lização neoliberal, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> <strong>um</strong>a posição com-<br />

prometi<strong>da</strong> com os interesses dos povos<br />

e seus trabalhadores, com luta pelos direitos<br />

h<strong>um</strong>anos e sindicais, a justiça, a equi<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

social, a <strong>de</strong>mocracia participativa e genuina-<br />

mente representativa, a paz e o <strong>de</strong>senvolvi-<br />

mento em escala mundial.<br />

Convocamos o movimento sindical <strong>de</strong> to-<br />

dos os países, os intelectuais, os campone-<br />

ses, as mulheres, os aposentados e pensio-<br />

nistas, os incapacitados e pessoas <strong>da</strong> terceira<br />

i<strong>da</strong><strong>de</strong>, a juventu<strong>de</strong> e em particular, os estu-<br />

<strong>da</strong>ntes, o empresariado ameaçado pela cres-<br />

cente transnacionalização e supercon-<br />

centração do capital, os movimentos religio-<br />

sos ligados aos seus povos, e preocupados<br />

pela pobreza e a <strong>de</strong>gra<strong>da</strong>ção moral que gera<br />

a submissão mais absoluta às leis do merca-<br />

do e ao capitalismo selvagem, os ecologis-<br />

tas, as organizações comunitárias, os novos<br />

atores sociais que também são vítimas <strong>da</strong> ex-<br />

ploração, e <strong>de</strong>sesperança, e a frustração en-<br />

gendra<strong>da</strong> por <strong>um</strong>a doutrina cuja a filosofia<br />

se res<strong>um</strong>e em que "o ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente ético<br />

é fazer bons negócios".<br />

28<br />

Perante esta reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, resulta imperioso<br />

que tracemos <strong>um</strong> programa mínimo que pos-<br />

sa enfrentar as conseqüências e as causas<br />

<strong>da</strong> <strong>globalização</strong> neoliberal passando do di-<br />

agnóstico à ação, <strong>da</strong> existência dispersa à<br />

ofensiva organiza<strong>da</strong> e unifica<strong>da</strong>, pelo que<br />

propomos;<br />

1 - Dar continui<strong>da</strong><strong>de</strong> a este diálogo aber-<br />

to e plural, em que terão espaço todos os<br />

trabalhadores e movimentos sociais que se<br />

opunham à mundialização e <strong>um</strong>a doutrina<br />

<strong>de</strong>s<strong>um</strong>anizante, exclu<strong>de</strong>nte, e perigosamen-<br />

te atentatória contra a natureza e as bases <strong>da</strong><br />

convivência internacional.<br />

2 - Deman<strong>da</strong>r a celebração, antes <strong>de</strong> fin-<br />

<strong>da</strong>r, o presente século, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a Reunião <strong>de</strong><br />

Cúpula sobre o emprego, o salário e as con-<br />

dições <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> dos trabalhadores, tanto nas<br />

formais quanto nas informais, <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> e do<br />

campo, sob o auspício <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s, e<br />

com ampla participação <strong>da</strong>s organizações<br />

sindicais <strong>de</strong> todo o mundo, antecedi<strong>da</strong> <strong>de</strong><br />

ampla campanha <strong>de</strong> preparação e participa-<br />

ção dos trabalhadores.<br />

3 - Continuar realizando reuniões periódi-<br />

cas, encontros continentais e regionais, assim<br />

como foros nacionais, para fomentar a coor-<br />

<strong>de</strong>nação e as ações <strong>de</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong>, que po-<br />

