16.04.2013 Views

Dona Guidinha do Poço - Unama

Dona Guidinha do Poço - Unama

Dona Guidinha do Poço - Unama

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

se levar o homem pra onde haja casa de cristão, que ele ficou cos outros, que estão<br />

lá fazen<strong>do</strong> meizinha por mo<strong>do</strong> de ver se ele escapa, mais porém que eu não<br />

acredito que sirvam... Estão debaixo d’uma moita, sem água, nem socorro...<br />

— Eu bem que digo os meus filhos — comentava um velho, a vazar choro:<br />

Meninos não corram de travessa! Meninos, não corram de travessa...<br />

— Quan<strong>do</strong> uma coisa tem de acontece não há juízo que sirva, meu tio.<br />

— Agora isso... lá isso é mesmo.<br />

— A morte sempre traz desculpa consigo.<br />

E agora eis o Quinquim, taciturno, especa<strong>do</strong> entre <strong>do</strong>is desgostos, no<br />

desempenho <strong>do</strong> mais tocante sentimento <strong>do</strong> homem <strong>do</strong> campo, a solidariedade da<br />

espécie. Ele to<strong>do</strong> agora era ordens e providências para salvar o coita<strong>do</strong> <strong>do</strong> Machico.<br />

Assim, como se fora fato previsto, papéis distribuí<strong>do</strong>s, drama estuda<strong>do</strong>, viu-se<br />

aquela vaqueirama a postos, de rede, paus, remédios lá deles, água em borrachas,<br />

toda a inata previdência e apegada rotina <strong>do</strong> sertanejo em funcionamento.<br />

O lugar <strong>do</strong> sinistro ficava a uma légua <strong>do</strong>s Tabuleiros <strong>do</strong> Padre, duas <strong>do</strong> <strong>Poço</strong><br />

da Moita, no Pocinho.<br />

Também foram quase to<strong>do</strong>s, e quase tu<strong>do</strong>, até a bulhenta canzoada. Ficaram<br />

apenas as escravas, um preto velho, a criação, o ga<strong>do</strong> e a Guida, bem como o<br />

Secundino, que, passa<strong>do</strong> cerca de um quarto de hora, se largou para a sua fazenda,<br />

escancha<strong>do</strong> no seu cavalo de sela, esquipa<strong>do</strong>r até ali.<br />

Correu o tempo naquela morbidez <strong>do</strong> sertão.<br />

Margarida, na rede <strong>do</strong> alpendre, pregava os olhos na boca da vereda onde<br />

devia apontar o primeiro mensageiro. No despedir-se, o Secundino parecia não dar<br />

pela presença <strong>do</strong>... amante (vá lá o termo com os diabos!) atenta como estava para<br />

o <strong>do</strong>loroso caso <strong>do</strong> Machico. Pobrezinho <strong>do</strong> Machico, o braço direito <strong>do</strong> pai, o<br />

vaqueiro destemi<strong>do</strong>, o herdeiro, não da fortuna, que isso nunca virá à família dele,<br />

mas <strong>do</strong>s encargos e pensões!<br />

Naquele momento, <strong>do</strong> coração pútri<strong>do</strong> da adúltera, nascia, pelo nenúfar <strong>do</strong><br />

pântano, o sublime, que, louva<strong>do</strong> seja Deus, de to<strong>do</strong> não desaparece nunca da alma<br />

feminina. Ressurgia a antiga protetora <strong>do</strong>s retirantes.<br />

Man<strong>do</strong>u ao preto velho, o Samangolé, assim mesmo de pés incha<strong>do</strong>s, ir para<br />

a vereda tocaiar passantes e perguntar pelo Machico...<br />

Esquecera de dizer ao Quinquim, mas nem o vira quan<strong>do</strong> partira, que<br />

trouxesse o desgraça<strong>do</strong> vaqueiro para o <strong>Poço</strong> da Moita. Ela tinha fé que o salvaria.<br />

Por uma inexplicada associação de pensamentos, lembrava-se — ali, na<br />

angustiosa expectativa de mulher sacudida pela violência de um sentimento forte, —<br />

da Lalinha!<br />

A Guida tinha isto consigo: toda a vez que a possuía o patético, o trágico, o<br />

irremediável, um pranto oculto lhe trazia a nadar nas lágrimas sufocadas <strong>do</strong> íntimo a<br />

imagem da santa menina, mas dentro, no ser, no sangue, no pulso, quer <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>,<br />

já acordada, ou nos trabalhos de casa, ou nas diversões <strong>do</strong> campo, ou nos ócios da<br />

vida rica.<br />

Deus a não castigaria? E por que Nosso Senhor não mudava os corações? E<br />

punha-se a rezar. Era mui devota <strong>do</strong>s seus santos de pau.<br />

Em conseqüência, daqui, dali, a culpa de tantas naturezas em abalroamento<br />

era <strong>do</strong> Quinquim. E o tédio, o rancor sur<strong>do</strong>, caía sobre o mari<strong>do</strong> que ela recebeu<br />

com o seu voluntário sim, nos pés <strong>do</strong> altar sagra<strong>do</strong>.<br />

84

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!