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www.nead.unama.br<br />
— Hoje mesmo quero que tirem o esterco daquele chiqueiro. Já está fazen<strong>do</strong><br />
quizila aos pobres <strong>do</strong>s bichos. Ouviu, Naiú?<br />
— Senhora, sim.<br />
— Não deixem leite de cabra para o almoço, não. Diga à Margarida: botem<br />
to<strong>do</strong> o leite de cabra para fazer-se queijo. Hoje o dia é seco, o tempo está<br />
levantan<strong>do</strong>, podem fazer queijo <strong>do</strong> melhor. Façam requeijão para Seu Saturnino<br />
levar, ouviu?<br />
O ga<strong>do</strong> ganhava o pasto, mais senhor de si. Para to<strong>do</strong>s os la<strong>do</strong>s, nas<br />
depressões, viam-se aquelas natas de bruma, que ao lento <strong>do</strong> sol se distendiam,<br />
imperceptivelmente; ali um pedaço de rocha, acolá uma árvore, ainda emergiam da<br />
superfície delicada e sutil daqueles frios vapores, que iam subin<strong>do</strong>, subin<strong>do</strong>. A<br />
casinha <strong>do</strong> Silveira mergulhava num lago de névoas. Ban<strong>do</strong>s de maracanãs<br />
passavam com um alari<strong>do</strong>, e assim os periquitos.<br />
— Vão, diabos! gritava-lhes o Néu. Vão acabar com o melhor <strong>do</strong>s roça<strong>do</strong>s,<br />
peste!<br />
O Quim, friorento, aparecia à porta com a sua xícara de café:<br />
— Secundino já acor<strong>do</strong>u?<br />
— Não — respondeu a Guida. Quim, você precisa mandar vir madeira para<br />
endireitar aquele curral. Aquilo não tem jeito: no dia em que meter lá uma boiada, a<br />
cerca vai ao chão.<br />
— Já disse ao Seu Antônio que mandasse vir a madeira que está na<br />
Lagoinha, e acho que o Martins foi... Escuta, estou ouvin<strong>do</strong> o carro.<br />
— Então deve ser ele... É ele mesmo.<br />
Realmente, rio abaixo, esmorecia de mais a mais o chiar de um carro de bois.<br />
Quan<strong>do</strong> o velho pêndulo da sala disparou as suas nove horas, no tímpano fanhoso,<br />
fazia um sol quente e devasta<strong>do</strong>r.<br />
Decididamente, à tarde o Secundino partia. Não quis deixar para o dia<br />
seguinte, apesar <strong>do</strong>s protestos da <strong>do</strong>na da casa. Efetivamente, partiu. Foi no<br />
Marreca. Saíram esquipan<strong>do</strong>, que era um gosto, ele e o tio, as cargas ten<strong>do</strong> segui<strong>do</strong><br />
uma hora antes.<br />
Guida passou o resto da tarde no alpendre, parolan<strong>do</strong> com a Carolina, que<br />
por seu la<strong>do</strong> estaria com saudades <strong>do</strong> seu mari<strong>do</strong>, àquela hora talvez já arrancha<strong>do</strong><br />
em Mossoró. Quan<strong>do</strong> ele chegasse, dizia, já havia de achar as duas casinhas <strong>do</strong>s<br />
cunha<strong>do</strong>s levantadas, que os irmãos estavam trabalhan<strong>do</strong> nelas com vontade. Uma<br />
casa só não era possível para tanta gente. Familião, que eles tinham! Guida<br />
noticiara-lhe que logo que o Silveira estivesse de volta mandava-o tomar conta das<br />
bestas e outros animais. E de pé, seguran<strong>do</strong> na corda de laçar, feita de relho, que se<br />
esticava por debaixo <strong>do</strong> beiral, balançan<strong>do</strong> com o corpo, como se em cuida<strong>do</strong>s<br />
estivera, atirava para a paisagem um olhar, que se podia materializar em um lanço<br />
de tarrafa; e abaixan<strong>do</strong>-o, puxan<strong>do</strong>-o para si, como despencava estas palavras<br />
palpitantes que se debatiam asfixiadas:<br />
— E, mulher, você quer bem a seu mari<strong>do</strong>?<br />
— Quem? Eu, <strong>Dona</strong> <strong>Guidinha</strong>? E a quem hei de querer senão a ele, que<br />
recebi no pé <strong>do</strong> altar?<br />
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