Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
www.nead.unama.br<br />
O rebanho das cabras subia para o pátio, berran<strong>do</strong>, cabriolan<strong>do</strong>, com um<br />
pelizito fino e lustroso, e as ovelhas, caladinhas, ao balar <strong>do</strong>s cordeiros, cerravam-se<br />
contra as outras por entre as ervas e pedregulhos da baixa.<br />
Meio.<br />
— Olhe as ovelhas como estão poucas, Sinhá <strong>Dona</strong> <strong>Guidinha</strong>.<br />
— Desnortearam com as trovoadas de anteontem: devem estar no Riacho <strong>do</strong><br />
E como o Seu Antônio se aproximava, vin<strong>do</strong> <strong>do</strong> campo:<br />
— A onça ainda apareceu, compadre? — inquiriu, falan<strong>do</strong> alto.<br />
—Senhora, não, disse o vaqueiro, apoian<strong>do</strong>-se à portinha de sua casa, que<br />
era vizinha à vivenda, para o nascente. A onça que tem da<strong>do</strong> na criação é a onça de<br />
<strong>do</strong>is pés. Não sei que lhe diga sobre esses senhores retirantes. Deus me per<strong>do</strong>e<br />
que também ainda um dia também posso me ver nas mesmas circunstâncias, mais<br />
só se for castigo de Lá de Riba.<br />
Carolina <strong>do</strong>eu-se da indireta:<br />
— A pois, meu Senhorzinho, lá por casa ainda, graças a Deus, não entrou<br />
bode furta<strong>do</strong>...<br />
— Quem lhe disse isso, mulher? Com efeito! - ralhou a Guida, sentan<strong>do</strong>-se na<br />
rede armada ali no alpendre.<br />
— Não, Sinhá <strong>Dona</strong> <strong>Guidinha</strong>, vão levantar falso ao Cão! A gente, porque<br />
somos de fora, não há de pagar calúnia assim, não, mais Deus é grande.<br />
O vaqueiro entrara para sua casa, depois de tirar a sela <strong>do</strong> cavalo, que soltou.<br />
Carolina agora dizia:<br />
— Sinhá <strong>Dona</strong> <strong>Guidinha</strong> sabe a história <strong>do</strong>s cinco muitos?<br />
— Como?<br />
— Dos cinco muitos?<br />
— Não sei, não. Conte lá, se sabe.<br />
A narra<strong>do</strong>ra, como o geral <strong>do</strong>s roceiros, falava sempre muito alto, num entono<br />
impossível de representar com os sinais da nossa escrita. Contou ela:<br />
— Uma vez um capitão de navio, muito rico, andava corren<strong>do</strong> terras in<br />
procura de uma moça para com ela se casar, porém queria que a moça tivesse<br />
cinco muitos: que fosse muito pobre, muito bonita, muito alva, que soubesse muito<br />
ler e muito coser. Um dia, saltan<strong>do</strong> num povoa<strong>do</strong>, achou uma <strong>do</strong>nzela como ele<br />
queria, e foi ter na casa da mãe dela. A família da moça recebeu ele muito bem,<br />
ofereceu café, e ele foi logo pedin<strong>do</strong> e obten<strong>do</strong> a mão da <strong>do</strong>nzela, que era uma<br />
criatura formosa como Nossa Senhora da Conceição.<br />
Mais a moça possuía um namora<strong>do</strong>, que ficou desespera<strong>do</strong> com ela por<br />
mo<strong>do</strong> disso. Este sujeito pegou fez-se muito amigo <strong>do</strong> estrangeiro, beberam muito, e<br />
lá num ponto cochichou no ouvi<strong>do</strong> <strong>do</strong> homem que aquela moça, que ele ia receber<br />
pelos santos sacramentos <strong>do</strong> matrimônio, fazia isto e aquilo outro, que era dele há<br />
35