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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ...

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O “mise­en­abîme” é um recurso riquíssimo e caro a Shakespeare, surgin­<br />

do ao final de Sonho de uma noite de verão como uma montagem teatral para<br />

divertir os reis de Tebas, e que ganha um real estatuto de espelho deformante e<br />

multiplicador da realidade em Hamlet, em que Cláudio, o usurpador assiste à re­<br />

presentação da cena de seu próprio crime, e indigna­se a enxergar este sincero<br />

reflexo de sua própria imagem. Um recurso tão caro a Shakespeare que é reto­<br />

mado mesmo na recriação fictícia de sua biografia proposta por Neil Gaiman, que<br />

estende o abismo para as profundezas do inconsciente, ou o reino do Sonhar.<br />

Não seria, afinal, a relação entre o sonho e a obra de arte um jogo ainda mais<br />

delicado de “mise­en­abîme”, onde um reflete e distorce o outro continuamente,<br />

propondo um confronto entre o espectador desperto e o adormecido? Ora, o tea­<br />

tro elisabetano tinha como marca principal o esforço constante de imaginação<br />

entre o público e o encenador. Era preciso alguma imaginação e muita boa­<br />

vontade para acreditar que um rapaz imberbe é a rainha Cleópatra; mais ainda,<br />

para acreditar que meia dúzia de soldados portando bem alto alguns galhos de<br />

árvores pudesse ser interpretada como a floresta de Birnam a marchar em dire­<br />

ção às muralhas de Dunsinane, cumprindo a maldição fatal de Lorde Macbeth.<br />

Para olhos contemporâneos habituados a Elizabeth Taylor (perdão, para os “con­<br />

temporâneos” é melhor falar em Angelina Jolie, La Taylor já pareceria estranha<br />

com a coroa do Egito diante desses olhos) e aos efeitos especiais da Lucasfilm,<br />

assistir a um espetáculo shakespeariano legítimo no Globe Theater do século<br />

XVII pareceria um absurdo alienígena, ou um mambembe amador razoável, na<br />

melhor das hipóteses. Claro, a capacidade de imaginação do espectador atual foi<br />

de certa forma “seqüestrada” durante a “Era da imagem”. Mas algo há que não<br />

deixará de existir tão cedo (esperemos), por mais que sofra transformações e a­<br />

justes ao longo dos séculos e das escolas filosóficas: um “pacto ficcional”, pacto<br />

esse que só é possível graças à prevalência inextrincável do imaginário, do in­<br />

consciente, do sonho.<br />

Shakespeare se utilizou dos recônditos misteriosos e noturnos da mente<br />

como tema e como ferramenta, talvez de uma forma que nenhum outro anteces­<br />

sor seu tenha usado. Ele é o estopim para as confusões de Sonho de uma noite<br />

de verão; ele está presente no delírio de Lady Macbeth e as mãos eternamente<br />

ensangüentadas de seu marido, além das visões premonitórias que as Três Irmãs<br />

desvelam perante seus olhos de guerreiro. Ele está presente na loucura suicida<br />

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