16.04.2013 Views

O Verbo e a Carne

O Verbo e a Carne

O Verbo e a Carne

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

O <strong>Verbo</strong> e a <strong>Carne</strong> – 2 Análises do Roustainguismo ______________________________________________ 36<br />

o verso mais difícil da poética antiga, e no qual Junqueiro se revelou verdadeiro<br />

virtuoso. Nenhum outro poeta empregou o alexandrino em nossa língua com tanta<br />

perícia e tamanha constância. Mas no trecho abaixo Junqueiro o utiliza como um<br />

principiante, um desconhecedor das suas regras.<br />

Além disso temos de considerar o problema de conteúdo. No começo o<br />

poeta critica os que "...querem esvoaçar além dos infinitos – para saber o que era<br />

o corpo de Jesus". Ao mesmo tempo ridiculariza "alguns doutores que a Ciência já<br />

perscrutam". Depois menospreza o laboratório para sustentar a tese agnóstica no<br />

tocante "aos problemas de Deus". Começa aí a regressão psíquica de Junqueiro, que<br />

volta à fé dogmática e cega do clero que sempre combateu, deixando mesmo<br />

entender que Jesus era Deus. Nada dessa confusão condiz com o pensamento viril de<br />

Guerra Junqueiro em vida ou dele após a morte nos poemas do "Parnaso". E notese<br />

que "Os Funerais da Santa Sé" apareciam precisamente em 1932, juntamente<br />

com o "Parnaso", numa evidente manobra de reação.<br />

A seguir, o Junqueiro retrógrado se utiliza do chavão roustainguista da dor moral:<br />

"O martírio real é o que retalha a alma", como se a dor moral pudesse justificar a farsa<br />

imoral de uma tragédia grega encenada por entidades espirituais para enganar os<br />

homens. Ninguém ignora que o sofrimento moral é superior ao físico. Por isso todos<br />

compreendem o martírio do palhaço que faz rir a multidão enquanto o coração lhe<br />

sangra no peito. Mas ninguém de bom senso pode admitir que uma criatura divina<br />

fizesse o contrário do palhaço, exibindo um sofrimento falso para sangrar o coração do<br />

público. E a inteligência lúcida de Guerra Junqueira não percebeu esse contra-senso<br />

nem encontrou maneira mais lógica de sair da enrascada. Teve mesmo de servir-se da<br />

surrada e absurda explicação de Roustaing, sempre repetida pelos que o admitem.<br />

Como se isso não bastasse vemos o velho Junqueiro arcado ao peso fatal<br />

dos anos – como se ainda estivesse na carne perecível – endossar a mais tola de<br />

todas as teses roustainguistas: "Se o Cristo foi humano, que é da virgindade daquela<br />

que recebe, ainda imaculada, o verbo que ilumina..." O tabu da virgindade física<br />

misturado a um resíduo mitológico é aprovado ingenuamente pelo poeta de "A<br />

Velhice do Padre Eterno". Esse velho esclerótico fala da Imaculada como se<br />

estivesse num convento da Idade Média. E como se isso não bastasse, esquecido<br />

do magnífico prefácio a "Os Simples", em que definiu em vida e espiriticamente os<br />

princípios lógicos da sua fé, acrescenta: "Nós vemos em Jesus o Sobrenatural!"<br />

A esses golpes de oratória sacra o poeta ajunta a seguir algumas estrofes<br />

contra á Igreja, o Cristo de barro e de madeira "talhado ainda à moda antiga". E<br />

vem então a contradição flagrante do apelo: "Livres pensadores, uni-vos, batalhai,<br />

cumpri vosso dever!" Que livres pensadores serão esses que carregam a pesada canga<br />

dos dogmas mais absurdos? O velhote parece desmiolado. Perdeu todo o senso que o<br />

caracterizava. E grita como um alucinado: "...pois do céu é que baixa esta<br />

revelação". Mas que revelação? A de um Jesus etéreo a engambelar os homens com<br />

seu corpo falso e seu fingido martírio? É isso que Guerra Junqueiro aceita e defende<br />

em nome da nova era?<br />

Forma e conteúdo revelam nesses versos a mistificação herética que os<br />

evangelistas e os apóstolos condenaram. Na forma temos a imperícia poética dos<br />

mistificadores. No conteúdo as contradições e os resíduos do passado mitológico da<br />

humanidade. Nada disso pertence ao pensamento esclarecido de Guerra Junqueiro.<br />

A médium América Delgado, como Madame Collignon, ambas criaturas espiritualmente<br />

evoluídas mas ingênuas, foram colhidas na rede traiçoeira das trevas.<br />

Guerra Junqueiro denuncia, no soneto transmitido por Jorge Rizzini, a falta<br />

de elisão nos alexandrinos e o pé quebrado. São versos mancos e imperfeitos que

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!