<strong>de</strong>rão incluir a criação <strong>de</strong> fundos nos países<br />

para apoiar e aju<strong>da</strong>r os trabalhadores em gre-<br />

ves e outras manifestações <strong>de</strong> resistência<br />

frente a privatização, o <strong>de</strong>semprego e <strong>de</strong>mais<br />

ataques contra a classe trabalhadora, a troca<br />

<strong>de</strong> idéias e alternativas para enfrentar a<br />

<strong>globalização</strong> neoliberal e seus fun<strong>da</strong>mentos<br />

políticos, econômicos e sociais.<br />

4 - Criar mecanismos para a troca <strong>de</strong> in-<br />

formação mais atualiza<strong>da</strong> e verídica entre to-<br />

<strong>da</strong>s as organizações sindicais sociais, cen-<br />

tros <strong>de</strong> formação já existentes e instituições<br />

acadêmicas.<br />

5 - Procurar fórmulas que integrem ca<strong>da</strong><br />

vez mais interesses, métodos <strong>de</strong> luta e for-<br />

mas organizativas dos trabalhadores <strong>de</strong>sem-<br />

pregados, e aqueles do setor informal, bem<br />

como reformados e pensionistas, com as or-<br />

ganizações sindicais e seus filiados.<br />

6 - Denunciar, por to<strong>da</strong>s as vias possí-<br />

veis, a <strong>de</strong>s<strong>um</strong>ana e brutal exploração do tra-<br />

balho e pornografia infantil, a prostituição<br />

<strong>de</strong> crianças, o comércio <strong>de</strong> infantil, ou a utili-<br />

zação <strong>de</strong> seus órgãos vitais, e to<strong>da</strong>s as mani-<br />

festações <strong>de</strong> <strong>de</strong>sproteção e abusos contra a<br />

infância, em primeiro lugar, a enorme nega-<br />

ção do acesso ao ensino e à atenção médica.<br />

7 - Lutar pelos plenos direitos <strong>da</strong> mulher<br />

trabalhadora, contra o abuso sexual no local<br />

<strong>de</strong> trabalho; pelo seu direito à materni<strong>da</strong><strong>de</strong>;<br />

pelo acesso ao emprego e à salários em igual-<br />

<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> condições; contra a discriminação<br />

exerci<strong>da</strong> sobre as mulheres <strong>de</strong> maior i<strong>da</strong><strong>de</strong>, e<br />

a exploração do trabalho <strong>da</strong>s adolescentes.<br />

Internacional<br />

8 - Fazer valer realmente os direitos que<br />

os trabalhadores arrancaram do capital ao<br />

longo <strong>de</strong> muitos anos <strong>de</strong> ferozes lutas, re-<br />

conhecidos pelas organizações internacio-<br />

nais e outros direitos estabelecidos pelas<br />

leis e a tradição <strong>da</strong>s nações, que hoje não<br />

obstante, são violados, <strong>de</strong>sconhecidos ou<br />

ignorados <strong>de</strong>vido á flexibilização e<br />

<strong>de</strong>sregulamentação do mercado <strong>de</strong> trabalho,<br />

contando muitas vezes com a c<strong>um</strong>plici<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

do sistema judicial. Denunciar e enfrentar<br />

<strong>de</strong>cidi<strong>da</strong>mente as perseguições, prisões,<br />

torturas e assassinatos <strong>de</strong> que são vítimas<br />

os sindicalistas em muitos países, exigindo<br />

sua <strong>de</strong>vi<strong>da</strong> segurança.<br />

9 - Defen<strong>de</strong>r os princípios <strong>da</strong> auto<strong>de</strong>ter-<br />

minação, a in<strong>de</strong>pendência e a soberania <strong>da</strong>s<br />

nações, o direito dos povos a seu próprio<br />

regime legal e a proteger sua i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> cul-<br />

tural contra imposições externas. Razão pela<br />

qual se faz imperioso <strong>de</strong>nunciar o colonia-<br />

lismo como instr<strong>um</strong>ento do capital que <strong>de</strong>ve<br />

ser combatido e eliminado. Particularmente<br />

apoiar a resistência e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>s<br />

comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s indígenas mais agredi<strong>da</strong>s hoje<br />

pela ação <strong>da</strong>s empresas transnacionais e seus<br />

aliados nacionais.<br />

10 - Reclamar a <strong>de</strong>mocratização do siste-<br />

ma <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>s e, particularmente, <strong>de</strong><br />

