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Não pensei ofender tamanho orgulho.<br />
Tua mágoa respeito. Só te imploro<br />
Que sobre a fronte ao trovador desfolhes<br />
Essas flores, as flores do noivado<br />
De uma triste mulher... E quanto às jóias,<br />
Lança-as no lago... Mas quem és? teu nome?"<br />
O DESCONHECIDO<br />
— Quem sou? Um doudo, uma alma de insensato,<br />
Que Deus maldisse e que Satã devora;<br />
Um corpo moribundo em que se nutre<br />
Uma centelha de pungente fogo,<br />
Um raio divinal que dói e mata,<br />
Que doira as nuvens e amortalha a terra!<br />
Uma alma como o pó em que se pisa;<br />
Um bastardo de Deus, um vagabundo<br />
A que o gênio gravou na fronte — anátema!<br />
Desses que a turba com o dedo aponta...<br />
Mas não; não hei de sê-lo! Eu juro n'alma,<br />
Pela caveira, pelas negras cinzas<br />
De minha mãe o juro... Agora há pouco<br />
Junto de um morto reneguei do gênio,<br />
Quebrei a lira à pedra de um sepulcro...<br />
Eu era um trovador, sou um mendigo.<br />
Ergueu do chão a dádiva d'Elfrida;<br />
Roçou as flores aos trementes lábios;<br />
Beijou-as. Sobre o peito de Tancredo<br />
Pousou-as lentamente...<br />
— Em nome dele,<br />
Agradeço estas flores do teu seio,<br />
Anjo que sobre um túmulo desfolhas<br />
Tuas últimas flores de donzela! —<br />
Depois vibrou na lira estranhas mágoas,<br />
Carpiu à longa noite escuras nênias,<br />
Cantou: banhou de lágrimas o morto.<br />
De repente parou — vibrou a lira<br />
Co'as mãos iradas, trêmulas... e as cordas<br />
Uma per uma rebentou cantando...<br />
Tinha fogo no crânio, e sufocava.<br />
Passou a fria mão nas fontes úmidas,<br />
Abriu a medo os lábios convulsivos,<br />
Sorriu de desespero — e sempre rindo<br />
Quebrou as jóias as lançou no abismo.<br />
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