O Verbo e a Carne
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O <strong>Verbo</strong> e a <strong>Carne</strong> – 2 Análises do Roustainguismo ______________________________________________ 31<br />
procurar os conselhos do mestre, pois Roustaing aprendeu Espiritismo lendo Kardec,<br />
embora o tenha aprendido mal. Isso revela a auto-suficiência de Roustaing,<br />
confirmando o excesso de orgulho e vaidade que o levaram à mistificação.<br />
Quem conhece a obra laboriosa de Kardec, o estudo paciente a que se<br />
entregou, o critério com que rejeitou todas as comunicações "maravilhosas" que lhe<br />
eram dadas, a recusa de comunicações assinadas por grandes nomes, cujos textos não<br />
justificassem a assinatura, a consulta incessante aos espíritos através de diversos<br />
médiuns, pode avaliar a temeridade a que Roustaing se entregou, levado pelo seu<br />
entusiasmo exagerado e a sua precipitação.<br />
Historicamente a razão de ser do Roustainguismo é apenas esta: a<br />
inquietação de um convalescente que se impressiona com a obra de Kardec e tem a<br />
pretensão de superá-la, esclarecendo pontos obscuros dos Evangelhos com a ajuda dos<br />
Espíritos Superiores, através de comunicações por alguns médiuns seus conhecidos e<br />
conterrâneos, que por fim são substituídos pela médium única, Madame Collignon,<br />
responsável mediúnica por todo o texto. O próprio Roustaing provoca a revelação<br />
evocando os espíritos, ao contrário de Kardec que estuda os fenômenos e é<br />
surpreendido pela revelação em meio de seus trabalhos de experimentação mediúnica.<br />
A posição científica de Kardec opõe-se à posição vulgar de Roustaing -<br />
um homem vaidoso que se deixa levar pelos espíritos mistificadores, aceitando as<br />
explicações mais ridículas e absurdas para o esclarecimento de problemas<br />
escriturísticos. O grande advogado não passava de um grande ingênuo.<br />
XIII<br />
ROUSTAINGUISMO NO BRASIL<br />
Quais os motivos da penetração da Roustainguismo no Brasil? Como e porque ele<br />
conseguiu enraizar-se na chamada "casa mater"? Por que nos defrontamos agora com uma<br />
recrudescência dessa pseudo-doutrina? Parece-nos que tudo se resume numa questão de<br />
formação religiosa, tendo por fundo a formação racial brasileira e o período medieval do nosso<br />
desenvolvimento nacional. O Roustainguismo chegou ao Brasil num momento crítico, quando<br />
a nossa cultura estava sendo abalada por várias infiltrações européias. Entre essas, o<br />
Espiritismo, que chegara da França e empolgara alguns espíritos cultos na segunda metade<br />
do século passado. O Roustainguismo se apresentava como integrado no Espiritismo e<br />
tocava de perto a sensibilidade mística de alguns ex-católicos.<br />
A França era então o centro da Civilização e Paris o cérebro do mundo. A obra de<br />
Roustaing chegava amparada pelo prestígio da França e do Espiritismo. Trazia ainda a<br />
chancela de Roustaing, nome respeitado nos meios jurídicos de Bordeaux, e fora recebida<br />
mediunicamente por Madame Collignon, pertencente a prestigiosa família de juristas. Todo<br />
esse aparato impunha Roustaing à nossa inteligência. Mais do que isso, porém, a obra<br />
trazia um grande alívio aos espíritos místicos, quebrava a frieza racional da obra<br />
de Kardec e restituía ao Cristo a sua condição sobrenatural.<br />
Para homens profundamente religiosos como Bezerra Menezes, que fora exemplo<br />
de católico praticante, Antônio Luiz Sayão, Bittencourt Sampaio e outros, cujos atos atestam o<br />
predomínio do sentimento religioso a razão crítica, a obra de Roustaing surgia como tábua de<br />
salvação, livrando-os do racionalismo kardeciano. Roustaing era a volta ao maravilhoso, ao<br />
Cristo místico, divino no espírito e no corpo. Dessa maneira, Roustaing devolvia a essas<br />
criaturas as ilusões da religião lírica que as embalara desde a infância.<br />
Não é fácil compreendermos hoje o clima religioso que o Espiritismo se<br />
desenvolveu entre nós. Houve, naturalmente, a dissidência racionalista, constituída por