seu Conselho <strong>de</strong> Segurança, órgão que <strong>de</strong>ve<br />

alargar a quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> seus membros, in-<br />

cluindo países em <strong>de</strong>senvolvimento que atu-<br />

em como membros permanentes, além <strong>de</strong> eli-<br />

minar o privilégio anti<strong>de</strong>mocrático do veto,<br />

que agora ostentam apenas cinco países e,<br />

subordinar-se á Assembléia Geral integra<strong>da</strong><br />

por 158 países. Nos marcos <strong>de</strong>sta reclama-<br />

ção reforçar a sua ação instítu-cional a favor<br />

do <strong>de</strong>senvolvimento social e ao mesmo tem-<br />

po fortalecer e <strong>de</strong>mocratizar o papel e os mei-<br />

os dos organismos vinculados á ação sindi-<br />

cal e social.<br />

11 - Rejeitar a prática <strong>da</strong>s privatiza-ções<br />

que entregam o patrimônio nacional as<br />

transnacionais, fomentam o <strong>de</strong>semprego e o<br />

subemprego e sacralizam os critérios <strong>de</strong><br />

competitivi<strong>da</strong><strong>de</strong> e rentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> máxima, ain-<br />

<strong>da</strong> para as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> puro interesse soci-<br />

al, como os serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, o ensino a<br />

previdência social e outros.<br />

12 - Propugnar, perante o avanço inusi-<br />

tado <strong>da</strong>s privatizações neoliberaís, a neces-<br />

si<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> fortalecer o papel do Estado parti-<br />

cularmente países <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes, na ativi<strong>da</strong>-<br />

<strong>de</strong> econômica, responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> intrínseca e<br />

essencial perante todos os processos que<br />

afetam a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> dos povos. En-<br />

ten<strong>de</strong>mos que para o fortalecimento dos es-<br />

tados nacionais perante o crescente auge<br />

privatizador e <strong>de</strong>snacionalizador, resulta in-<br />

dispensável a luta por <strong>um</strong>a ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira parti-<br />

cipação dos trabalhadores e sindicatos, bem<br />

"Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"


Quinzena N 0 259-31/10/97 30 Internacional<br />

te Encontro manifestamos nosso apoio e so-<br />

li<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> ao XIV Festival <strong>da</strong> Juventu<strong>de</strong> e<br />

dos estu<strong>da</strong>ntes, recentemente realizado em<br />

Cuba, com mais <strong>de</strong> 12.000 representantes <strong>de</strong><br />

131 paises.<br />

Por outro lado, este Encontro con<strong>de</strong>na,<br />

como proposto por <strong>um</strong> elevado número <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>legados o governo americano pelo crimi-<br />

Sem Fronteiras - N 0 254<br />

noso bloqueio e pela guerra econômica, po-<br />

lítica e diplomática praticado contra o herói-<br />

co povo cubano, chamamos to<strong>da</strong>s as forças<br />

progressistas do mundo a manifestar <strong>de</strong> to-<br />

<strong>da</strong>s as formas possiveis sua soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> a<br />

Cuba e opor-se ao propósito imperialista <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>struir o exemplo <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência e injus-<br />

tiça social que Cuba representa. G<br />

Dívi<strong>da</strong> externa cresce sem parar<br />

A dívi<strong>da</strong> externa <strong>da</strong> América Latina e o Caribe a<strong>um</strong>entou<br />

quase 900% nos últimos 21 anos<br />

Lima (Motícías Alia<strong>da</strong>s)<br />

Entre 1975 e 1996, a dívi<strong>da</strong> externa<br />

<strong>da</strong> América Latina e o Caribe a<strong>um</strong>entou<br />

quase nove vezes, passando <strong>de</strong> 69,09 bi-<br />

lhões para 603,43 bilhões, sagundo <strong>da</strong>-<br />

dos divulgados pelo Sistema Econômico<br />

Latino-Amencano (Sela), com se<strong>de</strong> em<br />

Caracas, durante <strong>um</strong> seminário realiza-<br />

do em julho, com o tema: "A dívi<strong>da</strong> ex-<br />

terna e o fim do milênio"<br />

Os países mais endivi<strong>da</strong>dos são o<br />

Brasil, México, Argentina, Venezuela e<br />

Peru {veja quadro), que ac<strong>um</strong>ulam cer-<br />

ca <strong>de</strong> 80% do total <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> externa la-<br />

