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dom quixote à pro-cura da cura - programa de pós-graduação em ...

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Estaria Dom Quixote, como atesta Pierre Vilar, mergulhado num vazio<br />

insuportável, ao que, na introdução, chamamos <strong>de</strong> “falta”? O psicanalista Mauro<br />

Maldonato 38 caracteriza essa patologia como “experiência do pânico”,<br />

caracterizando a doença como uma ligação <strong>pro</strong>fun<strong>da</strong> com o “na<strong>da</strong>”. Haveria algo<br />

que o angustiasse? Estaria Dom Quixote angustiado ou bastava o tédio para tirá-lo<br />

<strong>da</strong> leitura <strong>de</strong>vocional e arr<strong>em</strong>essá-lo <strong>em</strong> terras medievais, <strong>pro</strong><strong>cura</strong>ndo, na magia<br />

perdi<strong>da</strong> e que impregnara aquele ambiente, uma fuga ou uma ponta <strong>de</strong> motivação?<br />

O que teria, afinal, levado Dom Quixote a tomar estranha <strong>de</strong>cisão, e a querer,<br />

assim, mergulhar na vi<strong>da</strong>, tentando experienciá-la?<br />

O mal po<strong>de</strong>ria estar na própria leitura. Impossível, diriam todos; a julgar pela<br />

<strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Ortega y Gasset, que expressa um envolvimento pleno e <strong>pro</strong>fundo <strong>de</strong><br />

todos na leitura <strong>de</strong> vasta ficção disponível naquela época. O difícil é saber o<br />

significado dos gestos que acompanhavam a leitura: “<strong>de</strong>voraban <strong>de</strong> manera<br />

silenciosa, [...] sus labios aún se movían, [...] sus manos se contraían, [...] pasaban<br />

las noches leyendo” 39 . Correspon<strong>de</strong>ria esse gestual ao famoso e significativo<br />

“levantar <strong>da</strong> cabeça”, aludido por Roland Barthes 40 . Ou estaria sendo<br />

<strong>de</strong>masia<strong>da</strong>mente passiva sua leitura?<br />

Não era medo n<strong>em</strong> pânico, não era tédio, não era angústia? Havia sim um<br />

sentimento inexplicável que, talvez, Francisca Nóbrega 41 nos possa explicar: Po<strong>de</strong><br />

parecer contraditório que Dom Quixote estivesse mal, por influência <strong>de</strong> alguma falta.<br />

Segundo Francisca Nóbrega, tomando como base Riobaldo <strong>de</strong> Gran<strong>de</strong> Sertão<br />

Vere<strong>da</strong>s, a “falta” é a maior gran<strong>de</strong>za do hom<strong>em</strong>. Nesse caso, se no sertão um<br />

hom<strong>em</strong> também o experimentou, estaria Dom Quixote sentindo, na<strong>da</strong> menos, o que<br />

38 MALDONATO, Mauro. A beira do na<strong>da</strong>. Revista viver, mente e cerébro. [S.l.]: Duetto, ano XII, n.148, mai. 2005.<br />

39 Devoravam <strong>de</strong> maneira silenciosa [...] seus lábios ain<strong>da</strong> se moviam, [...] suas mãos se contraiam [...] passavam as noites<br />

lendo (Apud GILMAN, S. La novela según Cervantes. México: Fondo <strong>de</strong> Cultura Económica, 1993, p.18).<br />

40 BARTHES, R. O prazer do texto. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1977.<br />

41 NOBREGA, Francisca. Laboratório <strong>de</strong> literatura poética. Ano 1, n.1, março <strong>de</strong> 1998 (mimeo).

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