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Dona Guidinha do Poço - Unama

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— Então lhe merece muito apreço, não é?<br />

— Muito, D. <strong>Guidinha</strong>! Não há dinheiro que pague!<br />

— É como se fosse um brilhante?<br />

— Mais!<br />

— É...<br />

A ingênua <strong>do</strong>nzela, em filial confidência:<br />

www.nead.unama.br<br />

— É como se fosse um coração de carne, vivo, cheinho de amor!<br />

— Tolice! replicou a Margarida, sufocan<strong>do</strong> um sentimento inconfessável.<br />

O Major esforçou-se para fazer ao sobrinho uma festazinha regular. Matou-se<br />

matutagem, convi<strong>do</strong>u-se, dançou-se ao som de rabeca e viola. A Margarida com seu<br />

exagero, despejou um copo de vinho na cabeça de um convida<strong>do</strong> que não queria<br />

beber mais. Compareceu um velho ferreiro, dizen<strong>do</strong> de décimas e brejeirices, que<br />

fez boa súcia. Caçoan<strong>do</strong>, caçoan<strong>do</strong>, o brinque<strong>do</strong> foi até o dia seguinte, ao quebrar<br />

das barras. Então foram-se retiran<strong>do</strong> os matutos, em corridas e gritarias por aqueles<br />

matagais.<br />

O Secundino, afeito a exacerbações semelhantes na vida da praça, estava<br />

cada vez mais lesto ao declinar <strong>do</strong> pagode, à medida que aqueles sertanejos<br />

hercúleos, nasci<strong>do</strong>s e cria<strong>do</strong>s no rigoroso trabalho, se desmoralizavam como os<br />

bebês e as aves à hora <strong>do</strong> berço e <strong>do</strong> poleiro. Uma agradável palidez clareou-lhe a<br />

fisionomia encandeada pelos grandes olhos castanhos.<br />

Os últimos, que ficaram, foram ao banho, de troça. A <strong>Guidinha</strong>, com as outra<br />

mulheres, um pouco mais para baixo, onde o rio era mais ensombra<strong>do</strong>.<br />

Nada mais, nada menos, o Secundino passou três dias no <strong>Poço</strong> da Moita.<br />

Num deles, à hora em que os pássaros recolhem às grandes árvores com os cantos<br />

de que usam alegrar-se nas menores insignificâncias da vida, soou na catinga um<br />

grito de acauã, um pia<strong>do</strong> grosso, angustia<strong>do</strong>, aflitivo como o de uma rã no dente da<br />

cobra. A Lalinha, menina da praça, abominava aquele canto horrível da ave de<br />

rapina. Tapou os ouvi<strong>do</strong>s e correu às gargalhadas <strong>do</strong>s circunstantes para esconderse<br />

no interior da vivenda. Sucedia um grito a outro, por uns minutos, eternos, na<br />

mesma intensidade, num duro cadencia<strong>do</strong>, até que se foram des<strong>do</strong>bran<strong>do</strong> em outros<br />

mais agu<strong>do</strong>s, ã, ã, ã, cauã, ã... Lalinha sentia com aquilo um arrepio íntimo, um<br />

vexame, uma gastura como ao conheci<strong>do</strong> Jesus! Jesus! que é costume lamuriar ao<br />

ouvi<strong>do</strong> <strong>do</strong>s moribun<strong>do</strong>s. Ao soturno pôr-<strong>do</strong>-sol, o interminável pia<strong>do</strong> enlutava a<br />

paisagem toda, comunicante, contagioso como o assobio da cigarra quan<strong>do</strong> retine<br />

pela fulva incandescência estival da catinga, impertinente, ator<strong>do</strong>ante, fresta de sol a<br />

queimar o rosto <strong>do</strong> cansa<strong>do</strong> viandante que está ferra<strong>do</strong> no sono ao pouso <strong>do</strong> meiodia.<br />

O Secundino não sabia bem o que aquilo era, apesar de o ter ouvi<strong>do</strong>, e, a<br />

caçoar, os outros responderam:<br />

— É um passo que tem polo sertão, a acauã. Lá na praça não há disso,<br />

heim?<br />

— Ah! Então aquilo é que é o canto da acauã? Tenho li<strong>do</strong>, tenho li<strong>do</strong>. É<br />

realmente me<strong>do</strong>nha assim de perto. Que agouro! a acauã cantar quan<strong>do</strong> vim festejar<br />

os meus anos, heim? — disse ele, rin<strong>do</strong> para a Margarida. Heim, tia <strong>Guidinha</strong>?<br />

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