tino-americana.<br />

Em matéria <strong>de</strong> juros, vinte países <strong>da</strong><br />

região, apenas em cinco anos (1990-94),<br />

pagaram na<strong>da</strong> menos que 174,60 bilhões<br />

<strong>de</strong> dólares - e nem por isso a dívi<strong>da</strong> pa-<br />

rou <strong>de</strong> crescer.<br />

"Sabemos que esta dívi<strong>da</strong> já foi paga<br />

duas ou três vezes", disse o presi<strong>de</strong>nte<br />

<strong>da</strong> Conferência Episcopal <strong>da</strong> Venezuela<br />

e arcebispo <strong>de</strong> Barquisimeto, Túlio Ma-<br />

nuel Chinvelia.<br />

A dívi<strong>da</strong> externa é <strong>um</strong> dos temas a<br />

! América Latina e Caribe<br />

l Brasil<br />

I México<br />

| Argentina<br />

Venezuela<br />

Peru<br />

ser tratado durante o Sínodo <strong>de</strong> Bispos<br />

para a América, em Roma, entre 16 <strong>de</strong><br />

no<strong>vem</strong>bro e 12 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro.<br />

Uma <strong>da</strong>s finali<strong>da</strong><strong>de</strong>s do evaito é "il<strong>um</strong>i-<br />

nar os problemas <strong>da</strong> justiça e as relações<br />

econômicas internacionais", como lembra<br />

Chinvelia, que é <strong>um</strong> dos organizadores<br />

"A dívi<strong>da</strong> externa éimpagável", escre-<br />

veu o presi<strong>de</strong>nte cubano Fi<strong>de</strong>l Castro,<br />

n<strong>um</strong>a carta envia<strong>da</strong> aos participantes do<br />

seminário em Caracas. "Ela contínua<br />

crescendo, nesse infame círculo vicio-<br />

so em que os per<strong>de</strong>dores são os povos".<br />

A dívi<strong>da</strong> externa <strong>de</strong>ve ser encara<strong>da</strong><br />

"sob a perspectiva do sofrimento dos po-<br />

vos afetados, em especial as pessoas mais<br />

pobres e <strong>de</strong>sprotegi<strong>da</strong>s", manifestou o pre-<br />

si<strong>de</strong>nte do Conselho Latino-Americano <strong>de</strong><br />

Igrejas (Ciai), o brasileiro Walter Altmann,<br />

igualmente n<strong>um</strong>a carta<br />

Altmann apoiou a proposta <strong>de</strong> que<br />

2000 seja <strong>de</strong>clarado o ano do perdão <strong>da</strong><br />

divi<strong>da</strong> externa. Segundo ele, <strong>um</strong>a "lógica<br />

do absurdo" está embutido na questão <strong>da</strong><br />

dívi<strong>da</strong>, porque "quanto mais se paga,<br />

mais se <strong>de</strong>ve" "1<br />

mais endivi<strong>da</strong>dos . (Embilhões <strong>de</strong> dólares)<br />

1975<br />

69.09<br />

20,09<br />

17.01<br />

5.76<br />

3,90<br />

3.92<br />

1985<br />

379.24<br />

105.12<br />

97.80<br />

49.32<br />

31.23<br />

13.72<br />

1996<br />

603.43<br />

175.00<br />

160.00<br />

96.00<br />

36.23<br />

28.50<br />

Divi<strong>da</strong> dos mais pobres (Emmilhões <strong>de</strong> dólares)<br />

