Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
— Onde <strong>do</strong>rmiu Vossa Mercê esta noite, seu... como é?<br />
— Secundino, um seu cria<strong>do</strong>.<br />
— Cria<strong>do</strong> seja de Maria Santíssima. Dormiu no Timbó?<br />
— Não. Aqui cerca de meia légua. Onde tem uma cega...<br />
— Ah, então foi na Goiabeira. Por lá é tu<strong>do</strong> gente agregada desta casa. Mais<br />
não lhe disseram que aqui era a fazenda <strong>do</strong> meu compadre?<br />
— Eles por lá me falaram em Sinhá <strong>Guidinha</strong>... Eu não podia adivinhar, já<br />
mais quan<strong>do</strong> supunha que as terras de um tio ficassem para o rio Quixeramobim.<br />
— Está bom, perfeitamente, ele tem também terra na ribeira <strong>do</strong><br />
Quixeramobim, mas só pra solta. De vacas, tem lá umas vaquinha numa fazen<strong>do</strong>la.<br />
O rapaz corria o olho pela fazenda, na qual já lhe ia parecen<strong>do</strong> ter parte.<br />
Muito ga<strong>do</strong>, em vista da falada crise. Os matos, é verdade, ainda ressenti<strong>do</strong>s da<br />
sequidão. Devia fazer ali um calorzão de rachar. Um cerca<strong>do</strong> imenso a perder de<br />
vista, com uma verdadeira mata de pau-branco e sabiá, naturalmente para boiadas.<br />
Rio perto. Um numeroso lote de bestas atravessan<strong>do</strong> uma vargem distante.<br />
Atmosfera agradabilíssima, um vago encantamento naquela natureza silenciosa e<br />
iluminada.<br />
E, dan<strong>do</strong> corda ao pessimismo conforma<strong>do</strong> <strong>do</strong> matuto cearense<br />
escarmenta<strong>do</strong>, ele, pernambucano, sentia-se confuso pisan<strong>do</strong> em aquelas regiões<br />
sertanejas, que pareciam palpitar d um sentimento e de uma alma.<br />
O matuto respondia-lhe que, ele visse, tu<strong>do</strong> ainda estava uma lástima. Estava<br />
ven<strong>do</strong> naquela baixa aquele tijuco preto? Pois era uma lagoa que em 25 não secou.<br />
— Mas podia ter si<strong>do</strong>, daí, aterrada a pouco e pouco, no correr <strong>do</strong> tempo,<br />
objetava o outro.<br />
— Qual, meu branco honra<strong>do</strong>! Quan<strong>do</strong> Deus Nosso Sinhô não qué... Isso é<br />
como a morte, que sempre tem uma desculpa pra roubar um pobre pai de família.<br />
Secundino olhava pela janela para o interior da casa, ten<strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong> a fala da<br />
senhora que encontrara na porteira <strong>do</strong> curral.<br />
Com pouco a escrava Luísa, atravessan<strong>do</strong> a sala, conduzia em uma bandeja<br />
um serviço de café para uma pessoa, desceu para o alpendre e parou diante dele.<br />
— Senhora disse que não reparasse.<br />
Que ele não reparasse? Ora esta! Dissesse à sua tia que ela é que não devia<br />
reparar na gula com que ele ia meter-se naquela opíparo café com pão-de-ló.<br />
Pegava na xícara de porcelana, e no bule de prata. Vinha leite fervi<strong>do</strong> em um<br />
boião. Não eram peças de um aparelho, e sim desencontradas, cada qual mais<br />
valiosa e rara, desses objetos que são como certas quadras de pé de viola,<br />
pequeninas preciosidades, que no sertão passam de avós a netos, fican<strong>do</strong> fora <strong>do</strong><br />
uso mundano.<br />
O Secundino serviu-se à farta como quem vinha negro por um decomerzinho<br />
delica<strong>do</strong>, com o paladar cansa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s fervi<strong>do</strong>s de comboieiro.<br />
Lambeu os beiços. Depositou a xícara na bandeja com uma pilhéria para a<br />
escrava, que via logo ser de estimação; e, puxan<strong>do</strong> por charutos, oferecia ao<br />
vaqueiro. Este, aceitan<strong>do</strong>, esmagou o seu na palma da mão e embuchou no<br />
cachimbo.<br />
15