imagens de memória/esquecimento na contemporaneidade
imagens de memória/esquecimento na contemporaneidade
imagens de memória/esquecimento na contemporaneidade
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
espírito é limitado <strong>de</strong>mais para compreen<strong>de</strong>r-se a si mesmo? E on<strong>de</strong> está aquilo que não<br />
apreen<strong>de</strong> <strong>de</strong> si mesmo? Estará então fora <strong>de</strong> si mesmo, e não <strong>de</strong>ntro?ŗ Confrontado com essa<br />
possibilida<strong>de</strong>, Agostinho já esboça a questão da <strong>memória</strong> pessoal alimentar-se das <strong>memória</strong>s<br />
coletivas:<br />
Aí [<strong>na</strong> <strong>memória</strong>] estão também todos os conhecimentos que recordo, seja por<br />
experiência própria ou pelo testemunho alheio. Dessa riqueza <strong>de</strong> idéias me vem a<br />
possiblida<strong>de</strong> <strong>de</strong> confrontar muitas outras realida<strong>de</strong>s, quer experimentadas<br />
pessoalmente, quer aceitas pelo testemunho dos outros; posso ligá-los aos<br />
acontecimentos do passado, <strong>de</strong>les inferindo ações, fatos e esperanças para o futuro,<br />
e, sempre pensando em todas como estando presentes [...]. (AGOSTINHO, 2009,<br />
p.275-276, grifo nosso).<br />
Ricœur (2007, p. 108) <strong>de</strong>staca que é, no entanto, só em torno da virada do século<br />
XIX para o XX com a obra <strong>de</strong> Husserl que Ŗa escola do olhar interior atinge seu apogeu; ao<br />
mesmo tempo, toda a tradição do olhar interior se constrói como um impasse rumo à <strong>memória</strong><br />
coletivaŗ.<br />
Fundador da fenomenologia, Husserl evoca Agostinho quanto à maneira <strong>de</strong><br />
vincular as problemáticas da interiorida<strong>de</strong>, do tempo e da <strong>memória</strong>. Nas Lições para uma<br />
fenomenologia da consciência íntima do tempo, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> e atualização do<br />
presente nos remete ao termo presentificação ou re-(a)presentação 11 cunhado por Husserl,<br />
que significa o ato pelo qual um objeto se tor<strong>na</strong> presente sob a forma <strong>de</strong> imagem, é uma<br />
característica do tempo vivido, sentida como presente e integrada como tal <strong>na</strong> <strong>memória</strong>. A<br />
presentificação difere da apresentação: a última, sob a forma da percepção, constitui a<br />
apresentação pura e simples (e não intuitiva), enquanto todos outros atos sensíveis são<br />
classificados como presentificação, que por sua vez não apresentam o objeto.<br />
Em Husserl encontramos reflexões acerca das diferenças entre imagem e<br />
lembrança, no entanto, não consi<strong>de</strong>ram seu entrelaçamento e a confusão entre ambas no nível<br />
da linguagem e no plano da experiência viva (RICŒUR, 2007, p.61). Quando Husserl fala <strong>de</strong><br />
imagem, se refere às Ŗpresentificações que <strong>de</strong>screvem alguma coisa <strong>de</strong> maneira indireta:<br />
retratos, quadros, estátuas, fotografias, etc.ŗ (RICŒUR, 2007, p.63, grifo nosso). Por sua vez,<br />
a busca da fenomenologia husserlia<strong>na</strong> da lembrança não propõe um equivalente da coisa<br />
lembrada, mas a reapropriação do tempo perdido. A lembrança seria assim, uma espécie <strong>de</strong><br />
presentificação que tem a ver com o tempo (RICŒUR, 2007, p.62). Lembrança e imagem<br />
fazem parte assim da gran<strong>de</strong> família <strong>de</strong> presentificações.<br />
11 Vergegenwärtigung, sendo o termo traduzido também por re-(a)presentação para não ser confundido com<br />
representação (Vorstellung), já que a última palavra, após Kant, agrupava todos os correlatos <strong>de</strong> atos sensíveis,<br />
intuitivos, distintos do juízo. Ver mais em RICŒUR, 2007, p. 62.<br />
30