Nicarágua 493 4,936* 6,100<br />

Bolívia 784 3,294 4,740<br />

República Dominicana 398 3,720 3,950<br />

Guatemala 277 2,536 2,050**<br />

Paraguai 207 1,772 1,310<br />

Haiti 66 600 915**<br />

! * Explicaçio também váli<strong>da</strong> p»ra os outros casos; significa que a dívi<strong>da</strong> exiema <strong>da</strong> Nicarágua passou <strong>de</strong> 493<br />

milhões, em 1975. para 4 bilhôeac 936 milhões, rm 1985. e paraóbilhÔcse lOOrmlhões.em 1996.<br />

! •* Apenas a dívi<strong>da</strong> pública.<br />

Sem Fronteiras - N 0 254<br />

Quem é quem no<br />

paraíso <strong>da</strong><br />

corrupção<br />

Costa Rica e Chile são os menos<br />

corruptos na América Latina; Brasil<br />

ocupa o 36° lugar.<br />

Pelo terceiro ano consecutivo, a orga-<br />

nização não go<strong>vem</strong>amaital alemã Trans-<br />

paràicia Internacional divulgou o índice<br />

<strong>da</strong> corrupção no mundo, com base em<br />

pesquisas realiza<strong>da</strong>s junto a empresários,<br />

analistas políticos epúblico em geral.<br />

O relatôno atribuí notas que vão <strong>de</strong> zero<br />

(maior índice <strong>de</strong> cormpção) a <strong>de</strong>z (maior<br />

índice). N<strong>um</strong>a lista <strong>de</strong> 52 países, a Nigéria<br />

ocupa o último lugar, como o país <strong>de</strong> maior<br />

Índice <strong>de</strong> Cormpção Aparaite.<br />

Quatro países latino-americanos es-<br />

tão entre os <strong>de</strong>z <strong>de</strong> maior índice <strong>de</strong><br />

corrupção: Venezuela, México, Colôm-<br />

bia e Bolívia. O Brasil está em 36° lugar,<br />

tendo melhorado a sua nota, <strong>de</strong> 2,96 em<br />

96 para 3,56 neste ano. Costa Rica (6,45)<br />

e Chile (6,05) são os países latino-ame-<br />

ricanos com o maior índice <strong>de</strong> corrupção,<br />

segundo o relatório.<br />

Dinamarca (a maior nota: 9,94), Fin-<br />

lândia, Suécia, Nova Zelândia, Canadá e<br />

Holan<strong>da</strong> integram o grupo <strong>da</strong>s nações<br />

com o menor índice <strong>de</strong> corrupção, alcan-<br />

çando entre nove e <strong>de</strong>z pontos.<br />

"Mais cormpção significa mais pobre-<br />

za, menos educação e menos saú<strong>de</strong>",<br />

advertiu Peter Eigen, presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong><br />

Transparência Internacional.<br />

Ele também observou que gran<strong>de</strong><br />

parte <strong>da</strong> corrupção nas esferas gover-<br />

namentais dos países <strong>de</strong>senvolvidos ou<br />

em <strong>de</strong>senvolvimento é produto <strong>de</strong> em-<br />

presas multinacionais cuja se<strong>de</strong> está nos<br />

países ricos. Por isso, a organização pre-<br />

ten<strong>de</strong>, no futuro, pesquisar também o<br />

índice <strong>de</strong> Corrupção Ativa, para i<strong>de</strong>nti-<br />

ficar quem corrompe quem.<br />

Eigen afirmou que o trabalho <strong>da</strong><br />

Transparência Internacional tem causa-<br />

do impacto positivo em muitos países -<br />

porque fama <strong>de</strong> corrupto não constituí<br />

<strong>um</strong>a boa carta <strong>de</strong> apresentação -, con-<br />

tribuíndo inclusive para a formação <strong>da</strong><br />

cpiiBO pública. "1<br />

Bonn - (IPS)<br />

"Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do'


