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o enigma da infância – educação e comunicação no ... - Unesp

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Por certo tempo, o meni<strong>no</strong> esqueceu o problema do surgimento dos filhos.<br />

Aproximavam-se os exames do fim do a<strong>no</strong>, quando o inspetor escolar, Professor Brandão,<br />

com seu pince-nez preso a um fio negro, suas sobrancelhas cerra<strong>da</strong>s em contraste com a<br />

calva reluzente, o invariável jaquetão negro, presidia a banca examinadora, ca<strong>da</strong> alu<strong>no</strong><br />

passando pelas mãos <strong>da</strong> própria professora e de outra, convi<strong>da</strong><strong>da</strong>, geralmente do quadro<br />

de mestras municipais. À aju<strong>da</strong> de Rebeca, que dera um jeito de ludibriar a vigilância de<br />

dona Carminha trocando a prova com ele e, depois, na hora <strong>da</strong> entrega, devolvendo-lhe a<br />

sua e retomando a própria, devera sua aprovação na disciplina que não exigia<br />

demonstração ao quadro-negro. Aquele gesto de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, de atenção, re<strong>no</strong>vara seu<br />

interesse, seu “amor” pela menina de cabelos de fogo. Casaria com ela mesmo que Deus<br />

não lhes quisesse <strong>da</strong>r filhos. (grifo do autor)<br />

Interessante <strong>no</strong>tar que a narrativa, de modo natural e fluido, segue um caminho<br />

paralelo ao crescimento físico e emocional do protagonista, como realmente ocorre na vi<strong>da</strong> de<br />

um infante. E a curiosi<strong>da</strong>de ora presente ora aplaca<strong>da</strong> vai permeando as aventuras íntimas. A<br />

descoberta do amor e a declaração de que “casaria com ela mesmo que Deus não lhes quisesse<br />

<strong>da</strong>r filhos” são tocantes em demonstrar a i<strong>no</strong>cência do meni<strong>no</strong>...<br />

A seguir, <strong>no</strong> entanto, ocorre uma transição, um amadurecimento necessário. A crise<br />

começa com a entra<strong>da</strong> em cena de uma dupla vilã, socialmente falando, pois ela é uma mulher<br />

do povo e uma subalterna na casa <strong>da</strong> família do meni<strong>no</strong>...<br />

Foi quando uma emprega<strong>da</strong> de sua casa, uma moça chama<strong>da</strong> Lucin<strong>da</strong>, que não era<br />

casa<strong>da</strong>, teve um filho. Voltou a inquirir dona Carminha.<br />

─ Deve ser filho adotivo, de outra, que ela cria <strong>–</strong> desconversou a catequista.<br />

Resolveu apurar com a Lucin<strong>da</strong>. Não, o filho era dela mesma. Ficou encabulado de<br />

in<strong>da</strong>gar como Deus dera a criança e não fizera o mesmo com dona Carminha, que<br />

adorava a menina<strong>da</strong>. Mas Cire<strong>no</strong>, um colega muito sabido, que até fumava às escondi<strong>da</strong>s,<br />

furtando cigarros do pai ou cortando <strong>no</strong> dinheiro <strong>da</strong> mesa<strong>da</strong> para adquirir maços de Está<br />

na Hora na ven<strong>da</strong> de seu Justi<strong>no</strong>, ao expor-lhe o problema, explicou do alto de sua<br />

sapiência:<br />

─ Isto é conversa de dona Carminha. Deus não dá filho a ninguém, não. Quem faz o filho<br />

é o marido, quando a mulher é casa<strong>da</strong>, ou outro homem qualquer, quando é solteira, basta<br />

a mulher querer.<br />

─ Mas, querer como?<br />

─ Abrindo as pernas para ele botar a criança na barriga dela. Você não vê como tem<br />

muita mulher de barriga grande por aí e, depois de ter o filho, a barriga encolher?” (grifo<br />

do autor)<br />

Explicações de criança são os fatores risíveis do conto... Tais relatos, em que LB<br />

exerce sua maestria de narrador, oferecem ao leitor um humor ingênuo, delicioso. A<br />

referência aos cigarros fumados às escondi<strong>da</strong>s é recorrente à maioria dos garotos, ficando<br />

também associados aos atributos <strong>da</strong> masculini<strong>da</strong>de. Bebi<strong>da</strong>, cigarros e sexo, como sabemos,<br />

fecham a trilogia dos requisitos para um garoto ser considerado rapaz.<br />

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