imagens de memória/esquecimento na contemporaneidade
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É nesse sentido que o documento se configura como meio social, <strong>de</strong>vendo ser<br />
estudado numa perspectiva econômica, jurídica, política, cultural, e enquanto instrumento <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r. Assim, aquele que procura por uma história total <strong>de</strong>ve repensar a noção <strong>de</strong> documento,<br />
estar ciente <strong>de</strong> que faz também uma intervenção ao escolhê-los <strong>de</strong>ntre outros dados do<br />
passado. Faz-se necessário observar, portanto, as lacu<strong>na</strong>s da história, pois se os documentos<br />
fazem às vezes <strong>de</strong> <strong>memória</strong>, é necessário lembrar que a ausência <strong>de</strong>les, se a história somente<br />
for baseada em documentos, faz precisamente o papel do <strong>esquecimento</strong>, corrobora com uma<br />
<strong>memória</strong> manipulada:<br />
Faço notar também que a reflexão histórica se aplica hoje à ausência <strong>de</strong> documentos,<br />
aos silêncios da história. [...] Falar dos silêncios da historiografia tradicio<strong>na</strong>l não<br />
basta; penso que é preciso ir mais longe: questio<strong>na</strong>r a documentação histórica sobre<br />
as lacu<strong>na</strong>s, interrogar-se sobre os <strong>esquecimento</strong>s, os hiatos, os espaços em branco da<br />
história. Devemos fazer o inventário dos arquivos do silêncio e fazer a história a<br />
partir dos documentos e da ausência <strong>de</strong> documentos. (LE GOFF, 2003, p.109)<br />
Derrida (2001, p.32) <strong>de</strong>monstra em Mal <strong>de</strong> arquivo o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> <strong>memória</strong> através<br />
tanto do arquivo institucio<strong>na</strong>l como do pessoal. O mal <strong>de</strong> arquivo Ŕ ou Ŗpulsão <strong>de</strong><br />
conservaçãoŗ ou Ŗpulsão <strong>de</strong> arquivoŗ Ŕ não existiria sem a ameaça <strong>de</strong> um <strong>esquecimento</strong> além<br />
do recalcamento, sem a ameaça <strong>de</strong>sta Ŗpulsão <strong>de</strong> morteŗ 23 , <strong>de</strong> agressão ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição. Esta<br />
ameaça é infinita, e varre as condições espaço-temporais da conservação. Ela é uma espécie<br />
<strong>de</strong> abuso, que abre a dimensão ético-política do problema, Ŗo mal <strong>de</strong> arquivo toca o mal<br />
radicalŗ.<br />
O filósofo francês refere-se aos <strong>de</strong>sastres do fim do milênio como os Ŗarquivos do<br />
mal: dissimulados ou <strong>de</strong>struídos, interditados, <strong>de</strong>sviados, Řrecalcadosřŗ (DERRIDA, 2001, p.<br />
7, grifo do autor), enfim, meio eficaz <strong>de</strong> tratamento refi<strong>na</strong>do <strong>de</strong> manipulações privadas ou<br />
secretas. O termo é semelhante ao que Le Goff (2003, p.525) <strong>de</strong>signou por<br />
documento/monumento. Derrida (2001, p.117) nos fala ainda <strong>de</strong> uma perturbação <strong>de</strong> arquivo,<br />
que <strong>de</strong>riva <strong>de</strong> um mal <strong>de</strong> arquivo e implica precisamente aquilo que Ŗturva a visão, o que<br />
impe<strong>de</strong> o ver e o saberŗ; ela é também a Ŗperturbação dos segredos dos complôs, da<br />
clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>, das conjurações meio privadas, meio públicas, sempre no limite instável<br />
entre o público e o privado, entre a família, a socieda<strong>de</strong> e o Estadoŗ, ou, entre uma intimida<strong>de</strong><br />
ainda mais privada, entre si e si.<br />
23 Por vezes a Ŗpulsão <strong>de</strong> morteŗ, termo caro à psicanálise, <strong>de</strong>sig<strong>na</strong> também o mal <strong>de</strong> arquivo, com o qual se<br />
confun<strong>de</strong> e é <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte ao mesmo tempo: ŖPor um lado, o arquivo é possibilitado pela pulsão <strong>de</strong> morte, <strong>de</strong><br />
agressão e <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição, isto é, também pela finitu<strong>de</strong> e pela expropriação originárias. Mas, além da finitu<strong>de</strong><br />
como limite, há, dizíamos antes, este movimento propriamente in-finito <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição radical sem o qual não<br />
surgiria nenhum <strong>de</strong>sejo nem mal <strong>de</strong> arquivoŗ (DERRIDA, 2001, p.122).<br />
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