Quinzena N 0 259 - 31/10/97 31 Internacional<br />

Boletim Nacional - Outubro/97 - N" 1<br />

150 anos do Manifesto Comunista<br />

Para a Opinião Pública, o comunis-<br />

mo i<strong>de</strong>ntificou-se com o regime soviéti-<br />

co, e o socialismo com a social-<strong>de</strong>mo-<br />

cracia. Isso não foi sempre assim. De-<br />

pois <strong>de</strong> 1917, os dois termos sinalizavam<br />

só duas vias diferentes, revolucionária e<br />

reformista, em direção <strong>de</strong> <strong>um</strong> objetivo<br />

único: a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> comunista. As noções<br />

mu<strong>da</strong>ram: os paises comunistas se cha-<br />

mavam <strong>de</strong> "socialismo real"; e a social-<br />

<strong>de</strong>mocracia chamava "socialismo" <strong>um</strong><br />

capitalismo regulado pelo Estado, ou com<br />

o contra-peso <strong>de</strong> <strong>um</strong> forte setor estatal.<br />

Hoje, a confusão é completa, e cui<strong>da</strong>do-<br />

samente manti<strong>da</strong>: com o "fim do comu-<br />

nismo", o próprio socialismo, real ou não,<br />

seria caduco. Dai o interesse <strong>de</strong> ler e<br />

até <strong>de</strong> reescrever o Manifesto Comunis-<br />

ta. Nele, Marx e Engels só falam <strong>de</strong> co-<br />

munismo (não <strong>de</strong> socialismo), atacam<br />

diversas formas <strong>de</strong> socialismo (pequeno<br />

burguês, conservador, utópico) e só mui-<br />

to mais tar<strong>de</strong> aceitam chamar <strong>de</strong> socia-<br />

lista a primeira etapa do comunismo. A<br />

questão hoje coloca<strong>da</strong> é: o socialismo é<br />

só o inicio do comunismo, ou po<strong>de</strong> ser<br />

<strong>um</strong>a forma especifica <strong>de</strong> organização <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong><strong>de</strong>:' O que <strong>de</strong><strong>vem</strong>os pensar do<br />

>c-<br />

( ) Anual R$ 50,00<br />

( ) Exterior - Anual US$ 120,00<br />

( ) Semestral R$ 35,00<br />

Socialismo ou comunismo<br />

Tony Andreoni<br />

programa <strong>de</strong> transição esboçado no<br />

Manifesto?<br />

Po<strong>de</strong>mos conceber ain<strong>da</strong> o comunis-<br />

mo como fazia Marx, sem classes, sem-<br />

relações mercantis etc? As respostas são<br />

provisórias, e para esclarecer o <strong>de</strong>bate,<br />

po<strong>de</strong>m ser distingui<strong>da</strong>s diversas posições,<br />

apoia<strong>da</strong>s to<strong>da</strong>s elas sobre <strong>um</strong>a renova-<br />

ção e aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> <strong>de</strong>mocracia:<br />

1) Para alguns, <strong>de</strong>ve-se abandonar o<br />

conceito <strong>de</strong> socialismo, como ele foi co-<br />

nhecido historicamente, apoiado na "di-<br />

tadura do proletariado", no "modo <strong>de</strong>pro-<br />

dução socialista" baseado na proprie<strong>da</strong>-<br />

<strong>de</strong> estatal. Deve-se reabrir a perspecti-<br />

va do comunismo, em base a alg<strong>um</strong>as<br />

idéias básicas: multiplici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s formas<br />

<strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>senvolvimento dos<br />

serviços públicos, predominio <strong>da</strong><br />

regulação social sobre a regulação mer-<br />

cantil e dos critérios sociais sobre os cri-<br />

térios capitalismo <strong>de</strong> gestão;<br />

2) Para outros, a única perspectiva<br />

realista é a <strong>de</strong> <strong>um</strong> socialismo no sentido<br />

social-<strong>de</strong>mocrata, <strong>um</strong> retomo ao mo<strong>de</strong>lo<br />

keynesiano <strong>de</strong> capitalismo social, mas<br />

com <strong>um</strong>a base produtiva diferente (pós-<br />

fordista) e <strong>um</strong>a regulação amplia<strong>da</strong> ao<br />

Ficha <strong>de</strong> Assinatura<br />

( ) Semestral R$25,00<br />

( ) Exterior - Semestral US$ 60,00<br />

Assinatura <strong>de</strong> Apoio:<br />

( ) Anual R$ 70,00<br />

nível internacional, o que supõe instânci-<br />

as supra-estatais;<br />

3) Para outros, enfim, é preciso com-<br />

binar socialismo e mercado, imaginando<br />

novas formas <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>: consi<strong>de</strong>-<br />

ram que o Marx errou ao i<strong>de</strong>ntificar ca-<br />

pitalismo com mercado e colocam o co-<br />

munismo n<strong>um</strong> futuro in<strong>de</strong>terminado, <strong>de</strong>-<br />

pois do fim do trabalho e do valor, ou<br />

pensam que o socialismo sena <strong>um</strong>a tran-<br />

sição para o comunismo que passana por<br />

<strong>um</strong>a "socialização" do mercado, e pela<br />

abolição <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>as <strong>de</strong> suas instituições,<br />

para <strong>de</strong>saguar <strong>um</strong> dia, com o dominio <strong>de</strong><br />

novas relações sociais, em outro tipo <strong>de</strong><br />

cálculo econômico.<br />

A reeleitura do Manifesto <strong>de</strong>ve per-<br />

mitir, para além <strong>da</strong>s questões tec-<br />

nológicas, e tirando as lições <strong>de</strong> <strong>um</strong> sé-<br />

culo <strong>de</strong> história (que não se limitaram a<br />

tragédias e fracassos) repensar teorica-<br />

mente a questão do socialismo e do co-<br />

munismo e <strong>de</strong>senhar, perto do movimen-<br />

to real, as alternativas possíveis ao capi-<br />

talismo, à sua mundialização e à sua ci-<br />

vilização.<br />

(Tradução <strong>de</strong> Osvaldo Coggiola)<br />

( )TnmestralR$ 15,00<br />

Nome completo<br />

En<strong>de</strong>reço N 0 bloco<br />

Bairro , C. Postal Fone ( )..<br />

Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> '...Estado Cep<br />

Profissão/Categoria<br />

TRABALHO QUE FAZ NO MOVIMENTO:<br />

Assinatura: Data:<br />

O pagamaito <strong>de</strong>verá ser fato em nome do CPV - <strong>Centro</strong> <strong>de</strong> Doc<strong>um</strong>entação e Pesquisa Vergueiro em cheque nominal cruzado, ou<br />

vale postal DESDE QUE SEJA ENDEREÇADO PARA A AGÊNCIA BELA VISTA - CEP: 01390-970 Código <strong>da</strong> Agàiaa 403.300<br />

QUINZENA<br />

Publicação do CPV - Caixa Postal 65.107 - Cep: 01390-970 São Paulo, Fone: (011) 604-7995 - Fax: (011) 604-3133<br />

E-mail cpvsp @ax.apc.org<br />

"Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do"<br />

Apto.


Quinzena N 0 259 - 31/10/97 32 Cultura<br />

Aos que virão <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> nós<br />

Eu vivo nuiii tempo sem sol.<br />

Uma linguagem sem malícia é sinal <strong>de</strong> estupi<strong>de</strong>z,<br />

<strong>um</strong>a testa sem rugas é sinal <strong>de</strong> indiferença.<br />

Aquele que ri ain<strong>da</strong> não recebeu a terrível notícia.<br />

Que tempos são esses, quando<br />

falar sobre árvores é quase <strong>um</strong> crime.<br />

Pois significa silenciar sobre tanta injustiça!<br />

Aquele que cruza tranqüilamente a rua<br />

já está então inacessível aos amigos<br />

que se encontram necessitados?<br />

E ver<strong>da</strong><strong>de</strong>: eu ain<strong>da</strong> ganlio o bastante para viver.<br />

Mas acreditem: é o acaso. Na<strong>da</strong> do que eu faço<br />

me dá o direito <strong>de</strong> comer quando eu tenho fome.<br />

Por acaso eu estou sendo poupado (Se a minha sorte<br />

me <strong>de</strong>ixa, estou perdido).<br />

Me dizem: come e bebei Fica feliz por teres o que tensl<br />

Mas como é que eu posso comer e beber,<br />

se a comi<strong>da</strong> que eu como, eu tiro <strong>de</strong> quem tem fome?<br />

se o copo <strong>de</strong> água que eu bebo, faz falta a quem tem<br />

se<strong>de</strong>?<br />

Mas apesar disso, eu continuo comciulo e bebendo.<br />

Eu queria ser <strong>um</strong> sábio.<br />

Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:<br />

se manter afastado dos problemas do mundo<br />

e sem medo passar o tempo que se tem para viver na<br />

terra;<br />

seguir seu caminbo sem violência,<br />

pagar o mal com o bem,<br />

não satisfazer os <strong>de</strong>sejos, mas esquecê-los.<br />

Sabedoria é isso!<br />

Mas eu não consigo agir assim.<br />

E ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, eu vivo n<strong>um</strong> tempo sem sol!<br />

MEMÓRIA<br />

Eu vim para a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> no tempo <strong>da</strong> <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m,<br />

quando a fome reinava.<br />

Eu vim para o convívio dos homens no tempo <strong>da</strong> revolta<br />

e me revoltei ao lado <strong>de</strong>les.<br />

Assim se passou o tempo<br />

que me foi <strong>da</strong>do viver sobre a terra.<br />

Eu comi o meu pão no meio <strong>da</strong>s batalhas,<br />

para dormir eu me <strong>de</strong>itei entre os assassinos.<br />

Fiz amor sem muita atenção<br />

e não tive paciência com a natureza.<br />

Assim se passou o tempo<br />

que me foi <strong>da</strong>do viver sobre a terra.<br />

Vocês, que vão emergir <strong>da</strong>s on<strong>da</strong>s<br />

em que nós perecemos,<br />

pensem,<br />

quando falarem <strong>da</strong>s nossas fraquezas,<br />

nos tempos sem sol<br />

<strong>de</strong> que vocês tiveram a sorte <strong>de</strong> escapar.<br />

Nós existíamos através <strong>da</strong>s lutas <strong>de</strong> classe,<br />

mu<strong>da</strong>ndo mais seguido <strong>de</strong> país do que <strong>de</strong> sapatos,<br />

<strong>de</strong>sesperados,<br />

quando só havia injustiça e não havia revolta.<br />

Nós sabemos:<br />

o ódio contra a baixeza<br />

também endurece os rostos!<br />

A cólera contra a injustiça<br />

faz a voz ficar rouca. Infelizmente, nós,<br />

que queríamos preparar o terreno para a amiza<strong>de</strong>,<br />

não pu<strong>de</strong>mos ser, nós mesmos, bons amigos.<br />

Mas vocês, quando chegar o tempo<br />

em que o homem seja amigo do homem.<br />

pensem em nós<br />

com <strong>um</strong> pouco <strong>de</strong> compreensão.<br />

Vi<strong>da</strong> e Obra<br />

Bertold Brecht<br />

20 <strong>de</strong> No<strong>vem</strong>bro Dia Nacional <strong>da</strong> Consciência Negra, em memória<br />

do assassinato do lí<strong>de</strong>r negro dos Quilombos dos Palmares, ZUMBI,<br />

assassinado em 1695. O dia 20 <strong>de</strong> no<strong>vem</strong>bro passou a existir como<br />

contraponto à apologia do dia 13 <strong>de</strong> maio e representa a luta do povo<br />

negro pelos seus direitos e pelo resgate <strong>de</strong> sua ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.<br />

Temos que lutar para mu<strong>da</strong>r o mundo.<br />

Depois disso temos que mu<strong>da</strong>r o mundo mu<strong>da</strong>do" B. Brecht

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